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PAISAGEM AGRÁRIA E ARQUITETURA POPULAR: O

PATRIMÔNIO CULTURAL RURAL DE JOINVILLE-SC NA


CONTEMPORANEIDADE

Soto, Anne E. R. (1); Meira, Roberta B. (2); Carelli, Mariluci N. (3);

1. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Programa de Pós-Graduação em


Patrimônio Cultural e Sociedade
Rua Paulo Malschitzki,10 - Zona Industrial Norte - 89219-710 – Joinville, SC
annesoto@univille.br

2. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Programa de Pós-Graduação em


Patrimônio Cultural e Sociedade
Rua Paulo Malschitzki,10 - Zona Industrial Norte - 89219-710 – Joinville, SC
roberta.barros@univille.br

3. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Programa de Pós-Graduação em


Patrimônio Cultural e Sociedade
Rua Paulo Malschitzki,10 - Zona Industrial Norte - 89219-710 – Joinville, SC
mariluci.neis@univille.br

6º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto


Belo Horizonte/MG - de 11 a 15/09/2023
RESUMO
O município de Joinville, localizado no norte de Santa Catarina, integrou os Roteiros Nacionais
de Imigração do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, cuja significativa
participação do estado ocasionou diversos tombamentos federais e estaduais de propriedades
rurais, realizados nos anos 2000. Quanto às ações de preservação voltadas à área rural local,
para além de alguns dos tombamentos mencionados, situados principalmente na região da
antiga Estrada Dona Francisca como resultado de décadas de estudos e inventários do IPHAN
e da Fundação Catarinense de Cultura -FCC, a maior parte dos bens foram cadastrados como
de interesse de preservação no âmbito municipal, através de um frágil instrumento
administrativo da Prefeitura Municipal de Joinville, o qual não é mais considerado como
mecanismo de proteção há alguns anos. Todavia, em mapeamento recente realizado pela
autora na região rural do Piraí, constatou-se que a maior parte das propriedades rurais, que
ainda possuem sua arquitetura, atividades e paisagens remanescentes do período de
colonização, são preservadas por iniciativa de seus proprietários, mesmo com a ausência de
proteção legal (tombamento ou inventariação) ou políticas públicas municipais de incentivo à
sua preservação. As paisagens agrárias históricas joinvilenses podem, portanto, ser
compreendidas tal qual definem as cartas e recomendações patrimoniais: como testemunhos
ao passado e ao presente do relacionamento existente entre os indivíduos e seu meio
ambiente, e caracterizadas da forma como a comunidade percebe determinado território.
Diante disto, ressalta-se que as paisagens são conformadas por pequenas propriedades rurais
e seus exemplares de arquitetura popular, muitos deles edificados com a técnica enxaimel - os
quais permanecem preservados desde a sua construção pelos colonos no século XIX. Além
disso, interessa notar que a apropriação e fruição deste patrimônio cultural na
contemporaneidade pelos proprietários e pela população local apresentam características
singulares. Busca-se, nesta comunicação, discutir os resultados parciais de uma pesquisa
sobre o patrimônio cultural de Joinville com uma abordagem integrada: paisagem agrária e
arquitetura popular; e analisar parte do patrimônio cultural rural joinvilense, reconhecido por
proteção legal ou não.

Palavras-chave: Paisagem Cultural; Arquitetura Popular; patrimônio cultural rural.

6º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto


Belo Horizonte/MG - de 11 a 15/09/2023
Introdução

O município de Joinville, localizado no norte de Santa Catarina, integrou os Roteiros


