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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES

Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA


Curso de Direito – 5º período matutino
Disciplina: Direito Coletivo
Profª.: Érika Daniella Rodrigues Oliveira Rabelo

Ane Caroline Cardoso Alves


Ednilza Amorim Jardim
Gabriel Souto Mendes Torres
Giovanna Maria Mendes Rodrigues
Glenn Felipe Gomes Ferreira
Gustavo Henrique Lafetá Almeida
Letícia Oliveira Araújo
Maria Fernanda Braga e Silva
Maria Regina Mesquita Guisso Lopes
Monique Silvia Almeida Soares
Thaisa Bruna de Jesus Silva
Venâncio Vieira Barros

DEFESA DOS GRUPOS ÉTNICOS E DAS MINORIAS NO ÂMBITO DO


MINISTÉRIO PÚBLICO

Montes Claros (MG)


Junho/2020
1 INTRODUÇÃO
Sociologicamente, as minorias são grupos históricos marcados pela exclusão do
processo básico de garantias por questões étnicas, de origem, financeiras, gênero e sexualidade,
como também por vulnerabilidade social, idosos e portadores de necessidades especiais. Dessa
forma, há uma maior dificuldade em garantir a plenitude de seus direitos básicos.
Como exemplo disso, pode-se citar a questão do racismo. No Brasil, há um histórico
de mais de 300 anos de escravidão, desde o início da colonização. Após abolição da escravatura,
em 1888, os negros que foram libertos permaneceram em situação precária, pois não tiveram
nenhum tipo de assistência; seja por meio de profissionalização, educação, moradia,
alimentação ou acesso à saúde.
Além do racismo, cita-se a questão da homofobia. Atualmente, os grupos que se
encaixam na comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Transsexuais, Queer, Intersexuais,
Assexuais e outros) sofrem perseguições, advindas, a partir do momento em que a moral
judaico-cristã tornou-se hegemônica. Isto posto, é comum agressões físicas, verbais e
psicológicas sofridas pela comunidade.
Cumpre ressaltar que, por conta de uma sociedade baseada no patriarcado, mulheres
são excluídas de tratamentos igualitários aos homens no que tangem direitos, como exemplo a
diferença salarial, em casos que elas exercem a mesma função que homens e são remuneradas
com um valor menor.
Também preponderam casos de discriminação devido a condições de pobreza
enfrentadas por diversas pessoas de baixo poder aquisitivo ou que vivem abaixo dessa linha,
em condições de miséria, morando nas ruas, sem direitos básicos.
Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo abordar e discutir a aplicabilidade
de políticas sociais e jurídicas na defesa dos direitos de grupos étnicos e minorias, com intuito
de aperfeiçoar, conscientizar e ajudar na melhoria de direitos e garantias dessas pessoas em
nossa sociedade. Para tanto, o assunto foi dividido em tópicos: democracia; grupos étnicos e
minorias; discriminação positiva; defesas de interesses transindividuais ligados à proteção das
minorias através do Ministério Público em Montes Claros.
Logo, o nosso grupo convidou os promotores: Dr. Mário Konichi Higuchi Júnior,
Dr. Paulo César Vicente de Lima e Dr. Guilherme Roedel Fernandez Silva para uma entrevista
por meio de vídeo conferência na plataforma Google Meet e por meio de áudios no WhatsApp,
onde foi explanado o trabalho do Ministério Público ante os problemas e preconceitos
enfrentados por algumas minorias listadas. Por conseguinte, os temas foram divididos para os
colegas da seguinte forma: Introdução – Glenn Felipe; Definição de grupos étnicos e minorias
– Thaísa Bruna; Discriminação positiva e direito à igualdade – Venâncio e Gabriel; Defesa dos
interesses transindividuais ligados à proteção de minorias – Maria Regina e Gustavo; Direitos
da mulher – Giovanna Maria; Comunidades indígenas e quilombolas – Anne; Dificuldades
enfrentadas pelas pessoas em situação de rua e o amparo legal pertinente – Monique; Entrevistas
– Ednilza; Considerações finais – Maria Fernanda; Revisão final – Letícia.

2 DEFINIÇÃO DE GRUPOS ÉTNICOS E MINORIAS


Grupos étnicos são um conjunto de pessoas cujos membros se identificam com base
em seus aspectos biológicos ou culturais, como seus costumes ou suas tradições artísticas. A
distinção entre os grupos étnicos é feita através de suas características sociais e culturais.
É importante ressaltar que a palavra etnia não é considerada um sinônimo de raça,
visto que todos os seres humanos pertencem a uma única raça: a humana. Por este motivo, etnia
é o termo mais adequado para reconhecer diferentes grupos de pessoas.
Para o sociólogo alemão Max Weber, grupos étnicos são grupos de indivíduos que,
por possuírem costumes e hábitos parecidos, preservam uma crença subjetiva em uma história
de origem comum, que não depende de laços sanguíneos, e que influenciam as suas relações
comunitárias (WEBER, 2000, p. 270).
Ademais, o antropólogo social norueguês Thomas Fredrik Weybye Barth, em sua
obra “Grupos étnicos e suas fronteiras”, apresentou uma definição do termo grupo étnico,
dizendo que este é entendido na bibliografia antropológica como uma população que:

[...] 1 perpetua-se biologicamente de modo amplo; 2 compartilha valores culturais


fundamentais, realizados em patente unidade nas formas culturais, 3 constitui um
campo de comunicação e de interação; 4 possui um grupo de membros que se
identifica e é identificado por outros como se constituísse uma categoria diferenciável
de outras categorias do mesmo tipo. (BARTH, 1998, p.189-190).
Quanto ao conceito de minorias, é importante ressaltar que não há consenso
absoluto. A Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias, criada
pela Organização das Nações Unidas (ONU), encarregou ao perito italiano Francesco Capotorti
a sua definição:
Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição
não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado - possuem
características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do resto da população
e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido
à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua. (CAPOTORTI,
1977).
Todavia, existem críticas a este conceito, visto que o termo “minorias” não deve ser
associado a grupos em menor número em uma sociedade, mas ao controle de um grupo
majoritário sobre os demais, independentemente da quantidade numérica. Conforme a definição
do sociólogo Mendes Chaves, minoria é:

[...] um grupo de pessoas que de algum modo e em algum setor das relações sociais
se encontra numa situação de dependência ou desvantagem em relação a um outro
grupo, “maioritário”, ambos integrando uma sociedade mais ampla. As minorias
recebem quase sempre um tratamento discriminatório por parte da maioria.
(CHAVES, 1970, p.149).
Sendo assim, o conceito de minoria social diz respeito a grupos marginalizados
dentro de uma sociedade. Na maioria das vezes, são compostos por um número elevado de
pessoas, mas que são excluídos por questões relativas à classe social, ao porte de necessidades
especiais, à orientação sexual, à origem étnica, ao gênero, dentre outros motivos.
No Brasil, pode-se citar como exemplos de minorias mais conhecidas as populações
indígenas, LGBTQIA+, de mulheres, negros e de deficientes.
Com a finalidade de defender, assegurar e prestar assistência, principalmente aos
mais necessitados de justiça, o Ministério Público tem se feito presente na constituição de um
comportamento participativo e reivindicatório da sociedade. É extensa a atuação do MP na
defesa dos direitos das minorias, visto que esta instituição se orienta pelo preceito constitucional
que estabelece a pluralidade de etnias e culturas do Estado brasileiro. (BRASIL, 1988).

3 DISCRIMINAÇÃO POSITIVA E DIREITO À IGUALDADE

Logo nos artigos iniciais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


(CRFB/88) já está expressa a norma basilar do princípio da igualdade: “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (BRASIL, 1988, art. 5o). Trata-se de uma
expressão do tratamento isonômico de que a norma brasileira tem o encargo de garantir aos
cidadãos a ela submetidos.
Entretanto, esse princípio é usado equivocadamente para sustentar afirmações no
sentido de que políticas públicas que fornecem um tratamento diferenciado para grupos
diferentes, como as cotas étnicas e raciais em vestibulares ou o requisito mínimo da idade para
aposentar distinto de acordo com o sexo, seriam inconstitucionais por não tratarem as pessoas
com absoluta igualdade. Assim, Celso Antônio Bandeira de Melo diz:

