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DESENVOLVIM ENTO INFANTIL

Cicatrizes
Profundas

A situação de órfãos romenos revela


cicatrizes físicas e psíquicas dos
primeiros anos passados sem um
cuidador carinhoso e receptivo
Por Charles A. Nelson III, Nathan A. Fox
e Charles H. Zeanah, Jr.

EM S ÍN T E S E

Em 1966, o ditador Nicolae Ceauçescu proibiu o 0 primeiro ensaio randomizado comparando o


aborto e o controle de natalidade para aumentar a bem-estar físico e emocional de crianças institu­
população da Romênia. Oprimidos, pais deixaram cionalizadas com as colocadas em acolhimento
milhares de crianças em instituições do Estado. familiar começou em Bucareste em 2000.
Mais tarde, funcionários romenos, tentando A vida em um orfanato tem o seu preço. O
com pensar esses abusos, concordaram com estudo descobriu que crianças que passaram os
um estudo de cientistas americanos para de­ dois primeiros anos em uma instituição tinham
term in a r os efeitos nocivos da vida precoce Ql e atividade cerebral menor em comparação
em orfanatos sobre o grande núm ero de com crianças de lares adotivos ou com as que
crianças institucionalizadas. nunca foram institucionalizadas.

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Charles A. Nelson III é professor de pediatria e neuroci-
ência e de psicologia em psiquiatria da Harvard Medicai
School. Tem doutorado honorífico pela
Universidade de Bucareste, na Romênia.

N athan A. Fox é professor universitário em érito do departa­


mento de desenvolvimento humano e m etodologia quantitati­
va da University of Maryland, College Park.

Charles H. Zeanah, Jr., é professor de psiquiatria e pediatria


clínica da Tulane University e diretor executivo do Institute of
Infant and Early Childhood M ental Health dessa universidade.

m u m a i n i c i a t i v a m a l o r i e n t a d a p a r a a u m e n t a r a p r o d u t i v i d a d e e c o n ô m i c a , n i-

E
colae Ceau§escu decretou em 1966 que a Romênia desenvolveria o seu “capital
humano” por meio de um ato governamental para aumentar a população do
país. Ceau§escu, líder da Romênia de 1965 a 1989, proibiu contraceptivos e o
aborto e aplicou um “imposto sobre o celibato” em famílias com menos de
cinco filhos. Médicos do Estado - a polícia menstrual - conduziam exames gi­
necológicos no ambiente de trabalho em mulheres em idade fértil para ver se
estavam produzindo descendência suficiente. A taxa de natalidade disparou, mas como
lias eram pobres demais para manter os filhos, abandonaram muitos em enormes instituições es­
tatais. Em 1989, esse experimento social levou mais de 170 mil crianças a viver nesses locais.

