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Semanal | 8.3.2024

STF VAI
LEGALIZAR A
MACONHA?
101
/ Capa
STF VAI LEGALIZAR A MACONHA?
3 | Descriminalização da maconha, por Ivan
Longo

/ Política
edição #101

17 | Nikolas na Educação e Carol de Toni


na CCJ, por Tulio Gonzaga
23 | Rosangela pode ter o mesmo destino
de Sergio Moro, por Plínio Teodoro
29 | A esquerda não morreu, por Valério Arcary
conteúdo |

/ Brasil
40 | Fim da “saidinha”, por Henrique Rodrigues
50 | Motoristas de aplicativo devem ganhar
mais que o dobro, por Ivan Longo

/ 8 de março
60 | Dia Internacional da Mulher, por Júlia
Motta
65 | No Dia Internacional da Mulher, o que
dizem as palestinas?, por Yuri Ferreira

74 / Expediente
Foto capa: montagem
Capa

DESCRIMINALIZAÇÃO DA

MACONHA
O que
está em
jogo no
STF

por Ivan Longo


Foto Reprodução
Julgamento que se arrasta desde 2015
pode descriminalizar o porte de cannabis para
uso pessoal; mas isso não significa
a legalização da erva

O
Supremo Tribunal Federal (STF)
retomou, na quarta-feira (6), o
julgamento sobre a descriminalização do
porte de drogas para consumo próprio.
O placar está em 5 a 3 a favor da
descriminalização — o que significa que basta
apenas mais um voto favorável para que o
porte de maconha para consumo próprio deixe
de ser criminalizado. Até o momento, votaram
a favor os ministros Gilmar Mendes, Edson
Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de
Moraes e a ministra recém-aposentada Rosa
Weber, enquanto Cristiano Zanin, Kassio Nunes
Marques e André Mendonça votaram contra. O
julgamento só será retomado em 90 dias, já que
o ministro Dias Toffoli pediu vistas.
Apesar de a análise tratar do porte de drogas
como um todo, os ministros que votaram a
favor da descriminalização o fizeram apenas
com relação à maconha. A votação do tema
foi iniciada pelo STF em 2015 a partir do
Foto Antonio Augusto/SCO/STF
STF vota descriminalização do porte de maconha para consumo próprio

julgamento da constitucionalidade do artigo 28


da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), baseado
em um fato concreto de prisão por porte de 3g
de maconha.
O STF, porém, não vai “legalizar a maconha”
ao final do julgamento, mesmo se houver mais
um voto favorável à descriminalização. Isso
porque descriminalizar o porte para consumo
pessoal não significa a legalização total,
visto que a produção, venda e distribuição
de maconha ou de qualquer droga seguem
proibidas no Brasil.
O efeito prático, caso o porte para consumo
próprio seja, de fato, descriminalizado,
seria apenas impedir que pessoas flagradas
portando pequenas quantidades de maconha,
Foto Paulo Pinto/Agência Brasil
Marcha da Maconha pede legalização da droga

desde que comprovado que para uso pessoal,


sejam penalizadas. Atualmente, a Lei de
Drogas considera crime adquirir, guardar e
transportar entorpecentes para consumo
pessoal e prevê penas como prestação de
serviços à comunidade.
A interpretação do que é quantidade para
“consumo pessoal” e o que configura tráfico,
entretanto, é feita, a princípio, pelas polícias,
que recorrentemente consideram pretos e
pobres como traficantes, e pessoas brancas,
de classe média ou alta, como usuários.
O julgamento do STF, portanto, atacaria
esse cenário e definiria, exatamente, qual a
quantidade de droga que pode ser considerada
para uso pessoal.
Em entrevista à Fórum, o advogado
Berlinque Cantelmo, que é
especialista em segurança
pública, explicou que, caso
o STF decida descriminalizar
o porte de maconha para
uso pessoal, a Corte “terá
de discutir os parâmetros de
quantidade que irão diferenciar o
usuário do traficante”.
“É importante frisar que, do ponto de vista
criminal, as ações de contingenciamento do
tráfico de droga, notadamente a maconha, vão
permanecer com o mesmo tipo de metodologia
e roupagem. É importante frisar também que
não há discussão efetiva sobre o crime de
tráfico de drogas, mas, sim, e tão somente,
há uma discussão que perpassa pela posse
de determinada quantidade de maconha para
consumo próprio, seja para fins medicinais ou
não”, pontua.
Também em entrevista à Fórum, o
especialista em gestão
estratégica de políticas
públicas Eduardo Ribeiro,
que é cofundador e diretor-
executivo da Iniciativa
Negra por uma Nova Política
sobre Drogas, sustentou que
uma eventual descriminalização do porte de
maconha “não desencadeará a redução do
encarceramento de pessoas hoje usuárias e
transformadas em traficantes, já que boa parte
das decisões judiciais são baseadas quase que
exclusivamente no relato policial”.

“ As pessoas não vão deixar de ser presas


e a guerra de drogas não vai terminar. No
entanto, a gente permite que o Estado
brasileiro e a sociedade avancem na
compreensão de que é necessário mudar a
rota da política de drogas atual”, analisa
o especialista.

“A primeira grande contribuição [desse


julgamento no STF] é sempre partir da ideia
de que se amplia o debate na sociedade
brasileira acerca da necessidade da
superação de uma forma única de lidar
com o tema do uso de substâncias, que é
a criminalização, que é o encarceramento,
a prisão e o abuso”, diz ainda Ribeiro, que
já foi membro do Conselho Estadual de
Políticas sobre Drogas do Estado da Bahia
e que, atualmente, ocupa uma cadeira na
representação da sociedade civil no Conselho
Nacional de Segurança Pública do estado.
Foto Carlos Moura/SCO/STF
André Mendonça disseminou
pânico e fake news
Em seu voto contrário à descriminalização
do porte de maconha, André Mendonça, o
ministro “terrivelmente evangélico” indicado
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao STF, citou
supostas pesquisas, sem mencionar as fontes,
para gerar pânico sobre o uso de cannabis,
repetindo frases de efeito utilizadas há décadas
pelos defensores da chamada guerra às drogas.
Ele chegou a afirmar que a maconha causa
mais danos que o cigarro — informação que
é contestada por especialistas — e recorreu
à máxima de que a erva seria uma “porta de
entrada” para outras drogas.
“Fumar maconha é o primeiro passo para o
precipício”, disparou o ministro.
Eduardo Ribeiro detonou o voto de André
Mendonça. Segundo Ribeiro, o ministro
protagonizou uma “cena constrangedora”.

“ O voto do ministro André Mendonça foi


uma cena, acredito, constrangedora do
ponto de vista científico de quem está
envolvido na pesquisa sobre o tema de
drogas. Ele citou alguns professores e
depois saiu soltando várias referências
sem conseguir apresentar as fontes,
reforçando apenas estereótipos a partir
de palavras-chave muito dramáticas,
que eram suicídio, gravidez, vício,
dependência”, analisa o especialista.

Nas palavras de Ribeiro, o ministro, ao votar,


utilizou determinados recursos para dar uma
“tinta científica” ao tema quando, na verdade,
“são dados pouquíssimo confiáveis” e que
representam “muito mais estereótipos”.
“Muitas fake news utilizadas no voto de
um ministro do Supremo. É importante que
a gente recupere o tema como vinha sendo
abordado até o presente momento, sobretudo
no voto do ministro Alexandre de Moraes,
que, sim, é importante ter dados para definir o
que nós compreendemos no tema da política
de drogas, mas também não deixar que isso
abra a possibilidade de que qualquer tipo de
dado possa ser utilizado, que qualquer tipo de
pesquisa seja confiável, sobretudo quando não
são apresentadas as fontes”, pontua.
Citado por Eduardo Ribeiro,
o ministro Alexandre
de Moraes, ao votar
favoravelmente à
descriminalização do porte de
maconha para uso pessoal,
trouxe dados da Associação
Brasileira de Jurimetria apontando
que 25% dos presos no país respondem pelo
crime de tráfico de drogas. O magistrado
sustentou que a maior parte desses presos
poderiam ser enquadrados como usuários, se
houvesse um critério objetivo. Como não há, vão
para a cadeia em geral jovens e negros, disse.
“O STF tem o dever de exigir que a
lei seja aplicada identicamente a todos,
independentemente de etnia, classe social,
renda ou idade”, declarou Moraes.

