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POLÍTICA CURRICULAR
Introdução
1
Veja-se a respeito das teorias do currículo a excelente síntese proposta por SILVA, Tomás Tadeu da.
Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
e processos de disputa de poder na seleção cultural, analisaram as imbricações com as
estruturas desiguais das sociedades, e desvendaram suas ligações ideológicas com a
ordem capitalista. Nesse enfoque, o currículo deixa de ser entendido como resultado de
um processo “natural” de transmissão de valores e conhecimentos, e sua construção deixa
de ser concebida como processo meramente técnico e neutro de seleção e organização de
saberes e aprendizagens, para ser visto como produto de uma dinâmica social conflituosa
marcada pelas lutas entre diferentes concepções e projetos sociais. O currículo se define
como um processo e produto de disputas entre diferentes visões e expectativas sociais e
culturais.
A elaboração de um currículo, portanto, não pode ser assumida apenas como
processo técnico, neutro, de definições óbvias, de escolhas naturais. Como afirma Silva
(1999), as disputas sobre o currículo expressam as tensões da sociedade sobre quais
conhecimentos devem ou não serem considerados válidos, e que tipo de pessoas
queremos formar, ou que subjetividades desejamos desenvolver. O currículo é a resposta
a um determinado plano formativo, que define uma seleção da cultura que pretende
chegar à formação mais ideal, ou mais legítima, num dado momento histórico.
Por isso é importante compreender o processo de elaboração do currículo como
algo intrinsecamente constituído de conflitos e lutas entre diferentes tradições e
concepções sociais, que atuam para entrecruzar conhecimentos científicos, crenças,
expectativas e visões sociais. Trabalhos de importantes teóricos e historiadores do
currículo como Goodson (1997 e 2019), Moreira (1990 e 1994), Silva (1996 e 1999)
indicam que para explicarmos como o currículo veio a se tornar o que é, precisamos
descrever a dinâmica social que moldou sua forma e conteúdo, questionando sua
organização, as propostas de formas específicas de se ensinar, e como estas formas e
conteúdos se tornaram válidos e legítimos. Daí a necessidade de entendimento do
processo de fabricação do currículo como processo político, social e epistemológico
sujeito a fatores formais (lógicos, epistemológicos e intelectuais) e informais (interesses,
rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e controle e
propósitos de dominação ligados a fatores como raça, classe e gênero).
Para dar conta desse intento propomos como percurso primeiro entender o
contexto, ou seja, o momento de produção entrelaçando os documentos BNCC, a RCP e
o CREP como parte de um único ciclo de política curricular, novo e autoritário. Em
seguida analisamos em particular o documento do CREP2. Esta análise se desdobra em
dois aspectos: a relação entre forma e seus fundamentos teóricos; e a relação entre o
ordenamento seletivo dos conteúdos históricos e a metodologia de ensino proposta para
a disciplina de História. Por fim, em nossas considerações finais, indagamos sobre as
possibilidades de atuação diante de um ciclo de política curricular que impõe um currículo
prescritivo e avaliativo num modelo de educação baseado no ensino estruturado.
2
Estamos cientes que CREP e RCP são documentos complementares e assim foram lidos. Neste texto, no
entanto, em função do espaço optamos por dar foco à análise do conteúdo do CREP. Além disso, o CREP
é o documento que se pretende “guia” do trabalho docente, ou seja, documento que pretende ser agente no
contexto da escola e da prática docente.
detalhados de forma precisa a contratação de pessoas e serviços, bem como critérios para
aceitação e fiscalização do “serviço”.