Nacionais de Imigração do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -
IPHAN, cuja significativa participação do estado ocasionou diversos tombamentos
federais e estaduais de propriedades rurais, realizados nos anos 2000. Quanto às
ações de preservação voltadas à área rural local, para além de alguns dos
tombamentos mencionados, situados principalmente na região da antiga Estrada Dona
Francisca como resultado de décadas de estudos e inventários do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e da Fundação Catarinense de
Cultura - FCC, a maior parte dos bens foram cadastrados como de interesse de
preservação no âmbito municipal, através de um frágil instrumento administrativo da
Prefeitura Municipal de Joinville - PMJ, o qual não é mais considerado como
mecanismo de proteção há alguns anos.
A partir de uma pesquisa realizada nas adjacências da estrada Blumenau, Estrada
Comprida e região do Rio Piraí (área não contemplada pelos Roteiros Nacionais de
Imigração, que priorizaram a área próxima à Estrada Dona Francisca) foi possível
mapear um significativo acervo de propriedades rurais, porém com enfoque maior no
uso da técnica enxaimel na arquitetura joinvilense.
O objetivo geral do projeto é mapear e diagnosticar o estado atual do
patrimônio edificado com técnica construtiva enxaimel em parte da
área rural do município de Joinville, quanto à permanência de seus
vestígios arquitetônicos e de suas implantações. Para tanto, foram
identificadas as edificações rurais com técnica enxaimel de Joinville,
na nossa área de estudo, protegidas legalmente ou não, com o
levantamento das informações pertinentes. (SOTO, 2021, p.6).

Todavia, neste recente mapeamento, constatou-se que a maior parte das pequenas
propriedades rurais, que ainda possuem sua arquitetura, atividades agrárias e
conformam paisagens remanescentes do período de colonização, são preservadas por
iniciativa de seus proprietários, mesmo com a ausência de proteção legal
(tombamento ou inventariação) ou políticas públicas municipais de incentivo à sua
preservação.
Do total de 60 imóveis mapeados na nossa área de estudo, um
estava em processo de tombamento quando desmoronou e foi
demolido, e três são tombados pelo município: duas casas e a antiga
Ponte coberta Alfonso Altrak (imóvel B6). (IBIDEM, 2021, p.21).

As paisagens agrárias históricas joinvilenses podem, portanto, ser compreendidas tal


qual as Cartas Patrimoniais, como a Recomendação Europa (1995), definem:
Expressão formal dos numerosos relacionamentos existentes em
determinado período entre o indivíduo ou uma sociedade e um
território topograficamente definido, cuja aparência é resultado de
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ação ou cuidados especiais, de fatores naturais e humanos e de uma
combinação de ambos.
Paisagem é considerada em um triplo significado cultural, porquanto,
é definida e caracterizada da maneira pela qual determinado território
é percebido por um indivíduo ou por uma comunidade; dá testemunho
ao passado e ao presente do relacionamento existente entre os
indivíduos e seu meio ambiente; ajuda a especificar culturas e locais,
sensibilidades, práticas, crenças e tradições. (CURY, 2004, p. 331-
332)

E estas paisagens são o tema da tese de doutorado que está em fase embrionária,
cujas primeiras pesquisas serão demonstradas, a seguir, por meio de dois estudos de
caso distintos, que exemplificam como a salvaguarda do patrimônio cultural rural vem
sendo abordada em Joinville na contemporaneidade.

A “casa da Oma1”: luto, ruína e memória


Uma das propriedades rurais mapeadas e estudadas em 2021 chamou mais a atenção
por sua casa original ter sido deixada intacta há anos pelos herdeiros (Figura 1), que
se referem a ela como a “casa da Oma”: o mobiliário, vários utensílios, as vestimentas
e fotografias dos falecidos moradores foram mantidos na edificação construída com a
técnica enxaimel provavelmente no século XIX. Sem uso desde o falecimento da
“vovó” da família, apenas as demais edificações implantadas no mesmo lote rural são
utilizadas para residência e atividades ligadas ao cultivo de arroz e à floricultura.
A casa em estado de ruínas parece expressar o luto não processado da família pela
perda da matriarca, alguém que todos respeitam, mesmo depois de sua morte, pois,
por consideração, se negam a retirar quaisquer objetos ou a fazer reparos para a
manutenção do imóvel.2 Segundo Sigmund Freud (2011, s/p), “O luto, de modo geral,
é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o
lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por
diante.” A casa é, portanto, a representação da presença da “Oma”, mesmo já tendo
pertencido a algumas gerações que a antecederam. Tornou-se, então, uma espécie de
memorial; retirar os seus pertences, restaurar a casa e dar um novo uso à edificação
não são cogitados pelos familiares; muito menos demoli-la, pois aí sim, sua presença
viva de outrora seria esquecida. Mas curiosamente é um memorial em ruína, com a
sua materialidade em estado de degradação, em vias de desaparecimento, assim

1 Oma é uma expressão muito utilizada em Joinville nas famílias descendentes dos colonos germânicos, a
qual significa vovó no idioma alemão.

