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Análise crítica da qualidade do subsistema de educação geral em

Moçambique: ensino primário

Critical analysis of the quality of the general education subsystem


in Mozambique: primary education

Ana Paula X. Matusse


apaulamatusse@iscisa.ac.mz
Universidade Católica de Moçambique
Faculdade de Educação e Comunicação de Nampula

Resumo
O artigo que se propõe apresentar surge à luz das actuais discussões sobre qualidade da educação em
Moçambique. Por ser um tema abrangente restringiu-se ao subsistema ensino primário, procurando olhar a
qualidade numa perspectiva de eficácia, relevância, processos e meios, isso permitiu verificar qual era o estágio
da qualidade da educação no nível primário, em Moçambique. Realizou-se uma análise documental e
bibliográfica, a fim de buscar respostas inerentes à qualidade que se proponha apresentar. No decorrer do artigo
verificou-se quais foram as principais mudanças e/ou alterações no subsistema trazidas pelas reformas
educacionais do país. Entretanto, essas reformas não foram substanciais para a determinação da qualidade.
Durante todo este percurso, a qualidade (excelência) ainda se mantém uma preocupação constante. Constante
é, igualmente, a falta de instrumentos para a maximização da mesma (qualidade). Contudo, numa escola, todas
estas perspectivas de qualidade abordadas no decorrer do artigo devem ser literalmente articuladas se
pretendemos de facto aperfeiçoar o sistema, isto é, a eficácia, a relevância e os processos e meios poderiam
estar ligados através do processo de ensino-aprendizagem que decorre em sala de aulas.

Palavras-chave: ensino primário, qualidade, eficácia, relevância e processos e meios.

Abstract
The article that it proposes to present appears in the light of current discussions on the quality of education in
Mozambique. As it is a wide-ranging theme, it was restricted to the primary education subsystem, seeking to
look at quality from a perspective of effectiveness, relevance, processes and means, which allowed us to verify
what was the stage of the quality of education at the primary level in Mozambique. A documental and
bibliographic analysis was carried out in order to seek answers inherent to the quality it proposes to present. In
the course of the article, it was verified which were the main changes and/or changes in the subsystem brought
about by the educational reforms in the country. However, these reforms were not substantial in determining
quality. Throughout this journey, quality (excellence) is still a constant concern. Equally constant is the lack of
instruments to maximize it (quality). However, in a school, all these quality perspectives discussed throughout
the article must be literally articulated if we really intend to improve the system, that is, the effectiveness,
relevance and processes and means could be linked through the teaching-learning process. which takes place in
the classroom.

Keywords: primary education, quality, effectiveness, relevance and processes and means.

1
Introdução
O presente artigo enquadra-se no contexto de avaliação parcial realizada no módulo de
Avaliação de Qualidade e Sistemas de Educação e Formação. Salientar que se trata de uma
análise crítica, para abrir espaço à análises mais profundas envolvendo pesquisas de
dimensão nacional, da qualidade do subsistema de educação geral em Moçambique,
concretamente do ensino primário sob ponto de vista da eficácia, relevância, processos e
meios, em que: (1) a eficácia atende aos resultados alcançados da aprendizagem, (2) a
relevância dá primazia aos fins da acção educativa e (3) os processos e meios olham para o
contexto da aprendizagem.

O artigo focou-se no ensino primário por ser o primeiro contacto das crianças com a
aprendizagem formal – quando não enquadradas antes nos jardins de infância – e por se
julgar mais vulnerável do sistema educativo, merecendo por parte de todos maior atenção
pois, se logo no princípio o processo de ensino-aprendizagem (PEA) falha, existe maior
probabilidade dos níveis subsequentes falharem também.

De acordo com a Lei nº 18/2018, de 28 de Dezembro, Educação Básica estende-se para nove
(9) classes sendo: Ensino Primário (da 1ª à 6ª classe) e o 1º Ciclo do Ensino Secundário (da 7ª
a 9ª classe).

Ainda com base na Lei nº 18/2018, de 28 de Dezembro são objectivos do ensino primário:

a) proporcionar uma formação inicial nas áreas da comunicação, ciências sociais, ciências naturais,
matemática, educação física, estética e cultura; b) desenvolver conhecimentos socialmente
relevantes, técnicas básicas e aptidões de trabalho manual, atitudes e convicções que proporcionem
maior participação social para o ingresso na vida produtiva.