Todas as unidades federativas que aderiram ao ProBNCC, portanto, passaram a
contar com assistência financeira; e assistência técnica que contemplava: o pagamento de
bolsas3 de formação para os professores da equipe ProBNCC e a contratação de analistas
de gestão. Além disso, uma equipe alocada no MEC prestou apoio oferecendo formação
para equipes de currículo e gestão do Programa nos estados. Para tanto foram formulados
um conjunto de materiais de apoio4, e uma plataforma digital para dar suporte à
(re)elaboração do currículo e as consultas públicas. O modelo e formato dos materiais
visavam dar detalhamentos técnicos e recomendações sobre procedimentos práticos do
processo tais como: orientações básicas sobre o processo de (re)elaboração do currículo
tendo a BNCC como referência; comparativos de organizações curriculares; diferentes
modelos de organização curricular e explicações sobre seus elementos; sugestões para
códigos nos currículos estaduais de referência; metodologia para sistematização das
consultas públicas e revisão dos currículos estaduais; critérios de leitura dos currículos
dos estados; planejamento das consultas públicas; até orientações para os conselhos
municipais e estaduais de educação.
O ProBNCC buscou realizar um efetivo controle técnico e detalhado da condução
do processo de (re)elaboração dos currículos nos estados, que envolveu a disponibilização
de recursos financeiros e técnicos como formação e ferramentas. Além disso, o programa
estabeleceu objetivos, metas e fixou um cronograma. Por exemplo, para o Ciclo 2 de
Educação Infantil e Ensino Fundamental o programa estabeleceu um cronograma de
atividades que deveriam ser desenvolvidas em 2019, quais sejam: entre abril, maio e
junho estabelecer “governança” e formação das regionais; entre junho e setembro
formação das equipes gestoras e dos professores entre junho e dezembro etc. A revisão
dos Projetos Pedagógicos das escolas deveria ocorrer entre agosto e dezembro, o objetivo
3
O ProBNCC previu a concessão de bolsas para a formação de uma ampla equipe de formulação do
currículo estadual formada por: I – Coordenador Estadual; II – Coordenador de Etapa – Educação Infantil;
III – Coordenador de Etapa – Ensino Fundamental IV – Coordenador de Etapa – Ensino Médio; V – Redator
Formador de Currículo – Educação Infantil; VI – Redator Formador de Currículo – Ensino Fundamental –
Componentes Curriculares; VII – Redator Formador de Currículo – Ensino Médio – Área/Componente;
VIII – Articulador de Regime de Colaboração; IX – Articulador dos Conselhos de Educação; X –
Coordenador de Área – Ensino Médio; XI – Articulador de Itinerários Formativos – Ensino Médio; e XII
– Articulador entre Etapas, Ensino Médio.
4
Vários materiais foram disponibilizados no site do MEC no formato de Guias. Dentre eles destacamos:
Guia de contextualização: temas contemporâneos e transversais na BNCC; Guia de implementação da
BNCC; Guia para Gestores escolares, dentre outros.
estabelecido era verificar seu alinhamento ao novo currículo e a meta estabelecida era um
mínimo de 70% das escolas com seus projetos registrados pela secretaria da educação.
No Paraná, o processo de elaboração dos documentos estaduais foi iniciado no
último ano do mandato do governador Beto Richa (PSDB), em 2018, com a constituição
do Comitê Executivo Estadual e Assessoria Técnica, por meio da Portaria nº 66/2018 -
GS/SEED, alterada pela Portaria nº 278/2018 - GS/SEED. O comitê reuniu membros da
SEED/PR, da União Municipal dos Dirigentes Municipais de Educação, Undime, e do
CEE/PR numa articulação da rede estadual com os sistemas autônomos de ensino
municipais. A versão preliminar do documento foi concluída em junho de 2018, quando
foi colocado à disposição para consulta pública5. Além disso, a SEED produziu alguns
vídeos com autores e coordenadores do documento que foram disponibilizados no
Youtube. Segundo o chefe do Departamento de Educação Básica, Cassiano Ogliari, a
SEED promoveria além da consulta pública, uma série de seminários e uma discussão na
semana pedagógicas e formações de professores. Logo após sua consolidação, o
documento foi encaminhado ao Conselho Estadual de Educação do Paraná – CEE/PR,
que aprovou a Deliberação nº03, de 22/11/2018 instituindo um conjunto de normas
complementares sobre a RCP e orientando sua implementação na rede estadual de ensino.