2 Constatações da autora através de observações feitas in loco e entrevista com familiares.

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como ocorreu com a sua habitante, um desaparecimento do tangível e ao mesmo
tempo uma forte presença intangível.

Figura 1: imagens da fachada frontal com destaque ao jardim com as suas flores, e de
ambientes internos da “Casa da Oma” (sala de estar e cozinha).
Fonte: Soto (2021)

Walter Benjamin traz uma discussão sobre as ruínas, na qual é importante destacar
que:
Em Benjamin (1990, p.76), as ruínas adquirem um significado
alegórico para chegar à eternidade, diversamente do símbolo que
procura o sentido próprio das coisas e uma redenção transcendente
eternizando sua significação de coisa viva, buscando seu verdadeiro
e único sentido. A alegoria faz morrer a intenção original dos objetos
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necessitando desenvolver-se de formas sempre novas e
surpreendentes, descontextualizados de seus meios. As coisas
surgem como mortas, privadas de suas vidas, isto é, a alegoria
assegura a eternidade das coisas por meio da sua morte, sua
descontextualização, na possibilidade de recriação de novos e
infinitos sentidos. (SOUSA JÚNIOR, 2017, p. 137-138)

Partindo do entendimento da arquitetura como uma comunicação não-verbal:


“imagens, os gestos, os sons melódicos, os objetos [...], se não constituem
‘linguagens’, são, pelo menos, sistemas de significação” (BARTHES, 2006, p. 11),
presume-se que a casa em ruínas, com todos os objetos que abriga, comunica
algumas mensagens relacionadas às memórias da Oma, que podem ser interpretadas
e compreendidas de diferentes formas por quem a observa, assim como ocorre com
outros tipos de comunicação, e que sofrerão influência da existência ou não de relação
afetiva entre o observador e os objetos observados.
Sobre o conceito de memória, Le Goff (2003, p. 423) define: “A memória, como
propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um
conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões
ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. Com isso, é
possível fazer as conexões entre a postura e os sentimentos da família enlutada, a
preservação da casa em ruínas e a memória da matriarca, aqui chamada de Oma. A
lenta “morte” da casa é compreendida como o símbolo de uma gradual e demorada
despedida de quem ela desperta muitas memórias, como um memorial, quase como
um mausoléu onde as flores continuam sendo regadas e seguem vivas, coloridas e
perfumadas em sua homenagem (Figura 1). De longe, ao passar pela estrada, apesar
de seu mau estado de conservação, ainda é possível avistar a casa principal, que
continua presente na paisagem da qual faz parte. Contudo, a propriedade rural segue
viva, habitada por seus descendentes que produzem arroz, flores e plantas
ornamentais e colhem da terra o seu sustento.

O projeto da “Vila Alemã”

Um projeto desenvolvido pela PMJ no presente ano provoca a retomada de


discussões conceituais que já pareciam estar superadas há tempos no município. A
proposta, que ao tudo indica será concretizada, prevê a instalação de edificações com
a técnica construtiva enxaimel realocadas, que não necessariamente fazem parte do
patrimônio rural. Entretanto, a localização do empreendimento se dá na área
considerada a “porta de entrada” da Região Dona Francisca, junto à Rodovia SC-418
(Estrada Dona Francisca) que liga Joinville à Serra Dona Francisca e a municípios