Como votaram os outros ministros

Gilmar Mendes, relator


O ministro votou a favor da
descriminalização do porte de
maconha para uso pessoal,
argumentando que a conduta
do consumidor de drogas resulta em
estigmatização, o que prejudica os esforços
de redução de danos e prevenção de riscos
preconizados pelo próprio Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas.
“Quando se cogita, portanto, do
deslocamento da política de drogas do campo
penal para o da saúde pública, está se tratando,
em última análise, da conjugação de processos
de descriminalização com políticas de redução
e de prevenção de danos, e não de legalização
pura e simples de determinadas drogas.”

Edson Fachin
O ministro seguiu Gilmar Mendes
e, ao votar pela descriminalização
do porte de maconha para
uso pessoal, disse que “o
consumo de drogas faz parte
da autodeterminação individual,
que corresponde a uma esfera de privacidade,
intimidade e liberdade imune à interferência do
Estado”.

Luís Roberto Barroso,


presidente do STF
Segundo Luís Roberto
Barroso, que votou a favor da
descriminalização, o Estado não
tem poder de interferência, ou muito menos
de punição, sobre o porte de drogas para
consumo pessoal. Ele afirmou que cabe ao
Congresso Nacional legislar sobre o tema, mas
sugeriu que 25 gramas de maconha seja a
quantidade limite que diferenciaria um usuário
de um traficante, e propôs a liberação do
cultivo de seis plantas fêmeas de maconha, já
que a venda continuará proibida.
“Tal afirmativa, porém, não resulta na
legalização do consumo de drogas ilícitas, nem
mesmo da maconha (...). Estamos lidando
com um problema para o qual não há solução
juridicamente simples nem moralmente barata.”

Rosa Weber,
ex-ministra do STF
Antes de se aposentar, Rosa
Weber votou a favor da
descriminalização do porte de
maconha para uso pessoal.
“Penso que o STF pode ajudar
nessa solução, sem prejuízo na atuação do
Congresso. Quem despenalizou o usuário foi o
Congresso, em 2006. Se mantivesse apenas a
criminalização, o Supremo daria um passo no
sentido de descriminalizar quando se trata de
uso próprio.”
Cristiano Zanin
Primeiro a apresentar divergência,
o ministro Cristiano Zanin votou
contra a descriminalização sob o
argumento de que tal mudança
criaria “problemas jurídicos” que
agravariam o combate às drogas.
O magistrado, porém, propôs que seja fixada a
quantidade máxima de 25 gramas de maconha
ou seis plantas fêmeas por pessoa para que
seja considerada usuária, e não traficante.
“Não tenho dúvida de que os usuários
de drogas são vítimas do tráfico e das
organizações criminosas para exploração ilícita
dessas substâncias. A descriminalização, ainda
que parcial, das drogas poderá contribuir ainda
mais para esse problema de saúde pública.”

Kassio Nunes Marques


O ministro Kassio Nunes Marques
seguiu integralmente a divergência
aberta por Cristiano Zanin e
votou contra a descriminalização
do porte de maconha para
uso pessoal, citando supostos
estudos que apontariam que a liberação da erva
não contribuiria para a redução de danos.
“Estudos epidemiológicos fornecem
evidências fortes o suficiente para garantir
uma mensagem de saúde pública de que
o uso da maconha aumenta o risco de
transtornos psicóticos e o desenvolvimento
de esquizofrenia.”w

Veja em quais países o uso recreativo de


maconha é legalizado ou descriminalizado.
Estados Unidos (em alguns estados),
Canadá, México, Jamaica, Uruguai, Holanda,
Alemanha, Espanha, Malta, Geórgia, África
do Sul, Tailândia.

A CANNABIS PELO MUNDO

Legal para uso recreativo Descriminalizado ou sem


processo obrigatório
Legal para uso medicinal Ilegal

u Clique aqui e assista à entrevista de Rodrigo


Valverde sobre o tema no Fórum Onze e Meia.
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FILMES

Direção
Luiz Carlos Azenha

EP.3
Contragolpe
Foto Geraldo Magela/Agência Senado
Política

Nikolas na
Educação e Carol de
Toni na CCJ
Saiba quem são os eleitos para presidir as
comissões na Câmara
por Tulio Gonzaga

A
Câmara dos Deputados instalou 19 das
30 comissões permanentes na quarta-
feira (6), e elegeu seus respectivos
novos presidentes para o mandato de um ano.
As eleições para as presidências das demais
comissões devem ocorrer na próxima semana.
As comissões foram instaladas após uma
Foto Jane de Araújo/Agência Senado
Carol de Toni (PL-SC) vai presidir a CCJ

série de reuniões entre o presidente da Câmara,


Arthur Lira (PP-AL), e líderes dos partidos, para
negociar os nomes indicados às presidências.
As legendas dos presidentes de cada comissão
foram definidas previamente, conforme a
proporcionalidade partidária.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ),
por exemplo, ficará a cargo da deputada
Caroline de Toni (PL-SC). Ainda mais adepto
à ideologia perpetrada pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), Nikolas Ferreira (PL-MG) foi
eleito presidente da Comissão de Educação.
A base governista reagiu à escolha de
parlamentares bolsonaristas com a eleição do
deputado Dr. Francisco (PT-PI) para a Comissão
de Saúde, que terá R$ 4,5 bilhões em emendas
parlamentares – a de maior verba no orçamento
Foto Jefferson Rudy/Agência Senado
Dr. Francisco (PT-PI) presidirá a Comissão de Saúde

previsto para 2024.


As comissões são subdivisões na Câmara
responsáveis pela análise de propostas
protocoladas na Casa, de acordo com as
necessidades de averiguação da pauta. Nos
últimos anos, elas têm recebido maior destaque
por controlarem uma verba significativa do
orçamento por meio das emendas de comissão.
Em 2024, serão destinados R$ 11 bilhões
para as emendas de comissão, um recorde
orçamentário. O montante pode ser ainda
maior caso os congressistas derrubem o veto
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
que retirou R$ 5,6 bilhões do total aprovado
para as emendas.

Quem preside cada comissão


Das 30 comissões permanentes na Câmara,
19 elegeram seus presidentes após rodadas de
negociações entre líderes partidários. Durante a
tarde, as reuniões foram interrompidas em razão
das divergências sobre as escolhas para os
presidentes dos colegiados.
O PT, do presidente Lula, e o PL, do ex-
presidente Jair Bolsonaro e a sigla mais
representada na Câmara, foram os partidos
com mais comissões sob seus respectivos
comandos na Câmara. O PT, por meio da
coligação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e
PV), controla seis colegiados, enquanto o PL
lidera cinco.

Foto Ricardo Stuckert/PR

PT
Os partidos da base governista lideram seis
comissões, ou seja, 20% do total de colegiados
na Câmara. Além da Comissão de Saúde, a
legenda também presidirá as comissões de
Fiscalização e Controle, Direitos Humanos,
Cultura, Direitos das Mulheres, e Povos
Originários. Os colegiados acumulam uma reserva
de R$ 4,7 bilhões em emendas de comissão.
Foto Isac Nóbrega/PR
PL
A CCJ, a mais importante comissão da Casa,
ficará sob o comando do PL, que também estará
à frente dos seguintes colegiados: Educação,
Esporte, Segurança Pública e Previdência e
Família. A legenda terá R$ 832,2 milhões à sua
disposição em emendas de comissão.
O PL indicou os deputados Caroline de Toni e
Nikolas Ferreira, considerados de perfil radical e
combatente por membros da base do governo.
Com a mediação de Arthur Lira, a sigla cedeu a
primeira-vice-presidência para um parlamentar
do PT, ainda indefinido.

