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Espaço e educação

Relações de ensino e interação escola-comunidade

Lívia Lima Paiva


Elizabeth dos Santos Braga
Programa de Pós-Graduação em Educação
Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo
Primeiras questões sobre espaço e educação
O espaço educa? De que forma o espaço educa? A relação entre a escola e a
comunidade é constituinte das relações de ensino?
● Velho esquema: sala de aula, lousa, giz parece ser um fazer cristalizado, uma
institucionalização da prática pedagógica que persiste desde o século XIX
● Necessidade de questionar o disciplinamento espacial (carteiras enfileiradas,
corredores, séries)
● Reinvenção dos espaços-tempo da escola
● Utilização das áreas externas
● Saídas pela comunidade
● Trabalhos de campo
Apresentação: articulação entre áreas, temas e questões

● A pesquisa relaciona e articula temas e conceitos das áreas de Educação,


Geografia e Psicologia.
● Investiga a apropriação do espaço da escola e do território, por parte dos
estudantes e educadores.
● Principais focos:
 Relação escola-comunidade;
 Sentimento de pertencimento a um lugar;
 Relações de ensino que contribuam para o processo de produção do conhecimento.
Métodos de pesquisa

● Pesquisa qualitativa de cunho etnográfico (André, 1995)


● Observação participante (Fraser e Gondim, 2004; Marques, 2016)
● Realização de grupos focais e de entrevistas (CRUZ; MOREIRA; SUCENA,
2002)
● Análise dialógica do discurso (BRAIT, 2006; PAULA, 2013)
Perspectiva histórico cultural - Signos, sentidos e significação

● Lev Semionovitch Vigostski, (1896 - 1934), teoria do desenvolvimento


humano a partir do método marxista do materialismo histórico-dialético

● Desenvolvimento humano se produz na história e na cultura, em processos


de significação (BRAGA, 2010)
● Mediação por signos – “[...] cria novas formas de processos psicológicos
enraizados na cultura” (VIGOTSKI, 2007, p. 34).
Perspectiva histórico cultural - Signos, sentidos e significação

■ Signos, sentidos e significação – “[...] é uma chave para pensar a conversão


das relações sociais em funções mentais.” (SMOLKA E NOGUEIRA, 2008, p.
80).
■ “Produção simultânea de signos e sentidos, relacionada à constituição de
sujeitos [...] Ou seja, os sujeitos são profundamente afetados por signos e
sentidos produzidos nas (e na história das) relações com os outros. “
(SMOLKA, 2000, p. 31)
■ “[...]conhecimento do mundo passa pelo outro.” (VIGOTSKI, 1984; 1995)
Relações de ensino

● Relações entre estudantes e professores no processo coletivo de produção


do conhecimento
● Modos de apropriação da cultura e participação nas práticas sociais
(SMOLKA, 2007)
● “Gesto de „ensinar‟ –in signare: marcar, assinalar, imprimir signos na mente –
condição da significação, isto é, a ação de significar.” (SMOLKA, 2019, p. 16)

Num movimento histórico dialético de interconstituição, as crianças se


desenvolvem nas relações com os professores também em
desenvolvimento, participando colaborativamente das (trans)formações,
tanto da atividade de ensinar quanto das atividades de ler e de escrever.
(SMOLKA, 2019, p. 16)
Vivência

● Conceito de vivência (perejivanie) em Vigostski, unidade analítica, Pino


(2010)
● “[...] na ciência, a análise que decompõe em elementos deve ser
substituída pela análise que articula unidades num todo complexo”
(VIGOSTSKI, 2018, p. 77)
• “uma unidade na qual se representa, de modo indivisível, por um lado, o
meio, o que se vivencia [...] e por outro lado, como eu vivencio isso (como a
criança se relaciona com o meio e significa uma situação)” (VIGOTSKI,
1996b; 2010; 2018, apud SMOLKA, 2019, p. 24)
Questão do meio em Vigotski
Lopes (2013) defende o espaço enquanto um dos primeiros processos de
mediação que se tem notícia.