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como Campo Alegre, São Bento do Sul e Rio Negrinho. É justamente esta rodovia,
com suas estradas e paisagens rurais adjacentes, que faz parte do projeto pioneiro
dos Roteiros Nacionais da Imigração do IPHAN, lançado em 2007 em Santa Catarina
pelo então Ministro da Cultura Gilberto Gil. Ademais, o lote previsto para a Vila é
vizinho e considerado entorno imediato do bem tombado em nível federal, estadual e
municipal conhecido como Casa Krüger (Figura 2), o qual é objeto de um projeto de
restauro completo em elaboração por empresa especializada contratada pela PMJ, e
onde funciona atualmente o Centro de Atendimento ao Turista da Secretaria Municipal
de Cultura e Turismo – SECULT e abriga em seu rancho uma feira de produtores
rurais da região nos finais de semana. Sobre o projeto, a comunicação da PMJ já
divulgou à mídia local o seguinte:

Uma vila alemã deverá ser uma das atrações do futuro Parque 25 de
Julho, em Joinville. O espaço será baseado em estilo enxaimel e até
construções de outros locais poderão ser trazidas. O parque, que terá
uma série de outros investimentos, está em elaboração de projetos e
ainda não há prazo estimado para início da construção. O Palácio das
Orquídeas, uma área anexa ao futuro parque, teve edital de licitação
lançado nesta semana, com teto de R$ 15,8 milhões. Nesse caso, as
obras devem começar neste ano
A concepção da vila alemã ainda está na fase inicial e deverá se
basear em projetos implantados em outras cidades de Santa
Catarina. O estilo enxaimel será referência, com aproveitamento de
uma edificação já existente no local. Mais construções poderão ser
feitas ou aberta a possibilidade de que casas enxaimel sejam
trazidas de outros locais da cidade, se houver interesse dos
proprietários. As construções poderão ser usadas como pontos
turísticos e serem utilizadas como locais de gastronomia, venda
de produtos artesanais, entre outros usos. Em Joinville, há
exemplos de realocação dessas casas, como as levadas para o
terreno do Arquivo Histórico (em processo de nova
transferência). (SAAVEDRA, 2023, s/p, grifo nosso.)

Nota-se que no entendimento dos idealizadores da Vila, o que é chamado


equivocadamente de “estilo” enxaimel, seria a representação da arquitetura e da
cultura “alemã”, desconsiderando, portanto, toda a arquitetura teuto-brasileira existente
na região, para além da técnica enxaimel. Ademais, percebe-se uma intenção de criar
uma paisagem cenográfica de um tipo de implantação das casas em conjunto que
jamais existiu em Joinville, principalmente na área rural, que é configurada, desde o
século XIX, por antigos lotes vendidos pela Sociedade Colonizadora, com
características de pequenas propriedades rurais com suas residências isoladas umas
das outras.

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Figura 2: imagem aérea feita por drone em setembro de 2023 com a localização da “Vila
Alemã” e sua relação com o bem tombado “Casa Krüger”.
Fonte: SOTO et al. (2023)

Atualmente, já existe no lote adquirido pela PMJ um rancho e uma edificação que
simula a técnica enxaimel, ambos construídos nos anos 1980, portanto se trata de um
caso de pastiche ou falso histórico. Segundo informações levantadas nas atas da
Comissão do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Natural do Município de
Joinville – COMPHAAN, serão realocadas e reconstruídas, inicialmente, duas
edificações: a primeira implantada originalmente na Rua Ottokar Doerffel, a qual passa
por uma obra de duplicação que interfere em seu lote, com uma parte desapropriada
por este motivo (Figura 3), e registrada no Inventário do Patrimônio Cultural de
Joinville – IPCJ como bem móvel; a segunda, que estava implantada no lote do
Arquivo Histórico de Joinville – AHJ (e já havia sido realocada de seu terreno original
no ano de 2002, doada à PMJ por uma Construtora que queria construir um edifício no
local). A ata da reunião da COMPHAAN elucida alguns posicionamentos dos membros
da Comissão e dos gestores do município e a deliberação contrária à recomendação
dos técnicos da Coordenação do Patrimônio Cultural:
O Sr. Guilherme fala que existe uma casa enxaimel que foi doada e
não está em uso desde dois mil e catorze, porém houve uma queda
de árvore em cima dela e precisa ser restaurada. Esta casa não tem
preservação cultural. O Sr. Guilherme fala que no relatório técnico
dos técnicos da CPC, recomendam o inventário da casa. Ele fala que
os gestores da SECULT, discordam da decisão dos técnicos da CPC,
pois existem vários outros imóveis na cidade que necessitam de
restauro e de recursos da SECULT. A Sra. Roberta Meyer fala que o
património gera vínculos afetivos de uma parte da equipe da