Partindo dos pressupostos acima, até que ponto os objectivos e estratégias desenhadas para
o ensino primário conferem ao mesmo qualidade no que tange ao P.E.A.? Será olhando para
estes objectivos conjugados aos propósitos da educação que permitirá verificar qual é o
estágio da qualidade da educação no nível primário, em Moçambique.

Para dar resposta à questão supra fez-se uma análise documental e bibliográfica com vista a
incorporar uma reflexão crítica ao artigo.

O artigo está dividido em três (3) parte fulcrais, sendo que a primeira comporta a introdução,
procurando situar ao leitor sobre o estudo efectuado tendo em conta o objecto de estudo, a

2
contextualização e relevância; a segunda diz respeito aos pressupostos teóricos e a terceira
faz menção às principais ilações tiradas sobre o tema.

Pressupostos teóricos

A introdução, em 2004, de um novo currículo do ensino básico consistiu no culminar de um


processo de reformas nesse nível de ensino que se iniciou em 1998. O novo currículo do
ensino básico introduziu reformas importantes no ensino primário, alinhadas com os
desígnios dos compromissos nacionais de Educação para Todos, que tinham em vista
melhorar a qualidade do ensino, melhorar a assimilação dos conteúdos da aprendizagem
pelos alunos, tendo em conta as suas diferenças.

Actualmente o país conta com o Plano Curricular do Ensino Primário (PCEP) que surge como
resultado da reformulação do currículo introduzido em 2004, à luz da Lei 6/92, de 6 de Maio
alicerçado na nova Lei do Sistema Nacional da Educação, a Lei no 18/2018 de 28 de Dezembro.
Entretanto, o novo plano curricular do ensino primário entra em vigor a partir de 2022.

Como se verificou na introdução deste artigo, a nova lei do SNE elimina a 7ª Classe no ensino
primário, passando esta a fazer parte do ensino secundário. Assim sendo, a partir de 2022 o
Ensino Primário passa a obedecer dois ciclos de ensino e aprendizagem baseado na
competência, leccionado até a 6ª Classe.

Especificamente, o Ensino Primário passa a ser leccionado em regime de monodocência


(único professor) e com incidência sobre duas disciplinas, Português e Matemática, onde o
objectivo é:

a) no primeiro ciclo (1ª a 3ª Classe), o aluno deve desenvolver competências de leitura e


escrita, contagem de números e realização de operações elementares de matemática, noções
de higiene pessoal, relações com outras pessoas e consigo próprio e, saúde e bem-estar;
estimulá-los a respeitar os mais velhos, a serem honestos e solidários.

b) no segundo Ciclo (4ª a 6ª Classe), consolida-se as matérias leccionadas no primeiro ciclo e,


introduz-se novas disciplinas tais como Ciências Sociais, Ciências Naturais, Educação Visual e
Ofícios. Neste ciclo o aluno deve usar a língua como um meio de comunicação e de acesso à
ciência e de intercâmbio social-cultural, fazer cálculos com rapidez, interpretar fenómenos
sociais, culturais, económicos e políticos.

3
Com esta alteração o exame de certificação de competências do Ensino Primário para o
Secundário, passa a ser realizado na 6ª Classe. Portanto, a partir de 2022 os alunos que
frequentarem a 6ª Classe, passaram a fazer exame e, a 7ª Classe realizou o seu último exame.

Nesse contexto, Candau (1999, cit. Basílio, 2017) destaca que as actuais reformas
educacionais tendem à organização de um sistema relevante e eficaz. Contudo, Candau
(1999. p.32) afirma que os actores na área de educação consideram que:

Os sistemas escolares são pesados e ineficientes, as despesas são excessivas e os investimentos


improdutivos, as práticas pedagógicas são desatualizadas e ineficientes, a qualidade de ensino é
muito baixa e está desvinculada das exigências pela transformação produtiva, os docentes são
pouco preparados para enfrentar os desafios, os recursos didácticos são anacrônicos.

Supõe-se que melhorando os aspectos acima mencionados seria fácil prover a qualidade no
ensino, mas é importante mencionar que para prover uma educação de qualidade existem
outros factores que carecem de análise, até que, finalmente, possamos afirmar sobre o grau
e/ou estágio de qualidade do ensino.

É possível notar que estas afirmações foram aquando da reforma anterior, mas são muito
actuais, continuam a fazer sentido.

Lobo e Nhêze (2008) afirmam que a questão da qualidade de ensino no país tem sido discutida
nos mais variados níveis. Salientam ainda, que o debate sobre essa perspectiva centra-se nas
questões ligadas à relevância do currículo, na formação dos professores, no nível de
aprendizagem dos alunos, no desperdício escolar no que respeita às desistências e
reprovações, entre outros aspectos. Nas primeiras classes do ensino primário os debates
descem ao nível da aprendizagem da leitura e escrita, que, aparentemente, é crítica.