5
Segundo a SEED/PR “a elaboração do RCP passou por um Comitê Executivo e pela construção em
regime de colaboração entre Estado e municípios ao longo de oito meses. Nesse período, o documento
recebeu mais de 75 mil contribuições de professores, gestores escolares, pesquisadores, alunos e
representantes da sociedade civil.” Disponível em http://www.educacao.pr.gov.br/Noticia/Secretaria-
lanca-o-Curriculo-da-Rede-Estadual-Paranaense, acesso em 13/05/2021.
sejam o Projeto Político-Pedagógico a Proposta Pedagógica Curricular e o Regimento
Escolar, dentro de um prazo determinado:
Artigo 24. A adequação ou elaboração do Projeto Político-pedagógico
e a Proposta Pedagógica Curricular ao Referencial Curricular do Paraná
deve ser efetivada, na sua totalidade, durante o ano de 2019, prevendo
processos de transição e de adaptação curricular dos estudantes sempre
que necessário.
Artigo 25. A implantação do Projeto Político-pedagógico
contemplando a Proposta Pedagógica Curricular atualizada deve ser
feita de maneira simultânea na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental, até o início do ano de 2020.
6
Segundo o site da SEED-PR Renato Feder possui mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo
(USP) e é graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Na Educação Pública atuou
como assessor especial da Secretaria de Estado de São Paulo. Na rede privada foi professor, gestor de
escolas e diretor. É empresário proprietário da Multilaser. Disponível em:
http://www.educacao.pr.gov.br/Pagina/Secretaria-da-Educacao. Acesso em 12/05/2021.
ajustes”. O documento também foi submetido a um período de implantação de caráter
preliminar. No ano de 2020, o documento curricular foi objeto de novas reformulações e
foi aberta nova consulta pública. Por fim, em 2021, foi divulgada para a rede a versão
consolidada CREP, como documento curricular orientador da construção da Proposta
Pedagógica Curricular (PPC).
7
http://www.educacao.pr.gov.br/Noticia/Secretaria-lanca-o-Curriculo-da-Rede-Estadual-Paranaense
Segundo o discurso da SEED/PR “é premissa do processo de ensino e
aprendizagem que todo conteúdo abordado em sala de aula atenda a um objetivo de
aprendizagem”8. Por sua vez, tais objetivos são desenvolvidos tendo como suporte os
conteúdos decorrentes dos organizadores curriculares. São estes, por princípio, que
expressam os conhecimentos a serem apropriados pelo aluno em seu itinerário formativo.
Cabe, portanto, ao professor apenas decidir sobre as possibilidades de encaminhamento
e as formas de trabalho que irá desenvolver com seus alunos para a aprendizagem desses
conteúdos previamente elencados. O papel do professor é selecionar a metodologia e as
estratégias de abordagem dos conteúdos, desde que garantam as aprendizagens
preceituadas pelo CREP.
Além disso, O CREP permite que a partir dos conteúdos elencados e sequenciados
se possa estruturar todo planejamento a ser desenvolvido. Por meio do CREP todas as
aulas previstas podem ser estruturadas individualmente, ordenadas numa linha de
sequência e gradação, e distribuídas ao longo do tempo, pois o documento ainda apresenta
possibilidades de distribuição dos conteúdos nas diferentes formas de periodização do
ano letivo.
Por fim, o texto da SEED/PR é claro quanto ao propósito do CREP: o documento
pretende chegar à especificidade da aula para facilitar os processos contínuos de
avaliação. A política curricular é concebida, portanto, como processo de produção de um
documento cujo escopo é estruturar o ensino para facilitar os processos externos de
avaliação.
Nesse sentido, a avaliação e a obtenção de resultados satisfatórios ou
aproveitamento nos exames são assumidos como fundamentos da organização curricular.
