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Os caminhos da cidadania

A legislação brasileira referente à pessoa idosa (1988-


2003)

Cristina de Cássia Pereira Moraes


Rildo Bento de Souza

Sumário
1. Introdução. 2. A Constituição de 1888: “A
Constituição Cidadã!”. 3. As políticas sociais da
década de 1990. 4. O Estatuto do Idoso (2003).
5. A cidadania e a legislação: os caminhos em
construção. 6. Considerações finais.

1. Introdução
Nas últimas décadas, o assunto do ace-
lerado crescimento da população idosa,
tanto no Brasil quanto no mundo, tornou-se
proeminente nos centros de discussões, e
isso refletiu na forma de se pensar a pessoa
idosa dentro da legislação brasileira.
A medida que essa população se fez re-
presentar numericamente dentro da nossa
sociedade, tentou-se remediar a situação
com políticas públicas, cujo intuito é o de
assegurar a harmonia dos diferentes gru-
pos etários. Dessa assertiva, porém, alguns
questionamentos emergem: que critérios
são utilizados para condicionar determi-
nada pessoa dentro de algum grupo etário,
como a velhice, por exemplo? Por que nas
últimas décadas houve tantas políticas
públicas voltadas para a população idosa?
O envelhecimento populacional pode ser
considerado, no Brasil, como um problema
Cristina de Cássia Pereira Moraes é Profes-
sora Adjunta do Departamento de História da social?
Universidade Federal de Goiás Nosso objetivo é, a partir da vasta legis-
Rildo Bento de Souza é Mestrando em His- lação brasileira que abordou a pessoa idosa,
tória da Universidade Federal de Goiás. identificar os caminhos que lhes garantiram

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a cidadania dentro da sociedade de forma Entre todas as Constituições brasileiras é a
efetiva. mais democrática e a que mais se preocupa
com os direitos sociais2, fato que lhe valeu o
2. A Constituição de 1888: epíteto de “Constituição Cidadã”3 (SILVA,
“A Constituição Cidadã!” 1996, p. 343).
“A Constituição de 1988 ampliou
No ano de 1988 o Brasil promulgava (...), mais do que qualquer de suas
a sua oitava Constituição1, a primeira na antecedentes, os direitos sociais. Fi-
retomada do sistema democrático, após os xou em um salário mínimo o limite
21 anos do Regime Militar. Esse período, inferior para as aposentadorias e
conhecido como Nova República, se iniciou pensões e ordenou o pagamento
“em clima de otimismo, embalada pelo de pensão de um salário mínimo a
entusiasmo das grandes demonstrações todos os deficientes físicos e a todos
cívicas em favor das eleições diretas. O oti- os maiores de 65 anos, independen-
mismo prosseguiu na eleição de 1986 para temente de terem contribuído para
formar a Assembléia Nacional Constituinte, a previdência. Introduziu ainda a
a quarta da República” (CARVALHO, 2006, licença-paternidade, que dá aos pais
p. 200). cinco dias de licença do trabalho por
Realizada a eleição, o Congresso Nacio- ocasião do nascimento dos filhos.”
nal iniciou as atividades constituintes em (CARVALHO, 2006, p. 206)
1o de fevereiro de 1987, sob a liderança do No que se refere à pessoa idosa, a Cons-
deputado Ulisses Guimarães. Durante a tituição brasileira de 1988 introduziu, pela
Assembleia Constituinte, pela primeira vez primeira vez, direitos específicos para essa
na história do país, foram aceitas emendas parcela da população, consagrando antigas
populares; essas propostas, entretanto, de- reivindicações dos movimentos sociais e
veriam ser encaminhadas por pelo menos legislando sobre os vínculos familiares,
três organizações oriundas da sociedade ao definir as responsabilidades entre as
civil acompanhadas por 30 mil assinaturas. gerações que, até então, não haviam sido
Essas campanhas circulavam todo o país, explicitados (CABRAL, 2004, p. 7). Esses
visando incorporar medidas institucionais direitos específicos que a autora se refere
em favor dos trabalhadores, das minorias são, principalmente, os artigos 229 e 230.
raciais e sexuais, da mulher, da criança, do “Art. 229. Os pais têm o dever de
jovem e do meio ambiente, etc. (SILVA, assistir, criar e educar os filhos meno-
1996, p. 342-343) res, e os filhos maiores têm o dever de
A Constituição foi finalmente promul- ajudar e amparar os pais na velhice,
gada em 5 de outubro de 1988 apresentando carência e enfermidade (BRASIL,
“245 artigos e 70 disposições transitórias, 2001, p. 47)”.
tratando de vastíssima gama de assuntos”.
2
A Constituição considera direitos sociais a
Segundo Iglesias (1986), até o ano de 1986, o país
1
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
havia conhecido sete Constituições, a saber: 1824, 1891, segurança, a previdência social, a proteção à mater-
1934, 1937, 1946, 1967 e 1969. Sendo que “delas, só três nidade e à infância e a assistência aos desamparados
saíram de uma Assembléia Constituinte: 1891, 1934 e (BRASIL, 2001, p. 43).
1946. Em 1823 houve uma Constituinte que não fez 3
O autor analisa o processo Constitucional como
uma Constituição. A de 1967 foi feita por legislatura co- fruto de um jogo dos mais variados interesses, que
mum, completamente deformada em sua composição, permearam a discussão sobre alguns pontos, como,
com inúmeros parlamentares cassados, pela palavra por exemplo, a duração da jornada de trabalho, que
mais vida na crítica, pela contundência da denúncia dividiu patrões e sindicatos. Mesmo marcada por
ou simples capricho de algum poderoso eventual. A de grandes contradições, a Constituição foi elaborada
1969 por uma Junta Militar, sem mais, de modo ainda de tal forma que impedisse o retorno de governos
mais chocante” (IGLÉSIAS, 1986, p. 87). ditatoriais (SILVA, 1996, p. 344).

