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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA
DEPARTAMENTO DE ENSINO E CURRÍCULO

CRISTIANE MARQUE NOVAES DE OLIVEIRA


MARIA CECÍLIA DE MELO MOURA

A RELAÇÃO PRIVILEGIADA EDUCADORA-CRIANÇA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM
PIKLER

Recife
2022
CRISTIANE MARQUE NOVAES DE OLIVEIRA
MARIA CECÍLIA DE MELO MOURA

A RELAÇÃO PRIVILEGIADA EDUCADORA-CRIANÇA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM
PIKLER

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial para obtenção do
título de licenciado(a) em Pedagogia.

Aprovado em: 19/10/2022

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Profa. Dra. Ana Paula Fernandes Silveira Mota (Orientadora)
Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________
Profa. Dra. Liliane Maria Teixeira de Carvalho (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________
Profa Dra. Pompeia Villachan Lyra (Examinador Externo)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
3

A RELAÇÃO PRIVILEGIADA EDUCADORA-CRIANÇA NA EDUCAÇÃO


INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM PIKLER

Cristiane Marques Novaes de Oliveira1


Maria Cecília de Melo Moura2
Ana Paula Fernandes Silveira Mota3

Resumo
A abordagem Pikler evidencia a importância da relação privilegiada educadora-
criança, sobretudo, com crianças da primeira infância. De acordo com os princípios
de Emmi Pikler (FALK, 2014; APPELL; DAVID, 2021), a relação privilegiada tem base
na efetivação de um vínculo afetivo que proporciona segurança emocional na criança,
mediante as ações de cuidado do adulto. A partir desse prisma, foi desenvolvida uma
pesquisa qualitativa com o objetivo de identificar as contribuições da abordagem Pikler
para a construção de uma relação privilegiada entre educadora-criança, no contexto
da Educação Infantil (EI), bem como refletir sobre a pertinência do currículo na EI
sobre práticas pautadas nos princípios da abordagem Pikler. Os dados foram
coletados a partir de entrevistas semiestruturadas realizadas com três educadoras de
escolas da Região Metropolitana do Recife que afirmam ter práticas inspiradas na
abordagem em questão. Para isso, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo de
Bardin (1977). Alguns dos resultados deste estudo mostram que a presença da
educadora, como adulto de referência é relevante, contribuindo para o
desenvolvimento pleno e estimulando a autonomia e segurança dos bebês e crianças
pequenas.

Palavras-chave: Educação Infantil. Abordagem Pikler. Relação educadora-criança.


Bebês. Crianças bem pequenas.

1 INTRODUÇÃO
A história sobre a concepção da infância revela que, no passado, as crianças
muitas vezes eram reconhecidas e tratadas como adultos em miniaturas, se vestindo
e executando tarefas, e consideradas inexperientes e incapazes, já que não
conseguiam desenvolver as atividades que lhes eram atribuídas com a excelência
de um adulto. É possível observar, também, que na trajetória histórica, tal concepção
de criança e de infância, perpassa por compreensões que vão desde a aceitação
tácita de uma espécie de natureza infantil, passando por uma ideia de preservação

1
Concluinte do Curso de Pedagogia - Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco. cristiane.novaes@ufpe.br
2
Concluinte do Curso de Pedagogia - Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco. cecilia.melom@ufpe.br
3
Professora Doutora do Departamento de Ensino e Currículo- Centro de Educação da
Universidade Federal de Pernambuco. ana.fsilveira@ufpe.br
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de uma pureza, à construção de uma noção equivocada de cuidado a partir da lógica


higienista (GALLINA, 2016). De certo modo, os acontecimentos marcados em
diferentes períodos histórico-políticos influenciaram a compreensão de educação
para os pequenos, perdurando por muito tempo, a compreensão assistencialista e
compensatória, sobretudo, aos socialmente desafortunados (OLIVEIRA, 2005).
Sobre o ingresso das crianças pequenas na escola no Brasil houve diversas
influências culturais, visto que durante um longo período acreditava-se ser “perigosa”
a separação dos bebês do seio familiar. Essa perspectiva vai sendo modificada,
paulatinamente, em meados do século XIX mediante o êxodo rural, crescimento
urbano e revolução industrial, o que contribuiu para a construção de uma ideia de
educação assistencialista, já que as mulheres das camadas mais pobres da
sociedade necessitavam de locais onde pudessem deixar seus filhos enquanto
trabalhavam. Nessa época, muitas correntes e debates políticos defendiam a visão
de um local para resguardar crianças e outros que o julgavam fundamental para o
desenvolvimento infantil. Diante dessa perspectiva, posterior a segunda metade do
século XX, surgem debates promovidos por movimentos sociais e estudos científicos
que culminaram na compreensão dos fundamentos da educação para as crianças
pequenas, contribuindo assim, para o desenvolvimento de documentos legais,
visando a garantia do direito à educação para as crianças e o acesso às escolas.
A introdução escolar passou a ser parte do conjunto de ações reconhecidas
como fundamentais para o desenvolvimento das crianças, sendo amparada pelo Art.
22 da LDB nº 9394/96 (BRASIL, 1996), que enfatiza o acesso à educação escolar
como sustentáculo importante para o exercício da cidadania. Hoje, no Brasil, é
perceptível que as práticas de Educação Infantil (EI) passaram a ser repensadas e
se reconhece a ampliação de estudos científicos voltados a essa área, nessa
direção, isso favorece diretamente a mudança de compreensão sobre o tema.
Especialmente nos últimos anos, debates acerca da influência do ambiente
para o desenvolvimento de bebês é uma crescente, e percebe-se a intensificação de
estudos relacionados às crianças da primeira infância. O ato de cuidar-educar vem
sendo reconhecido como pertinente, além da relação adulto-criança em espaços de
Educação Infantil (PANIAGUA; PALACIOS, 2007). Nesse sentido, um dos temas que
ganhou maior relevância na compreensão prática da EI é o perfil do/da educador/a
e os modos de se relacionar com a criança.
Uma das pesquisadoras que contribuiu para a mudança de concepção quanto
ao tratamento de bebês e que vem apresentando destaque nos estudos sobre a
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primeira infância, foi a pediatra austríaca, radicada na Hungria, Emmi Pikler (1902-
1984) que assumiu o Instituto Lóczy, localizado em Budapeste, no período posterior à
Segunda Guerra Mundial.
A partir de suas observações e pesquisas, Pikler percebeu que o
desenvolvimento saudável das crianças depende do modo como são cuidadas e do
tipo de ambiente que estão inseridas, além de ter reconhecido que é prejudicial
influenciar e/ou acelerar o desenvolvimento dos bebês, defendendo, sobremaneira, a
necessidade de que a criança se desenvolva de forma autônoma. Nesse sentido,
Pikler reconhece que se faz necessária a construção de uma “relação privilegiada”,
com qualidade estruturante e desenvolvida de maneira afetiva entre a criança e o
adulto de referência, que cuida e educa. Valoriza-se que a relação seja estabelecida
com respeito, compreendendo a criança como um ser com desejos e anseios, e que
precisa do adulto para conseguir atender às suas necessidades e potencializar sua
ação autônoma. Desse modo, com atenção integral para as necessidades nos
momentos oportunos, a criança amplia a competência de conviver de maneira
autônoma, sendo cuidada, recebendo afeto e atenção em tempo e medida
adequados, garantindo o sentimento de segurança, pertencimento e conforto. Para
isso, os cuidados dedicados às crianças devem favorecer o desenvolvimento de um
envolvimento afetiva real, o que corrobora para que ela tome consciência de si
mesma, e essa construção podemos classificar como uma relação privilegiada. A
efetivação de um compromisso privilegiado entre bebê/educador deve ser amparada
com profissionalismo e responsabilidade, em que o adulto oportuniza o estreitamento
de laços, principalmente, nos momentos de cuidados individuais e com atitudes
respeitosas (APPELL; DAVID, 2021).
Valorizando essa realidade, a pesquisa aqui apresentada tem como tema
central a relação privilegiada entre educadora e criança na EI, considerando-a
fundamental para o desenvolvimento da autonomia da criança. Além disso, é
importante compreender a garantia de uma relação estável que possa lhe assegurar
trocas reais com a educadora, bem como a construção da consciência de si e do outro,
podendo ser consolidada a partir da troca relacional que acontece nas ações de
cuidado.
O interesse pelo tema surgiu a partir da nossa experiência pessoal como
profissionais da EI, atuando como auxiliar de desenvolvimento infantil, no espaço
educacional público, e estagiária em grupos de crianças pequenas, no espaço
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privado. Desse modo que, foi possivel observar que em instituições de EI, é comum
perceber uma relação tensa entre adultos e crianças, em que os pequenos
apresentam ansiedade e desejos de que suas demandas sejam atendidas
prontamente e, em contrapartida, as professoras tendem a sentir irritabilidade,
impaciência e sobrecarga pelo alto número de demandas a serem realizadas. Em
paralelo às nossas inquietações, advindas da nossa experiência profissional na EI,
vivenciamos experiências curriculares no curso de Pedagogia da UFPE, onde tivemos
acesso a algumas leituras sobre a Abordagem Pikler, aguçando nosso olhar sobre o
tema. Essas vivências contribuiram para ampliar a nossa compreensão sobre o
respeito e o desenvolvimento integral dos bebês como fundamentos da abordagem,
tendo como ponto de partida as próprias competências do ser, o que reflete a
convicção de que os bebês são seres competentes, com desejos e anseios, que
identificam o espaço onde estão inseridos e reconhecem um ambiente seguro e
acolhedor.
Mediante o interesse pela temática explicitada, realizamos um breve
levantamento exploratório no portal de periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), considerando o recorte
temporal de 2000 a 2022. Ao pesquisar os descritores “Abordagem Pikler e relação
privilegiada” não foi apresentado nenhum trabalho acadêmico nesta temática. Apenas
quando foram inseridos os descritores “Pikler e relação privilegiada” foi encontrado
um artigo de Dellodone e Coutinho (2020) que consiste em uma revisão de literatura
de cunho qualitativo, que tem como objetivo analisar os princípios orientadores da
abordagem Pikler-Lóczy e cita em um dos seus tópicos a relação privilegiada entre o
educador e a criança como um dos princípios norteadores da abordagem Pikler, sem
mais aprofundamentos. O trabalho das autoras citadas foi uma revisão de
dissertações, teses e livros. Além deste, encontramos alguns trabalhos que citam as
referidas temáticas, como um artigo de Kelleter e Carvalho (2019) que desenvolveram
uma pesquisa sobre inclusão em creches, citando, brevemente, a necessidade de se
estabelecer uma relação emocional privilegiada com uma pessoa, principalmente, nos
espaços educacionais. O trabalho aponta que os vínculos afetivos que são originados
no cuidado é um ponto importante das contribuições de Emmi Pikler e afirma ainda
que é através de um relacionamento seguro com o adulto, que o bebê vai se
conectando consigo, com o outro e com o mundo que o cerca.
Ainda, tivemos acesso a uma revisão bibliográfica sobre a Abordagem Pikler
7