A deputada Sâmia Bomfim


(PSOL-SP) contestou a
candidatura de Nikolas,
sobretudo pela sua
condenação por transfobia:
“É inconcebível que um
sujeito que não tem uma postura
ilibada, que não tem condição de fazer jus ao
cargo de deputado federal, e que cometeu
crimes contra uma criança, dentro de um espaço
educacional, seja candidato à presidente da
Comissão de Educação”, declarou.

Fotos Reprodução
Outros nomes preocupam a base governista.
A Comissão de Segurança Pública será
presidida pelo líder da “bancada da bala”, o
deputado Alberto Fraga (PL-DF), e a Comissão
de Previdência e Família terá como líder o
Pastor Eurico (PL-PE), relator do projeto de lei
que impede o casamento homoafetivo.w

u Clique aqui e confira no site da revista Fórum a


lista completa de comissões e seus presidentes.

u Clique aqui e assista ao Fala, Rovai: “Nikolas


na Comissão de Educação é a derrota da política”.
Foto Reprodução
Política

Rosangela pode ter


o mesmo destino de
Sergio Moro
Ao mudar domicílio eleitoral para o Paraná, ela
pode ter o mandato cassado
por Plinio Teodoro

A
manobra de Rosangela Moro (União-
SP), que mudou o domicílio Eleitoral
para o Paraná após ser eleita por São
Paulo, pode selar um destino comum com o
marido, Sergio Moro (União-PR), que deve ter
o mandato de senador cassado pelo Tribunal
Regional Eleitoral do Paraná em 1º de abril, no
julgamento das ações que o acusam por abuso
de poder em 2022.

O casal Rosangela
e Sergio Moro

Foto Reprodução X
“Conja” de Moro, como definiu o próprio
ex-juiz, a deputada estaria realizando um
“estelionato eleitoral”, segundo nota do Grupo
Prerrogativas, ao retomar o domicílio no
Paraná para disputar as eleições ao Senado no
estado, que devem ser convocadas assim que
Moro for cassado.
Antes de tomar a decisão, advogados da
deputada se debruçaram sobre a legislação
para tentar evitar quaisquer penalizações. No
entanto, especialistas ouvidos pela Fórum
afirmam que há brechas para que Rosangela,
com a manobra, tenha seu mandato cassado
— assim como o marido.
Para advogados que fazem parte do Grupo
Prerrogativas, há uma série de infrações que
podem implicar Rosangela Moro no estelionato
eleitoral, como:

• Ato de infidelidade partidária, pois mudou


o endereço sem consultar a direção da sigla;
• Ao se “mudar” para o Paraná,
desprendeu-se do vínculo com São Paulo,
estado que ficaria com decréscimo na
representatividade no Congresso;
• Comprova que fraudou o domicílio
eleitoral, com propósitos ilícitos, ao
concorrer à Câmara por São Paulo.

Além disso, os advogados do Prerrogativas


acreditam que Rosangela “acusou o golpe” ao
realizar a manobra, sinalizando que
o clã Moro já dá como certa a
cassação do patriarca.
Para Gabriel Azevedo
Borges, advogado eleitoral,
há dois caminhos que
podem resultar na cassação
de Rosangela.
O primeiro deles, menos provável, é que ela
venha a ser alvo de um processo de cassação
na própria Câmara em razão do decréscimo da
representatividade em São Paulo.
“Parlamentar tem que estar vinculado
ao estado que representa. No caso da
Rosangela, a transferência é para disputar a
vaga ao Senado. Assim, na minha opinião, ela,
disputando uma eleição para representar o
estado do Paraná, é incompatível com a ideia
de ela continuar representando a população de
São Paulo. O que poderia gerar um pedido de
cassação na Câmara, por seus pares, que a
deixaria inelegível”, explica.
Borges cita ainda a questão do estelionato
eleitoral, levantada pelo Grupo Prerrô, que
poderia resultar em um processo para impugnar
a candidatura dela ao Senado pelo Paraná,
iniciando um processo mais amplo, que cause
reflexos no mandato como deputada.

“ Além da cassação na Câmara, a


candidatura pela qual ela foi eleita poderia
ser impugnada, pois ela se coloca como
representante da população de São Paulo
e ela não pode ter domicílio eleitoral em
dois estados. No caso de uma eventual
candidatura dela ao Senado no Paraná,
isso pode ser tratado como impugnação
da candidatura dela nessas eleições
suplementares”, explica.

“Pra resumir: sim, eu entendo que ela pode


ser alvo de um processo de cassação por esse
caso”, emenda.
Com trânsito no Judiciário
paranaense, o advogado
Milton Tomba, também
especialista na área eleitoral,
diz que, além disso, o
suplente na chapa da deputada
poderia entrar na Justiça solicitando
o mandato por São Paulo.

“ O suplente dela, em tese, poderia pedir a


vaga. Mas teria que ser na Justiça comum,
pois não é mais matéria eleitoral”, afirma,
ressaltando que não existe jurisprudência
para o caso.

“Já houve até proposta de emenda


constitucional para prever a perda do mandato
nessa hipótese, mas não foi adiante.”
Tomba diz que um outro caminho seria por
meio de uma arguição de descumprimento
de preceito fundamental (ADPF) protocolada
diretamente no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Em tese, poderia haver uma ADPF
questionando a sub-representação de São
Paulo e a super-representação do Paraná. A
ADPF é ajuizada no Supremo, mas quem tem
legitimidade é partido político com representação
no Congresso Nacional”, diz o advogado.
Foto Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Rosangela Moro no plenário da Câmara

Ao menos três pessoas ligadas ao PT


afirmaram à Fórum que o jurídico do partido já
estuda caminhos para entrar com ação para
cassar o mandato da deputada.
Embora não haja jurisprudência nem previsão
na Justiça Eleitoral para uma ação direta
de cassação do mandato de Rosangela, os
especialistas ouvidos são unânimes em afirmar
que há vertentes que poderão levar o casal
Moro ao mesmo destino na política: a cassação
e a inelegibilidade.w

u Clique aqui e assista ao Fala, Rovai: “Conja


cassada como deputada”.
Foto Reprodução
Política

A esquerda não
morreu
“A coragem é a luz da adversidade”
Ditado popular português
por Valério Arcary

1 Concluir que a esquerda morreu


no Brasil é um exagero por, pelo
menos, duas razões fundamentais: (a)
porque ganhou quatro eleições presidenciais
seguidas desde 2002, e confirmou que
preservava autoridade levando a candidatura
Lula ao segundo turno em 2022, vencendo
o bolsonarismo, ainda que por uma estreita
margem; (b) porque mantém implantação social
no movimento sindical dos trabalhadores, nos
movimentos populares agrários e urbanos,
nos movimentos feministas, negros, LGBT+,
ambientalistas, de direitos humanos, da cultura
e na juventude estudantil. Tem força social,
política e eleitoral. Quem tem força está vivo.
Aliás, sendo rigorosos, a esquerda brasileira,
tanto a moderada como a radical, está entre as
mais influentes do mundo.