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Este artigo evidencia uma preocupação pelos filhos. O que quer dizer “assistir”? O
no tocante à assistência à pessoa idosa. Essa assistir refere-se à assistência, no sentido
assistência deveria ser feita pelos filhos. Essa mais amplo da palavra, que diz respeito a
troca de responsabilidades é muito interes- moradia, alimentação e saúde. Ora, esses
sante. Os filhos, que um dia foram assistidos também são responsabilidades do Estado.
pelos pais, agora teriam que retribuir essa Nessa perspectiva, o âmbito familiar com o
consideração. Com isso, a Constituição en- público se confundem na busca pela eman-
tra no âmbito familiar, delega atribuições cipação da pessoa idosa como portadora de
para os filhos, responsabilizando-os pelo direitos. Outrossim, o primeiro parágrafo do
trato aos pais que chegarem à velhice. Vale artigo 2304 reza que os programas que visam
lembrar que essa velhice não é estipulada amparar o idoso deverão ser executados,
cronologicamente, ou seja, não há uma ida- preferencialmente, em seus lares.
de, talvez porque a velhice neste caso esteja Ademais, o discurso da Constituição é
intrinsecamente ligada à saúde. claro: a pessoa idosa deve ser tratada como
Noutro passo, o artigo 230, complemen- um problema social, porém o locus desse
tando o anterior, reza que: problema se encontra na família, que tem
“Art. 230. A família, a sociedade e o dever de ampará-la. Os programas que
o Estado têm o dever de amparar futuramente seriam desenvolvidos pelo
as pessoas idosas, assegurando sua Estado ocorreriam no seio do lar. Porém,
participação na comunidade, defen- não se diz diretamente como seria trata-
dendo sua dignidade e bem-estar da a pessoa idosa que não disponha de
e garantindo-lhes o direito à vida.” recursos, nem de familiares. Nesse ponto
(BRASIL, 2001, p. 47) entraria a contribuição da sociedade. Seria
Isso posto, podemos constatar que, na a sociedade que garantiria a participação na
Constituição, a questão do envelhecimento comunidade, a dignidade e o bem-estar. O
populacional é tratada como um problema preferencialmente no primeiro parágrafo do
social. Um problema que ultrapassa o âmbi- artigo 230 evidencia que talvez essa pessoa
to familiar. Um problema que diz respeito idosa fosse atendida em outros lugares,
primeiramente à família, mas também à como os asilos, por exemplo.
sociedade e ao Estado. Há nas entrelinhas A partir, principalmente, dos artigos 229
um discurso que permeará todas as políti- e 230, mas também de outros que dizem
cas públicas que foram elaboradas poste- respeito a assistência social e a previdência,
riormente: a busca pela harmonia entre os foram elaborados, na década de 1990, um
grupos etários no Brasil. A pessoa idosa, amplo conjunto de leis que privilegiavam
não sendo somente de responsabilidade a pessoa idosa brasileira, entre eles desta-
da família, encontra, pelo menos hipoteti- camos a Lei Orgânica de Assistência Social
camente, amparo na sociedade e no Estado; (1993), a Política Nacional do Idoso (1994)
a estes, fica a responsabilidade de buscar e a Política Nacional de Saúde do Idoso
formas de inseri-la na comunidade. Ao de- (1999). É sobre esses três dispositivos que
fender a sua dignidade, garantir seu direito abordaremos a seguir.
primordial, que é o direito à vida, prega-se
uma doutrina que visa aglutinar no seio da 3. As políticas sociais da década de 1990
sociedade todos os grupos etários.
Ou seja, não se deve excluir a pessoa A redemocratização do país e a pro-
idosa, principalmente nos asilos; a família é mulgação de uma nova Constituição não
a principal responsável pela sua dignidade e 4
“§ 1o Os programas de amparo aos idosos serão
bem-estar. O artigo 229 já aponta suas diretri- executados preferencialmente em seus lares” (BRASIL,
zes, a de que a pessoa idosa deve ser assistida 2001, p. 47)

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foram garantias de que os problemas que aplicação deste direito, para que ele possa
afligiam a maioria da população fossem ser pago ou exigido o seu pagamento5”
rapidamente resolvidos (CARVALHO, (FARIA, 1996, p. 78). Portanto, para que
2006, p. 203). Na década posterior, além este propósito fosse melhor aprofundado
das dificuldades características de países e discutido, a Lei Orgânica de Assistência
em desenvolvimento, como infraestrutu- Social (LOAS) no 8.742, de 7 de dezembro
ra, analfabetismo e saúde, a problemática de 1993, foi editada.
do idoso se descortinou como um dos A LOAS é constituída por 42 artigos,
grandes problemas a serem enfrentados, cujo objetivo é a promoção da assistência
principalmente pela escassez dos recursos social, como instrumento capaz de superar
(KALACHE, 1996, p. 14). as desigualdades existentes na população
Desse modo, durante toda a década de brasileira. Nesta dita população, a LOAS
noventa, a problemática em relação à pes- buscava, sobretudo, englobar em um
soa idosa foi amplamente discutida. O Es- único programa de assistência as famílias
tado brasileiro apropriou um discurso que carentes, as crianças, os adolescentes, os
visava fornecer um forte aparato legal em deficientes e os idosos. No entanto, como
relação à pessoa idosa, por intermédio das ação concreta de assistência social, privi-
políticas públicas. Porém, suas diretrizes fo- legiando a pessoa idosa, a LOAS garantia,
ram elaboradas com base em iniciativas de no seu artigo 20:
outros estados ou de determinados grupos “(...) 1 (um) salário mínimo mensal à
sociais (ABREU FILHO, 2004; CABRAL, pessoa portadora de deficiência e ao
2004; FARIA, 1996; MINAYO, 2004). idoso com 70 (setenta) anos6 ou mais
A pessoa idosa, como é responsabili- e que comprovem não possuir meios
dade da família, da sociedade e do estado, de prover a própria manutenção e
como reza a Constituição no seu artigo 230, nem de tê-la provida por sua família.”
no que concerne a este último, as iniciati- (BRASIL, 2003, p. 27)
vas não chegaram a ser modestas. Entre os Este programa foi chamado de “Benefí-
anos de 1993 a 1999, a pessoa idosa se viu cio de Prestação Continuada”. Trata-se de
representar em diversas políticas públicas. um benefício não contributivo, ou seja, não
Entre estas ressaltaremos a Lei Orgânica de é necessária contribuição prévia para obtê-
Assistência Social (1993), a Política Nacio- lo, como ocorre com as aposentadorias. O
nal do Idoso (1994) e a Política Nacional de dinheiro para o pagamento destes benefí-
Saúde do Idoso (1999). cios viria do Fundo Nacional de Assistência
Ainda no tocante à Constituição, o seu Social7, sendo, entretanto, repassados para o
artigo 203 é dedicado a assistência social, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
cujos objetivos vão desde “a proteção à
família, à maternidade, à infância, à adoles- 5
“Com a promulgação da Constituição, um novo
conceito de política social foi materializado no conjun-
cência e à velhice”, até mesmo “a garantia to da Seguridade Social, compreendendo a Saúde e a
de um salário mínimo de beneficio mensal Previdência Social. Cada um desses elementos particu-
à pessoa portadora de deficiência e ao lariza um segmento da população brasileira. A Saúde,
idoso”, desde que comprovem não pos- direito de todos (...), é universal; a Previdência Social
atende aos que lhe são contribuintes e a Assistência
suir condições de se proverem, “conforme Social é prestada aos necessitados e desamparados”.
dispuser a lei” (BRASIL, 2001, p. 46-47). (FARIA, 1996, p. 77)
Contudo, o fato de possuir uma lei exposta 6
Em 2003, o Estatuto do Idoso, no Art. 34, reduziu
na Constituição não garante, entretanto, esta idade para 65 anos. (BRASIL, 2004, p. 15)
7
O Fundo Nacional de Assistência Social foi insti-
o seu cumprimento, já que a expressão tuído pela Lei no 8.742, a LOAS, e regulamentado pelo
“conforme dispuser a lei” “obriga a edição Decreto no 1.605, de 25 de agosto de 1995. (BRASIL,
de uma lei ordinária para regulamentar a 2003, p. 45)