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SECULT, ela entende e respeita isso. Ela fala que já houve um
Termo de Referência para a desmontagem e manutenção do imóvel.
Ela fala também que existe uma lista de prioridades de imóveis da
CPC e esse imóvel não está incluso, portanto concorda que a casa
não seja inventariada e que a ela feito todos os encaminhamentos, da
maneira correta e registrando os andamentos. A Sra. Fernanda fala
que concorda com a fala da Sra. Roberta Meyer, questiona sobre o
histórico do imóvel se ele foi doado, questiona a responsabilidade da
Prefeitura com este imóvel e qual o encaminhamento será adotado
em caso de não inventariá-la. A Sra. Roberta Silva fala sobre o valor
arquitetônico do imóvel e que o valor da casa é "muito mais de
objeto". Não se opõe à retirada do imóvel, desde que seja destinado
um cuidado para ela. A Sra. Dinorah, com autorização da presidência,
fala que é importante o cuidado que será dado a casa posteriormente.
O Sr. Guilherme fala que pode oferecer a casa aos doadores
originais. O Sr. Francisco sugere a construção de um local para
instalação de casas doadas ao município. O Sr. Antônio fala que está
sendo construído um parque temático bíblico na divisa de Joinville
com Araquari, que terá disposição para relocação de casas
tombadas, sugere que pode servir bem a esse imóvel. Em votação o
item 17.1. Recomendação, que é a inclusão da casa enxaimel no
IPCJ. Reprovada a recomendação da CPC, por maioria de votos,
condicionado a condição de desmontagem da casa e destinada a
doação para a comunidade para nova montagem. (FCJ, 2022, s/p).

Figura 3: imagem aérea com destaque para a localização original da edificação e imagem da
sua fachada frontal antes da desmontagem.
Fonte: SOTO et al. (2023)

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Figura 4: imagem à esquerda quando houve a queda da árvore (2021) e à direita durante a sua
demolição (2023)
Fonte: PMJ

Considerando que a casa com técnica enxaimel do AHJ foi destruída quase na
totalidade por uma queda de árvore recentemente (Figura 4), e que já havia sido
reconstruída anteriormente, destaca-se que a sua reconstrução parcial seria
necessária de qualquer forma, ou ao menos obras de restauro do que restou e uma
possível ampliação/intervenção. Entretanto, cabe ressaltar que não foram realizados
registros ou documentações suficientes durante a sua desmontagem para subsidiarem
a sua realocação, pois não houve o acompanhamento técnico necessário informado à
COMPHAAN, pois há inexistência de registro de responsabilidade técnica e alvará de
demolição, segundo verificado, o que ocasionou uma desmontagem descriteriosa.
Uma vez que a utilização apenas de imagens e de um levantamento arquitetônico
existente com pouca precisão representaria a reprodução de um pastiche ou “falso
histórico”, faz-se necessário retomar alguns conceitos básicos. Segundo o Manual de
Elaboração de Projetos do Programa Monumenta utilizado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, reconstrução é:
conjunto de ações destinadas a restaurar uma edificação ou parte
dela, que se encontre destruída ou em risco de destruição, mas ainda
não em ruínas. A reconstrução é aceitável em poucos casos especiais
e deve ser baseada em evidências históricas ou documentação
indiscutíveis. São exemplos: as edificações destruídas por incêndios,
enchentes, guerra, ou, ainda, na iminência de serem destruídas,
como no caso de construção de barragens. (BRASIL, 2005, p.13.)

