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CAPtTULO 1

TEXTO E TEXTUALIDADE

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1. o que é texto

Para se compreender melhor o fenômeno da


produção de textos escritos, importa entender
previamente o que caracteriza o texto, escrito ou
oral, unidade lingüística comunicativa básica, já
que o que as pessoas têm para dizer umas às
outras não, são palavras nem frases isoladas, são
textos.
Pode-se definir texto ou discurso como ocor-
rência lingüística falada ou escrita, de qualquer
extensão.idotada de unidade sociocomunicativa,
semântica e formal.
Antes de mais nada, um texto é uma uni-
dade de linguagem em uso-, cumprindo uma (r.":'·'
função identificável num dado jogo de atuação ~~t ..
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sociocornunicativa-. Tem papel determin,ante em a) o pragmático, que tem a ver com seu fun-
sua produção e recepção uma série de fatores cionamento enquanto atuação informacio-
pragmáticos que contribuem 'para a construção nal e comunicativa;
de seu sentido e possibilitam que seja reconheci- b) o semântico-concei tual, de que depende
do como um emprego normal da língua". São ele- sua coerência; .." "

mentos desse processo as peculiaridades de cada c) o formal, que diz respeito à sua coesão. :',".
ato comunicativo, tais como: as intenções do pro-
dutor; o jogo de imagens mentais que cada um dos .~
.
interlocutores faz de si, do outro e do outro com 2. O que é textualidade "

relação a si mesmo e ao tema do discursos; e o


espaço de perceptibilidade visual e acústica co- Chama-se textualidade ao conjunto de carac-
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mum, na comunicação face a face. Desse modo, terísticas que fazem com que um texto seja um e::'
o que é pertinente numa situação pode não o ser texto, e não apenas uma seqüência de frases.
em outra. O contexto sociocultural em que se in-
Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fato- !)it!,::
sere o discurso também constitui elemento con-
res responsáveis pela textualidade de um discur-
dicionante de seu sentido, na produção e na re-
cepção, na medida em que delimita os conheci- so qualquer: a coerência e a coesão, que se rela-
mentos partilhados pelos interlocutores, inclusi- cionam com o material conceítual e lingüístico
ve quanto às regras sociais da interação comuni- do texto, e a intencionalidade, a aceitabilidade,
cativa (uma certa "etiqueta" sociocomunicativa, a situacionalidade, a informatividade e a intertex-
que determina a variação de registros, de tom de tualidade, que têm a ver com os fatores pragmá-
voz, de postura, etc.s). , ticos envolvidos no processo sociocomunicativo.
A segunda propriedade básica do texto é o fa-
to de ele constituir uma unidade semântica. Uma
.ocorrência lingüística, para ser texto, precisa ser 2.1. Coerência e coesão
percebida pelo recebedor como um todo signif~-
cativo. A coerência, fator responsável pelo senti- A coerência resulta da configuração que as-
do do texto, será estudada no próximo item. sumem os conceitos e relações subjacentes à su-
Finalmente, o texto se caracteriza por sua uni- perfície textual, É considerada o fator fundamen-
dade formal, material. Seus constituintes lingüís- tal da textualidade, porque é responsável pelo
ticos devem se mostrar reconhecivelmente inte- sentido do texto. Envolve não só aspectos lógicos
grados, de modo a permitir que ele seja percebi- e semânticos, mas também cognitivos, na medi-
do como um todo coeso.
, De acordo com o conceito adotado, um tex-
to será bem compreendido quando avaliado sob
da em que depende do partilhar de conhecimen-
tos entre os ínterlocutores,
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Um discurso é aceito como coerente quando I:>: ,
três aspectos": ~;~. ~"

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4 5

li;-', ,
apresenta uma configuração conceitual compa- dá pela simples repetição de um item léxico e tam-
tível com o conhecimento de mundo do recebe- bém por processos como a nominalização (ex.:a re-
dor. Essa questão é fundamental. O texto não sig- tomada, através de um substantivo cognato, da
;',

. nifica exclusivamente por si mesmo. Seu senti- idéia expressa por um verbo, como em adiar/adia-
do é construído não só pelo produtor como tam- mento ou promover/promoção). A substituição in-
bém pelo recebedor, que precisa deter os conhe- clui a sinonímía, a antonímia, a híponírnia (quando
cimentos necessários à sua interpretação. O pro- o termo substituído representa uma parte ou um ~';' '

dutor do discurso não ignora essa participação elemento e o substituidor representa o todo ou a 1-, "

do interlocutor e conta com ela. É fácil verificar classe - ex.: carroça/veículo), e a hiperonímía !!'
" .
que grande parte dos conhecimentos necessários (quando o termo substituído representa o todo ou .',

