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Introdução
O P E R AÇ Õ E S U R B A N A S : O Q U E P O D E M O S A P R E N D E R C O M A E X P E R I Ê N C I A D E S ÃO PA U LO ?

A partir de meados da década de 1980, em um con- Em 2001, a aprovação do Estatuto da Cidade2


texto de crise fiscal e diante da necessidade de assumir consolidou uma orientação única para os municípios
responsabilidades que antes estavam a cargo do gover- brasileiros quanto às diretrizes gerais para a política
no federal, vários municípios brasileiros começaram urbana, incluindo um capítulo sobre instrumentos
a explorar alternativas para viabilizar investimentos urbanísticos. Aí se identificou a intenção de reunir
em infraestrutura urbana. Foi nesse contexto que se as experiências e homogeneizar conceitos, contri-
desenvolveram os primeiros instrumentos por meio buindo para a segurança jurídica da aplicação dos
dos quais os municípios passaram a vender potencial instrumentos. A regulamentação nacional das ope-
construtivo, ou seja, a negociar direitos de construção rações urbanas no Estatuto da Cidade tomou como
com os interessados, o que permitiu a realização de referência a experiência paulistana da década de
investimentos em infraestrutura urbana sem compro- 1990. Desde então, chamado oficialmente de “ope-
meter o orçamento tradicional do município. ração urbana consorciada” (OUC), esse instrumento
Tais instrumentos tomaram como base o conceito vem sendo adotado em algumas das maiores cidades
do “solo criado”, concebido na década de 1970. Par- do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba,
tindo dessa ideia comum, foram propostos e experi- para viabilização de projetos urbanos em parceria
mentados localmente diversos modelos e formatos com o setor privado.
diferentes, que assumiram nomenclaturas diversas. De acordo com a legislação, a motivação para
Dentre eles se destacam as operações interligadas e o uso do instrumento deve ser a viabilização de
as operações urbanas. projetos que tenham como objetivo a realização de

2 Lei nacional que regulamenta os capítulos de política urbana da Constituição Federal de 1988 (Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001). Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm

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transformações urbanísticas estruturais; melhorias
sociais; e valorização ambiental. Para a implemen-
tação de uma OUC é preciso que o Plano Diretor Os CEPACs contam com registro
do município traga a previsão da utilização do na Comissão de Valores Mobiliários
instrumento. Então, cada Operação deverá ser regu- (CVM), órgão que regula o mercado
lamentada por uma lei específica, que detalha o pro- de capitais no Brasil. são vendidos em
jeto urbano e estabelece as regras e condições para leilões ou transações privadas e po-
sua implementação. dem ser adquiridos e vinculados a um
Para que se tenha uma ideia da dimensão que es- terreno dentro de uma determinada
ses projetos podem assumir, apenas duas operações Operação urbana. Não é necessário ter
paulistanas – Faria Lima e da Água Espraiada – ar- licenciamento prévio de um projeto de
recadaram mais de R$ 4 bilhões entre 2004 e 2015. edificação para compra do título. Essa
Esses recursos foram aplicados em obras como urba- característica de valor mobiliário per-
nização de favelas, implantação de linhas de metrô, mite que os CEPACs sejam negociados
construção de pontes, viadutos, realização de me- livremente depois do leilão original
lhoramentos viários, construção de ciclovias, praças feito pela prefeitura. É possível tam-
e outras intervenções em espaços públicos. bém que um agente financeiro, que
não seja o empreendedor que vai usar
O USO DO INSTRUMENTO o título no momento da construção,
DEVE SER A VIABILIZAÇÃO DE também compre os títulos no mercado
PROJETOS QUE TENHAM COMO ou mesmo no leilão inicial. há um lance
OBJETIVO A REALIZAÇÃO DE mínimo estabelecido pela Prefeitura
TRANSFORMAÇÕES URBANÍSTICAS no momento da emissão dos títulos, no
ESTRUTURAIS; MELHORIAS SOCIAIS; entanto, o preço efetivo de arremate
E VALORIZAÇÃO AMBIENTAL. e também de negociação no mercado
secundário é determinado pela relação
As operações não devem ser vistas como uma exce- entre oferta e demanda.
ção à lei, mas sim como uma iniciativa do município
para direcionar o desenvolvimento imobiliário para
uma determinada região — em detrimento de outras
áreas —, tendo como objetivo o crescimento mais or- Outro desafio que se coloca para o gestor público
denado da cidade, sempre tomando como referência é acertar o tamanho das áreas que serão escolhidas,
as diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor. de forma que as obras e outras intervenções que ve-
A análise da experiência acumulada feita neste nham a ser feitas na região de fato sejam percebidas
trabalho demonstra que a iniciativa privada pode pela população envolvida e resultem nos objetivos
não responder ou demorar a responder aos incen- previstos pelo Plano Diretor e pela própria Operação.
tivos desenhados em uma operação urbana. Nestes A escolha da melhor ferramenta para levantar
casos, as adesões 3 são reduzidas e/ou lentas. As os recursos também é algo que deve ser analisado
evidências indicam que as operações urbanas não caso a caso. Uma opção é o pagamento de outorga
criaram a demanda por empreendimentos imobiliá- ao município a cada licença de novo empreendi-
rios. O que elas fizeram, nos casos em que incentivos mento. Outra é a venda antecipada ao público in-
e restrições foram adequados, foi organizar parte teressado de Certificados de Potencial Adicional de
dessa demanda. Construção (CEPAC).

3 A adesão a uma Operação Urbana se efetiva no momento do licenciamento dos empreendimentos imobiliários propostos no perímetro de cada Operação. Ao aderir a uma
Operação Urbana o empreendedor imobiliário se compromete a pagar as contrapartidas correspondentes aos benefícios pleiteados.

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O CEPAC é um título de valor mobiliário que construtivo de seu terreno deve trocar CEPACs por
pode ser emitido pelo município no âmbito de uma metros quadrados adicionais de construção, vincu-
Operação Urbana Consorciada. Ele funciona como lando os títulos ao seu terreno.
uma moeda de troca para pagamento de contrapar- O dinheiro arrecadado com a venda dessas contra-
tidas por direitos adicionais de construção. Isto é, partidas destina-se a financiar obras na região, previs-
respeitados os limites máximos estabelecidos pela tas no plano da Operação, como exemplifica a FIGURA 1,
Operação, o interessado em ampliar o potencial retirada no site da de Prefeitura de São Paulo4.

FIGURA 1: EXEMPLO DE FUNCIONAMENTO DA OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA.


Fonte: Prefeitura de São Paulo.

