Você está na página 1de 2

desenvolvimento

urbano
I N S T I T U T O P Ó L I S

IDÉIAS PARA A AÇÃO MUNICIPAL

N o 181 2001

ESTATUTO DA CIDADE
Esta nova legislação permite ao poder público intervir no mercado de terras e nos processos
de urbanização, indo além da simples normatização dos usos dos territórios.

O s governos municipais enfrentam gran-


des dificuldades de controlar e orientar
os usos, o desenvolvimento e a expansão das
de regularização das posses urbanas. o Município poderá desapropriar o imóvel pelo
preço-base de cálculo do IPTU, pagando ao pro-
prietário com títulos da dívida pública (artigo 8º).
cidades. Dessa maneira, o crescimento e o de- INSTRUMENTOS DE Esse conjunto de instrumentos – edificação com-
senvolvimento das cidades ficam entregues prin- pulsória, IPTU progressivo e desapropriação
cipalmente ao comportamento dos mercados INTERVENÇÃO NO com pagamento em títulos da dívida pública –
imobiliários, formal e informal, que objetivam o pode representar uma possibilidade de intervir
atendimento imediato às demandas dos diferen- USO E OCUPAÇÃO efetivamente no crescimento da cidade, promo-
tes setores da cidade, de forma a maximizar os vendo uma ocupação mais intensa nas áreas onde
lucros dos empreendedores. DO SOLO a infra-estrutura é mais presente e dessa maneira
Agora, pela primeira vez na história brasileira, reduzindo a pressão pela urbanização das áreas

O
temos uma regulação federal para a política urba- periféricas, sem infra-estrutura e ambientalmen-
na, definindo uma concepção de intervenção no Estatuto da Cidade regulamenta dispo- te frágeis. Este combate ao espraiamento signi-
território que se afasta do tradicional caráter tec- sitivos que procuram combater a espe- fica também menores necessidades de desloca-
nocrático que apenas aponta os usos ideais ou culação imobiliária nas cidades. A partir de ago- mento, otimizando o uso da malha viária e das
desejáveis para cada parte do território. Após mais ra, áreas consideradas vazias ou subutilizadas redes de transporte público.
de dez anos de lutas, foi aprovado no Congresso situadas em regiões dotadas de infra-estrutura Estão também disponíveis no Estatuto instru-
o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capí- estão sujeitas à edificação e parcelamento com- mentos que permitem que o poder público fi-
tulo de política urbana da Constituição de 1988 pulsórios (artigos 5º e 6º). O município tem o nancie parte dos investimentos que realiza no
(artigos 182 e 183). Com ele, os municípios dis- poder de determinar os critérios de definição espaço urbano, de forma que os empreendedo-
põem de um marco regulatório para a política das terras que considera ociosas ou subutiliza- res paguem ao Município em torça do direito de
urbana, que pode levar a importantes avanços. das, e poderá definir prazos e condições para edificar – é o caso do solo-criado e das opera-
O Estatuto da Cidade dá respaldo constitucional a induzir o aproveitamento dos terrenos pelos pro- ções urbanas (artigos 28 a 34).
uma nova maneira de realizar o planejamento ur- prietários – no mínimo um ano para a entrada de
bano. Sua função é garantir o cumprimento da um projeto no órgão competente, e dois anos a
função social da cidade e da propriedade urbana, partir de sua aprovação para a efetiva edificação. INSTRUMENTOS DE
o que significa o estabelecimento de “normas de No caso do não-cumprimento dos prazos ou
ordem pública e interesse social que regulam o condições da edificação ou utilização compul- REGULARIZAÇÃO
uso da propriedade urbana em prol do bem cole- sória, o Município poderá aplicar sobre esses
tivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos” terrenos o instrumento do IPTU progressivo no FUNDIÁRIA
(art. 1o). Para isso, o Estatuto da Cidade coloca à tempo (artigo 7o). Esse instrumento consiste no