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que efetivaria os pagamentos. Contudo, a partir da Constituição de 1988 e da
este benefício, ao contrário das aposenta- LOAS, estabeleceu-se (...) a diferença
dorias e pensões, não é vitalício, tendo, por marcante entre a Política Pública de
sua vez, que ser revisto no intervalo de dois Assistência Social e ‘assistencialismo’
anos, para que fossem novamente avaliadas vulgar praticado indiscriminadamen-
as condições que levaram uma pessoa a se te como um desvio ou doença da As-
enquadrar neste programa (BRASIL, 2003, sistência.” (PEREIRA, 2006, p. 37)
p. 29; PEREIRA, 2006, p. 40). Por conseguinte, no ano posterior à pro-
Para se ter uma ideia do impacto deste mulgação da Lei Orgânica de Assistência
programa ao erário público, no ano de Social, entrou em vigor a Política Nacional
2005, dois bilhões e novecentos milhões, do Idoso, Lei no 8.842 de 4 de janeiro de
cerca de 82% dos recursos reservados ao 1994, regulamentada pelo Decreto no 1.948,
programa “Proteção Social ao Idoso”, fo- de 3 de julho de 1996. Seguindo a linha
ram revertidos ao pagamento do “Benefício adotada pela Constituição de 1988 no seu
de Prestação Continuada” (SALVADOR, artigo 230, a texto da Política Nacional do
2006, p. 43). Idoso versa, no seu art. 3o, II parágrafo, que
A LOAS, entretanto, no que diz respeito o “processo de envelhecimento diz respeito
ao atendimento a pessoa idosa, designa à sociedade em geral, devendo ser objeto de
obrigações nas três esferas de governo: conhecimento e informações para todos”
o federal, o estadual e o municipal. No (BRASIL, 2003a, p. 7).
primeiro, a transferência de renda para os Ao analisar a vasta literatura produzida
idosos sem condições de se prover foram as neste período sobre a pessoa idosa, Cabral
medidas mais importantes, e já discutidas percebeu a importância que teve essa polí-
anteriormente. No que se refere as outras tica pública em nosso país, principalmente
duas esferas, suas funções englobam: a porque ela contribuiu:
destinação de recursos financeiros para “(...) para o reconhecimento dos
o pagamento de auxílios natalidade e fu- direitos dos cidadãos envelhecidos,
neral; executar projetos de enfrentamento ao mesmo tempo em que convoca a
da pobreza, em parceria com a sociedade sociedade para tomar posição frente
civil; atender ações assistenciais de caráter ao problema, sem considerá-lo de
de emergência, entre outros (BRASIL, 2003, forma alarmista, como aconteceu com
p. 15-18). outras sociedades, e sem ignorá-lo,
Nessa perspectiva, segundo Pereira, como acontecia até recentemente.
“a Assistência Social destaca-se como Pelo perfil jovem da população bra-
importante fonte de melhoria das condi- sileira, cujos interesses deviam ser
ções de vida e de cidadania desse estrato privilegiados para assegurar a conti-
populacional em irreversível crescimento” nuidade da sociedade, a população
(2006, p. 37). A autora ainda complementa idosa, pouco se fazia representar.
afirmando que, com a promulgação da Ademais, muitas noções equivoca-
Constituição de 1988, a Assistência Social das sobre a velhice impediam que se
ganhou nova institucionalidade, pautada refletisse sobre as necessidades de
pelo paradigma da cidadania. O fato de que legitimar as causas dos mais velhos”
a Assistência Social passou a ser regida por (CABRAL, 2004, p. 10).
uma Lei Federal: Tendo como objetivo a efetivação dessa
“(...) conferiu-lhe características que Política, em 1996, ano da sua regulamenta-
a fizeram distanciar-se de práticas ção, foi lançado o “Plano de Ação Governa-
‘assistencialistas’ com que sempre mental Integrado para Desenvolvimento da
foi identificada. Isso quer dizer que, Política Nacional do Idoso”, elaborado sob

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a coordenação da Secretaria de Assistência para o fato de que desde os anos sessenta
Social, com um grupo interministerial8 e o Brasil possui a Sociedade Brasileira de
também com a participação da Sociedade Geriatria e Gerontologia – SBGG (LOPES,
Civil. Ou seja, esse decreto fez com que os apud CABRAL, 2004, p. 5).
Ministérios tivessem uma pauta voltada Entre as inúmeras atribuições dos
para garantir os interesses da população ministérios, que fazem parte da Política
idosa. Nacional do Idoso, destacaremos algumas
Na área da educação, esportes e lazer, mais abrangentes e relevantes que dizem
a Política Nacional do Idoso fez propostas respeito à pessoa idosa. Ao Ministério da
inovadoras, principalmente no tocante ao Previdência e Assistência Social competia
estimulo à educação para o envelhecimen- “coordenar as ações relativas à Política
to, como a criação das UNATIs – Universi- Nacional do Idoso” (BRASIL, 2003a, p.
dades Abertas para a Terceira Idade (BRA- 22). O Ministério da Justiça, por sua vez,
SIL, 2003a, p. 16). Entretanto, a maioria dos teria o dever de “zelar pela aplicação das
programas propostos se realiza desde os normas sobre o idoso determinando ações
anos setenta, porém para um grupo limita- para evitar abusos e lesões a seus direitos”,
do de idosos. Nessa perspectiva, podemos sendo que “todo cidadão tem o dever de
citar os clubes da terceira idade, que foram denunciar à autoridade competente qual-
criados na Europa na década de setenta, quer forma de negligência ou desrespeito
proliferando-se na década posterior. No ao idoso” (BRASIL, 2003a, p. 36).
Brasil, esses clubes e universidades, vol- A competência de estabelecer “alter-
tados para a pessoa idosa, foram criados nativas habitacionais adequadas para a
no decorrer da década de noventa, a título população idosa”, como “viabilizar linhas
de exemplo: as primeiras universidades de crédito visando o acesso a moradias para
voltadas para o atendimento à pessoa ido- o idoso”, ficaria sob a responsabilidade do
sa foram a Universidade Federal de Santa Ministério do Planejamento e Orçamento
Catarina e a Universidade do Estado do Rio (BRASIL, 2003a, p. 28). O Ministério da
de Janeiro, que trabalharam a reinclusão Saúde, por sua vez, estabeleceria condi-
dessas pessoas com outros grupos, rom- ções para “garantir ao idoso a assistência
pendo, assim, com o preconceito da idade integral à saúde9 (...) nos diversos níveis de
(CABRAL, 2004, p. 9-12). atendimento do Sistema Único de Saúde –
Ademais, a Política Nacional do Idoso, SUS” (BRASIL, 2003a, p. 30).
implementou os cursos de Geriatria e Ge- Curiosamente, ao Ministério do Traba-
rontologia “como disciplinas curriculares lho coube somente uma diretriz a ser cum-
nos cursos superiores”. Ainda houve a prida em relação à pessoa idosa: “garantir
inclusão da Geriatria “como especialidade mecanismos que impeçam a discriminação
clínica, para efeito de concursos públicos do idoso quanto à sua participação no mer-
federais, estaduais, do Distrito Federal e cado de trabalho” (BRASIL, 2003a, p. 34).
municipais” (BRASIL, 2003a, p. 14-15). Concomitante a isso, ao Instituto Nacional
Embora instituídas como disciplinas cur- de Seguridade Social – INSS, ficou a tarefa
riculares previstas em lei, somente a partir de estimular “com antecedência mínima
da década de noventa devemos nos atentar de dois anos (...) a criação e a manutenção
de programas de preparação para as apo-
8
Os órgãos que compunham essa iniciativa fo-
ram: Ministério da Previdência e Assistência Social,
sentadorias” (BRASIL, 2003a, p. 26-27). A
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, Ministério
do Planejamento e Orçamento, Ministério da Saúde, 9
Segundo a Política Nacional do Idoso, o conceito
Ministério da Educação e do Desporto, Ministério do saúde é “entendida como o conjunto articulado e con-
Trabalho, Ministério da Cultura e Ministério da Justiça tínuo das ações e serviços preventivos e curativos”.
(BRASIL, 2003a, p. 21-36). (BRASIL, 2003a, p. 30)