A revolução romena de 1989 depôs Ceauçescu e, nos dez anos lhões de crianças em todo o mundo a instalações controladas pelo go­
seguintes, seus sucessores fizeram várias tentativas hesitantes de verno. Muitas vezes, essas crianças vivem em ambientes altamente
reparar o dano que ele legou. O “problema dos órfãos” da era Ceau- estruturados, mas irremediavelmente sombrios, onde é normal um
§escu era enorme e permaneceu por muitos anos. O país continuou adulto supervisionar 12-15 crianças. A investigação ainda precisa de
pobre e o índice de abandono de crianças não se alterou sensivel­ meios para obter uma compreensão global do que ocorre com crian­
mente até 2005. Uma década após Ceau§escu ter sido retirado do ças que passam seus primeiros anos em circunstâncias tão carentes.
poder, alguns funcionários do governo ainda diziam que o Estado Em 1999, quando nos aproximamos de Cristian Tabacaru, na
era melhor que famílias na criação de crianças abandonadas e que época secretário de Estado da Autoridade Nacional para a Proteção
aqueles confinados em instituições eram, por definição, “defeituo­ da Criança, da Romênia, ele nos incentivou a realizar um estudo
sos” - uma visão ancorada no sistema inspirado pela União Soviéti­ sobre crianças institucionalizadas, pois queria informações para
ca de educar incapacitados, apelidado de “defeitologia”. lidar com a questão de saber se desenvolveria formas alternativas
Mesmo após a revolução de 1989, famílias ainda se sentiam à de cuidados para as 100 mil crianças romenas que viviam em insti­
vontade para abandonar uma criança não desejada em uma insti­ tuições estatais. No entanto, Tabacaru enfrentava forte resistência
tuição estatal. Há muito, cientistas sociais suspeitam que o início de dc alguns funcionários do governo que, por décadas, acreditaram
vida em um orfanato pode levar a consequências negativas. Vários que a educação de crianças nas instituições era melhor que em aco­
estudos, notadamente pequenos e descritivos, sem grupos de con­ lhimento familiar. O problema foi agravado porque os orçamentos
trole, foram conduzidos entre as décadas de 40-60 no Ocidente, de algumas agências de governo eram muitas vezes consolidados,
comparando crianças de orfanatos com as acolhidas pelas famílias em parte, pelo seu papel em prover cuidados institucionais. Diante
e mostraram que a vida em uma instituição não chegou nem perto desses desafios, Tabacaru acreditava que evidências científicas
de igualar o cuidado de um pai ou mãe - mesmo que não fossem a sobre as supostas vantagens de acolhimento familiar para crianças
mãe ou pai naturais. Um problema desses estudos foi a possibilida­ em vez de instituições do Estado formariam um caso convincente
de do “viés de seleção”: crianças retiradas de instituições e coloca­ para a reforma, e assim nos convidou a ir adiante com um estudo.
das em acolhimento familiar ou adotadas podem ser menos com­
prometidas enquanto as que permaneceram na instituição eram INFÂNCIA EM UM A INSTITUIÇÃO
mais incapacitadas. O único modo de evitar qualquer viés exigiria o Com a ajuda de alguns funcionários do governo romeno e especial­
passo inédito de colocar aleatoriamente um grupo de crianças mente com o auxílio de outros trabalhadores da SERA Romênia
abandonadas em uma instituição ou acolhimento familiar. (uma ONG), desenvolvemos um estudo para determinar os efeitos
Compreender os efeitos da vida em uma instituição no desenvol­ da vida em uma instituição do Estado sobre o cérebro da criança e
vimento precoce de crianças é importante devido à imensidão do seu comportamento, e se a adoção poderia amenizar os efeitos dessa
problema mundial de órfãos (define-se um órfão aqui como uma educação em condições que vão contra o que sabemos sobre as ne­
criança abandonada ou cujos pais morreram). Guerra, doenças, po­ cessidades de crianças novas. O Projeto de Intervenção Precoce de
breza e, às vezes, políticas governamentais, levaram pelo menos 8 mi­ Bucareste foi lançado em 2000, em cooperação com o governo

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LUGAR CHAMADO DE LAR Para essas crianças romenas, acolhimento familiar foi essencial para o desenvolvimento saudável.