Com base na afirmação supracitada é possível ver que a questão da qualidade do ensino é
muito abrangente e por essa razão é pertinente estratificar o que se pretende ao abordar a
qualidade no ensino. Ainda no mesmo fio de pensamento, de forma holística, é possível
identificar as três perspectivas de abordagem da qualidade - eficácia, relevância e processos
e meios.

Uma das formas de se analisar o nível de qualidade de ensino no País é analisar e reflectir
sobre o Plano Estratégico da Educação (PEE)1 que, segundo o MINED (2001) é um instrumento

1
No período entre 2006/2011 tinha a designação de Plano Estratégico da Educação e Cultura

4
de planificação e mobilização de recursos numa base flexível e rolante, que não tem a
pretensão de resolver a totalidade dos problemas do Sistema Nacional de Educação (SNE) em
simultâneo. O PEE caracteriza-se como um plano centrado em prioridades e, portanto, com
opções limitadas. Poderia então levantar a seguinte questão “será que o que é determinado
como prioridade constitui de facto uma prioridade do ensino ou estamos a tratar questões
urgentes negligenciando as prioritárias?” A resposta a esta pergunta fica em aberto.

O primeiro plano Estratégico da Educação2 tinha como objectivos a expansão das


oportunidades educativas, a melhoria da qualidade e o desenvolvimento da capacidade
institucional para a gestão do sistema. Efectivamente, o primeiro plano estratégico do sector
já identificava a qualidade como um dos grandes constrangimentos do sistema educativo,
mas a sua ênfase fazia sentir-se mais sobre a necessidade de expansão, como resultado dos
efeitos da destruição da rede escolar ocorridos durante a guerra de 16 anos.

O segundo Plano Estratégico (2006-2011), de acordo com o MEC (2006), indicou que os
progressos que o sector alcançou aquando da implementação do primeiro plano foram
excelentes em termos de acesso. Contudo, no que concerne à qualidade estes foram mais
“limitados” e refere mesmo que o crescimento do acesso se deu através “do uso de dois ou
mesmo 3 turnos nas áreas urbanas e do aumento do rácio alunos por professor” o que sugere
que “a expansão das matrículas poderá ter sido feita à custa da qualidade”.

Nessa linha o MEC (2008), com base no Relatório conjunto e seus parceiros identificou a
existência de “grandes desafios nas áreas de qualidade”, colocando ainda a contratação de
professores suficientes, a supervisão e o controle do absentismo, a avaliação do currículo, a
educação bilingue e as construções escolares, para melhorar as condições de aprendizagem
na sala de aulas no cerne das questões que poderiam contribuir para a melhoria da qualidade
de ensino no país.

Na sequência dos PEEs anteriores, o PEE (2012-2016), de acordo com MINED (2012) abordava
o estágio actual do sector da educação, afirmando que nos últimos anos, o sector da Educação
havia registrado grandes progressos, particularmente no concernente do aumento de oferta
da educação. Mais crianças ingressaram anualmente nas escolas; mais crianças progrediram

2
Plano Estratégico da Educação 1999-2003, Maputo, Outubro 1998

5
anualmente de um nível para outro. Destacou-se a expansão do ensino secundário e a
redução das disparidades geográficas e de género.

Finalmente, no PEE (2020-2029), segundo MINEDH (2020a), destacou-se como progresso o


estabelecimento da educação pré-escolar como um subsistema de educação; a melhoria da
equidade no acesso e participação na educação, com enfoque para a rapariga; o aumento do
número de escolas em 89%, entre 2008 e 2017, o número de professores no Ensino
Secundário, nos últimos sete anos, também registou um aumento; registou-se, igualmente,
uma melhoria na aprendizagem de jovens e adultos com um aproveitamento de cerca de 67%,
na disciplina de literacia e 70% na de numeracia.

Permanecem, contudo, grandes desafios para o futuro, principalmente quanto à capacidade


de proporcionar um efectivo ensino inclusivo, através da retenção dos alunos no sistema e a
sua progressão para o nível seguinte, bem como no que tange à melhoria da qualidade da
educação, virada para um melhor desempenho dos alunos em todos os níveis de ensino em
termos da seu aproveitamento e desenvolvimento das competências requeridas.