desenvolvida por Santos, Santos e Lyra (2021) que traz a importância da relação
afetiva privilegiada entre criança e educador. Após o levantamento, entende-se a
pertinência dos estudos da abordagem para a temática escolhida, pois através de
leituras, fica evidente que o cultivo da relação privilegiada entre educador e criança
são essenciais para o fortalecimento da autoestima e autonomia das crianças
inseridas nestas relações, sendo assim, uma relação que se constrói com muito
respeito ao tempo de cada bebê. Contudo, os trabalhos acessados trazem
compreensões apenas no âmbito das literaturas que discutem sobre a abordagem.
Dessa forma, compreendendo que os modos de ser e estar do educador na
relação com a criança é uma condição importante para garantir os princípios da
Abordagem Pikler, nos perguntamos: será que é possível identificar as contribuições
da relação privilegiada para a experiência na EI, especificamente, na relação
educadora-criança que acontece na prática? O que deve acontecer numa prática para
que seja configurada uma relação privilegiada?
Diante de tais questões, a pesquisa buscou como objetivo geral: identificar as
contribuições da Abordagem Pikler para o estabelecimento da relação privilegiada
entre educadora-criança, no contexto da Educação Infantil. Como objetivos
específicos: (a) identificar possíveis práticas que visem a efetivação de uma relação
privilegiada entre educadora-criança, presentes no cotidiano de cuidar-educar da EI,
a partir do que anuncia a Abordagem Pikler; (b) analisar, a partir da percepção de
educadoras que se inspiram na Abordagem Pikler, como a relação privilegiada
educadora-criança pode ser construída na prática da EI; (c) refletir sobre a pertinência
do currículo na EI sobre práticas pautadas nos princípios da abordagem Pikler.
A seguir, apresentaremos a fundamentação teórica com discussões sobre EI,
abordagem Pikler, o sentido do cuidar e educar e a relação privilegiada. Após o
levantamento, entende-se a pertinência dos estudos da abordagem para a temática
escolhida, pois atráves de leituras, fica evidente que o cultivo das relações
privilegiadas entre educador e criança são essenciais para o fortalecimento da
autoestima e autonomia dos pequenos. A quarta seção trará a análise e os resultados
a partir das entrevistas e leituras realizadas e, por fim, as considerações finais com
possíveis desdobramentos para o campo de estudo da EI em diálogo com a
abordagem Pikler.
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2 PIKLER E A TESSITURA DE UMA ABORDAGEM SOBRE EDUCAÇÃO E


CUIDADO INTEGRAIS A BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS

2.1 EDUCAÇÃO INFANTIL E CONEXÕES COM O SENTIDO PIKLERIANO DE


EDUCAR-CUIDAR

O percurso histórico da EI no Brasil foi constituído de debates e lutas, em que


a cada conquista, passos eram dados para a garantia do direito à educação de
crianças na primeira infância. Atualmente, inúmeros debates se mantêm em vigor com
a intenção da garantia ao desenvolvimento pleno dos pequenos, como direcionam
alguns documentos legais como, a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 9.394/96,
que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 2010 (DCNEI) e a Base Nacional
Comum Curricular de 2017 (BNCC), que norteiam a educação em nosso país.
O ato de cuidar das crianças contribui para que reconheçam o mundo que as
rodeia, devendo-lhes proporcionar bem-estar, segurança, conforto, prazer e
satisfação. Não sendo possível dissociar o ato de cuidar e educar no ambiente da
Educação Infantil, posto que a educação deve acontecer em sua integralidade
(BRASIL, 2010).
Envolta aos contextos sociais (familiar e escolar), os pequenos tem disponível
uma gama de possibilidades que pode contribuir ativamente para que os bebês e
crianças pequenas crescam em um ambiente seguro. Essas possibilidades têm
ligação direta com o mundo que lhe será oferecido pelos adultos ao seu redor e é
através das “mãos” do educador que o mundo vai sendo apresentado. Essas “mãos”
devem ser dóceis e afetuosas, permitindo que assim seja desenvolvida uma relação
de confiança.
Uma criança jamais deve ser tratada como um objeto, para tanto
reconhecemos que o educador tem papel fundamental na construção dessa relação,
que favorece à criança a compreensão de suas necessidades, visto que são sensíveis
ao ambiente que estão imersas. Conforme Appell e David (2021), “a doçura dos gestos
deve ser assinalada posto que além da simples gentileza, ela testemunha de um
reconhecimento permanente, pelo fato de que a criança é sensível a tudo que é feito
para ela e não pode ser manipulada pela vontade do adulto” (p.66).
Durante o desenvolvimento de atividades relativas aos cuidados com a saúde
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e higiene dos pequenos é imprescindível reconhecer que não se deve impor uma
aprendizagem sistemática. Os mesmos vão adquirindo o hábito e a compreensão da
importância de cada ação de forma que desenvolve o reconhecimento sobre o
significado de cada atitude; percebe-se o respeito ao seu tempo, limitações e avanços.
Um educador dócil e atento adiciona à sua prática o convite de participação das
crianças no desenvolvimento das ações de cuidado. Desde os recém-nascidos até a
crianças maiores, valorizar e incentivar a participação é importante, fazendo de cada
momento uma oportunidade de ser desenvolvida uma relação consolidada no respeito
e na atenção, assim, contribuindo para a tomada de consciência de seu lugar no
mundo.
Como Appell e David (2021) destacam, as práticas de banho e troca,
alimentação e cuidados com a saúde devem contribuir para o desenvolvimento das
crianças sem causar dependência, dessa forma as demandas devem ser atendidas
de maneira equilibrada, sem que ultrapassem os limites de suas necessidades, para
contribuir com o domínio da situação na medida de suas possibilidades. Partindo
desse pressuposto, compreende-se que a relação entre educador e criança precisa
ser constituída de respeito e deve favorecer, portanto, o desenvolvimento pleno de
forma que cada detalhe da relação seja considerado e valorizado para, assim, garantir
um desenvolvimento seguro aos bebês e crianças pequenas.
Dando continuidade à compreensão sobre o que fundamenta a abordagem, na
próxima seção apresentaremos de maneira mais detalhada sobre a Abordagem Pikler
e como a relação adulto-criança pode ser prevista nas práticas de Educação Infantil.

2.2 O NASCIMENTO DA ABORDAGEM PIKLER NO INSTITUTO LÓCZY COMO


PEDAGOGIA DOS DETALHES

Após a compreensão de que cuidar e educar são ações indissociáveis, é de


extrema importância entender que é de responsabilidade dos espaços de EI propiciar
além de aprendizagens no âmbito pedagógico, cuidados integrais com as crianças
que ali estão inseridas. Tendo em vista uma concepção em que a criança é um sujeito
de direitos, iremos compreender como a abordagem aqui estudada dá destaque ao
papel do educador para o estabelecimento de uma relação segura com as crianças.
De acordo com Falk (2022), antes de assumir o Instituto Lóczy, Emmi Pikler
dedicava seus estudos de medicina em Viena, nos anos de 1920, junto a pediatras
como os professores Pirquet e Salzer, que demonstravam preocupação com o
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cuidado e bem-estar das crianças em atendimento médico. Com seus mestres,


despertou para o cuidado no atendimento às crianças, buscando formas de minimizar
o desconforto e o incômodo no tratamento aos pequenos. Em sua trajetória como
pediatra, Pikler ressaltou a importância de tratar a criança com respeito e doçura,
evidenciando o olhar atento e a maneira delicada de tocar os bebês e crianças
atendidos na clínica em que desenvolvia sua prática médica. Assim, indica, como
mandamento aos cuidados, as instruções para o toque suave e delicado em cada
ação do adulto para com os pequenos:

O “primeiro mandamento” do serviço de cirurgia de Salzer, aquele que


dizia que um bebê ou uma criança pequena se havia de examinar ou
aplicar o tratamento mais desagradável sem fazê-la chorar e tocando-
a com gestos delicados, com compaixão, considerando que nas mãos
se tinha uma criança com vida, sensível e receptiva (FALK, 2021,
p.25).