“Se a história humana produz o espaço geográfico, as paisagens, os


territórios, os lugares, são esses que possibilitam os próprios processos
humanos” (LOPES, 2013, p. 130)

Tradução do russo do termo sredá, utilizado por Vigotski, traduzido por meio, que

“[...] tanto pode designar as condições naturais preexistentes ao advento


da espécie humana quanto as condições culturais criadas pelo próprio
homem.” (PINO, 2010, p. 743),
Lugar: espaço apropriado, significado

● “O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade


habitante - identidade - lugar. [...] É o espaço passível de ser sentido,
pensado, apropriado e vivido através do corpo.” (CARLOS, 2007, p. 17)
● Analisar a construção das redes de significados e sentidos presentes nas
relações sociais envolvidas nos processos de apropriação dos espaços de
vivência, os sentimentos de pertencimento ou não a esses espaços.
● Haesbaert (2011): toda identidade tem uma dimensão espacial.
Apropriação do espaço
● Psicologia Ambiental: estuda a relação pessoa-espaço. Enric Pol discute o conceito de
apropriação do espaço.
“O ser humano, como a maioria dos outros animais, precisa marcar seu território, ainda que de
forma sofisticada. Precisa de referências estáveis para ajudá-lo a orientar-se, mas também
preservar sua identidade diante de si e dos outros.” (POL, 1996, p. 3, Trad. nossa)

● Lefebvre (1978): habitar é apropriar-se. Não é ter propriedade, é fazer sua obra, apropriar-se de um
espaço é também resistir às violências e as forças de apropriação. Conflito contínuo, em todos os
níveis, que se resolve no plano da imaginação, do imaginário.

“Esta dialética entre o singular o e particular no processo de apropriação do espaço poderia


dinamizar o conceito de apropriação do espaço desde aproximações com a perspectiva
Vigotskiana. Ainda, poderíamos pensar que tanto a ação quanto a identificação simbólica,
como partes do processo de apropriação do espaço, são dadas pelo prisma da vivência, em
um processo de contínuas situações sociais do desenvolvimento que se dão temporalmente.”
(PINHEIRO; SILVA, 2018, p. 266 - 267)
Contexto da pesquisa - EMEF Ibrahim Nobre

A EMEF Ibrahim Nobre está localizada na Rua Coronel Salvador de Moya, nº 263. Na Vila Alba, distrito do Rio
Pequeno, administrado pela Prefeitura Regional do Butantã.
Imagens da fachada da escola dos anos 1990, ao
longo de sua história essa escola ficou conhecida nas
redondezas pelo jargão: “EMEF Ibrahim Nobre, entra
rico e sai pobre”.
Mãe de estudante pintando a
parte externa da escola, 2018.

Mães pintando a escada de


acesso à quadra, 2018.
Preparação dos canteiros da horta, 2021.
Criação de trilhas e aplainamento do terreno, 2022.

Placas poéticas na área da horta, em 2022.


Estudantes realizam
atividades de cuidado com
áreas externas da escola,
2022.
Estudantes explorando
as diferentes formas de
vida e as
transformações no
espaço da escola,
2022.
Considerações finais

• Relação entre os processos de apropriação do espaço a partir das


práticas sociais vivenciadas,
• Conceito de lugar, Carlos (2007), relacionado à maneira como nossos
corpos ocupam o mundo, apropriam-se dos espaços e à forma como
atribuímos sentidos a esses espaços.
• A escola pesquisada pode ser considerada um lugar?
• Pensamos no espaço apropriado, significado e se essa relação de
pertencimento contribui de forma significativa para a produção do
conhecimento e para as relações de ensino da referida escola (e
também vice-versa, num movimento dialético).
Obrigada!

livia.paiva@usp.br
elizabeth.braga@usp.br
Referências Bibliográficas

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Referências Bibliográficas

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