Torna-se pertinente realçar, mais uma vez, que o sector da educação coloca no centro dos
seus desafios a melhoria da qualidade da educação. Durante todo este percurso a qualidade
(excelência) ainda se mantém uma preocupação constante. Constante é, igualmente, a falta
de instrumentos para a maximização da mesma (qualidade). É nesta perspectiva que se insere
a abordagem que se segue, procurando analisar os três contextos de qualidade da educação.

Qualidade no Contexto da Eficácia

Como foi mencionado na introdução, a eficácia atende aos resultados alcançados da


aprendizagem, isto é, se os alunos aprendem o que devem aprender. Assim, analisando os
PEEs (2012-2016/ 2020-2029) torna-se um pouco difícil responder a esta questão, pois
apresentam vários dados numéricos em termos de entradas e saídas do sistema, mas não
mostram uma análise qualitativa, por exemplo, se o que se propunha que os alunos
aprendessem efectivamente foi aprendido.

Se fizermos uma análise muito generalizada no que toca aos resultados, acesso e
permanência, podemos constatar que, com base no PEE (2012-2016), segundo MINED (2012),
entre 2004 e 2011, o número de alunos no ensino primário do segundo grau (EP2) quase
duplicou (com um crescimento em 204%), o que se supõe que foi acima da média. A

6
abordagem não muda muito no PEE (2020-2029), de acordo com MINEDH (2020a), ao afirmar
que no Ensino Primário, os efectivos do subsistema duplicaram entre 2004 e 2018, com mais
de 6,5 milhões de estudantes em 2018. Isto é, para mostrar que houve crescimento
substancial foi-se fazer um acréscimo da análise já efectuada no plano anterior.

Ainda no contexto numérico (proporção) o PEE (2012-2016) apresenta uma variação


(2004/2010) na taxa de aprovação (68%) não satisfatória se formos a olhar para as prioridades
do SNE, em compensação, as taxas de repetência tendem a subir. Entretanto no PEE (2020-
2029) realça-se que as altas taxas de desistência e reprovação mostram o desafio da falta de
eficiência interna do sistema. Verificou-se que em 2017, no EP1, 8,9% dos alunos desistiram
da escola e 12,5% reprovaram, havendo diferenças grandes entre as regiões. Situação
semelhante encontra-se no EP2, com 7,4% de desistências e 13.7% de reprovações.

Afirma o MINED (2012) no PEE (2012-2016) haver sinais de que a qualidade do processo de
ensino-aprendizagem não estar a melhorar. Por exemplo, o nível de rendimento escolar dos
alunos registou uma ligeira queda a partir de 2008, comparativamente aos anos lectivos
precedentes. Ao mesmo tempo, existe a percepção de que há muitas crianças que no fim do
1º ciclo (do antigo sistema), do EP (2ª classe) ainda não conseguem ler e escrever,
contrariando as taxas de aproveitamento na 2ª classe que são relativamente altas.

Parece conveniente fazer uma leitura positiva no que toca à qualidade se partirmos do
pressuposto que os resultados de aprendizagem estão directamente relacionados à taxa de
aprovação, o que não corresponde à verdade, isto equivaleria afirmar “quanto maior for a
taxa de aprovação maior será qualidade do sistema”. Contudo, importa realçar que no PEE
(2020-2029) destaca-se, segundo o MINEDH (2020a), que a qualidade da educação é
geralmente baixa, resultante de factores de ordem conjuntural, aliado à fraca eficiência
interna do sistema educacional.

Olhando para os resultados trazidos acima surge a questão “será que um sistema que
apresenta maiores taxas de aprovação é um sistema eficaz?” Esta questão abriria um outro
debate, pois os resultados em termos quantitativos podem exceder a média desejada, mas
em termos práticos podemos afirmar que o nosso sistema não é eficaz ou falta monitoria da
eficácia, pois é possível ter um output que não está preparado em termos de conhecimentos
para responder aos anseios da sociedade, mais do que isso, não responder nem aos desígnios

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do SNE. É preciso olhar se os alunos aprenderam, de facto, e por isso passaram. É neste
contexto que entra a questão da relevância que se discute no ponto a seguir.

Qualidade no Contexto da Relevância

Na abordagem em questão, a relevância dá primazia aos fins da acção educativa, procurando


analisar se os conteúdos que os alunos aprendem se adequa ao contexto actual em que eles
se enquadram.