No Hospital Mauthner Markhoff, Emmi Pikler começou a se impressionar e se


motivar pelas práticas pensadas em diminuir os momentos desagradáveis nos
momentos de cuidados para aquelas crianças em internamento. Sobre o momento da
refeição no estado de enfermidade, há um destaque interessante:

Paralelamente, à preparação de alimentos para crianças, os jovens


médicos e futuros pediatras tinham que aprender, em primeiro lugar,
a atender bebês e crianças pequenas, e mais especificamente, a fazê-
lo de maneira o menos desagradável possível para a criança. Uma das
regras rígidas que se devia respeitar era a que proibia
terminantemente dar a um bebê doente uma colherada a mais do que
ele aceitasse voluntariamente (FALK, 2004, p. 25)

Outra contribuição que o trabalho como pediatra trouxe para Emmi Pikler foi a
possibilidade de observar em um hospital de bairro que trabalhava, a análise do setor
de cirurgia que chamou a sua atenção sobre a estatística de acidentes envolvendo as
crianças nos bairros ricos da cidade. Falk (2022) comenta que Emmi Pikler estava
convencida de que a criança que pode mover-se em liberdade é mais prudente e já
aprendeu a cair, em contrapartida, a criança que é superprotegida, e que se move
com limitação tem mais chances de se envolver em acidentes.
Suas inquietações sobre o cuidado com a criança, a valorização da autonomia
e a necessidade de permitir movimentos livres, tinha como base, também, algumas
ideias de seu marido, György Pikler, que era um pedagogo progressista. Como pais,
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Emmi Pikler e seu esposo, decidiram optar por uma educação baseada no cuidado,
sem acelerar as fases do desenvolvimento e respeitando a autonomia de sua filha,
garantindo condições para que ela pudesse viver de forma tranquila e com suas
possibilidades para aproveitar os movimentos.
Além de médica hospitalar e mãe, atuou como pediatra familiar dando apoio a
famílias que tinham bebês ou crianças pequenas, e foi no ano de 1946 que assumiu
a direção da instituição de acolhimento que já existia desde o ano de 1940 – o Instituto
Lóczy. Inicialmente, Emmi Pikler e sua parceira de trabalho Maria Reinitz enfrentaram
diversos desafios para dar continuidade ao trabalho no Instituto Lóczy. Além de
questões relacionadas à estrutura física do local, foi necessária uma mudança total
no quadro de funcionários, pois não se adequaram ao trabalho dedicado ao cuidado
detalhado às crianças. Diariamente, os novos funcionários aprendiam sobre formas
respeitosas de tratar as crianças, como: a importância de respostas verbais às ações
dos bebês, a atenção nos momentos de cuidado sempre verbalizando para a criança
aquilo que irá fazer em seu corpo, o respeito aos movimentos livres das crianças, sem
a necessidade de realizar movimentos bruscos, entre outras ações que demonstram
respeito à criança, que deve ser vista como o principal sujeito desta relação (FALK,
2021).
Com o trabalho desenvolvido no Instituto Lóczy, hoje denominado Instituto
Pikler, reconhece-se na abordagem uma “Pedagogia dos Detalhes”, posto que tudo
que advém da atitude educadora, desde o ambiente organizado, os objetos e
materiais escolhidos para compor o contexto da criança, o olhar, gestos expressivos
e conduta nos cuidados, são, fundamentalmente, cruciais para potencializar o avanço
da criança em sua inteireza.
Com essa acepção rica em detalhes, a abordagem se estrutura em princípios
que devem estar incorporados nas ações de cuidar-educar, ei-los: o respeito pelo
bebê e à sua individualidade, a valoração da atividade autônoma, a liberdade dos
movimentos e a importância do vínculo afetivo e da relação privilegiada, cuja
discussão deste último princípio citado será ampliada a seguir.

2.3 A PRESENÇA DA RELAÇÃO PRIVILEGIADA NOS PRINCÍPIOS PIKLERIANOS


Os cuidados com o bebê acontecem desde sua chegada ao mundo, e, nesse
momento, a família é fundamental para a sobrevivência desse ser, bem como outros
adultos de referência que fazem parte do cotidiano de sua vida. Baseando-se nos
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princípios mencionados há pouco, o cuidador/educador deve reconhecer que não


deve ser o foco nessa relação; sua atuação é essencial, mas, sempre compreendendo
que as crianças são capazes, potentes e que são os principais agentes nas próprias
conquistas e aprendizados.
O educador está ali, não como a pessoa que vai decidir que tipo de estímulos
será usado para que a criança se desenvolva, ao contrário disso, a criança é quem
escolhe como vai se portar e assim se desenvolve de maneira autônoma, prudente e
eficaz. O adulto deve procurar respeitar as ações da criança, evitando intervenções
diretas, assumindo o papel de observador, sem muitas intervenções, o que não pode
ser reconhecido como descaso ou abandono. A atenção para com o bebê deve ser
total, e, indiretamente, acontece o estímulo ao seu crescimento, mediante a
organização de um ambiente convidativo para o desenvolvimento de suas
potencialidades, contribuindo, então, para a segurança e desenvolvimento
equilibrado, visando sempre as melhores condições para conquistas nos campos
emocional, cognitivo e psicomotor.
É preciso compreender que nessa relação, o educador assume um papel de
extrema importância e vitalidade para a manutenção de uma segurança afetiva,
garantindo que o adulto também possa pensar nos mínimos detalhes, estando
presente às atividades, organizando a vida cotidiana das crianças, entre outras
funções para contribuir com o crescimento saudável. Dessa forma, o adulto:

[...] não intervém de forma direta na atividade da criança, nem para


distraí-la, nem para ajudá-la nas suas ações, nem impondo
estimulação direto ou ensinamento que, no lugar de ajudar na
atividade e sua necessidade de autonomia da criança, a tornará um
ser passivo e dependente. O adulto somente estimula as atividades de
forma indireta, criando as condições de equilíbrio do desenvolvimento
emocional e afetivo e do desenvolvimento psicomotor e intelectual.
(FALK, 2021, p. 22)

Essa compreensão pode chocar algumas pessoas que, culturalmente,


acreditam que o adulto deve, terminantemente, propiciar às crianças atividades que
estimulem e direcionem o seu desenvolvimento. É importante enfatizar que o adulto
tem um papel imprescindível, deve-se oportunizar neste processo que a criança se
reconheça como um ser que tem desejos, anseios e repulsas, além de criar um
ambiente que favoreça o desenvolvimento. Para que isso ocorra, é preciso respeitar
o ritmo individual de cada criança, sem forçar aceleração de etapas, com uma
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linguagem vasta e segura, garantindo assim uma relação com um vínculo profundo e
estável, uma relação privilegiada, que tem como objetivo sempre oferecer as
condições necessárias para um bom desenvolvimento que a torne pronta para o futuro
(APPELL; DAVID, 2021).
Para que esse vínculo seguro e acolhedor seja oportunizado em instituições de
atendimento às crianças é muito importante que se tenha a compreensão do que
realmente determina uma relação privilegiada, e, nesse tocante, Appell e David
(2021), a partir da imersão vivida no Instituto Lóczy, descrevem uma relação real e
conscientemente controlada, em que o adulto não deposita expectativas nas crianças,
tendo suas atitudes pautadas pelo respeito à personalidade e necessidades da
criança de forma inteligente, destacando ainda que os momentos de cuidado
contribuem diretamente para o sucesso dessa construção. Dentre essas
características, é possível destacar que situações como a frequente troca de
cuidadores é totalmente prejudicial para que se firme essa relação.
Desse modo, percebe-se que a relação entre o educador e a criança não deve
ser baseada na percepção de relação mãe e filho, ao contrário, o papel desse
educador deve ser consciente, profissional e supervisionado. Como regra geral, é
imprescindível reconhecer que criança tem pais, ou seja, em um espaço institucional
voltado ao cuidar-educar, a criança não é filha da educadora, e, nesse sentido, ser
boa educadora significa “se interessar pelo processo de desenvolvimento global da
criança, em vez de abordá-la com sentimentos maternais instintivos” (FALK, 2022,
p.25).
A interação com a criança possibilita a construção de uma relação privilegiada
e os momentos de cuidados corporais são uma oportunidade singular. São nesses
momentos que se torna possível uma atenção individualizada à criança; a interação
entre adulto-criança acontece de forma plena, visto que são durante esses momentos
que há o encontro face a face, permitindo assim que se afinem vínculos. Dessa forma,
supõe-se que a criança tem suas necessidades básicas supridas, reconhecendo no
adulto a pessoa que lhe proporciona uma segurança física, desencadeando, assim,
um sentimento de segurança emocional e desenvolvendo um vínculo afetivo com esse
adulto, o que faz validar uma relação privilegiada.
Nos princípios piklerianos, o desenvolvimento autônomo da criança deve ser
objetivo a ser alcançado. Esse desenvolvimento deve ser permeado por prazer, logo,
a iniciativa e o fazer sozinho ganham valor quando gera alegria na criança. A criança
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é o centro, e se ela não reconhece a importância de sua atitude, não se atinge o


objetivo. Essa percepção é muito relevante, pois o foco não deve estar na
possibilidade de que a criança execute determinadas atividades, antecipando o seu
desenvolvimento espontâneo. Antecipar o desenvolvimento da criança é
extremamente prejudicial. Compreender que cada criança tem seu ritmo é essencial
e as práticas devem estar livres de padronização e comparações que desqualificam a
competência da criança.

