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desenvolvimento

urbano
P Ó L I S - I L D E S F E S

IDÉIAS PARA A AÇÃO MUNICIPAL

DU Nº 77 1996

cidadania e da qualidade de vida não pode se várias categorias para cada um dos tipos de zona.
permitir conviver com uma legislação de uso e Essas categorias diferenciam-se, normalmente,
LEGISLAÇÃO ocupação do solo nessas condições, sob pena
de ver crescerem as desigualdades sociais en-
em termos de adensamento dos lotes (pela regu-
lamentação do percentual máximo da área dos
DE USO E quanto o capital imobiliário se apropria dos des-
tinos da cidade.
terrenos que pode ser edificada, do número de
andares das edificações ou da área máxima

OCUPAÇÃO construída).
A determinação dos tipos de uso muitas vezes
CONCEPÇÃO acontece em função de usos já consolidados, ou
DO SOLO TRADICIONAL seja, a legislação apenas reconhece esses usos.
Nesse caso, seu papel de direcionar a ocupação

O objetivo da prefeitura, ao
elaborar leis de uso e ocupa-
O instrumento técnico-jurídico central da
gestão do espaço urbano é o Plano Di-
retor, que define as grandes diretrizes urbanísti-
da cidade fica resumido à legitimação do espaço
construído, independentemente da dinâmica, ain-
da que perversa e excludente, que tenha defini-
do essa construção.
ção do solo, deve ser democra- cas. Tradicionalmente, essas diretrizes incluem
O zoneamento tem impacto direto sobre o mer-
tizar o acesso à terra e à qua- normas para adensamento, expansão territorial,
cado imobiliário. A adoção de um zoneamento
definição de zonas de uso do solo e redes de
lidade de vida. infra-estrutura. Para grande parte das cidades,
rígido leva à criação de monopólios fundiários
para os usos: por exemplo, se só há um lugar
no entanto, o Plano Diretor, quando existe, “fica

A legislação de uso e ocupação do solo é


fundamental para a vida urbana. Por
normatizar as construções e definir o que pode
na gaveta”. É um documento distante do dia a
dia ou por ser elaborado apenas para cumprir
uma formalidade ou por desrespeito às suas
para a instalação de estabelecimentos comerci-
ais, essas áreas disponíveis serão automatica-
mente valorizadas. As restrições do zoneamento
podem inviabilizar empreendimentos e impedir
ser feito em cada terreno particular, interfere na normas por interesses políticos.
a expansão de algumas atividades econômicas.
forma da cidade e também em sua economia. Tradicionalmente, a legislação de uso e ocupa-
Com todo esse impacto sobre o mercado imobi-
Mas, em geral, trata-se de um conjunto de dis- ção do solo concentra-se em normas técnicas de
liário e o fato de a legislação ser detalhista e
positivos de difícil entendimento e aplicação, e edificações e no zoneamento da cidade. As
tecnicista, praticamente incompreensível para os
as leis não são muito acessíveis aos cidadãos normas de edificações procuram estabelecer
não-iniciados, é muito fácil que a lei de
por seu excesso de detalhes e termos técnicos. parâmetros detalhados sobre todos os aspectos
zoneamento se transforme em moeda de troca.
O grande nível de detalhe dificulta também a das construções, incluindo tanto a relação da
Empreendedores imobiliários, interessados na
fiscalização, que se torna praticamente impos- edificação com seu entorno (recuos, número de
mudança de classificação de uma determinada
sível de ser realizada, deixando a maioria da ci- pavimentos, altura máxima) quanto a sua confi-
área, chegam a pagar muitos milhares de dólares
dade em situação irregular. Além disso, rara- guração interior (insolação, ventilação, dimen-
para que ela seja efetivada.
mente fica explicitado seu impacto econômico são de cômodos). A virtual impossibilidade de Além disso, essa concepção aumenta a segrega-
na distribuição de oportunidades imobiliárias. dar conta do excessivo nível de detalhe, em ção social: os ricos tendem a se concentrar em
Em muitos municípios, a legislação de uso e muitos casos, joga na ilegalidade a maior parte áreas legisladas de forma mais restritiva (nor-
ocupação do solo é uma “caixa preta”, que das edificações (veja DICAS no 6). malmente são áreas residenciais, com pouco trá-
poucos conhecem profundamente e que, em O zoneamento é uma concepção da gestão do fego, com tamanhos mínimos de lote e padrões
não raros casos, é usada para atender interes- espaço urbano baseada na idéia de eleger os usos de adensamento que inviabilizam moradias de
ses particulares. Por má fé, desconhecimento, possíveis para determinadas áreas da cidade. baixo custo). Aos pobres são reservadas áreas
ou casuísmo, vai sendo alterada sem nenhu- Com isso, o que se pretende é evitar convivênci- cujas características de zoneamento, ao mesmo
ma preocupação com a totalidade. O resultado as desagradáveis entre os usos. A cidade é divi- tempo em que viabilizam a ocupação de baixo
é uma legislação cada vez mais complexa e dida em zonas industriais, comerciais, resi- custo, não lhe conferem qualidade de vida. Agra-
abstrata, que acentua as desigualdades exis- denciais, institucionais e em zonas mistas, que vando o quadro, os governos municipais ten-
tentes na cidade. combinam tipologias diferentes de uso. Em al- dem a fiscalizar mais fortemente a ocupação das
Um governo comprometido com a promoção da guns casos, esse zoneamento da cidade inclui áreas mais nobres da cidade, preservando assim
suas características de áreas privilegiadas. As se de abandonar a concepção da cidade enquanto trução (veja DICAS no 33).
áreas mais pobres quase não recebem atenção, e “máquina de morar e produzir”, onde cada área c) Mecanismos de apropriação social dos be-
seu padrão de ocupação e de edificações afasta- tem usos claramente diferenciados, exigindo nefícios da urbanização: Ao mesmo tempo
se das exigências mínimas da legislação, em fun- uma ênfase na infra-estrutura de transporte que em que se abandona o detalhamento excessi-
ção das necessidades e capacidade econômica suporte o deslocamento dos cidadãos das áreas vo da legislação (por exemplo, o zoneamento
de seus moradores. residenciais para as áreas de trabalho. Esse con- de uma quadra, a altura do batente de uma
A existência desses problemas não significa ceito é substituído pela valorização dos aspec- porta ou da caixa de correio), procura-se in-
que seja melhor não dispor de legislação urba- tos humanos, dando lugar especial às relações corporar ferramentas que assegurem a preser-
nística. Sem regulamentação alguma, a com- de vizinhança, entendendo a cidade enquanto vação dos direitos coletivos e o interesse da
petição livre das formas de ocupação simples- espaço de prática da cidadania e convívio soci- cidade. Em termos práticos, isto significa ado-
mente estimula a proliferação das mais lucrati- al. Em termos concretos, significa adotar uma tar mecanismos nos quais o empreendedor
vas, com graves prejuízos para a qualidade de regulamentação do espaço urbano menos rígi- assuma os ônus dos impactos gerados pelo
vida, e reduz as oportunidades de acesso à terra da, mas que garanta a qualidade de vida e per- empreendimento. Exemplos desses mecanis-
e à cidade. mita que a legislação acompanhe o processo de mos são a cobrança pelo direito de construir
transformação contínuo vivido pela cidade, que área adicional à do terreno (compensando a
normalmente valoriza a multicentralidade e a sobrecarga gerada pelo empreendimento so-
NOVAS mistura de usos. bre a infra-estrutura urbana), responsabi-
TENDÊNCIAS b) Desregulamentação e simplificação da le- lização do empreendedor pela solução dos
gislação: Tem-se buscado construir instrumen- transtornos gerados pelo empreendimento (por
Por conta das limitações dos instrumentos tradi- tos mais simples de controle do uso e ocupa- exemplo, construção de vias de acesso ou pas-
cionais de regulação do uso e ocupação do solo, ção do solo. A tônica desses novos instru- sarelas, isolamento acústico) e definição de
têm surgido nos últimos anos novas abordagens mentos é que a legislação explicite seus obje- áreas passíveis, ou não, de adensamento (para
de regulação da ocupação. Estas novas visões tivos e que o acesso à terra urbano seja demo- otimização do uso da infra-estrutura urbana).
apresentam três pontos centrais: cratizado. Assim, procura-se evitar o excesso É evidente que as construções populares e cer-
a) Rompimento da visão tradicional da cidade de regulamentação em itens menos relevan- tas atividades geradoras de emprego e renda
fragmentada em zonas especializadas: Trata- tes, especialmente quanto às normas de cons- podem ser isentadas deste ônus.

