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e refletir
Josef Stalin e Adolf Hitler marcaram a história anos de sua morte, ainda gera curiosidade e inte-
com suas atrocidades, as quais até hoje geram resse. A marca que ele deixou levará muito tempo
consequências para a humanidade. Diante disso, para ser apagada – ou talvez nunca seja –, por-
nesta publicação, apresentamos a trajetória com- que as cicatrizes foram enormes e, até hoje, não
pleta de cada um dos líderes. De um lado, temos se fecharam. O próprio povo judeu faz que as feri-
Stalin – ditador russo que marcou o século 20 como das continuem abertas, purgando sobre o plane-
um dos mais atuantes e radicais governantes que ta a vergonha do que o ser humano é capaz de
estes cem anos presenciaram. Vindo de família fazer e a certeza de que tal absurdo jamais pode-
pobre, ele mesmo confessou que se tornara mar- rá voltar a acontecer. Para conhecer melhor suas
xista por conta de sua própria condição. Aos pou- atrocidades, nas páginas a seguir, apresentamos
cos, entregou-se completamente à causa revolu- a “obra” completa deste líder e as drásticas con-
cionária. Sob a bandeira do socialismo e a causa sequências que ela trouxe para diversas nações.
de transformar as relações políticas e socioeconô- Esta edição de Grandes Líderes da História bus-
micas em seu país e até no mundo todo, ele man- ca informar, mas, acima de tudo, gerar reflexão so-
dou e desmandou nos rumos da então URSS e de bre esses terríveis acontecimentos.
boa parte do planeta, passando para a história
como um dos maiores líderes políticos que o pla- Um grande abraço,
neta já conheceu. Os editores
Por outro lado, temos Hitler, que, mesmo após 70 redacao@editoraonline.com.br
AFP
S
talin era descendente de uma família de servos A FAMÍLIA
e viveu uma infância pobre, entre surras do pai, Os mistérios em torno de Stalin já começam pela defi-
que gostava muito de beber, e o carinho da mãe, nição de sua data de nascimento. A maioria afirma que ele
que teve de trabalhar para suprir a ausência do nasceu em 21 de dezembro de 1879. Mas pesquisas mais
sustento que deveria ser provido pelo pai. recentes, descobertas em 1990 em documentos de arqui-
A história de Josef Stalin confunde-se rapidamen- vos paroquiais, apontam para 6 de dezembro do ano an-
te com a dos movimentos socialistas revolucionários na terior. Dúvidas à parte, é certo que o líder russo era filho
Rússia imperial. Isso porque, na juventude, ele entraria de um casal de ascendência serva da Georgia, região inde-
para os devotos da revolução contra o czar e a favor do pendente que fora conquistada em 1801 pelos czares rus-
socialismo, e só deixaria o movimento com sua morte, em sos. O pai, sapateiro, deixou sua vila próxima a Tbillissi,
1953, como chefe da União Soviética. capital do Cáucaso, conhecida por Didi-Lilo, e mudou-se
Enquanto viveu, Stalin vivenciou dois momentos an- para Gori, cidadezinha de cinco mil habitantes.
tagônicos. Primeiro, foi o império russo atrasado que Vissarion Ivanovitch Djugachvili, quando ainda era
tentava sobreviver com um sistema alternativo ao capi- jovem, por volta de 1875, conheceu a mulher que viria
talismo e ao socialismo, sistema este que deixaria 80% da a ser sua esposa e a mãe de seus filhos. Casou-se com
população na miséria. Em um segundo momento, pós- Ekaterina Ghelazde, de apenas 15 anos, com quem teve
-revolução de 1917, ele se deparou com um país socialista três filhos até 1879, sendo que nenhum deles “vingou” –
que expandiu sua economia via uma industrialização ace- morreram logo depois do nascimento. Apenas a quarta
lerada, levando-o a vencer a 2a Guerra Mundial e a cons- criança sobreviveria – Iossef Vissarionovitch Djugachvi-
truir uma bomba atômica. li, mais tarde conhecido como Josef Stalin.
Em pouco mais de 30 anos, um abismo separava es- Como a maioria do povo russo ou dos povos domi-
sas duas Rússias. E Stalin esteve em ambas – na primei- nados pelo império, que era o caso da Geórgia natal de
ra, como opositor e revolucionário; na segunda, como Stalin, a família do futuro revolucionário bolchevique era
seu maior protagonista depois da morte de Lênin. São muito pobre. O que o pai ganhava como sapateiro não
estes dois mundos, o tempo de Stalin e sua participa- dava para pagar o aluguel e alimentar os três. Daí a mãe
ção neles, que iremos abordar nessas páginas de “Gran- ter começado a lavar roupas pra fora, “para equilibrar o
des Líderes da História”. orçamento”. Alguns biógrafos colocam que a frustração
AFP
blemas quando criança que SEMINÁRIO
o afetariam para o resto da O caráter religioso da
vida. Um deles foi a varío- mãe ajudou na decisão de
la, que teve aos 7 anos e que enviar o pequeno Soso –
lhe deixou marcas no rosto; apelido pelo qual era cha-
outro foi uma infecção no mado Stalin pelos mais
braço esquerdo, que, mes- próximos, que era um di-
mo após a recuperação, dei- minutivo georgiano de Iossef
xou o movimento prejudi- (algo como nosso Zezi-
cado e o membro mais cur- nho) – para a escola ecle-
to que o direito. Sobre este siástica de Gori. Deseja-
episódio, Stalin declarou à va intimamente a mãe que
sua cunhada posteriormen- seu filho fosse um homem
te: “Não sei o que me sal- dedicado à religião, um
vou, se minha constituição sacerdote. Desde muito
robusta ou o unguento de criança, Soso frequentava
um charlatão de aldeia”. a igreja e cantava no coro.
A figura paterna viveria Daí a alegria da mãe quan-
pouco ao lado do filho, pois do, em 1894, ele ingressou
morreria, segundo alguns, no Seminário Teológico de
numa briga de rua, quan- Tiflis, com a indicação de
do o menino tinha 11 anos. “melhor aluno”. Graças ao
Em termos financeiros, não diretor da escola e a um
surtiu muita diferença no padre, Stalin recebeu uma
orçamento familiar, pois, de bolsa de estudos e assim
fato, o sustento era provido conseguiu continuar sua
pela mãe. O pai, mesmo levando a 1894
Em , Stalin formação no seminário.
família a Tbilissi para tentar a vida
numa fábrica de sapatos, não con-
no
ingressou Seminário gumas Ainda na escola em Gori, al-
características foram des-
seguiu nada além de trocar, como Teológico de Tiflis, tacadas na personalidade de Sta-
escreveu Isaac Deutscher em “Sta-
lin: Uma Biografia Política” (Civi-
indicação
com a lin, entre elas a excelente memória
e a facilidade para aprender. No
lização Brasileira, 2006), “a escra- aluno
de “melhor ”. campo físico, era ágil e forte e do-
vidão à terra pela escravidão as-
salariada”. Sua morte, em 1890,
Graças ao diretor da
minava os colegas nas brincadei-
ras. Em compensação, já teria de-
colocou apenas fim a uma relação escola e a um padre , o monstrado sua agressividade e de-
conturbada e, muitas vezes, violen-
ta entre pai, mãe e filho. Em toda rapaz recebeu bolsa
senvolveria ali um pensamento de
questionamento quanto às dife-
sua vida, pouco Stalin falaria a res- estudos
de e renças sociais – já que era o único
filho de camponeses na escola. Foi
peito do pai, e quase nada se sabe
sobre ele. conseguiu continuar em Gori também que aprendeu o
Em relação à mãe, Deutscher sua formação idioma russo, ensinado na esco-
la quase que exclusivamente, ape-
também teceu considerações:
“Ekaterina possuía a paciência e o seminarista
de sar de em casa Stalin falar o geor-
O encontro com o
socialismo
Em 1900, Stalin já fazia parte de grupos marxistas que
pregavam contra o regime do czar. Quatro anos depois,
conhecia Lênin, o grande inspirador revolucionário, e
participaria da Revolução de 1905, agindo na organização
de populares e em ações de boicote ao governo. Começava a
surgir uma figura de importância para o nascente bolchevismo.
A partir dali, Stalin viveria para o Partido e para a Revolução
Por Lucas Pires
A
estada no seminário, ao contrário do que desejava
Ilustração: Felipe Ajzemberg
SOCIALISMO CLANDESTINO
A oposição ao regime não era novidade em fins do século
Karl Marx 19, quando Stalin surgiu no cenário político russo. O regime
AFP
uma cisão que se mostraria irredutível.
Enquanto isso, na Sibéria desde novembro de 1903,
Stalin-Koba programava sua fuga, que foi concretizada
em janeiro de 1904, com a desordem causada pela guer-
ra russo-japonesa. Um mês depois, viajando em carroças
e passando muito frio, Stalin chegou a Tbilissi, onde to-
mou conhecimento da cisão do partido, e logo se afinou
com o ideário bolchevique. Trotski afirma em sua bio-
grafia da Revolução que Stalin foi menchevique antes de
ser bolchevique, mas nada na postura dele, e mesmo sua
devoção a Lênin, indicam isso. As duas facções digladia-
vam-se entre si quando, em janeiro de 1905, explodiu a
revolução popular que inflaria todo o país. Nos dizeres
de Trotski, já na época conhecido do partido e aliado
dos mencheviques, a Revolução de 1905 foi o “ensaio ge-
ral para a Revolução de 1917”.