O
disposição dos municípios uma série de instru- aumento progressivo da alíquota de imposto
mentos que podem intervir no mercado de terras sobre a propriedade predial e territorial, por até utro conjunto de instrumentos previsto
e nos mecanismos de produção da exclusão. cinco anos consecutivos. A alíquota de IPTU no Estatuto da Cidade trata da regulari-
Os instrumentos que fazem parte do Estatuto si- poderá dobrar de ano a ano, podendo atingir um zação fundiária de áreas ocupadas e ainda não
tuam-se em três campos: um conjunto de novos máximo de quinze por cento do valor venal do tituladas. Grande parte de nossas cidades é cons-
instrumentos de natureza urbanística voltados para imóvel. Se o proprietário ainda assim não reali- tituída por assentamentos irregulares, ilegais ou
induzir – mais do que normatizar – as formas de zar o aproveitamento do terreno, a cobrança po- clandestinos, que contrariam de alguma forma
uso e ocupação do solo; uma nova estratégia de derá permanecer na alíquota máxima. os padrões legais de urbanização. Entretanto –
gestão que incorpora a idéia de participação direta Se após cinco anos de cobrança do IPTU pro- embora a urbanização de favelas seja defendida
do cidadão em processos decisórios sobre o des- gressivo o proprietário não tiver cumprido a obri- e praticada há décadas – a titularidade definitiva
tino da cidade; e a ampliação das possibilidades gação de parcelamento, edificação ou utilização, destas áreas para seus verdadeiros moradores
vem esbarrando em processos judiciais intermi- Ainda no campo da ampliação do espaço da bem como os critérios para sua aplicação. Al-
náveis e enormes dificuldades de registro junto cidadania no processo de tomada de decisões guns dos instrumentos podem exigir que sejam
aos cartórios. Para enfrentar esta questão, o Es- sobre o destino urbanístico da cidade, o Esta- feitas leis específicas para sua implementação.
tatuto aprovado no Congresso prevê a regula- tuto prevê o Estudo de Impacto de Vizinhança O Plano Diretor deverá contar necessariamente
mentação do usucapião urbano para regularizar para empreendimentos que a lei municipal con- com a participação da população e de associa-
posses em terrenos privados (artigos 9º ao 12). siderar como promotores de mudanças signifi- ções representativas dos vários segmentos eco-
Esse instrumento só se aplica para imóveis até cativas no perfil da região onde se instalar (ar- nômicos e sociais, não apenas durante o proces-
250 metros quadrados, que são a única moradia tigos 36 a 38). O Estudo de Impacto de Vizi- so de elaboração e votação, mas, sobretudo, na
do ocupante da terra há mais de cinco anos, sem nhança deverá levar em conta os efeitos positi- implementação e gestão das suas diretrizes. As-
contestação por parte do proprietário legal. O vos e negativos decorrentes dos grandes em- sim, mais do que um documento técnico, o Pla-
usucapião urbano pode ser concedido de forma preendimentos no que diz respeito à vida dos no é um espaço de debate dos cidadãos e de
coletiva, para um grupo de moradores que ocu- moradores das áreas próximas ao possível definição de opções, conscientes e negociadas,
pa um mesmo terreno. empreendimento, e deverá obrigatoriamente por uma estratégia de intervenção no território.
garantir o acesso aos documentos e a consulta Após sua aprovação na Câmara, o Plano Diretor
pública junto à comunidade afetada. precisa ser revisto periodicamente.
INSTRUMENTOS
DE GESTÃO COMO APLICAR DIFICULDADES
DEMOCRÁTICA
Para aplicar os instrumentos urbanísticos pre- O Estatuto da Cidade dá aos municípios o poder
DA CIDADE vistos no Estatuto, o Poder Executivo do muni- de interferir sobre os processos de urbanização
cípio deverá obrigatoriamente produzir um Pla- e sobre o mercado imobiliário. Isso significa
no Diretor, uma lei que deverá ser aprovada na que a Prefeitura pode mexer com práticas e pri-
O Estatuto incorpora a idéia da participação direta Câmara, que é o instrumento básico da política vilégios muito arraigados, principalmente no que
e universal dos cidadãos nos processos decisóri- de desenvolvimento e expansão urbana (artigos se refere aos maiores proprietários urbanos Tam-
os da política urbana, tornando obrigatória a par- 39 a 42). O Plano Diretor é obrigatório para bém as práticas clientelistas envolvendo a regu-
ticipação popular na definição da política urbana municípios com mais de 20 mil habitantes, e sua larização fundiária podem ser combatidas. Al-
(artigos 43 a 45). Estão previstos instrumentos função principal é expressar os instrumentos por guns setores provavelmente insistirão pela per-
como conferências e conselhos de política urbana meio dos quais o município vai garantir o cum- manência desses privilégios.
nos âmbitos nacional, estadual e municipal (veja primento da função social da cidade e da propri- É fundamental que a Prefeitura envolva ativa-
DICAS Nº 137), audiências e consultas públi- edade urbanas e garantir o atendimento às ne- mente os diferentes setores da sociedade nos
cas, além da obrigatoriedade de implementação cessidades dos cidadãos quanto à qualidade de debates dos instrumentos e do Plano Diretor.
do Orçamento Participativo (veja DICAS Nº 92). vida e justiça social. Apenas dessa maneira poderá ficar claro para
Estes instrumentos devem ser utilizados pelos Para implementar um Plano Diretor, o Executi- todos que em alguns casos é preciso que uma
municípios para abrir espaço para os interesses vo deve mobilizar uma equipe técnica, que fará minoria abra mão de seus privilégios para que
dos cidadãos em momentos de tomada de deci- uma leitura da situação e dos conflitos existen- sejam garantidos os recursos territoriais e mate-
são a respeito de intervenções sobre o território, e tes. A partir dessa leitura, será possível definir riais que permitirão um crescimento mais equili-
são obrigatórios nos Planos Diretores. quais são os instrumentos mais interessantes, brado da cidade.