E restauração ou restauro é:
conjunto de operações destinadas a restabelecer a unidade da
edificação, relativa à concepção original ou de intervenções
significativas na sua história. O restauro deve ser baseado em
análises e levantamentos inquestionáveis e a execução permitir a
distinção entre o original e a intervenção. A restauração constitui o
tipo de conservação que requer o maior número de ações
especializadas. (IBIDEM, p. 14)

A Carta de Burra (1980) define em seu artigo 1°:

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A reconstrução será o restabelecimento, com o máximo de exatidão,
de um estado anterior conhecido; ela se distingue pela introdução na
substância existente de materiais diferentes, sejam novos ou antigos.
A reconstrução não deve ser confundida, nem com a recriação, nem
com a reconstituição hipotética, ambas excluídas do domínio
regulamentado pelas presentes orientações. (CURY, 2004, p. 248)

A Carta de Veneza (1964) diz, no artigo 9°, que a restauração:


Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos
do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos
documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano
das reconstituições conjeturais, todo trabalho complementar
reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas
destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca
do nosso tempo. (IBIDEM, p. 93)

Com base nos conceitos acima descritos, considera-se que a reconstrução ou o


restauro arquitetônico criterioso da “casa enxaimel” do AHJ, seguindo as
recomendações dos documentos internacionais e do IPHAN, tornam-se inviáveis pela
ausência de registros precisos. Portanto, tratar-se-á de mais um pastiche ou falso
histórico a ser implantado na Vila, para além do fato da casa ser considerada como um
objeto, um bem móvel, tratado de forma desconexa com o contexto em que foi
produzida nos anos 1950/60 na área urbana de Joinville e com a nova paisagem em
que será inserida. Além disso, as duas edificações que serão transportadas são
exemplares de uma segunda fase do enxaimel urbano joinvilense, com características
distintas da tipologia arquitetônica utilizada na área rural.
Já a segunda fase é tardia, se inicia aproximadamente em 1930 e se
estende até os anos de 1950-60, sendo mais encontrada na área
urbana, cujas residências passam a ter adequações em seu exterior e
no interior para as mudanças advindas da “vida moderna”, e com as
paredes rebocadas e pintadas.
Especialmente as casas de meados do século XX passam a ter
telhados de quatro águas e varandas fechadas. Desta fase,
encontram-se vários projetos arquitetônicos no acervo do Arquivo
Histórico de Joinville – AHJ. (SOTO, 2021, p.13-14).

Não se tem a informação, até o momento, de quais serão as demais edificações que
serão realocadas para a “Vila Alemã”. Sabe-se, entretanto, que o IPHAN já solicitou
esclarecimentos à PMJ e uma cópia do projeto para análise, uma vez que tomou
conhecimento, através das mídias, do empreendimento no lote vizinho a um bem
tombado (entorno imediato).
O foco de interesse, no presente estudo, todavia, é levantar as questões imanentes à
criação de uma paisagem cenográfica, em um local estratégico, enquanto dezenas de
propriedades rurais com suas características preservadas pela comunidade (como a
casa da Oma) são desconsideradas pelo poder público e se encontram fragilizadas e
vulneráveis ao desaparecimento, sem políticas públicas de incentivo às suas

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permanências. Com isso, surgem alguns questionamentos: qual seria o impacto de
uma vila fake nas proximidades de um bem tombado original e na “porta de entrada”
de um Roteiro Nacional da Imigração, precursor na gestão de paisagens culturais no
país? A “vila alemã” poderia gerar um esvaziamento da “Casa Krüger” e competir com
o seu uso atual, além de gerar uma confusão de compreensão quanto ao que é
considerado patrimônio cultural? Quem deveria definir o que é ou não é patrimônio
cultural e como este patrimônio pode ser preservado e eventualmente usufruído pela
população? Algumas respostas só virão após o projeto se concretizar, outras já se
pode prever. Constata-se, então, que se apresenta como confusa e distante da
realidade local a forma como tem sido conduzida a gestão do patrimônio rural de
Joinville e de suas paisagens culturais, considerando que:
é necessário pensar a pluralidade e a coexistência das
espacialidades, das formas de espaço, dos regimes culturais e
sociais da espacialidade, em relação à pluralidade dos horizontes de
sentidos e dos regimes de percepção onde eles se definem. Esta
diversidade atravessa igualmente as paisagens, as concepções que
podemos ter, as maneiras de percebê-las, bem como as maneiras de
fabricá-las. (BESSE, 2014, p.242).