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respeito dessa atribuição do INSS, Cabral não traz dados estatísticos, e sim ques-
(2004, p. 14) se mostra um pouco pessimista tionamentos. Qual a dimensão real das
ao afirmar que: realizações da Política Nacional do Idoso?
“Considerando-se as projeções para Que abrangência de atuação suas diretrizes
o contingente de pessoas que enve- conseguiram alcançar? Embora muito bem
lhecem e estarão se aposentando nos planejada, conseguiu a Política Nacional do
próximos anos, uma atividade de tal Idoso melhorar a qualidade de vida do seu
envergadura implicará, necessaria- público alvo?
mente, não só num efetivo quadro Poeticamente, ou até mesmo ironica-
de especialistas qualificados, mas, mente, a Política Nacional do Idoso traz
também, em recursos para torná-lo esse seguinte propósito:
acessível a todos.” “Valorizar o registro da memória e a
Nessa premissa, Cabral (2004) lança transmissão de informações e habili-
três impedimentos que dificultariam a dades do idoso aos mais jovens, como
viabilização desses objetivos. Em primeiro meio de garantir a continuidade e a
lugar, a falta de especialistas qualificados identidade cultural” (BRASIL, 2003a,
em tratar diretamente com a pessoa idosa; p. 18).
e o segundo, ainda mais problemático, que Há, nesta citação, algo que é percebido
é a questão dos recursos financeiros para tal quando analisado nas suas entrelinhas: a
empreitada, que, de acordo com a autora, busca pela harmonia entre os grupos de
constitui em um problema axial. Partindo idade no Brasil, que já chamamos a atenção
do pressuposto de que se consigam os páginas atrás. No final, o propósito dessa
recursos, um terceiro impedimento se des- política, como ressaltamos no primeiro
cortina: a abrangência do programa. Esse parágrafo, é o de inserir este contingente
exemplo levanta uma série de questões que de pessoas acima de sessenta anos dentro
pretendemos aprofundar na última parte da dinâmica da nossa sociedade. À época,
deste artigo, em que tentaremos articular mobilizaram quase todos os ministérios,
o discurso dessa legislação à guisa do con- estabeleceram diretrizes e investiram re-
ceito de cidadania. cursos. Conseguiram alcançar o objetivo?
Por fim, nos resta ainda mencionar uma A resposta para tal pergunta não se valem
última e importante diretriz que a Política dos tão recorrentes monossílabos, sim ou
Nacional do Idoso estabeleceu: o Conselho não; porém, podemos presumir que o seu
do Idoso. Estes, por sua vez, atuariam em objetivo era muito mais complexo do que
todas as esferas de governo: o federal, o os autores dessa política imaginaram.
estadual e o municipal, cujo objetivo seria No fim da década de noventa, em 1999,
“a formulação, coordenação, supervisão e atendendo reivindicações expressas na
avaliação da política nacional do idoso, no Política Nacional do Idoso para a área da
âmbito das respectivas instâncias político- saúde10, o governo brasileiro, considerando
administrativas” (BRASIL, 2003a, p. 11). a necessidade desse setor dispor de uma
Outrossim, os primeiros conselhos do idoso política relacionada à saúde do idoso, insti-
foram instituídos no inicio da década de tuiu a Política Nacional de Saúde do Idoso,
oitenta (CABRAL, 2004, p. 6). Entretanto, Portaria no 1.395/GM, de 10 de dezembro
foram necessários mais de dez anos para de 1999.
que essa iniciativa fosse institucionalizada
em forma de uma lei federal. 10
Entre essas reivindicações, destaca-se o segundo
parágrafo do Art. 10, inciso 2, que reitera como função
Ao lançarmos um olhar sobre a Política do Ministério da Saúde, “prevenir, promover, proteger
Nacional do Idoso, deparamo-nos com um e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e
quadro perturbador. Porém, esse quadro medidas profiláticas” (BRASIL, 2003a, p. 14).

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O seu processo de elaboração envolveu Como aparato legal, a Política Nacional
consultas a diferentes segmentos envolvi- de Saúde do Idoso apresenta entre as suas
dos direta ou indiretamente com o tema. principais diretrizes12: “a promoção do
Com isso, o Ministério da Saúde teve que envelhecimento saudável”; “a manutenção
readequar seus planos, programas, projetos da capacidade funcional”; “a assistência
e atividades na conformidade das diretrizes às necessidades de saúde do idoso”; “a
e responsabilidades estabelecidas na referi- reabilitação da capacidade funcional com-
da política (BRASIL, 1999, p. 1). prometida”; “a capacitação de recursos
Logo na sua introdução, a Política Na- humanos especializados”; “o apoio ao
cional de Saúde do Idoso reconhece que o desenvolvimento de cuidados informais”;
principal problema que afeta a pessoa ido- e “o apoio a estudos e pesquisas” (BRASIL,
sa, como conseqüência da evolução de suas 1999, p. 7).
enfermidades e de seu estilo de vida, é a Todas essas diretrizes convergem
perda da sua capacidade funcional, ou seja, para um único objetivo: o de assegurar a
a perda das habilidades físicas e mentais. cidadania para a pessoa idosa no setor de
Nesse sentido, a política apresenta: saúde. Essa relação entre pessoas idosas e
“(...) como propósito basilar a promo- saúde pública revela um quadro desani-
ção do envelhecimento saudável, a mador. Em primeiro lugar, “é amplamente
manutenção e a melhoria, ao máximo, conhecido que os idosos são usuários dos
da capacidade funcional11 dos idosos, serviços de saúde em taxa mais alta do
a prevenção de doenças, a recupe- que os demais grupos etários” (VERAS,
ração da saúde dos que adoecem e 1996, p. 390). Em decorrência da perda da
a reabilitação daqueles que venham capacidade funcional:
a ter a sua capacidade funcional “(...) os problemas de saúde dos ido-
restringida, de modo a garantir-lhes sos, além de serem de longa duração,
permanência no meio em que vivem, requerem pessoal qualificado, equipe
exercendo de forma independente multidisciplinar, equipamentos e
suas funções na sociedade” (BRASIL, exames complementarem de alto
1999, p. 6). custo, ou seja, exigem o máximo da
parafernália do complexo médico-
11
“O conceito de capacidade funcional é par- industrial da área da saúde” (VERAS,
ticularmente útil no contexto do envelhecimento. 1996, p. 391).
Envelhecer, mantendo todas as funções, não significa
problema, quer para o individuo ou para a comuni- A Política Nacional de Saúde do Idoso
dade. Quando as funções começam a se deteriorar é reconhece esses atenuantes no tratamen-
que os problemas começam a surgir. O conceito está to da pessoa idosa, pois, em geral, suas
intimamente ligado à manutenção de autonomia (...)” doenças são crônicas e acarretam outras,
(VERAS, 1996, p. 384). Segundo o texto da Política
Nacional de Saúde do Idoso, “o conceito de capaci-
elas também “perduram por vários anos
dade funcional, ou seja, a capacidade de manter as e exigem acompanhamento médico e de
habilidades físicas e mentais necessárias para uma 12
Para colocar em prática essas diretrizes, o
vida independente e autônoma. Do ponto de vista Ministério da Saúde tinha por propósito estabelecer
da saúde pública, a capacidade funcional surge como articulações com outros ministérios e secretarias do
um novo conceito de saúde, mais adequado para governo federal, além de instâncias dos governos es-
instrumentalizar e operacionalizar a atenção à saúde taduais e municipais, a saber: Ministério da Educação,
do idoso. As ações preventivas, assistenciais e de re- Ministério da Previdência e Assistência Social, Mi-
abilitação devem objetivar a melhoria da capacidade nistério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Estado
funcional ou, no mínimo, a sua manutenção e, sempre do Desenvolvimento Urbano, Ministério da Justiça,
que possível, a recuperação desta capacidade que foi Ministério do Esporte e Turismo, Ministério da Ciência
perdida pelo idoso. Trata-se, portanto, de um enforque e Tecnologia, Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria
que transcende o simples diagnóstico e tratamento de Municipal de Saúde ou organismos correspondentes.
doenças especificas” (BRASIL, 1999, p. 5) (BRASIL, 1999, p. 14-18)