romeno, em parte para permitir respostas que pudessem amenizar rede. Após ampla publicidade e verificação de antecedentes, aca­
os efeitos colaterais de políticas anteriores. O legado infeliz do gover­ bamos recrutando 53 famílias para criar 68 crianças (mantivemos
no de Ceauçescu ofereceu a oportunidade de examinar, com maior irmãos juntos).
rigor científico que qualquer estudo anterior, os efeitos da assistên­ É claro que havia muitas questões éticas na realização de um
cia institucionalizada no desenvolvimento neurológico e emocional estudo científico controlado de crianças novas, um experimento no
de lactentes e crianças novas. O estudo foi o primeiro randomizado e qual apenas metade dos participantes foi inicialmente retirada de
controlado que comparou um grupo de bebês colocados em lares de instituições. O projeto comparou a intervenção-padrão em crianças
acolhimento com outro de crianças educadas em instituições, possi­ abandonadas - de educação em instituições - com o acolhimento
bilitando um nível de precisão experimenta] até então indisponível. familiar, uma intervenção que nunca fora disponível para essas
De todas as seis instituições para lactentes e crianças novas, em crianças. Proteções éticas postas em prática incluíam a supervisão
Bucareste, recrutamos um grupo de 136, consideradas livres de por várias instituições romenas e americanas, a implementação de
problemas neurológicos, genéticos e congênitos baseados em medidas de “risco mínimo” (rotineiramente usadas para proteger
exames pediátricos realizados por um membro da equipe de crianças pequenas) e a não interferência em decisões do governo
estudo. Todas foram abandonadas em instituições nas primeiras se­ sobre mudanças de local: casos em que crianças foram adotadas,
manas ou meses de vida. No início do estudo, tinham em média, 22 devolvidas a pais biológicos ou mais tarde colocadas em lares de
meses de idade, e a faixa etária variava de 6 a 31 meses. acolhimento governamentais ausentes no início.
Imediatamente após uma série de avaliações físicas e psicológi­ Nenhuma criança foi transferida de um acolhimento familiar
cas básicas metade das crianças foi aleatoriamente destinada a para uma instituição, no final do estudo. Assim que os primeiros re­
uma intervenção de acolhimento familiar desenvolvida, mantida e sultados se tomaram disponíveis, comunicamos as descobertas ao
financiada por nossa equipe. A outra metade - a que chamamos de governo romeno em uma entrevista coletiva.
grupo com “cuidados usuais” - permaneceu em instituições. Para garantir boa qualidade no acolhimento familiar, projeta­
Também recrutamos um terceiro grupo em desenvolvimento típico mos o programa para incorporar a participação regular de uma
que nunca foi institucionalizado e que vivia com suas famílias em equipe de serviço social e fornecemos subsídios modestos às famí­
Bucareste. Esses três grupos de crianças foram estudados por mais lias para despesas relacionadas à criança. Todos os pais adotivos de­
de dez anos. Como as crianças foram aleatoriamente designadas veriam ser habilitados e recebiam um salário além do subsídio.
para acolhimento familiar ou para a instituição, ao contrário de es­ Foram treinados e incentivados a ter compromisso psicológico total
tudos anteriores, foi possível mostrar que as eventuais diferenças para seus filhos adotivos.
de desenvolvimento ou de comportamento entre os dois grupos po­
deriam ser atribuídas ao local onde foram criadas. PERÍODOS CRÍTICOS
Como, ao começarmos, não havia praticamente nenhum lar de O estudo se propõe a explorar a premissa de que a experiência pre­
acolhimento disponível para crianças abandonadas em Bucareste, coce muitas vezes exerce uma influência muito forte na formação
ficamos na posição privilegiada de ter de construir nossa própria do cérebro imaturo. Para certos comportamentos conexões neurais

