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Agostinho Goenha1
Resumo
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Docente de Literatura na UP, Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes, Departamento de
Ciências da Linguagem, Curso de Português, Maputo.
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inclusão; ao mesmo tempo, o fracasso escolar deve ser analisado à luz dos factores sociais,
culturais e linguísticos.
Entretanto, já na perspectiva de Alcina Lages, se estes fenómenos forem entendidos no
seu sentido mais abrangente, individual, social, institucional e cultural,
o grau de convergência ou de divergência entre as representações da escola nos actores
constitui um indicador importante para a sua análise. É necessário, no entanto, relativizar
este raciocínio. Os alunos, os pais e os professores, nas significações que atribuem a
princípios educativos e às normas gerais que enquadram a sua aplicação, nunca
manifestam juízos inteiramente consensuais. Para além das diferenças no estatuto sócio-
institucional, subsistem, como um conjunto de factores diferenciadores, os dados das
experiências singulares e os estilos de inserção sócio-cultural que produzem efeitos
igualmente diferenciadores no processo de formação das representações "
(Considerações Gerais, p.1 – texto de apoio)2.
2
A educação torna-se um produto, uma mercadoria e fica submetida à lógica economicista do mercado.
Torna-se um bem de consumo e um instrumento de sobrevivência a nível da competitividade mundial ou um
lugar onde se aprende uma cultura de “guerra” (ter mais êxito do que os outros) – as aspas são da nossa
responsabilidade – e não uma cultura de vida / de paz (viver com os outros num interesse geral). LAGES,
Alcina, A Escola e a Guerra, p.4 – texto de apoio).
3
. Apud Lages, in Considerações Gerais, p.18.
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Por sua vez, Tonucci (1986)4 defende a existência de uma outra perspectiva e de outra
finalidade educativa, afirmando que “a escola construtiva assume (…) concepções diferentes nos
princípios e nos meios da sua acção educativa. É dada uma grande ênfase à construção
gradual da autonomia do aluno a partir da valorização da sua iniciativa pessoal, em oposição
à atitude passiva, face aos saberes e aos valores impostos do exterior”.
Estas duas perspectivas teriam como veículo transmissor, no caso do nosso processo
educativo, a língua portuguesa, como língua de instrução, de procedimentos governamentais e
administrativos (oficiais) e não através das línguas maternas do tronco bantu, da grande maioria
dos alunos. Entretanto, importa referir que, não obstante a importância, ainda que relativa, das
teorias de Alain e de Tonucci, respectivamente, e apesar de a língua oficial e de instrução
aparecer como um sistema simbólico que permite que a escola realize a sua função ordenadora,
ao funcionar como elemento agregador e unificador, ela não deixa de conter em si algo de
paradoxal. Neste sentido, para além da função unificadora, de língua oficial e de ensino, o
português assume também uma função separatista porque, ao mesmo tempo que une, ela exclui
todos os outros que não a utilizam. No momento da sua escolha, como referimos, ela agrega os
que a falam e confere prestígio a estes falantes, em detrimento dos que não a falam.
A título ilustrativo, segundo dados estatísticos oficiosos, Moçambique tem
aproximadamente 17 milhões de habitantes; destes, pouco mais de 75% são analfabetos ou estão
em situação de iliteracia. Com esta percentagem, é possível ter uma “ideia” do número de
“excluídos” por não falar a língua oficial e, paralelamente, é possível ter outra “ideia” do número
de crianças que vão à escola, pela primeira vez, sem falar essa língua oficial pretensamente
agregadora e unificadora; mais: os currículos escolares adoptados em Moçambique e que
consubstanciaram o Sistema Nacional de Educação (SNE) até finais da década de 90 do século
passado, não fazem distinção entre alunos falantes, à partida, e não falantes da língua oficial
(portuguesa) à entrada da escola, ou seja, na classe inicial (1ª classe); Esses currículos são
uniformes ou uniformizantes e tratam todos os alunos por igual, o que, por mais paradoxal que
pareça, cria uma situação de injustiça, de exclusão linguística (escolar) e de um potencial
insucesso escolar.