RESULTADOS
Os potenciais resultados lizada dos assentamen- cutivo. O Legislativo tam- reção aos seus reais ob-
da aplicação democrática tos mais pobres passa a bém ganha, pois a supe- jetivos: a elaboração e
dos instrumentos propos- ser vista como um direi- ração das práticas clien- aprovação das leis e o
tos no Estatuto da Cida- to, e deixa de ser objeto telísticas pode elevar o acompanhamento crítico
de são muitos: a demo- de barganha política com patamar da política pra- da atuação do Executivo.
cratização do mercado de vereadores e o poder Exe- ticada na Câmara, em di- O Estatuto abre novas
terras; o adensamento possibilidades de prática
das áreas mais centrais e P ara ler a ínteg ra do Estatuto:
ínteg do planejamento e da
melhor infra-estrutura- gestão urbana, mas de-
das, reduzindo também a http://www.polis.org.br/publicacoes/download/111.html
pende fundamentalmente
pressão pela ocupação P ara ler ar tigos sobre o Estatuto:
artigos
de seu uso eficaz no nível
das áreas mais longín- de Raquel Rolnik: local. Mesmo havendo
quas e ambientalmente http://www.polis.org.br/publicacoes/artigosemanal.html perdas pontuais para al-
mais frágeis; a regulari- de Nelson Saule Jr.: guns dos grandes propri-
zação dos imensos terri- http://www.polis.org.br/publicacoes/artigos/estatuto.html etários urbanos, a coleti-
tórios ilegais. Do ponto de e vidade tem muito a ga-
vista político, os setores http://www.polis.org.br/publicacoes/download/112.html nhar com a democratiza-
populares ganham muito, ção do planejamento e da
à medida que a urbani- Autor: Renato Cymbalista. Consultores: Nelson Saule Jr. e Raquel gestão urbana que o Es-
zação adequada e lega- Rolnik. tatuto agora permite.
Instituto Pólis- Rua Cônego Eugênio Leite, 433 - São Paulo - SP - Brasil
CEP 05414-010 - Telefone: (011) 3085-6877 - Fax: (011) 3063-1098 -
http://www.polis.org.br - e-mail: dicas@polis.org.br

Você também pode gostar