Foto Montagem

2 Mas é verdade que a esquerda mudou,


qualitativamente, no Brasil e no mundo, e
alguns partidos são quase irreconhecíveis.
Acontece que essa realidade tem 30 anos, não
3, portanto não é surpresa alguma. Desde a
derrota histórica da restauração capitalista e o
fim da União Soviética, entre 1989 e 1991,
ocorreu um processo devastador que deixou
“mortos, feridos e mutantes” pelo caminho. Os
velhos partidos comunistas desapareceram
ou se “social-democratizaram”. A social-
democracia se converteu em diferentes versões
de social-liberalismo. A esquerda radical se
fragmentou ou se “canibalizou”. O impacto
de décadas de situações reacionárias ou
defensivas levou a regressões programáticas,
e até à transformação do vocabulário, tanto
da esquerda mais moderada quanto da
revolucionária. É deseducativo afirmar que a
esquerda morreu. É uma boutade, expressão
francesa para um gracejo, algo meio irônico e
ferino ao mesmo tempo, mas não é inocente.
Não deve ser levado a sério. Não é nem correto
nem justo. Estimula um ceticismo perigoso
entre os jovens, e um cinismo insolente entre os
veteranos. O que precisamos é de coragem.

3
Esquerda e direita são conceitos da
nossa linguagem coloquial, mas são
aproximativos e, em geral, imprecisos.
São muito usados e, nessa medida, úteis. A
esquerda é múltipla e plural. Há várias correntes
na esquerda. Portanto, não é sinônimo ser de
esquerda e ser marxista. Tampouco é sinônimo
abraçar uma estratégia revolucionária. Aliás,
no Brasil e no mundo, a imensa maioria das
pessoas que simpatizam com a esquerda não é
marxista, nem apoia um projeto revolucionário.
Quem é marxista não deveria ser tão sectário
que não possa aceitar que é possível ser de
esquerda sem ser marxista ou revolucionário.
Portanto, é no mínimo ex abrupto afirmar que
a esquerda “morreu” se foi Lula, a principal
liderança de esquerda no Brasil há 40 anos,
quem derrotou Bolsonaro, e não a candidatura
liberal da “terceira via”. Lula é um moderado,
um reformista, um gradualista, mas é de
esquerda. Venceu por uma pequena diferença,
mas venceu. O PT é um dos maiores partidos
de esquerda do mundo. Se a esquerda tem
força, não morreu. Mas uma parcela da
esquerda radical, não somente nos meios
intelectuais, começou a flertar com a ideia de
que quem não é super-revolucionário, não é de
esquerda. Nessa chave, o PT não seria mais
um partido de classe trabalhadora, mas um
dos partidos burgueses. Não se trata somente
de um exagero, mas uma conclusão teórica e,
politicamente, errada. Sem uma frente única
com o PT e os movimentos em que tem grande
influência não é possível derrotar o neofascismo.

4 É verdade que a esquerda marxista


é minoritária, mas tampouco é justo
avaliar que a esquerda “radical” morreu.
Em especial no Brasil, onde temos o MST
Foto Agência Brasil
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra) e o MTST (Movimento dos Trabalhadores
Sem-Teto), além do PSol e correntes da
esquerda do PT que mantêm mandatos em
todas as esferas, conquistaram posições
na direção de grandes sindicatos, têm
representação na UNE (União Nacional dos
Estudantes), estão à frente de alguns grandes
coletivos feministas, negros e LGBT+, influência
no ambientalismo, nos movimentos de direitos
humanos e da cultura. Não fosse tudo isso
significativo, Guilherme Boulos é candidato
a prefeito em São Paulo e recebe o apoio do
principal partido de esquerda. Esse apoio foi
conquistado, não foi dado. Foi o desfecho de
um processo e, também, uma disputa com
a esquerda moderada pela liderança. Uma
avaliação de que as posições de Boulos não
seriam radicais o bastante para merecer o
reconhecimento de que parte da esquerda
radical não pode ser levada a sério. Se o
critério for que só pode ser considerado como
revolucionário quem concorda cem por cento
com cada um de nós, perdemos o juízo.

5 Acontece que estamos em uma


situação reacionária, no contexto de uma
relação social de forças desfavorável.
Isso significa que viemos de muitos anos
de acumulação de derrotas, desde o golpe
institucional de 2016. A classe trabalhadora
e seus aliados entre os oprimidos perderam
confiança na sua capacidade de lutar para
vencer. A vitória eleitoral foi gigante, mas não
reverteu o ceticismo. A esquerda não morreu,
mas é verdade que não está bem. Não está
bem por três razões fundamentais: (a) primeiro
porque perdeu, qualitativamente, quando
em comparação histórica, força social de
choque, ou seja, a capacidade de se apoiar
na mobilização de massas superior à extrema
direita; (b) segundo porque o governo Lula
abraçou uma estratégia de governabilidade que
depende, exclusivamente, de acordos com o
centrão no Congresso, e prevalece na maioria
da esquerda sob influência do lulismo uma
estratégia quietista de renúncia à luta pelas
reivindicações populares; (c) terceiro porque
a imensa maioria da esquerda, inclusive na
esquerda radical, desencorajou-se do projeto
estratégico, o socialismo.

Foto Ricardo Stuckert


O governo Lula não é um governo de
6 esquerda. Além da presença de Geraldo
Alckmin na Vice-Presidência, trata-se
de um governo de coalizão com a fração
capitalista que tentou construir uma terceira via
com Simone Tebet, e incorporou representantes
dos partidos de direita, historicamente
posicionados com o centrão. Mantém intacta,
no que é mais fundamental, uma estratégia
econômica de gestão do capitalismo
semiperiférico que responde aos dogmas
neoliberais de ajuste fiscal para alcançar um
déficit primário zero e reduzir a inflação, ainda
que com “descontos”. Nem sequer uma
orientação desenvolvimentista de políticas
anticíclicas para impulsionar o crescimento
foi considerada. Não fosse o bastante, o
governo decidiu não enfrentar a questão militar.
Mesmo depois da incrível cumplicidade do alto
comando das Forças Armadas com a ameaça
golpista que culminou na semi-insurreição de 8
de janeiro de 2023.

Foto Folhapress
Ser de esquerda não obriga ninguém
7 a ser oposição ao governo Lula. Tudo
o que o governo faz ou deixa de fazer
no que diz respeito aos interesses dos
trabalhadores merece e deve ser criticado.
Mas não é o bastante para legitimar uma tática
de oposição de esquerda ao governo Lula.
Não seria nem realista, nem inteligente, nem
responsável um posicionamento na oposição ao
governo Lula, porque, na atual relação social e
política de forças, esse espaço já está ocupado
pelo bolsonarismo. Os riscos colocados pelo
neofascismo permanecem enormes. A classe
dominante está dividida no Brasil. Uma fração
apoia, criticamente, o governo Lula, outra apoia
Bolsonaro. Não se pode lutar, ao mesmo
tempo, com igual intensidade com as duas. Há
que se explorar a divisão. A demonstração de
força de Bolsonaro no recente domingo 25 de
fevereiro confirma que o perigo é real e iminente.
A resposta à contraofensiva da extrema direita
terá que ser construída, nas redes, nas ruas,
na institucionalidade, em todos os terrenos,
em unidade com o PT. Mais, exigindo que seja
liderada por Lula, presencialmente, para que
possa ser o maior possível. Quem não estiver
construindo a mobilização nos próximos 8 de
março, 14 de março por Marielle e no sábado
23 de março pode bater no peito que é da
esquerda “verdadeira”. Mas perdeu a bússola
de classe.

8
É verdade que a natureza do governo
Lula tampouco justifica uma tática
de disputar o destino do governo por
dentro. Não porque não haja lutas políticas
importantes dentro do governo. É evidente
que elas existem e, na surdina, ouvem-se
os ecos dos debates. Mas porque essas
discussões estão aprisionadas pela decisão
estratégica de preservar a aliança da frente
ampla erguida para o segundo turno. O papel
da esquerda radical é uma presença incansável
na organização das lutas.