Outro aspecto importante é que a compra do CE- Centro. Em 1995 foram aprovadas outras duas ope-
PAC ou pagamento de algum tipo de contrapartida rações: Faria Lima e Água Branca. Ambas já foram
só é devido por aqueles que quiserem usar o direito atualizadas em linha com o Estatuto da Cidade, a
de construção ampliado previsto em cada Operação. primeira em 2004 e a segunda em 2013. Por fim, a
Isso significa que é possível empreender em uma primeira OUC aprovada no país após a regulamen-
área de operação urbana sem comprar o CEPAC, tação nacional foi a Água Espraiada, em dezembro
desde que se respeite o limite de construção previsto de 2001.
como gratuito para aquela região da cidade. Com diferenças importantes entre si, estas quatro
Nesta nota técnica, são analisadas de forma crí- operações apresentam resultados expressivos que
tica e comparada quatro experiências de operações podem indicar caminhos para a utilização do instru-
urbanas desenvolvidas em São Paulo. A primeira mento em outros contextos e por outros municípios.
Operação Urbana aprovada na cidade foi a Anhan- Porém, há relativamente pouca informação sistema-
gabaú, em 1991. Em 1997, esta operação foi revista tizada sobre a experiência acumulada. Por exemplo,
e seu perímetro foi incorporado à Operação Urbana pouco se sabe sobre os diferentes modelos de gestão

4 http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/noticias/?p=19287

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e instrumentos financeiros que foram concebidos e análogos, em países como França, Japão, Colômbia,
que evoluíram ao longo das últimas duas décadas. Canadá e Estados Unidos. Eles ajudam a evidenciar,
Esta nota técnica organiza o conhecimento acu- ainda que sem entrar nos detalhes de cada caso, que o
mulado sobre as operações urbanas paulistanas, modelo adotado no Brasil tem características próprias
sistematizando evidências e apontando lições e reco- e, ao mesmo tempo, atestam que não existe uma ma-
mendações para desenvolvimentos futuros. O texto neira única de se realizar esse tipo de intervenção.
está organizado três seções, além desta introdução. A seção seguinte concentra o estudo de caso das
Na próxima seção há uma revisão bibliográfica so- quatro operações, com a descrição de dimensão e
bre projeto urbano, o histórico do instrumento no Bra- organização em setores, arrecadação financeira,
sil e também as características iniciais das primeiras destino dos recursos e estrutura de gestão. Por fim,
experiências de operações em São Paulo. Em boxes ao na última seção são apresentadas as considerações
longo do texto, são apresentadas também referências finais e algumas lições e recomendações, sistemati-
a exemplos internacionais de adoção de instrumentos zadas a partir da análise dessas experiências.

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Operação urbana
consorciada: histórico
do instrumento
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2.1. VISÃO GERAL não há uma fórmula única. Intervenções similares


podem ser viabilizadas por meios muito distintos
A operação urbana consorciada (OUC) é um ins- por conta de características locais, tais como marco
trumento urbanístico previsto na legislação brasilei- jurídico, experiências anteriores, capacidade técnica
ra para a intervenção em trechos do território. Este e financeira disponíveis, dentre outros fatores.
instrumento está referenciado internacionalmente Entre as intervenções que podem ser incluídas nes-
com a temática do projeto urbano contemporâneo. ta grande temática de projetos urbanos estão: a busca
Contudo, apesar de podermos enquadrar as Ope- de novas funções para áreas industriais de cidades e
rações Urbanas Consorciadas dentro deste grande para infraestruturas obsoletas, a reabilitação de cen-
tema, é preciso considerar as especificidades dos pro- tros históricos ou a construção de novas centralidades.
jetos viabilizados por meio deste instrumento. Inter- A escala dos projetos também varia, assim como
venções muito diversas entre si, realizadas em dife- o tipo de agente envolvido no seu desenvolvimento.
rentes partes do mundo, acabam sendo classificadas As formas institucionais de cooperação instituídas
sob a denominação comum de “projetos urbanos”. entre organizações públicas, semi-públicas e di-
Do ponto de vista teórico, a literatura indica que ferentes atores privados, com o fim de planejar e
o que se entende por projeto urbano contemporâneo implementar esses projetos complexos, também di-
é uma noção aberta5, que comporta várias aborda- ferem conforme o contexto da intervenção.
gens e está mais vinculada aos processos de defini- É possível identificar algumas semelhanças e dife-
ção e execução da intervenção do que a suas formas renças entre as diversas abordagens de projetos urbanos
ou resultados. Mesmo em relação aos processos, nos boxes que relatam as experiências internacionais.

5 Ver, por exemplo: Ascher, 2001; Portas, 2003 e Busquets s/d.

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2.2. BREVE HISTÓRICO DA Em outro documento, de 19807, a Prefeitura de
EXPERIÊNCIA PAULISTANA São Paulo apresenta a operação urbana como um
instrumento para “dinamizar a atividade imobiliária
As primeiras experiências com o uso de mecanis- através de projetos de urbanização integrados com
mos alternativos à arrecadação tributária para cap- finalidade social”.
tação de recursos a fim de promover intervenções Ainda segundo o texto, os projetos seriam via-
urbanas no Brasil saíram do papel nos anos de 1990, bilizados por meio da “negociação entre o poder
em São Paulo, embora o conceito já tivesse sido tema público e agentes do setor imobiliário”. Pelo mo-
de documentos técnicos e trabalhos acadêmicos na delo proposto, além de estabelecer os parâmetros
década de 1970. dos produtos imobiliários a serem produzidos
É de um texto de 1976, assinado pelo urbanista (lotes urbanizados e casas populares), a Prefeitu-
Luiz Carlos Costa, a primeira referência a uma ope- ra entraria com terras próprias ou adquiridas via
ração urbana encontrada na literatura brasileira6. O desapropriação e com parte da infraestrutura. O
texto apresenta a operação urbana como uma ferra- parceiro privado, por sua vez, poderia assumir des-
menta inovadora e obrigatória no âmbito das políti- de a simples construção de habitações populares
cas de desenvolvimento das cidades e lista entre seus e equipamentos públicos, sendo remunerado por
principais objetivos: esta atividade, até o papel de empreendedor imo-
‣‣ A obtenção de áreas para usos públicos, com biliário, com liberdade para exploração comercial
redução dos vazios urbanos; de áreas não reservadas aos fins sociais. Neste caso,
‣‣ A liberação de novas áreas para a iniciativa contudo, o agente imobiliário pagaria pelas terras
privada; utilizadas de modo que o poder público conseguisse
‣‣ A produção de unidades habitacionais populares; equilibrar lucros e subsídios internos do projeto. O
‣‣ A implantação dos equipamentos urbanos de modelo de gestão proposto pela Prefeitura de São
infra e superestrutura; Paulo traz ainda a exigência de uma “clara sistemá-
‣‣ O aproveitamento das áreas mais adequadas tica de acompanhamento pela comunidade” (SÃO
às potencialidades de sua posição e sítio; PAULO, 1980, p. 44).
‣‣ A melhoria de condições ambientais. Somente em 1985, em uma proposta de Plano
Pela definição do autor, as operações urbanas Diretor que acabou não sendo aprovada, a Prefeitura
seriam “empreendimentos de natureza imobiliária de São Paulo apresentou áreas específicas para im-
através dos quais o poder público assume a iniciativa plementação de operações urbanas, conforme mos-
do processo de produção do espaço urbano e partici- tra a FIGURA 2. Ao todo, foram sugeridas 35 operações
pa da valorização imobiliária que ajuda a provocar, urbanas, algumas delas em perímetros descontínuos.
visando a objetivos sociais e ao aumento de oportu-
nidades para atuação da iniciativa privada” (COS- A VALORIZAÇÃO
TA, 1976, p. 73). Em outras palavras, o texto, mesmo IMOBILIÁRIA PODE SER
sem precisar os meios para viabilizar as operações ALCANÇADA POR MEIO
urbanas, coloca a valorização imobiliária a ser al- DAS INTERVENÇÕES
cançada por meio das intervenções como principal COMO PRINCIPAL FONTE
fonte de financiamento. DE FINANCIAMENTO.