O ENSAIO DA REVOLUÇÃO
Conforme escreveram Dorothy e Thomas Hoobler
em “Grandes Líderes – Stalin” (Nova Cultural, 1985),
“foi a primeira confrontação séria entre o poder czarista
e o descontentamento popular provocado pelos salários
e pelas condições de trabalho nas indústrias em expan-
são, pelo peso crescente dos impostos, pela evolução da
guerra com o Japão e pela falta de direitos civis e meios
de expressão e ação política”. Lênin e Stalin em 1922
Pelo calendário russo, era 9 de janeiro quando uma
manifestação de populares – cerca de 200 mil pessoas pação política e incitavam a população a não pagar im-
– rumou para o Palácio de Inverno a fim de fazer um postos. Seu poder, por um breve período de tempo – até
pedido ao czar. Não havia armas nem queixas verbais ao a prisão de seus principais membros em novembro e de-
governante ou ao regime. Pelo contrário, carregavam car- zembro –, rivalizou com a administração oficial. O go-
tazes com ícones religiosos e retratos do czar, e cantavam verno do czar, diante da situação calamitosa, passou a
hinos de louvor ao chefe da nação. Apesar disso, Nico- querer negociar. Era ceder para não cair. Assim, em 30
lau II saiu de São Petersburgo na véspera da passeata, de outubro, no que se chamou de “Manifesto de Outu-
deixando para a ocasião a polícia cossaca. Aquele seria bro”, a Rússia era convertida em uma monarquia consti-
chamado de “o domingo sangrento”, pois a polícia, não tucional, em que a liberdade de expressão e as organiza-
obtendo sucesso na dispersão da massa, passou a atirar ções partidária e sindicais eram adotadas, e foi convoca-
sem dó nos manifestantes. Os tiros dos cossacos foram a da uma assembleia representativa, a Duma.
“ponta-de-lança” de uma revolução que, a partir dali, se O Soviete de Moscou, em dezembro, se rebelou e
espalharia por toda a Rússia através de greves, revoltas e foi sumariamente liquidado numa repressão que deixou
ações de boicote. mais de mil mortos. A partir desse momento, a Revolu-
As consequências negativas da guerra contra o Ja- ção começou a perder força na mesma medida em que
pão desde o ano anterior marcaram um dos pontos altos o regime se fortalecia baseado na força repressora. Era
de insatisfação da população. Seus efeitos seriam como hora de unir forças para resolver o que deveria ser feito.
fermento para a Revolução, tanto que, em setembro de Assim foi que, em abril de 1906, o IV Congresso do par-
1905, o governo russo firmou um acordo de paz, a fim de tido teve lugar na Finlândia, território sob domínio do
fazer voltar ao país as tropas ocupadas com a guerra para império russo. Ali se encontrariam todos os principais
combater os revolucionários. líderes da Revolução e do partido. Ali também nasceria
No final de outubro, a economia russa parou. En- a briga e a birra entre Trotski e Stalin, que culminaria no
tre os revolucionários, no mesmo outubro, foi criado o assassinato do primeiro em 1940 a mando do segundo.
Soviete de São Petersburgo, um conselho de deputados Seria nessa ocasião também que Stalin conheceria pes-
operários liderado por Leon Trotski. Queriam partici- soalmente seu líder e mentor, Wladimir Lenin.
A gestação da gr
Por Lucas Pires
Divulgação/ Discovery Networks
ande Revolução
terina morreu em 1907, deixando-lhe um filho, que se- Lênin. O resultado foi um dos textos mais bem escritos
ria criado pelos avós no Cáucaso. À beira do caixão para e originais de Stalin, e o primeiro a ser assinado por ele
o enterro, Stalin teria dito: “Ela era a única criatura que com o pseudônimo pelo qual ficaria marcado na história
conseguia entender meu coração... Com ela morre uma mundial. De Koba passava a ser K. Stalin, que significa “o
parte importante da minha vida. Está tudo vazio aqui, homem de aço”. “O Marxismo e a Questão Nacional” se-
tudo absolutamente vazio... é impossível dizer o quanto”. ria aprovado por Lênin e publicado na revista de sociolo-
Depois de perder a esposa, Stalin mudou-se para gia do partido, a “Prosvechtchenie” (Ilustração). No artigo,
Baku a fim de agitar os operários da indústria de petró- seu autor defendia a unidade dos povos de diferentes na-
leo. Sua ação na cidade não durou mais de nove meses, cionalidades sob a orientação de um só partido. Ou seja, o
mas rendeu uma greve geral. Seus ativistas foram elogia- socialismo marxista estaria acima das nacionalidades.
dos por Lênin como sendo “nossos últimos ativistas capa- Ao voltar para São Petersburgo, Stalin acabaria pre-
zes de organizar uma greve de massas com objetivos polí- so, delatado por Malinovski, colega do comitê central e
ticos”. O resultado do evento foi a prisão de Koba-Stalin. deputado bolchevique no Duma. Na verdade, ele era um
Condenado a dez anos de exílio, em junho de 1909, ele infiltrado da Okhrana. Dessa vez, não teve escapatória. O
fugiria e retornaria para Baku. homem de aço foi condenado ao exílio e enviado para a
Em 1910, voltaria ser preso e enviado para a Sibéria, Sibéria, onde permaneceu até o alvorecer da Revolução
fugindo novamente em fevereiro de 1912. Nesse mesmo em fevereiro de 1917. Seria dali, sob o frio da região, ao
ano, foi eleito membro do comitê central com a ajuda de lado de companheiros políticos, lendo e pescando, que ele
Lênin e se empenhou em lançar o jornal “Pravda”, cuja veria explodir a 1a Guerra Mundial em 1914. Com a im-
primeira edição saiu com editorial dele. O ano de 1912 plantação da lei marcial, a ideia da fuga acabou abandona-
seria marcado também pela posição de total ruptura de da, pois, caso fosse preso, seu destino seria o fuzilamento.
Lênin com os mencheviques, e pela aproximação com o
grupo bolchevique radical do Cáucaso, do qual Stalin fa- A GUERRA E O FIM DO CZARISMO
zia parte. Em janeiro de 1913, Lênin enviou Stalin para Hobsbawm é um dos historiadores a reforçar o cará-
Viena a fim de escrever um ensaio sobre a questão das ter contraditório da Rússia imperial pré-revolução. Se-
gências da guerra moderna, apoiada na grande indústria”. sim, vivendo na etapa prévia ao socialismo. O próprio
Assim, a situação do regime do czar tornou-se ex- Lênin, poucos dias antes da queda do czar, se questio-
tremamente delicada, piorando com o posicionamento nava se viveria para ver o socialismo na Rússia. Hobs-
contrário à guerra e ao próprio regime por parte dos bol- bawm, em “Era dos Extremos” (Cia das Letras, 2000),
cheviques. Além disso, o caos econômico adveio, com in- aponta esse caráter global da Revolução de Outubro de
flação alta e escassez de produtos alimentícios. 1917. “Foi feita não para proporcionar liberdade e socia-
Lênin, na Suíça, recebeu a notícia da guerra com fer- lismo à Rússia, mas para trazer a revolução do proleta-
vor. “Este é o melhor presente que o czar poderia nos riado mundial. Na mente de Lênin e de seus camaradas,
dar”, teria dito. Em seguida, entrou em depressão ao ver a vitória bolchevique na Rússia era basicamente uma ba-
que os deputados socialistas alemães apoiavam a guerra. talha na campanha para alcançar a vitória do bolchevis-
Então, passou a agir contra a guerra e em favor da Re- mo numa escala global mais ampla”.
volução. Lançou o slogan de “transformar a guerra impe- Foi dentro desse cenário de incertezas, de caos políti-
rialista em guerra civil” e se declarou um “derrotista revo- co e econômico que, em 2 de março de 1917 (o calendá-
lucionário”. Tal postura, que seria adotada pelos bolche- rio russo vigente era o juliano e não o gregoriano, o que
viques, seria tratada como traição pelo czar, e a resposta dava uma defasagem de 13 dias em relação ao Ocidente;
veio em forma de prisão dos deputados socialistas que se assim, tais eventos, inclusive a abdicação do czar, ocorre-
declaravam contra a guerra. ram na Rússia em fevereiro – daí esses acontecimentos
Trotski, de Paris, também se posicionou contra a serem chamados de “Revolução de Fevereiro”), depois de
guerra, pregando “nem vitória nem derrota, mas Revo- uma greve geral que parou o país por quatro dias, o czar
lução”. Enquanto isso, Stalin continuava preso. Historia- abdicou. “Quatro dias espontâneos e sem liderança na
dores divergem quanto ao papel dele nesse período. Al- rua puseram fim a um Império”, escreveu Hobsbawm. A
guns dizem que, com as novas prisões, ele teria convivi- fragilidade do regime ficava aí evidente.
do com diversos novos companheiros que o atualizaram
Leon Trotski
Stalin
Revolu
AFP
O
novo governo bolchevique, formado logo
após a Revolução de Outubro, era com-
posto por lideranças do partido. Lênin, seu
maior líder, tornou-se Presidente do Con-
selho dos Comissários do Povo (o mesmo que primei-
ro-ministro); Trotski foi nomeado Comissário do Povo
para Assuntos Internacionais, e Stalin acabou como Co-
missário do Povo para as Nacionalidades. Dos 15 inte-
grantes do governo, apenas quatro eram operários.
“Ao aceitar o slogan da guerra revolucionária, caímos deranças bolcheviques. Aconteceram motins e movimen-
nas mãos do imperialismo. A posição de Trotski não é tos de insurreição, que atingiram o ápice com a organiza-
posição alguma. Não há movimento revolucionário no ção de uma força contra-revolucionária – denominada de
Ocidente, não há nenhum fato de movimento revolucio- “Exército Branco” em oposição ao Vermelho dos bolche-
nário, há só potencialidades; e, no nosso trabalho, não viques – que teria apoio das potências ocidentais.
podemos nos basear só em potencialidades. Se os ale- Depois de assinado o acordo de paz, Trotski perdeu
mães começarem a avançar, isto reforçará a contra-revo- crédito e acabou deixando seu cargo de Comissário de
lução neste país. (...) Em outubro, falamos de guerra san- Relações Exteriores. Passou a ser o novo Comissário de
ta contra o imperialismo, porque nos disseram que a pa- Guerra, posto em que alcançaria o ápice de sua popula-
lavra ‘paz’, apenas, faria surgir a Revolução no Ocidente. ridade ao criar o Exército Vermelho, que se destacaria
Não foi o que aconteceu”. na defesa da Revolução durante a guerra civil. Trotski
Quando assinado o acordo, Lênin não escondeu seu idealizou o exército com voluntários e camponeses con-
“caráter vergonhoso”, mas sabia que aquela seria a única vocados. Para as lideranças das divisões, colocou ex-ofi-
solução viável para a Rússia. Pelo tratado, o país cedia a ciais czaristas. Como não podia confiar totalmente ne-
Polônia e os territórios do Báltico e da Ucrânia à Alema- les, designou comissários políticos ligados ao partido
nha. Em compensação, com a derrota germânica e a que- para acompanhá-los. Trotski descreveria tal formulação
da da monarquia naquele mesmo ano de 1918, o exérci- como a “construção do socialismo com os tijolos retira-
to alemão desocuparia a Ucrânia. dos das ruínas da velha ordem”.
