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BOLETIM
TÉCNICO
ABRAVAS
Publicação digital da Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - Ano IV - Mai/2020 - nº 46
Foto da capa:
Profissional convidado:
M.V. André Grespan, MSc
E-mail: grespan@gmail.com
RESUMO
Introdução
Médicos veterinários que trabalham com animais silvestres e exóticos vivem um
constante desafio em busca de métodos terapêuticos mais eficazes que combinem
facilidade de aplicação ao mínimo estresse, pois lidam com espécies que, em cada evento
de tratamento podem estar sendo submetidos a riscos que poderiam comprometer a saúde
dos animais ou mesmo da equipe. O desejo de qualquer profissional que atue nesta área
seria o uso de medicamentos que combinem um longo tempo de ação com uma única e
fácil administração. Invariavelmente, o uso de uma droga que necessite de várias
aplicações ao dia para manter sua eficácia terapêutica inviabiliza sua utilização para estes
animais1.
Porém, essa busca não é exclusiva do médico veterinário de animais silvestres e
exóticos, mas sim de todos os profissionais envolvidos em saúde humana e animal. A
vantagem destes outros profissionais é que há grande investimento em pesquisa e
desenvolvimento de medicamentos que atendam essas expectativas, resultando no
surgimento de novas drogas, cada vez mais eficazes e seguras. Resta ao médico
veterinário que trabalha com animais silvestres e exóticos o trabalho árduo e, muitas vezes
empírico, de tentar adaptar e levar tais descobertas ao seu paciente.
A primeira barreira vem do ponto de vista legal e ético, no qual o profissional deve
estar ciente ao utilizar “extra bula” produtos desenvolvidos para animais domésticos ou
para medicina humana; há necessidade de adotar condutas baseadas em trabalhos técnicos
e científicos que forneçam subsídios para tal utilização, evitando assim os “achismos” ou
simples extrapolação linear entre espécies tão diferentes. O profissional deve ter em conta
o máximo de informações sobre composição, farmacocinética, farmacodinâmica,
toxicidade, fisiologia e metabolismo da droga e do indivíduo antes de prescrever um
medicamento; isso envolve dedicação pessoal na busca destas informações que vão dar
suporte, inclusive jurídico, à decisão de uso de determinado medicamento2.
Dentro desta perspectiva, o uso de antibióticos em animais silvestres e exóticos se
enquadra perfeitamente no problema acima descrito, pois praticamente todas as drogas
atualmente utilizadas foram desenvolvidas para animais domésticos ou para uso humano.
O surgimento de antibióticos de longa ação cria uma tentação quase irresistível para o uso
em espécies difíceis de serem medicadas regularmente.
Farmacodinâmica
A partir dos estudos farmacodinâmicos, os antimicrobianos basicamente podem
ser classificados em tempo-dependentes e em concentração-dependentes.
A - Fármacos tempo-dependentes
São aqueles que têm sua ação regida pelo tempo de exposição das bactérias às
suas concentrações séricas e teciduais. A ação destes antimicrobianos independe dos
níveis séricos que atingem, mas dependem do tempo que permanecem acima da
concentração mínima inibitória (CMI) para conseguir combater o microrganismo.
Comportam-se de acordo com esta classificação as penicilinas, cefalosporinas e outros β-
lactâmicos6,7.
Na prática, quando se utiliza um antimicrobiano tempo-dependente, deve-se
procurar maximizar a duração da exposição do patógeno ao fármaco. Dependendo da
farmacocinética, principalmente da velocidade de metabolização da droga, serão
necessárias várias aplicações ou infusão contínua para manter os níveis séricos acima da
CMI. Não importa que a concentração esteja muito ou pouco acima da CMI, basta estar
acima e manter-se assim o máximo de tempo possível6.
Para o correto uso de antimicrobianos tempo-dependentes é recomendado o
aumento no número de aplicações ou do tempo de infusão, associados ou não a doses
mais elevadas, particularmente em infecções causadas por bactérias que apresentam CMI
mais elevadas.
Acredita-se que o tempo que a concentração sérica do antibiótico deva se mantem
acima da Concentração Mínima Inibitória (CMI) em pelo menos 40% do dia para o grupo
dos carbapenêmicos, 50% para penicilinas e 60-70% para cefalosporinas (Fig. 1)6. Sendo
assim, o modo ideal de administração de fármacos destes grupos seria a infusão
endovenosa contínua, o que é praticamente impossível se tratando de animais silvestres e
exóticos.
Cefovecina sódica
A cefovecina sódica é um antibiótico de terceira geração que pertence ao grupo
das cefalosporinas. É um fármaco semissintético, bactericida e com um largo espectro de
ação contra as bactérias Gram-positivas e Gram-negativas11.
As cefalosporinas são antibióticos que apresentam meia vida curta e são
principalmente excretados pelo rim (com algumas exceções). Alcançam nível terapêutico
na maioria dos tecidos, mas não conseguem penetrar nas células, confinadas a fluidos
extracelulares e mal passam através das membranas biológicas. São agentes
antimicrobianos relativamente seguros. Os efeitos adversos geralmente não são graves e
ocorrem com frequência relativamente baixa 12. Mais importante ainda, o uso da maioria
das cefalosporinas, incluindo a cefovecina, é contraindicado em pequenos herbívoros,
incluindo coelhos e porquinhos da índia, devido à destruição de sua microbiota intestinal
natural13.
Possuem uma ação tempo-dependente sem efeito pós-antibiótico, ou seja, via de
regra necessitam manter um nível sérico acima do CMI por um período de tempo para
que funcione corretamente6.
A cefovecina, mesmo pertencendo ao grupo das cefalosporinas, consegue ter uma
meia vida longa e atuar como um antibiótico de longa ação baseado em uma única
aplicação devido a sua capacidade de se ligar às proteínas plasmáticas, o que impede sua
rápida excreção renal. A cefovecina é 100% excretada de forma inalterada pelos rins, sem
metabolização hepática14.
O uso da cefovecina na medicina veterinária de cães e gatos vem se ampliando,
uma vez que este antibiótico possibilita maior adesão ao tratamento pelo proprietário,
reduz a incidência de resistência antimicrobiana e ainda minimiza o estresse causado por
uma terapia prolongada. Porém, seu uso em outras espécies em geral pode não apresentar
os mesmos benefícios e a droga é rapidamente excretada11 .
Outros animais que conseguem aproveitar dos benefícios da droga (longa duração
com uma única aplicação) aparentemente são os que pertencem aos grupos dos canídeos
e felídeos, justamente por apresentarem proteínas plasmáticas que conseguem se ligar a
droga e consequentemente impedem sua rápida excreção12.
Apesar de ter o potencial de oferecer alguma vantagem no tratamento de animais
exóticos e silvestres, antimicrobianos como a cefovecina só devem ser utilizados quando
houver dados especificamente disponíveis para as espécies alvo, principalmente em
relação à farmacocinética, não desconsiderando os princípios básicos da
antibioticoterapia. Portanto, espera-se que estudos e relatos de casos mais específicos
gerem o conhecimento necessário que possibilite o uso desta droga no futuro. Até o
presente momento, os estudos apresentados que correlacionam a farmacodinâmica de
cefovecina em outros grupos de animais além de canídeos e felídeos contraindicam seu
uso1.
Conclusão
A escolha do tratamento, para obter os melhores resultados com o uso de um
antimicrobiano, deve ser o correto diagnóstico. Há um grande problema ao se pensar em
*As opiniões expressas no texto não representam, obrigatoriamente, a posição da ABRAVAS sobre o
assunto.