6 Publicado como parte da coletânea “Desafios Metropolitanos”


7 Trata-se de um texto intitulado “Política Global de Desenvolvimento Urbano e Melhoria da Qualidade de Vida”, quarto volume da série “Políticas Globais”, desenvolvida
pela Coordenadoria Geral de Planejamento (Cogep). A Cogep antecedeu a Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla). O órgão de planejamento municipal ganhou status de Secreta-
ria em 1982-83. Em 2009 foi criada a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), destacando as atividades relativas ao planejamento territorial das atividades de planeja-
mento geral e orçamentário da Prefeitura, que seguem a cargo da Sempla.

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ZONE D’AMENAGEMENT CONCERTÉ: FRANÇA

Frequentemente lembrada como o instru- ou por organização à qual o Estado delega


mento que inspirou as Operações Urbanas essa função. Essa organização – em geral uma
brasileiras, a Zone d’Amenagement Concerté sociedade de economia mista – promove os
(ZAC) consta do código de urbanismo fran- investimentos necessários em infraestrutura
cês desde 1967. Essa referência se perdeu no e revende os terrenos à iniciativa privada, in-
passado e as operações de fato implementa- corporando a valorização decorrente dos me-
das no Brasil até hoje diferem muito do mo- lhoramentos realizados no preço dos imóveis.
delo francês. Segundo Demeure, Martin e Ricard (2003
As primeiras ZAC foram concebidas como apud MACEDO, 2007), a iniciativa de pro-
procedimentos de flexibilização da legislação posição de uma ZAC sempre deve partir de
urbanística. Contudo, embora caracteriza- entes públicos ou entes que tenham status de
das como áreas de exceção, as ZAC não são pessoa pública na França. Uma ZAC pode ser
autônomas em relação ao sistema de planeja- proposta tanto pela esfera de governo nacio-
mento geral. A proposição de uma nova ZAC nal, quanto pela regional, departamental ou
sempre esteve condicionada à observação dos local. Órgãos públicos de desenvolvimento
objetivos da peça de planejamento que define urbano ou direcionados à produção de habi-
as diretrizes urbanísticas para a região em tação social também têm poder de iniciativa.
volta. Em 2000, uma alteração de seu marco Incluem-se ainda nessa relação: sindicatos
normativo definiu que as ZAC devem necessa- mistos, câmaras de indústria e comércio e
riamente estar previstas nos planos locais de portos e aeroportos autônomos com status de
urbanismo (PLU). pessoa pública.
O procedimento da ZAC pode ser utilizado O mais comum, no entanto, é que a pro-
para diversos fins, entre os quais: renovação posição de uma ZAC parta do governo local
ou reabilitação urbana, implantação de novos (commune), que detém a responsabilidade
bairros residenciais, implantação de ativida- urbanística sobre o território e a competên-
des industriais, comerciais, turísticas ou de cia sobre planos locais de urbanismo (PLU).
serviços; ou para a construção de instalações Sempre que proposta por outra instância,
de equipamentos coletivos públicos ou pri- uma ZAC deve ser submetida à aprovação da
vados. Genericamente, escolhem-se áreas de commune para ser viabilizada.
intervenção passíveis de serem transforma- Essa breve descrição esclarece que o ins-
das por projetos urbanos. Esses territórios trumento paulistano assumiu uma forma mais
são submetidos a procedimentos específicos pragmática e liberal, sem tanto controle do
de análise, diagnóstico, coordenação e acio- Estado, ou da agência que conduz a imple-
namento de atores e instituições públicas e mentação do projeto. Vale remarcar que as
privadas, até o projeto e a viabilização dos escalas de intervenção são bastante diversas.
empreendimentos (ASCHER, 1994). Para se ter uma ideia, a área d e abrangência
A ZAC permite que o poder público atue da OUC Água Espraiada é cerca de dez vezes
como um incorporador imobiliário. Uma vez maior que a da ZAC Rive Gauche. Assim, as
definida a área e o projeto de intervenção, OUC não promovem a transformação integral
todos os terrenos são adquiridos pelo Estado do território, como as ZAC.

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FIGURA 2: OPERAÇÕES URBANAS NO PLANO Enquanto nas áreas centrais as ações propostas
DIRETOR DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO 1985/2000. eram mais pontuais, nas periferias estavam previstas
Fonte: São Paulo, 1985.
grandes intervenções. Cada uma delas com um foco
diferente, que foi desde a ampliação de um parque até
a implementação de um projeto de urbanização em
torno de um terminal de transporte intermodal. As
ações relacionadas na proposta trouxeram como refe-
rências estudos de conjunto da área, de equipamentos
integrados e/ou setoriais, de empreendimentos e de
alterações no zoneamento (SÃO PAULO, 1985).
A proposta do Plano Diretor também teve um
viés social ao colocar a provisão habitacional como
objetivo-chave das operações urbanas, apresentadas
como uma forma inovadora de ação direta do poder
público para a urbanização de áreas. De acordo com
o documento, por meio da ferramenta, seria possível
promover alterações importantes no padrão de uso e
ocupação do solo, não só com o objetivo de concreti-
zar transformações urbanísticas em pontos estraté-
gicos da cidade ou no seu entorno, mas também para
viabilizar o assentamento programado de moradias
populares em áreas que não comportariam tal uso
nas condições correntes do mercado imobiliário
(SÃO PAULO, 1985, p. 196).
A Prefeitura de São Paulo sugeriu ainda trabalhar
as operações urbanas como um sistema, permitindo
níveis distintos de intervenção, além da possibilida-
de de financiamento cruzado entre operações urba-
nas deficitárias e superavitárias.