234 Revista de Informação Legislativa


equipes multidisciplinares permanentes e foram determinantes para que, em 2003,
intervenções contínuas”. Por fim, concluí mais precisamente no dia 1o de outubro,
que “o apoio aos idosos praticado no Brasil o Estatuto do Idoso fosse sancionado pelo
ainda é bastante precário” (BRASIL, 1999, Presidente da República Luiz Inácio Lula
p. 3). Todos esses agravantes elevam o custo da Silva.
do atendimento médico à pessoa idosa, O projeto do Estatuto, Lei Federal no
pois, além disso, “os riscos de complicações 10.741, foi elaborado pelo, à época, deputa-
secundárias decorrentes de internações são do Paulo Paim (PT-RS) e ficou sete anos tra-
maiores” (VERAS, 1996, p. 392). mitando pelo Congresso Nacional (MUSSI;
Porém, para que as a pessoa idosa, PIARDI, 2004, p. 11). Entre as diretrizes, o
consiga de fato, um melhor sistema de Estatuto do Idoso “estabelece como dever
saúde que esteja preparado para atender de todos prevenir a ameaça ou violação
e compreender suas especificidades, o go- aos direitos dos idosos e zelar pela sua
verno necessita entender que “saúde não dignidade13” (ABREU FILHO; FRAGOSO,
é sinônimo de assistência” (VERAS, 1996, 2004, p. 86).
p. 391). Principalmente nessa fase da vida, O Estatuto do Idoso considera uma pes-
em que o organismo naturalmente tende a soa como sendo idosa aquela “com idade
diminuir sua capacidade funcional, é que igual ou superior a 60 (sessenta) anos”
se deve investir em medidas preventivas, a (BRASIL, 2004, p. 9). O principal objetivo
começar na infância e continuar pela vida era o de estabelecer medidas de proteção
adulta. a este contingente considerável da popula-
ção. Ademais, o Estatuto também:
4. O Estatuto do Idoso (2003) “(...) regulamenta os direitos dos
idosos, determina obrigações às
Em 2003, as estatísticas do Instituto entidades assistenciais, estabelece
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, penalidades para diversas situações
com dados referentes a 2002, apontavam de desrespeito aos idosos, além de
que 43%, dos que tinham 60 anos ou mais, atribuir uma série de competências e
possuíam renda per capita abaixo de um responsabilidades ao Ministério Pú-
salário mínimo. O mais agravante é que blico.” (MUSSI; PIARDI, 2004, p. 11)
4.870.336 (30,4%) de idosos continuavam a Além de descrever e enumerar os direi-
trabalhar, seja para se autossustentar, seja tos dos idosos e estabelecer prioridades, o
para auxiliar na subsistência de sua família. Estatuto indica os mecanismos pelo qual o
Às vésperas de ser sancionado o Estatuto idoso pode estar exigindo o cumprimento
do Idoso, o país não havia conseguido ofe- de seus direitos fundamentais, exercendo
recer uma velhice tranqüila a seus cidadãos desse modo sua cidadania. Para tanto, a
envelhecidos (MINAYO, 2004, p. 9). participação dos idosos nesse processo
Enquanto o Estado dedicava tempo e se daria “por intermédio de entidades
recursos na elaboração de várias políticas representativas” (ABREU FILHO, 2004, p.
públicas, como vimos anteriormente, essas, 9). Dessas entidades, que atuariam como
por sua vez, não absorviam a maior parte fiscalizadoras nesse processo, destacam-se:
do seu público alvo, principalmente pelo o Ministério Público, o Conselho do Idoso,
rápido crescimento da população idosa na a Ordem dos Advogados do Brasil e “asso-
sociedade brasileira. ciações que contenham em seus estatutos
Esse quadro despertou, no início do
século XX, grande preocupação de vários 13
Os autores, neste caso, consideram dignidade
“colocar o idoso a salvo de qualquer tratamento desu-
setores da sociedade. Diversos fatores,
mano, violento, aterrorizante, vexatório ou constran-
como pretendemos abordar mais adiante, gedor”. (ABREU FILHO; FRAGOSO, 2004, p. 86)

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 235


sociais a possibilidade de demandar em “O Estatuto que prevê um país
juízo para garantia de direito dos idosos” generoso com os seus velhos tem
(MUSSI; PIARDI, 2004, p. 23). problemas na prática: na destinação
Nisso concerne a importância do Estatu- de recursos, na disponibilização de
to do Idoso, que é o de colocar à disposição equipamentos e na construção de ins-
do idoso instrumentos que lhe assegurem trumentos concretos de atuação”.
seus direitos que tanto podem ser as O próprio Estatuto no seu artigo 115
políticas públicas, que é uma atuação do postula que, enquanto não fosse criado o
governo, quanto instrumentos judiciais, a Fundo Nacional do Idoso, os recursos para
primeira atuando de forma preventiva e a prover os “programas e ações relativos ao
segunda de modo repressivo “minorando idoso” seriam destinados ao Fundo Na-
as conseqüências de possíveis violações cional de Assistência Social, por meio do
ocorridas” contra a pessoa idosa (ABREU Orçamento da Seguridade Social (BRASIL,
FILHO; SILVA, 2004, p. 23). 2004, p. 32).
Ao longo dos seus 118 artigos, o Estatu- Para além disso, uma outra importante
to do Idoso privilegia como sendo direito medida, até mesmo para futuras análises do
da pessoa idosa a saúde, a alimentação, a processo de envelhecimento populacional,
educação, a cultura, o esporte, o lazer e o foi a inclusão “nos censos demográficos
trabalho. A esses direitos somam-se outros, dados relativos à população idosa do País”
que são decorrentes dos primeiros, como a (BRASIL, 2004, p. 33).
cidadania, a liberdade, a dignidade e o res- Após essas breves considerações, uma
peito. Para cada direito o Estatuto lança as questão emerge: por que 2003? Esse ques-
mais variadas diretrizes. É justamente nisso tionamento, um tanto pobre no sentido
que está o maior desafio a ser enfrentado: a de tentar inquirir o nosso objeto, faz todo
viabilização de recursos para a implemen- sentido quando é lançado dentro de um
tação dessas medidas. processo, cujo centro deste é a sociedade
“(...) torna-se subjetiva e difícil a abor- brasileira. Se havia sete anos que o projeto
dagem, conclusiva e concreta, quanto do Estatuto do Idoso estava tramitando no
ao comportamento do Estado Brasi- Congresso Nacional, por que foi sanciona-
leiro na consolidação do Estatuto do do somente em 2003? Será que a burocracia
Idoso, como Carta de Cidadania. Isto do sistema democrático emperrou o anda-
porque, tanto a União, quanto os Es- mento do processo ou este foi adiantado
tados e Municípios devem viabilizar devido a algumas circunstâncias? Em 2003,
a constituição do Fundo Especial para o Estatuto do Idoso seria levado a votação
apoio da política do idoso; o quadro de qualquer modo ou o levaram por pres-
de servidores efetivos que desenvol- são externa?
verão, junto ao Conselho do Idoso, a O certo é que a discussão e a votação do
função de fiscalização das entidades Estatuto do Idoso poderia ocorrer em qual-
de atendimento governamentais e quer ano, porém o ano de 2003 foi frutífero
não governamentais; e a edição da no que concerne a uma familiarização com
legislação que estabelecerá os pro- o problema do envelhecimento populacio-
cedimentos jurídico-administrativos nal, por parte dos mais distintos segmentos
para expedição e processamento dos da sociedade. Para tentarmos responder
autos de imposição de penalidades” essas questões, ressaltamos dois aconteci-
(ABREU FILHO; ABREU; SILVA, mentos que fizeram com que a sociedade
2004, p. 81). refletisse sobre essa a condição do idoso
Seguindo esse mesmo discurso, Minayo em 2003. O primeiro deles é a Campanha
(2004, p. 38) complementa: da Fraternidade, da Conferência Nacional

