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Todavia, neste recente mapeamento, constatou-se que a maior parte das pequenas
propriedades rurais, que ainda possuem sua arquitetura, atividades agrárias e
conformam paisagens remanescentes do período de colonização, são preservadas por
iniciativa de seus proprietários, mesmo com a ausência de proteção legal
(tombamento ou inventariação) ou políticas públicas municipais de incentivo à sua
preservação.
Do total de 60 imóveis mapeados na nossa área de estudo, um
estava em processo de tombamento quando desmoronou e foi
demolido, e três são tombados pelo município: duas casas e a antiga
Ponte coberta Alfonso Altrak (imóvel B6). (IBIDEM, 2021, p.21).
E estas paisagens são o tema da tese de doutorado que está em fase embrionária,
cujas primeiras pesquisas serão demonstradas, a seguir, por meio de dois estudos de
caso distintos, que exemplificam como a salvaguarda do patrimônio cultural rural vem
sendo abordada em Joinville na contemporaneidade.
1 Oma é uma expressão muito utilizada em Joinville nas famílias descendentes dos colonos germânicos, a
qual significa vovó no idioma alemão.
Figura 1: imagens da fachada frontal com destaque ao jardim com as suas flores, e de
ambientes internos da “Casa da Oma” (sala de estar e cozinha).
Fonte: Soto (2021)
Walter Benjamin traz uma discussão sobre as ruínas, na qual é importante destacar
que:
Em Benjamin (1990, p.76), as ruínas adquirem um significado
alegórico para chegar à eternidade, diversamente do símbolo que
procura o sentido próprio das coisas e uma redenção transcendente
eternizando sua significação de coisa viva, buscando seu verdadeiro
e único sentido. A alegoria faz morrer a intenção original dos objetos
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necessitando desenvolver-se de formas sempre novas e
surpreendentes, descontextualizados de seus meios. As coisas
surgem como mortas, privadas de suas vidas, isto é, a alegoria
assegura a eternidade das coisas por meio da sua morte, sua
descontextualização, na possibilidade de recriação de novos e
infinitos sentidos. (SOUSA JÚNIOR, 2017, p. 137-138)
Uma vila alemã deverá ser uma das atrações do futuro Parque 25 de
Julho, em Joinville. O espaço será baseado em estilo enxaimel e até
construções de outros locais poderão ser trazidas. O parque, que terá
uma série de outros investimentos, está em elaboração de projetos e
ainda não há prazo estimado para início da construção. O Palácio das
Orquídeas, uma área anexa ao futuro parque, teve edital de licitação
lançado nesta semana, com teto de R$ 15,8 milhões. Nesse caso, as
obras devem começar neste ano
A concepção da vila alemã ainda está na fase inicial e deverá se
basear em projetos implantados em outras cidades de Santa
Catarina. O estilo enxaimel será referência, com aproveitamento de
uma edificação já existente no local. Mais construções poderão ser
feitas ou aberta a possibilidade de que casas enxaimel sejam
trazidas de outros locais da cidade, se houver interesse dos
proprietários. As construções poderão ser usadas como pontos
turísticos e serem utilizadas como locais de gastronomia, venda
de produtos artesanais, entre outros usos. Em Joinville, há
exemplos de realocação dessas casas, como as levadas para o
terreno do Arquivo Histórico (em processo de nova
transferência). (SAAVEDRA, 2023, s/p, grifo nosso.)
Atualmente, já existe no lote adquirido pela PMJ um rancho e uma edificação que
simula a técnica enxaimel, ambos construídos nos anos 1980, portanto se trata de um
caso de pastiche ou falso histórico. Segundo informações levantadas nas atas da
Comissão do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Natural do Município de
Joinville – COMPHAAN, serão realocadas e reconstruídas, inicialmente, duas
edificações: a primeira implantada originalmente na Rua Ottokar Doerffel, a qual passa
por uma obra de duplicação que interfere em seu lote, com uma parte desapropriada
por este motivo (Figura 3), e registrada no Inventário do Patrimônio Cultural de
Joinville – IPCJ como bem móvel; a segunda, que estava implantada no lote do
Arquivo Histórico de Joinville – AHJ (e já havia sido realocada de seu terreno original
no ano de 2002, doada à PMJ por uma Construtora que queria construir um edifício no
local). A ata da reunião da COMPHAAN elucida alguns posicionamentos dos membros
da Comissão e dos gestores do município e a deliberação contrária à recomendação
dos técnicos da Coordenação do Patrimônio Cultural:
O Sr. Guilherme fala que existe uma casa enxaimel que foi doada e
não está em uso desde dois mil e catorze, porém houve uma queda
de árvore em cima dela e precisa ser restaurada. Esta casa não tem
preservação cultural. O Sr. Guilherme fala que no relatório técnico
dos técnicos da CPC, recomendam o inventário da casa. Ele fala que
os gestores da SECULT, discordam da decisão dos técnicos da CPC,
pois existem vários outros imóveis na cidade que necessitam de
restauro e de recursos da SECULT. A Sra. Roberta Meyer fala que o
património gera vínculos afetivos de uma parte da equipe da
Figura 3: imagem aérea com destaque para a localização original da edificação e imagem da
sua fachada frontal antes da desmontagem.
Fonte: SOTO et al. (2023)
Considerando que a casa com técnica enxaimel do AHJ foi destruída quase na
totalidade por uma queda de árvore recentemente (Figura 4), e que já havia sido
reconstruída anteriormente, destaca-se que a sua reconstrução parcial seria
necessária de qualquer forma, ou ao menos obras de restauro do que restou e uma
possível ampliação/intervenção. Entretanto, cabe ressaltar que não foram realizados
registros ou documentações suficientes durante a sua desmontagem para subsidiarem
a sua realocação, pois não houve o acompanhamento técnico necessário informado à
COMPHAAN, pois há inexistência de registro de responsabilidade técnica e alvará de
demolição, segundo verificado, o que ocasionou uma desmontagem descriteriosa.