Diante da paz e dos conflitos, os social-revolucioná- Muitas lideranças do partido foram contra, e de fato
rios de esquerda, que compunham o governo ao lado dos tiveram razão, pois diversos casos de traição e deserção
bolcheviques, romperam e abandonaram o governo. Co- foram detectados. Casos como de toda uma divisão pas-
meçava ali o regime de um partido só na Rússia, que do- sar para o lado dos “brancos”. Mas a verdade era que o
minaria o país até a queda da União Soviética, no início governo revolucionário não tinha outra alternativa. Era
dos anos de 1990. A ideia inicial bolchevique não era um correr o risco ou se entregar.
governo de um único partido, muito menos a implanta- O auge da guerra civil aconteceu com o desembar-
ção um regime autoritário. Como toda Revolução, o que que de tropas ocidentais em diversos pontos da Rússia.
movia as emoções e as ações iniciais eram o bem-estar Americanos na Sibéria; ingleses pelo norte e sul, na re-
do povo e a justiça social. Fizeram a Revolução em nome gião de Baku, onde ficava a indústria do petróleo russo;
e para o povo, mas, com o desenrolar dos acontecimen- e o conflito com a Alemanha na Ucrânia. Fora isso, um
tos, as coisas mudaram de figura e quando os bolchevi- ex-general cossaco, Krasnov, liderando um grande exér-
ques perceberam, já viviam num país ditatorial. Stalin foi cito, marchava do sul rumo a Moscou. A produção de
o indivíduo que, de fato, deu o passe final para o autori- alimentos que abastecia os combatentes e a população
tarismo. Mas tudo começou com a guerra civil, que divi- vinha justamente da Sibéria, da Ucrânia e da região de
diu a Rússia até 1921. Tsaritsin. Krasnov sabiamente fechou a última via de
transporte dos alimentos para Moscou, já transformada
A CONTRA-REVOLUÇÃO na capital por iniciativa de Lênin. Era uma forma de es-
Os descontentes com os bolcheviques deram início à trangular o adversário.
contra-revolução. Social-revolucionários de esquerda, in- Foi nesse momento, de “perigo supremo”, nos dizeres
clusive, partiram para atentados contra Lênin e outras li- de Deutscher, que “quase todos os membros do gover-
AFP
reram para os setores mais te resolve todos os proble-
vitais das linhas de frente. mas. Nenhum homem, ne-
No Kremlin, Lênin, com nhum problema”.
uns poucos especialistas, A defesa de Tsaritsin
dirigiu toda a luta em con- sairia vitoriosa apenas em
tato permanente com os outubro de 1918, quando
homens de cada setor”. Stalin fora reenviado à cida-
Assim, Lênin despa- de, agora com funções mili-
chou Trotski para Kazan, a tares. Mas a discussão sobre
fim de evitar que os contra- os louros dessa vitória, cujos
-revolucionários pudessem créditos foram requisita-
chegar a Moscou; e Stalin dos por Stalin e seus cole-
para Tsaritsin, para organi- gas, parecem ser mais justas
zar o transporte dos cere- Stalin se creditadas à Frente Sul,
ais para a capital. Segun- sob comando de generais
do os especialistas, foi em a mando de Trotski. Certo
Tsaritsin que começaria
de fato a grande rivalidade
O auge da guerra civil aconteceu é que Lênin queria evitar
o conflito entre ambos, e
entre Stalin e Trotski, por com odesembarque de acabou chamando de volta
questões de autoridade e
hierarquia. O grupo ao re-
tropas diversos
ocidentais em Stalin, dando-lhe honras
pela ação. Anos mais tar-
dor de Stalin não aceitaria Rússia:
pontos da americanos de, Tsaritsin passaria a se
a autoridade de um general
czarista designado ao co- norte
na Sibéria; ingleses pelo e chamar Stalingrado.
A defesa do país se-
mando por Trotski. Quei- no sul onde
, na região de Baku, guiu-se no decorrer de
xas de insubordinação fo-
ram frequentes por par- indústria
ficava a do petróleo
1919, quando principal-
mente forças inglesas e
te de Trotski a Lênin, que russo; e o conflito com francesas estiveram em
tentava conter o ímpeto de
Stalin. Este, por sua vez, a Alemanha na Ucrânia
território russo, e o exérci-
to branco chegou próximo
enviava uma carta pedindo a Moscou e Petersburgo.
plenos poderes militares. Havia desorganização en-
tre eles e, pouco a pouco, suas forças foram abatidas ou
STALIN MOSTRA SUAS GARRAS dispersadas pelos bolcheviques. Ao final do ano, a guer-
Segundo Simon Sebag Montefiore, em “Stalin – A ra civil estava praticamente decidida a favor de Lênin e
Corte do Czar Vermelho” (Cia das Letras, 2006), “foi ali seu grupo. Em 1920, já livres de qualquer ameaça exter-
que Stalin compreendeu a conveniência da morte como na, enfim os revolucionários puderam começar a gover-
o instrumento mais simples e eficaz”. O autor descre- nar o país.
ve dois casos na cidade que comprovam sua tese. No “O país estava simplesmente arrasado. O produto in-
primeiro, logo ao chegar a um trem blindado com 400 dustrial registrava um declínio de mais de dois terços.
guardas vermelhos, Stalin mandou fuzilar todo suspei- Na grande indústria, a perda chegava a 80%. A produção
to de ação contra-revolucionária e traição. Um segundo de petróleo, de energia elétrica e de carvão caíra em mais
caso, que só recentemente foi descoberto como ação ar- de 70%. Em relação a outros setores estratégicos para o
bitrária do ditador russo, ocorreu quando ele e seu gru- equilíbrio da economia, como ferro, aço e açúcar, uma
po, que incluía Vorochílov, prenderam alguns “especia- situação ainda mais desoladora: quase 100% de queda.
listas” designados por Trotski no Rio Volga dentro de (...) Quanto à produção agrícola, diminuição de quase
uma barcaça. Eram soldados e homens do regime czaris- metade”, escreveu Daniel Aarão Filho sobre o momento
ta que Trotski reaproveitava para os vermelhos. A barca- russo no fim da guerra civil.
ça afundou “acidentalmente” com todos eles a bordo, ao
menos foi a versão que se correu na época. Mas, poste- VITÓRIA E DESCONTENTAMENTO
riormente, em carta a Vorochílov, Stalin admitiria que É interessante relembrar que, desde outubro de
não fora acidente. Quando questionado sobre o aconte- 1917, o novo governo vinha incentivando a reforma
Guerr
Trotski
L
ênin foi o pai da Revolução Russa e ficou conhe- pensação, sabemos que os homens repetem erros do pas-
cido por adaptar os pensamentos de Karl Marx sado e temos muito a aprender com esta ciência.
e deixar como legado o marxismo-leninismo. A
seu lado, sempre estiveram presentes dois no- O TESTAMENTO DE LÊNIN
mes – Stalin e Trotski – que exerceram papéis díspares. Uma das coisas que definiram a posição de Stalin
A historiografia costuma colocar a relação entre como “o mal encarnado” foi o testamento de Lênin. “Sta-
Trotski e Stalin como algo ao estilo “o bem contra o mal”. lin, tendo se tornado secretário-geral”, declara o testa-
Assim, com esse antagonismo criado posteriormente, mento de Lênin, “concentrou um imenso poder em suas
não há jeito de se olhar Stalin e encontrar nele algo elo- mãos e não estou certo de que ele sempre saiba como
gioso. E costuma-se ver em Trotski o herdeiro legítimo usar esse poder com suficiente cautela”. Dez dias mais
de Lênin, aquele que daria à Revolução um caráter me- tarde, Lênin acrescentou o seguinte trecho:
nos ditatorial. A questão que se coloca é a seguinte: mes- “Stalin é muito brutal e este defeito, perfeitamente to-
mo que se estude as ideias trotskistas, nunca se saberá o lerável em nosso meio e nas relações entre nós, comunis-
que seria a URSS se Trotski superasse Stalin na direção tas, não o é mais nas funções de secretário-geral... Propo-
do partido e do país. Diante desse fato intangível, tudo o nho, então, aos camaradas, estudarem um meio de desti-
que se diga e se coloque não passa de jogo de deduções, tuir Stalin deste posto e nomear em seu lugar uma outra
que poderiam se tornar verdade se não fosse justamente pessoa que não tenha em todas as coisas sobre o camara-
essa palavra “se”. A História não é feita de “ses”. Em com- da Stalin senão a única vantagem, aquela de ser mais to-
a de ideais
Stalin
Stalin e Kirov
AFP
Stalin com sua filha Svetlana
Stalin teve uma vida pública
que superou em muito sua
experiência pessoal.