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se formam nos primeiros anos em resposta a influências ambien­ Também descobrimos um período crítico para uma criança alcan­
tais durante as janelas de tempo, chamadas de períodos críticos. çar ganho máximo em QI: uma criança acolhida em um lar por
Uma criança que ouve a língua falada ou simplesmente olha ao volta dos 2 anos de idade teve um QI significativamente maior que
redor recebe estímulos sonoros e visuais que formam conexões alguém que passou a viver com uma família após essa idade.
neurais durante períodos específicos de desenvolvimento. Os resul­ As descobertas demonstram claramente o impacto devastador
tados do estudo apoiam essa premissa inicial de um período crítico: sobre a mente e o cérebro de passar os dois primeiros anos de vida
a diferença entre uma vida precoce passada em uma instituição em dentro dos limites impessoais de uma instituição. As crianças ro­
comparação com o acolhimento familiar foi dramática. Aos 30,40 e menas que vivem em instituições são a melhor evidência até agora
52 meses, o QI médio do grupo institucionalizado apresentou pon­ de que os dois anos iniciais da vida constituem período crítico em
tuação entre 70 e 75 enquanto crianças adotadas mostraram cerca que a criança deve ter contato emocional e físico íntimos ou terá de­
de 10 pontos a mais. Não foi surpresa que o QI de cerca de 100 foi o senvolvimento pessoal frustrante.
padrão médio para o grupo que nunca ficou em instituições. A partir da experiência, bebês aprendem a buscar apoio, conforto
e proteção de seus cuidadores significativos,
sejam pais naturais ou adotivos - por isso de­
D ESCOBERTAS
cidimos medir o vínculo. Apenas condições
extremas que limitem oportunidades de uma
Alguém para Cuidar de Você criança para formar vínculos podem interfe­
rir no processo que é a base para o desenvolvi­
A tragédia da política do líder comunista Nicolae Ceau§escu de aumentara taxa de natalidade mento social normal. Quando medimos essa
nacional levou a mais de 100 mil crianças abandonadas na Romênia em 1999 - e a uma variável em crianças institucionalizadas, des­
oportunidade sem precedentes para avaliar o impacto psicológico e neurológico do início da vida cobrimos que a maioria exibia relações anor­
em uma instituição estatal. Um experimento, conduzido sob supervisão ética, acompanhou o mais ou incompletas com seus cuidadores.
destino das crianças de uma instituição em relação às colocadas em acolhimento familiar e outras Quando tinham 42 meses de idade fize­
que nunca foram institucionalizadas. As crianças encaminhadas a acolhimento familiar antes do mos outra avaliação e descobrimos que as
fim do período crítico de dois anos se saíram muito melhor que as que permaneceram em uma crianças em acolhimento familiar apresen­
instituição quando testadas mais tarde (aos 42 meses) em quociente de desenvolvimento (QD), taram melhorias drásticas na criação de vín­
medida de inteligência equivalente ao QI, e na atividade elétrica cerebral, conforme avaliação por culos emocionais. Quase metade estabele­
eletroencefalogramas (EEGs). Entrar em acolhimento familiar após os dois anos produziu EEGs ceu conexões seguras com outra pessoa, en­
que lembravam os de crianças institucionalizadas. quanto isso ocorreu com apenas 18% das
institucionalizadas. Nas crianças da comuni­
Entrada precoce em acolhimento fam iliar resultou em
maior inteligência média... dade, as que nunca foram institucionaliza­
das, 65% tinham vínculos seguros. Crianças
QD médio é 100
Crianças institucionalizadas que viviam com famílias antes do fim do pe­
T
Crianças institucionalizadas, colocadas em ríodo crítico de 24 meses eram mais propen­
acolhimento familiar após 2 anos de idade sas a formar vínculos seguros em compara­
Crianças institucionalizadas, colocadas em ção a crianças acolhidas após esse limiar.
acolhimento familiar antes de 2 anos de idade
Esses números são mais que meras dispa­
Crianças que nunca foram institucionalizadas
ridades estatísticas que separam os grupos
0 20 40 60 80 100 institucionalizados e de acolhimento. São ex­
Quociente de Desenvolvimento aos 42 meses de idade periências bem reais tanto de angústia
quanto de esperança. Sebastian (nenhum
...e o fu n cion a m en to cerebral aos 8 anos quase igu a lo u ao de
dos nomes das crianças neste artigo é real),
crian ças nunca in stitu cio n aliza d as
de 12 anos, passou praticamente a vida toda
Atividade elétrica do cérebro
em um orfanato e observou seu QI cair em
20 pontos para o nível ínfimo de 64, desde
- Níveis mais baixos Níveis mais elevados -
Parte da frente que foi testado aos 5 anos. Um jovem que
do cérebro pode nunca ter formado vínculos com
alguém, bebe e exibe outros comportamen­
tos de risco. Durante uma entrevista conos­
co, ele ficou irritado e teve explosões de raiva
Bogdan, também com 12, ilustra a dife­
rença de receber atenção individual de um
Parte de trás adulto. Foi abandonado ao nascer, viveu em
do cérebro uma maternidade até dois meses, depois foi
Crianças Crianças Crianças Crianças que nunca para uma instituição por nove meses. Foi
institucionalizadas institucionalizadas, institucionalizadas, foram então recrutado para o projeto, aleatoria­
colocadas em colocadas em institucionalizadas mente entrou no grupo de acolhimento e foi
acolhim ento fam iliar acolhim ento fam iliar
colocado na família de uma mãe solteira e
após 2 anos de idade antes de 2 anos de idade
sua filha adolescente. Bogdan começou a se