O QUE FAZER?
A revisão da legislação Uma vez realizada essa do município. Trata-se, Deve incorporar uma po-
urbanística deve ser en- etapa, define-se a abran- portanto, de um instru- lítica fundiária, que com-
tendida como um proces- gência da revisão da le- mento de política urbana bata a retenção de ter-
so complexo, exigindo gislação. Quase sempre geral. A revisão do Plano renos em áreas de aden-
planejamento e gerenci- ela começa com a elabo- Diretor deve, no campo samento desejável e de-
amento específicos. A ex- ração do Plano Diretor (ou da política imobiliária, sestimule a ocupação em
periência tem mostrado sua revisão), definindo as incentivar a oferta de re- outras áreas (seja por
que é importante envol- diretrizes urbanísticas sidências de padrão mé- restrições ambientais,
ver todos os setores so- para o desenvolvimento dio e padrão popular. seja para evitar deman-
ciais interessados: um da por expansão da in-
plano diretor ou outras fra-estrutura). Para mui-
peças da legislação ur- tas cidades, é necessário
FLUXOGRAMA DE REVISÃO DA
banística que não são promover a regularização
LEGISLAÇÃO DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO legal de áreas de ocupa-
debatidas com a socie-
dade dificilmente encon- ção de baixa renda.
tram apoio político para Baseado nos objetivos e
sua aprovação e imple- Avaliação da Definição do
Pré- Discussão macro-diretrizes urba-
mentação. Assim, é acon- Legislação á objeto de á á nísticas propostas no
Proposta Pública
selhável envolver a soci- existente alteração Plano Diretor, deve-se
á

edade desde a etapa de fazer o detalhamento


diagnóstico e avaliação da legislação de uso e
da legislação existente. Desenvol- ocupação do solo.
Discussão no Consolidação Nova
Nessa etapa, é interes- á da Proposta á ávimento da Do ponto de vista for-
Legislativo Discussão
sante fazer um levanta- Proposta mal, o Plano Diretor po-
mento do que “incomo- de conter a própria le-
da” na cidade: prédios, gislação de uso e ocupa-
enchentes, desmorona- ção do solo. Dessa for-
mentos, contaminação, ma, o plano já fica auto-
poluição sonora, etc. Autor: José Carlos Vaz - Consultora: Raquel Rolnik - Assis- aplicável.
tente de Pesquisa: Renato Cymbalista.
Revisão: Veronika Paulics
DISC DICAS: (011) 822-9076, Rua Joaquim Floriano, 462
CEP 04534-002 - São Paulo - SP - e-mail: polis@ax.apc.org

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