A SEED/PR afirma que o documento estabelece “os níveis de proficiência dos estudantes,
previstos para cada ano”, e que
essa organização visa fortalecer o processo de ensino-aprendizagem,
trazendo maior clareza dos conteúdos que darão suporte para o
desenvolvimento dos objetivos de aprendizagem, assim como
consolidar o trabalho na rede estadual de ensino. Os conteúdos
expressam os conhecimentos que o estudante deve ter se apropriado
para prosseguir no seu percurso escolar, atingindo os objetivos de
aprendizagem indicados no Referencial. Decorrentes dos organizadores
curriculares de cada componente, os conteúdos chegam à
especificidade da aula e facilitam as escolhas metodológicas do
professor e os processos contínuos de avaliação. Ao planejar a sua
prática docente, o(a) professor(a) precisa ter claro a relação entre o
conteúdo e o objetivo da aprendizagem. Nessa relação, a metodologia,
a abordagem, as premissas utilizadas pelo professor e as estratégias
8
http://www.educacao.pr.gov.br/Noticia/Secretaria-lanca-o-Curriculo-da-Rede-Estadual-Paranaense
serão essenciais para a garantia das aprendizagens preceituadas.
Também ressalta-se que as listagens de conteúdos não inviabilizam as
especificidades peculiares e necessárias para atender as diferentes
realidades locais e regionais das escolas paranaenses. Essas
especificidades devem ser respeitadas e incluídas nas Propostas
Pedagógicas Curriculares (PPC).9 (grifo nosso)
9
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1669
selecionem conteúdos e desenvolvam suas aulas, ignorando as dimensões complexas e
diferenciadas que vivem seus alunos em sala de aula.
Já nos anos 1990, o curriculista norte-americano, Michael Apple (1998) alertava
que em determinadas circunstâncias “o foco em maneiras institucionais diferentes e mais
abrangentes de demonstrar o desempenho de alunos foi usado simplesmente com a
finalidade de obter-se mais testes e avaliações dentro das escolas e maior controle
estatal sobre o currículo.” (grifo nosso) Controle sobre a escola, o professor e seu
trabalho, em busca de eficiência, eficácia, produtividade para elevar o desempenho nos
indicadores educacionais.
No CREP, os aspectos formais, desde a apresentação e diagramação visual do
documento, também estão relacionados a esses propósitos de instrumentalização técnica
do planejamento, do controle do tempo, do trabalho pedagógico e da avaliação. Essa
intenção é explicitada da seguinte forma:
Assim, apresentamos os quadros curriculares acrescidos de colunas
com as sugestões de conteúdos e de divisão por períodos trimestrais,
com o intuito de subsidiar o trabalho dos professores e também a
elaboração das Propostas Pedagógicas Curriculares.
O uso específico dos “códigos” para designar os “objetivos de aprendizagem
(habilidades)”, espelham o modelo da BNCC. Mas no CREP eles se ajustam a propósito
ainda mais amplo de controle, pois são entendidos como ferramenta de apoio ao
planejamento das aulas e facilitação do registro no sistema eletrônico desenvolvido pela
SEED/PR, o Livro de Registro de Classe Online, o RCO:
A organização disposta no CREP também traz uma coluna com códigos
específicos aos objetivos do Referencial Curricular do Paraná. Esses
códigos foram criados para apoiar os professores no momento de
organizar seus planos de aula e registro no RCO, contribuindo para
organização sequencial.
10
De fato os editais do PNLD 2021 e 2023 preveem essa forma de organização das obras.
organização dos objetivos, além dos códigos facilitar o diálogo entre os
documentos curriculares de diferentes localidades.11
Fonte: CREP
O documento procura explicitar quais elementos do código são distintos da
BNCC, evidenciando as peculiaridades da codificação adotada pela SEED/PR. Dois
aspectos merecem destaque: a indicação de casos de mudanças na habilidade prescrita na
BNCC; e a posição que ela ocupa no ano letivo, expressando uma organização do tempo
escolar.