[...] a criança, de quem se exija uma autonomia que ultrapasse a sua


maturidade afetiva e social, experimenta essa exigência como uma
negativa de ajuda por parte do adulto e, portanto, como uma rejeição
à sua pessoa. Este conceito sobre a autonomia, quando se trata de
comer ou lavar as mãos por si mesmo, ou de qualquer outro tipo de
atividade só conduz para uma pseudo autonomia baseada na
incerteza, na angústia e no abandono. (FALK, 2022, p. 28)

Para garantir que as educadoras ampliem suas capacidades e internalizem


práticas adequadas, se faz necessária a constante revisão e ressignificação sobre as
próprias atitudes, visto que dessa forma é possível tomar consciência de que as ações
devem ser coerentes, pois as crianças compreendem efetivamente o mundo que as
cerca. Investir em formação e realizar avaliação constante do trabalho desenvolvido
são práticas que devem ser adotadas por instituições de EI, seguindo o exemplo
desenvolvido em Lóczy por Emmi Pikler e Maria Reinitz, que dedicaram tempo para
ensinar as cuidadoras como deveriam agir com os bebês (FALK, 2021).
Outro fator preponderante que contribui para o desenvolvimento do bebê e
influencia a relação privilegiada é o espaço físico que deve ser saudável e acolhedor,
facilitando o trânsito livre e contribuindo para a interação entre pares e o
desenvolvimento autônomo. Para isso, a sala de referência em espaços de EI deve
ser pensada em respeito à pessoa que é o bebê, tendo o chão como grande aliado.
Eliminar os famosos tapetes acolchoados e objetos que diminuam a mobilidade dos
bebês são ações necessárias, sendo também importante a organização de "ilhas" que
favoreçam a exploração individual de objetos desconstruídos, fugindo assim de
brinquedos estruturados e oportunizando o brincar com elementos do cotidiano. Os
locais devem favorecer a socialização, sendo amplos para que a criança possa
descobrir e exercer suas possibilidades motoras enquanto brinca (SOARES, 2017).
Após a compreensão sobre a importância da relação privilegiada entre
15

educador e criança em espaços de EI e sua contribuição para o desenvolvimento


integral, traremos a seguir um breve panorama da chegada de estudos sobre a
abordagem Pikler no Brasil e suas atuais contribuições científicas para esta etapa do
ensino.

2.4 ABORDAGEM PIKLER EM DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO INFANTIL NO


CONTEXTO BRASILEIRO

No Brasil, a abordagem vem sendo divulgada principalmente pela Rede Pikler


Brasil (RPB) que surgiu em 2012, em Porto Alegre, e que atua disseminando os
conteúdos sobre a abordagem para pesquisadores, pais e educadores. Através da
Rede Pikler são realizados eventos, congressos e publicações de trabalhos com
ênfase na divulgação da abordagem no país. Além disso, uma de suas contribuições
tem relação com as obras disponibilizadas no idioma português, que são encontradas
com mais facilidade, atualmente, através do site da rede.
A partir das informações disponíveis no website da Rede Pikler no Brasil 4, é
possível compreender um pouco do percurso da abordagem em nosso país. Como já
mencionado, os estudos da abordagem Pikler são recentes no Brasil e com poucas
publicações acadêmicas sobre a temática, até o momento.
De acordo com Silva (2019), a RPB surge em parceria com a Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, no ano de 2012. A rede foi a responsável pela capacitação
de cerca de 300 educadores na capital, com objetivo de melhorar a relação
educador/criança, investindo em gestos e atitudes afetuosas com os bebês e crianças
pequenas. As capacitações mobilizadas pela RPB deram origem a mobilizações
nacionais e internacionais reunindo educadores e pesquisadores que se interessam
pela temática.
Na América do Sul, os estudos da Emmi Pikler chegaram em 1980, através da
pesquisadora argentina Myrtha Chokler, que trouxe seus estudos para o continente.
A primeira aplicação prática dos princípios da abordagem Pikler no Brasil foi em São
Paulo, em 1992. Destacou-se em 2006 uma apresentação de Sylvia Nabinger, doutora
em direito da família e atual presidente da Associação Pikler Brasil, que falou sobre
aspectos da abordagem em um encontro nacional em Brasília. Após estes marcos,
alguns acontecimentos envolvendo a temática aconteceram no país, culminando na

4
Disponível em:<https://pikler.com.br/> Acesso em: 20 set, 2022.
16

criação da RPB em 2012. Grandes conquistas estão relacionadas à tradução dos


livros de Judit Falk, “Educar os três primeiros anos”, primeira edição publicada em
2011 e “Abordagem Pikler Educação Infantil”, primeira edição publicada em 2016,
além de “Maternagem Insólita” de Geneviève Appell e Myriam David, primeira edição
publicada em 2021, que são grandes contribuições para o estudo da abordagem aqui
no Brasil e que serviram de base para este estudo.
Atualmente, a abordagem tem feito parte do cotidiano de algumas instituições
escolares que atendem crianças pequenas, além disso, em todo o país acontecem
oficinas, cursos e grupos de estudos que são divulgados nas mídias sociais da Rede
Pikler Brasil. No nordeste, alguns grupos de estudo e pesquisa tem se dedicado ao
diálogo da Abordagem Pikler com Educação Infantil e desenvolvimento de crianças
na primeira infância, como: “Diálogos Piklerianos”, coordenado pela professora
Cristina Façanha, da Universidade Federal do Ceará, “Núcleo de Pesquisa em
Neuropsicologia, Afetividade, Aprendizagem e Primeira Infância - NINAPI”,
coordenado pelas professoras Pompéia Villa-Chan Lyra e Emmanuelle Chaves, da
Universidade Federal Rural de Pernambuco/ FUNDAJ, e o “Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação Infantil e Formação Humana - GEPEIFH”, coordenado pela
professora Ana Paula Mota, da UFPE, cujas autoras deste trabalho participam.
Grupos como esses têm, de certa maneira, introduzido a abordagem na formação
acadêmica em Educação, nos âmbitos da graduação e, também, da pós-graduação,
como no caso do NINAPI.
A partir do que foi exposto, a próxima seção trará os procedimentos
metodológicos utilizados neste estudo, além de apresentar brevemente as
participantes da pesquisa e de que forma os dados coletados foram analisados.

3 METODOLOGIA
Esta pesquisa é de cunho qualitativo, que de acordo com Neves (1996) se
caracteriza como uma pesquisa direcionada, ao longo de seu desenvolvimento; além
disso, não busca enumerar ou medir eventos. A pesquisa qualitativa tem como um
amplo foco de interesse, além de partir de uma perspectiva diferenciada da adotada
pelos métodos quantitativos. Para atender os objetivos, selecionamos educadoras da
EI a fim de identificar as percepções delas sobre como é construída a relação
privilegiada e as possíveis repercussões no desenvolvimento das crianças. Não
buscamos medir ou comparar dados quantitativamente, mas sim compreendê-los a
17

partir da abordagem que pauta esse estudo, a Abordagem Pikler.


Para a coleta de dados optmos pelas entrevistas semiestruturadas com três
educadoras, sendo cada uma oriunda de uma escola de Educação Infantil da rede
privada, localizadas na Região Metropolitana do Recife. Essas escolas afirmam em
seus projetos político-pedagógicos terem práticas pedagógicas inspiradas nos
princípios da Abordagem Pikler. Cabe destacar que o critério para amostra de
participantes da pesquisa foi ser educadora que trabalhe com crianças de 1 a 2 anos
de idade, pois um dos espaços selecionados tem apenas o berçário com prática
inspirada na abordagem, sendo assim, escolhemos esta faixa etária para pesquisar e
investigar o mesmo grupo nas outras escolas, mantendo a linearidade necessária nos
dados da pesquisa.
Escolhemos a entrevista semiestruturada, pois, de certa forma, apresenta uma
estruturação que guia a coleta de dados, mas também permite uma flexibilidade nas
perguntas quando necessária, dando margem a novos rumos e perspectivas para a
pesquisa a partir das respostas das educadoras. As entrevistas semiestruturadas
favorecem “[...]não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua
explicação e a compreensão de sua totalidade além de manter a presença consciente
e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações” (TRIVIÑOS, 1987,
p. 152).
Para a análise dos dados coletados nas entrevistas, utilizamos o método de
análise de conteúdo, baseado nos estudos de Bardin (1977). De acordo com este
autor, “a análise de conteúdo pode ser considerada como um conjunto de técnicas de
análises de comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição de conteúdo das mensagens” (BARDIN, 1977, p. 38).
As escolas-campo de pesquisa foram nomeadas de modo fictício, de Girassol,
Gardênia e Margarida e as educadoras de E1, E2 e E3, respectivamente, a fim de
salvaguardar as identidades das instituições e das participantes, conforme ética em
pesquisa.
As perguntas da entrevista foram divididas em três blocos. Inicialmente com
perguntas mais voltadas para o perfil das educadoras e sua formação, o segundo
bloco voltado para o conhecimento acerca da Abordagem Pikler e o contato inicial das
educadoras com essa perspectiva teórica e, por fim, o bloco de perguntas voltadas à
relação privilegiada entre educadora-criança, que foi fundamental para atingirmos os
objetivos propostos nesta pesquisa. É importante destacar que durante o contato
18