236 Revista de Informação Legislativa


dos Bispos do Brasil – CNBB, cujo título Portanto, o objetivo da Campanha da
era: “Fraternidade e Pessoas Idosas. Vida, Fraternidade era refletir sobre a condição
dignidade e esperança”. O outro fator foi a da pessoa idosa, dentro da sociedade
novela “Mulheres Apaixonadas”, da Rede moderna. Com um discurso alertando a
Globo. Nessa perspectiva, Minayo (2004, p. sociedade para o acelerado crescimento po-
11) salienta que: pulacional, a sociedade brasileira começou
“A decisão política de universalizar a perceber que mais de quinze milhões de
direitos e proteger a todos os idosos pessoas passavam por determinados pro-
é uma atitude nova, própria deste blemas, característicos da idade, mas que
momento histórico da consciência eram agravados pela forma como a mesma
nacional. É um avanço do pensa- sociedade tratava esses indivíduos.
mento que precisa ser concretizado Porém, foi com a novela Mulheres
na prática”. Apaixonadas que a situação ganhou uma
Ou seja, a preocupação da sociedade dimensão enorme dentro dos grupos de
com a problemática da pessoa idosa está in- discussão. De autoria de Manoel Carlos,
trinsecamente ligada ao momento histórico. a novela retratava o drama de um casal
Este, por sua vez, passou pela mediação, a de idosos, Leopoldo e Flora, interpretados
nosso entender, primeiramente da Igreja e por Oswaldo Louzada e Carmem Silva,
depois da mídia, sendo que esta última, ob- respectivamente, que dividiam o aparta-
viamente, conseguiu atingir a um número mento com o filho. A indignação popular
maior de pessoas. No que concerne à pri- se mostrava na forma como a neta tratava
meira, a Igreja Católica, sempre no início da seus avós, evidenciando “uma situação
quaresma, período que antecede a Páscoa, de desrespeito e intolerância com pessoas
por meio da CNBB, realiza a Campanha idosas” (PITTA, 2003, p. 67).
da Fraternidade, cujo objetivo é pautar as Se o objetivo da novela era chamar a
reflexões dos católicos, principalmente du- atenção para os problemas enfrentados
rante as missas. Desse modo, a CNBB lança, pela pessoa idosa na nossa sociedade, con-
anualmente, um tema novo para ser deba- seguiram com muito êxito. O que evidencia
tido e discutido. Em 2003, o tema escolhido a influência da mídia são os números do
foi a pessoa idosa, em que o texto-base da Disque-Denúncia, que aumentaram 85%
Campanha da Fraternidade ressalta: durante o período em que a novela esteve
“(...) os reflexos que as mudanças no ar, em comparação com o mesmo perí-
culturais vêm provocando em nossa odo do ano anterior, ou seja, 2002 (ABREU
sociedade. Nele, é refletido que a FILHO; FRAGOSO, 2004, p. 90).
tecnologia acaba por determinar os Tanto a Campanha da Fraternidade
rumos da modernidade, pois coloca quanto a novela “Mulheres Apaixonadas”,
as pessoas a seu serviço, criando da Rede Globo, contribuíram para que, à
novas necessidades. Esses avanços época do Estatuto do Idoso, a sociedade
tecnológicos parecem inconciliáveis brasileira tivesse pronta para discutir o
com pessoas menos ágeis, ou de tema. Entretanto, não foi com um Estatuto
mais idade, que não acompanharam que se resolveu o problema do idoso den-
o desenvolvimento desses aparatos. tro da sociedade. As medidas são muito
(...) O conhecimento originário das válidas, porém é preciso serem consolida-
vivências e experiência de vida, que das na prática. Como vimos no primeiro
as pessoas idosas têm muito a con- parágrafo, a situação do idoso na nossa
tribuir, às vezes, é substituído pelo sociedade é preocupante. Eles são muitos
domínio dos saberes tecnológicos.” e vivem em realidades tão distintas que o
(SILVA JUNIOR, 2003, p. 149) primeiro passo para se tentar caminhar,

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 237


rumo à consolidação desses direitos, seria de acordo com os padrões que prevalecem
reconhecer no idoso uma pessoa que “goza na sociedade”. Outrossim, o sistema edu-
de todos os direitos fundamentais inerentes cacional e os serviços sociais são exemplos
à pessoa humana”, e que cabe à família, à de ação do elemento social (MARSHALL,
comunidade, à sociedade, e ao Poder Públi- 1988, p. 9). Em síntese, o cidadão, segundo
co assegurar o seu “direito à vida, à saúde, Marshall, era aquele individuo que usu-
à alimentação, à educação, à cultura, ao fruía desses três elementos igualmente. O
esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, referido autor também pontuou os séculos
à liberdade, à dignidade” (BRASIL, 2004, XVIII, XIX e XX como os períodos em que
p. 9). Resumindo: cidadania. se conquistaram os direitos civis, políticos
e sociais respectivamente.
5. A cidadania e a legislação: Entretanto, essa teoria se distancia
num universo utópico e pouco concreto,
os caminhos em construção
quando tentamos pensar o Brasil. Pensar
Após essa breve síntese das políticas a cidadania como uma síntese conquista-
públicas que contemplaram a pessoa da dos direitos civis, políticos e sociais é
idosa, podemos concluir que essa parcela muito bonito; entretanto, na prática, quan-
da população é amparada por uma vasta do tomamos a legislação brasileira para
legislação. Entretanto, a legislação é um analisarmos a situação da pessoa idosa na
dispositivo que necessita de determina- sociedade, concluímos que ainda resta um
dos mecanismos para se efetivar de fato. longo caminho a ser percorrido. Destarte,
São esses mecanismos, ou caminhos, que as iniciativas não chegaram a ser modestas;
pretendemos explorar à guisa do conceito a legislação é vasta, porém, não consegue
de cidadania. atender a todos os direitos expostos por
Um dos principais teóricos que pauta- Marshall para compreender a cidadania.
ram suas reflexões sobre este conceito foi Partindo do pressuposto que a realidade
o sociólogo britânico T. H. Marshall, cuja brasileira é diferente da Inglaterra dos idos
análise parte da Inglaterra e como ocorreu de 1950, sociedade de Marshall, é de fun-
o processo da conquista de cidadania nes- damental importância que estudemos esse
te país. Para tanto, a conquista, para esse processo a partir de análises brasileiras.
autor, se efetuou via “elementos”, que se Nesse contexto, o riquíssimo ensaio de José
desmembram em três, a saber: o civil, o Murilo de Carvalho: “Cidadania no Brasil:
político e o social. O elemento civil são o longo caminho” se descortina como um
aqueles direitos “necessários à liberdade precioso achado para compreendermos a
individual”, entre eles os de ir e vir, a liber- cidadania em nosso país.
dade de imprensa, de pensamento, de fé, A respectiva análise de Carvalho parte
de propriedade, e principalmente o direito da teoria de Marshall; entretanto, o referido
à justiça. O elemento político, por sua vez, autor defende que a aquisição dos direitos
se constitui como “o direito de participar que compõem a cidadania no Brasil se de-
no exercício do poder político, como um ram de forma inversa. Enquanto na Inglater-
membro de um organismo investido da ra primeiro vieram os direitos civis, depois
autoridade política ou como um eleitor os políticos e posteriormente os sociais; no
dos membros de tal organismo”. Noutro Brasil, primeiro vieram os direitos sociais,
passo, o elemento social se constitui por cujo ápice se deu num período de supressão
todos aqueles direitos que vão desde ao dos direitos políticos, ou seja, na ditadura de
“bem-estar econômico e segurança ao direi- Getúlio Vargas. Outrossim, os direitos polí-
to de participar, por completo, na herança ticos, vieram de forma bizarra e basicamente
social e levar a vida de um ser civilizado se constituem no direito ao voto. Por fim,