9
Entretanto, é verdade que, apesar de
tudo, toda a esquerda, mais moderada
ou mais radical, compartilha quatro premissas
ou escolhas comuns. Em primeiro lugar, ser
de esquerda é uma escolha moral. Ao ser de
esquerda abraçamos uma visão do mundo que
considera todas as formas de exploração e de
opressão indignas. Quem explora ou oprime
alguém não pode ser livre. Não é possível a
liberdade entre desiguais. Em segundo lugar,
ser de esquerda é uma escolha de classe.
Ao ser de esquerda abraçamos uma visão
do mundo que considera que o movimento
dos trabalhadores é a nossa referência de
esperança, e suas lutas são as nossas. Em
terceiro lugar, ser de esquerda é uma escolha
política. Ao ser de esquerda abraçamos
um projeto de luta pela transformação da
sociedade. Queremos mudar o mundo em
função da satisfação das necessidades da
maioria. Por último, ser de esquerda é uma
escolha ideológica. Ao ser de esquerda
abraçamos um projeto histórico, o socialismo
como programa, ou seja, defendemos uma
sociedade em que deveremos ser socialmente
iguais, humanamente diferentes, e totalmente
livres. O que nos une não é pouca coisa.w

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.


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Foto Agência Brasil
Brasil

Fim da
“saidinha”
Às portas de ser aprovada em definitivo pela
Câmara, após aval do Senado, medida que
põe fim às saídas temporárias de detentos
tornou-se assunto central no país
por Henrique Rodrigues

O
Senado Federal aprovou há pouco mais
de duas semanas uma mudança na
Lei de Execução Penal que colocará
fim à chamada “saidinha” de presos no país,
uma forma de saída temporária, realizada em
datas comemorativas específicas, à qual uma
parte dos condenados brasileiros que estão nos
presídios tem direito. A matéria precisa passar
ainda por uma última votação na Câmara dos
Deputados, onde deve passar com facilidade,
para depois ir à sanção presidencial.
Numa sociedade em que cada vez mais os
assuntos de segurança pública têm peso nas
discussões cotidianas, o tema relacionado a
essa medida que beneficia alguns apenados
está no centro de um debate acalorado.
Os diversos episódios em que presos, uma
vez na rua porque foram agraciados com
o tal benefício, cometem crimes violentos
e bárbaros servem de munição para uma
significativa parcela da população que grita
pela mudança e pelo fim da “saidinha”. Do
outro lado, uma intensa discussão sobre a real
finalidade do sistema prisional, que deveria ser
a de ressocializar os indivíduos que cometem
crimes, também ganha intensidade.
A Fórum entrevistou uma acadêmica
especialista da área de segurança pública e de
questões prisionais para tentar compreender
os motivos pelos quais um assunto tão sério e
vital está sendo tratado com tanta
“emoção” e “comoção”, em vez
de abrir possibilidade para uma
discussão séria e racional.
Mayara Gomes, pesquisadora
do Grupo de Pesquisa em
Segurança, Violência e Justiça da Universidade
Federal do ABC (Seviju-UFABC), começa
explicando que tal benefício para alguns presos
nada mais é do que o cumprimento de uma
das premissas relacionadas à aplicação de
penas no país: a de que aquele indivíduo será
ressocializado para voltar ao convívio com o
restante das pessoas.

“ A pessoa que cumpre pena no Brasil


passa por um processo progressivo de
reintegração à sociedade. É o formato
adotado pela nossa legislação até então
e tem o objetivo principal de que a
ressocialização seja atingida.”

“O processo de ressocialização é dever


do Estado e, por isso, o Estado deve criar
mecanismos de atender isso, seja atendendo
direitos mínimos à pessoa presa (alimentação,
água, condições salubres de confinamento
etc.), quanto se envolvendo no processo de
reintegração social. A ‘saidinha’ seria parte
desse processo progressivo; inclusive, na
atual legislação a pessoa só sai se cumprir
regras legais (período de pena cumprida,
bom comportamento). Além disso, quem
tem acesso ao benefício da ‘saidinha’ é
um universo muito pequeno de pessoas
Ressocializar
sem que a
pessoa possa
conviver
novamente em
sociedade é,
por si só, uma
contradição

Foto Agência Brasil


se comparado com o total dos indivíduos
que estão presos no país, que cresce ano
após ano, e não há qualquer perspectiva
de melhora nesse cenário. Outro fato é que
segundo registro das próprias secretarias
de administração penitenciária dos estados
ou equivalentes, a esmagadora maioria dos
presos volta desse período em que fica em
liberdade. Retirar esse direito é primeiro
romper com a lógica da pena no país, que é de
ressocializar. Ressocializar sem que a pessoa
possa conviver novamente em sociedade
é, por si só, uma contradição. Superando a
visão abstrata, que é própria da lei, temos um
contexto fático que a maioria das pessoas
beneficiadas por essa medida cumpre, ou seja,
em termos de evidências, o saldo é positivo.
Outro ponto é que o direito à ‘saidinha’
não é um benefício apenas para a pessoa
que cumpre pena, mas também para seus
familiares, como filhos, esposas e esposos,
uma vez que os processos de reintegração
social também contam com a família”,
começou explicando Mayara.
Para a especialista, há algo que se
aproximaria de uma hipocrisia quando
praticamente toda a sociedade fala no direito de
um criminoso se reintegrar ao convívio coletivo e
não voltar a delinquir. As condições das prisões
brasileiras, a privação de direitos mínimos e,
agora, o fim de um direito fundamental para
a reintegração social fazem a acadêmica se
perguntar o que de fato queremos.
“Qual incentivo é dado à pessoa que cumpre
pena? Qual interesse haverá para que ela se
comprometa com a ordem na prisão, que tenha
bom comportamento, se no fim do dia isso não
serve para nada... Na atual configuração, as
prisões possuem condições subumanas, falta
tudo, a violação de direitos é constante. Então,
a pergunta que fica é de que forma suprimir um
direito da população presa pode ser benéfica para
o sistema como um todo? Queremos mesmo a
ressocialização de alguém?”, questionou.
Mayara foi perguntada sobre como a
“comunicação” sobre o tema com as pessoas
A questão da
segurança
pública e
política prisional
é complexa,
exerce um papel
cada vez mais
central na vida
das pessoas

Foto Agência Brasil


poderia elevar o nível do debate, evitando
generalizações e distorções da realidade. Ela
lembra que, em outras áreas, como a saúde
e a educação, o assunto é tratado de outra
maneira, mas nas questões prisionais prevalece
sempre um senso comum que prejudica
a análise séria e realista, sem deixar de
reconhecer, claro, que as pessoas têm medo da
violência e que ela se tornou aspecto essencial
na vida diária do povo.
“Acho que há formas de comunicar as
pessoas. A questão da segurança pública
e política prisional é complexa, exerce um
papel cada vez mais central na vida das
pessoas, com reações legítimas, porém, por
vezes, mais individualizadas e emocionais.
Há formas de esclarecer e informar se
quisermos colocar para a população que
a prisão é um fato em nossa vida. E que
precisamos discutir como qualquer outra
política pública. Afinal, a política penitenciária
é uma ação estatal como qualquer outra.
Os exemplos da recente história nacional
poderiam ser ilustrativos nesse sentido. A
prisão do presidente Lula, depois considerada
ilegal, poderia servir para discutirmos o erro
judiciário, melhores condições nas prisões,
presunção de inocência. O mesmo para as
pessoas que estão presas por conta dos atos
antidemocráticos de 8 de janeiro. Elas não
poderão ser beneficiadas com a ‘saidinha’?
Ou seja, há formas de informar a população
e fazer disso um debate público, se houver
interesse político, midiático... A prisão não
vai resolver todos os problemas sociais, não
vai dar conta de todos os desafios de uma
sociedade desigual e violenta como a nossa...
Porém, é preciso entender que a prisão é um
fato social, que é também uma política pública
e que precisa de um debate sério, assim como
levamos em consideração na hora de discutir
políticas de saúde, educação... A ‘saidinha’
certamente não vai trazer uma sensação
maior de segurança ou menos exposição à
violência”, seguiu explicando a estudiosa.
Mayara relembra ainda que a “saidinha”
nunca foi uma medida generalizada e banal
e que a tratar dessa forma, impedindo a
ressocialização de muitos apenados, só
favorece as diferentes facções do crime
organizado no país.

