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Fichamento para bibliografia da pesquisa “Mapeamento da Produção Cultural e Práticas

de Letramento do Complexo do Alemão”

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.

A autora inicia o livro com o Prólogo, onde são ambientalizadas algumas


questões que serão aprofundadas ao longo do livro. Falando sobre a escola, a autora
defende que “um dos papeis importantes da escola – como agência cosmopolita (Souza-
Santos, 2005) – no mundo contemporâneo é o de estabelecer a relação, a
permeabilidade entre as culturas e letramentos locais / globais dos alunos e a cultura
valorizada que nela circula ou pode vir a circular. Esse talvez seja, inclusive, um
caminho para a superação do insucesso escolar e da exclusão social.” (p. 10)
De maneira sucinta, descreve alfabetização, alfabetismo e letramento, termos
que irá desenvolver, cada um, em um capítulo do livro em especial. “Entendo que a
alfabetização vomo a ‘ação de alfabetizar, de ensinar a ler e a escrever’, que leva o
aprendiz a conhecer o alfabeto, a mecânica de escrita / leitura, a se tornar alfabetizado.
(...)” (p.10) “Já o alfabetismo é um conceito bastante complexo, sócio-historicamente
determinado. (...) Para ler não basta conhecer o alfabeto e decodificar letras em sons da
fala. É preciso compreender o que se lê, isto é, acionar o conhecimento de mundo para
relacioná-lo com os temas do texto (...)” (p. 10-11). “As práticas sociais de letramento
que exercemos nos diferentes contextos de nossas vidas vão constituindo nossos níveis
de alfabetismo ou de desenvolvimento de leitura e escrita; dentre elas, as práticas
escolares. Mas não exclusivamente. É possível ser não escolarizado e analfabeto, mas
participar de práticas do letramento, sendo, assim, letrado de uma certa maneira. O
termo letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a
escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados, locais ou
globais, recobrindo contextos sociais diversos numa perspectiva sociológica,
antropológica e sociocultural.” (p.11)
“Defendo que um dos objetivos principais da escola é possibilitar que os alunos
participem das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita
(letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática.” (p. 11) “Cabe
também à escola potencializar o diálogo multicultural, trazendo para dentro de seus
muros não somente a cultura valorizada, dominante, canônica, mas também as culturas
locais e populares e a cultura de massa, para torná-las vozes de um diálogo, objetos de
estudo e de crítica.” (mapeamento contra-hegemônico) (p. 12).
O capítulo 1 intitula-se “O insucesso escolar no Brasil do século XX – um
processo de exclusão social” e mostra alguns dados referentes ao histórico do
analfabetismo e exclusão social nas escolas do Brasil. “Durante o século XX quase
todo, até a década de 1990, a relação da escola com os meios populares é de exclusão e
fracasso. Os dados são impressionantes. Ferraro (2002: 33) vai apontar duas ‘dinâmicas
opostas do analfabetismo’ convivendo simultaneamente no Brasil dos séculos XIX e
XX: ‘a queda secular da taxa porcentual de analfabetismo e o aumento, também secular,
do número absoluto de analfabetos’”. (p. 15) Alguns gráficos e tabelas ilustram
informações a esse respeito e outros temas, como reprovação, e conclui-se que há uma
tendência de evasão escolar após a reprovação. “Não foram outras as razões que
determinaram a indução pelo governo federal – irregular, inconstante e constantemente
combatida pela opinião pública comandada pela mídia – das políticas de ciclos e de
progressão continuada: com isso, busca-se garantir uma maior permanência na escola,
uma não exclusão escolar. Resta saber se o fracasso escolar, após principalmente 4 a 5
anos de escolaridade, é um fracasso do aluno ou do ensino e da escola.” (p. 20) Através
de mais dados é perceptível que os alunos reprovados os excluídos possuem um perfil
específico: homem, acima da faixa etária da série, chefe de família e trabalha, tem pais
que cursaram apenas a primeira metade do ensino fundamental. (p. 21).