Esta é uma das situações que prevaleceu no nosso país e que contribuiu para o baixo
índice de aproveitamento escolar, particularmente nas zonas suburbanas e rurais (também nas
cidades) e nas classes iniciais, pelas razões atrás referidas. Entretanto, as últimas reformas
educativas encetadas pelo MINED acautelaram, desta vez, a situação linguística do aluno falante
4
. Apud Lages, op. cit., p.20.
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unificação de uma língua, ou de adopção de uma língua comum, o homem depara-se, segundo
Dias, (2000), com o mesmo drama da ambivalência, isto é, ao buscar agregações para realizar a
necessidade de fraternidade, de igualdade e de liberdade, ao mesmo tempo desagrega, desune e
cria desigualdades; ao mesmo tempo que se caminha para a união, caminha-se também para
outras formas de desunião. A História da Humanidade tem sido marcada por um processo
dialéctico entre a união, a inclusão e a desunião, a exclusão, etc. A ambivalência dos processos
histórico-culturais pode ser considerada como desejo simultâneo de unir e de desunir algo. A
ambivalência também se coloca quando as intencionalidades não correspondem aos
resultados que se esperam, ou seja, quando o projecto educacional, ao concretizar-se, não
consegue realizar a sua intenção inicial.
A este propósito, basta recordar que, apesar de em Moçambique as autoridades da
educação terem instituído a escolaridade obrigatória e gratuita para todas as crianças em idade
escolar, muitos alunos principiantes, principalmente nas zonas peri-urbanas e rurais de famílias
modestas não têm acesso ao sistema oficial de ensino, por falta de vagas, consequentemente, nos
anos seguintes, estes vão engrossar a lista dos que não tiveram acesso nos anos anteriores. Nota-
se, claramente, que há a necessidade urgente de formulação de novas políticas de educação,
mais consentâneas com a realidade e com o tempo histórico-político actuais. Infelizmente, apesar
da boa vontade do Governo e do que se preconiza nos Objectivos do Desenvolvimento do
Milénio (da ONU), na verdade, nem todas as crianças podem ter acesso à educação (muito
menos à gratuita), nas actuais condições. Urge uma reflexão conjunta!
Para terminar e de forma sintética, podemos considerar que, no caso concreto de Maputo,
espaço de análise no presente estudo (que nos parece generalizável a todo o país), o projecto
educacional consubstanciado no antigo SNE, que se pretendeu que fosse de cultivo de valores
da unidade nacional, de patriotismo, em torno tanto do Homem Novo, como da língua
portuguesa, ao ser concretizado e implementado ao quotidiano escolar, subestimou os valores
culturais, sociais e históricos locais das comunidades nativas de origem bantu, o que
motivou a emergência de uma espécie de resistência intrínseca, latente nessas comunidades
suburbanas ou rurais e provocou um distanciamento entre a escola e a comunidade e,
consequentemente, criou uma espécie de marginalização de uma certa classe (rural,
camponesa) da sociedade.
A título de exemplo, lembremos que nas escolas moçambicanas era expressamente
proibido a todos os alunos, professores e funcionários fazerem uso das suas respectivas
línguas maternas bantu, dentro dos recintos escolares; nas comunidades era proibida a
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Parece-nos ser um dado generalizado considerar que a fraca qualidade do nosso ensino se
deve à deficiente preparação do aluno, como se este fosse um produto independente da
sociedade (caracterizada em muitos casos, pela pobreza absoluta que, herculeamente o
Governo se compromete a combater) e do professor (muitas vezes, também ele pobre ou mais
pobre, ainda, que o aluno).
O sucesso da educação em Moçambique depende de todos nós, sobretudo do nosso
trabalho e, periodicamente, da avaliação dos processos educativos e da nossa própria auto-
avaliação.
Bibliografia