à compreensão dos textos não vem explícita, mas a classe e o substituidor uma parte ou um elemen-
fica dependente da capacidade de pressuposição to - ex.: objeto/caneta). Finalmente, a associação
e inferência do recebedor. é o processo que permite relacionar itens do voca-
Assim, a coerência do texto deriva de sua ló- bulário pertinentes a um mesmo esquema cognítí-
gica interna, resultante dos significados que sua vo (por exemplo, se falamos aniversário, podemos
rede de conceitos e relações põe em jogo, mas em seguida mencionar bolo, velinha, presentes, e
também da compatibilidade entre essa rede con- esses termos serão interpretados como alusivos ao
ceitual- o mundo textual - e o conhecimento mesmo evento).
de mundo de quem processa o discurso. A coerência e a coesão têm em comum a ca-
A coesão é a manifestação lingüística da coe- racterística de promover a ínter-relação semân-
rência; advém da maneira como os conceitos e re- tica entre os elementos do discurso, responden-
lações subjacentes são expressos na superfície do pelo que se pode chamar de conectividade
textual. Responsável pela unidade formal do tex- textual». A coerência diz respeito ao nexo entre
to, constrói-se através de mecanismos gramati- os conceitos e a coesão, à expressão desse nexo
no plano lingüístico. É importante registrar que
cais e lexicais.
o nexo é indispensável para que uma seqüência
Entre os primeiros estão os pronomes ana-
de frases possa ser reconhecida como texto. En-
fórícos, os artigos, a elípse, a concordância, a cor-
tretanto, esse nexo nem sempre precisa estar ex-
relação entre os tempos verbais, as conjunções,
plícito na superfície do texto por um mecanismo
por exemplo. Todos esses recursos expressam re- de coesão gramatical. Vejamos um exemplo:
lações não só entre os elementos no interior de
uma frase, mas também entre frases e seqüências (1)O Pedro vai buscar as bebidas. A Sandra tem
de frases dentro de um texto. que ficar com os meninos. ATereza arruma
Já a coesão lexical se faz pela reiteração, pe- a casa. Hoje eu vou precisar da ajuda de to-
la substituição e pela associação. A reiteração se do mundo.

6 7
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Uma fala como (1) é perfeitamente aceitável, tem a explicitação de relações que, implícitas, po-
tem coerência, faz sentido. Entretanto não apre- deriam ser de difícil interpretação, sobretudo na
senta marcadores sintáticos específicos que de- escrita.
notem sua coesão. O nexo entre as frases se cons- Nas seqüências (3) e (4) abaixo, por exemplo,
trói não no nível gramatical, mas no nível sernân- O nexo é facilmente recobrável pelo leitor, embora

tico-cognitivo. não manifesto na superfície:


Por outro lado, uma seqüência de frases in- .
terligadas por marcadores lingüísticas de coesão (3) A máquina parou. Está faltando energia
que não correspondessem a relações efetivas es- elétrica.
tabelecidas na estrutura lógico-semântico- (4 )Choveu. O chão está molhado.
cognitiva subjacente não seria um texto. É pos-
sível forjar artificialmente um exemplo para ilus- o mesmo não acontece, porém, com as frases
trar (normalmente, a competência textual intui- de (5a).a (Sf). Nesses casos, se a relação pretendi- .
tiva impede que as pessoas produzam seqüências da não vier expressa, o recebedor poderá atribuir
desse tipo): ao enunciado sentido diferente do que o autor que-
ria, sobretudo se, não se tratando de produção
(2) No rádio toca um rock. O rock é um rit- oral, não for possível depreender as intenções do
mo moderno. O coração também tem rit- produtor através da entonação. Veja-se:
mo. Ele é um músculo oco composto de
duas aurículas e dois ventrículos. (5a) Paulo saiu. João chegou.
(5b) Paulo saiu assim que João chegou.
Em (2), a presença de recursos coesivos in- (Se).Paulo saiu, mas João chegou.
terfrasais (a recorrência de item lexícal assi- (Sd) Paulo saiu, porque João chegou.
nalada por artigo definido, o articulador tam- (Se) Paulo saiu, apesar de João ter chegado.
bém e o pronome anafórico ele) não é suficien- (Sf) Se Paulo saiu, João deve ter chegado.
te para garantir textualidade à seqüência, já que
ela não funciona como um todo significativo coe- Casos similares a (3) e (4) foram estudados
por Isenberg (1968), que os interpretou como pos-
rente.
Entretanto, é inegável a utilidade dos meca- sibilidades de "textualízação" entre frases assin-
nismos de coesão como fatores da eficiência do déticas, O primeiro exemplifica a textualização
discurso. Além de tornar a superfície textual es- por "conexão causal" (a máquina parou porque
tável e econômica, na medida em que fornecem está faltando energia elétrica) e o segundo, por
possibilidades variadas de se promover a conti- "interpretação diagnostica" (pode-se verificar que
nuidade e a progressão do texto, também perrni- choveu pelo fato de o chão estar molhado).

8 9
',

,',

Ao contrário, os exemplos (5b-f), inspirados alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender, etc.,


em Garcia (1977: 18-20, 262-264), não podem dis- e é ela que vai orientar a confecção do texto.
pensar a conjunção, porque o nexo conceitual en- Em outras palavras, a intencionalidade diz
tre as informações é, digamos, mais frouxo e, por- respeito ao valor ilocutório do discurso, elemen-
tanto, de processamento não imediato. Há diferen- to da maior importância no jogo de atuação co- .:- '

tes possibilidades de articulação e, por isso, a op- municativa. . :': .