inicial com a escola Margarida tivemos a oportunidade de conversar com a gestora, a


qual descreveu e explicou como era construído o planejamento da escola. Dada a
riqueza do relato, optamos por inseri-lo em nossa análise na seção que trata do
Currículo na Educação Infantil. Na escola Girassol também tivemos a oportunidade
de conversar sobre com a coordenadora sobre o currículo da instituição.
As entrevistas foram realizadas no mês de agosto de 2022, sendo duas
realizadas através da plataforma de vídeo chamada Jitsi Meet e uma presencial, a
pedido da educadora. As participantes da pesquisa deram anuência quanto ao uso
das informações através do termo de consentimento livre e esclarecido.
Posteriormente, visitamos as escolas para conhecer os espaços físicos das
instituições, bem como observar o funcionamento da dinâmica, a fim de compreender
como é estabelecida a relação entre educadora-crianças nestes espaços. Contudo,
salientamos que na pesquisa apresentada, não foi possível dar conta da análise do
que foi observado presencialmente, assim, restringimo-nos à percepção discursiva
das educadoras.
A seguir, apresentaremos a análise e os resultados do estudo, com base nas
categorias que surgiram a partir da fala das educadoras nas entrevistas, bem como
fundamentadas na revisão da literatura realizada.

4 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

Nas subseções a seguir, traremos a análise dos dados deste estudo que foram
categorizados em três principais eixos de análise, sendo eles: a Confiança na relação
privilegiada entre educador-criança; Autonomia de bebês e crianças pequenas e
Currículo na Educação Infantil. Julgamos importante destacar que as duas primeiras
categorias já se incluíam nas expectativas de categorias de análises desde o início do
projeto, pois reconhecemos o aporte destas temáticas na Abordagem. A última
categoria surge diante dos resultados coletados nas entrevistas, em que as
educadoras trazem destaques para o tema e reconhecemos a relevância, visto que
se trata de uma etapa de ensino e que há um debate sobre currículo e planejamento
das experiências, que é legítimo no campo da Educação Infantil. Dessa maneira, se
entende o currículo na EI como uma busca de articulação entre as experiências e
saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural,
artístico, científico e tecnológico da sociedade por meio de práticas planejadas e
19

permanentemente avaliadas (OLIVEIRA, 2010).


Como forma de sistematização e para melhor compreensão de reconhecimento
das entrevistadas, apresentamos a seguir um quadro que destaca algumas
características que julgamos necessárias para essa identificação. Reforçamos que os
nomes são fictícios para garantia do sigilo.

Quadro 1. Perfil das participantes

ESCOLA GRUPO TEMPO DE


NOME QUE ATUA ETÁRIO QUE FORMAÇÃO EXPERIÊNCIA NA EI
ATUA
Educadora 1 (E1) Escola 1 a 2 anos Graduada em Há 5 anos, em estágios
Girassol Pedagogia pela obrigatório e não
UFRPE desde obrigatório da
2021. Universidade.
Educadora 2 (E2) Escola 0 a 2 anos Magistério. Há 39 anos na mesma
Gardênia instituição.
Educadora 3 (E3.) Escola 1 a 2 anos Graduanda do 7º Desde 2017, em
Margarida período de estágios não-
pedagogia na obrigatórios.
FAFIRE.

Fonte: As autoras, 2022.

Diante das informações do quadro acima, observamos que há uma diferença


entre os níveis de formação e tempo de experiência na Educação Infantil. Embora
haja uma educadora que tenha quase 40 anos, lidando com crianças bem pequenas,
sua formação é limitada ao “Normal Médio”, o que provocou inquietação. Apenas uma
tem o nível superior, que foi concluído recentemente. Chama-nos atenção, também,
que na Escola Margarida há uma graduanda que assume a função de educadora de
um grupo de crianças de 1-2 anos. Esses fatos geraram curiosidade sobre como as
educadoras, estando em instituições inspiradas na Abordagem Pikler, vem adquirindo
compreensões teórico-práticas sobre a abordagem.
Diante disso, organizamos no Quadro 2, algumas informações importantes
sobre como se dá/deu o acesso à abordagem e à formação continuada das
educadoras entrevistadas neste estudo.
20

Quadro 2. Informações sobre conhecimento da abordagem Pikler

EDUCADORAS COMO CONHECEU A O QUE É ABORDAGEM MOMENTOS DE


ABORDAGEM PIKLER ESTUDOS SOBRE A
ABORDAGEM NO
ESPAÇO ESCOLAR
De forma pincelada na Uma forma de ativar os Existe um grupo de estudo
graduação, depois com grandes olhos dos adultos com os educadores da
acesso a uma para reconhecer a instituição com
instituição privada potência do investigador participação ativa de todos
E1 voltada à brincadeira que tem em cada criança. e a gestora orienta
infantil e com contato constantemente diante do
com facilitadora que que observa no cotidiano.
possui formação na
Abordagem Pikler.
.
A gestora da unidade Uma maneira de deixar a Não existe uma formação
teve acesso e trouxe criança livre com sistemática, mas existe
E2 para todos, depois autonomia para escolhas. intervenção da gestão
aconteceram sempre que observa algo
orientações com uma que necessita pontuar no
facilitadora que possui cotidiano. Reuniões com
formação na educadores só acontecem
Abordagem Pikler. quando necessário.
Através da instituição É uma forma de Semanalmente existem
de ensino que trabalho, oportunizar que a momentos de reflexão
E3 fui apresentada e potencialidade que existe sobre as práticas
orientada porque na em cada criança seja amparadas na abordagem
escola se mergulha na atingida e o educador e mensalmente um estudo
Abordagem. acreditar nesse potencial mais complexo de um
existente. tema relevante.

Fonte: As autoras, 2022.

Durante a coleta de dados, duas educadoras enfatizaram que durante o


processo educativo não tiveram acesso de maneira ampla à Abordagem, elucidando
a limitação na formação acadêmica em se tratando da etapa de ensino da EI do ensino
básico regular, o que classificam como um currículo limitado.
Apontam ainda, a importância do acesso a professores universitários que não
se limitam aos conteúdos programáticos clássicos, abordando conteúdos inovadores
e aprofundados, o que corrobora para que os graduandos despertem para temas
diversos como o da Abordagem Pikler e assim, se debrucem em pesquisas
individualizadas, como fica claro no trecho da entrevista com a educadora E1 “[...]o
currículo da universidade é limitado, mas a gente sabe que tem professores que são
pontos fora da curva e que é aquela galera que inspira a gente e tal. A educadora E2
não estabelece um posicionamento a respeito do tema, o que relacionamos a falta de
acesso a uma graduação na área. Compreendemos ainda uma possível falta de
incentivo por parte da instituição, visto que atua há décadas na mesma escola e não
21

teve acesso a formações continuadas ou cursos para um aprofundamento teórico,


embasando e ressignificando suas práticas.
Além disso, é importante mencionar que na Escola Gardênia, nenhuma das
educadoras do berçário possui formação em nível superior, o que nos leva a refletir
sobre a ausência de uma política no processo seletivo que valorize o conhecimento
dos adultos que irão atuar com estes bebês no espaço, bem como a própria
valorização dessa etapa da Educação Infantil.
Na próxima subseção, iniciaremos as discussões sobre as categorias já
destacadas.

4.1 A CONFIANÇA NA RELAÇÃO PRIVILEGIADA ENTRE EDUCADOR-CRIANÇA

Um dos aspectos da educação de crianças pequenas que Appell e David (2021)


destacam é a importância do vínculo necessário entre a criança e o educador, vínculo
este que se estabelece a partir dos momentos de cuidado face a face e das respostas
que o adulto dá a partir do que vem da criança. Sobre essas respostas, Appell e David
(2021) anunciam que é extrema importância que essas sejam respostas verbais e
gestuais e que através delas os adultos possam transmitir sua atenção, seu interesse
e sua afeição por tudo que a criança pode fazer sozinha e por tudo que ela é.
Na entrevista de E1 aparece esse entendimento sobre a relação privilegiada:
“eu acho que na verdade a relação privilegiada, ela é uma relação em que se constrói
confiança.” Sobre isso, E2 afirma:

Eu acho que essa relação privilegiada ela vai desde o momento que a
criança chega na escola, né? Desde o momento que ela é recebida na
recepção, que é trazida para ela a importância de ela como um ser, né?
A criança é muito vista como um bebezinho, bebê, né? E aqui não, aqui
desde o momento que ela entra até o momento que ela vai fazer o
lanchinho dela, para trazer, ela é como um ser potencial, né? E como a
fala dela, a postura dela é respeitada, né? É importante o que ela fala,
o que ela pensa, o que ela expressa, da forma com que ela explora,
tudo que ela traz para a gente, tudo isso é respeitado e é dado
importância e eles se sentem importantes. (Extrato da entrevista de E2)