Considerações finais
Buscou-se, neste trabalho, discutir os resultados parciais de uma pesquisa sobre o
patrimônio cultural de Joinville com uma abordagem integrada: paisagem agrária e
arquitetura popular; e analisar parte do patrimônio cultural rural joinvilense,
reconhecido por proteção legal ou não, por meio de dois estudos de caso.
Apresentou-se, no decorrer do texto, os conceitos de luto, ruína e memória, a partir do
caso de uma casa com técnica enxaimel em ruínas, exemplar da arquitetura popular
rural com a técnica enxaimel joinvilense muito presente na paisagem que, mesmo não
possuindo uma proteção legal, é preservada por seu valor simbólico. A peculiaridade
do imóvel exemplifica as singularidades encontradas no numeroso e importante acervo
patrimonial arquitetônico e paisagístico do município, que por vezes passa
despercebido pelo governo local e pela população em geral.
Em paralelo, através da proposta de implantação de uma “Vila Alemã”, nota-se,
intrinsicamente, um discurso ideológico do patrimônio que promove o valor social de
uma elite, preocupado com a regulação de significados e práticas sociais associadas à
criação e a recriação das “identidades”. Consideram, no projeto, as edificações
históricas como bens materiais móveis, objetificando-as e desconectando-as com o
seu contexto urbanístico, histórico e social, enfim, com a paisagem.
Acredita-se que este trabalho é um primeiro passo para a continuidade das
investigações que também poderão ser realizadas por pesquisadores de áreas
diversas. Os futuros estudos poderão contribuir para que as decisões sobre as ações
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a serem tomadas acerca do patrimônio de Joinville sejam definidas com maior
profundidade conceitual e com a participação efetiva da população e de todos os
atores envolvidos.

Referências

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
BESSE, Jean-Marc. Entre a geografia e a ética: a paisagem e a questão do bem-estar.
GEOUSP, São Paulo, v.18, n.2, p.241-252, maio/ago 2014.
BRASIL. MINISTÉRIO DA CULTURA. INSTITUTO DO PROGRAMA MONUMENTA.
Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural.
Brasília, Ministério da Cultura, Instituto do Programa Monumenta, 2005. Disponível
em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/CadTec1_Manual_de_Elaboracao_de_Pr
ojetos_m.pdf
CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
FUNDAÇÃO CULTURAL DE JOINVILLE. ATA DE REUNIÃO da COMPHAAN - N°
365. Joinville, FCJ, 2022.
LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. 5. Ed. Trad. Irene Ferreira,
Bernardo Leitão. Suzana Ferreira Borges. Campinas: Unicamp, 2003. 419-476
SAAVEDRA, Jefferson. “Vila alemã” está nos planos para futuro parque em
Joinville - [online], Joinville, 14 jul. 2023. NSC Total. Disponível em:
<https://www.nsctotal.com.br/colunistas/saavedra/vila-alema-esta-nos-planos-para-
futuro-parque-em-joinville>. Acesso em: 21 ago. 2023.
SOTO, Anne E. R. Mapeamento da Arquitetura Rural com a técnica enxaimel em
Joinville-SC. Caderno técnico. Joinville, 2021. Disponível em: http://iab-
sc.org.br/2021/12/mapaenxaimel/
SOTO, Anne E. R.; VICENTE, Tayna; BERNARDES, Ana; CAMARGO, Jaqueline.
estudo de caso: Vila Alemã – Parque 25 de Julho. Setembro de 2023.
Apresentação do Power Point.
SOUSA JÚNIOR, Mário Anacleto de. O conceito de ruína e
o dilema da conservação em arte contemporânea. Revista ARA Nº 2. 2017.
Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2525-8354.v0i2p133-157. Acesso em:
03/08/2023, às 22:15.

6º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto


Belo Horizonte/MG - de 11 a 15/09/2023

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