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recuperar rapidamente e conseguiu superar leves atrasos de desen­ massa branca que o grupo institucionalizado, o que pode explicar
volvimento em poucos meses. Embora tenha apresentado alguns as mudanças na atividade de EEG.
problemas de comportamento, os membros da equipe do projeto Para examinar melhor o prejuízo biológico da institucionalização
trabalharam com a família, e no seu quinto aniversário, a mãe ado­ precoce concentramos a atenção em uma área crucial do genoma.
tiva decidiu adotá-lo. Aos 12 anos, o QI de Bogdan continua a marcar Telômeros, regiões das extremidades dos cromossomos que ofere­
um nível acima da média. Ele frequenta uma das melhores escolas cem proteção contra as tensões da divisão celular, são mais curtos
públicas de Bucareste e obtém as melhores notas de sua classe. em adultos que sofrem extremos estresses psicológicos que nos que
Como crianças criadas em instituições não parecem receber escapam dessa pressão. Telômeros mais curtos podem até ser uma
muita atenção individual, estávamos interessados em saber se es­ marca de envelhecimento celular acelerado. Quando examinamos o
cassez de exposição à língua teria algum efeito sobre elas. Observa­ comprimento dos telômeros nas crianças de nosso estudo, observa­
mos atrasos no desenvolvimento da linguagem, e se crianças chega­ mos que, em geral, as que haviam passado algum tempo em uma ins­
vam a um lar de acolhimento antes de atingir 15-16 meses, a lingua­ tituição tinham telômeros mais curtos que as outras.
gem era normal, mas quanto mais tardia a inserção, maior o atraso.
Também comparamos a prevalência de problemas de saúde LIÇÕES PARA TODOS
mental entre todas as crianças que já haviam sido institucionaliza­ O projeto de intervenção precoce de Bucareste demonstra os efeitos
das com as que não tinham essa experiência. Descobrimos que 53% profundos que a experiência exerce sobre o desenvolvimento do cé­
das crianças que já viveram em instituição receberam um diagnós­ rebro. Cuidados em acolhimento familiar não remediaram total­
tico psiquiátrico até os 4 anos e meio, em comparação com 20% em mente as anomalias profundas de desenvolvimento ligadas à cria­
grupos das que nunca foram institucionalizadas. De fato, 62% das ção institucional, mas principalmente mudaram o desenvolvimen­
crianças institucionalizadas que se aproximavam dos 5 anos foram to de uma criança em direção a uma trajetória mais saudável.
diagnosticadas principalmente com distúrbios de ansiedade, 44%, e A identificação dos períodos críticos - momento mais propício
déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), 23%. para superar a privação quanto mais cedo a criança começa a expe­
Os cuidados em um lar de acolhimento exerceram grande in­ rimentar um ambiente de vida mais favorável - pode ser uma das
fluência sobre níveis de ansiedade e depressão, reduzindo a inci­ descobertas mais significativas de nosso projeto. Essa observação
dência à metade, mas não afetaram diagnósticos comportamentais tem implicações que vão além dos milhões de crianças em institui­
(TDAH e transtornos de conduta). Não foi possível detectar qual­ ções, estendendo-se a milhões de outras crianças maltratadas cujos
quer período sensível para a saúde mental. Mas o relacionamento cuidados estão sendo supervisionados por autoridades de proteção
foi importante para garantir uma boa saúde mental. Quando explo­ infantil. Alertamos os leitores, porém, para não concluir que 2 anos
ramos o mecanismo para explicar a redução de distúrbios emocio­ podem ser rigidamente definidos como período crítico para o de­