ção por, uma delas precisa ser explícita. O outro lado da moeda é a aceitabilidade, que
Além disso, os recursos coesivos, quandopre- conceme à expectativa do recebedor de que o con-
sentes, devem obedecer a padrões prévios, caso junto de ocorrências com que se defronta seja um
contrário seu emprego será percebido como "in- .textó coerente, coeso, útil e relevante, capaz de
fração textual'", tornando "irregular" a seqüên- .levá-lo a adquirir conhecimentos ou a cooperar
cia em que ocorrem. Alguns dos princípios que com os objetivos do produtor.
orien tam o emprego desses recursos, serão lem- , Grice (1975,1978)10 estabelece máximas con-
brados mais adiante. versacionais, que seriam estratégias normalmen-
Resumindo o que foi dito, o fundamental para te adotadas pelos produtores para alcançar a acei-
a textualidade é a relação coerente entre as idéias. tabilidade do recebedor. Tais estratégias se refe-
A explicitação dessa relação através de recursos rem à necessidade de cooperação (no sentido de
coesivos é útil, mas nem sempre obrigatória. En- o produtor responder aos interesses de seu inter-
tretanto, uma vez presentes, esses recursos devem locutor) e à qualidade (autenticidade), quantida-
ser usados de acordo com regras específicas, sob de (informatividade), pertinência e relevância das o

pena de reduzir a aceitabilidade do texto. informações, bem como à maneira como essas in-
formações são apresentadas (precisão, clareza, or-
o denação, concisão, etc).
,2.2. Os fatores pragmáticos da textualidade Mas é possível que, deliberadamente, o pro-
dutor queira apresentar um texto que desrespei-
Entre os cinco fatores pragmáticos estudados te alguma(s) dessas máximas. Tal intenção, reco-
por Beaugrande e Dressler (1983), os dois primei- nhecida pelo recebedor, ganhará função significa-
ros se referem aos protagonistas do ato de comu- tiva e resultará em efeito de sentido importante
nicação: a intencionalidade e a aceitabilidade. no jogo interativo. É o que Grice chama de "im-
A intencionalidade concerne ao empenho do plicatura conversacional": o recebedor prefere su-
produtor em construir um discurso coerente, coe- por que a infração aos princípios conversacionais
so e capaz de satisfazer os objetivos que tem em seja intencional e tenha alguma significação do que
mente numa determinada situação comunicativa. simplesmente aceitar que seu interlocutor possa
A meta pode ser informar, ou impressionar, ou produzir um discurso impertinente e sem sentido.

10 11
Charolles (1978:38) afirma que, em geral, o re- nicas das placas de trânsito, mais apropriadas à
cebedor dá um "crédito de coerência" ao produ- situação específica em que são usadas do que um
tor: supõe que seu discurso seja coerente e se em- longo texto explicativo ou persuasivo que os mo-
penha em captar essa coerência, recobrindo lacu- toristas sequer tivessem tempo de ler.
nas, fazendo deduções, enfim, colocando a servi- A conjunção dos três fatores já mencionados
ço da compreensão do texto todo conhecimento resulta numa série de conseqüências para a prá-
de que dispõe. tica comunicativa.
Assim, a comunicação se efetiva quando se es- Em primeiro lugar, é importante para o pro-
tabelece urrç contrato de cooperação entre os in- dutor saber com que' conhecimentos do recebedor
terlocutorea, de tal modo que as eventuais falhas ele pode contar e que, portanto, não precisa ex-
do produtor são percebidas como significativas (às . plicitar no seu discurso. Esses conhecimentos po- ;'.

~;..~.
vezes, o sentido do texto está na sua aparente fal- dem advir do contexto imediato ou podem pree-
ta de sentido - cf. a piada), ou são cobertas pela xistir ao ato comunicativo. Assim, uma.informa-
tolerância do recebedor. A margem de tolerância ção aparentemente absurda como o exemplo a se-
é tanto maior quanto mais conhecido é o assunto guir, extraído de Elias (1981: 45), fará sentido pa-
e mais informal é a situação. O produtor sabe da ra quem souber que Maria sofre de problemas gás-
existência dessa tolerabilidade e conta com ela, tricos de fundo nervoso e que passa mal sempre
assim como conta a capacidade de pressuposição que come tensa, ·preocupada com o horário:
e inferência do recebedor. Essa "cumplicidade"
do recebedor para com o texto é que possibilita (6) Maria teve uma indigestão embora o re-
que a produção não seja tarefa excessivamente di- lógio estivesse estragado.
fícil e tensa e, assim, viabiliza o jogo comunicativo.
O terceiro fator de textualidade, segundo Daí vem a noção de coerência pragmática, ou
. Beaugrande e Dressler (1983), é a situacionalida- seja, a necessidade de o texto ser reconhecido pe-
de, que diz respeito aos elementos responsáveis lo recebedor como um emprego normal da lingua-
pela pertinência e relevância do texto quanto ao gem num determinado contexto.
contexto em que ocorre. É a adequação do texto Outra conseqüência da conjugação desses
à situação sociocomunicativa. três fatores de textualidade é a existência dos di-
O contexto pode, realmente, definir o senti- versos tipos de discurso. A praxe acaba por esta-
do do discurso e, normalmente, orienta tanto a belecer que, numa dada circunstância, tendo-se
produção quanto a recepção. Em determinadas em mente determinada intenção ilocucional,
circunstâncias, um texto menos coeso e aparen- deve-se compor o texto dessa ou daquela manei-
temente menos claro pode funcionar melhor, ser ra. Assim, há convenções que regem o funciona-
mais adequado do que outro de configuração mais . mento da linguagem na interação social e que de-
completa. Servem de exemplo as inscrições lacô- terminam, especificamente, qual o tipo partícu-