238 Revista de Informação Legislativa


muitos direitos civis ainda estão inacessíveis A predita cidadania, portanto, se pro-
para a maioria da população. Ao transpor a cessa via conquista de direitos. Sobre esses
teoria de Marshall (2006, p. 219-220) para o direitos dedicamos todo o tópico anterior,
Brasil o autor conclui que a “pirâmide dos em que traçamos um quadro-síntese de toda
direitos foi colocada de cabeça para baixo”. a legislação que teve a pessoa idosa como
Ou seja, a cidadania brasileira pode ser objeto de suas discussões. Nesse ínterim,
resumida apenas na conquista dos direitos perpassamos a Constituição da República
sociais. Ademais, a proeminência de um dos Federativa do Brasil de 1988; as três polí-
direitos, o social, em detrimento de outros ticas mais importantes da década de 1990
dois, o civil e o político, torna-se um campo visando atender a pessoa idosa, a saber: a
fértil para inquirições. Lei Orgânica de Assistência Social (1993), a
“Assim, apesar de uma certa divisão Política Nacional do Idoso (1994) e a Política
entre direitos individuais e direitos Nacional de Saúde do Idoso (1999); e por
sociais, na realidade todos os direitos fim o Estatuto do Idoso (2003).
são sociais, na medida em que todos Por sua vez, todas essas políticas que
supõem interação entre pessoas ou privilegiaram a pessoa idosa, se partirmos
grupos, mas costuma-se chamar de das considerações de Carvalho, fizeram-no
sociais apenas os direitos à educação, assegurando somente os direitos sociais
à moradia, ao trabalho e às condições (2006). A título de exemplo, a síntese da Lei
de vida” (FARIA, 1996, p. 77). Orgânica de Assistência Social é a garantia
A autora citada acima possui uma con- de um salário mínimo àqueles idosos que
cepção muito ampla do que considera ser comprovarem não possuir meios para se
os direitos sociais; os direitos individuais prover.
estão no patamar dos direitos civis e polí- Mas a cidadania em relação à pessoa
ticos. Ademais, Faria (1996, p. 77) concebe idosa não se restringe a sua subsistência.
o direito social nesta acepção ampla devido Dever-se-á considerar o idoso como um
ao fato de que o mesmo “encara o homem cidadão igual a qualquer outro, de qual-
em sua realidade concreta e como membro quer idade, mas que a única diferença são
dos grupos sociais”. Contudo, vamos uti- as primaveras acumuladas. Por todas as
lizar os conceitos propostos por Marshall transformações orgânicas que acomete o
para caracterizar os direitos civis, políticos indivíduo na plenitude de sua existência,
e sociais, porque essa é à base da análise de que ganhou o nome de envelhecimento, é
José Murilo de Carvalho. basilar que o Estado brasileiro amparasse
De fato, consoante a conquista de direi- no seu discurso político essa parcela cres-
tos para a população brasileira, Silva (1996, cente da população, levando em consi-
p. 343) afirma se tratar da Constituição de deração essas singularidades produzidas
1988 o momento máximo dessa trajetória. pelo tempo.
Conforme afirmamos anteriormente, a “A transformação da velhice em um
última Carta-Magna do Brasil recebeu o problema social põe em jogo múl-
epíteto de “Constituição Cidadã” devido tiplas dimensões que vão desde as
“à incorporação de uma série de direitos iniciativas voltadas para propostas de
civis14 e sociais”. formas de bem-estar, que deveriam
acompanhar o avanço das idades,
14
No tocante aos direitos civis, Silva (1996, p. 343) até empreendimentos voltados para
considera como “clássicos” os resguardados pela Cons- o cálculo de custos financeiros que o
tituição de 1988 os seguintes: “liberdade de expressão,
reunião, privacidade garantida, a inviolabilidade do
envelhecimento da população trará
domicílio, da correspondência e das comunicações e para a contabilidade nacional” (DE-
a proibição de prisão sem decisão judicial”. BERT, 1996, p. 35)

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 239


Segundo Debert, aos poucos a velhice dois lados – um lado representado
foi sendo alvo da “solidariedade pública”. pela problemática tradicional do
Nesse processo, o trato à velhice, que an- subdesenvolvimento, o outro lado
tes era considerado de responsabilidade acumulando a carga representada
de instituições e associações filantrópi- pelo envelhecimento despreparado”
cas, foi sendo vagarosamente introjetado (KALACHE, 1996, p. 15).
por um discurso político, justamente por A conquista da cidadania é um pro-
considerar o envelhecimento e os indiví- cesso lento e perpassa o discurso político.
duos acometidos por ele como sendo uma Talvez, se o crescente envelhecimento
questão pública (DEBERT, 1996, p. 35). A populacional que ocorreu principalmente
partir de então, podemos verificar que o nas últimas décadas não tivesse ocorrido e
envelhecimento populacional perpassa por o tornar-se velho fosse algo raro, teríamos
todas essas estruturas de poder, da coisa políticas públicas voltadas para essa parce-
privada, familiar, para o âmbito público, ou la da população? O problema social que o
seja, para a responsabilidade de todos que envelhecimento produziu é, portanto, um
integram a sociedade brasileira. problema de ordem numérica. E isso fica
De acordo com Cabral (2004, p. 01-02), claramente exposto quando tomamos como
a constituição do problema social do enve- exemplo os índices estatísticos.
lhecimento ao longo do século XX: Em 1940, o Brasil possuía 979.839 pes-
“(...) é resultado da conjunção de soas com idade igual ou acima de 65 anos.
fatores que emergiram no processo Em 1950, esse número saltou para 1.348.035;
de mudanças na sociedade e que na década posterior, 1960, esse contingente
incluem desde as conquistas da já atingia 1.915.005. Na década de 1970 já
liberdade até as novas relações de contávamos com 2.929.476; em 1980 tínha-
poder, bem como o desenvolvimento mos 4.770.432; e em 1990 o número era de
das forças produtivas, aumento da 7.085.847 (IBGE apud BERQUÓ, 1996, p.
expectativa de vida, distribuição da 18). Atualmente, essa população já ultra-
riqueza, novos padrões culturais, passa os dezesseis milhões, e a tendência é
sistemas de controles sobre a vida o crescimento contínuo para as próximas
humana, conquistas na medicina, décadas.
elevação dos padrões educacionais, Uma hipótese que nos inquieta é que o
difusão dos sistemas de comunicação aumento progressivo do número de pesso-
e outros que formam a teia complexa as idosas, principalmente nas três últimas
da sociedade pós-moderna. décadas do século XX, impulsionou o poder
Por isso, segundo Kalache (1996, p. 14) público a tomar medidas que visassem
“envelhecer é um triunfo, mas para gozar amparar essa parcela da população; daí a
da velhice é preciso dispor de políticas quantidade de políticas públicas nos perí-
adequadas”, que assegurem uma boa quali- odos que houve maior crescimento.
dade de vida. O autor insiste que o governo Paralelo aos índices estatísticos, outra
deve desenvolver “políticas inteligentes, questão que emerge dessa problemática em
realistas e igualitárias”, que não beneficiem torno do envelhecimento populacional são
uma minoria da população, como ocorrem os critérios que definem uma pessoa como
com as “políticas fantásticas”. sendo idosa.
“Se não cuidarmos destas políticas “O processo biológico, que é real
para o bom envelhecer os setores e pode ser reconhecido por sinais
sociais do país, já sob tensão, pode- externos do corpo, é apropriado e ela-
rão explodir. A imagem é a de um borado simbolicamente por todas as
jumento de carga sobrecarregado dos sociedades, em rituais que definem,