“Portanto, em relação ao título deste capítulo - O insucesso escolar no Brasil do
século XX – um processo de exclusão social -, lamentavelmente temos de admitir que,
embora na década final do século passado o país tenha cambaleado alguns passos na
direção da mudança do quadro de exclusão escolar (e de seus impactos nos
letramentos), temos pelo menos metade da população ainda muito longe da realidade de
uma escolaridade de longa duração, que possa ser tomada como uma experiência
significativa e rica, ao invés de um percurso de fracasso e exclusão. Temos também,
forçosamente, de concluir que nos cabe agora, nos primórdios deste século XXI,
enfrentar esses dois problemas: evitar a exclusão escolar e tornar a experiência na escola
um percurso significativo em termos de letramentos e de acesso ao conhecimento e à
informação – o que temos chamado, bastante genericamente, de ‘melhorar a qualidade
de ensino’” (p. 23).
O capítulo 2 do livro chama-se “Letramento escolar, resultados e problemas – O
insucesso escolar no Brasil do século XXI”. Na última década, algumas melhorias
escolares no Brasil “veio minorar os processos de exclusão e fracasso escolar” (p.28)
como acesso à escola e programas de universalização de livros, bolsa família dentre
outros. “Mas vimos também que, embora haja acesso, não há permanência e que há
gargalos nas séries iniciais de ciclos e nas séries-diploma, tanto no ensino fundamental
II como no ensino médio. Essa população que conquistou o acesso, ainda não
conquistou, entretanto, a escolaridade de mais longa duração.” (p. 28)
Através de resultados de exames como o ENEM e outros de cunho internacional,
que avalia competências, Rojo afirma “Isso vem demonstrar que a escola – tanto pública
como privada, neste caso – parece estar ensinando mais regras, normas e obediência a
padrões lingüísticos que o uso flexível e relacional de conceitos, a interpretação crítica e
posicionada sobre fatos e opiniões, a capacidade de defender posições e de protagonizar
soluções, apesar de a ‘nova’ LDB já ter doze anos” (p. 33) Continuando na análise dos
resultados dos exames, a autora finaliza o capítulo com questionamentos para alteração
do quadro “Para além de nossa experiência cotidiana das salas de aula e da impressão de
desinteresse, desânimo e resistência dos alunos das camadas populares em relação a
propostas de ensino e letramento oferecidas pelas práticas escolares, resultados
concretos e mensuráveis como esses configuram um quadro de ineficácia das práticas
didáticas que nos leva a perguntar: como alunos de relativamente longa duração de
escolaridade puderam desenvolver capacidades leitoras tão limitadas? (...)” (p. 35)
O capítulo 3 é nomeado “Letramentos da população brasileira – alfabetismo
funcional, níveis de alfabetismo e letramento(s)” e propõe as diferenças entre os termos,
introduzido no prólogo. “O INAF considera como alfabetismo ‘a capacidade de acessar
e processar informações escritas como ferramenta para enfrentar as demandas
cotidianas’ / Alfabetismo é, na verdade, um conceito que disputa espaço com o conceito
de letramento(s). Se tomarmos a alfabetização como ‘a ação de alfabetizar, de ensinara
ler e a escrever’, que leva o aprendiz a conhecer o alfabeto, a mecânica da
escrita/leitura, a se tornar alfabetizado, alfabetismo pode ser definido como ‘o estado ou
condição de quem sabe ler e escrever’” (p. 44) “Na verdade o conceito é, como mostra
Soares (2003 [1995]) bastante complexo e sócio-historicamente determinado.
Complexo, em primeiro lugar, porque esse estado ou condição envolve tanto as
capacidades de leitura como as de escrita. Em segundo lugar, essas capacidades são
múltiplas e muito variadas” (p. 44). “Mesmo o alfabetismo de nível pleno considera
somente as capacidades de leitura literal dos textos e não as capacidades de leitura
crítica” (p. 47).
Mais adiante, o texto mostra “uma relação mais negativa entre a escola e o sexo
masculino” (p.49) através de alguns dados, como p.ex. o fato dos homens escreverem
menos (p. 50).