A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da
vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo
político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos
constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos
vigentes (MELLO, 2006, p. 10).
Tal argumento é fundado em uma interpretação literal e equívoca do que seria a
igualdade visada pelo ordenamento. O sentido em que o termo igualdade foi empregado adequa-
se à palavra “equidade”, tratando-se de como a lei conseguirá proporcionar oportunidades
iguais a pessoas com realidades diferentes. A proposta desse princípio é finalística, de trazer a
materialização do direito na sociedade e, portanto, não deve ser o meio de realização do direito
igual para todos, mas sim o seu resultado.
Discriminação positiva é o termo que caracteriza o tratamento diferenciado das
pessoas num mesmo contexto sem configurar o privilégio, mas nivelando a situação de cidadãos
em situações fáticas distintas. É a expressão da máxima aristotélica de tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais. Assim sendo, conclui-se que a discriminação positiva
acontece quando o Estado intervém no coletivo com o objetivo de proporcionar igualdade
material nas relações sociais.
No findar de sua obra, “Conteúdo jurídico de princípio da igualdade”, Celso de
Mello oferece um quadro sinótico que possui as hipóteses em que a discriminação positiva é
vedada:
Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:
I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés
de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes,
elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas.
É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto
– como critério diferencial.
III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen
adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade
de regimes outorgados.
IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o
discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo
dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que
não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via
implícita. (MELLO, 2006, p. 47 – 48).
As discriminações positivas, conforme expõe Wasserman em seu artigo no portal
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, são oriundas de modelos norte-americanos. Trata-
se de uma maneira institucionalizada de utilização política ou jurídica, quando de iniciativa do
poder público, de meios que concedam artifícios a um determinado grupo de indivíduos em
potencial desigualdade na sociedade.
É importante notar que o Estado deverá valer-se de respaldo jurídico para a
implementação de políticas ou ações públicas afirmativas, que serão anteriormente previstas na
legislação. Dessa forma, os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) deverão atuar de
forma conjunta para o estabelecimento da discriminação positiva no Estado Democrático de
Direito.
Conforme mencionado, a influência estrangeira no Brasil trouxe certos benefícios
e avanços sociais, ainda que tardios. Estados Unidos e Índia são exemplos de países que
enfrentaram a questão relacionada à discriminação racial de maneira destacada. O
desenvolvimento do pensamento social, amadurecimento do governo democrático e os
movimentos globais em torno da erradicação das desigualdades sociais moldaram as ações
afirmativas naqueles países. Não só naqueles, mas também o Brasil sofreu influência a respeito
da questão de discriminação racial.
Nessa tônica, o ordenamento jurídico brasileiro absorveu a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, promulgado sob
o Decreto n° 65.810/69, no qual é possível perceber o comprometimento do Estado brasileiro
no sentido de adotar medidas que visem a eliminação de qualquer forma de discriminação
racial. Este Decreto tem importância para o tema exposto por ser historicamente o embrião da
chamada discriminação positiva amparada pelo ordenamento jurídico. É notório que o Estado
deveria agir e garantir a eficácia vertical da igualdade formal visada na referida Convenção.
O Estado brasileiro deveria então, através dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, tornar efetiva a eliminação da discriminação racial. Entretanto, somente com o
advento da Constituição Cidadã é perceptível a positivação da proteção a diversas minorias
sociais. Os sujeitos de direitos são agora nomeados e há uma progressiva materialização judicial
no sentido de garantir às minorias o direito de igualdade material, conforme dispôs a
Constituinte.
Fernando Trindade, quando Consultor Legislativo no Senado Federal, publicou por
aquela Casa um documento intitulado “A Constitucionalidade da Discriminação Positiva”, cuja
data é de 29 de junho de 1998, aproximadamente uma década após a promulgação da CF/88.
Os apontamentos e afirmações em defesa das chamadas discriminações positivas elucidam de
maneira sucinta a não vedação, contrariamente, o favorecimento de ações afirmativas no Estado
brasileiro.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ADPF n°186 movida
pelo Partido Democratas contra a Universidade de Brasília para discutir a inconstitucionalidade
do sistema de ingresso na Universidade através de cotas raciais. Os impetrantes argumentaram
justamente o que fora combatido no início deste trabalho, a ofensa ao princípio da igualdade,
conforme consta no art.5º, I da CF/88. O STF entendeu de maneira a corroborar com a ação
afirmativa promovida pela UnB, exaltando-a como uma das primeiras universidades Federais
a instituir uma modalidade de ingresso que permita a pluralidade de estudantes. Ainda fornece
o relator uma retrospectiva dos eventos que marcaram avanços, retrocessos e questões ainda
irresolutas na seara dessa discussão.
Outra importante manifestação na Suprema Corte foi o voto do Ministro Celso de
Mello na ADC n° 41/DF, cuja questão seria declarar a constitucionalidade da Lei 12.990/2014
que previa reserva de vagas em concursos públicos destinadas a candidatos negros. O Ministro
Alexandre de Moraes (MORAES, p. 42-43) comenta o assunto:

No tocante ao percentual de vagas reservadas aos negros pela Lei n° 12.990/2014, o


mapeamento dos indicadores sociais verificados no Brasil evidencia que a
perpetuação intergeracional da desigualdade não constitui mero acaso, mas
subproduto de um modelo estruturalmente injusto na distribuição de oportunidades.
O sistema de cotas é, portanto, compatível, com o princípio da igualdade, pois na
presente hipótese tem por finalidade a produção de inúmeros resultados positivos,
promovendo uma espécie de compensação pelo tratamento aviltante historicamente
aplicado à população negra do Brasil (ideia de reparação), viabilizando acesso
preferencial a uma plataforma importante para subsidiar o rearranjo das condições de
funcionamento do processo social (ideia de redistribuição), atenuando, por meio de
exemplo positivo, o maléfico sentimento de inferiorização causada pela rarefeita
presença de pessoas negras em posições sociais de prestígio (ideia de reconhecimento)
e qualificando o ambiente universitário pela incorporação de corpo discente com
experiências de vida plurais (ideia de diversidade).
Logo, serão legítimas as políticas estatais baseadas em discriminações positivas
quando o ordenamento jurídico, neutro, revelar-se prejudicial a certo grupo de indivíduos,
tolhendo-lhes as possibilidades de realização pessoal, observando a razoabilidade e enquanto
não cessarem as consequências negativas decorrentes do arranjo político-jurídico para tais
pessoas.

4 DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS LIGADOS À PROTEÇÃO DAS


MINORIAS
A defesa dos interesses transindividuais, principalmente no que se refere à proteção
das minorias, é um assunto relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro. Segundo
Oliveira (2011), os direitos transindividuais em si, são assim denominados por não estarem
ligados a um indivíduo de forma isolada.
Tais garantias tiveram suas origens em conflitos sociais que surgiram no último
século, o que obrigou o reconhecimento e a proteção de direitos como a educação, segurança,
meio ambiente, saúde, dentre outros, dos quais a titularidade compete a qualquer cidadão
(GOMES JUNIOR, 2008). A caracterização desses direitos não é apenas pelo fato de haver
vários titulares individuais reunidos pela mesma relação fática ou jurídica, mas também pela
necessidade de modificação, em determinadas situações, do acesso individual à justiça e sua
substituição por um acesso coletivo, na busca pela solução adequada do conflito de modo a
evitar a insegurança jurídica.
Desse modo, os interesses transindividuais se situam entre o interesse público e o
interesse privado, de forma que “embora não sejam propriamente estatais, são mais que
meramente individuais, porque são compartilhados por grupos, classes ou categorias de
pessoas” (MAZZILLI, 2008, p. 48). Estes também podem ser chamados de direitos coletivos
em sentido amplo (OLIVEIRA, 2011), sendo classificados em três categorias definidas no
artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:


I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe
de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes
de origem comum (BRASIL, 1990).
A partir da divisão dessas categorias Oliveira (2011) dispõe que ainda há a
possibilidade de sua especificação por três critérios: grupo, objeto e origem. Com mais
elucidação:
O grupo faz referência à possibilidade de se individualizar os titulares de determinado
direito; o objeto, por sua vez, refere-se ao próprio interesse e à sua condição de ser
dividido aos indivíduos coletivamente tratados; a origem, por fim, assinala a natureza
do elo que torna comum o interesse de determinado grupo (OLIVEIRA, 2011, s.p.).
Seguindo o mesmo pensamento de Grinover (2008, p. 229):

Indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados no


meio do caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma
sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância
política e capaz de transformar conceitos jurídicos estratificados, com a
responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos
prejuízos sofridos. Como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a
responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da
ação, do processo.
Como já conceituado anteriormente, uma minoria não necessariamente está em
menor número na sociedade, mas em desvantagem social, seja étnica, racial ou qualquer outra.
Dessa forma, a tutela dos direitos das minorias se traduz na tutela dos interesses
transindividuais, sendo o fenômeno referente aos direitos das minorias uma situação que deve
ser observada e tratada de modo a propor as melhores soluções aos problemas observando o
aspecto jurídico (SILVA, 2015).
O termo "minorias" é pouco utilizado na legislação brasileira no que se refere à
caracterização dos grupos sociais em situação de vulnerabilidade, sequer aparecendo na
Constituição Federal, por exemplo, mesmo esta abordando a defesa dos seus interesses nos
artigos 215 e 216:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
Parágrafo 1º: O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional. […]
Art. 216: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira (BRASIL, 1988).
Os artigos acima, além de outras garantias previstas no art. 5º da CRFB/88, formam
o sistema constitucional que tutela os interesses das minorias. Contudo, não é somente a
Constituição que visa a proteção das minorias, outros diplomas infraconstitucionais
complementam a defesa destes interesses transindividuais, como a Ação Civil Pública, prevista
no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 7.347/1985, que é um tipo especial de ação
jurídica com a finalidade de proteger os direitos difusos e coletivos seja por iniciativa do Estado
ou de associações que possuam finalidades específicas. A referida lei representou um grande
avanço na tutela dos direitos transindividuais, sendo um marco na evolução legislativa sobre a
tutela coletiva.
Integram ainda o sistema infraconstitucional que tutela os interesses
transindividuais e proteção das minorias as leis: 2.889/1956 (que busca prevenir o genocídio);
a lei 7.716/1989 (que estabelece punição aos crimes de discriminação por cor, religião, etnia,
raça, ou procedência nacional); lei 12.990/2014 (versa sobre as ações afirmativas); lei
7.797/1989 (criação do fundo nacional do meio ambiente); lei 7.913/1989 (proteção aos
titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado); lei 8.069/1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente); lei 6.001/1973 (dispõe sobre o Estatuto do Índio); lei 7.853/1989
(proteção às pessoas portadoras de deficiências físicas); lei 10.741/2003 (dispõe sobre o
Estatuto do Idoso), dentre outras muitas, que formam um sofisticado microssistema dos Direitos
Difusos e Coletivos.
Dessa forma é possível observar que o sistema legislativo de defesa dos interesses
transindividuais, principalmente no que se refere à proteção das minorias, teve um grande
avanço a partir da sanção da lei da Ação Civil Pública, quando passou por uma rápida evolução,
sendo outro grande marco o CDC, além da recente criação de vários diplomas como o Estatuto
da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso e Lei Maria da Penha. Acontece que, em sua
grande maioria, as leis que visam à proteção das minorias são resultado de acontecimentos
negativamente impactantes a tais grupos, se tornando meios relativamente eficazes de proteção,
porém, após alguma situação de violação dessas minorias. Desse modo, para uma eficaz
proteção às minorias o Estado deve buscar legislar de forma a prever as possibilidades
impactantes negativamente a elas, devendo buscar uma prevenção eficaz para as lesões às
minorias, a fim de adaptar a regra a realidade social e não o contrário, somente assim será
possível fazer com as minorias deixem de ser grupos sociais em situação de vulnerabilidade,
passando a integrar de modo equipolente a sociedade, deixando de se tornar minorias, mas
conservando todas as suas características sociais e culturais.
Além das legislações supramencionadas, é necessária a existência de órgãos e
entidades do Poder Público que atuem na aplicabilidade dos instrumentos criados pelo
legislador com o escopo de garantir a alteração desse cenário de desigualdade. Nesse viés, tanto
a Defensoria Pública quanto o Ministério Público possuem atuação positiva essencial à proteção
dos interesses transindividuais ligados às minorias. Neste estudo, abordar-se-á a atuação do
Parquet e seus instrumentos judiciais e extrajudiciais utilizados na prática.
Conforme dispõe a Constituição de 1988 em seu art. 127, “o Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Assim, no que diz respeito à proteção dos interesses difusos e coletivos, o Parquet possui
atuação essencial na defesa destes, além de ser uma de suas funções institucionais elencadas
pelo texto constitucional.
Os principais instrumentos utilizados para a efetivação da defesa dos interesses
transindividuais são o inquérito civil e a ação civil pública. Por meio destes, é possível que a
tutela abranja maior grupo de pessoas com as mesmas necessidades e, assim, seja possível a
ampliação do acesso à justiça, conforme a segunda onda renovatória proposta por Cappelletti e
Garth (1988), baseando-se na celeridade processual e redução de custas processuais. Tais
instrumentos são mencionados no art. 129 da CRFB/88 e, conforme exposição anterior, trata-
se meios de atuação judicial do Ministério Público.
Com relação às minorias, a própria legislação brasileira se encarregou de atribuir
funções ao Ministério Público como forma de responsabilizá-lo pelas crianças e adolescentes,
idosos, mulheres, consumidores e outras minorias como índios, quilombolas e população
LGBTQIA+. Isso significa dizer que a tradicional função acusatória do Parquet é deixada de
lado a partir do momento em que este funciona como um órgão responsável pela defesa das
minorias através de instrumentos judiciais e extrajudiciais, garantindo uma expansividade de
sua atuação, conforme depoimentos dos promotores Mário Higuchi e Paulo César Vicente de
Lima:
Com relação especificamente a atuação judicial, a atuação do Ministério Público
Federal em todas as regiões do País, é amplamente diversificada com relação a
temática: No tocante, aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais dos povos
indígenas por exemplo, há Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público
Federal do Acre requerendo a devolução do material acessado pertencente 33 a
comunidade Ashanika e o cancelamento das patentes obtidas por este irregular acesso.
[...] Existem outros exemplos relacionados às comunidades quilombolas, como no
caso da Ilha de Marajó no estado do Para, onde uma área está em processo de
conhecimento da comunidade quilombola Jumbuaçu (CONCEIÇÃO, 2011).
Percebe-se, portanto, que as atuações do referido órgão são em defesa de interesses
sociais e são uma forma de inclusão dessas minorias através da desconstrução de preconceitos
existentes. Alguns dos instrumentos utilizados para tanto pelo Parquet são: ação civil pública,
instrumento judicial já abordado este estudo, o inquérito civil e o termo de ajustamento de
conduta, sendo os dois últimos meios extrajudiciais.
Em se tratando do inquérito civil, Sousa (2014, p. 23) diz que:

O inquérito civil é procedimento administrativo preparatório, previsto no artigo 8º e


seguintes da Lei 7347/85, de cunho inquisitorial e que tem por objetivo dotar o
Ministério Público de instrumento investigatório para a apuração de fatos tidos como
infracionais a interesses metaindividuais e, consequentemente, embasar a Ação Civil
Pública. Trata-se de procedimento prescindível, assim como o inquérito policial,
sendo dispensável se for possível a produção do lastro probatório através de peças de
informação.
Através do inquérito civil é possível que sejam feitas perícias, inspeções, que
testemunhas sejam ouvidas para a construção da investigação. Funciona como um elemento
auxiliar, uma forma de se preparar elementos para uma eventual propositura de ação civil
pública ou de um termo de ajustamento de conduta, o que demonstra sua informalidade,
publicidade, dispensabilidade e inquisitoriedade e é instrumento de atuação exclusiva do
Ministério Público (SANTOS, 2015).

Possui natureza unilateral e facultativa, e poderá ser instaurado de ofício, por


requerimento, por representação de qualquer interessado, ou por designação do
Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público, das
Câmaras de Coordenação e Revisão e dos demais órgãos superiores da Instituição,
nos casos cabíveis. Pode ser precedido de procedimento preparatório, e deverá ser
concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem
necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da
imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência ao
órgão de revisão, que, a título de exemplo, no âmbito do MPSE é o Conselho Superior
do Ministério Público (CSMP) (SANTOS, 2015).
Sua instauração se dará, portanto, por meio de uma Portaria de um membro
legitimado do Parquet, podendo ser deferida ou não. Além disso, pode o promotor, no curso de
uma investigação requisitar informações, realizar notificações, promover diligências, sempre
em observância às condutas determinadas pela Resolução n. 23 do Conselho Nacional do
Ministério Público.
Assim, após o recolhimento de todas as provas que considerarem necessárias, dá-
se fim ao inquérito civil e o Ministério Público pode seguir três caminhos distintos: ajuizar ação
civil pública, celebrar termo de ajustamento de conduta ou promover o arquivamento do
inquérito civil (SOUSA, 2014). Optando pela última opção, ainda será possível ocorrer o
desarquivamento do inquérito sob a justificativa do surgimento de novas provas, respeitando o
prazo de seis meses, conforme art. 12 da Resolução n. 23, se decorrido o prazo, novo inquérito
será instaurado sem que haja prejuízo das provas já juntadas.

Com relação ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), Sousa (2014, p. 55) diz
que se trata de
[...] uma inovação trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90,
através de seu artigo 211 (“os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos
interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais...”).
Naquele mesmo ano, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078) acrescentou o
parágrafo 6º à Lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/85), expandindo de vez a utilização
de tão importante instrumento de operosidade das demandas coletivas.
Esse termo é uma obrigação unilateral em que o interessado assume a
responsabilidade de ajustar a sua conduta à previsão legal, demonstrando a consensualidade
deste instrumento, as partes assinam um documento perante o Promotor de Justiça e se
comprometem a solucionar o problema sem a necessidade de homologação judicial. Além
disso, pode ser uma forma de prevenção de novos conflitos e dada a funcionalidade do TAC,
pode ser tomado tanto pelo Ministério Público quanto pela Defensoria Pública, União, Estados-
membros, Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas (COSTA, 2014).
Os instrumentos mencionados são umas das possibilidades de atuação do Parquet
na defesa de direitos difusos e coletivos, no que se refere especificamente às minorias, é
necessária que seja feita uma abordagem específica em cada caso visando o suprimento das
necessidades pontuais de cada grupo. Isso demonstra a relevância social que este órgão
democrático possui na construção de uma sociedade mais justa.
O Ministério Público pode desempenhar o papel através de políticas que visam à
conscientização da sociedade e das classes consideradas minoritárias. Uma das
maneiras mencionadas seria a utilização da mídia para buscar o complemento da
sociedade na luta contra a discriminação. No processo de mobilização social, o
Ministério Público, por intermédio de seus representantes, deve estabelecer alianças
com a sociedade civil e, desta maneira, identificar os problemas a serem enfrentados
por meio da formulação de políticas públicas (COCEIÇÃO, 2011, p. 38).