2.3. OPERAÇÕES INTERLIGADAS E O


CONCEITO DO “SOLO CRIADO”

Quando levadas à prática, as operações urbanas


A PROPOSIÇÃO DE
brasileiras e especificamente as paulistanas sofreram
UMA NOVA ZAC SEMPRE
mudanças desde as primeiras proposições conceitu-
ESTEVE CONDICIONADA
ais, na década de 1970. A alteração mais contundente
À OBSERVAÇÃO DOS
refere-se à sua forma de financiamento. Se inicial-
OBJETIVOS DA PEÇA DE
mente foram pensadas como uma estratégia ampla de
PLANEJAMENTO QUE
gestão da valorização imobiliária, na prática, foram
DEFINE AS DIRETRIZES
viabilizadas por meio da venda de potencial constru-
URBANÍSTICAS PARA A
tivo, ou seja, da negociação do direito de construção.
REGIÃO EM VOLTA.
Essa inflexão ocorreu a partir da experiência do mu-
nicípio de São Paulo com as “operações interligadas”,
instrumento precursor das operações urbanas que
tomou como base o conceito de “solo criado”.

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FIGURA 3: ILUSTRAÇÃO DO CONCEITO O conceito de solo criado foi desenvolvido por


DE SOLO CRIADO. pesquisadores do CEPAM, em São Paulo. Conforme
Fonte: CJ Arquitetura nº 16, 1977.
a definição do primeiro documento publicado pelo
grupo, “a criação de solo é a criação de áreas adi-
cionais de piso utilizável não apoiadas diretamente
sobre o solo” (MOREIRA et al, 1975). Deste conceito
decorrem três dispositivos: o coeficiente de apro-
veitamento (CA) único, a transferência do direito
de construir (TDC) e a proporcionalidade entre so-
los públicos e privados. Todos eles têm o intuito de
equalizar a parcela do valor da terra decorrente dos
diferentes critérios impostos pelo zoneamento. O ar-
gumento é claro: “a fixação de diferentes coeficientes
de aproveitamento em diferentes zonas leva a uma
valorização diferenciada dos terrenos” (MOREIRA et
al, 1975 apud MALERONKA e FURTADO, 2013, p.7).
O solo criado trouxe, portanto, a noção de que
é necessário isolar os efeitos econômicos do zonea-
mento, que, ao estabelecer parâmetros diferencia-
dos, confere valor aos terrenos urbanos. A adoção
do coeficiente de aproveitamento único para todos
os terrenos urbanos teria então essa função: a “edi-
ficabilidade” gratuita (inerente à propriedade) seria
a mesma para todos; o direito a construção além do
coeficiente único dependeria de critérios urbanísti-

TAX INCREMENT FINANCING (TIF): EUA

Tax Increment Financing (TIF) é um meca- e surgiu como uma estratégia de quitar dívi-
nismo de financiamento municipal que consi- das com a União. O uso do TIF tornou-se mais
dera a valorização futura dos imóveis propor- popular nos anos 1980 e 1990 nos Estados
cionada por um determinado investimento, e Unidos, com o declínio dos subsídios dos go-
securitiza o imposto predial referente a essa vernos estaduais e federal para o desenvolvi-
valorização, obtendo assim os recursos para mento econômico dos municípios.
viabilizar o investimento. No processo de secu- A ideia é que os investimentos realizados
ritização, uma Local Development Corporation pelo poder público no perímetro urbano se-
(Distrito TIF) emite títulos da dívida lastreados lecionado induzem também o investimento
na arrecadação futura de impostos, e assim an- do setor privado e, juntos, estes levam a uma
garia fundos para promover investimentos no valorização das propriedades ali localizadas.
perímetro de implementação do TIF. O incremento no valor das propriedades é
O instrumento foi primeiramente utilizado a base arrecadatória do TIF, mas também é
em 1952, no Estado americano da Califórnia, reserva de valor dos proprietários. Assim,

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cria-se uma relação “ganha-ganha”. Um as- rias futuras por meio de securitização.
pecto crucial deste mecanismo é então o de Em relação à OUC é importante esclare-
que o valor adicional arrecadado via TIF deve cer que o fundamento do financiamento via
ser reinvestido apenas dentro do perímetro CEPAC e via TIF é diferente. Embora ambos
delimitado, estimulando ainda mais o desen- considerem a obtenção de fundos para inves-
volvimento da área. timento em infraestrutura em um perímetro
No Brasil, a base legal impede que os im- determinado decorrente de uma valorização
postos – entre os quais o predial – tenham vin- futura, a valorização capturada pelo CEPAC
culação específica. Assim, a implementação é antes a valorização decorrente do aumento
do TIF no país dependeria de uma alteração do potencial construtivo do lote, que aquela
no marco normativo. A legislação também decorrente da melhoria geral da região, por
proíbe a antecipação de receitas orçamentá- conta dos investimentos realizados.

cos, conforme capacidade de suporte da infraestru- Contudo, é preciso ter em conta que a lógica da
tura, paisagem etc. E a diferença entre a construção operação interligada trazia um desvio significativo
gratuita e a requerida pelo dono do terreno, respei- em relação à conceituação do solo criado: o tra-
tado o limite máximo definido no Plano Diretor, es- tamento caso a caso. Se a ideia do solo criado era
taria sujeita ao pagamento de uma contrapartida ao igualar todos os proprietários de terrenos a partir
município. Desta forma, a valorização diferenciada do coeficiente de aproveitamento único, a operação
dos terrenos urbanos seria revertida para a coletivi- interligada fez justamente o contrário, exacerbando
dade, por meio dessa contrapartida8. a diferenciação.
Apesar do amplo debate teórico, a aplicação do Não à toa, as operações interligadas foram cer-
conceito no contexto paulistano só ocorreu dez anos cadas de controvérsias. A lei foi elaborada sob o
depois, e de forma parcial, por meio das “operações argumento de atender à requisição de um financia-
interligadas”. Aprovada em 1986, a lei que viabili- mento contratado com o Banco Mundial, que previa
zou o instrumento, conhecida como “lei de desfave- a realocação de moradores de áreas de risco, que
lamento”, permitia trocar exceções aos parâmetros seriam objeto de intervenção (AZEVEDO NETTO,
de uso e ocupação do solo estabelecidos pelo zone- 1994). Contudo, diz-se que haveria um objetivo não
amento pela construção de casas populares. E assim declarado por trás do dispositivo legal de “respon-
ocorreu na primeira versão delas. der às pressões do setor imobiliário” (WILDERODE,
Em 1992, a lei das operações interligadas foi 1997, p. 44). Em 1998, as operações interligadas
modificada para permitir que a contrapartida fosse foram suspensas definitivamente por ferirem a cons-
paga também em dinheiro. Assim, o instrumento tituição estadual ao permitir alterações pontuais no
inaugurou o pagamento por área adicional de cons- zoneamento (definido em lei), sem a anuência do
trução no contexto paulistano, abrindo caminho poder legislativo.
para a adoção de outros modelos de intervenção. Contudo, a abordagem pragmática que ganhou o
Em dez anos de vigência, as operações interli- instrumento, caracterizada pela flexibilização da nor-
gadas renderam cerca de US$ 122,5 milhões para a ma de uso e ocupação do solo a partir da cobrança de
Prefeitura de São Paulo (CPI-OI, 2002 apud SANTO- contrapartidas que, por sua vez, geram recursos para o
RO; CYMBALISTA, 2006). município, foi reproduzida nas primeiras experiências

8 Essa conceituação foi consolidada na “Carta do Embu”, documento síntese de um seminário sobre solo criado que ocorreu em 1976 e se tornou a principal referência no tema.