Sobre a presença de livros nos domicílios, parece ter efeito sobre a leitura das
pessoas. “Outra coisa parece ser a presença de obras religiosas nos domicílios, na
medida em que outra agência que não a educação pública é responsável pela difusão e
distribuição desses impressos (as igrejas). Essa agência de letramento tem
funcionamento e interesses diferentes dos da esfera da educação pública, como já
comentamos. Além, disso, o fato de as pessoas declararem possuir livros didáticos, mas
lerem a Bíblia e livros religiosos mostra que a esfera religiosa, em termos de
letramentos, ganha ‘de goleada’ da esfera educacional” (p. 51)
Algumas conclusões foram tiradas neste capítulo: “Em primeiro lugar, que,
assim como foi capaz de popularizar os impressos, urge que a escola se preocupe com o
acesso a outros espaços valorizados de cultura (museus, bibliotecas, teatros,
espetáculos) e a outras mídias (analógicas e digitais). Em segundo lugar, é também
urgente que reveja suas práticas de letramento, pois os resultados – tanto escolares,
como em termos de indicadores de alfabetismo da população – ainda são elitizados e
muito insuficientes para a grande maioria da população (74%)” (p. 52) “(...) um dos
papéis importantes da escola – como agência cosmopolita (Souza-Santos, 2005) – no
mundo contemporâneo é o de estabelecer a relação, a permeabilidade entre as culturas e
letramentos locais / globais dos alunos e a cultura valorizada que nela circula ou pode
vir a circular. Esse talvez seja, inclusive, um caminho para a superação do insucesso
escolar e da exclusão social” (p. 52)
O título do capítulo 4 é “Alfabetização – o domínio das relações entre os sons da
fala e as letras da escrita” e inicia citando o autor Bernard Lahire (1995) “o autor insiste
na importância da diversidade de sociabilidades em torno do texto escrito, ou seja, na
diversidade dos letramentos das camadas populares, sobre qual ainda sabemos, apesar
de tudo, muito pouco e que a escola tende a ignorar, sobrepondo a ela a unicidade das
práticas de letramento escolar. Boa parte do ‘fracasso escolar’ se dá no conflito
irresolvido desses letramentos” (p. 60)
“Conhecer a ‘mecânica’ ou o funcionamento da escrita alfabética para ler e
escrever significa, principalmente, perceber as relações bastante complexas que se
estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas), o que
envolve o despertar de uma consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons,
como se separam e se juntam em novas palavras, etc. Ocorre que essas relações não são
tão simples quanto as cartilhas fazem parecer. Não há uma regularidade nessas relações
e elas são construídas por convenção. Não há, como diria Saussure, ‘motivação’ nessas
relações: ou seja, diferentemente dos desenhos, as letras da escrita não representam
propriedades concretas desses sons.” (p. 61). “A humanidade levou milênios para
inventar a relação entre um grafismo e um som e deslocou-se da representação do
significado das palavras para o isolamento de um som do significante das mesmas, que,
por convenção, universalizava-se para representar esse som e perde significado
motivado” (p. 63).
A autora cita Morais para classificar as letras do alfabeto entre “regulares
diretas” (aquelas que não sofrem alterações no som), “regulares contextuais – aquelas
cuja regularidade fica definida no contexto da palavra ou da sílaba em que ocorrem” e
as “regulares morfológico-gramaticais”, definidas por aspectos ligados à morfologia
(dependendo de conceitos gramaticais sofisticados). Todo resto é “irregular, ou seja,
foram convenções determinadas pela evolução histórica da ortografia da língua (...)
dependerão exclusivamente de memorização”. (p. 67-68).
Concluindo disso que “outro mito que deveria ser expulso das salas de aula de
alfabetização é o de que se escreve como se fala e que se fala de uma única maneira” (p.
68) e “mais vale analisar as diferenças sociolingüísticas que desvalorizar o falar do
aluno em favor da escrita e da língua padrão” (p. 69).
“Esse predomínio da visão associacionista é que fez a escola simplificar o
processo, organizando as amostras de escrita por passos do mais ‘simples’ para o mais
‘complexo’, retirando assim as oportunidades de aprendizagem dos alunos e obtendo
resultados equivocados, tardios e artificiais, como, por exemplo, os textos cartilhescos.