“ Como disse, um universo pequeno de


presos usufrui desse benefício. Além disso,
já existem regras legais para acessar esse
benefício. Seguramente, há muitas pessoas
que poderiam ser beneficiárias da ‘saidinha’
e sequer acessam esse direito, pois o
acesso à Justiça para fruição desse tipo de
direito, e de outros, também é deficitário.
Criar mais condições para as pessoas
ficarem presas em condições péssimas
é distorcer qualquer pressuposto de
ressocialização, e mais, fortalece o discurso
das facções criminosas de que o Estado
oprime as pessoas em situação de prisão”,
acrescentou.

“As mudanças legislativas ocorridas nos


últimos anos têm buscado piorar e restringir
direitos das pessoas presas, logo, as
pessoas que sofrem mais diretamente com
essas restrições são as pessoas presas. Por
consequência, suas famílias também são
afetadas, pois, nesse caso, a ‘saidinha’ não
seria viabilizada para contato com a família
Somos um
país com um
número enorme
de pessoas em
situação de prisão
e isso, de modo
algum, significou
a sensação de
mais segurança

Foto Agência Brasil


ou convívio social. No mais, se limitaria a
estudo, trabalho e educação, que são bastante
importantes, mas é, novamente, um número
pequeno de pessoas presas que consegue
acessar oportunidades de trabalho e educação
durante o cumprimento de pena”, disse ainda
sobre a tendência de reduzir ainda mais os
direitos básicos da população carcerária.
Por fim, a pesquisadora volta a questionar
se, de fato, alguém quer incentivar o
cumprimento de pena de maneira adequada
pelos condenados, para que eles tenham
um processo de ressocialização eficiente ao
ganharem as ruas novamente, assinalando
que o próprio surgimento do crime organizado
no Brasil da forma como conhecemos hoje é
fruto de um sistema prisional falido e repleto
de problemas.
“Retomo, qual estímulo existe para cumprir
pena? Qual política tem sido implementada
nas prisões para reintegrar as pessoas? As
facções criminosas têm sua origem nas prisões,
valendo-se em boa medida do discurso de
que o Estado oprime, com violência e falta
de atendimento de condições mínimas de
existência. Estou falando de falta de espaço
físico, de falta de água, de falta de comida,
de condições básicas... Restringir mais um
direito serviria para alimentar ainda mais essa
narrativa. Somos um país com um número
enorme de pessoas em situação de prisão e
isso, de modo algum, significou a sensação de
mais segurança. Então, se continuarmos com
medidas populistas, contrárias às evidências
que já mencionei, vamos continuar apoiando
um modelo equivocado, ou precisamos assumir
como sociedade, e aí principalmente o sistema
de Justiça e a elite, que veem a prisão como
algo que só serve para deixar à própria sorte
pobres e pretos, que são a maioria das pessoas
que estão nas prisões”, finalizou Mayara.w
Foto Ricardo Stuckert/PR
O ministro Luiz
Marinho e o
presidente Lula

Brasil

Motoristas de
aplicativo devem
ganhar mais que
o dobro
Lula apresentou proposta de
regulamentação da categoria que mantém
os profissionais como autônomos, mas
protegidos por direitos trabalhistas
por Ivan Longo

O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
assinou, na segunda-feira (4), o Projeto
de Lei (PL) de Regulamentação do
Trabalho por Aplicativos de Transporte de
Pessoas, que já foi enviado para apreciação
do Congresso Nacional em regime de urgência
constitucional, ou seja, Câmara dos Deputados
e Senado Federal terão 45 dias, cada, para
analisar o projeto.
Trata-se de uma iniciativa histórica que
busca regulamentar e, assim, garantir direitos,
proteção e dignidade aos trabalhadores e
trabalhadoras que atuam com transporte de
passageiros em plataformas digitais, como
Uber e 99. O projeto foi elaborado após
dez meses de discussões de um grupo de
trabalho tripartite coordenado pelo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), liderado pelo
ministro Luiz Marinho, com representantes dos
trabalhadores, empresas e governo federal
— tudo acompanhado pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e Ministério
Público do Trabalho (MPT).
Atualmente, há no Brasil cerca de 1,5
milhão de motoristas prestando serviços para
as plataformas digitais e aplicativos, segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Entre os principais pontos do projeto estão
a criação de uma remuneração mínima por
hora trabalhada aos motoristas e a fixação de
uma jornada máxima de 12 horas diárias numa
mesma plataforma.
Além disso, a proposta prevê que os
trabalhadores e trabalhadoras terão direitos
previdenciários, possibilitando assim a
aposentadoria. Esses profissionais passarão
a ser enquadrados como contribuintes
individuais para fins previdenciários, sendo
que a contribuição dos motoristas será
de 7,5% do salário e a das empresas, de
20%. O recolhimento da contribuição será
responsabilidade das plataformas.
Apesar da instituição de direitos trabalhistas
aos moldes da Consolidação das Leis de
Trabalho (CLT), o projeto prevê que os
motoristas continuarão como autônomos —
isto é, seguirão podendo escolher seus horários
de trabalho, com flexibilidade, bem como para
quais plataformas desejam trabalhar, sem limite
de empresas.
Foto Reprodução

Os pontos de destaque do projeto


• Reconhecimento dos motoristas de
aplicativo como trabalhadores autônomos;
• Contribuição ao INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social) de 7,5% sobre o salário
recebido;
• Pagamento de hora de trabalho no valor
mínimo de R$ 32,09;
• Remuneração mensal de pelo menos um
salário mínimo (R$ 1.412);
• Criação de uma nova categoria profissional:
trabalhador autônomo por plataforma;
• Limite de horas de trabalho, de até 12
horas por dia, visando à segurança e saúde
dos trabalhadores e usuários;
• Responsabilidade das empresas de
aplicativos de recolher 20% sobre a
remuneração mínima do profissional
(correspondendo a 25% da renda bruta)
como contribuição à Previdência Social;
• Inscrição dos dados do profissional em
sistema próprio da Receita Federal;
• Possibilidade de fiscalização das
plataformas por auditores do trabalho;
• Multa para empresas que descumprirem
a lei, no valor de 100 salários mínimos
(atualmente R$ 141,2 mil);
• Reajuste anual da remuneração do
trabalhador de acordo com o aumento do
salário mínimo.

Para Maurício Corrêa da Veiga, advogado


trabalhista ouvido pela Fórum, o projeto
apresentado pelo governo Lula
para regulamentar o trabalho
de motoristas de aplicativo é
uma iniciativa “significativa”.
“O projeto de lei
proposto pelo governo
Lula para regulamentar os
motoristas de aplicativo é uma
iniciativa significativa que visa garantir direitos
e proteções para uma categoria profissional
em ascensão (...). É uma tentativa positiva
de equilibrar os interesses dos motoristas
de aplicativo e das empresas, promovendo
condições de trabalho mais justas e seguras”,
avalia o advogado.
“No entanto, é crucial que haja um debate
amplo e aberto durante o processo legislativo
para garantir que as necessidades de todas as
partes interessadas sejam consideradas e que o
resultado final promova verdadeiramente o bem-
estar dos envolvidos”, prossegue o especialista.