12 13
lar de discurso adequado a cada ato comunicati- informações necessárias ao seu processamento,
vo. Essa questão é da maior importância para mas é preciso que ele deixe inequívocos todos os
quem trabalha com o ensino de redação, pois vem dados necessários à sua compreensão aos quais
daí o fato de que a textualidade de cada tipo de o recebedor não conseguirá chegar sozinho.
. ~. .
discurso envolve elementos diferentes. O que é Beaugrande e Dressler (1983) falam ainda de i:' .
qualidade num texto argumentativo formal po- um outro componente de textualidade: a íntertex-
! ::.
derá ser defeito num poema, ou numa estória de tualidade, que concerne aos fatores que fazem a : ....
suspense, ou numa conversa de botequim, por utilização de um texto dependente do conhecimen-
exemplo. to de outro(s) textoís). De fato, "um discurso não"
O interesse do recebedor pelo texto vai de- vem ao mundo numa inocente solítude, mas
pender do grau de iniormatividade de que o últi- "contróí-se através de um já-dito em relação ao qual
"
mo é portador. Esse é mais um fator de textuali- ele toma posição"!', Inúmeros textos só fazem
"

..~:'
';', " .
dade apontado por Beaugrande e Dressler (1983) sentido quando entendidos em relação a outros ~:(. . .'

e diz respeito à medida na qual as ocorrências de textos, que funcionam como seu contexto. Isso é ~1·~·
'. '
um texto são esperadas ou não, conhecidas ou verdade tanto para a fala coloquial, em que se re- ~""':""
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não, no plano conceitual e no formal. Ocorre que tomam conversas anteriores, quanto para os pro- V~':.
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um discurso menos previsível é mais informati- nunciamentos políticos ou o noticiário dos jornais,
vo, porque a sua recepção, embora mais traba- que requerem o conhecimento de discursos e no-
lhosa, resulta mais interessante, mais envolven- tícias já dívulgadas, que são tomados como pon-
te. Entretanto, se o texto se mostrar inteiramen- to de partida ou são respondidos.
te inusitado, tenderá a ser rejeitado pelo recebe- Há aqui uma questão interessante que não é
dor, que não conseguirá processá-lo. Assim, o mencionada pelos autores. b que o mais freqüen-
ideal é o texto se manter num nível mediano de te interlocutor detodos os textos, invocado e res-
" informatividade, no qual se alternam ocorrências pondido consciente ou inconscientemente, é o dis-
de processamento imediato, que falam do conhe- curso anônimo do senso comum, da voz geral cor-
cido, com ocorrências de processamento mais tra- rente: Assim, avaliar a íntertextualídade, em sen-
balhoso, que trazem a novidade. tido lato, pode significar analisar a presença des-
Para mim, o texto com bom índice de infor- sa fala subliminar, de todos e de ninguém, nos tex-
matividade precisa ainda atender a outro requi- tos estudados'ê. Por outro lado, como esse dis-
sito: a suficiência de dados. Isso significa que o curso é de conhecimento geral, pode-se também
texto tem que apresentar todas as informações considerá-lo como informação previsível e avaliar
necessárias para que seja compreendido com o sua presença como elemento que faz baixar o grau
sentido que o produtor pretende. Não é possível de informatividade. Foi essa a minha opção na
n€ID desejável que o discurso explicite todas as análise de redações que apresento adiante.

14 15
Relacionando os conceitos de texto e textua-
lídade, poder-se-ia dizer, em princípio, que a uni-
dade textual se constrói, no aspecto sociocornu-
nicativo, através dos fatores pragmáticos (inten-
cionalidade, aceítabílidade, situacionalidade, in-
formatívídade e íntertextualidade): no aspecto se-
mântico, através da coerência; e, no aspecto for- CAP!TULO 2
mal, através da coesão.
É possível, no entanto, repensar esse arran-
jo, se se considerar que a informatividade e a in- ~. -.

tertextualidade dizem respeito, também, à rnaté-


ria conceitual do discurso, na medida em que li-
dam com conhecimentos partilhados pelos inter- COMO AVALIAR A TEXTUALIDADE?
locutores. Ao mesmo tempo que contribuem pa-
ra a eficiência pragmática do texto, conferindo-
lhe interesse e relevância, esses dois fatores tam-
bém se colocam como constitutivos da unidade
lógico-sernântico-cognitiva do discurso, ao lado
da coerência. Assim, poder-se-ia situá-los a cava- 1. Questões preliminares ~,'.'. "

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leiro, parte D.O plano socíocomunícatívo, parte no
plano semãntico-conceitual. Foi dessa maneira Um dos pontos-chave da lingüística textual
que os considerei neste trabalho. é a discussão sobre o que faz de um texto um tex-
to, isto é, em que consiste a essência de um tex-
to, que propriedade distingue textos de não-
textos. A essa discussão grande número de estu-
dos recentes responde apontando a coerência co-
mo fator fundamental da textualidade e, em fun-
ção dessa resposta, tenta esclarecer o que é e de
que é feita a coerência de um texto. A conceitua- :.
ção teórica, que busca estabelecer em que nível
se situa e com que elementos lida a coerência, se t;"

mostra, muitas vezes, fruto da análise ernpírica,


empenhada em descobrir que características .......
usualmente apresentam os textos coerentes. Es-

