Cultura popular e tradições orais no cinema africano (p.
9 e 10)
● Figura do griot (são aqueles que contam as histórias, narram os acontecimentos de
um povo, passando as tradições para as gerações futuras) (p.9) ● Françoise Pfaff compara as técnicas narrativas de Sembene com as técnicas narrativas do griot (p.9) ● Vou me limitar à figura do griot vista na cena de Borom Sarret: gordo, bem-vestido e com dentes de ouro. Isso em contraste com o carroceiro que é magro, mal vestido e cansado do seu trabalho. A oposição entre esses dois personagens é tão impressionante que lembra uma cena inicial em que Sembene utiliza ângulos de cima e ângulos de baixopar a poder mostrar o contraste em relação ao carroceiro e um pedinte aleijado que engatinha (p.9) ● À medida que o dinheiro é transferido do carroceiro para o griot, vê-se que a tradição está contaminada por uma corrupção óbvia. O griot faz da tradição um instrumento de exploração ao evocar a antiga nobreza do carroceiro para tirar todo o dinheiro que ganhou pelo trabalho matinal. (p.9) ● A narrativa do griot sobre o carroceiro, que teria sido autoritária na tradição oral, é aqui desmascarada como exploradora e não inclusiva das realidades contemporâneas que oprimem o carroceiro. (p.9) ● Sembene transcende o griot, portanto, e envolve-o e à sua antiga narrativa com uma nova visão que traça o mecanismo pelo qual pessoas como o carroceiro são exploradas. (p.9) ● É importante notar que na mesma cena, enquanto o griot vai pegando o dinheiro do carroceiro, um menino engraxa os sapatos de outro mais forte e que sai sem pagar. Aqui, mais uma vez, Sembene utiliza planos de ângulo alto e baixo, como faz ao longo do filme, para manter esta hierarquia de poder não apenas entre as pessoas, mas também entre os dois lados da cidade (p.9) ● A riqueza desta cena é tal que mostra ao espectador que o regresso à tradição, à autenticidade, nem sempre traz soluções para os problemas de africanos como o carroceiro. (p.10) ● Ao criticar a ocidentalização desumana dos habitantes do lado europeizado da cidade, o “Planalto”, Borom Sarret questiona o regresso incondicional à tradição. Sembene cria uma distância entre os espectadores e os personagens do filme que permite aos espectadores criticarem-se a si próprios na sua tradição. (p.10) ● Esta linguagem cinematográfica toma forma e conteúdo a partir da figura do griot, símbolo da tradição oral que Sembene utiliza como ponto de partida. (p.10) ● A diferença entre este primeiro filme do principal diretor africano e os filmes ocidentais, reside na capacidade de Sembene em transformar as personagens exóticas do cinema ocidental, como o griot e o carroceiro, em elementos temáticos e estruturais para o conteúdo e a forma da sua linguagem cinematográfica. (p.10)