Motoristas podem ganhar mais


que o dobro da remuneração atual
A Central Única dos Trabalhadores (CUT)
considera que a principal conquista do projeto
de lei apresentado pelo governo Lula é a
garantia de um piso de remuneração para
uma jornada de trabalho de oito horas por dia
e um valor mínimo para os custos efetivos do
trabalhador, como manutenção do veículo,
impostos, combustível, internet utilizada no
celular, alimentação, entre outros.
Com o novo valor definido pelo projeto, que
é de R$ 32,09 por hora trabalhada — sendo R$
8,02 referentes ao trabalho em si e R$ 24,07
referentes aos custos — a remuneração mínima
de um motorista que trabalhar 8 horas por dia,
durante 22 dias no mês, será de R$ 5.649,60
— e ainda será possível estender a jornada para
12 horas diárias.
Dessa maneira, os ganhos mensais dos
trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos
de transporte devem mais que dobrar, já que
atualmente, de acordo com o IBGE, essa renda
mensal é, em média, de R$ 2.454,00.
“Hoje é um dia histórico para
a classe trabalhadora, o Brasil
se tornou um exemplo para
o mundo. Esse é o primeiro
caso que conheço de um
país que regulamenta, por
meio de lei, a proteção aos
trabalhadores”, afirmou o presidente
nacional da CUT, Sérgio Nobre.

“Marco no mundo do trabalho”


Em discurso na cerimônia de assinatura
do projeto de lei, realizada no Palácio do
Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
classificou a iniciativa como “um marco no
mundo do trabalho”.

“ Hoje é um dia especial porque representa


um marco significativo no mundo
do trabalho, um momento em que
trabalhadores e empresários se sentam à
mesa de negociações para moldar um novo
quadro organizacional. Vocês acabaram de
criar uma nova modalidade no mundo do
trabalho”, declarou o mandatário.

“Vocês deram um banho de inteligência


no restante do Brasil, que não acreditava que
fosse possível organizar trabalhadores de
aplicativo. Deram um banho de inteligência, de
competência, de sabedoria, e agora vão dar um
banho de experiência, porque vocês vão fazer
isso dar certo de verdade”, prosseguiu Lula.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz
Marinho, disse, por sua vez, que “o mercado
de trabalho brasileiro sofreu um grande
retrocesso entre 2016 e 2022, empurrando os
trabalhadores para a informalidade”.
“Desde o ano passado, estamos
reorganizando esse mercado para que esses
trabalhadores tenham seus direitos assegurados
e para que os empregadores também tenham
segurança jurídica. A lei dos aplicativos é
um exemplo disso. Durante um ano, a mesa
tripartite debateu a regulamentação para
trabalhadores que prestam serviços por meio de
plataformas de transporte de pessoas. Criou-
se uma categoria especial para os motoristas
de aplicativo – o ‘trabalhador autônomo por
plataforma’, que passa a ter proteção social,
com acesso a vários benefícios trabalhistas
como outros trabalhadores”, pontuou o ministro.

Leandro Medeiros,
presidente do
Sindicato de
Motoristas em
Aplicativo do
Estado de
São Paulo
Foto Ricardo Stuckert/PR

Os representantes da categoria
Na cerimônia de apresentação do projeto de
lei, o motorista Rogerio Isaías, de 49 anos, que
atua para a Uber desde 2017, avaliou que a
iniciativa do governo é “um marco em termos de
segurança e garantias”.
“Acho que o mais importante é o
reconhecimento da classe. A união e a
representação sindical são cruciais para garantir
segurança aos trabalhadores. Perdas de
motoristas de aplicativo impactam não apenas
suas famílias e esposas, mas seus filhos. A
regulamentação promete trazer mudanças
significativas”, considerou.
Fábio Martins, de 44 anos, que atua como
motorista de aplicativo há cinco meses, por
sua vez, disse que a lei será essencial para
garantir proteção em situações inesperadas,
como acidentes, citando um acidente recente
envolvendo um amigo da categoria.
“Esse incidente ilustra claramente a
necessidade de apoio financeiro em situações
difíceis. Nosso colega não tem segurança alguma.
Tem que trabalhar para ganhar”, declarou.
Leandro Medeiros, presidente do Sindicato
de Motoristas em Aplicativo do Estado de São
Paulo, também celebrou o projeto de lei para
regulamentar o trabalho da categoria.
“Daremos um novo passo de regulamentação
e respeito por essa classe que foi tão importante
na covid-19. Levou várias categorias a trabalhar,
não se cansou, assumiu um risco, alguns
perderam suas vidas, mas hoje estão sendo
reconhecidos pelo presidente Lula”, disse.w
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8 de março

Dia
internacional
da mulher
por Júlia Motta
Foto Reprodução
Celebrado mundialmente, o dia surgiu
por meio de diferentes lutas das mulheres
por conquistas de direitos

N
o dia 8 de março é celebrado o Dia
Internacional da Mulher em homenagem
à luta que diversas mulheres travaram
e travam ao redor do mundo para conquistar
seus direitos. Costuma-se divulgar que a data
surgiu após um incêndio em uma fábrica em
Nova York, em 1911, no qual 129 operárias
morreram carbonizadas.
Apesar de o episódio ter sua importância
para chamar atenção para as condições a
que as mulheres eram submetidas, e também
porque a versão que mais se sustenta é a de
que o incêndio teria sido provocado após uma
série de greves promovidas pelas mulheres, a
origem da data vai além desse acontecimento.

Conferência das Mulheres Socialistas


A primeira vez que se falou de um dia
internacional da mulher foi em 1910, em
Copenhague, na Dinamarca, durante a II
Conferência Internacional das Mulheres
Socialistas. Na época, Clara Zetkin, feminista
Clara
Kate

Fotos Reprodução
Zetkin
Duncker

marxista alemã, propôs que as mulheres de todo


o mundo se organizassem em uma data para
reivindicar seus direitos, principalmente o direito
ao voto. O movimento também teve aderência
nos Estados Unidos e no Reino Unido.
“As mulheres socialistas de todas as
nacionalidades devem organizar a cada ano um
Dia da Mulher, que deve promover, acima de
tudo, a agitação pelo sufrágio feminino”, propôs,
junto com Käte Duncker, que também militava
pelo Partido Comunista Alemão.

Movimento de mulheres russas


A marcha de mais de 90 mil operárias russas
em 1917 também foi um marco que ficou
conhecido como um dos pontos de origem
da data. O movimento ocorreu no dia 8 de
protesto de

Mulheres russas

em 8 de marco

de 1917

Foto Reprodução
março, no calendário ocidental, e as mulheres
marcharam pelas ruas de Petrogrado (hoje
São Petersburgo) reivindicando melhores
condições de trabalho, sob o lema “Pão e paz”,
e protestando contra o czar Nicolau II.
Percorrendo diversas fábricas, as mulheres
convocaram o operariado russo para um
levante contra a monarquia e a participação
da Rússia na Primeira Guerra Mundial. A
marcha se estendeu por vários dias e tomou
proporções tão grandes que a autocracia russa
foi eliminada, possibilitando a chegada dos
bolcheviques ao poder.
As mulheres russas revolucionárias que
ficaram mais conhecidas pelo movimento foram:
Aleksandra Kollontai, Nadiéjda Krúpskaia,
Inessa Armand, Anna Kalmánovitch, Maria
Pokróvskaia, Olga Chapír e Elena Kuvchínskaia.
Reconhecimento oficial
Em 1921, o dia 8 de março foi aceito
na Conferência Internacional das Mulheres
Comunistas em referência à luta das mulheres
russas. Já em 1975, a data foi reconhecida
oficialmente pela Organização das Nações
Unidas (ONU).
Hoje, ao redor do mundo, apesar dos avanços
e direitos conquistados por meio de muita luta,
as mulheres ainda precisam reivindicar condições
básicas de vida, trabalho e respeito.
A participação das mulheres na política,
por exemplo, ainda é um grande desafio a
ser enfrentado. Se antes a principal pauta
reivindicada era o direito ao voto, hoje a luta é
pela participação feminina nos espaços de poder.
No Brasil, as mulheres representam 51,8%
da população, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Porém, na política,
especificamente na Câmara dos Deputados, elas
são 17,7% das pessoas eleitas em 2022.w

u Clique aqui e leia no site da revista Fórum: “8


de Março é dia de energizar a luta por equidade
de gênero”.

u Clique aqui e leia no site da revista Fórum:


“Mulheres precursoras na luta pelos direitos
femininos no Brasil”.
Foto Ian Maenfeld/Folhapress
8 de março

No Dia Internacional
da Mulher, o que
dizem as palestinas?
Fórum conversou com duas ativistas
políticas palestinas no Brasil: Fatima Ali
e Rawa Alsagheer
por Yuri Ferreira

D
esde 7 de outubro de 2023, Israel matou
mais de 30 mil palestinos na Faixa
de Gaza. Pelo menos 8 mil mulheres.
Milhares de meninas hoje correm em busca
de pão órfãs de pai e mãe. Outras 60 estão
presas em cadeias israelenses, boa parte
sem acusação. Desde 1967, mais de 17 mil
palestinas foram presas pelo regime sionista.
E no Dia Internacional da Mulher, cinco
meses depois do início do conflito militar, Israel
segue sua operação genocida dentro da Faixa
de Gaza.