16 17
sas características são chamadas por alguns de me acertadamente observa Widdowson (1981: 56),
condições ou requisitos de coerência, porque, se a aceitabilidade de um texto se prende à sua iden-
um texto coerente tem qualidades específicas que tificação como "um emprego normal da língua".
o distinguem dos incoerentes, pode-se afirmar Ora, em situações diferentes, são diferentes as ex-
.que, para ser coerente, um texto precisa apresen- pectativas quanto ao que seja "normal" e aceitá-
tar tais qualidades. Assim, a observação empíri- vel. Assim, os critérios aplicáveis ao corpus des-
ca possibilita a descrição, que, por sua vez, per- ta pesquisa podem não ser adequados para o jul-
mite a formulação de critérios para a análise gamento da textualidade de discursos de outro
textual. tipo e construidos com outros objetivos. Os tex-
Neste trabalho, tomo como ponto de parti- tos por mim analisados, por exigência da natu-
da a descrição fornecida por estudiosos da ques- reza e do programa do concurso vestibular, se re-
tão e utilizo como instrumento critérios de ava- vestem de peculiaridades que não se podem dei-
liação que considerei adequados ao modelo teó- xar de levar em conta: são textos escritos, for-
rico adotado. Para avaliar a coerência e a coesão mais, de função referencíal dominante, compos- , i"'" . ., .
das redações do corpus, tomei como base as cha- tos de introdução, desenvolvimento e conclusão, :;:

madas "meta-regras" formuladas por Charolles através dos quais os candidatos buscam demons-
(1978) e, para os demais fatores de textualidade, trar sua habilidade de expor idéias e argumen- ..:::
;
~.
: (j.

orientei-me pelo que propõem Beaugrande e tar em torno de determinado problema. Os requi- i ~*~'. .'

i
Dressler (1983). sitos a que esse tipo específico de texto deve res- 'I

:', '

ponder para angariar aceitabilidade são certa- .i~·~


..:
Antes de apresentar e discutir os critérios de ~.. 0-·
"

avaliação adotados, é preciso deixar claros alguns mente impraticáveis para uma conversa descon-
pontos. traída, um poema ou um romance, por exemplo.
Primeiro quero registrar que a intenção aqui Resta ainda uma observação a fazer, quanto
não é, de maneira alguma, prescritiva. Não se está à organização dada ao grupo de fatores levados
aqui fornecendo mais uma receita, ou uma nova em conta no julgamento das redações. Como to- F:,'
lista de macetes, à qual as redações escolares de- das elas.foram produzidas sob as mesmas condi- ..
~
....
;

vam se conformar para obter boas notas e se apro- ções (o vestibular) e não me era possível ter acesso
ximar do modelo que garante aprovação no vesti- a cada produtor individualmente, examinei em
bular. O que se pretende é, a partir de um quadro bloco a interferência dos fatores pragmáticos em
de características identificadas em textos que "fun- sua textualidade. Quero dizer: a intencionalida-
de, a aceitabilidade e a situacionalidade não fo- :: .
cionam", construir um quadro adequado para bali-
zar a avaliação do funcionamento de outros textos. 'ram analisadas em cada redação particular; foi
o:
Em segundo lugar, quero delimitar a aplica- ~eita uma análise desses três fatores para o cíln-
bilidade dos critérios a serem adotados. Confor- Junto das redações. Por outro lado, ampliei o CDn-

18 19 o'

~.
~. .'

~;
li.-
f···· ' .
:'.. '
ceito de informatividade, de modo a incluir nele Para Charolles (1978), um texto coerente e
a suficiência de dados e a intertextualidade (já que coeso satisfaz a quatro requisitos: a repetição, a
os textos requeridos para a interpretação do texto progressão, a não-contradição e a relação, Vou
I'X" constituem informações prévias necessárias chamá-los, aqui, de continuidade, progressão, não-
ao texto "X"). Assim, entendendo a informativi- contradição e articulação.
dade, bem como a coerência e a coesão como fa-
tores centrados no texto, concernentes a elemen-
tos constitutivos do texto, avaliei a presença e o 2.1. A continuidade
funcionamento desses três componentes da tex-
tualidade em cada redação do corpus.. A continuidade diz respeito à necessária re-
tomada de elementos no decorrer do discurso.
Tem a ver coIl1 sua unidade, pois um dos fatores
. ~:.
2. Critérios para a análise da coerência que fazem com que se perceba um texto como um :-:." "

e da coesão ' todo único é a permanência, em seu desenvolvi-


mento, de elementos constantes. Uma seqüência
Entendida a coerência como a configuração que trate a cada passo de um assunto diferente
.:.'
conceitual subjacente e responsável pelo sentido certamente não será aceita como texto. ,