Também a artificialidade do processo afastava os alunos do interesse de aprendizagem,
provocando retenção, evasão e exclusão.” (p. 70).
A autora introduz o capítulo 5, chamado “Alfabetismo(s) – desenvolvimento de
competências de leitura e escrita”, dizendo que o conceito de alfabetismo é complexo,
pois “envolve um grande conjunto de habilidades, tanto de leitura como de escrita” (p.
74) e pode variar de alfabetismo rudimentar (nível 1) ao alfabetismo pleno (nível 3) para
o INAF.
No subtítulo “competências e habilidades de leitura” Rojo afirma que no início
da segunda metade do século XX, o termo era muito próximo em significado de
alfabetização, ou seja, “as capacidades focadas eram as de decodificação do texto” (p.
76). “No desenvolvimento de pesquisas e estudos sobre o ato de ler, ao longo desses
cinqüenta anos, muitas outras capacidades nele envolvidas foram sendo apontadas e
desveladas: capacidades de ativação, reconhecimento e resgate de conhecimento
armazenado na memória, capacidades lógicas, capacidades de interação social, etc.” (p.
76-77) “Passou-se a ver o ato de ler como uma interação entre o leitor e o autor. O
texto deixava pistas da interação e dos significados do autor e era mediador desta
parceria interacional” (p.77) “Mais recentemente, a partir dos anos 1990, a leitura tem
sido vista como um ato de se colocar em relação um discurso (texto) com outros
discursos anteriores a ele, emaranhados nele e posteriores a ele, como possibilidades
infinitas de réplica, gerando novos discursos/textos.” (p. 79)
O subtítulo seguinte, “competências e habilidades de escrita” aborda as questões
práticas de ensino ao longo da educação básica, que muitas vezes caminha em direção
contrária às novas teorias do alfabetismo, priorizando práticas de ensino “que transitam
pela escola nos últimos dois séculos” (p. 84). Assim, a autora traça um pequeno
histórico das disciplinas e ensinos nas escolas, desde o início da instituição. “Com a
ampliação do acesso da população à escola pública, muda o perfil não somente
econômico, mas também cultural, tanto do alunado quanto do professorado. Não se tem
mais uma escola pública destinada apenas aos filhos das elites: as camadas populares
passam a ter assento na sala de aula. O novo perfil cultural do alunado acarreta
heterogeneidade nos letramentos, nas variedades dialetais. Os esforços das escolas em
adequar-se à nova realidade têm impactos visíveis na qualidade do ensino.” (p. 86)
“Diante da reconfiguração dos objetivos da disciplina e dos novos perfis de alunado e de
professorado, diminui o beletrismo no ensino de português. Constitui-se um ensino mais
preocupado com a realidade prática, que enfatiza sobretudo gêneros que circulam na
comunicação de massa e nas mídias.” (p. 87) “No entanto, as práticas didáticas
consolidadas apresentam sempre resistências, e o uso do texto como pretexto tem
continuidade e vem a ser suplementado pela gramaticalização do texto ele próprio (...) o
texto entra menos como produtor de sentidos e mais como suporte de análises
gramaticais, agora também textuais, como se o mero conhecimento de estruturas e tipos
textuais, regras e normas pudesse fazer circular o diálogo e os sentidos dos textos.” (p.
88-89) Por fim, atualmente o desafio é acrescentar às competências e habilidades no
ensino as informações e usos advindas das novas tecnologias (que superam-se
constantemente) no mundo globalizado. “A formação do aluno deve ter como alvo
principal a aquisição de conhecimentos básicos (ditos ‘competências e habilidades’), a
preparação científica e a capacidade para utilizar as diferentes tecnologias relativa às
áreas de atuação.” Citando Moita Lopes & Rojo “(...) São muitos os discursos que nos
chegam e são muitas as necessidades de lidar com eles no mundo do trabalho e fora do
trabalho, não só para o desempenho profissional, como também para saber fazer
escolhas éticas entre discursos em copetição e saber lidar com as incertezas e diferenças
características de nossas sociedades atuais. (...)” (p. 89)
O capítulo 6, “Letramento(s) – práticas de letramento em diferentes contextos”,
é iniciado com uma citação de Soares (1998: 72): “Letramento não é pura e
simplesmente um conjunto de habilidades indivituais; é o conjunto de práticas sociais
ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social.”