Fotos Reprodução
Fatima Ali e Rawa Alsagheer

Conversamos com duas ativistas políticas


palestinas no Brasil: Fatima Ali, palestina
em diáspora no Brasil e vice-presidenta da
Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal),
e Rawa Alsagheer, palestina nascida na Síria,
cineasta e ativista do Samidoun (rede de
solidariedade aos prisioneiros palestinos nas
prisões da ocupação israelense), do movimento
de mulheres Alkaramah e do Caminho Palestino
Revolucionário Alternativo.

Um genocídio feminista?
Não é incomum encontrar nas redes sociais
vídeos de soldadas israelenses dançando
uniformizadas com equipamentos militares de
alto nível. Israel se vende como “paraíso da
liberdade” no Oriente Médio, com uma suposta
cultura LGBT+ e feminista, mas a realidade é
um tanto diferente.
Desde fevereiro, a Organização das
Nações Unidas (ONU) tem denunciado que
diversas mulheres palestinas foram sujeitas a
diferentes formas de assédio sexual em prisões
israelenses por soldados das Forças de Defesa
de Israel (IDF, da sigla em inglês).
Pelo menos duas mulheres presas afirmam
ter sido estupradas e outras foram ameaçadas
com o estupro como arma de guerra. Segundo
o relatório, fotos de mulheres palestinas nuas
circulam entre os soldados de Israel.

“ Essa data está chegando, infelizmente,


em um momento bem sensível que
está acontecendo com as prisioneiras
palestinas. Há tortura dentro das prisões,
há estupro de mulheres palestinas dentro
das prisões da ocupação israelense”,
denuncia Rawa Alsagheer.

Para ela, é um problema do próprio regime


sionista. Não há como, na visão de Rawa, um
um movimento que propõe a colonização e
limpeza étnica de uma região ser “libertadora”.
“O feminismo é um movimento de libertação,
de direitos, de igualdade, de justiça, e sionismo
é nazismo, é fascista, então são dois opostos.
O feminismo tem que ser combatente do
sionismo, porque não tem como ser, por
exemplo, sionista de esquerda. Não existe
nazista de esquerda, não tem como ser nazista
feminista, porque não existe, não tem como
ser sionista feminista, porque não existe nazista
feminista”, completa.
Em Gaza, não há acesso a absorventes,
e mulheres em trabalho de parto têm que
limpar seu sangue com panos sujos. Não há
medicina ou hospitais capazes de absorver as
demandas básicas.

“ O regime sionista é o responsável pelo


processo de limpeza étnica, pelos
massacres, pelo sistema de apartheid e
colonial, além dos horrores que o mundo
acompanha: o genocídio. Tudo isso são
práticas patriarcais, crimes contra a
humanidade”, completa Fatima Ali.

São elas as protagonistas


Apesar da opressão israelense, as mulheres
tiveram sempre uma participação importante na
luta pela libertação palestina.
“Elas são as maiores vítimas. Poderia citar
milhares de nomes de mulheres que são, foram
e serão fundamentais para que hoje possamos
reverenciar a resistência da qual o povo
palestino é protagonista há mais de 76 anos”,
afirma Fatima.

Fotos Reprodução
A ativista Ahed Tamimi

Recentemente, um dos símbolos dessa luta


foi Ahed Tamimi, ativista palestina presa em
2017, aos 16 anos, por se manifestar contra o
regime sionista na Cisjordânia. Ela foi libertada
em 2018, mas novamente presa em 2023 por
“incitação ao terrorismo”. Foi libertada em troca
de reféns entre Hamas e Israel em dezembro do
ano passado.
“Nós, palestinos, sempre enxergamos o dia
8 de março como o dia da nossa terra também,
porque o nosso símbolo da terra é uma mulher
palestina”, explica Rawa. “Infelizmente, com
tudo o que está acontecendo na faixa de Gaza,
com esse genocídio que está sendo provocado
pela força sionista israelense nazista, que está
atacando nossas mulheres, crianças, idosos e
homens palestinos”, completa.

“A maioria dos
movimentos
feministas
ocidentais não
entende muito
bem a luta das
mulheres árabes
em geral”

Foto Reprodução
Por um feminismo diverso
O debate sobre orientalismo se tornou cada
vez mais ávido nos círculos feministas nos
últimos anos. A caracterização das mulheres
islâmicas e do mundo árabe como vítimas de um
sistema opressor que deveria ser libertado pelo
modo de vida ocidental foi uma das tônicas de
um feminismo ocidental dos Estados Unidos e da
Europa durante o período da Guerra ao Terror.
E a realidade é diferente: “A participação
das mulheres no campo político é fundamental,
especialmente porque delas deriva a boa
formação cultural, a educação transformadora
tanto para o movimento nacional de libertação
da Palestina quanto para a construção de um
mundo melhor”, afirma Fatima.
Em contraponto, a Israel erguida sobre um
genocídio se vende como o paraíso para as
mulheres. A narrativa é clara e será replicada
inclusive no 8 de março.
Para Fatima e Rawa, é necessário combatê-
la, inclusive dentro do próprio movimento
feminista. “Não há como falarmos em luta pela
libertação das mulheres sem o engajamento
necessário à libertação do povo palestino e o
papel de destaque que cumprem as mulheres
palestinas na resistência e na história da luta
das mulheres”, diz Fatima.

“ O feminismo ocidental é orientalista”,


diz Rawa. “Infelizmente, a maioria dos
movimentos feministas ocidentais não
entende muito bem a luta das mulheres
árabes em geral, porque quando a gente
está falando sobre situação, ambiente,
população, cultura, religião, tudo é
diferente”, completa.

Fatima anseia também por solidariedade


dos movimentos feministas brasileiros com
a Palestina. “Sou uma mulher palestina em
diáspora no Brasil, falo a partir do país que está
entre os cinco com maiores taxas de feminicídio
e que mais mata pessoas trans e travestis
no mundo. A luta feminista é antipatriarcal,
Foto Reprodução
os massacres, o genocídio, o apartheid, o
processo de colonização sionista, a limpeza
étnica, a necropolítica são crimes contra a
humanidade. Enquanto mulher desejo que a luta
da mulheres palestinas sirva de inspiração às
feministas do mundo”, afirma.
Neste 8 de março, o convite de Fatima
e Rawa é que se pense nas mulheres
palestinas. “Tenho certeza de que a luta
contra a colonização e a memória preservada
no Movimento Nacional Palestino, pelas
mulheres palestinas, são inspiração às
feministas do mundo”, afirma Fatima.
“Isso é muito importante: a gente olhar para
essas mulheres palestinas. Elas criaram esses
combatentes, guerreiros e guerreiras palestinos
que estão confrontando e combatendo os
sionistas nazistas que estão sequestrando
nossa terra há 76 anos”, completa Rawa.w
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expediente | edição #101

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Ivan Longo
_ Tulio Gonzaga
_ Plínio Teodoro
_ Valério Arcary
_ Henrique Rodrigues
_ Júlia Motta
_ Yuri Ferreira

Designer Revisão
_ Marcos Guinoza _ Laura Pequeno

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