Percebe-se, assim, que baseado em princípios piklerianos, a interação entre a


educadora e a criança tem, segundo Appell e David (2021) diversos modos de fazer,
porém os que garantem uma relação privilegiada são todos aqueles que favorecem o
desenvolvimento e o caminho para a autonomia da criança. Na fala de E2, de certa
22

maneira, identificamos a consideração que ela estabelece à concepção da criança


como competente, potente, aspectos importantes para a construção da confiança na
relação. Essa relação é construída quando a criança tem para si um olhar, ou palavra
e observação atenta e confiante do adulto, que pode acontecer a distância, sem
intervenção direta em suas ações.
Então, a partir de uma relação privilegiada que vem a contribuir com uma nova
visão sobre uma interação entre educador e criança em espaços de EI, as educadoras
apontam suas percepções sobre suas vivências do cotidiano que têm como base em
princípios da abordagem Pikler. Sobre isso, E2 comenta: “Eu percebo que hoje em dia
com essa abordagem a criança é bem mais fácil e ela desenvolve bem melhor, mais
rápido entendeu?” (E2). Já E3, sobre os ganhos para as crianças que vivenciam esta
relação, comenta:

Olha, eu acho que tudo que é feito para a criança e que oportuniza a
ela de uma forma natural, é ganho porque ela não vai pensar da forma
mecanizada pra poder responder a certa oportunidade. Um exemplo
disso é, quando uma criança ela vai fazer o lanche dela, tudo que ela
faz, ela faz de uma forma natural. Então até o que você propõe pra
ela, até o que você traz pra ela acontece de uma forma muito natural
[…]Então, desenvolvimento não só motor, mas cognitivo e a questão
da expansão da imaginação da criança, porque veja só, tudo que você
traz pra ela, tudo que você proporciona pra ela, você tá dizendo o
tempo todo, desde o momento que ela chega na Escola Margarida até
o momento que ela sai, que o que ela faz importa, o que ela pensa
importa e o que ela sente é importante. Então, ela não vai ficar parada
diante de um desafio lá na frente pensando no que que ela vai fazer
ou não, porque ela sabe que independente do que ela fizer vai ser
bom, vai dar certo! Entendeu? (Extrato da entrevista de E3)

A partir dos relatos das educadoras, entende-se que quando se estabelece


princípios piklerianos na prática educativa, como por exemplo, a relação privilegiada
entre educador e criança, vai resultando no desenvolvimento de crianças cada vez
mais autônomas e confiantes da sua capacidade de realizar atividades sozinhas, e
que se desenvolve sob o olhar confiante da educadora ou educador presente no
espaço, tal como expresso por E3. Sobre esta confiança estabelecida, E1 menciona:

Então, a nossa relação, a base da nossa relação é a confiança. Então,


eu confio que o bebê pode ir com o corpo dele até esse extremo aqui.
Mas eu estou lá que se ele cair, eu estou segurando aqui, ó! (sic).
Estou aqui de lado pro meu corpo sustentar sabe? Mas eu confio no
bebê. Eu confio na potência dos bebês. Nossa relação privilegiada é
isso. (Extrato da entrevista de E1)
23

A definição dada pela E1 sobre o que seria a relação privilegiada entre ela e as
crianças com quem trabalha tem muitos pontos em comum com a concepção de
relação privilegiada pensada por Pikler. Pensar em uma relação baseada na
potencialidade dos bebês e crianças pequenas, além de cuidados individualizados e
respeitosos, são aspectos fundamentais que destacamos em sua fala. Além disso,
surge ainda neste relato aspectos relacionados à importância de confiar na potência
do bebê e acreditar que ele é capaz de realizar movimentos de forma autônoma, e
mais, que ele consegue perceber a presença da educadora como alguém que fornece
segurança, pois caso ele caia, ela estará lá para acolhê-lo, o que demonstra
compreensão sobre o tema. Sobre a confiança na criança, E3 destaca:

Eu acho que quando você entende que o bebê ele nasce competente,
você já tá dando palmas pra Emmi Pikler, né? Quando os bebês
chegam lá e você enxerga os bebês como completos, como inteiros,
como pessoas, a gente já tá de alguma maneira atuando ali a partir
desse princípio da abordagem, né? (Extrato da entrevista de E3).

Reconhecendo o favorecimento da autonomia como ato de cuidado e


característica importante em uma relação privilegiada, na próxima seção deste estudo
continuaremos a analisar os relatos das educadoras e suas percepções sobre a
autonomia e desenvolvimento das crianças de seu grupo com base no respeito dos
movimentos livres e autônomos das crianças e bebês nos espaços educacionais.

4.2 AUTONOMIA DE BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS

Além da confiança na relação privilegiada, a autonomia é um princípio


defendido pela abordagem Pickler, e conforme Appell e David (2021), "para Emmi
Pikler, essa liberdade motora é, junto com a relação, a pedra angular do
cuidado"(APPELL; DAVID, 2021, p.185).
A abordagem entende que o favorecimento dos movimentos livres sem
intervenção direta, propicia o desenvolvimento de uma criança autônoma e segura em
seus movimentos. Assim, esta confiança e garantia de movimentos livres são partes
fundamentais dos cuidados com as crianças, pois é através dessas oportunidades de
movimentos livres que elas conhecem mais de si e do mundo que lhe cerca.
A partir das falas das educadoras conseguimos compreender que elas
reconhecem os bebês como seres potentes e atentos ao mundo ao seu redor,
24

pesquisando sobre tudo que lhes é acessível. Destacam ainda o educador como a
pessoa que precisa compreender o seu papel de observador nessa relação e que
deve confiar na potência do bebê. Para E1, parece haver no bebê uma característica
própria de ser pesquisador, possuindo uma força motriz que o impulsiona à
descoberta:” é preciso confiar nos bebês e permitir que eles descubram o mundo, pois
são capazes de fazer isso sozinho. Eles são incansáveis assim, a pesquisa é
incansável, ela nunca acaba”, diz em um momento da entrevista. Já E3 reconhece
que se faz necessário oportunizar as descobertas, para que assim as crianças
desenvolvam o seu potencial ao máximo e declara:

A criança, ela é um ser potencial, né? Ela é um ser que tem todas as
potencialidades, é necessário a gente saber dos cuidados, né? Que
elas são pequenas, elas ainda não têm a noção do perigo, os cuidados
são necessários, mas ao mesmo tempo tem que se dar essa
oportunidade pra que elas venham conseguir a se desenvolver,
porque elas são capazes de fazer isso. (Extrato da entrevista de E3).

Compreendemos assim, que o bebê é um ser potente e fica evidenciado que


quando lhes é permitido que aprendam a aprender, escolhendo suas brincadeiras e
sendo oportunizada a descoberta, acontece um desenvolvimento notório que chega a
surpreender, como pode ser percebido e confirmado no extrato da fala da E2:

Eu percebo que hoje em dia, com essa abordagem, a criança é bem


mais fácil e ela desenvolve bem melhor, mais rápido [...] É mais
autônomo. Mas antes, a gente sempre tinha o apoio de ajudar a virar,
de ajudar com a mão na palma da mão, ajudando. Era como que fosse
empurrando, uma coisa forçada, né? E hoje não. Hoje não, hoje você
deixa a criança muito à vontade, você fica ali juntinho, mas você deixa
ela (sic). E tinha aquela coisa do acolchoado, de ficar no colchonete
ou um tapete bem fofo. Era emborrachado, entendeu? Mas hoje não
usa mais. Tem que ser no tempo dele. Então tem diferença da criança
que saía do berçário daqui, né? Antes da abordagem, antes do que
era proposto aqui pra agora. (Extrato da entrevista de E2).

A observação da educadora demonstra a compreensão da inadequação de


seus atos antigos, estando em consonância com Tardos e Szanto (2021) que
destacam que a ciência nos ensina que a investigação experimental desvenda cada
vez mais facetas competentes das crianças e que todo ato desejado e executado
ativamente pelo sujeito tem para esse, consequências imediatas. Sendo assim,
reconhecemos que quando o bebê tem liberdade ele se desenvolve mais rapidamente
e com consciência dessa evolução. e concordamos com as autoras quando afirmam
25

que “a criança pode brincar sozinha e tirar proveito disso” (TARDOS; SZANTO, 2021,
p.51).
Desta feita, o educador precisa ter claramente a compreensão de seu papel,
das escolhas realizadas na organização do ambiente para promover a autonomia,
reconhecendo o bebê como o ator principal de seu desenvolvimento e entendendo
que, como educador, deve contribuir ativamente na preparação do ambiente,
assumindo uma atitude observadora nos passos que compõem o processo da
aquisição da autonomia. Essa compreensão corrobora com a análise feita pelas
educadoras e pode ser reconhecida na fala de E1: “A minha prática na verdade é
pautada sobre a observação dos bebês. Então o meu lugar de educadora é um lugar
de observação mesmo, de ver os bebês, de entender os bebês e a cada um dos
bebês”.
Nesse contexto, Soares (2017) afirma que as tarefas de cuidado devem ser
realizadas com atenção e dedicação, respeitando o ritmo do bebê, e jamais de forma
apressada e mecanizada. Consonante a isso, destacamos que durante os cuidados
aos bebês é oportunizado de forma singular o seu desenvolvimento autônomo e
consciente, e para isso, se faz necessário que haja interação constante com ele,
solicitando a sua participação e antecipando sempre cada atitude, como a autora
sinaliza:

O educador favorece a reciprocidade pedindo, desde muito cedo, a


colaboração da criança nos cuidados cotidianos. A partir de 2 ou 3
meses, por exemplo, ela pede que levante a mão para colocar a
manga de uma camiseta e aproveita o movimento espontâneo da
criança para conseguir fazer isso [...] conforme ela vai crescendo,
percebe sua colaboração na ação de cuidados, quando é valorizada
por isso e, aos poucos, participa de forma voluntária. (SOARES, 2017,
p. 23).