(p. 96) Na página seguinte, cita Kleiman (1995: 15-16): “o conceito de letramento
começou a ser usado nos meios acadêmicos numa tentativa de separar os estudos sobre
o ‘impacto social da escrita’ (Kleiman, 1989a) dos estudos sobre alfabetização, cujas
conotações escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da
escrita” (p. 97). “É possível ser não escolarizado e analfabeto, mas participar, sobretudo
nas grandes cidades, de práticas de letramento, sendo, assim, letrado de uma certa
maneira.” (p. 98)
“No entanto, vale a pena insistir na distinção: o termo alfabetismo tem um foco
individual, bastante ditado pelas capacidades e competências (cognitivas e lingüísticas)
escolares e valorizadas de leitura e escrita (letramentos escolares e acadêmicos), numa
perspectiva psicológica, enquanto o termo letramento busca recobrir os usos e práticas
sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles
valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos
(família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.), numa perspectiva sociológica,
antropológica e sociocultural.” (p. 98) A autora comenta sobre diferentes significados e
tipos atribuídos ao termo letramento, cujo último achei importante anotar por identificar
como próxima à pesquisa de mapeamento: “A versão forte do letramento, para Soares
(1998), mais próxima do enfoque ideológico e da visão paulo-freiriana de alfabetização,
seria revolucionária, crítica, na medida em que colaboraria não para a adaptação do
cidadão às exigências sociais, mas para o resgate da autoestima, para a construção de
identidades fortes, para a potencialização de poderes (empoderamento, empowerment)
dos agentes sociais, em sua cultura local, na cultura valorizada na contra-hegemonia
global (Souza Santos, 2005). Para tanto, leva em conta os múltiplos letramentos, sejam
valorizados ou não, globais ou locais.” (p. 100)
“Nesse movimento, o conceito de letramento passa a ser plural: letramentoS.
Hamilton (2002: 4) chama os letramentos dominantes de ‘institucionalizados’ e os
distingue dos letramentos locais ‘vernaculares’ (ou ‘autogerados’). Entretanto, não os vê
como categorias independentes ou radicalmente separadas, mas interligadas. Para a
autora, os letramentos dominantes estão associados a organizações formais tais como a
escola, as igrejas, o local de trabalho, o sistema legal, o comércio, as burocracias. Os
letramentos dominantes prevêem agentes (professores, autores de livros didáticos,
especialistas, pesquisadores, burocratas, padres e pastores, advogados e juízes) que, em
relação ao conhecimento, são valorizados legal e culturalmente, são poderosos na
proporção do poder da sua instituição de origem. Já os chamados letramentos
“vernaculares” não são regulados, controlados ou sistematizados por instituições ou
organizações sociais, mas têm sua origem na vida cotidiana, nas culturas locais. Como
tal, frequentemente são desvalorizados ou desprezados pela cultura oficial e são
práticas, muitas vezes, de resistência.” (p. 102-103) “Os novos estudos do letramento
têm se voltado em especial para os letramentos locais ou vernaculares, de maneira a dar
conta da heterogeneidade das práticas não valorizadas e, portanto, pouco investigadas.
No entanto, cabe também uma revisão dos letramentos dominantes na
contemporaneidade, em especial dos letramentos escolares, por diversas razões.” (p.
105) Em primeiro lugar, segundo o texto, por causa das mudanças significativas nas
duas últimas décadas com a globalização: a comunicação e informação se intensificam,
as distancias temporais e espaciais diminuem e o ato da leitura se torna mais semiótico,
ou seja, com mais de um componente de linguagem atuando na mesma informação. (p.