Era pouco afeito à família,
mas, apesar
disso, casou-se duas vezes
Por Lucas Pires
G
rande homem político, Stalin deixou sua Dedicado ao partido, Stalin nunca ligou para família.
mãe para estudar no seminário e sabia que Sua vida era o partido e a União Soviética, tanto que se ca-
nunca mais voltaria para casa. Casa, aliás, é sou pela segunda vez apenas em 1918, com a filha de um
o local onde menos Stalin permaneceria em grande amigo seu, Serge Alliluiev. A jovem Nadia Alli-
sua vida. Seu tempo estava destinado ao trabalho, e as- luiev tinha três anos quando Stalin conheceu a família.
sim foi quando se casou com Ekaterina Svanidze no iní- Quando voltou da prisão para São Petersburgo, vi-
cio do século. O casamento durou até que a morte levas- sitou os Alliluiev e viu uma bela morena de 17 anos.
se a jovem esposa quatro anos depois. Da relação, ficou Começava ali seu interesse que resultaria em casamen-
um filho, que seria criado pelos avós maternos e passaria to em 1918.
a morar com o pai apenas em 1921. Teria sido em sua ida para Tsaritsin, viagem na qual
E
m meados de 1939, a guerra na Europa esta-
va prestes a explodir e Stalin não via com bons
olhos a participação, ao menos imediata, da
União Soviética no conflito. Uma das razões
mais explícitas e apontadas pelos especialistas para sua
postura é que, para se consolidar no poder, ele pratica-
mente teria acabado com todos os grandes homens do
Exército Vermelho, o que, diante de uma guerra, o colo-
caria em desvantagem por não ter comandantes experien-
tes em ação. Assim, era preciso adiar o máximo possível a
chegada da guerra na frente russa para conseguir se pre-
parar para o inevitável. Sim, inevitável. A participação da
URSS na 2a Guerra Mundial aconteceria, cedo ou tarde,
pois a localização geográfica e os ideais russos não poupa-
riam a nação de lutar contra ou a favor de Adolf Hitler. A
favor, caso seus líderes chegassem a um acordo referente
a territórios de dominação; contra, se o líder nazista pu-
sesse em prática o pensamento ariano de superioridade
racial, que colocava os eslavos e os russos como raças in-
feriores e passíveis de escravidão e eliminação física.
Além do interesse de não guerrear sem militares ex-
perientes, havia outro motivo para Stalin procurar Hi-
tler: um ano antes, França e Inglaterra, pelo Acordo de
PACTO DE NÃO-AGRESSÃO
Pois bem, quem estendeu a mão a Stalin foi Hitler e
não os países ocidentais. O comunista não deixou o nazis-
ta sem reposta e aceitou a parceria. Para firmar o pacto, o
Ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Joachim
von Ribbentrop, viajou em segredo a Moscou em agosto
de 1939. Na noite do dia 23 de agosto de 1939, estavam
presentes no Kremlin Ribbentrop, seu equivalente russo
no organograma soviético, Molotov, e o próprio Stalin.
O acordo, conhecido como pacto Molotov-Ribben-
trop, pacto Nazi-Soviético ou pacto Hitler-Stalin, na ver-
dade, transformou-se em dois. O primeiro deles, levado
ao conhecimento do público, estabelecia que os dois paí-
ses não se atacariam por um período de dez anos, nem
apoiariam um país que o fizesse. O segundo, mais impor-
OPERAÇÃO BARBAROSSA
O confronto entre o nazismo de Hitler e o socialis-
mo de Stalin era inevitável, pois cada vez mais o mun-
do se tornava pequeno para abrigar dois regimes totali-
taristas e fortes, ainda mais sendo vizinhos. Além disso,
Adolf Hitler nunca escondeu seu anticomunismo. No
seu livro “Minha Luta” (Mein Kampf ), publicado em
1925, o Führer já falava nos planos de dominar comple-
tamente o leste europeu.
A Alemanha respeitou o pacto Molotov-Ribbentrop
por quase dois anos, até a madrugada de 22 de junho de
1941, quando o ditador alemão lançou a campo o maior
ataque aéreo-terrestre na história da guerra – a famosa
Operação Barbarossa –, que utilizou três milhões de sol-
dados, 3.500 tanques e 1.800 aviões.
Como era de seu feitio e tinha dado certo até o mo-
mento, a ideia era empreender uma blitz rápida e capaz
de liquidar a União Soviética antes da chegada do terrí-
A polarização do mundo
Ao fim da 2a Guerra Mundial, a União Soviética era
tida como grande vencedora do conflito, apesar de
sua situação precária. Stalin surgia como um líder
notável, ao lado de Roosevelt e Churchill
Por Lucas Pires
N
ada parecia mais grandioso do que a vitó- nhando do Plano Marshall – a ajuda norte-americana
ria russa sobre os nazistas. E talvez nin- para a reconstrução da Europa –, que ele via como uma
guém tenha se achado com mais direito de forma de dependência contrária a seus ideais.
se sentir responsável por ela do que Josef Diante disso, renegou qualquer forma de auxílio dos
Stalin. As comemorações e o culto à personalidade dele EUA e passou a apoiar governos pró-soviéticos no Les-
após a guerra foram de caráter esplêndido. Mesmo to- te Europeu. Assim, países como Iugoslávia, Polônia,
talmente destruída, a população mantinha sua fé e espe- Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia e até parte da Ale-
rança não tanto na União Soviética, mas em Stalin. Se manha – chamada de Alemanha Oriental depois da di-
ele viveu seu apogeu de popularidade, foi naquele mo- visão do país em quatro áreas de influência – passaram
mento de 1945. a ter governos comunistas ou controlados por Moscou.
“A nação estava mutilada e faminta. Provavelmen- A intenção de Stalin era justamente ter parceiros nesses
te, esperava que milagres viessem da vitória e do gover- países para vender e adquirir provisões.
no. Queria ver as cidades reconstruídas e as indústrias Essa ação foi chamada por Churchill, de “cortina de
e a agricultura restabelecidas. Ansiava por mais comida, ferro”, em que o líder soviético separava a URSS e os de-
mais roupas, mais escola, mais lazer. Mas nada disso po- mais países sob seu domínio do resto do mundo. Essa
dia ser obtido rapidamente a partir dos recursos exauri- “cortina” interessava muito a Stalin, pois preservava certo
dos e desorganizados da Rússia. O sofrimento, em meio mercado para os russos e ainda impossibilitava a obten-
ao arrebatamento da vitória, se mostrava duplamente im- ção de informações de seu país por parte do mundo oci-
paciente; e Stalin não podia frustrar a nação. Para acele- dental, que acabava por saber muito pouco do governo
rar a reconstrução e melhorar o padrão de vida, devia va- soviético e de suas ações internas. Para Deutscher, “a ‘cor-
ler-se dos recursos econô- tina de ferro’ escondeu a autocracia de Stalin, seu despo-
micos de outras nações”, tismo sinistro, mitos e fraudes. Em ambas as funções, a
escreveu Deutscher. ‘cortina de ferro’ tornou-se a condição indispensável para
E foi isso que Sta- a própria existência do stalinismo”.
lin começou a fazer No campo interno, Stalin centralizava tudo em sua
quando pessoa, eclipsando os generais e militares que tiveram na
per- guerra uma explosão de popularidade, como o Marechal
cebeu Jukov. Praticamente um ano depois da vitória, imprensa
que as na- e propagandistas tinham esquecido os “heróis” da nação
ções oci- que lutaram contra os nazistas. Para se ter ideia, a co-
dentais o memoração do terceiro aniversário da tomada de Berlim
viam com des- pelo Exército Vermelho foi feita pelo “Pravda”, sem que
dém e que planos fosse mencionado o nome de Jukov.
de ajuda econômi- A população teve que manter a rigidez da vida do pe-
ca seriam formas de ríodo de guerra, com a implantação de um quarto plano
converter o comunis- quinquenal. Mulheres e crianças tinham de trabalhar, pois
mo russo em capitalis- toda uma geração de homens havia morrido em batalha.
mo. Mesmo precisan- Em 1947, a Doutrina Truman expunha a Guer-
Felipe Azjemberg
do de ajuda financeira, ra Fria com seus contornos finais. O que antes esta-
Stalin acabou desde- va no ar, ainda a ser definido, passou a ganhar entornos
AFP
va. Desta vez, com toques nucleares, já que os EUA pos-
suíam a bomba atômica e, em 1949, os cientistas russos
a desenvolveram também. O medo de um embate nucle-
ar entre as duas superpotências tomou conta do mundo.
Cada um desses protagonistas passou a trazer para seu
bloco os demais países. Os Estados Unidos ficaram com o
mundo ocidental; a URSS transformou o Leste Europeu
em satélites de Moscou e viu a revolução comunista chegar
à China. A partir de 1950, Stalin começou a se ausentar
de Moscou e do governo, mas, em compensação, crescia o
culto à sua imagem. Ele passou a ser figura onipresente em
toda parte, desde barbearias até cinemas e teatros.
Em 1951, extremo de seu egocentrismo e megaloma- Stalin morto em 1953
nia descontrolados, mandou construir uma estátua sua,
de corpo inteiro, para ser colocada no canal Volga-Don. funcionários estranharam que ele não deixara o quarto
Editorial do “Pravda” em 1950 fazia referência aos “po- o dia todo, mas estavam receosos de bater e entrar em
deres” de Stalin. “Se você estiver com algum problema, se seus aposentos. Apenas às 22h30 resolveram entrar e ver
encontrar alguma dificuldade no trabalho, se tiver algu- o que havia acontecido. Foi aí que se depararam com Sta-
ma dúvida quanto ao que é capaz de fazer, pense nele, em lin caído ao chão de pijamas. Havia tido um derrame.