A estrutura curricular do Ensino Básico ia de encontro aos objectivos e métodos definidos no


Plano Curricular do Ensino Básico (PCEB 2008) facilitando a articulação dos conteúdos de
forma integrada. Estruturalmente, os conteúdos estavam organizados em três áreas
curriculares. Cada área era constituída por um grupo de disciplinas; a saber: Comunicação e
Ciências Sociais, Matemática e Ciências Naturais e Actividades Práticas e Tecnologias.

De acordo com a última reforma curricular do ensino primário, nos quais os pressupostos já
foram abordados neste artigo, o Ensino Primário conta com o Plano Curricular do Ensino
Primário (PCEP 2020) como guião orientador para efectivação deste ensino. Mas a orientação
sobre a organização das áreas mantém-se a mesma do PCEB (2008).

Uma questão que é importante enaltecer é o facto do PCEB (2008) e PCEP (2020) privilegiarem
o currículo local. No contexto de discurso local abre-se um espaço para a heterogeneidade e
complexidade. Mas um discurso é considerado local quando tem um carácter regional e
caracteriza os falantes de uma determinada comunidade ou cultura situada no espaço.
Melhor, o discurso é “localista” quando é produzido nas comunidades locais e tem uma
referência ao desenvolvimento regional.

Ao introduzir o currículo local no ensino básico o PCEB tinha como objectivo principal formar
cidadãos capazes de contribuir para a melhoria da sua vida, a vida da sua família, da
comunidade e do país, partindo da consideração dos saberes locais das comunidades onde a
escola se situa. Assim, os conteúdos locais deveriam ser estabelecidos em conformidade com
as aspirações das comunidades, o que implica uma negociação permanente entre as
instituições educativas e as respectivas comunidades, como já destacava o MEC (2008) no
PCEB (2008) e como destaca o MINED (2020b) no PCEP (2020).

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No nosso contexto, moçambicano, o PCEP deixa claro que a carga horária do currículo local é
de 20% do total do tempo previsto para leccionação em cada disciplina, no entanto, é
questionável o valor formativo e a validade social das diferentes áreas ou disciplinas a incluir
no currículo escolar. Chama-se atenção a um aspecto fundamental, é pertinente saber se o
que se pretende ensinar é realmente aquilo que os alunos precisam aprender.

Nota-se que a introdução do currículo local abre espaço para discutir a relevância das culturas
locais na escola. Na verdade, a inclusão dos elementos das culturas locais facilita uma
aprendizagem que leve o aluno a executar as actividades que lhe permitam resolver os
problemas do seu dia-a-dia. Com a institucionalização dos saberes locais na escola, julga-se
resolvido o problema da exclusão da cultura do aluno. Mas aí é onde começa o grande engano
do sistema, pois há um trabalho que deve ir além de políticas, há necessidade de
envolvimento dos professores no processo de decisão, estes são uma peça fundamental para
a implementação do preconizado nos planos curriculares, eles devem ter o conhecimento
profundo sobre a cultura da região de ensino, a importância desta para inserção dos alunos e
até que ponto essa aprendizagem cultural e/ou local será significativa. Essa questão do papel
do professor será melhor discutida no ponto seguinte.

Qualidade no Contexto dos Processos e Meios

Um outro conceito de qualidade dá enfoque aos processos e meios que olham para o contexto
da aprendizagem. Este contexto de aprendizagem inclui materiais de ensino, recursos
humanos, infraestruturas, isto é, onde e como é que se aprende. Assim, uma das formas de
verificar o desenvolvimento ou analisar se há melhorias no contexto da aprendizagem é
analisar as estratégias de implementação do currículo, no caso particular do ensino básico, o
PCEB (2008) destacou (1) a criação e expansão das Escolas Primárias Completas, (2) formação
de professores (3) capacitação de professores, (4) formação de professores para as disciplinas
novas e (4) produção do livro escolar.

Actualmente, o PCEP (2020) destaca como estratégias de implementação as seguintes: (1)


expansão de Escolas Primárias; (2) ensino baseado em competências; (3) aprendizagem
centrada no aluno; (4) educação inclusiva; e (5) formação Inicial e em exercício de
professores.

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Apesar das estratégias trazidas pelo PCEB (2008) e PCEP (2020) serem promissórias, a
implementação do currículo nem sempre é feita seguindo o programa previsto e as instruções
traçadas pelo PCEP, por razões diversas. Entre os vários constrangimentos destacam-se a
lenta criação das escolas primárias completas, a capacitação dos professores, o lento
processo de introdução do ensino bilíngue e a educação inclusiva.