240 Revista de Informação Legislativa


nas fronteiras etárias, um sentido po- os grupos e os interesses envolvidos na
lítico e organizador do sistema social” definição desses limites, e complementa
(MINAYO, 2004, p. 10) dizendo sobre a inviabilidade de adotar
Ou seja, somente quando esse processo dois limites etários diferentes com o intuito
biológico é reconhecido pelas sociedades, de classificar o mesmo segmento popula-
que em consequência disso elabora, simboli- cional. Dever-se-á, entretanto, considerar
camente, um sentido político, ou seja, atitu- que partindo da legislação brasileira não
des práticas para ser tomadas pelo coletivo existe um consenso nessa prerrogativa,
a partir de uma reflexão sobre a condição o que evidencia também quão nova é a
daquela parcela da sociedade que envelhe- questão da problemática do idoso na nossa
ceu, primeiramente há que se encontrar pa- sociedade15.
râmetros para classificar uma pessoa como Noutro passo, para caracterizarmos a
sendo pertencente àquele grupo. É neste complexidade dessa questão, retomaremos
ponto que entra a categoria de “fronteiras o Estatuto do Idoso como exemplo, uma vez
etárias” utilizada pelos autores. que este é “destinado a regular os direitos
Tomamos por “fronteiras etárias” a assegurados às pessoas com idade igual ou
idade limite que dada sociedade define superior a 60 anos” (BRASIL, 2004, p. 9).
como sendo o apogeu do envelhecimento, A pessoa idosa, portanto, seria todo esse
em que, no tempo seguinte àquele, a pessoa contingente de pessoas pertencentes a essa
é considerada idosa. Está exposto aí um faixa etária, ou a essa “fronteira etária”. Se,
dos nossos grandes problemas em relação por um lado, os idosos possuem seus direi-
ao envelhecimento: qual a faixa etária que tos assegurados, por outro encontramos
designa uma pessoa como sendo idosa? certas divergências, dentro até mesmo do
Segundo Cabral (2004, p. 3), existem próprio Estatuto.
análises demográficas que apontam para a No que diz respeito a gratuidade do
idade de 65 anos e outras para 60 anos. Nes- transporte coletivo, a “fronteira etária”
se processo existem alguns critérios, como, dos 60 anos é simplesmente ignorada pelo
por exemplo, as entidades internacionais Estatuto do Idoso no seu artigo 39, uma
definem como o corte inicial do envelhe- vez que somente às pessoas “maiores de
cimento com base se a sociedade é ou não 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurado”
desenvolvida. Para as primeiras, prevalece este benefício. Outra controvérsia é no
a faixa etária mais alta (65 anos), e, se não, tocante ao assento vermelho reservado
ou em desenvolvimento, a pessoa é tida para deficientes físicos, gestantes e pessoas
como idosa a partir dos 60 anos. Esses da- idosas, acima de sessenta anos. (BRASIL,
dos são importantes porque essas entidades 2004, p. 16). Novamente encontramos uma
acreditam que, sendo a sociedade menos diferença de cinco anos, para que alguns
desenvolvida, envelhece-se mais cedo. Tais idosos possam ser assistidos, ou melhor,
conclusões estão ligadas, principalmente, possam usufruir daquilo que, a princípio,
às condições de vida que as pessoas idosas 15
Partindo da legislação brasileira, podemos ob-
usufruem em seus países. servar que não existe um critério absoluto. O Código
Nessa perspectiva, Cabral (2004, p. 4) Penal (1940) reza que, se forem cometidos crimes
salienta que essa diferença de cinco anos contra pessoas maiores de 70 anos, a pena é aumen-
tada. O Código de Processo Penal (1941) isenta os
existente entre as duas idades (60 ou 65 maiores de sessenta anos a integrar o serviço de júri.
anos), em qualquer período da vida, é O Código Eleitoral (1965) torna facultativo o voto para
um aspecto importante que não deve ser os maiores de 70 anos, lei esta que foi transposta para
relegado. Essa infindável discussão sobre a Constituição de 1988. Esta última, por sua vez, no
trato das aposentadorias, reza que o homem a recebe
as fronteiras de idade mostra a complexi- com 65 anos completados e a mulher com 60 anos
dade da questão, as suas implicações para (BARROSO, 2001).

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 241


era assegurado por lei a todos aqueles com brasileira. De acordo com Cabral (2004, p.
idade igual ou superior a 60 anos. Ou seja, 13), durante toda a década de 90 ocorreram
a pessoa idosa que possui 60 anos não é diversos eventos que tiveram como pauta
considerada totalmente beneficiada pelo principal as questões relacionadas ao en-
Estatuto do Idoso. velhecimento, entretanto não apontaram
Essa questão ilustra bem que o estabe- soluções, apenas debateram o problema.
lecimento de critérios de idade evidencia Para se ter um exemplo: o ano de 1999, tido
uma relação de poder muito intrínseca. como o Ano Internacional do Idoso, envolto
Considerar a pessoa idosa a partir dos 60 a discursos inflamados, foi marcado com a
ou dos 65 anos fará toda a diferença para ampliação da idade para a aposentadoria.
a “contabilidade nacional”, como Debert Com isso, no meio dos discursos, os idosos
afirmou acima. Os altos gastos com a imple- “são instados a continuarem ou voltarem às
mentação de políticas destinadas à pessoa atividades produtivas, buscando trabalho
idosa ocorrem porque são de ordem social, remunerado para garantirem a própria
ou seja, é uma “ajuda” do governo. sobrevivência”.
Devemos distinguir que o problema
social do envelhecimento não foi detectado
6. Considerações finais
a partir da Constituição de 1988; muito pelo
contrário, foi a partir dessa política que ele Após este breve levantamento sobre a
foi incorporado dentro de uma lei; porém situação da pessoa idosa, dentro de uma
a essência já existia. A Sociedade Brasileira legislação que se modificou, principalmen-
de Geriatria e Gerontologia – SBGG, por te no final do século XX, reiteramos que
exemplo, foi organizada nos idos de 1960, essas políticas públicas, se não possam ser
segundo Cabral (2004, p. 5). Ou seja, já consideradas modestas, deverão ser melhor
havia todo um conhecimento específico dinamizadas, para que se consiga superar
sobre a pessoa idosa, porém, a institucio- as desigualdades encontradas por esses
nalização legal (leia-se obrigatoriedade) das cidadãos quando chegarem à velhice.
disciplinas de Geriatria e Gerontologia nos Ademais, no meio desse processo con-
cursos superiores ocorreu somente a partir turbado, o mínimo que governo brasileiro,
da Política Nacional do Idoso (1994). O em parceria com a sociedade, podem fazer
Conselho do Idoso é outro exemplo, como é garantir a concretização de todas essas
explicitamos páginas atrás. A cidadania, atitudes de cunho político, que envolvem
portanto, é uma cidadania mediada pelas a pessoa idosa e, concomitantemente, asse-
políticas públicas. gurar a liberdade do idoso. O sentido dessa
“As políticas públicas de atendi- palavra neste contexto é muito mais amplo
mento aos interesses dos idosos em do que o seu direito constitucional de ir e
relação à saúde, trabalho, educação vir, é reconhecê-lo como um cidadão. Essa
(...), historicamente, não têm mere- é a principal empreitada de todos nós, se
cido a mesma importância daquelas não para conquistar mais direitos, mas, pelo
referentes à criança, à mulher, ou ao menos, para garantir os já conquistados,
trabalhador. Percebe-se, assim, que fazendo-os serem cumpridos.
a noção que hoje se tem de cidadania Outrossim, é identificar no idoso um
não incorpora as características des- portador de direitos individuais, que o
se importante, mas marginalizado caracterize como cidadão e que isso venha
segmento social” (ABREU FILHO; acompanhado por direitos civis e políticos,
ABREU; SILVA, 2004, p. 70). e simultaneamente sociais e culturais. Em
Os problemas, das mais variadas ordens, síntese, o dever de toda a sociedade é ga-
ainda acometem essa parcela da população rantir o pleno exercício da cidadania para

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estes milhões de brasileiros que convivem ______. Estatuto do Idoso. A lei. Brasília: Secretaria
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