105-106) Em segundo lugar, “o ingresso de alunado e de professorado das classes
populares nas escolas públicas trouxe para os intramuros escolares letramentos locais ou
vernaculares antes desconhecidos e ainda hoje ignorados, como o rap e o funk, por
exemplo. Isso cria uma situação de conflito entre práticas letradas valorizadas e não
valorizadas na escola, como apontam os trabalhos de Kleiman (1995, 1998), por
exemplo.” (p. 106) “as redes sociais e informais que sustentam essas práticas letradas
permanecem desconhecidas e apagadas nas escolas, quando não têm seu acesso
proibido” (p. 106). “Essas mudanças fazem ver a escola de hoje como um universo onde
convivem letramentos múltiplos e muito diferenciados, cotidianos e institucionais,
valorizados e não valorizados, locais, globais e universais, vernaculares e autônomos,
sempre em contato e em conflito, sendo alguns rejeitados ou ignorados e outros
constantemente enfatizados.” (p. 106-107)
“O conceito de letramentos múltiplos é ainda um conceito complexo e muitas
vezes ambíguo, pois envolve, além da questão da multissemiose ou multimodalidade
das mídias digitais que lhe deu origem, pelo menos duas facetas: a multiplicidade de
práticas de letramento que circulam em diferentes esferas da sociedade e a
multiculturalidade, isto é, o fato de que diferentes culturas locais vivem essas práticas
de maneira diferente.” (p. 109). A primeira delas, no que diz respeito às esferas da
sociedade (exemplificado no texto: escolar científica, artística, jornalística, política,
etc.), a autora detalha que não são esferas estanques e separadas, mas cada uma delas é
também “esfera de circulação de discursos e utilização da língua” (p.110) e “cada esfera
de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo
isso que denominamos gêneros do discurso” (Bakhtin, 1992: 279 apud Rojo, 2009:
110). Em relação à multiculturalidade a autora se posiciona, após desenvolver o
argumento, de modo que “as práticas, os textos, as linguagens e as variedades da língua
não valorizadas, locais ou “vernaculares” (p. 111) também sejam abordadas na escola.
A autora defende a incrementação de “letramentos críticos” na escola e fora dela, “para
serem capazes de lidar com os textos e discursos naturalizados, neutralizados, de
maneira a perceber seus valores, suas intenções, suas estratégias, seus efeitos de
sentido.” (p. 112)
“A globalização hegemônica gesta seu pólo contrário, a localização, o que leva
muitos autores a falararem de glocalização ou de g-localização” (p. 113) “Sendo os
ambientes digitais interativos e pouco controlados, prestam-se a novas formas de
sociabilidade. Assim, as armas da globalização fortalecem os laços e as contra-
hegemonias da localização. A isso, Souza Santos vai chamar de globalização ou
coligação contra-hegemônica.” (p. 114) – este trecho lembrou-me da pesquisa da
Pâmela. “Na verdade, há duas formas de resistência: a localização assumida – ou seja, o
fomento a iniciativas locais de vários tipos ao redor do mundo, por meio de ‘espaços de
sociabilidade em pequena escala, comunitários [...], regido por lógicas cooperativas e
participativas e a globalização ou coligação contra-hegemônica’ (Souza Santos, 2005:
72), que não se baseia no incremento e na proteção do local enraizado – embora não
negue seu valor estratégico, designando-o como localização contra-hegemônica -, mas
no que ele chama de as ‘iniciativas, organizações e movimentos integrantes do
cosmopolitismo e do patrimônio comum da humanidade, com vocação transnacional’,
mas ancoradas em ‘lutas locais concretas [...] o Global acontece localmente. É preciso
fazer com que o local contra-hegemônico também aconteça globalmente’ (p. 74) “ (p.
114). “Logo, duas armas a favor da coligação contra-hegemônica seriam justamente a
escola e as tecnologias digitais” (p. 114) Ao final da mesma página: Mas também é
muito importante um possível outro caminho:
Criar inteligibilidade recíproca entre as diferentes lutas locais,
aprofundar o que têm em comum de modo a promover o interesse em
alianças translocais e criar capacidades para que essas possam
efetivamente ter lugar e prosperar (Souza Santos, 2005: 74)

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