Uma vez que a utilização apenas de imagens e de um levantamento arquitetônico
existente com pouca precisão representaria a reprodução de um pastiche ou “falso
histórico”, faz-se necessário retomar alguns conceitos básicos. Segundo o Manual de
Elaboração de Projetos do Programa Monumenta utilizado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, reconstrução é:
conjunto de ações destinadas a restaurar uma edificação ou parte
dela, que se encontre destruída ou em risco de destruição, mas ainda
não em ruínas. A reconstrução é aceitável em poucos casos especiais
e deve ser baseada em evidências históricas ou documentação
indiscutíveis. São exemplos: as edificações destruídas por incêndios,
enchentes, guerra, ou, ainda, na iminência de serem destruídas,
como no caso de construção de barragens. (BRASIL, 2005, p.13.)
E restauração ou restauro é:
conjunto de operações destinadas a restabelecer a unidade da
edificação, relativa à concepção original ou de intervenções
significativas na sua história. O restauro deve ser baseado em
análises e levantamentos inquestionáveis e a execução permitir a
distinção entre o original e a intervenção. A restauração constitui o
tipo de conservação que requer o maior número de ações
especializadas. (IBIDEM, p. 14)
Não se tem a informação, até o momento, de quais serão as demais edificações que
serão realocadas para a “Vila Alemã”. Sabe-se, entretanto, que o IPHAN já solicitou
esclarecimentos à PMJ e uma cópia do projeto para análise, uma vez que tomou
conhecimento, através das mídias, do empreendimento no lote vizinho a um bem
tombado (entorno imediato).
O foco de interesse, no presente estudo, todavia, é levantar as questões imanentes à
criação de uma paisagem cenográfica, em um local estratégico, enquanto dezenas de
propriedades rurais com suas características preservadas pela comunidade (como a
casa da Oma) são desconsideradas pelo poder público e se encontram fragilizadas e
vulneráveis ao desaparecimento, sem políticas públicas de incentivo às suas
Considerações finais
Buscou-se, neste trabalho, discutir os resultados parciais de uma pesquisa sobre o
patrimônio cultural de Joinville com uma abordagem integrada: paisagem agrária e
arquitetura popular; e analisar parte do patrimônio cultural rural joinvilense,
reconhecido por proteção legal ou não, por meio de dois estudos de caso.
Apresentou-se, no decorrer do texto, os conceitos de luto, ruína e memória, a partir do
caso de uma casa com técnica enxaimel em ruínas, exemplar da arquitetura popular
rural com a técnica enxaimel joinvilense muito presente na paisagem que, mesmo não
possuindo uma proteção legal, é preservada por seu valor simbólico. A peculiaridade
do imóvel exemplifica as singularidades encontradas no numeroso e importante acervo
patrimonial arquitetônico e paisagístico do município, que por vezes passa
despercebido pelo governo local e pela população em geral.
Em paralelo, através da proposta de implantação de uma “Vila Alemã”, nota-se,
intrinsicamente, um discurso ideológico do patrimônio que promove o valor social de
uma elite, preocupado com a regulação de significados e práticas sociais associadas à
criação e a recriação das “identidades”. Consideram, no projeto, as edificações
históricas como bens materiais móveis, objetificando-as e desconectando-as com o
seu contexto urbanístico, histórico e social, enfim, com a paisagem.
Acredita-se que este trabalho é um primeiro passo para a continuidade das
investigações que também poderão ser realizadas por pesquisadores de áreas
diversas. Os futuros estudos poderão contribuir para que as decisões sobre as ações
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a serem tomadas acerca do patrimônio de Joinville sejam definidas com maior
profundidade conceitual e com a participação efetiva da população e de todos os
atores envolvidos.
Referências
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
BESSE, Jean-Marc. Entre a geografia e a ética: a paisagem e a questão do bem-estar.
GEOUSP, São Paulo, v.18, n.2, p.241-252, maio/ago 2014.
BRASIL. MINISTÉRIO DA CULTURA. INSTITUTO DO PROGRAMA MONUMENTA.
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Brasília, Ministério da Cultura, Instituto do Programa Monumenta, 2005. Disponível
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http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/CadTec1_Manual_de_Elaboracao_de_Pr
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CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
FUNDAÇÃO CULTURAL DE JOINVILLE. ATA DE REUNIÃO da COMPHAAN - N°
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LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. 5. Ed. Trad. Irene Ferreira,
Bernardo Leitão. Suzana Ferreira Borges. Campinas: Unicamp, 2003. 419-476
SAAVEDRA, Jefferson. “Vila alemã” está nos planos para futuro parque em
Joinville - [online], Joinville, 14 jul. 2023. NSC Total. Disponível em:
<https://www.nsctotal.com.br/colunistas/saavedra/vila-alema-esta-nos-planos-para-
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SOTO, Anne E. R. Mapeamento da Arquitetura Rural com a técnica enxaimel em
Joinville-SC. Caderno técnico. Joinville, 2021. Disponível em: http://iab-
sc.org.br/2021/12/mapaenxaimel/
SOTO, Anne E. R.; VICENTE, Tayna; BERNARDES, Ana; CAMARGO, Jaqueline.
estudo de caso: Vila Alemã – Parque 25 de Julho. Setembro de 2023.
Apresentação do Power Point.
SOUSA JÚNIOR, Mário Anacleto de. O conceito de ruína e
o dilema da conservação em arte contemporânea. Revista ARA Nº 2. 2017.
Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2525-8354.v0i2p133-157. Acesso em:
03/08/2023, às 22:15.