5 DIREITOS DAS MULHERES

O Brasil é um Estado Democrático de Direito, assim, garante a sua população a


proteção sobre os direitos e garantias fundamentais pertinentes ao indivíduo. Como forma de
afirmação de tais direitos, a CRFB/88 protege o direito à vida; a dignidade da pessoa humana;
o direito de ir e vir, entre outros. A concretização da proteção dos direitos individuais e coletivos
se dá pela atuação do Estado, seja na elaboração de leis específicas como na criação de políticas
públicas de defesa.
Entretanto, uma parcela da população encontra-se em desigualdade perante os
demais, pois mesmo com a previsão legal de garantia de direitos não conseguem ter estes
respeitados. Estes grupos são caracterizados como minorias sociais, “são as coletividades que
sofrem processos de estigmatização e discriminação, resultando em diversas formas de
desigualdade ou exclusão sociais, mesmo quando constituem a maioria numérica de
determinada população” (NOVO, 2019).
Durante séculos, as mulheres viviam sem voz ativa perante a sociedade, pois muita
das vezes, estavam submetidas ao autoritarismo do pai ou do marido. O seu papel era definido
com estereótipos que reforçavam a sua presença no ambiente do lar e às tarefas domesticas. A
sociedade patriarcal é marcada pela supremacia masculina, além de proporcionar a
desvalorização da identidade feminina, o que por muito tempo fez com que mulheres se
submetessem a qualquer tipo de tratamento, inclusive abusos e violência doméstica.
(NOGUEIRA, 2018).
Os primeiros direitos da mulher começaram a surgir com as Constituições de 1981
e 1934, conferindo às mulheres o direito a voto e a vedação sobre a distinção por motivo de
sexo. A CRFB/88 estabeleceu em seu texto a busca pela igualdade e equidade de gênero,
citando-se a garantia de isonomia entre homens e mulheres especificamente no âmbito familiar
(Art. 226, §5º), igualdade entre direitos e obrigações (Art. 5º, I). No art. 7°, XXX, vê-se regras
de igualdade material, que proíbem distinções fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença
de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor
ou estado civil. Além disso, ocorre proteção à maternidade como um direito social e institui ser
dever do Estado coibir a violência no âmbito das relações familiares, dentre outras conquistas.
No plano externo, o principal documento de proteção aos direitos da mulher é a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1979. Tal Convenção foi
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através de sua aprovação pelo Decreto
Legislativo n. 93, de 14 de novembro de 1983, e promulgação pelo Decreto n. 89.406, de 1º de
fevereiro de 1984, percorrendo por todos os transmites legais de validação e eficácia.
Logo de início, este documento oferece a definição do conceito de discriminação
da mulher a fim de ampliar e fornecer conhecimento sobre todas as formas de discriminação,
considerando-a como: “[...] toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela
mulher[...]” (BRASIL, 2002). Ao ratificar a Convenção, o Brasil assume a responsabilidade de
adotar medidas que diminuam a discriminação por gênero, tanto nos espaços públicos como na
vida privada.
Outro grande marco na evolução legislativa da proteção da mulher foi a
promulgação da Lei n 11.340, de 07 de agosto de 2006 titulada como Lei Maria da Penha que
dispõe de mecanismos para a coibição da violência doméstica contra a mulher. A lei classifica
como esta violência pode se manifestar, de forma física, psicológica, sexual, moral e
patrimonial. Além disso, a Lei no 11.340/06 estatuiu regras e institutos de grande importância
como a alteração no Código Penal, para impor como agravante o a modificação do conceito de
lesão corporal decorrente de violência doméstica, pela diminuição da pena mínima de 6 para 3
meses, e o aumento da máxima de 1 para 3 anos e proibição das penas de cesta básica ou outras
de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado
de multa.
As modificações trazidas pelas Lei Maria da Penha dizem respeito ao tratamento e
procedimento com aquela mulher que tenha sofrido agressão. O art.28 da referida lei garante
um atendimento humanizado para a mulher que sofreu violência, sendo “[...]garantido o acesso
aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em
sede policial e judicial[...]” (BRASIL, 2006). A competência para julgamento é retirada dos
Juizados Especiais Criminais, impedindo qualquer tipo de conciliação, a aplicação da
composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo nos casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
O papel do Ministério Público frente as minorias se estabelece com a defesa de
interesses transindividuais para essa parcela da população, com o objetivo de analisar o
princípio fundamental da igualdade como critério norteador das ações afirmativas; identificar
como se dá o acesso à justiça das camadas menos favorecidas; descobrir, caracterizar e
identificar as ações afirmativas dentro deste contexto, seja através de políticas públicas ou
atuação direta nas demandas processuais.
Afirmando o previsto no art. 127 da CRFB/88, o parágrafo único do art. 698 do
Código de Processo Civil (CPC) estabelece a atuação do Ministério Público como interventor,
quando não for parte, nas ações de família em que uma das partes seja vítima de violência
doméstica e familiar. A sua intervenção se em razão da qualidade da parte, a mulher vítima de
violência doméstica ou familiar, vez que presumido o seu estado de vulnerabilidade. Um dos
seus principais objetivos ao adentrar no processo é velar para que a mulher não sofra qualquer
prejuízo processual, para que seja justa a composição final da lide. (MARQUES JUNIOR,
2019).

6 COMUNIDADES ÍNDIGENAS E QUILOMBOLAS

O processo histórico brasileiro se pautou, ao longo dos séculos, na implementação


da cultura e dos costumes europeus. Partindo disso, os indígenas tiveram a sua identidade
dizimada e absorvida pela cultura europeia, perdendo, consequentemente, seus costumes, sua
língua e suas religiões, como forma de negação a cultura nativa e adotando o que lhes eram
impostos pelos portugueses. Com isso, os grupos indígenas passaram a ser um grupo excluído
socialmente, o que ocasionou discriminações futuras.
Conforme exposto, pode-se observar que a relação existente entre os indígenas e os
homens brancos se pautou em uma negação a direitos humanos destinados a esta classe,
prolongando-se por muitos anos. O primeiro dispositivo a regulamentar o direito dos índios foi
o Código Civil de 1916, tratando-os como “relativamente incapazes”, por meio da criação do
órgão de Serviço de Proteção do Índio, de forma a promover a sua integração a comunhão
nacional em com contexto de industrialização do país.
Na Ditadura Militar, em 5 de dezembro de 1967, foi criada a Fundação Nacional do
Índio, a Lei n º 3.371, conhecido popularmente como “Funai”, em meio a um contexto de
reforma na estrutura administrativa do país, visando expandir a política e a economia para o
interior do país. Isso fez com que as políticas indigenistas ficassem sobrepostas aos planos do
governo, como a construção de estradas, de hidrelétricas, da expansão das fazendas e da
mineração; nesse período, muitos índios sofrerem violações aos seus direitos.
Em 1973, houve uma regulamentação legislativa de proteção jurídica à figura do
índio ou silvícolas e das comunidades indígenas, a lei nº 6.001/73, cujo propósito era centrado,
conforme art. 1º, na preservação da cultura no índio e na integração dos mesmos, de forma
progressiva a harmônica à comunhão nacional. Vale ressaltar que a Funai foi a responsável em
pressionar o Congresso Nacional, no ano de 1973, a criar a Lei nº 6.001, chamada Estatuto de
Índio.
Por um lado, o Estatuto do Índio previu um protecionismo destinado ao indígena,
como forma de resguardar sua cultura e suas terras, mas por outro lado, foi implementado um
hiperprotecionismo que suprimiu a autonomia e a liberdade do índio, descaracterizando-o com
como pessoa humana e o limitando a imagem de um animal, de forma a afastá-lo e isolá-lo das
áreas de interesse estratégico.
A CRFB/88 representou um grande avanço no Brasil ao estabelecer normas de
proteção aos interesses indígenas. Os direitos constitucionais dos índios encontram-se definidos
mais especificamente no título VIII, "Da Ordem Social", destacando-se os artigos 231 e 232,
além de outros dispositivos normativos, como oartigo 67 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-
las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (...)
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes
legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e
interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo. (BRASIL, 1988)
A Constituição Federal, em seu art. 129, inciso V, também estabelece as funções
do Ministério Público no que se diz respeito a efetivação dos direitos destinados aos índios,
sendo elas: “defender judicialmente os direitos e interesses das
populações indígenas” (BRASIL, 1988).
Apesar de toda a regulamentação exposta, de forma a resguardar os direitos e as
garantias dos povos indígenas, estes ainda enfrentam limitações quanto a luta pela posse de
terra, a incidência de doenças nas aldeias, a violência, o preconceito, a demarcação e a
delimitação física de terras para usufruto dos índios, sendo alguns dos inúmeros
problemas enfrentados pelas diversas tribos indígenas brasileiras.
A respeito dos quilombos, é importante destacar que a palavra “quilombo” veio do
termo kilombo, provindo do idioma dos povos Bantu, da Angola, que significa “local de pouso
ou acampamento”. Antes da chegada dos colonizadores, os povos do África ocidental eram
nômades, e os locais de repouso ou acampamento eram usados para o descanso das longas
viagens.
Com a escravização no período colonial brasileiro, os negros escravizados que
fugiam refugiaram-se nas matas, aglomerando-se, com o passar do tempo, em locais
determinados, formando as tribos. A partir disso, a palavra “quilombo”, no Brasil, foi
readaptada, passando a significar local de refúgio dos escravos fugitivos, sendo assim,
quilombola é a pessoa que habita o quilombo. Vale ressaltar, todavia, que os quilombos não
eram formados apenas por homens negros, mas também índios, mestiços, dentre outros; o
quilombo dos palmares, por exemplo, chegou a ter 20 mil habitantes.
Atualmente, ainda há inúmeras comunidades de quilombolas, com maior enfoque
na região nordeste, que optaram pela vida simples e em contato com a natureza em vez da
integração urbana, sobrevivendo, no entanto, na maioria das vezes, em condições de vida
precárias.
Existem comunidades quilombolas em pelo menos 24 estados do Brasil: Amazonas,
Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Piauí, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São
Paulo, Sergipe e Tocantins. (CPISP, 2018)
Enquanto os direitos dos índios à posse de suas terras foram garantidos em todas as
Constituições Brasileira, foi apenas na Constituição de 1988 que os quilombolas tiveram
direitos reconhecidos. A inclusão deste preceito constitucional é pautada na reparação de uma
injustiça histórica cometida pela sociedade escravocrata brasileira contra a população negra.
Nesse sentido, tal reparação que se concretiza através do reconhecimento dos direitos e das
garantias das comunidades e de descendentes dos antigos escravos, possibilitando-lhes,
finalmente, o acesso à propriedade de suas terras, dentre outros direitos garantidos
constitucionalmente.
As comunidades quilombolas tiveram também garantido o direito à manutenção de
sua cultura própria através do artigo 215 da Constituição, na qual determina que o Estado
proteja as manifestações culturais afro-brasileiras.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos


culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará
a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional. (BRASIL, 1988)
A primeira titulação de uma terra quilombola deu-se somente sete anos após a
promulgação da Constituição, em novembro de 1995, quando o Incra regularizou as terras da
Comunidade Boa Vista, em Oriximiná, Pará. A lentidão na condução os processos e o número
reduzido de titulações marcam todos os governos desde então, conforme dados do CPISP.
O artigo 216, por sua vez, considera patrimônio cultural brasileiro, com tutela pelo
Poder Público, todos os bens dos povos quilombolas, sejam artesanatos, comidas, bem como
músicas, expressão, dentre outros, além dos todos os outros grupos que formam a cultura
brasileira, estando inclusão toda a diversidade das manifestações culturais.
A primeira titulação de uma terra quilombola se deu apenas em 1995, ou seja, sete
após a promulgação da Constituição:

Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002)


8 terras tituladas | 116.491,5614 hectares
Luís Inácio Lula da Silva (2003 – 2010)
12 terras tituladas (4 parcialmente) | 39.232,4399 hectares
Dilma Rousseff (2011 – maio 2016)
16 terras tituladas (15 parcialmente) |11.737,0789 hectares
Michel Temer (maio 2016 – setembro 2018)
5 terras tituladas (4 parcialmente) | 18.825,6846 hectares (CPISP, 2018)
Nos dias atuais, ainda há uma morosidade no que se diz respeito ao processo de
titulação das terras destinadas aos quilombolas. Enquanto tais titulações não acontecem, estes
grupos ficam mais vulneráveis a inúmeras ameaças à sua existência, ao seu modo de vida, aos
seus costumes e a seus territórios, o que reflete a um crescimento violência contra os mesmos
no cenário nacional. Tal direito encontra previsão no art. 68 dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
títulos respectivos”.

7 DIFICULDADES ENFRENTADAS PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA E O


AMPARO LEGAL PERTINENTE
As pessoas em situação de rua são definidas como grupo populacional heterogêneo,
composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de
pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou fragilizados e falta de habitação convencional
regular, sendo compelidas a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento. (BRASIL, 2009)
Cumpre ressaltar que, ao contrário do que muitos acreditam, esse grupo vulnerável
de pessoas não são apenas pedintes, mas grande parte deles exercem atividades informais, tais
como: catadores de material reciclável, flanelinhas, trabalhadores da construção civil e limpeza.
Além disso, na maioria das vezes, encontram-se nessa situação devido ao alcoolismo, vício em
drogas, perda de emprego, conflitos familiares, doenças mentais, entre outros fatores. (CNMP,
2015)
Os artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988 prescrevem como fundamento
do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana e, como objetivos, a erradicação da pobreza,
da marginalização e a redução das desigualdades sociais, além da promoção do bem-estar de
todos sem preconceitos de qualquer natureza. Apesar disso, a realidade das pessoas em situação
de rua é bem diferente, visto que são atingidos pela violência, óbice no acesso aos serviços e
aos espaços públicos, falta de saneamento básico, bem como a falta de higiene, a alimentação
e a precariedade do bem-estar em geral. (BRASIL, 1988)
Face a essa realidade, legislações foram elaboradas objetivando uma maior proteção
dessa minoria. Sendo assim, em 2009 foi instituída por intermédio do Decreto nº. 7.053, a
Política Nacional para a População de Rua que assegurou o acesso amplo, simplificado e seguro
aos serviços e programas que integram as diversas políticas públicas desenvolvidas pelos
ministérios que o compõem. O Decreto criou, ainda, o Comitê Intersetorial de
Acompanhamento e Monitoramento integrado por representantes da sociedade civil e por
representantes do governo. (BRASIL, 2009)
Entre as atribuições do comitê está a de elaborar planos de ação periódicos, com o
detalhamento das estratégias de implementação das políticas públicas, tal como propor medidas
que possibilitem a ação intersetorial entre as diferentes ações governamentais. Ele também é
responsável por acompanhar tais políticas, por meio de indicadores de monitoramento e de
avaliação das ações. Do mesmo modo, tem a incumbência de propor medidas que assegurem a
articulação intersetorial para a inclusão social da população em situação de rua. (BRASIL,
2009)
Em consonância com a Política Nacional, atos legislativos esparsos foram editados
com o intuito de concretizar a sua diretriz de integração das políticas públicas em cada nível de
governo. Nesse viés, a Lei nº 12.435/2011 alterou a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº
8.742/93), de modo a fazer constar expressamente em seu art. 23, §2º, que “na organização dos
serviços da assistência social serão criados programas de amparo, entre outros: […] II - às
pessoas que vivem em situação de rua”. (BRASIL, 1993)
Outrossim, o Ministério da Saúde, em 21 de outubro de 2011, editou a Portaria nº
2.488, que previu a criação de “equipes de Consultórios na Rua”, as quais consistem em equipes
da Atenção Básica à Saúde, compostas por profissionais de saúde com responsabilidade
exclusiva de articular e prestar atendimento integral à saúde das pessoas que se encontram nessa
condição. (BRASIL, 2011).
O Ministério Público como instituição democrática e defensora do regime
democrático, atua como órgão transformador da realidade social e, por isso, possui um papel
de destaque na busca pela efetivação dos direitos fundamentais das pessoas em situação de rua.
Devido a isso, cabe ao membro do órgão ministerial tomar todas as medidas necessárias à
garantia dos direitos dessa minoria. (CNMP, 2015)
Sendo assim, nos termos do inciso III do artigo 129 da Constituição, cabe ao
Ministério Público promover o inquérito e a ação civil pública na defesa dos direitos da
população em situação de rua. No entanto, por se tratar de uma questão delicada e multifacetada,
a vulnerabilidade a que se sujeitam essas pessoas demanda um acompanhamento cuidadoso e
contínuo. (BRASIL, 1988)
Nesse sentido, essas medidas não devem ser restritas ao âmbito interno do órgão
nem à via judicial, haja vista que podem, muitas vezes, não proporcionar uma resposta adequada
ao fenômeno. É imprescindível que haja uma abordagem ampla e interdisciplinar, não se
limitando apenas as vias judiciais. (CNMP, 2015)
Em virtude dos fatos mencionados, deverá ser priorizada a atuação preventiva e
resolutiva do Ministério Público, através de diversos instrumentos como a recomendação, a
audiência pública, o termo de ajustamento de conduta, os projetos sociais e o inquérito civil, a
fim de que sejam garantidos serviços e programas de atenção à população de rua, assegurando
padrões básicos de dignidade e não-violência. (BELIZÁRIO, 2017)

8 ENTREVISTAS

Primeira entrevista

Na sequência será realizada uma transcrição não literal da entrevista realizada com
Mário Konichi Higuchi Júnior, promotor de justiça em Belo Horizonte/MG. O promotor Mario
possui 21 anos de carreira e hoje em dia atua na promotoria de direitos humanos, na subárea
específica da defesa das minorias. É formado em Direito pela UFMG, possui especialização em
Direito Público pela PUC Minas e em Inteligência de Estado pela FMP - Fundação Escola
Superior do Ministério Público de Minas Gerais. A entrevista foi realizada por meio de uma
videoconferência via Google Meet, que ocorreu no dia 26/06/2020 às 16 horas.