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BUSINESS IMPROVEMENT DISTRICTS (BID): CANADÁ, EUA E OUTROS

Business Improvement Districs (BID) são áre- algum tipo de cluster ou concentração de ati-
as em que todos os proprietários de imóveis, vidades do que em casos nos quais nos quais
por meio do pagamento de cargas adicionais se pretende promover uma transformação.
(taxas, impostos ou contribuições), se cotizam Em São Paulo, podemos localizar algumas
para a provisão de infraestrutura e/ou ser- ruas comerciais nas quais os comerciantes
viços para sua região. Em geral, os membros se organizaram para viabilizar melhorias de
pertencentes ao BID são donos de proprie- infraestrutura. Nesses casos, porém o poder
dades comerciais interessados em angariar público arcou com grande parte dos investi-
recursos para prover serviços relacionados à mentos e parte importante dos recursos priva-
limpeza, segurança, zeladoria, etc. dos foi obtida via patrocínio. Findas as obras,
Os primeiros BID surgiram na década de os arranjos não se mantiveram.
70 em Toronto (Canada), anos depois nos Es- O BID é, portanto, um instrumento que tem
tados Unidos e hoje estão presentes em várias pouca convergência com a OUC. Entre os as-
cidades do mundo. Sua implementação pode pectos divergentes, vale mencionar a relação
exigir lei específica. Nesse caso, a adoção de de parceria que se estabelece por meio de um
um BID pode ser condicionada à aprovação da ou outro mecanismo. Se nos BID a articulação
maioria dos proprietários de imóveis da área. entre privados é fundamental, nas OUC ela
Contudo, a partir do momento que um BID é praticamente inexiste, uma vez que a relação
implementado todos os proprietários atingi- de parceria se estabelece entre prefeitura e
dos são legalmente obrigados a contribuir. proponente privado (individual) no pagamen-
Este último aspecto é crucial para a solução do to de contrapartida. O espaço para participa-
habitual problema relacionado à provisão de ção coletiva nas OUC é o grupo de gestão que
bens públicos. cada Operação tem. Paritários (com o mesmo
Os BID também podem ser geridos por número de representantes da prefeitura e da
agências parcialmente públicas ou organiza- sociedade civil), os grupos de gestão monito-
ções sem fins lucrativos. Em geral, eles fun- ram o andamento dos projetos e aprovam as
cionam de forma relativamente autônoma ao prioridades de intervenção. Apesar de espaço
governo local. Independentemente da forma importante, a experiência mostra que a ativi-
de gestão, os BID existentes são pequenos o dade dos grupos de gestão têm pouca incidên-
suficiente para não impactar no orçamento cia na definição dos rumos de cada Operação.
municipal, ainda assim, eles levantam muitos Também, a escala marca uma diferença
questionamentos com relação ao seu poten- importante: nas OUC, por sua dimensão, os
cial de transformação da dinâmica de receitas benefícios proporcionados pelo investimento
e gastos do setor público. em serviços e infraestrutura dificilmente são
A proposição de um BID tem muito mais percebidos por todos os proprietários da área,
chance de prosperar em locais onde já existe diferentemente dos BID.

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de operações urbanas na cidade de São Paulo. O con- Orgânica do Município de São Paulo de 1990, base
ceito inicial de promover intervenções estratégicas no para a aprovação da primeira operação urbana na ci-
território, com objetivos claros de transformação, espe- dade. O texto diz que “o Município poderá, na forma
cialmente no âmbito social, foi substituído pela inten- da lei, obter recursos junto à iniciativa privada para
ção de atrair a iniciativa privada e arrecadar recursos. a construção de obras e equipamentos, através das
Esta abordagem está presente, inclusive, na Lei operações urbanas”. Ou seja, a finalidade da opera-

LAND READJUSTMENT: JAPÃO

O Land Readjustment é uma forma de reor- vidos, apesar de receberem áreas menores após
ganização de áreas rurais ou urbanas, associa- o reparcelamento, acabam sendo compensa-
da à implementação de nova infraestrutura, de dos por um maior valor por metro quadrado.
forma compartilhada entre o poder público e o Apesar de ser adotado em diversos países
privado. Seu desenvolvimento tem como ele- do mundo, o Land Readjustment é uma fer-
mento chave o reploting, também chamado de ramenta chave do planejamento urbano no
“reparcelamento de terras”. Japão. A aprovação do instrumento é feita por
A partir de um projeto de desenho urbano meio de lei específica, já sua execução e gestão
pré-definido, antigas parcelas de terras são ficam a cargo de uma agência técnica.
transformadas em novos lotes, com novos Essa agência pode ser formada pelo setor
acessos, áreas verdes, equipamentos públicos público (diretamente ou por meio de autar-
etc. Essa transformação ocorre realocando quias), pelo setor privado, ou por uma com-
temporariamente proprietários e inquilinos binação entre os dois setores. Uma atribuição
dos imóveis localizados no perímetro que será crucial dessas agências é a coordenação da
readequado para a implementação dessas no- interlocução com os prestadores de serviços
vas infraestruturas. (construtoras, incorporadoras etc.), e, sobretu-
Em geral, após o reparcelamento, os proprie- do, com proprietários e inquilinos envolvidos.
tários recebem imóveis com áreas menores do O diálogo com esse último grupo pode ser um
que as anteriores. E esse decréscimo de área é enorme desafio, uma vez que para a efetivação
chamado de “taxa de contribuição”. Essa taxa do Land Readjustment um determinado número
sob a forma de terras permite a constituição de de proprietários integrantes do projeto deve
uma reserva pública de terrenos destinada a fu- concordar com as condições e diretrizes estabe-
tura comercialização. Os recursos obtidos com lecidas pelo poder público — incluindo perder
a venda desses terrenos pelo poder público são, um pedaço de terreno em troca de uma possível,
muitas vezes, destinados à viabilização de infra- mas não garantida, valorização do imóvel.
estruturas e equipamentos comunitários. Quando não existe acordo para participa-
É importante notar que esse tipo de inter- ção voluntária da população local, buscam-se
venção tem como base o pressuposto de que o alternativas para viabilização do projeto,
preço dos terrenos e imóveis, após o reploting, como, por exemplo, desapropriações e con-
apresentará valorização por conta das melho- cessões de exclusão da propriedade mediante
rias de infraestrutura e do aumento da densida- pagamento de impostos adicionais. Em alguns
de construtiva, ambas decorrente do próprio casos, essa discordância com proprietários
projeto. Nesse sentido, os proprietários envol- pode levar até à paralisação do projeto.

