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O Canto do Galo

Marcos 14:30
A expressão “canto do galo” que é o assunto da reposta encontramos, com ligeiras variações, nos quatro
Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João). A partir destes textos buscaremos o significado e a natureza de tal
expressão “canto do galo”. Comecemos com os relatos dos Evangelhos:
 Evangelho de Mateus 26:34:
“Jesus declarou: Em verdade te digo que esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes!
 Evangelho de Marcos 14:30
“Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, me
negarás três vezes”
 Evangelho de Lucas 22:34
“Mas ele disse: Pedro eu te digo, (o) galo não cantará hoje sem que por três vezes tenhas negado
conhecer-me. ”
 Evangelho de João 13:38
“Jesus lhe responde: Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: o galo não cantará
sem que me renegues três vezes.

CONSIDERAÇÕES PARA A QUESTÃO DO LUGAR – CENTRO DE JERUSALÉM.


É importante argumentar com respeito ao “lugar” onde Pedro se encontrava quando efetivamente negou a Jesus.
Os textos bíblicos que falam do ocorrido e fornecem informações são: Mt 26,69-75; Mc 14,66-72; Lc 22,54-62
e Jo 18,5-18.
Onde estava Pedro no momento em que negou a Jesus três vezes? Jesus foi “levado” para a casa do sumo
sacerdote (Mateus 26,57; Marcos 14,53; Lucas 22,54). O Tribuno Romano entregou Jesus às autoridades
judaicas esperando a manhã seguinte para o julgamento. Jesus foi levado ao palácio do sumo sacerdote onde
se encontravam os principais sacerdotes e anciãos de Israel reunidos. Esta informação é importante, pois a “a
casa do Sumo Sacerdote estava no centro de Jerusalém. E certamente não haveria um galinheiro no centro da
cidade”. (Mesmo por que a cidade de Jerusalém não comportava animais de pequeno porte, pois era
considerada, uma cidade sagrada. A partir deste fato vem a pergunta, será que verdadeiramente houve um “galo
para cantar”.
POSSIVELMENTE A INTERPRETAÇÃO DO “CANTO DO GALO” DEVA SER ENTENDIDA
METAFORICAMENTE
Depois de muitas leituras através de autores que escreveram considerações sobre o fato, é de se admitir que a
melhor forma de entender fosse metaforicamente. As seguintes razões colaboram para isto.
Primeira consideração:
Os quatro Evangelhos empregam o verbo grego (fonéo), que, como “ressoar” (em vez de “cantar”) e, portanto,
pode se referir aos sons emitidos por qualquer instrumento musical, como a trombeta romana, por exemplo,
muito empregada pelas legiões romanas. Para disciplinar a vida militar. E na cidade de Jerusalém existia uma
guarnição romana a serviço do procurador e de sua defesa,
Segunda consideração:
O Evangelho Marcos, o primeiro ser escrito é dirigido aos romanos (escrito em Roma) encontramos vários
latinismos ao longo do texto, utilizando, inclusive, o termo grego composto (alektorofonías), significando o
“canto do galo” (Mc 13,35) e encontramos correspondência no termo latino gallicinium (“canto do galo”),
vocábulo este que era bem conhecido naquela época e que fazia alusão ao “toque da trombeta” durante a troca
das guardas romanas que estavam presentes.
Terceira consideração:
Marcos sendo o primeiro evangelho escrito é tido como o único dos evangelistas a nos fornecer o importante
detalhe de que a tripla negação de Pedro ocorreria antes de o galo ressoar “duas vezes”. Essa menção feita ao
duplo ressoar do galo (“toque da trombeta”) parece estar aludindo aos dois “toques de trombeta” existentes após
a meia-noite, os quais eram emitidos da fortaleza Antonia (atual início da Via Dolorosa, cidade velha de
Jerusalém). Um primum gallicinium (“primeiro canto do galo”) entre às 0:00h e às 3:00h da madrugada e,
depois dele, o secundum gallicinium (“segundo canto do galo”) que era tocado entre às 3:00h e às 6:00h da
manhã, quando outro dia começava a despontar no horizonte. Este fato coincide com o texto bíblico de Marcos:
“Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, me negarás três
vezes”. (Mc 14,30).
Quarta consideração:
Em quarto lugar, lembramos novamente que os Evangelhos de Marcos (Mc 1,66), Lucas (Lc 22,54) e João (Jo
18,15-17) o fato da negação de Pedro a Jesus, ele estava na “casa do sumo sacerdote”, a qual ficava no centro
de Jerusalém. É difícil imaginar que houvesse criação de galinhas em alguma casa do centro cidade. Aliás, iria
mais longe e acrescentaria: “é difícil imaginar que houvesse um galo bem debaixo do nariz do sumo
sacerdote!”.
Quinta consideração:
A ausência de galos em Jerusalém na época do Novo Testamento, parte do conceito da cidade de Jerusalém
considerada sagrada, habitação de Deus, e que nos escritos da Mishna e no tratado de Baba Kama 7.7 prescreve
orientações de pureza da cidade. A Mishná, em sua divisão Nezikin (“Danos”), e no tratado Baba Kama 7.7 nos
transmite as seguintes orientações sobre o galo: “Eles não podem criar gado miúdo na Terra de Israel, mas eles
podem criá-los na Síria ou nos desertos que existem na Terra de Israel. Eles não podem criar galos em
Jerusalém por causa das Coisas Santas, nem os sacerdotes podem criá-los [em qualquer lugar] na Terra de
Israel por Terra de Israel por causa de [as leis concernentes a] alimentos puros. Ninguém pode criar porco em
qualquer lugar. Um homem não pode criar um cão a menos que seja mantido ligado por uma corrente. Eles não
podem criar armadilhas para os pombos a menos que seja de trinta ris de um lugar habitado.23”
Pintura: Santuário do Galicantu, Monte Sião, Jerusalém. Uma das pinturas na igreja inferior: A negação de
São Pedro, Jesus algemado e o galo. Em Lucas 22, 57: "Ele porém negava, Mulher eu não o conheço"
Imagem - Foto do episódio de Pedro, com escrava, no pátio da casa do Sumo sacerdote e o "canto do galo",
Santuário do Galicantu, Monte Sião, Jerusalém.
Concluindo:
Esperamos que este episódio da negação de Pedro, em que um “galo cantou” junto à casa do sumo sacerdote ou
imaginar que poderia ser o ressoar de uma “trombeta ressoou” na fortaleza Antônia, poderemos encontrar uma
resposta verdadeira para a questão.