Stalin, e se sentirá novamente forte e confiante. Acaso se O estado médico dele era um segredo para todos
sentir cansado quando ainda há trabalho a ser feito, pen- desde quando tivera seu primeiro derrame em 1945.
se nele, em Stalin, e encontrará novas forças. Se você es- Ele mandara queimar seu dossiê médico. Apesar de ve-
tiver em dúvida quanto a melhor decisão a tomar, pense rem que Stalin tivera um derrame, os médicos não fo-
nele, em Stalin, e verá que é fácil decidir... ‘ ram chamados, mas, sim, os superiores do partido, com
Esse pensamento de confundir Stalin com o povo, Kruschev e Bulganin. Receosos de que a doença chegas-
com o Estado soviético, era de fato algo inerente a ele. se à imprensa, retardaram chamar uma junta médica,
Certa vez, o líder soviético brigou com seu filho Vassi- que só avaliou Stalin no dia 2 de março. A opinião de di-
li por este ter se aproveitado do seu nome. “Eu também versos médicos foi unânime. O líder vivia uma situação
sou um Stalin”, teria o dito filho. E a resposta do ditador crítica – havia tido uma hemorragia no lado esquerdo
foi a seguinte: “Você não é um Stalin e eu não sou Stalin. do cérebro, causada por pressão arterial alta e arterios-
Stalin é o poder soviético. Stalin é o que ele é nos jornais clerose – cujo fim seria a morte em questão de dias.
e nos retratos, não você, nem mesmo eu!”. No dia 5 de março, em reunião do partido, Malenkov
foi conduzido ao cargo de Presidente do Conselho de
A MORTE DE STALIN Ministros. Na ocasião, um relato médico da saúde de
Assim, cada vez mais ausente e menos aberto a pensar Stalin foi lido. Ao fim da reunião, os principais nomes
num herdeiro, Stalin adentrou o ano de 1953. Doente e do partido chegaram em tempo na casa de Stalin para
avesso a remédios, acabou falecendo no início de março. ouvir do médico, às 21h50, que o líder estava morto.
Sua morte ainda é tema de polêmica, com alguns histo- Talvez tenha sido um alívio a morte dele. A URSS
riadores questionando os fatos. Outros apontam mesmo parecia que seguiria novos rumos com a saída de cena de
que Stalin foi envenenado. Mas as evidências são todas seu maior líder e construtor da nação. Em 1956, Krushev
mesmo de que o grande líder morreu em decorrência de seria conduzido a chefe da nação e, no XX Congresso do
um derrame. Partido, faria as revelações sobre as atrocidades de Sta-
Na manhã de domingo do dia 1o de março, Stalin não lin. Era o rompimento oficial com o passado stalinista.
levantou na hora costumeira. Os empregados e demais Uma nova geração de russos chegava ao poder.
O conturbado começo
do século 20
Em uma Europa em crise, em meio a diversos
conflitos, Adolf Hitler nasceu e cresceu
Por Claudio Blanc
T
alvez não seja exagero dizer que as duas guer- Originária da Suíça, a dinastia Habsburgo estava no
ras mundiais que varreram a Europa no sécu- trono austríaco desde 1279, onde havia se mantido ha-
lo passado começaram mais de cem anos an- bilmente através de, principalmente, uniões matrimoniais
tes. Naquele continente, todo o século 19 foi com as famílias mais poderosas da Europa. No século 19,
marcado por conflitos que desenhavam a nova distribui- os Habsburgo tinham feito da Áustria o segundo maior
ção do poder. Movimentos políticos e sociais foram defla- Estado europeu, menor apenas que a Rússia. A partir de
grados pela Revolução Francesa e, numa corrente de even- 1848, porém, as coisas começaram a mudar. Naquele ano,
tos, só se estabilizariam, crise após crise, depois da Segun- no qual Karl Marx e Friedrich Engels publicaram O Ma-
da Guerra Mundial. nifesto Comunista, revoluções contra os regimes monárqui-
No começo do século passado, a crise na Europa cos se ergueram em todo o continente. O Império Austría-
Central foi detonada pela decadência do Império Aus- co também foi contagiado e afetado. Klemens Metternich
Nos primeiros anos do século 20, uma acirrada disputa por questões
territoriais entre o Império Austro-Húngaro e a Rússia acabou se
tornando tão ácida que veio a envolver a Alemanha, a França, a
Grã-Bretanha e o Império Otomano, arrastando o mundo para
uma guerra mundial. Foi nesse ambiente, em que as questões
políticas inflamavam o ar, alimentadas pelo combustível
do preconceito racial, que Adolf Hitler foi criado
tríaco, que acabou fazendo explodir a pior guerra que, (1773 – 1859), ministro das Relações Exteriores e depois
até então, a humanidade já presenciara. Em meio à crise chanceler dos Habsburgo, peça-chave na manutenção do
austríaca, foi gestado um personagem que levaria a Eu- equilíbrio do poder em toda a Europa e da supremacia
ropa mais uma vez à guerra, e que influenciaria uma das austríaca na Itália, foi afastado. Repressor do liberalismo,
civilizações mais criativas que a humanidade já conheceu viu-se obrigado a fugir para a Inglaterra, enquanto o impe-
– a germânica – a cometer atrocidades inimagináveis, até rador continuou a combater os rebeldes até 1851.
mesmo pelas sociedades mais primitivas. Esse homem, Em 1856 e 57, Francisco José e sua esposa Elizabete,
Adolf Hitler, nutria profundo descontentamento pela si- apelidada Sissi, visitaram a Lombardia, a região de Vene-
tuação política do seu país – como muitos outros austrí- za e a Hungria em “viagens de reconciliação”, após o Im-
acos – e responsabilizava o imperador Francisco José, da pério ter conseguido abafar diversas revoluções na Penín-
Casa de Habsburgo, pelos problemas da Áustria. sula Itálica. A pedido de Sissi, Francisco concedeu ampla
AFP
se bastante popular entre seus súditos. No ano seguinte,
no entanto, a Áustria perdeu a Lombardia. Foi a primeira
de uma sucessão de derrotas. Em 1866, Bismark venceu a
Áustria na Guerra dos Sete Dias, acabando com o domí-
nio austríaco sobre a Confederação Germânica, uma alian-
ça para a defesa mútua entre 39 Estados alemães, formada
em 1815, depois do susto dado por Napoleão em toda a
Europa, possibilitando a fundação do Primeiro Reich. En-
tre as outras perdas dos Habsburgo, a sofisticada Veneza
foi para a Itália. Em 1867, cedendo às pressões (e nova-
mente influenciado pela esposa), Francisco José elevou a
Hungria à condição de reino, criando o Império Austro-
-Húngaro. A decisão abalou o prestígio do imperador, pois
os súditos austríacos ficaram profundamente insatisfeitos.
Num império formado por diferentes povos – germâ-
nicos, eslavos, italianos, judeus e outros –, os austríacos
sentiam-se superiores. Mas, naquele momento, os hún-
garos haviam conquistado um status equivalente ao de-
les. Logo, os demais Estados que formavam o Império
fariam o mesmo. O ressentimento se infiltrava nos aus-
tríacos médios, fermentando uma intolerância cada vez
maior – principalmente contra os judeus e os eslavos. Mas
a Áustria-Hungria não tinha apenas problemas internos.
No âmbito internacional, as coisas também não iam bem.
Nos primeiros anos do século 20, uma acirrada disputa
por questões territoriais entre o Império Austro-Húnga-
ro e a Rússia acabou se tornando tão ácida que veio a en-
volver a Alemanha, a França, a Grã-Bretanha e o Império
Otomano, arrastando o mundo para uma guerra mundial.
Foi nesse ambiente, em que as questões políticas inflama-
vam o ar, alimentadas pelo combustível do preconceito ra-
cial, que Adolf Hitler foi criado.
Sissi, a Imperatriz
Apesar da decadência do Império, a corte austríaca preservava
uma imagem diferente. O luxo e a riqueza da vida palaciana
dos Habsburgo eram embalados, entre outras, pela valsa O
Danúbio Azul, de Johann Strauss. Elizabete da Áustria (1837 –
1898), ou Sissi, a “imperatriz do povo”, vivia sua lenda de linda
princesa perseguida pela rainha má, no caso a Arquiduquesa
Sofia. A mãe do imperador tentava controlar o filho, mas tinha
na imperatriz um obstáculo, já que Elizabete trazia o marido
na palma da mão. Anoréxica, excêntrica, fanática por esportes –
tinha uma sala de ginástica em seus aposentos, num tempo em
que só os homens se exercitavam –, Sissi não era bem-vista pela
nobreza. Mas as fofocas do palácio apenas desviavam a atenção
do povo dos movimentos políticos, que escreviam a nova
ordem social e política da Europa. Enquanto Francisco José
se desdobrava para manter a importante posição da Áustria, a
pompa da corte, os belos edifícios de Viena, a valsa e o brilho
popular de Sissi iluminavam a fachada de um império que ruía
frente às movimentações que abalavam a Europa Central.
De Viena
para Munique
Com seu sonho artístico desfeito,
Adolf formou, ainda na juventude,
a ideologia nazista
Por Claudio Blanc
U
m homem intransigente que se julga predes- MÃE PROTETORA, PAI RÍGIDO
tinado. Um império que perdeu a identidade. Adolf Hitler nasceu no pequeno povoado austríaco de
Um país em colapso. Esses elementos seriam Braunau am inn, na fronteira com a Alemanha, em 20 de
inflamáveis o bastante para incendiar o mun- abril de 1889. Naquela época, o Império Austro-Húnga-
do? No caso de Adolf Hitler, a resposta é sim. A pergun- ro se esfacelava, e Adolf iria crescer vendo a glória de seu
ta que sempre paira sobre os personagens históricos cabe país ruir diante de seus olhos. Ele foi o sexto filho de Kla-
como uma luva para ele: é a História que faz o líder? Ou, ra e de Alois Hitler, mas o terceiro vivo, uma vez que três
inversamente, é o líder que faz a História? Na verdade, a dos seus irmãos tinham morrido antes de completar dois
História corrobora para o surgimento de um líder, que, por anos. Alois, o pai, era um funcionário da alfândega e esta-
sua vez, acaba por moldá-la. Ele sempre reflete as vicissitu- va sempre ausente. Mesmo assim, talvez para afirmar sua
des do momento e incorpora os anseios das pessoas do seu autoridade, era extremamente severo com os filhos, espe-
tempo e lugar. Assume a voz das multidões e as conduz pe- cialmente com o pequeno Adolf. Mas a atenção especial
las trilhas dos fatos. ao filho era manifestada na forma de tremendas surras.