1. Quais são as principais formas de atuação do Ministério Público em se tratando da


defesa dos interesses transindividuais ligados à proteção das minorias no âmbito jurídico?
Resposta: No nosso estágio atual do movimento de acesso à justiça, o MP vem primado pela
atuação resolutiva de conflitos em vez da atuação judicializante. Hoje em dia, é inadmissível
uma atuação do ministério público que seja meramente formal, burocrática e despreocupada
com a falta de entrega de resultados concretos para a sociedade. A constituição e a legislação
infraconstitucional nos fornecem um arcabouço grande de instrumentos para uma atuação de
forma extrajudicial, que busca efeitos concretos para a proteção dessas parcelas da sociedade
mais vulneráveis e hiposufientes, englobando também, as minorias políticas.

O promotor Mário Higuchi atua na promotoria de defesa dos direitos humanos de


Belo Horizonte e trabalha especificamente com a defesa de minorias. A sua atuação é pautada
principalmente na forma resolutiva e consensual de conflitos, com uma atuação extrajudicial,
de modo que a judicialização do conflito só ocorre em casos excepcionais.

2. Qual a sua área de atuação com relação à defesa das minorias? Quais as principais
situações que demandam a tutela do MP nessa área?
A promotoria de direitos humanos se divide em 4 áreas de atuação diferentes, com
5 promotores, a área de atuação do promotor Mário é a defesa de minorias, sendo elas, as
minorias étnicas, sexuais, pessoas em situação de rua e trabalhadores informais.
Na questão racial, o racismo é frequente; as ofensas à população LGBTQ+
despertam tutela frequente, principalmente após a decisão proferida na ADO 26 do supremo
em que as condutas de homofobia e transfobia foram criminalizadas. A população em situação
de rua foi bastante afetada nesse momento de pandemia, a promotoria de direitos humanos
realizou várias recomendações ao poder público de BH, de modo que o promotor buscou não
entrar com uma ação civil pública e sim realizar uma recomendação direta ao prefeito de BH e
foi o suficiente para que o município criasse um plano de ação emergencial para a população
em situação de rua, ademais, o promotor também realizou outra recomendação a respeito do
fornecimento de cestas básicas para os catadores de materiais recicláveis. O promotor Mário
considera que é um facilitador o fato da promotoria ter um bom relacionamento com esses
agentes públicos municipais.
Esse tipo de atuação resolutiva e consensual é muito mais célere e traz resultados
práticos e concretos de uma forma efetiva e rápida. Se levarmos em consideração que uma ação
civil pública em BH leva entre 7 e 10 anos para encontrar uma conclusão, percebe-se que os
instrumentos de atuação extrajudicial têm uma efetividade muito maior e uma concretização
dos direitos de maneira mais rápida, e por isso, o promotor Mário prima pela atuação por meio
de instrumentos extrajudiciais.

3. Quais as suas experiências práticas com a tutela desses interesses no âmbito social?
Atualmente, em BH, existe um local que foi construído para eventos, onde várias
festas e shows eram realizados, porém devido a pandemia ele não pode ser utilizado, esse
espaço foi cedido para organizações da sociedade civil (destaque para a pastoral nacional da
população em situação de rua com o apoio do banco Itaú). Lá foi criado um grande espaço de
atuação em prol da população em situação de rua durante o período de pandemia. Existe uma
área específica para higienização dessas pessoas, outra área para a alimentação, outra para
cuidados com os animais dessas pessoas, área específica para saúde e de alojamento para cerca
de 75 moradores em situação de rua, além de áreas específicas para registro civil e assistência
social. Nesse espaço, o Ministério Público se faz presente, diariamente, promotores de justiça
e servidores do MP voluntários participam efetivamente dessa campanha em prol do
atendimento das necessidades dessa população vulnerável. Esse exemplo fático ilustra bem o
viés de agente político e de concretizador de direitos sociais inerente ao Ministério Público.

4. Qual um exemplo da sua atuação como promotor na defesa dos direitos


traninsdividuais da minoria LGBTQ+?
Resposta: Existe um bairro em BH que se chama “Santa Branca”, próximo à lagoa da
Pampulha, um local que historicamente está relacionado com a prostituição, precipuamente de
travestis. Ocorreu que as travestis estavam trabalhando próximas ao quartel do BOP e havia
três policiais que rotineiramente passavam pelos pontos de prostituição e cometiam atos de
abuso e agressão contra as travestis.
O fato foi relatado ao promotor Mário que se colocou em disposição para ajudar,
ele instaurou um procedimento investigatório criminal, pois no mínimo houve o crime de abuso
de autoridade, as travestis relataram que tinham muito medo inclusive de comparecer a
promotoria, pois poderiam ficar marcadas. Então, o promotor se dispôs a ir ao local de trabalho
delas para que fosse possível uma reunião e discussão da situação, de modo a tentar colher
elementos para que fosse possível a identificação dos agressores.
Enquanto o promotor estava se reunindo com as travestis, representantes de
moradores do bairro apareceram para reclamarem verbalmente com o Promotor Mário, os
moradores se sentiram revoltados que o MP estivesse agindo em defesa das prostitutas, e
afirmavam coisa do tipo “O MP deveria estar agindo em defesa dos bons costumes e não
defendendo um bando de travestis”. Perante tais reclamações carregadas de preconceito, o
promotor nos contou que a defesa dos direitos dos moradores é necessária sim, porém, também
é necessário que o abuso de policias seja coibido.
O procedimento foi instaurado, as profissionais foram até a promotoria, tiveram a
sua segurança garantida para que pudessem comparecer no MP, foram ouvidas e os policias
militares agressores foram identificados. Durante o desenvolvimento do caso, o promotor Mario
teve uma reunião com o comandante do BOP e ele conseguiu fazer com que a situação acabasse,
desde então nenhuma outra agressão ocorreu. Então, o promotor já pronto para formalizar a
acusação contra os policiais, foi procurado novamente pelas travestis que desejavam retirar as
representações, elas relataram que após a atuação do MP a situação melhorou e que não
gostariam de criar um novo problema com policias processados.
O promotor acatou o desejo das ofendidas, de modo que a solução do problema
ocorreu de maneira consensual. Em conclusão, um dos fatos que devem ser destacados nessa
história é que o promotor não deve se ater ao seu gabinete. No caso narrado, em um primeiro
momento as mulheres se sentiam desconfortáveis e temerosas em comparecer ao Ministério
Público, é dever do promotor sair do seu gabinete e ir até as vítimas para buscar uma resolução
adequada da situação.

5. Qual a atuação do ministério público em relação à discriminação positiva?


Resposta: A discriminação positiva extremamente necessária e deve ser realizada por meio de
políticas públicas. Frente a isso, o MP deve atuar como fiscal, fazendo um acompanhamento
dessas políticas públicas. O promotor Mário já realizou o acompanhamento de várias dessas
políticas que foram e estão sendo desenvolvidas em BH, atuando principalmente com a
secretária municipal de assistência social e de políticas urbanas. O promotor Mário considera
que ele possui muita sorte e privilégio no seu diálogo com esses órgãos municipais, diversas
vezes os representantes desses órgãos municipais entraram em contato com o promotor
buscando avisar que novas políticas seriam aplicadas e solicitando por reuniões com a
promotoria para que os projetos fossem apresentados e as observações do MP fossem anotadas
antes da implementação dos projetos. O que ocorre normalmente é que os promotores só fiquem
sabendo das políticas após a implementação das mesmas, mas essa atuação não oficial vem
ocorrendo.
Para além das perguntas, o promotor Mário, baseando-se na sua experiência
profissional de 21 anos de carreira, nos conta que a submissão de questões ao poder judiciário
não vale a pena, devido a morosidade e a falta de sensibilidade social. O tribunal mineiro é
extremamente conservador. Então, se o promotor de justiça tem uma série de instrumentos
disponíveis para resolver e pacificar os conflitos sociais de forma consensual, o mais adequado
é que ele o faça, sempre que possível.
Ele nos conta também que é muito mais fácil ajuizar uma demanda perante o poder
judiciário do que tentar pacificar o conflito por si mesmo, porém os resultados consensuais
satisfazem os interesses das partes muito mais rapidamente e de maneira mais eficaz, e isso é o
mais importante, observando-se sempre que o promotor deve ser um agente político e um
pacificador social.
Atualmente o promotor possui 3 ações civis públicas propostas em face do
município de Belo Horizonte, mas que somente existem pois a via consensual não surtiu
resultado, tendo em vista que o município não realizou as mudanças necessárias que foram
solicitadas, que no caso, eram relativas a equipamento de assistência social do município. Em
BH, existem abrigos para a população em situação de rua que não preenche os requisitos
necessários para o funcionamento, então o promotor teve que ajuizar uma ação para buscar
principalmente a realização de um projeto de melhorias nos abrigos para que os requisitos sejam
cumpridos. Nesse caso, a ação foi proposta, a tutela de urgência foi proferida e o município foi
obrigado a realizar as mudanças com pena de multa diária caso ocorra descumprimento.
A prefeitura tentou cumprir os requisitos, porém existiam alguns impedimentos que
fugiam do controle da administração pública, o promotor percebendo isso prontamente buscou
a marcação de uma audiência de conciliação, devido a situação de pandemia o tribunal não pode
marcar formalmente a conciliação, porém autorizou as partes a buscarem esse consenso de
maneira extrajudicial. Foi marcada uma reunião para o dia 06/07/2020 entre o Ministério
Público, a procuradoria geral do município, o órgão da prefeitura que realiza as obras e o corpo
de bombeiros militar para tentar chegar a uma solução de maneira consensual, buscando
resultados concretos para a sociedade.