O segredo todo está na forma em que os romanos dividiam a noite. Esta era dividida em quatro vigílias de
aproximadamente 3 horas cada uma:
a) Prima vigília: do pôr do sol até às 9 horas, também chamado de vigília do entardecer.
b) Secunda vigília: das 9 horas à meia-noite, chamada de vigília da meia-noite.
c) Tertia vigília: de zero hora às 3 horas, também conhecida como vigília do canto do galo.
d) Quarta vigília: das três até a aurora, chamada de vigília do amanhecer.

Essas quatros vigílias determinavam o período das três horas do serviço da guarda romana. Os judeus
inicialmente dividiam a noite em três vigílias: a primeira, “princípios das vigílias” (Lamentações 2:19), ia desde
o sol posto até às 10 horas da noite; a segunda, a vigília média” ou da meia-noite (Juízes 7:19) principiava às 10
horas da noite e prolongava-se até às duas horas da madrugada; e, a terceira, a “vigília da manhã” (1 Samuel
11:11), desde as duas horas da até ao nascer do sol. No entanto, em tempos posteriores, na época do império
romano a noite passou a ser dividida, segundo o costume dos romanos, em quatro vigílias (desde as 6 horas da
tarde às 6 horas da manhã), de três horas cada uma (Mateus 14.25 e Lucas 12.38). Em (Marcos 13:35), as
quatro vigílias são designadas pelo nome especial de cada uma. Veja texto:
Marcos 13:35-37. Vigiai. Pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao
cantar do galo, se pela manhã; para que, vindo ele inesperadamente, não vos ache dormindo. O que, porém, vos
digo, digo a todos: vigiai!
Os judeus com frequência usavam uma forma abreviada quando se referiam a essas vigílias da noite. “Tarde”
era uma expressão com a qual se referiam ao fim da vigília, ou seja, 21h00min. “Meia-noite” indicava o fim da
segunda vigília. Você observou? “Cantar do galo” era o termo usado por eles para o fim da terceira vigília, ou
seja, três horas da madrugada. E “pela manhã” o modo como se referiam ao fim da quarta vigília, ou seja, às
seis horas da manhã.
Jesus pode voltar em qualquer das quatros vigílias romanas, que terminavam respectivamente, às 21 horas, 24
horas, 3 horas e 6 horas da manhã.
O que isso tudo tem a ver com a história de Pedro? É que o “canto do galo” era a expressão usada naquela
época no império romano para se referir ao toque do trombeta tocada pelo soldado romano avisando a todos o
final da terceira vigília da noite, ou seja, três horas da manhã. No primeiro século, assim em Jerusalém como
em todas as cidades importantes denominadas pelo império romano, esse toque da trombeta era conhecido
como “canto do galo”.
O final de cada vigília e o início da próxima era assinalado por um toque de trombeta. Assim, da mesma forma
como nas vigílias anteriores, ao final da terceira vigília um sinal era dado pelos guardas romanos e ocorria a
troca da guarda. Esse soar da trombeta às três horas da manhã era chamado em latim “gallicinium” e de
“alektorophonia” em grego e ambos significavam em português “o canto do galo”. Essa expressão romana
adveio do fato de que os galos normalmente cantam de madrugada, embora não haja horário previsto para as
aves o fazerem.

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