Se não tivesse existido um Hitler, será que a Alemanha, Para compensar, Klara, traumatizada pela perda dos
humilhada após a Primeira Guerra, se levantaria contra o três rebentos anteriores, mimava seu caçula como se fosse
resto da Europa? Provavelmente, sim. Mas o conflito talvez a última criança do mundo. Dessa forma, a infância de Hi-
possuísse um rosto diferente. Se seria menos brutal ou me- tler se alternou entre as surras dadas pelo pai − por con-
nos fanático, nunca saberemos. Afinal, o povo alemão estava ta dos motivos mais ínfimos − e as adulações desmedidas
ao lado de Hitler, e o Führer deu voz às muitas tendências, da mãe. Esse tratamento ganhou uma dimensão extrema
às crenças e aos pensamentos que grassavam na Alemanha quando Hitler tinha 13 anos. A morte de seu irmão Ed-
depois da Primeira Guerra. mond, o único menino além de Adolf, caiu como um raio
Hitler é mais uma criação da História do que uma au- sobre a família. Era o quarto filho que a arrasada Klara per-
to-invenção. Ele refletiu como ninguém o desejo de um dia. A tristeza da mulher buscou consolo em Adolf, muito
país rico e glorioso atolado numa situação de humilha- mais do que na outra filha sobrevivente, Paula. E, se antes
ção e menos-valia. Como o próprio Winston Churchill − Klara já exagerava na licenciosidade que concedia ao caçu-
provavelmente o mais implacável inimigo de Adolf Hitler la, agora, mais que nunca, ele podia tudo. A mesma coi-
− afirmou, foi a “insensatez dos vencedores” da Primeira sa aconteceu com Alois, mas conforme sua versão pessoal.
Guerra que causou a sede de vingança e de justiça de todo Embora tivesse mais dois filhos do casamento anterior,
o povo alemão. E, para comandá-lo, ninguém melhor que Alois e Ângela, Adolf era o último herdeiro homem da
um fanático cheio de vingança, um semilouco repleto de sua união com Klara. Com a intenção de fazer que o pe-
som e de fúria capaz de lançar mão dos mais impensáveis queno atendesse às suas expectativas, Alois também dedi-
meios para levar seu povo à sonhada vitória. Mas o sonho cou mais atenção a Adolf. Só que, no seu caso, isso signi-
de Hitler acabou se transformando no pesadelo da Ale- ficava aumentar a dose de rigor – com suas consequentes
manha – e do mundo. surras. É claro que esse tratamento ambíguo acabou ge-
se alternou entre as
surras dadas pelo pai
e as adulações
desmedidas da mãe. Esse
tratamento ambíguo
acabou gerando sequelas
no caráter de Adolf, que
chegou à adolescência
desconfiando
das pessoas ao seu
redor, com poucos
amigos, afundado em
fantasias, afastado da
realidade, extremamente
frio, dado a ataques de
fúria e inquebrantavelmente
convicto de suas ações
AFP
peus. Contrariado com a decisão te, descobriu a ópera. Foi quando
de Alois, o garoto não frequentava se identificou tremendamente
as aulas e, quando o fazia, respon- com a obra de Richard Wagner,
dia aos professores, dizendo que cheia de ecos das crenças e dos
eles não tinham nada útil para lhe valores germânicos.
ensinar. Sua relação com os cole- Foi lá, também, que Adolf co-
gas não era melhor. Acreditando meçou a tecer suas convicções po-
numa suposta superioridade pe- líticas. Ele não defendia a conti-
rante os outros, desdenhava dos nuidade do Império Austríaco
alunos. – aquela colcha de retalhos ét-
Em sua monumental biogra- nica da qual os germânicos eram
fia de Hitler, Sir Ian Kershaw cita somente uma parte. Ao contrá-
uma descrição do menino Adolf rio, apoiava apaixonadamente o
feita nessa época por um professor nacionalismo pangermanista de
do futuro idealizador do nazismo, Ritter von Schönerer. Esse teó-ri-
Eduard Huemer: “era um garoto co – que contribuiu bastante para
magro e pálido que não fazia ple- a disseminação do anti-semitis-
no uso de seu talento, que carecia mo que marcou a política centro-
de atenção e que era incapaz de se -europeia até o final da Segunda
adaptar à disciplina escolar”. Hue- Guerra – se opunha ao Estado
mer não parou por aí. Segundo austríaco e era a favor da união
ele, o jovem Hitler era “obstinado, prepotente, dogmático dos povos de origem germânica. Schönerer defendia a fu-
e fervoroso”, e recebia as críticas dos professores “com uma são da Áustria à Alemanha – exatamente o que Hitler fez
insolência mal-dissimulada”. em 12 de março de 1938 − e influenciou o futuro Führer
Uma fotografia da época confirma as palavras do pro- além do âmbito das ideias. Político respeitado em Viena,
fessor. Entre os 47 meninos que aparecem na foto cercan- seus partidários o saudavam com o braço levantado e o
do o mestre, Adolf está na posição central da fileira mais chamavam de Führer, isto é, “líder”.
elevada – destacando-se entre todos. Como se isso ainda Finalmente, em 1907, Adolf resolveu prestar o exame
não fosse o bastante para enfatizar por si só sua posição de de admissão à Academia de Belas Artes de Viena. Sem ter
líder, a arrogância na expressão do rapaz esmaga qualquer se preparado de forma alguma para a prova, Adolf se apre-
margem de dúvida. Essa fotografia não apenas é um regis- sentou para fazer o exame munido apenas do seu pedan-
tro do espírito de liderança inabalável de Hitler já naquela tismo e da sua arrogância. Tinha certeza absoluta de que
época, como acaba adquirindo ares proféticos. É, de fato, passaria. A reprovação não era uma possibilidade. Mas foi
o rosto de um menino que, quando adulto, seria capaz de o que aconteceu. Adolf ficou devastado. Estava certo, po-
abrir à força o seu caminho. rém, de que o fracasso não era seu, e, sim, culpa dos exami-
O impasse com o pai, que já havia chegado ao ódio, nadores (entre os quais havia alguns judeus), incapazes de
acabou se resolvendo com a morte de Alois, em 1903. reconhecer seu talento. Para piorar ainda mais as coisas, a
Longe de lamentar a perda, Adolf a considerou um ga- doença de Klara havia se agravado.
nho. Em 1905, aos 16 anos, abandonou os estudos téc- Duplamente frustrado, Adolf voltou de Viena e se pôs
em
que, em breve, desembocaria em
outra Grande Guerra
Por Claudio Blanc
E
m 1914, uma época em que o nacionalismo exa-
cerbado era o leme que guiava as ações políticas
em todo o continente europeu e, principalmente,
no Império Austro-Húngaro (uma frágil união
de regiões de etnias e culturas distintas), a crise na Euro-
pa Central explodiu. A fragmentação do Império fez que
o arquiduque da Áustria, Francisco Ferdinando, sobrinho
do imperador austro-húngaro e herdeiro do trono, fosse
a Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, tentar acalmar
os ânimos dos súditos que exigiam emancipação. A Sér-
via, independente desde o início do século 19, esforçava-se
para unificar os territórios ao sul de sua fronteira: Mace-
dônia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina. Nessa tentati-
va, acabou batendo de frente com os interesses do podero-
so Império Austro-Húngaro, cuja política expansionista, o
Drang nach Osten (a “Marcha para Oeste”), visava a chegar
até o porto de Salônica, na Grécia.
Francisco Ferdinando buscava uma via diplomática
para resolver o conflito, mas, acabou assassinado por Gavri-
lo Princip, um radical sérvio, em 28 de junho de 1914. En-
tão, o Imperador Francisco José, na época com 84 anos, fez
duras exigências à Sérvia, que as recusou ostensivamente.
A Rússia, tradicional rival da Áustria, temia que o Im-
pério Otomano – o poderoso califado turco que contro-
lava todo o mundo islâmico – anexasse a parte muçulma-
na dos Bálcãs, e apoiou a Bósnia-Herzegovina. Essa era a
chance que a Alemanha esperava para resolver suas rivali-
dades territoriais e econômicas com a França, a Grã-Bre-
tanha e a Rússia. Aliou-se à Turquia e ofereceu apoio à
Áustria, que aceitou, e, juntos, formaram a Liga dos Po-
deres Centrais. Assim, motivado pelo suporte recebido e
para evitar uma guerra civil que fragmentaria o país, no
final de julho de 1914, o Império Austro-Húngaro decla-
rou guerra à Sérvia. As outras potências europeias se lan-
çaram no conflito, e, logo, todo o continente virou palco de
operações militares.
Na frente oeste, os alemães avançaram sobre a Bélgica e
Paris em direção ao Canal da Mancha. No leste, os Poderes
Centrais foram igualmente bem-sucedidos. Já nos primei-
ros meses da Guerra, os alemães derrotaram os russos em
A Alemanha após a
Primeira
Guerra
Destruído e pobre, o país não
encontrou outra saída além de
um novo embate militar
Por Claudio Blanc
O
primeiro livro, Os demonstra como as condições que os
Marcos do Desastre, A tamanha vencedores impuseram ao país leva-
da grandiosa obra em
seis volumes Memó-
humilhação ram a um novo embate militar. A ta-
manha humilhação pela qual o país
rias da Segunda Guer- pela qual o país passava ufanou os brios de seu povo,
ra Mundial (publicado no Brasil pela passava ufanou a ponto de os alemães apoiarem uma
editora Nova Fronteira), de Winston figura como Adolf Hitler, que prome-
S. Churchill, narra os acontecimentos os brios de seu tia com tanta convicção liderar a nação
na Alemanha e a ascensão do nazismo
sob o ponto de vista dos britânicos.
povo, a ponto de os rumo à conquista do seu verdadeiro
espaço no mundo.