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O P E R AÇ Õ E S U R B A N A S : O Q U E P O D E M O S A P R E N D E R C O M A E X P E R I Ê N C I A D E S ÃO PA U LO ?

ção urbana aí expressa restringe-se ao financiamen- urbanísticos no lugar de promover transformações


to de investimentos públicos. urbanísticas. A análise das operações urbanas imple-
mentadas na cidade de São Paulo na década de 1990
2.4. AS PRIMEIRAS OPERAÇÕES – Anhangabaú-Centro, Faria Lima e Água Branca –
URBANAS PAULISTANAS corrobora esta constatação.
Além da venda de potencial construtivo, a trans-
A aprovação da primeira operação urbana na ferência de potencial construtivo, a alteração de uso
cidade de São Paulo, batizada de Anhangabaú, ocor- e a regularização de edificações construídas em desa-
reu em 1991. Na ocasião, a Empresa Municipal de cordo com a legislação vigente também foram usadas
Urbanização (EMURB) – órgão ao qual foi atribuída como “moeda de troca”, embora em menor escala.
a condução das operações no município – publicou
um encarte especial na Revista Projeto no qual apre- 2.4.1. Anhangabaú: a primeira experiência
senta o instrumento. Ao introduzir o mecanismo, a
referência à operação interligada é direta. No texto, O objetivo da Operação Urbana Anhangabaú (Lei
a operação urbana é apresentada como “um meca- nº 11.090, de 16 de setembro de 1991) era recuperar
nismo jurídico e financeiro de intervenção na cidade os recursos investidos na reurbanização do Vale do
[...] [que] procura conciliar a potencialidade e as Anhangabaú e do Bulevar São João. Foi definido um
necessidades do poder público com a potencialidade perímetro relativamente pequeno (84 hectares), a
e as necessidades da iniciativa privada” (LEFÈVRE, partir da área de influência imediata das obras já em
1991a, p. 55). Apresenta-se, assim, uma definição processo de execução. A previsão era que a opera-
genérica que, em princípio, enseja várias modali- ção durasse três anos e fossem negociados 150 mil
dades de parcerias, ou seja, “trocas” diversas entre metros quadrados de área adicional de construção
poder público e iniciativa privada. (LEFÈVRE, 1991b).
Contudo, não houve muitas adesões. Durante o
O LAND READJUSTMENT É primeiro ano de vigência da operação foram apre-
UMA FERRAMENTA CHAVE DO sentadas apenas cinco propostas, três das quais para
PLANEJAMENTO URBANO NO JAPÃO. a regularização de construções em desacordo com a
A APROVAÇÃO DO INSTRUMENTO É legislação vigente (CASTRO, 2006). Vale notar que o
FEITA POR MEIO DE LEI ESPECÍFICA, coeficiente de aproveitamento da região já era rela-
JÁ A EXECUÇÃO E GESTÃO FICAM A tivamente alto, o que, ao lado do desinteresse geral
CARGO DE UMA AGÊNCIA TÉCNICA. do mercado pela região, possivelmente foi um fator
determinante para a escassez de propostas.
Entretanto, ao detalhar seu funcionamento, o tex- Em setembro de 1994 a operação expirou e, em
to afirma que “a operação urbana é um mecanismo 1997, seu perímetro foi incorporado pela Operação
que parte de um princípio semelhante ao da operação Urbana Centro (Lei 12.346, de 6 de junho de 1997).
interligada” (LEFÈVRE, 1991a, p. 55). A diferença De acordo com Heck (2004), a formulação da Ope-
destacada é a destinação dos recursos, que, em vez ração Centro partiu do diagnóstico do insucesso do
de serem empregados exclusivamente na construção processo de implementação da Operação Urbana
habitacional, financiariam obras de outra natureza. Anhangabaú. Além da concessão de incentivos, o
Assim, fica claro que a estratégia adotada foi con- perímetro da operação foi ampliado para 582 hec-
duzir a operação urbana pelo caminho aberto pela tares e não foi determinado prazo para o término
operação interligada. Abriu-se mão de recuperar as da operação. A Operação Urbana Centro também
discussões teóricas acumuladas até aquele momento não “estabeleceu um programa de obras e investi-
e optou-se por privilegiar, nas primeiras operações mentos, sendo atribuída à Comissão Executiva desta
urbanas implementadas em São Paulo, a comer- operação a definição dos investimentos a serem
cialização de potencial construtivo e parâmetros realizados” (MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 90).

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Desta forma, procurou-se ampliar as possibilidades Como era facultado ao empreendedor escolher
de participação de investidores privados. em um rol de obras aquela que iria executar como
Sandroni (2001) relata que, em cerca de três anos contrapartida – desde que estabelecida a correspon-
de vigência, a Operação Urbana Centro recebeu oito dência de valores – ficou a cargo deste parceiro o
propostas, três das quais aprovadas como regulari- prolongamento da Avenida Auro de Moura Andrade
zação onerosa de edifícios e uma como acréscimo e a restauração da Casa das Caldeiras, vizinhos a
de área. A cifra arrecadada com os quatro projetos seu empreendimento (MAGALHÃES JR, 2005). De
aprovados não é irrelevante – cerca de US$ 5,5 mi- acordo com Heck (2004), a empresa proponente
lhões (SANDRONI, 2001) –, porém, a quantidade e ficou inadimplente por um longo período e as obras
a natureza das propostas revelam que a orientação viárias previstas só foram concluídas parcialmente.
assumida pela operação estava equivocada. Até 2001, além do projeto do centro empresa-
rial, apenas uma proposta – de um total de cinco
2.4.2. Água Branca: aprendizado apresentadas – havia sido aprovada no âmbito da
Operação Urbana Água Branca (HECK, 2004). Isso
A Operação Urbana Água Branca (Lei nº 11.774, não significa, contudo, que a área não tenha sofrido
de 18 de maio de 1995) também corroborou a ideia de transformações no período considerado. Magalhães
que é a adesão do mercado imobiliário o fator deter- Jr (2005) atenta para o fato de que, após a institui-
minante para o sucesso da intervenção. Instituída em ção da operação, foram realizados empreendimen-
uma antiga região industrial, segmentada pela linha tos no perímetro que não usufruíram dos benefícios
férrea e onde predominavam grandes glebas, seu pe- disponibilizados pelo instrumento, revelando que o
rímetro foi definido em 505 hectares. O objetivo da zoneamento da área estava adequado à expectativa
operação era substituir o uso industrial da área princi- do mercado imobiliário para o local. Ainda segundo
palmente por atividades do setor terciário (CASTRO, ele, a grande atividade imobiliária na região não de-
2006). Foi definido um estoque adicional9 de 300 mil correu da operação urbana, mas da implantação do
metros quadrados de área residencial e 900 mil me- Terminal Intermodal da Barra Funda, uma vez que
tros quadrados de área para usos não residenciais. as grandes glebas e quadras no interior do perímetro
Neste caso, admitiu-se a possibilidade de paga- da operação permaneceram estagnadas.
mento das contrapartidas com a execução de obras Por essa análise, fica claro que o insucesso da
públicas previstas no plano da operação (MONTAN- Operação Urbana Água Branca não deve ser atribu-
DON; SOUZA, 2007). Estas obras, segundo Heck ído exclusivamente à falta de interesse do mercado.
(2004), não configuravam um plano urbanístico, Há indícios de que os parâmetros estabelecidos pela
mas o agrupamento de uma série de intervenções operação foram inadequados. Além dos índices
pontuais para resolver problemas recorrentes de originais de uso e ocupação do solo, questões funda-
drenagem e do sistema viário da área. mentais como a acessibilidade das grandes glebas e
Tal qual a Operação Urbana Anhangabaú-Cen- a transposição da linha férrea estavam ausentes ou
tro, a Operação Urbana Água Branca não decolou em insuficientemente contempladas no plano da opera-
um primeiro momento. O primeiro parceiro privado ção. Essa experiência indicou, ainda, que delegar ao
a aderir à operação enfrentou dificuldades finan- parceiro privado a execução de obras públicas não
ceiras durante a execução de seu projeto, o Centro foi uma alternativa eficaz, na medida em que o risco
Empresarial Água Branca. De doze torres previstas, do empreendedor contaminou a operacionalização
apenas quatro foram construídas (CASTRO, 2006). da intervenção pública.