nais como a depressão, descobrimos que quanto mais firme o vín­ senvolvimento. Ainda assim, a evidência sugere que quanto antes
culo entre uma criança e o “pai adotivo”, maior a probabilidade de crianças sejam cuidadas por pais dedicados e estáveis emocional­
amenização dos sintomas da criança. mente, melhores suas chances de uma trajetória de desenvolvimen­
Também queríamos saber se os primeiros anos em acolhimento to mais equilibrado.
familiar afetavam o desenvolvimento do cérebro de modo diferente Continuamos a acompanhar essas crianças até a adolescência,
da vida em uma instituição. Uma avaliação da atividade cerebral para observar se há “efeito retardado”, isto é, diferenças comporta­
com eletroencefalografia (EEG), que registra sinais elétricos, mos­ mentais ou neurológicas significativas que surgem apenas mais
trou que bebês que vivem em instituições tiveram reduções signifi­ tarde na juventude ou até na idade adulta. Além disso, determina­
cativas em um componente da atividade na EEG e nível elevado em remos se os efeitos de um período crítico foram observados em
outra (menos ondas alfa e mais teta), padrão que pode refletir idades mais precoces ainda, a serem vistos assim que as crianças
atraso da maturidade do cérebro. Ao avaliarmos as crianças aos 8 entram na adolescência. Se forem, reforçarão um crescente corpo
anos voltamos a registrar exames de EEG. Pudemos observar que o de literatura que fala sobre o papel das experiências iniciais de vida
padrão de atividade elétrica em crianças colocadas em lares adoti­ na formação de desenvolvimento em toda a vida. Essa visão pode
vos antes de 2 anos não era distinto do daquelas que nunca haviam exercer pressão sobre governos do mundo todo para prestarem
passado por uma instituição. Crianças retiradas de um orfanato mais atenção ao preço que a adversidade e a institucionalização
após os 2anos e as que nunca o deixaram mostraram um padrão precoces assumem na capacidade de uma criança em maturação
menos maduro de atividade cerebral. atravessar os perigos emocionais da adolescência e adquirir a resili-
A diminuição perceptível na atividade de EEG entre crianças ência necessária para lidar com os desafios da vida adulta, ffl
institucionalizadas foi desconcertante. Para interpretar esse resulta­
do usamos imagens de ressonância magnética, capazes de revelar PARA CONHECER M AIS
estruturas cerebrais. Observamos que as crianças institucionaliza­
Effects of early intervention and the m oderating effects of brain activity on
das mostraram uma grande redução no volume de massa cinzenta institutionalized children’s social skills at age 8. Alisa N. Alm as et a/, em Proceed­
(neurônios e outras células cerebrais) e de massa branca (substância ings o f the National Academy o f Sciences USA, vol. 109, suplem ento na 2, págs. 17.228-
isolante que cobre extensões de neurônios semelhantes a arames). 17.231,16 de ou tu bro de 2012.

Em geral, todas as crianças institucionalizadas mostraram Cognitive recovery in socially deprived young children: The Bucharest early
intervention project. Charles A. Nelson 111 et al. em Science, vol. 318, págs. 1937-1940,
volume cerebral menor. Colocar crianças em acolhimento familiar 21 de dezembro de 2007.
em qualquer idade não exerceu efeito sobre o aumento da massa
S C IE N T IF IC A M E R IC A N O N L IN E
cinzenta - o grupo em lares apresentou níveis de massa cinzenta Para urn video com mais detalhes sobre a im portância de cuidados precoces na
comparáveis aos de crianças institucionalizadas. No entanto, crian­ infância, visite ScientificAm erican.com /apr2013/orphans
ças em lares de acolhimento demonstraram maior volume de

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