Diante desse fato, mencionamos a tomada de consciência das educadoras


sobre a importância dos momentos do cuidar para o desenvolvimento da autonomia,
como fica evidenciado nas declarações das educadoras que afirmam ser: “um
momento em que o vínculo afetivo é realmente construído com a educadora” (E1), “o
momento de estímulo e confiança, eles confiam mais em você e tem aquela
segurança”(E2) e “a oportunidade pra que ela venha conseguir construir esse
desenvolvimento no seu potencial que já é existente”(E3).
Os extratos acima demonstram uma aproximação com certa tomada de
26

consciência que o acesso a abordagem vai despertando na prática do educador.


Reconhecendo assim, o bebê como um sujeito competente e que participa ativamente
do processo de aprendizagem, julgamos importante que a construção do currículo
para espaços de EI tenha base nesta concepção. Assim, a próxima subseção deste
estudo trará aspectos importantes ao se pensar no currículo para esses espaços,
aspectos que foram, indiretamente, trazidos nas falas das entrevistadas.

4.3 O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ressaltamos que desde a promulgação da LDB nº 9394/96 (BRASIL, 1996), a


EI passou a compor as etapas da educação básica em nosso país, e desde então
essa etapa de ensino passou a ser regulamentada por documentos que amparam as
práticas dessas instituições. Dentre esse aparato podemos destacar as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (BRASIL, 2010), que tem
como foco principal, a criança. Reconhecendo-a como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas


cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,
narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura. (BRASIL, 2010, p. 12)

O documento supracitado também aponta uma compreensão sobre currículo,


que vem a ser:

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os


saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de
modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos
de idade. (BRASIL, 2010, p.12)

Ainda em se tratando das DCNEI (BRASIL, 2010), reconhecemos ser


importante destacar que as práticas na EI devem ter os princípios consolidados nos
aspectos: éticos, políticos e estéticos, além de enfatizar a necessidade de se garantir
que cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica destacada no
documento. E que vai servir de base para as análises realizadas nesta seção.
Consoante ao entendimento das DCNEI, reconhecemos nas falas das
educadoras a perspectiva de que é através das práticas cotidianas que acontecem as
trocas de saberes entres os pares. A educadora E1 reconhece ser relevante a
interação entre bebês de diferentes faixas etárias, acessando assim, ambientes
27

plurais e possibilitando escolhas para firmar relações com diversas crianças e,


também, garantir o manuseio de distintos materiais. Afirmando ser uma prática do
currículo da escola Girassol, E1 elucida:

A gente tem dois grupos, na verdade a gente tem um grupo só, [...] mas
a gente divide, é uma divisão meramente... pela fase de
desenvolvimento, assim, no brincar, dos ambientes, dos materiais, mas
que todas as crianças acessam todos os espaços [...] os bebês
transitam, eles têm o quintal lá fora e esse espaço é mutável, então a
gente a gente muda eles conforme a gente o que está mais chamando
a atenção, a pesquisa dos bebês e tal, das crianças. (Extrato da
entrevista de E1)

Como base estruturante para o desenvolvimento pleno dos bebês, a


abordagem, de certa maneira, valoriza o brincar como fundamental para o êxito desse
desenvolvimento, como afirma Soares (2017), pedagoga que se inspira na abordagem
Pikler:

Brincando a criança conhece o mundo, se apropria dele, o internaliza


e aprende a conviver com as leis que regem e o organizam. o ambiente
ao seu redor é um grande laboratório e os objetos variados colocados
à sua volta geram condições necessárias para que se auto desafie,
explore, investigue, aprenda, desenvolva sua inteligência e construa a
sua personalidade. (SOARES, 2017, pág. 30)

Ainda pensando no brincar, reconhecemos nas brincadeiras o momento em


que a criança visualiza o mundo ao seu redor, consegue testar as suas possibilidades,
se afirmar como ser de desejo e desenvolve as conexões psíquicas que contribuem
para o seu desenvolvimento. Dessa forma, podemos sintetizar que de maneira
divertida e essencial as crianças se desenvolvem brincando, o que é um aspecto
fundamental da EI. A partir disso, destacamos a fala da E1:

Assim pra mim, o que eu busco no meu trabalho é oferecer às crianças


o bem-estar para o brincar. O meu trabalho é esse, a verdade. Eu tô
ali pra garantir esse bem-estar dos bebês pra que eles brinquem, pra
que eles estejam ali. (Extrato da entrevista de E1).

O brincar precisa ser a base do currículo das instituições de EI para que dessa
maneira os bebês se desenvolvam com satisfação. O convite ao brincar precisa ser
uma constante no cotidiano, entendendo que a iniciativa deve ser sempre da criança.
Então, o espaço físico da EI deve oportunizar as escolhas de forma que a faça sentir-
28

se segura e satisfeita, que ora pode ser em um espaço externo ora interno, como
destaca E3, quando descreve a sala de referência de sua turma:

Ela tem as paredes, mas as paredes são também de forma aberta,


tem janelas, é um espaço amplo que o ar circula, até pra que a criança
não se sinta presa e eu acho que isso também chama muito a atenção
das crianças, a gente imagina que elas vão gostar muito da área
externa, porque tem um espaço verde, tem um espaço de areia pra
elas brincarem e é verdade, elas gostam disso, mas elas também
gostam de ‘tá’ na sala de referência. (Extrato da entrevista de E3)

Ainda sobre o brincar, a abordagem defende que o papel do adulto nesse


momento é desenvolver o ambiente convidativo para que surja o desejo no bebê,
participando de maneira indireta, oportunizando assim, que a criança faça as suas
escolhas e decida como vai usar os materiais em suas brincadeiras. Sobre esses
aspectos as educadoras destacam duas perspectivas distintas quanto forma de
convite ao brincar que utilizam em suas práticas:

Então, os bebês chegam e eles são convidados a brincar, o ambiente


é um convite: “-brinca comigo!” Todo lugar eu penso, esse lugar tá
mesmo chamando pra brincar? Então eu tenho esse cuidado. (Extrato
da entrevista de E3)

Eu faço brincadeira de bola, aí da bola, eu faço outro tipo de


brincadeira com eles. Sempre mudando, porque como eles são
pequenininhos eles não têm aquela concentração. Então, você tem
que ter vários materiais e estar sempre estimulando. (Extrato da
entrevista de E3)

É de conhecimento que a maioria das instituições de ensino que atendem


crianças na primeira infância buscam fincar as suas práticas pedagógicas, visando
uma antecipação ou preparação de conteúdo do Ensino Fundamental. O que vai de
encontro com as DCNEI que destacam que a transição para o Fundamental deve
respeitar as especificidades etárias:

Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve


prever formas para garantir a continuidade no processo de
aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as
especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão
trabalhados no Ensino Fundamental (BRASIL,2010, p. 32).

A abordagem também reconhece a inadequação dessa antecipação de


29

conteúdos, o que fica claro no destaque feito por Soares (2017), que diz que as
“atividades de treinamento podem render habilidades que seriam conquistadas mais
adiante e inibem o ato de criação genuína, que expressa a originalidade de cada
sujeito” (p. 31).
A partir do que foi trazido e diante da percepção das educadoras, percebemos
que as instituições em que atuam divergem na compreensão do currículo necessário
para o atendimento aos bebês de 1 a 2 anos. Em uma das instituições, as atividades
desenvolvidas são compreendidas pela educadora como uma preparação para as
etapas seguintes ao berçário. Nesta instituição, há ausência de um planejamento para
essa turma, contudo, há uma preocupação voltada para o cumprimento de conteúdos
programáticos pré-estabelecidos a partir da turma seguinte. Sendo assim, o
atendimento aos bebês acontece sem um planejamento prévio e sem compreensão
dos objetivos a serem alcançados com as atividades desenvolvidas no berçário.

Por se tratar de escola existe um currículo. A partir do maternal existe


um currículo que rege. Até porque é a burocracia mesmo do que é a
escola, né? Parte mais burocrática. Existe um currículo que vai nos
nortear conteúdos de aprendizagem. Mas, a gente se resume com um
currículo de Pernambuco que é o currículo onde traz essa criança
sempre como protagonista do processo e muito respeitoso com a fase
do desenvolvimento. (Extrato da fala da coordenadora da Escola
Gardênia)

Contrariamente, durante uma visita a outra instituição, uma das gestoras da


Escola Margarida nos apresentou como acontece a construção do planejamento e
enfatizou que é construído diante das observações diárias feitas pelas educadoras e
em constante troca com as coordenadoras/gestoras, sem que os conteúdos sejam
determinados pelas educadoras para seguir um cronograma pré-estabelecido,
surgindo de acordo com os interesses e investigações feitas pelas crianças da turma.
Além disso, destacou que todo planejamento tem base na BNCC (BRASIL, 2017) para
que dessa forma se proporcione o tão almejado desenvolvimento pleno das crianças,
como fica enfatizado:

Aqui é um planejamento que vai acontecer durante o mês[...] então,


assim, nesse primeiro momento todas as salas elas têm contexto, são
contextos que elas preparam com qual intenção? Tem sempre uma
intenção. Se vai ter uma mesa com materiais riscantes? [...]Enfim,
então assim a cada dia tem uma proposta aguardando essas crianças
chegarem O estudo vai ter uma intenção. Então, aí aqui vem os
códigos da BNCC e o que é que está referente ao guia. Tudo isso aqui
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precisa ser feito pra criança pra depois a gente começar as vivências
que vão ser de acordo com o planejamento né?” (Extrato do relato da
gestora da Escola Margarida durante a visita presencial)