:' ~,>"
do texto, e a coesão como sua expressão no pla- Quanto à coerência, esse requisito se mani-
~''-.:' . .
no lingüístíco, é preciso esmiuçar essas noções, festa pela retomada de conceitos, de idéias. Quan-
para perceber de que são feitos esses fatores e to à coesão, pelo emprego de recursos lingüísti- t·:
como se apresentam ou deixam de se apresentar cosespecíficos, tais como a repetição de palavras,
,~ .
em produções lingüísticas reais tais como as re- o uso de artigos definidos ou pronomes demons- ' "

I;·· .,
dações dos alunos na escola. trativos para determinar entidades já menciona- i·'.'...
É interessante a proposta do lingüista fran- das, o uso de pronomes anafóricos e de outros ter- , :',
.
cês Charolles (1978), porque parte exatamente da mos vícários (como os pró-verbos ser e fazer e os ".,'

análise de redações de "estudantes da escola ele- pró-advérbios lá, ali, então, etc.), a elipse de ter- ~. .
mentar e do ensino médio. Nessa tentativa de ex- mos facilmente recobráveis, entre outros me-
plicitar o sistema implícito de regras referentes canismos.
à composição e à interpretação de textos, que O emprego desses mecanismos de coesão
constitui a competência textual presente em to- obedece a regras específicas, corno já disse. Por
do falante~o autor se vale também das interven- exemplo, os pronomes anafórícos devem concor- ,.~ ..

ções feitas pelos professores, de modo a perce- dar em gênero e número com o termo que subs-
ber o fenômeno em seus dois momentos funda- tituem. Assim, uma seqüência como a que se se-
mentais - a produção e a recepção. gue conterá uma infração textual, se ocorrer em
'~'. ,

20 21
discurso escrito formal, em cuja recepção a ex- se esses elementos são retomados conveniente-
pectativa é de respeito ao dialeto padrão: mente pelos recursos adequados. Não cabe aqui
fazer o levantamento e a descrição de todas as
(7) O menor abandonado preocupa a popula- regras que governam o emprego desses recursos,
ção das grandes cidades porque a rnargí- mas posso afirmar que elas fazem parte da gra-
nalidade acaba os levando ao crime. mática intuitiva de todo falante, que é capaz não
só de empregá-ias naturalmente como de reconhe-
Outra exigência cabível quanto a esse tipo de cer as eventuais falhas no seu uso (tendo em vis-
discurso é que só podem recobrar por pronome ta, é claro, as contingências pragmáticas da atua-
elementos expressos na superfície textual. O alu- ção comunicativa).
no autor da frase abaixo infringiu essa exigência " Na análise das redações do corpus, conside-
ao preferir a expressão" reação humana" a rea-
11 rei a continuidade requisito da coerência e obser-
ção do homem", porque sua opção acabou dei- vei se os recursos lingüísticos que servem à ex-
xando sem antecedente expresso o pronome que pressão desse requisito foram empregados de mo-
vem em seguida: do a favorecer a coesão textual.
J :-::

(8) Pode-se definir conhecimento como a rea- " '

~;,.
ção humana ao meio que o cerca. 2.2. A progressão · '::".

Um caso muito freqüente de "desvio de coe- Para CharoHes (1978), a progressão, contra- ~('
,:; ..
são", no ~izer de Elias (1981: 59-60), é aquele em partida da repetição ou continuidade, é a segun-
~ue o emprego do pronome anafórico cria ambi- da condição de coerência e coesão. O texto dev
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güidade, porque há mais de um termo que pode retomar seus elementos conceituais e formais,
'lhe servir de antecedente. A seqüência abaixo mas não pode se limitar a essa repetição. É pre-
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exemplifica o problema: ciso que apresente novas informações a propósi-
to dos elementos retomados. São esses acrésci- :,' '

(9) Ana estava conversando com Teresa e Ro- mos semânticos que fazem o sentido do texto pro- -:....
.i:::
sa chegou. Aí ela contou que está namo- gredir e que, afinal, o justificam. '
-.: .
rando João. No plano da coerência, percebe-se a progres-
.:-
são pela soma de idéias novas às que já vinham
Assim, avaliar a continuidade de um texto é sendo tratadas. No plano da coesão, a língua dis-
verificar, no plano conceitual, se há elementos põe de mecanismos especiais para manifestar as
que percorrem todo o seu desenvolvimento, relações entre o dado e o novol3• Por exemplo, o ,,' ,
~:...
confer-indo-lhe unidade; e, no plano lingüistico, dado, que costuma coincidir com o tópico, em "
;.:' , '
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22 23