9 Que poderia ser utilizado acima do potencial definido pelo coeficiente de aproveitamento básico de cada terreno (então, igual a 1,0 ou 2,0, dependendo da localização) até o
coeficiente de aproveitamento máximo estabelecido pela operação (igual a 4,0).

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2.4.3. Faria Lima: sucesso financeiro processo de valorização e expansão imobiliária.


Ali, o propósito da aplicação do instrumento foi
A associação direta entre o sucesso da operação muito mais apropriar-se dessa valorização que pro-
urbana e o interesse do mercado deve-se, em grande mover uma transformação efetiva da área (SAN-
parte, à Operação Urbana Faria Lima (Lei nº 11.732, DRONI, 2001).
de 14 de março de 1995). Embora seus resultados O principal mecanismo de arrecadação da Ope-
físico-urbanísticos sejam bastante controversos, ração Urbana Faria Lima foi a venda de potencial
do ponto de vista da arrecadação, ou da adesão do adicional de construção. Conforme a lei que criou a
mercado, seu sucesso é inquestionável. Entre 1995 operação, em 1995, os CEPACs seriam emitidos nos
e 200310 foram aprovadas 115 propostas e arreca- moldes de um título para negociação em bolsa de
dados cerca de US$ 280 milhões (BIDERMAN; SAN- valores, a fim de conferir transparência ao processo
DRONI; SMOLKA, 2006). de definição das contrapartidas e antecipação dos
Mas é preciso ter em conta que, quando da apro- recursos. Esta proposta, porém, não chegou a ser
vação da operação urbana, as obras de extensão regulamentada11. Assim, o cálculo e a negociação
da avenida já haviam sido iniciadas e a região no das contrapartidas pagas foram estabelecidos caso a
entorno da Avenida Faria Lima já estava em franco caso, o que gerou grandes distorções12.

10 Em 2004 a OU Faria Lima foi revisada e transformada na OUC Faria Lima, em acordo com o Plano Diretor Estratégico (2002) e com o Estatuto da Cidade (2001). A partir des-
sa revisão, a forma de pagamento das contrapartidas foi alterada com a adoção de leilões periódicos de certificados de potencial adicional de construção (CEPAC) para tal.
11 Uma hipótese aventada por Sandroni (2001) para a não adoção dos CEPAC neste momento é que a gestão dependia muito dos recursos da OU no curto prazo e o grau de incer-
teza trazido por um produto financeiro novo, como o CEPAC, não se adequava às pretensões daquela gestão. Além disso, a emissão de CEPAC poderia causar alguma interferência na ma-
nobra da emissão de títulos da dívida pública municipal (conhecidos como precatórios e, mais tarde, provada fraudulenta) como forma de capitalização da prefeitura (SANDRONI, 2001).
12 Estudo elaborado por Sandroni (2006) revela que os preços pagos por metro quadrado adicional de construção na operação urbana Faria Lima variaram de R$ 53,00 a R$
813,00. Quando comparados aos valores correspondentes da Planta Genérica de Valores (PGV) então vigente, essa variação é de 9,1% a 141,6%.
Estudo elaborado por Sandroni (2006) revela que os preços pagos por metro quadrado adicional de construção na operação urbana Faria Lima variaram de R$ 53,00 a R$ 813,00. Quando
comparados aos valores correspondentes da Planta Genérica de Valores (PGV) então vigente, essa variação é de 9,1% a 141,6%.

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PLANES PARCIALES: COLÔMBIA

Os Planos Parciais são a versão colombia- centuais de terreno destinados à habitação de


na do Land Readjustment. interesse social. Posteriormente, é delimitado
O instrumento foi regulamentado na Co- o montante de investimento necessário para a
lômbia em 1997 e permitiu, por exemplo, que área e, enfim, calculados os custos de urbani-
o município de Bogotá obtivesse terrenos de zação e seus benefícios.
forma gratuita, ou a custos baixíssimos, que Mais do que um instrumento de planeja-
puderam ser destinados à provisão de infraes- mento, os Planos Parciais são também instru-
trutura e a habitações de interesse social. mentos de gestão. Sua efetivação exige que
Os Planos Parciais são implementados, em o poder público e o setor privado (sobretudo
geral, em dois contextos: proprietários de imóveis) cheguem a um acor-
• Em áreas não urbanizadas, mas cuja do sobre as distribuições de custos e benefícios
vocação é urbana; do projeto. Nesse sentido, é papel do município
• Em perímetros em que se busca a re- estabelecer obrigatoriedades aos proprietários
novação urbana (mudança de uso) ou envolvidos. Ao mesmo tempo, o reconheci-
adensamento construtivo. mento de que a transformação urbana trará a
A promoção dos Planos Parciais na Co- valorização dos terrenos e é o que possibilita o
lômbia pode ser pública, privada ou mista, financiamento dos investimentos necessários.
mas em qualquer um dos casos deve seguir os Embora entendidos como instrumentos
parâmetros e condições estabelecidos nos Pla- de intervenção para escala intermediária,
nos de Ordenamento Territorial (POT). tanto o Land Readjustement, quanto o Pla-
O conteúdo dos Planos Parciais inclui uma no Parcial incidem em áreas menores que
definição dos imóveis incluídos no seu perí- as OUC e preveem o envolvimento de todos
metro, bem como um cálculo do valor de cada os proprietários no projeto, diferentemente
um deles. Também é papel do Plano definir: das OUC. O aumento de densidade é uma
o desenho urbano desejado (localização das possibilidade, mas não um requerimento da
áreas públicas, dos lotes privados, das vias, implementação desses instrumentos. E os
etc.); os parâmetros de mudança nos tama- projetos se financiam com a valorização da
nhos de lotes e terrenos; uso e ocupação do terra que é revertida diretamente em obras
solo urbano na área de intervenção; e os per- ou em terra para o poder público.