Logo na abertura da obra, Churchill alemães apoiarem A Alemanha saiu da Primeira
conta que, respondendo ao presiden-
te Roosevelt sobre como este deveria
uma figura como Guerra “derrotada, desarmada e fa-
minta”. O país líder da agressão era
se referir à Segunda Guerra, o premiê Adolf Hitler, que considerado por todos como a causa
britânico disse de pronto: “a guerra
desnecessária”. E explica: “Nunca hou- prometia com primordial da catástrofe que a Europa
enfrentara. Só a França havia perdido
ve uma guerra mais fácil de se impe- tanta convicção 1,5 milhão de soldados para se defen-
dir do que essa que acaba de destroçar
o que havia restado do mundo após o liderar a nação der. E os problemas entre a França e
a Alemanha eram históricos. Em cerca
conflito anterior”. Churchill estava re- rumo à conquista do de cem anos, os franceses foram ataca-
almente convicto disso. No primeiro dos e quase invadidos pelos prussianos
capítulo de sua obra, apropriadamente seu verdadeiro espaço cinco vezes – em 1814, 1815, 1870,
intitulado A Insensatez dos Vencedores, no mundo 1914 e 1918. Além disso, a população
ele relata condoidamente a situação da alemã era quase três vezes maior que
Alemanha após a Primeira Guerra e a da França, o que possibilitaria uma
A descoberta de
um dom
Os primeiros passos do futuro
Führer na política mudariam a
História de forma definitiva
Por Claudio Blanc
C
om o fim da Primei-
AFP
ra Guerra, Adolf Hi-
tler continuou a fa-
zer parte do exército
alemão, ou melhor, daquilo que
havia sobrado dele, uma força de
apenas cem mil homens manti-
da somente para conservar a or-
dem interna, o Reichswehr. Em
1919, o cabo Hitler recebeu
uma ordem que mudaria dras-
ticamente sua vida – e a história
do século 20: foi designado para
assistir a aulas sobre doutrina-
ção política.
A intenção do programa era
combater a crescente influên-
cia comunista que se espalha-
va na Alemanha, especialmente
em Munique e na Baviera, onde
Hitler servia. No entanto, ele
não foi seduzido pela ideologia,
da qual já era convicto, mas pe-
las aulas de retórica que faziam
parte do curso. Foi uma desco-
berta, o reconhecimento de um
dom. Através dele, Adolf veio a
se tornar o Führer e a ser capaz
de convencer o indeciso e fana-
tizar o adepto.
De fato, Hitler se destacou
Heil Hitler
Como a intolerância, o fanatismo e a violência
se instituíram no Partido Nacional Socialista
dos Trabalhadores Alemães
Por Claudio
Blanc
Nuremberg (1938)
Ernst Röhm
AFP
Duas pessoas unidas por ideais bastante semelhantes, de visão e objetivos tão próximos a
ponto de colaborarem intimamente, mas, ao mesmo tempo, absolutamente separadas pelas
ambições pessoais, a ponto de se tornarem uma ameaça uma para a outra: assim eram Adolf
Hitler e Ernst Röhm. Enquanto o primeiro, a ponta de lança do Partido Nacional-Socialista
dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), precisava de Röhm por conta de seus contatos no alto
escalão do Reichswehr – o que restou do exército alemão depois do Tratado de Versalhes – e
para formar sua imprescindível milícia, este acreditava que podia usurpar os poderes de Hitler
quando chegasse a hora. Ledo engano. Nesse ninho de cobras, foi Adolf quem usou Röhm como
quis, até que este deixou de ser necessário. Além de formar as Tropas de Assalto (SA), as quais
calavam à força os detratores do líder nazista, enquanto este vomitava a mensagem nos comícios,
Röhm apresentou a estrela do NSDAP ao general Erich von Ludendorff (1865 - 1937), um dos
mais prestigiados oficiais do Reichswehr. No entanto, não demorou para que Hitler se livrasse de
Röhm. Só que os membros da SA eram tremendamente fiéis ao seu fundador, até mesmo mais
que a Hitler. Em 1923, numa manobra política digna de serpente, o futuro Führer depôs Röhm e
nomeou Hermann Göring, um herói da Primeira Guerra tremendamente leal a ele, comandante
de sua milícia. Não bastasse isso, para que Röhm não viesse a representar qualquer ameaça,
Hitler fez que ele fosse executado sem julgamento, em 1934. Um dos pretextos usados foi o
homossexualismo de Röhm, o qual ele não temia esconder.
crata Vorwäts. Depois de vários dias de combates nas ruas A partir de então, a loucura dominou o Partido Nacio-
de Munique, os Freikorps puseram um ponto final à revol- nal-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Os membros
ta com um banho de sangue: centenas de rebeldes foram da SA passaram a realizar um juramento de fidelidade e
mortos, e vários líderes comunistas, assassinados. de lealdade não à doutrina nacional-socialista, ou à Ale-
manha, mas, sim, a Hitler. Isso ficou patente com a sauda-
SURGIMENTO DA SA ção que passou a ser usada a partir de 1926: “Heil Hitler!”,
Era necessário, portanto, que também a NSDAP ti- isto é “Salve Hitler!”. Dessa forma, aquele cabo do exérci-
vesse sua própria força paramilitar se quisesse se conso- to derrotado, ex-artista frustrado, indigente, pintor de pa-
lidar. E essa tarefa foi dada a Ernst Röhm, que, em agos- rede, desertor das forças austríacas, mas herói de guerra e
to de 1921, criou a Sturmabteilung, ou Tropa de Assalto dono de uma eloquência impressionante, viu-se transfor-
(SA). Constituída por antigos membros dos Freikorps e mado em algo até mesmo maior que o líder absoluto do
do Reichswehr, a SA logo se fez notar por sua violência Nacional-socialismo. Hitler era tido por toda a Alemanha
quase sempre injustificada. Hitler apoiava publicamente como o próprio Partido Nacional-Socialista. Faltava ape-
a atitude feroz dos “camisas pardas”, como os membros da nas tomar o poder em suas próprias mãos, o que Adolf
SA foram apelidados por conta dos seus uniformes. Num procurou fazer através de um golpe de Estado.
AFP
E
ntre todas as coincidências e ironias do destino ra, a região onde Adolf e o NSDAP atuavam, fizeram que
que levaram Adolf Hitler e o Partido Nacional- o governo de Weimar concedesse plenos poderes ao chefe
-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NS- do alto governo da Baviera, Gustav Ritter von Kahr. Em
DAP) ao poder, possivelmente, a maior delas foi setembro, Von Kahr decretou estado de emergência e con-
um fracasso que acabou sendo revertido em vitória. O Puts- seguiu impor uma certa estabilidade na região. No entanto,
ch , ou “golpe”, da Cervejaria, nome com o qual a tentativa de ele precisou usar a força. Uma vez mais, milícias comunis-
golpe de Estado passou para a história, colocou Adolf na tas viram uma oportunidade de tomar o poder e separar a
prisão, mas, ao mesmo tempo, catapultou sua mensagem Baviera do resto do país. Assim, atacaram o comissariado de
em âmbito nacional, incendiando a Alemanha. polícia, mas foram recebidos a bala e dominados.
O estopim do movimento foi aceso em janeiro de Confiante da sua energia, Von Kahr pensou em es-
1923, quando forças francesas e belgas ocuparam uma re- tender sua ação e influência para o resto da Alemanha. E
gião ocidental da Alemanha, o Ruhr, não só para garantir ninguém melhor que Hitler, que contava com o apoio do
que o país cumprisse os pagamentos estipulados no Tra- general Erich von Ludendorff (1865 - 1937) – uma das
tado de Versalhes, mas também por medo de uma inva- principais lideranças das encolhidas forças alemãs, o Rei-
são, como, de fato, veio a acontecer no início da Segun- chswehr – e da sua própria milícia, as Tropas de Assalto
da Guerra Mundial. Logo, o barril de pólvora explodiu. (SA), para ajudá-lo a coordenar um golpe de Estado. Von
Os alemães exigiram que seus governantes tomassem ati- Kahr ofereceu ao líder da Liga de Batalha uma generosa
tude. E, como se a situação já não fosse tremendamente fatia de poder depois que o novo regime fosse imposto.
inflamável, mais lenha foi jogada na fogueira quando os Mas, apesar desse acordo inicial, Von Kahr acabou dei-
soldados franceses abriram fogo sobre operários alemães xando Adolf e a sua Liga de lado. Havia muitas disputas
que protestavam contra a invasão. Dezenas de opositores e diferentes pontos de vista envolvidos. Von Kahr era um
foram mortos e feridos. Indignados com o acontecimen- membro da aristocracia e um político experiente e habili-
to, os partidos extremistas incitaram as massas, exigindo doso. Hitler e seus seguidores eram, por sua vez, indepen-
uma atuação imediata e efetiva da titubeante República dentes demais. Além disso, Von Kahr tinha conseguido
de Weimar. A mensagem implícita que passavam em seus apoio direto em várias regiões alemãs, e não precisava mais
comícios era a de que, se o governo não tomasse providên- do futuro Führer e da SA. O que ele não esperava era que
cias, eles mesmos o fariam. A resposta governamental foi a Liga de Batalha fosse agir por conta própria.
tímida – ao menos para os extremistas. E uma crise incen-
diária se alastrou por todo o país. GOLPE NA CERVEJARIA
Uma das consequências da invasão franco-belga foi a Na noite de 8 de novembro de 1923, numa grande cer-
união dos partidos de extrema direita sob a Kampfbund, vejaria da cidade, a Bürgerbräukeller, Von Kahr proferia
ou Liga de Batalha, no qual Hitler acabou sendo escolhido um inflamado discurso antimarxista a uma plateia reple-
líder. Mas não foi só isso que aconteceu. Motins nas ruas, ta de aristocratas, dirigentes políticos, oficiais do exérci-
greves, anarquia, particularmente em Munique e na Bavie- to e outros influentes representantes da sociedade bávara,
faria as forças do Reichswehr passar para o lado dos rebel- te julgamento e nos declarar livres de culpa e isentos do
des. Mera ilusão. Embora milhares de pessoas tivessem, poder de expiação”. O resultado foi que os juízes acaba-
de fato, acompanhado os revoltosos cantando hinos e pa- ram se curvando aos argumentos de Hitler. Sabiam que o
lavras de ordem durante o percurso, quando se aproxima- governo imposto pelo Tratado de Versalhes era mais uma
ram de uma barricada da polícia e do Reichswehr, acon- humilhação causada pelos inimigos e concordavam que a
teceu o inevitável. Sem aviso prévio, as forças governistas Liga de Batalha lutava sinceramente para conduzir a Ale-
abriram fogo. Os homens de Hitler responderam da mes- manha a uma solução melhor. Além disso, Adolf contava
ma forma, iniciando um tiroteio. O combate durou me- com a simpatia – quando não com a fidelidade – de quase
nos de um minuto, mas, quando acabou, 18 mortos – 14 todo o país. Assim, todos os envolvidos receberam penas
membros da SA e quatro policiais – jaziam no chão. O extremamente leves. Alguns foram até mesmo absolvidos.