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âmbito das relações do texto com o mundo a que
geral é retomado anaforicamente e aparece no iní-
se refere. .
cio de frases ou mesmo parágrafos ou seqüências
Para ser internamente coerente, o texto pre-
de frases. Já a informação nova com freqüência
cisa, em primeiro lugar, respeitar princípios ló-
se expressa pelo comentário e figura no final das
gicos elementares. Não pode, por exemplo, afir-
frases. A progressão pode se fazer pelo acrésci-
mar A e o contrário de A. Suas ocorrências não
mo de novos comentários a um mesmo tópico, ou
podem se contradizer, têm que ser compatíveis
pela transformação dos comentários em novoS tó-
entre si, não só no que trazem explícito como tam-
picos. A mudança de tópico deve se apresentar
bém no que delas se pode concluir por pressupo-
inequívoca para o recebedor, sob pena de causar
sição ou inferência.
dificuldades de compreensão, visto que a tendên-
Por outro lado, para ser coerente, o texto não
cia mais comum é interpretar as anáforas de uma
pode contradizer o mundo a que se refere. O mun-
'passagem como referentes ao tópico dessa pas-
do textual tem que ser compatível com o mundo
sagem. O texto que não deixa claro, a cada pas-
que o texto representa. Assim, um discurso refe-
so, de que está tratando pode levar o recebedor
rente ao mundo real não pode deixar de conside-
a um processamento indevidoque, na melhor das
rar algumas pressuposições básicas que integram
hipóteses, precisará ser refeito. Há, no português,
a maneira comum de pensar esse mundo e que
conf)truções, palavras e locuções que servempa-
subjazem à comunicação textual: as causas têm
ra destacar de maneira especial o tópico de uma
efeitos; os objetos têm identidade, peso e massa;
passagem, colocando-o em posição de foco: quan-
dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tem-
to a, a respeito de, no que se refere a; ~er Srt que
po, o mesmo lugar no espaço, etc.
X, é que, até, mesmo, o próprio, etc.
A exigência de não-contradição se aplica não
A progressão foi considerada como condi- ....
só ao plano conceitual (da coerência), mas tam- · ;',

ção de coerência na análise das redações. Para- .


bém ao plano da expressão (da coesão). Por exem- · .'
.
lelamente, foi observado se essa condição foi ~
"'-,

...
plo,através do emprego dos. tempos e aspectos
bem expressa, através dos recursos disponíveis.
verbais, o texto instaura um sistema próprio de ',;'.i,' .
no português, de maneira a dar ao texto mais -;
situação dos fatos a que alude, tornando por re- · ;'.::-
coesão. ferência omomento da comunicação ou um mo- ;:-
mento determinado pelo texto mesmo. A moda-
lidade é outro elemento do sistema de funciona-
2.3. A não·co'ntradição
\ mento discursivo. Trata-se da atitude do produ-
tor tanto em relação ao conteúdo proposicional
O terceiro requisito proposto por Charolles
e ao valor de verdade de seu enunciado quanto
(1978) é o da não-contradição, que deve ser
em relação ao próprio recebedor. Essa atitude se
observado tanto no âmbito interno quanto no
25
24 ,'. .'
',

"

"
ridades pelo menor abandonado". Casos desse ti-
manifesta lingüisücamente pelo emprego dos mo- po situam-se, a meu ver, na região Iimítrofe en-
dos verbais e de itens especificos, como os ver- tre a coesão e a coerência, porque, embora se ma-
bos modais, alguns advérbios (talvez, certamen- nifestem no nível da expressão, concernem à vei-
te) e os chamados verbos ilocut6rios (achar, acei- culação de conceitos e têm implicações sobre a
tar, considerar, admitir, exigir, deplorar, declarar, estrutura lógico-semântica do texto.
negar, etc.). As contradições relativas a esses dois Nas redações do corpus, a não-contradição in-
elementos do que Charolles (1978: 23) chama" re- terna e externa foi tomada como condição de coe-
gime enunciativo", a menos que intencionais e vi- rência. Quanto à coesão, foi verificado se os re-
sando a efeitos esti1ísticos, podem causar emba- cursos lingüísticos empregados serviram ao bom
raço ou estranheza ao recebedor. funcionamento discursivo, tornando o todo t~·
A configuràção do mundo textual pode se ex- tuallivre de contradição. '
pressar língüísticamente através do emprego de
. :..
verbos, expressões e construções "criadores de .':

mundo", no dizer de Charolles (1978: 28): sonhar, 2.4. A articulação


imaginar, pensar, acreditar, gostar (no condicio-
nal, gostaria que); no caso de, na hipótese de; se- o quarto e último requisito de coerência pro-
ja ..., faz de conta que, era uma vez, etc. A não ser posto por Charolles (1978) é a relação, que eu cha-
que objetivando efeitos intencionais específicos, mo aqui de articulação. O autor, considerando va-
o emprego contraditório desses recursos também go o termo relação, procura delimitá-lo,
pode acarretar distúrbios à interpretação do dis- re~atizando-o de congruência e estabelecendo que
curso, na medida em que contraria as expectati- dOISfatos serão congruentes quando um for uma ,~ ~: ,
~ .) ..
vas do recebedor. causa, condição ou conseqüência pertinente' do •
),
I"~
;'
Um problema concernente à exigência da outro. , o':··

não-contradição, ao qual Charolles (1978)não faz Neste trabalho, o termo 'articulação não co-
referência, consiste no que eu chamei de constra- brirá apenas essas três relações. Com ele estarei " "

diçâo léxico-semântica. Trata-se de inadequaçã.o me referindo à maneira como os fatos e concei-


muito freqüente nas redações escolares e que dIZ tos apresentados no texto se encadeiam, como se
.~.
respeito ao uso do vocabulário: muitas vezes o sig- organizam, que papéis exercem uns com relação
nificante empregado não condiz com o significa- aos outros, que valores assumem uns em relação
do pretendido'ou cabível no texto. Tal contradi- aos outros. Avaliar a articulação das idéias de um
,
, ,
"

ção resulta do desconhecimento, por parte do texto, para mim, significa verificar se elas têm
usuário, do vocábulo a que recorreu. Um exem- a ver umas com as outras e que tipo especifico .,;
plo elucidativo é o de um vestibulando que recla- de relação se estabelece entre elas (além das re- .. .
-';

mava, em sua redação, contra "o desvelo das auto- ....