Segunda entrevista
Na sequência será realizada uma transcrição não literal da entrevista realizada com
Paulo César Vicente de Lima, promotor de Justiça de defesa do meio ambiente em Montes
Claros, com atribuição na área de meio ambiente natural, habitação e urbanismo, patrimônio
histórico cultural e de conflitos agrários. O promotor foi coordenador da promotoria de inclusão
e mobilização social. Graduado em direito pela UFJF, especialista em Direito Público pela PUC
Minas e mestre em Desenvolvimento Social pela UNIMONTES. A entrevista foi realizada por
meio de uma videoconferência via Google Meet, que ocorreu no dia 29/06/2020 às 17 horas.

1. Quais são as principais formas de atuação do Ministério Público em se tratando da


defesa dos interesses transindividuais ligados à proteção das minorias no âmbito jurídico?
O promotor considera que há outros locus mais eficazes de fazer justiça e promover
os direitos transindividuais das minorias para além da atuação judicial e extrajudicial. O
promotor Paulo César atua em diversos projetos sociais que são capazes de satisfazer as
necessidades dos indivíduos de maneira célere e eficaz, para ele, a atuação resolutiva é a mais
importante de todas.
Para começar, o promotor citou o art. 3º da CRFB/1988 “Art. 3º Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Esse artigo retrata o nosso projeto de nação. O desafio dos profissionais do direito, incluindo
os atuantes no Ministério Público, é fazer esses objetivos saírem do papel e se concretizarem.
Trabalhando com minorias no norte de minas o promotor chega à conclusão de que
os meios tradicionais e judiciais de atuação do MP não têm sido eficientes o suficiente para
obter as respostas necessárias para as pessoas que compõe as minorias e os grupos mais
vulneráveis. Por exemplo, muitas vezes uma pessoa que está passando por dificuldades e fome
não pode esperar pelo tempo do poder judiciário, que tende a ter uma atuação morosa. Então, o
MP há de buscar outras estratégias de atuação, para além das tradicionais como a ação civil
pública, o inquérito civil público e os termos de ajustamento de conduta. Ele considera que
estratégias pós-modernas para além do nosso positivismo clássico devem ser buscadas pelo MP.
Para atuar por meio de novas estratégias e de maneira que surta efeitos práticos, o
MP de Minas Gerais criou uma coordenadoria chamada “coordenadoria de inclusão e
mobilização social”, buscando organizar e fomentar a eficácia social dos direitos fundamentais
dessas minorias e grupos vulneráveis. Com o MP/MG inaugurou uma atuação através de um
instrumento novo que permite aos promotores saírem do “cativeiro” do positivismo clássico,
passando a sair da estrita legalidade para buscar pelos fundamentos da constituição e garantir a
eficácia social dos direitos nela elencados.
Uma das novas estratégias buscadas pelo MP em Montes Claros, que inclusive
surgiu no seio da UNIMONTES, é a atuação do MP através de projetos sociais. O envolvimento
nos projetos sociais se deu principalmente a partir do contanto com as minorias especificas do
norte de minas, que foi um resultado do ingresso do Promotor Paulo César no Mestrado em
Desenvolvimento Social da UNIMONTES.
A partir dos estudos desenvolvidos no âmbito acadêmico, o promotor observou que
o MP é uma instituição importante para o desenvolvimento do país. Hoje em dia, vivemos em
uma sociedade extremamente desigual, as minorias muitas vezes ficam no fim da fila da política
e assumem uma certa invisibilidade, sendo privadas de direitos básicos. Como exemplo de uma
das populações mais vulneráveis em Montes Claros o promotor cita as pessoas em situação de
rua. Diante disso é necessário que o MP apresente uma atuação resolutiva.
Em se tratando dos projetos sociais, é necessário que haja planejamento,
identificação de problemas, estabelecimento de parcerias e elaboração e implementação de
projetos sócias através do procedimento chamado no Ministério Público de Procedimento para
implementação e promoção de projetos sociais.
Além da atuação tradicional e dos projetos sócias, o MP tem um outro grande valor
no seu “capital social”, que é um conceito defendido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Esse capital social se traduz como os laços de solidariedade e de confiança entre a sociedade,
entre as pessoas, quanto mais capital social, menos energia deverá ser gasta com burocracia,
ademais, quanto mais capital social, mais confiança, e a confiança é a base do desenvolvimento
de uma nação.
O MP possui princípios e garantias elencados na CRFB/1988, que dão segurança
para que os profissionais possam trabalhar com independência, facilitando a busca pela eficácia
dos direitos fundamentais. Através dos projetos sociais e da proximidade com essas minorias,
o MP tenta pegar esse poder conferido a ele e distribuir com os grupos vulneráveis. É
extremamente necessário que o MP trabalhe em conjunto com as pessoas afetadas e com outras
instituições, pois os problemas sociais complexos necessitam de muito diálogo para serem
resolvidos, de modo que instrumentos como as ações civis públicas não são suficientes para
efetivar os direitos constitucionais.

2. Quais as suas experiências práticas com a tutela desses interesses no âmbito social
através dos projetos sociais?
Resposta: Existem diversos projetos sendo desenvolvidos em Montes Claros. Um dos exemplos
que posso citar é o Fórum municipal Lixo e Cidadania, que foi criado e é fomentado pelo
Ministério Público de Montes Claros. Nesse fórum existem representantes da prefeitura, das
universidades, da sociedade civil e dos catadores de materiais recicláveis. O objetivo principal
do Fórum é a implementação da coleta seletiva em Montes Claros. O promotor nos relata que
caso a via escolhida fosse o ajuizamento de uma ação para forçar a prefeitura a implementar a
coleta seletiva poderia chegar a levar 10 anos, enquanto através desse projeto o diálogo já esta
estabelecido há dois anos e as forças sociais vêm trabalhando em conjunto para conseguir
atingir o objetivo.
A presença do MP nessas situações é extremamente relevante, pois garante a
sociedade que o projeto está sendo desenvolvido e acompanhado, o MP atua como um fiscal,
utiliza seu poder e respaldo, atuando como um “catalizador” dos projetos, já que não possui um
orçamento próprio para desenvolver esses projetos. Ademais, a promoção dessa articulação
coletiva é uma das bases para o desenvolvimento de projetos sociais.
Hoje o Fórum Lixo e Cidadania possui um espaço físico, já são dois galpões de
coleta seletiva em Montes Claros. Um deles é o galpão da associação amor e vida na Avenida
Ovídio de Abreu e o outro próximo a saída para o município de Pirapora, que é o galpão da
associação de catadores Montesul.
Outro exemplo de atuação do MP de Montes Claros, é o trabalho em prol das
pessoas em situação de rua, destaca-se que essa não era uma atribuição do promotor Paulo
César, no entanto ele atuou e cooperou nesse setor por um ano em meio. Foi criado um comitê
(Comitê municipal de monitoramento das políticas para população em situação de rua)
integrado também por representantes da administração pública e da sociedade civil, que se
reúne de tempos em tempos para tratar e monitorar as políticas direcionadas as pessoas em
situação de rua em Montes Claros.
Outro projeto desenvolvido ocorre em São João da Lagoa, na comunidade do
alegre, que é tipicamente quilombola. No entanto, antes da atuação do MP, a comunidade não
se reconhecia como quilombola, já que eles não sabiam o significado do termo. O promotor
Paulo César contribui também em Coração de Jesus, certa vez uma assistente social local
relatou a situação precária em que a comunidade do alegre se encontrava. Então, o apoio da
coordenadoria de inclusão e mobilização social foi solicitado e um dos antropólogos que fazem
parte da equipe foi até o local e observou que a comunidade possuía todas as características do
grupo quilombola, ele também considerou que essa era a comunidade quilombola mais
vulnerável de Minas Gerais.
Era dever do Ministério Público Estadual garantir que essa comunidade tivesse
acesso aos direitos constitucionais, como alimentação, moradia e transporte, saneamento básico
e educação. Porém, destaca-se que a questão territorial era de competência do Ministério
Público Federal.
Desenvolveu-se então o projeto “Próximo passo” na comunidade do alegre.
Primeiramente, representantes da comunidade foram chamados à promotoria para que o
Ministério Público fosse apresentado para eles e então eles foram questionados se gostariam de
receber o apoio do MP e então com a anuência deles o projeto foi construído.
Representantes do município, da UNIMONTES, do Centro de referência dos
direitos humanos, da secretaria estadual de educação e outros membros da sociedade civil
dialogaram em conjunto com o MP na elaboração do projeto, estabelecendo metas e distribuição
de funções e responsabilidades. Hoje em dia, a comunidade se articulou e já se auto
reconheceram como quilombolas e conseguiram a certificação da fundação palmares através
dos documentos que a equipe técnica do MP preparou.
Ademais, o poder judiciário da comarca foi sensibilizado quanto à questão, o
município já construiu três casas para a comunidade, a energia elétrica foi levada até o local, as
estradas estão sendo melhoradas, foi realizada a construções de barragens pequenas para o
abastecimento de água na comunidade e essa semana o promotor recebeu o laudo antropológico
da comunidade que foi elaborado pela UNIMONTES. Esse laudo contempla a história e o
sofrimento dos antepassados da comunidade. Pode-se destacar que nessa situação o MP usou o
seu poder, o seu capital social, para fomentar a organização da comunidade.
Por fim, outro exemplo foi o projeto “Plantando Água” desenvolvido pelo MP com
a ajuda da UNIMONTES, para tentar resolver um problema do povo indígena Xakriabá, eles
tinham um problema de água e precisavam revitalizara algumas nascentes. Através de uma
medida compensatória de um PAC conseguiram construir algumas barragens pequenas para os
Xakriabás.