Paralelo a isso, fica evidente que na escola Girassol se compreende a


necessidade de favorecer a pesquisa e o brincar livre das crianças, baseando a prática
através da filosofia do brincar, tendo a observação como aliada ao desenvolvimento
das práticas pedagógicas. Essas práticas são planejadas a partir do interesse
investigativo das crianças. E1 afirma:

Não existem atividades. Não existe um planejamento de um currículo,


essa grade curricular, do que que eu vou fazer na segunda-feira.
Então, segunda-feira eu vou trabalhar a letra A, sei lá, na segunda-
feira eu vou trabalhar as cores, não, a gente não tem atividades
direcionadas o inverso disso, né? A gente tem a filosofia do brincar
livre. [...] Porque a gente entende que na fase de desenvolvimento das
crianças, elas tem um brincar diferente, elas ‘tão’ numa fase de
aprendizado diferente, elas ‘tão’ descobrindo e fazendo investigações
diferentes. Então, o ambiente é esse espaço privilegiado do brincar
livre e é esse ambiente que a gente prepara e pensa pra essa fase do
desenvolvimento. (Extrato da entrevista de E1)

A partir da fala da E1, é possível compreender ainda que na Escola Girassol a


preocupação está voltada para o planejamento dos espaços e materiais que serão
disponibilizados para propor o ambiente brincante para os bebês e crianças e não
voltada para a curricularização com atividades padronizadas e/ou mecanizadas,
fornecendo indícios na fala de que uma concepção de currículo é inconcebível à
experiência da EI. Sobre a preparação do espaço, relata:

Então eu penso no espaço, organizo o espaço, meu planejamento ele


funciona mais ou menos assim: qual o espaço que vai funcionar durante
vinte e oito dias? E nesses vinte e oito dias organizo o planejamento da
mesma maneira. Só que esse não é o único espaço, né? Que os bebês
transitam, eles têm o quintal lá fora e esse espaço ele é mutável, então
a gente a gente muda eles conforme o que está mais chamando a
atenção, a pesquisa dos bebês e tal, das crianças. (Extrato da
entrevista de E1)

A partir do que foi elucidado nesta sessão, é possível compreender que a


qualidade da atividade, a forma com que o espaço está organizado e as brincadeiras
que permitem os movimentos livres contribuem para o estabelecimento de uma
relação privilegiada entre educador e criança. Desta maneira, quando o educador se
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coloca no lugar de observador, o bebê ganha segurança e acaba fazendo novas


descobertas do espaço, de si e do mundo que o cerca. Paralelo a isso, o currículo
pensado na perspectiva da observação dos bebês, contribui para o desenvolvimento
de uma relação baseada na confiança.
Estas relações estabelecidas entre educador e criança no espaço escolar
demandam disponibilidade por parte do adulto para pensar numa educação
respeitosa, livre de intervenções diretas nos movimentos dos bebês, além da
necessidade de momentos de cuidados individualizados realizados pela educadora
em contato com a criança sempre comunicando-as de suas ações. Desta forma, o
currículo da EI precisa considerar a inteireza dos bebês, considerando suas emoções,
seus movimentos, seu corpo e suas relações, sendo o momento do cuidado parte
importante disto tudo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem Pikler traz diversos ganhos quando pensamos na prática


educativa com bebês e crianças pequenas em espaços educacionais, mesmo tendo
seu surgimento em um espaço voltado ao acolhimento. Como discutido, um de seus
princípios é a relação privilegiada, relação autêntica entre o adulto e a criança que tem
como objetivo a construção de uma relação afetiva onde não há dependência entre
esses pares. O adulto acredita na potência do bebê sem criar expectativas ao seu
respeito, observa constantemente as suas ações para que favoreça o seu
desenvolvimento autônomo, sem que esse seja construída uma relação com
cobranças e/ou transmitindo aos bebês uma imagem de abandono. Para isso, o bebê
precisa reconhecer nesse adulto uma pessoa que estará sempre pronta para lhe
ajudar nas necessidades, que valoriza suas conquistas e que contribui,
responsavelmente, para o estreitamento desses laços.
A relação privilegiada preza pela existência de uma particularidade entre eles,
sem trocas excessivas de cuidadoras ou um sistema de cuidados impessoais. Ao
contrário disso, a relação privilegiada deve favorecer para uma continuidade,
oportunizando uma constante troca entre educador-criança e que neste estudo
compreendemos ser fundamental em espaços de EI. Esta relação favorece um
desenvolvimento integral e autônomo dos bebês, visando que as ações dos adultos
devam ser indiretas para permitir o desenvolvimento. Entende-se, assim, os bebês
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como seres potentes e capazes em suas atividades de pesquisa de mundo e que


através das ações indissociáveis do cuidar-educar a relação privilegiada é construída
contínua e gradativamente. Tais aspectos foram evidenciados nas falas das
educadoras que trabalham com crianças de 1 e 2 anos em espaços educativos
inspirados na abordagem. Com as entrevistas, também foi possível identificar suas
percepções sobre o estudo continuado desta abordagem favorecer, de certo modo, a
identificação de práticas de cuidado privilegiado para com a criança, garantindo um
desenvolvimento sem acelerações ou intervenções.
A partir das falas, percebeu-se que quando o planejamento dos espaços e
materiais faz parte da prática pedagógica das educadoras, favorece os movimentos
livres e autônomos dos bebês, despertando o desejo inerente de brincar, testar,
evidenciar, ou seja investigar. Permitir que o bebê seja o protagonista da ação
educativa demanda uma confiança por parte do adulto, que deve ser um bom
observador nestes momentos e estrategista para que consiga reconhecer elementos
que serão um convite ativo para que o bebê se sinta estimulado para colocar em
prática o investigador que há nele.
Desse modo, este estudo ainda identificou que o currículo da EI deve ser
pensado na centralidade das relações e não com planos e exercícios pré-
determinados. Certamente, um dos desafios diários do educador infantil é organizar o
espaço coletivo que contemple as necessidades individuais do bebê, com sentido para
a criança, proporcionando a exploração e potencializando o investigador existente em
cada um. Para isso, o planejamento é considerado indispensável. Assim, é preciso
pensar o currículo como ponto de partida para que se possibilite as investigações,
tomadas de decisões e direcionamento do conteúdo a ser investigado, sempre
direcionadas diante do interesse das crianças.
Retomando os objetivos da pesquisa, identificamos a partir das entrevistas, que
para garantir a efetivação de uma relação privilegiada entre educador-criança, as
educadoras buscam uma atenção individualizada durante os momentos de cuidados,
reconhecendo ser inadequada a constante troca de adultos responsáveis por essa
prática e identificando serem as responsáveis por esse momento, permitindo assim a
construção de um vínculo de confiança. As educadoras buscam também em suas
práticas organizar o ambiente de forma que oportunize movimentos livres e a
investigação dos espaços e objetos dispostos ao seu redor, sem que haja uma
intervenção ativa e com uma constante observação para identificar os pontos
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investigativos desses bebês.


Ademais, é possível perceber nas expressões das educadoras que a relação
privilegiada é possível de ser construída na prática da Educação Infantil, tendo em
vista os momentos de cuidados, além da observação atenta durante os momentos do
brincar livre, bem como através do toque suave das mãos da educadora para o bebê,
sempre anunciando o que será feito em seu corpo com respeito e solicitação de sua
participação. Além disso, a fala das educadoras expressa que essa relação é
construída a partir da confiança que elas têm nas crianças, entendendo suas
potencialidades, bem como sua capacidade de desenvolver-se em um ambiente
pensado para elas.
Além disso, foi possível refletir que a relação privilegiada advém de um currículo
pensado para os bebês, levando em consideração seus interesses e os materiais
disponíveis para aguçar a curiosidade do campo a ser investigado, bem como os
momentos de troca entre educador-criança. Nesse sentido, reafirmamos que a
abordagem Pikler apresenta contribuições para a reflexão e o desenvolvimento de
práticas baseadas em uma relação privilegiada que favorece ao bebê a tomada de
consciência de si, do outro e do mundo ao seu redor. Compreendendo o quão
fundamental é a garantia do protagonismo da criança, bem como a confiança em sua
potencialidade como um ser integral e capaz. Logo, o educador tem o papel de
observador ativo, que deve planejar os espaços pensando nas atividades como um
convite para a criança, resultando em uma prática baseada em cuidados e ações
privilegiadas.
Entendendo a potência dos estudos da abordagem Pikler e reconhecendo sua
importância ao pensar no bem-estar de crianças em espaços de EI, este estudo nos
leva a refletir sobre a necessidade de uma continuidade de pesquisas acadêmicas
nesta temática, ampliando o conhecimento da abordagem. De certa maneira, essa
pesquisa preliminar nos move a pensar sobre que tipos de possibilidades formativas
podem ser fornecidas ao docente que atua na Educação Infantil, a fim de que
desenvolva saberes práticos à atuação autêntica de uma relação privilegiada no
cuidar-educar com o bebê. Assim, refletimos sobre a pertinência desta temática a ser
trabalhada de forma continuada nos espaços de EI, através de estudos, pesquisas e
reflexões da prática, fazendo da escola de EI um espaço potente de desenvolvimento
de crianças autônomas e seguras.
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