Algumas escolas reportam que nem sempre é possível fazer a distribuição dos professores
por ciclos de aprendizagem como previsto nos Planos Curriculares. Especificando a questão
dos professores (recursos humanos) importa frisar que, é facto, como alguns professores e
gestores de escolas afirmam, numa escola onde todos os professores têm formação é possível
ver que a qualidade é baixa, o inverso também se aplica, por envolver factores psíquicos
relativos ao sentimento (o estado emocional), isto é, o elemento motivacional é muito
importante.

Por mais que haja um aumento salarial não implicará uma melhoria de qualidade no ensino,
pois parece que a questão está longe de um simples aumento, há quem diga que os
professores sendo "provedores" de conhecimentos básicos (como leitura e escrita) já
deveriam ter feito uma greve, mas não o fazem por não existir maior greve do que deixar de
prover tais conhecimentos e depararem-se com uma sociedade com “déficit epistemológico”.
Mais uma vez, não conseguimos alcançar a qualidade sob o ponto de vista de processos e
meios.

A pandemia da Covid 19 ajudou a despertar as disparidades existentes no SNE e o despreparo


dos professores primários. O espelho disso foi na dificuldade de criação de actividades que
estimulassem nas crianças a vontade de autonomia na aprendizagem o que veio para mostrar
que estamos distantes de um ensino centrado no aluno, principalmente para o ensino
primário. A questão da capacitação dos professores é crítica. Fala-se em competências para
os alunos, mas este conceito curricular ainda não é muito do domínio dos professores, pois
estes ainda estão centrados nos objectivos.

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Conclusões

O conceito de qualidade que foi trazido na presente abordagem foca aspectos como eficácia
(resultado), relevância e processos e meios.

Falar da eficácia inclui o resultado de aprendizagem dos alunos (que é medido em termos de
desempenho nas principais disciplinas que foram leccionadas, ou em termos do
desenvolvimento de capacidades cognitivas e da vida de uma forma mais geral) bem como a
capacidade de adquirir emprego (se olharmos para outros níveis de aprendizagem). Olhando
para relevância aprendemos que é importante seleccionar adequadamente os conteúdos que
se pretendem que os alunos aprendam efectivamente, não bastando apenas arrolar nos
currículos, mas procurando enquadrá-los de forma coerente aos vários níveis de ensino no
que respeita a materialização. No que toca aos processos e meios, relaciona-se logo a priori
com a formação, qualificação e compromisso vocacional dos professores, a capacidade dos
alunos e recursos de ensino e aprendizagem existentes, sem esquecer do próprio espaço onde
ocorre todo esse processo.

A análise poderia incluir a verificação dos indicadores, mas ao pensar numa visão holística os
planos estratégicos e curriculares foram de eleição, pois trazem as realizações e/ou
progressos anteriormente alcançados, o estágio actual e o que se pretende alcançar
futuramente, o que possibilita uma análise mais crítica.

Com todos pontos analisados e discutidos ao longo do artigo é possível afirmar que, numa
escola, todas as perspectivas de qualidade aqui trazidas devem ser literalmente articuladas
se pretendemos, de facto, aperfeiçoar o sistema, isto é, a eficácia, relevância e os processos
e meios poderiam estar ligados através do processo de ensino-aprendizagem na sala de aulas,
que são afectados pela natureza de interacção entre professores e seus alunos, bem como
entre alunos e são também influenciados pelo ambiente de casa das crianças e pela liderança
escolar.

Da presente pesquisa efectuada constatou-se que ainda há muito trabalho a ser feito no
sector da educação, em especial no ensino primário caso haja interesse em abordar,
efectivamente, a qualidade na educação em Moçambique, o aumento de taxas de aprovação
está longe de ser um indicador real de desempenho, chamando-se desta forma a necessidade
de realização de testes e/ou exames de competências, onde quebra-se o paradigma

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tradicional de avaliação e se verifica se o aluno aprendeu de forma significativa o que o
professor se propunha a ensinar.

Cabe lembrar que este assunto não está fechado, é necessário aprofundar mais, dado que o
mesmo é de certa forma polêmico e controverso, carecendo de estudos e abordagens mais
exaustivas, baseados em pesquisas que envolvem conhecer e procurar saber mais sobre a
realidade do SNE ao nível macro e das escolas ao nível micro. Isto é, cruzar os vários
instrumentos, tais como, lei do sistema nacional de educação, mapa de indicadores de
qualidade do ensino primário, plano estratégico da educação, plano curricular do ensino
primário e observações directas do que acontece na sala de aula propriamente dito.

Referências Bibliográficas

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