2.5. LEI NACIONAL: MARCO QUE geral, visando a melhoria e a valorização ambiental”
CONSOLIDA O INSTRUMENTO (SÃO PAULO, 1995, art. 1º), o artigo 32 do Estatuto
da Cidade define a operação urbana consorciada
Apesar de ter sido envolvida em certa polêmica, como um “conjunto de intervenções e medidas
a Operação Urbana Faria Lima foi tomada como a coordenadas pelo poder público municipal, com a
grande inspiração para o texto que consta no Esta- participação dos proprietários, moradores, usuários
tuto da Cidade. Enquanto a lei paulistana menciona permanentes e investidores privados, com o objetivo
um “conjunto integrado de intervenções coorde- de alcançar em uma área transformações urbanís-
nadas pela Prefeitura [...] com a participação dos ticas estruturais, melhorias sociais e a valorização
proprietários, moradores, usuários e investidores em ambiental” (BRASIL, 2001, art. 32).

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Ou seja, a lei nacional assumiu a redação da lei urbana consorciada” (OUC). Além de uma possível
paulistana, mas introduziu como objetivo “trans- recuperação da francesa ZAC15 como referência –
formações urbanísticas estruturais” e qualificou muito clara nas propostas de 1976 e 1985, mas que
as melhorias almejadas pela operação como “so- se perdeu a partir da experiência dos anos 1990
ciais”. Também, os certificados de potencial adi- –, o adjetivo “consorciada” valoriza a ideia da
cional de construção propostos na OU Faria Lima associação dos parceiros, expressa no artigo 32, e
foram incorporados pelo Estatuto da Cidade13. Não obrigatória como controle social, segundo o artigo
há, entretanto, na lei nacional nenhuma menção 33. A introdução das expressões “transformações
especificando o formato do CEPAC, ou qualquer urbanísticas estruturais” e “melhorias sociais” na
recomendação no sentido de que sejam tratados definição dos objetivos das operações consorcia-
como títulos mobiliários tal como propostos ini- das também não é supérflua. A partir desta regu-
cialmente em São Paulo. Ainda assim, a regula- lamentação, os objetivos das intervenções passam
mentação nacional forneceu as bases legais para a ter de estar bem fundamentados e seus impactos
que cada município pudesse lançar tais certifica- sociais, equacionados16.
dos no formato que julgassem adequados, inclusi- O instrumento ratificado pelo Estatuto da Cidade
ve como títulos mobiliários. parte, portanto, da concepção paulistana de ope-
A regulamentação nacional das operações ur- rações urbanas, trazendo inovações significativas.
banas resume-se a três artigos14. O primeiro (art. Ainda que dê destaque às contrapartidas, não se
32) traz a definição do instrumento, como consta restringe a elas e deixa em aberto a possibilidade da
na transcrição acima, e sugere, “entre outras me- introdução de outros elementos como itens de nego-
didas” (BRASIL, 2001b, art. 32), que no perímetro ciação. A obrigatoriedade do controle compartilha-
das operações urbanas poderão ser alterados índices do entre Estado e sociedade civil é um passo no senti-
urbanísticos e regularizadas edificações construídas do da gestão democrática. E o objetivo de promover
em desacordo com a legislação. O segundo estabele- transformações urbanísticas estruturais remete à no-
ce a necessidade de um plano prévio e traz a maior ção de projeto urbano. Ao menos no papel, portanto,
novidade da regulamentação nacional: a exigência essas inovações melhoraram o instrumento.
de uma “forma de controle da operação, obrigatoria- Tendo como base a regulamentação nacional, São
mente compartilhado com representação da socie- Paulo aprovou pouco depois duas operações urbanas
dade civil” (BRASIL, 2001b, art. 33). Finalmente, o consorciadas17: Água Espraiada, em 2001, e Faria
último artigo, como já mencionado, trata da possibi- Lima, em 2004, esta última a partir da atualização
lidade de emissão de CEPAC no âmbito da operação. da lei de 1995. A avaliação comparada dessas duas
É relevante também a nomenclatura que o ins- OUCs, bem como em relação às operações urbanas
trumento assume, passando a se chamar “operação Centro e Água Branca, estão na próxima seção.

13 “A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de
construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação” (BRASIL, 2001, art. 34).
14 Em 2015, a Lei nº 13.089, conhecida como “Estatuto da Metrópole” introduziu um novo artigo (34a) na seção que trata das Operações Urbanas Consorciadas. Este artigo pre-
vê a possibilidade da realização de er realizadas operações urbanas consorciadas interfederativas, aprovadas por leis estaduais específicas.
15 A tradução direta do “concerté” francês para o “concertada” em português geraria um duplo sentido indesejável por conta do homófono “consertada”.
16 As OU paulistanas foram muito criticadas por se apoiarem unicamente em obras viárias e promoverem processos de gentrificação.
17 Em 2013 foi aprovada a Operação Urbana Consorciada Água Branca, revogando-se a lei anterior. O primeiro leilão de CEPAC dessa operação ocorreu apenas em março de
2015 e até janeiro de 2016 não houve nenhuma adesão à operação. Por se tratar de um projeto ainda em fase inicial, não foi objeto de nossa análise.

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QUADRO 1: SÍNTESE DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL.
Fonte: Elaborado pelos autores.

ABRANGÊNCIA/ FONTE DE
INSTRUMENTO PAÍS INICIATIVA GESTOR
ESCALA FINANCIAMENTO

Administração pública –
Operação Subordinada ao nível municipal;
CEPAC: potencial
Urbana Plano Diretor, SP: empresa pública;
Brasil Pública construtivo + expectativa
Consorciada de 500 a 1500 RIO: empresa pública;
de valorização
(OUC) hectares CURITIBA: administração
direta.

Subordinada Valorização da terra por


Zone Pública,
ao PLU, meio de operações de Empresa pública,
D’Amenagement França privada
em torno de aquisição, desenvolvimento de economia mista
Concerté (ZAC) ou mista
100 hectares e venda.

Agências semi públicas


Business Canadá, Cotização dos agentes, ou organizações sem fins
Privada
Improvemnt EUA e Variável lastreada na expectativa de lucrativos (geralmente tem
ou mista
Districts (BID) outros valorização. autonomia em relação ao
governo local)

Tax Increment Títulos lastreados em Administração pública –


EUA Pública Variável
Financing (TIF) valorização futura nível municipal

Expectativa de valorização
Japão e Subordinada
Land da terra proporcionada
outros Pública ao POT, Agência pública ou
Readjustment/ tanto por mudança
países/ ou privada de 10 a 300 empresa privada
Plan Parcial normativa quanto por
Colômbia hectares
infraestrutura

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