Terceira entrevista
Na sequência será realizada uma transcrição não literal da entrevista realizada com o
Guilherme Roedel Fernandez Silva, promotor de justiça em Montes Claros. Ele é Especialista
em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública pelo Centro Universitário
Newton Paiva/Fundação Escola do Ministério Público de Minas Gerais – FESMP e Professor
efetivo de Processo Penal na UNIMONTES. Sua área de atuação como promotor é focada
principalmente na defesa dos direitos das mulheres. A entrevista foi realizada por Whatsapp no
dia 01/07/2020 às 9h30min.

1. Quais são as principais formas de atuação do Ministério Público em se tratando da


defesa dos interesses transindividuais ligados à proteção das minorias no âmbito jurídico?
Resposta: Temos os instrumentos judiciais como a ação civil pública, no entanto, apesar de ser
o método mais conhecido não é exatamente o mais adequado. O promotor defende que os
instrumentos extrajudiciais como os inquéritos civis e a realização de recomendações.
As recomendações feitas pelo MP não são obrigatórias, mas tem uma capacidade
persuasiva muito grande nos gestores públicos. Outra medida que o promotor considera
relevante é a convocação de audiências públicas para debate de temas. A legitimidade que o
ministério público tem perante a comunidade e o respeito que tem perante a administração
pública e outros órgãos da sociedade civil, fazem com que a realização de reuniões e palestras
promovidas pelo MP sejam extremamente úteis para a tutela desses interesses.

2. Quais as suas experiências práticas com a tutela desses interesses no âmbito social?
As atribuições do promotor Guilherme envolvem principalmente os processos em
que ocorreram crimes no contexto de violência doméstica/familiar contra a mulher. No entanto,
ele diz que essa atuação restrita ao gabinete e aos processos criminais é insuficiente para
garantir uma mudança de compreensão da sociedade quanto ao papel do homem e da mulher
no seio social, de maneira que ele tem desenvolvido audiências públicas; palestras em escolas,
inclusive com a participação da comunidade acadêmica da UNIMONTES.
Semestre passado o promotor Guilherme, que também é professor do curso de
Direito da UNIMONES, desenvolveu um projeto com alunos da instituição que levou a
realização de mais de 30 palestras, que ocorreram em quase todas as escolas do município de
Montes Claros. As palestras foram ministradas para alunos já no final do ensino fundamental.
Ademais, participaram ativamente de audiências públicas sobre o tema. Tal atuação possui um
grande alcance na comunidade e tem um caráter preventivo.
O MP tem atuado em apoio à construção de uma rede de serviços de enfretamento
e prevenção à violência doméstica, que visa ampliar e facilitar a comunicação entre os
diferentes serviços públicos já existentes no município, mas que por deficiência de
comunicação acabam por não desempenhar o seu trabalho de maneira mais eficiente. Possuímos
em Montes Claros o Hospital Universitário, que é referência no atendimento a vítimas de
violência sexual, possuímos também uma delegacia especializada no atendimento de caso de
violência contra as mulheres, além de um centro de referência em assistência social e diversas
universidades e escolas que podem entregar essa rede de serviços.
A ideia do MP é justamente articular esses serviços públicos juntos com órgãos da
sociedade civil, de maneira a levar mais informação e suporte as mulheres. Dessa forma, busca-
se também que as mulheres sejam devidamente encaminhadas para os serviços que elas
necessitam quando se encontram diante de uma situação de violência.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, fica evidente que o Ministério Público tem como uma de suas
finalidades, defender, assegurar e prestar assistência à sociedade, principalmente no que pese
aos mais necessitados de justiça. É extensa a atuação desse órgão frente a sociedade na defesa
dos direitos das minorias sociais.
Conforme apresentado, as minorias sociais não dizem respeito necessariamente aos
grupos de menor quantidade de indivíduos, mas àqueles grupos marginalizados, discriminados
e mais vulneráveis presentes dentro de uma sociedade, em decorrência de sua classe social, sua
orientação sexual, sua origem étnica, entre outros motivos. Assim sendo, podem ser
classificadas como essas minorias: as mulheres, os índios, os quilombolas, as pessoas em
situação de rua, dentre outros grupos.
É imprescindível também o reconhecimento da discriminação positiva para o ideal
tratamento dessas diferenças, visto que se trata da maneira eficaz pela qual o Estado pode
interferir no coletivo proporcionando igualdade material nas relações sociais. Visando eliminar
todas as formas de discriminação desses grupos, a implementação de políticas e ações
afirmativas, com fulcro na discriminação positiva, se fazem necessárias, buscando nivelar a
situação das pessoas que se encontram em circunstâncias distintas.
A função do Ministério Público frente as minorias se constitui com a defesa de
interesses transindividuais para essa parcela da população, buscando assim, a tutela desses
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Para a efetivação desses interesses,
apresentam-se principalmente o inquérito civil e a ação civil pública, instrumentos que
possibilitam o maior alcance da tutela às pessoas com semelhante necessidade, além de
proporcionar a celeridade processual e a redução de custas processuais.
Nesse viés, após realizadas as entrevistas aos Promotores de Justiça Mário Konichi
Higuchi, atuante em Belo Horizonte, e Paulo César Vicente de Lima, agente em Montes Claros,
constatamos que ambos descrevem do mesmo modo a atual situação do Ministério Público,
reconhecendo a primazia pela atuação resolutiva de conflitos. Conforme eles, existem outros
meios de fazer justiça e promover os direitos transindividuais das minorias além da atuação
judicial e extrajudicial do Ministério Público.
De acordo com o que foi apresentado, os meios tradicionais de atuação não têm
sido suficientes para a efetiva satisfação dos direitos transindividuais no que tange às minorias.
Essa metodologia é morosa e muitas vezes não acompanha a urgência da necessidade do grupo
representado, resultados concretos precisam ser alcançados e para isso é imprescindível a
atuação resolutiva e consensual, pautada no desempenho extrajudicial e buscando a
judicialização apenas de maneira excepcional.
Esse novo método de operação do Ministério Público é muito mais célere e
consegue atender à necessidade urgente das pessoas que o carecem. Tal comportamento
extrajudicial é fundado no diálogo, nas recomendações feitas pelos promotores, no apoio das
parceiras feitas pelo órgão público, nas visitas realizadas pelos próprios promotores
demonstrando a proximidade do órgão com a luta pelos interesses difusos, na elaboração de
políticas sociais, entre outras ações práticas realizadas nesse âmbito externo. Porém, se apesar
das sugestões e tentativas de resolução do conflito no âmbito consensual e extrajudicial, os
resultados não forem alcançados, a judicialização deve ser utilizada como garantia dos direitos
ali questionados.
Assim como, no que pese à discriminação positiva, o promotor Mário Konichi,
ressaltou sua importância e necessidade de realização por meio de políticas públicas, atuando o
Ministério Público como fiscal e realizando o acompanhamento das mesmas. E conforme
acrescentado pelo promotor Paulo César, uma novidade na atuação em Montes Claros, se deve
mediante parceria com a UNIMONTES, consistente na atuação do Ministério Público em
projetos sociais, visando mitigar as desigualdades tão presentes no norte de Minas Gerais.
É essencial destacar que as medidas judiciais para a efetivação dos direitos e
interesses transindividuais são eficazes, sendo o resultado de um progresso e garantindo um
acesso amplo e considerável à justiça para os grupos de minorias sociais que antes desse
instituto não tinham para onde recorrer. Entretanto, ainda são necessárias mudanças e
modernizações no modo de tutela desses interesses, que são demasiado lentos em detrimento
do sistema judiciário superlotado.
Nesse viés, o Ministério Público tem agido em observância ao princípio
fundamental da igualdade como preceito norteador das ações afirmativas, identificando as
necessidades das camadas menos favorecidas e caracterizando as ações afirmativas dentro deste
contexto, seja através de políticas públicas ou da atuação direta nas demandas processuais. Com
fulcro no art. 1º da CF, os fundamentos do Estado Democrático de Direito devem ser
pretendidos, acima da burocratização e do tratamento verticalizado entre o necessitado e o seu
representante.

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