27
26
lações de continuidade, progressão e não- 2.5. Para encerrar
contradição, já cobertas pelas outras condiç~e.s
de coerência). São dois aspectos a serem verifi- Aceita a proposta de Charolles (1978) - com
cados: a presença e a pertinência das relações en- a ressalva feita quanto à sua não-universalidade
tre os fatos e conceitos apresentados. O texto po- -, avaliar a coerência de um texto denotativo, es-
'de apresentar fatos e conceitos relacionáveis sem crito e formal, será verificar se, no plano
estabelecer ligações entre eles, ou pode estabe- lógico-semântíco-cognitivo, ele tem continuidade
lecer relações não pertinentes entre os fatos e e progressão, não se contradiz nem contradiz o
conceitos que denota (porque não são relacioná- mundo a que se refere e apresenta os fatos e con-
veis, ou porque se relacionam de outro modo). ceitos a que alude relacionados de acordo com
Essas relações, como vimos, não precisam as relações geralmente reconhecidas entre eles
ser necessariamente explicitadas por mecanismos 'no mundo referido no texto. Avaliar a coesão se-
lingüísticos formais. PodemperEeitamente se es- rá verificar se os mecanismos Iíngüís tícosutilí-
tabelecer apenas no plano lógico-semântico- zados no texto servem à manifestação da conti-
conceitual (o da coerência). Entretanto, há recur- nuidade, da progressão, da não-contradição e da
sos específicos para sua expressão formal, no pla- articulação.
no da coesão. Entre eles podem-se mencionar os Dado o grande número de marcadores Iin-
mecanismos de junção (tradicionalmente chama- güísticos de coesão e dada a tremenda complexi- ~.:
. : .
..~
dos de conjunção), os articuladores lógicosdo dis- dade que envolveria a tarefa de formular restri-
curso (expressões como por exemplo, dessa for- ções pertinentes e exaustivas com relação ao em-
ma, por outro lado, etc.) e os recursos lingüísti- prego de cada um, meu julgamento das redações, ; ~,'.
.:

cos que permitem estabelecer relações temporais sobretudo neste particular, vai se basear na in-
entre os elementos do texto (a ordem linear de tuição e no bom senso. Será considerada infra-
apresentação desses elementos, as conjunções ção textual a ocorrência que acarretar embara-
temporais, alguns advérbios e expressões de va- ços à leitura, tendo em mente as expectativas re- .'"

lor adverbial, os numerais ordinais e alguns ad- sultantes do tipo de texto analisado.
jetivos, como anterior, posterior, subseqüente). A esse propósito, é bom lembrar o papel de-
Na análise das redações foram avaliadas a terminante dos fatores pragmáticos na comuni-
presença e a pertinência da articulação como con- cação efetiva. O contexto e a imagem do interlo-
dição de coerência e foi observado se, quando ne- cutor podem autorizar lacunas na configuração
cessários, os mecanismos língüístícos que explí- textual não possíveis noutras circunstâncias. É
citam as relações entre os elementos textuais es- relevante o fato de o produtor contar com os co-
tavam presentes e foram adequadamente empre- nhecimentos prévios do recebedor e com sua ca-
gados, contribuindo para a coesão do discurso. pacidade de press.uposição e inferêncía,

28 29

.....
,,' "
Daí advém uma conseqüência importante pa-
ra o trabalho com redação na escola. São freqüen-
tes, por exemplo, os casos de aparente incoerên-
cia resultante da não-explicitação de fatos ou de
relações entre fatos do mundo representado no
texto. Se o professor consegue reconhecer esse
mundo e refazer os elos ausentes, percebe o sen-
tido do texto e pode apontar ao aluno o problema
e a forma de saná-lo, Esse tipo de intervenção, de-
ve ficar claro; não obedece a imperativos cogniti-
vos, uma vez que o sentido do texto foi captado,
mas obedece ao que Charolles (1978: 37) chama de
"razões de deontologia discursiva superior". Em
outras palavras, o que funcionaria na comunica-
ção real é vetado na redação escolar em virtude
da preocupação do professor de ensinar a redigir.
Charolles (1978: 37) tem essa preocupação co-
mo legítima e a justifica pelo fato de o professor
considerar que nem todo leitor será capaz.de reali-
zar a mesma operação por ele efetuada para recu-
perar o sentido do texto e julgar-se, então, na obri-
gação de apontar o problema ao aluno, por enten-
der que todo discurso, se não for imediatamente
coerente e coeso, deve, pelo menos, ter o sentido
facilmente recobrável por qualquer recebedor. Pa-
ra mim, tal atitude será pertinente se explicitada
pelo professor e se levar em conta, também, o tipo
textual e as intenções do aluno produtor do texto.

3. Critérios' para a análise da informatividade

A informatividade é entendida pelos estudio-


sos como a capacidade do texto de acrescentar ao

30
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