O documento preliminar do CREP apresentou uma explicação sobre os
procedimentos de construção dos códigos, indicando como foi a formulação dos objetivos
de aprendizagem das disciplinas. Este processo envolveu os seguintes procedimentos:
adoção sem modificação da habilidade proposta na BNCC; contextualização quando
houve inclusão de aspecto regional na descrição da habilidade; aprofundamento, quando
foram acrescentadas orientações à habilidade; desdobramento quando a habilidade foi
dividida em mais de uma; e novo objetivo quando foi incluído algo não contemplado na
BNCC. Vejamos o infográfico:
11
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1669
Fonte: CREP
Na versão final do documento essa organização foi exposta em infográfico
esclarecendo que a diferença entre os objetivos de aprendizagem da BNCC e do CREP
seria identificada com uso de negrito, e negrito com itálico.
Fonte: CREP
Objetos de
Unidade temática Objetivos de aprendizagem
conhecimento
(EF07HI01) Explicar o significado de “modernidade” e
estabelecer a análise crítica quanto as suas lógicas de
inclusão e exclusão, com base em uma concepção
A construção da ideia de europeia, considerando aspectos técnicos e
modernidade e seus tecnológicos.
O mundo moderno e impactos na concepção de (EF07HI02) Identificar conexões e interações entre as
a conexão entre História. A ideia de “Novo sociedades do Novo Mundo, da Europa, da África e da
sociedades africanas, Mundo” ante o Mundo Ásia no contexto das navegações e indicar a
americanas e Antigo: permanências e complexidade e as interações que ocorrem nos Oceanos
europeias. rupturas de saberes e Atlântico, Índico e Pacífico e suas consequências e
práticas na emergência do influências.
mundo moderno. Analisar e compreender os primeiros impactos do
processo de interação entre os diferentes povos e as
alterações geográficas da compreensão de mundo e dos
conhecimentos náuticos
Fonte: BNCC - História
Como podemos verificar, nesse exemplo do 7º ano, o CREP propõe um
“desdobramento” dos “objetos de conhecimento” da unidade temática “o mundo moderno
e a conexão entre sociedades africanas, americanas e europeias”, mantendo a proposta da
BNCC. Este “desdobramento” se traduz na especificação de quatro conteúdos,
explicitados na coluna “orientações de conteúdos”: 1) mudanças do mundo feudal; 2) as
grandes navegações; 3) povos indígenas: saberes e técnicas; 4) povos e culturas africanas
malineses, bantos e iorubás. O “desdobramento” permite, assim, uma distribuição de
assuntos para atender as habilidades vinculadas, e fornece indicações sobre quais serão
os temas das aulas e sua distribuição no plano de trabalho docente. Portanto, apesar de
apresentar uma retórica da concepção ampliada de conteúdo, o documento na realidade
serve principalmente a um propósito técnico-instrumental de controle do trabalho
docente. A especificação dos conteúdos facilita o processo de formulação de instrumentos
de avaliação padronizados para toda a rede de ensino, a chamada avaliação em larga
escala. Essa avaliação, por sua vez, permite aferir o desempenho dos alunos, que são
indicados e quantificados em termos de metas desejáveis a serem alcançadas pelas escolas
do sistema. Por fim, o professor é responsabilizado pelo atingimento dessas metas,
podendo ser punido ou premiado pelo desempenho dos estudantes. Trata-se, assim, de um
currículo voltado ao controle do trabalho docente.
Obviamente, ele não é exposto dessa forma. Um ardil da proposta é que a seleção
dos conteúdos apresentada pelo CREP, e espelhada da BNCC, aparentemente ultrapassa
os chamados conteúdos tradicionais da história “oficial”. Há uma aparente preocupação
em introduzir conceitos históricos, em propor formas de introdução dos conteúdos a
serem estudados a partir de problematizações do tempo presente; há preocupações com a
inserção de conteúdos previstos nas Leis 10.639/03 e 11.645/07; há breve menção à
Histórica concebida como narrativa. Mas é notável, no CREP, não haver qualquer menção
às relações entre os conteúdos históricos escolares e as tendências historiográficas;
discussões sobre a História do tempo presente, ou o presente como História; reflexões
sobre as escalas da História; discussões sobre cotidiano e História local; sobre memória;
sobre patrimônio etc.
Por fim, sua suposta ancoragem nos pressupostos teóricos das DCP (2008),
vinculados às vertentes da Educação Histórica e da Didática da História, expressam mais
uma estratégia retórica de legitimação que de coerência epistêmica e metodológica da
proposta. Ambos os documentos, o RCP e o CREP, são incapazes de explicar como
procederam à estranha hibridização desses referenciais do campo de pesquisas em Ensino
de História com a Pedagogia das Competências e as “metodologias ativas”. A falta de
aprofundamentos nas discussões sobre a fundamentação teórica da proposta se traduz nas
parcas referências bibliográficas de ambos os documentos, marcadas pela absoluta
ausência de obras da historiografia, e a escassa e aleatória indicação de textos do campo
de pesquisa em ensino de História.
Considerações finais
Neste texto apresentamos como o ciclo de políticas curriculares, oriundos da
BNCC, se desdobrou no estado do Paraná resultando em dois documentos curriculares: o
RCP e o CREP. Analisamos os contextos de produção desses documentos, sua forma, e
sua concepção de conteúdo. Procuramos demostrar que o ciclo de políticas curriculares
implantado após a BNCC representou a ruptura de um outro desenvolvido nos anos 2000,
e que estava em curso. Esta ruptura foi realizada sem qualquer avaliação do currículo em
ação nas escolas, elidiu críticas e emulou um pseudo-processo de participação dos
professores em sua elaboração.
Buscamos também demonstrar que houve uma relação intrínseca entre o processo
de produção dos documentos desenvolvido pela SEED/PR (apoiado pelo Consed, a
Undime e conselhos de educação) e os textos produzidos. Esta relação se expressa e se
resolve no formato de um currículo a ser avaliado, que visa estabelecer uma lógica de
controle do trabalho docente, desde o planejamento até as aulas, através de um modelo
de ensino estruturado. Neste sentido, o professor é apenas um executor vigiado do
currículo, cabendo a ele apenas o exercício de metodologias consideradas ativas.
Supostamente o currículo tem como foco a aprendizagem dos alunos, revestidas pela
retórica de direitos de aprendizagens, mas o que se observa é a montagem de uma
engrenagem de controle sobre essa formação, que passa pela vigilância do trabalho da
escola e do professor.
Por essa razão denominamos este novo ciclo de política curricular de ciclo
autoritário. Não se trata de um ciclo de políticas curriculares que visa dar autonomia e
fornecer apoio às escolas e docentes para desenvolvimento de seus projetos político-
pedagógicos. Ao contrário, trata-se de investir em responsabilização, dever de prestação
de contas, metas e resultados a partir da prescrição. Há um completo alinhamento entre
os documentos curriculares, sua forma e conteúdo, com metas educacionais.
Nesse novo ciclo, os professores são marginalizados como meros “fornecedores”,
entregadores de conteúdos pré-estabelecidos, aplicadores de materiais estruturados,
executores de aulas pré-produzidas, preenchedores de planilhas. Suas criações e
invenções no cotidiano caem no silêncio, não são registradas, nem levadas em
consideração.
Há uma aliança nutrida entre prescrição, grupos de interesse dominantes e as
relações de poder na sociedade. Como afirmam teóricos críticos do currículo, este artefato
foi inventado como um conceito para direcionar e controlar a potencial liberdade do
professor na sala de aula e com o decorrer do tempo ele se tornou um dispositivo para
reprodução das relações desiguais de poder na sociedade segundo o interesse de
determinados grupos. Essa parceria histórica configurou o currículo em formas
prescritivas subvertendo outras tentativas de reforma e inovação inclusivas. Aceitar o
currículo como prescrição é seguir as velhas “regras do jogo”, é reproduzir os padrões
existentes de distribuição de poder e capital cultural. Enquanto se abre espaço para novas
formas de organização e abordagens curriculares, quando se renovam as perspectivas de
novas narrativas históricas silenciadas, e se colocam com urgência demandas de uma
cidadania inclusiva sustentada na pluralidade, o novo ciclo e políticas curriculares
apontam para o controle, para o ensino estruturado, para a precarização, para o retrocesso.
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