próprio líder da SA, Hermann Göring, saíra ferido, e Hi- Em termos políticos, o Putsch da Cervejaria acarretou
tler, lançado no chão por um dos seus milicianos quando a fusão do NSDAP com as demais organizações da Liga
este recebeu o impacto de um tiro, acabou a marcha com o de Batalha num único partido, chamado de “Grande Co-
ombro deslocado. Ludendorff, por sua vez, caminhou até munidade Nacional Alemã”. A SA também se tornou in-
as posições governistas e se rendeu. dependente do partido e seu fundiu às outras milícias de
direita. Quanto a Hitler, o cabeça do golpe mal-sucedido,
DE TRAIDOR A PATRIOTA foi condenado a cinco anos de prisão, mas acabou cum-
Policiais mortos, ocupação de quartéis, tentativa de gol- prindo apenas 13 meses, numa confortável cela que mais
pe de Estado: o estrago provocado por Adolf Hitler e seus parecia um gabinete de trabalho. Lá, continuou recebendo
seguidores implicaria, quase certamente, a pena de morte. visitas de membros da elite de seu partido, além de con-
No entanto, quando o julgamento do líder dos partidos de tar com a simpatia e o apoio dos guardas, dos carcereiros e
direita começou, o genial orador acabou revertendo comple- dos outros prisioneiros.
tamente a situação e passou de acusado a acusador. Numa Ironicamente, o Putsch da Cervejaria acabou sedimen-
tacada de mestre, o futuro líder da Alemanha acabou usan- tando o sucesso de Adolf Hitler e do Nacional-Socialis-
do o julgamento para promover a si mesmo e ao seu partido. mo. O futuro Führer soube aproveitar o tempo na prisão
Sem procurar se defender, assumiu toda a responsabilidade para sistematizar o ideal nazista, escrevendo o livro que
pela malograda conspiração, mas – e aí residiu a perspicácia viria a ser a bíblia da sua ideologia, a autobiografia Mein
da sua defesa – afirmou num dos seus discursos incendiá- Kampf, ou “Minha Luta”. E como uma fênix que renasce
rios que tentava salvar a Alemanha e, portanto, tinha agido das próprias cinzas, Hitler saiu da prisão renovado e mais
como patriota e não como traidor. forte do que nunca. Provara sua coragem, sua energia e sua
Em seu livro A Estratégia de Hitler (Madras Editora, determinação ao povo alemão, que agora o apoiava qua-
São Paulo), Pablo Jiménez Cores cita um trecho da fala se que irrestritamente. Só faltava tomar o poder e guiar a
que Adolf proferiu em sua defesa: “mesmo que os juízes Alemanha rumo à “salvação” – ou aquilo que Adolf e seus
deste Estado possam empenhar-se na condenação de nos- aliados imaginavam ser a salvação do país. Como todos sa-
sas ações, a história, deusa de uma verdade maior e de uma bem, as circustâncias conduziram a Alemanha a uma nova
lei melhor, há de sorrir quando desfizer o que foi feito nes- guerra e, ainda pior, à sua ruína.
AFP
Minha Luta
blicado em 1925, o livro já tinha vendido mais de 1,5 mi- instabilidade que ela veio a enfrentar depois da guerra
lhão de exemplares e começava a ser editado em braile em eram, no entender do líder nazista, os comunistas. Como
1933. No final da Segunda Guerra, já havia sido traduzi- no caso dos judeus, o ódio doentio contra os soviéticos fica
do para 16 idiomas e vendido mais de 10 milhões de có- bem evidenciado nas cifras aproximadas do Holocausto:
pias. E, apesar das propostas contidas no livro – inconce- entre 5,6 e 6,1 milhões de judeus e 2,5 e 4 milhões de pri-
bíveis aos olhos modernos –, a Alemanha outorgou poder sioneiros de guerra soviéticos.
ao seu autor. A seguir, uma visão dos principais pontos da Adolf Hitler havia estudado a obra de Karl Marx em
doutrina nazista de acordo com o Mein Kampf. Viena, mas seu ressentimento com relação aos comunis-
tas vinha do que ele classificava como “antipatriotismo”.
ANTI-SEMITISMO Durante a guerra, trabalhadores marxistas promoveram
Um dos pilares sobre o qual se sustentou o ideal nazis- greves que fizeram os homens nas linhas de frente pas-
ta foi o anti-semitismo. Entre os principais motivos pelos sar necessidades. Além disso, depois do fim do conflito,
quais Hitler culpava os judeus dos problemas da Alema- os seguidores da doutrina de Marx tentaram tomar o po-
nha estava o fato de estes serem partidários da república der e fragmentar a Alemanha. Eram uma ameaça à uni-
e contrários à monarquia. Muitos israelitas insistiram no dade do país.
ideal republicano quando a Alemanha ainda lutava. Eles Para fechar o circuito, o futuro Führer se opunha ao
eram, aos olhos do idealizador do nacional-socialismo, marxismo porque entendia que os judeus estavam por trás
os traidores que, com sua interferência política, levaram a desse conceito. Segundo o Mein Kampf, “a doutrina judai-
Alemanha à derrota. ca do marxismo nega o princípio aristocrático da natureza
O ódio aos judeus era, porém, anterior à guerra. Tam- e, em lugar do eterno privilégio da força e da energia, co-
bém não era exclusivo de Hitler nem dos alemães. Na loca seu peso morto em cima dos números”. Como se vê,
SUPER-HOMENS
Outro princípio defendido por Adolf Hitler no Mein
Kampf era a “purificação” da nação germânica. Por con-
ta disso, o Estado “declarará impróprio para a reprodução
qualquer um que esteja evidentemente enfermo ou padeça
de incapacidade hereditária”. Em suma: a autoridade nazis-
ta determinaria os aptos ou não para ter filhos, podendo
até mesmo esterilizar os indivíduos que não correspondes-
sem ao padrão determinado.
Co-autores
Quem foram
os teóricos que
lançaram as bases
da ideologia nazista
Por Claudio Blanc
AFP
Heinrich
Himmler, Rudolf
Hess e oficiais
nazistas
E
mbora o nazismo tenha sido tou no nazismo. São teses, crenças e ten-
sistematizado, defendido e dências criadas por diferentes teóricos e
propagado por Adolf Hitler, que acabaram se tornando muito popu-
ele não estava sozinho na con- lares na Alemanha depois da Primeira
cepção das ideias do movimento. Na Guerra. Os pensadores que criaram es-
verdade, o futuro Führer amalgamou sas teorias são, portanto, co-autores do
uma série de conceitos, cuja fusão resul- ideal que veio a dominar a nação alemã (e
AFP
As últimas palavras de Dietrich Eckart, ao morrer em
1923, foram um conselho para os que o cercavam. “Sigam
Hitler”, disse ele. “Vocês o verão dançar, mas eu fui o com-
positor da música; dei a ele os meios para se comunicar
com eles ... Minha influência na história será maior do que
a de qualquer outro alemão”. De fato, Eckart, pleno conhe-
cedor da estratégia da oratória, foi o responsável por trei-
nar Hitler e melhorar sua natural capacidade de comuni-
cação. Mas a influência de Eckart, um jornalista, escritor
e tradutor alcoólatra e viciado em morfina, sobre o ditador
também envolveu o ocultismo. Ele havia dedicado grande
parte do seu tempo aos estudos das técnicas usadas pelos
médiuns, e procurou ensiná-las a Hitler para aumentar o
poder de persuasão do líder do nazismo.
RUDOLF STEINER
Parece incrível incluir o grande pensador austríaco Ru-
dolf Steiner (1861 –1925) entre as mentes que influen-
ciaram Hitler, mas, de fato, o futuro líder da Alemanha
chegou a nutrir uma grande admiração pelo fundador da
Antroposofia. Steiner, porém, jamais compactuaria com o
ideal nazista e suas ações.
Os conceitos de Steiner, filósofo e pedagogo, reuni-
dos na doutrina que chamou de “Antroposofia”, buscavam
atingir o verdadeiro conhecimento da natureza humana. Rudolf Steiner
Escritor e palestrante eloquente, Steiner fundou a Socie-
dade Antroposófica, o teatro Goetheanum, em homena-
gem ao grande escritor alemão Goethe (1749 – 1832), a
escola Waldorf, que até hoje continua a ser pioneira em O jovem Hitler era um
termos de pedagogia, e um instituto clínico e terapêutico. entusiasmado leitor
Hitler ficou muito impressionado com a visão de Stei-
ner. Mas, na verdade, o nazista distorceu a proposta do fi- da Ostara, quando vivia
lósofo, numa interpretação absurda. A obra de Steiner foi em Viena. A revista era
tão descontextualizada pelos nazistas que alguns chega-
ram a dizer que ele era anti-semita. Na verdade, o filósofo carregada de anti-
participava de uma liga contra o anti-semitismo. Provavel- semitismo e de ideias
mente a confusão venha de um livro publicado em 1920
pelo antroposofista Karl Heise, chamado Entente-Frei- sobre a superioridade
maurerei und Weltkrieg (Maçonaria-entente e a Primeira germânica. Liebenfels
Guerra). O livro era resultado de palestras de Steiner so-
bre história contemporânea. O texto caracterizava a Pri- publicava no
meira Guerra como “tempestade punitiva” e declarava que
o presidente americano, Wilson, e Lênin eram imbuídos
periódico idéias como a
de poderes místicos que se opunham à missão espiritu- de que Cristo era um
al da Alemanha. O livro fala também de uma conspiração
maçônica britânica contra a Alemanha e cita Guido von
iniciado ariano que
List. Foi o que bastou para alguns nazistas adotarem seu havia se posionado
argumento. No entanto, logo as diferenças entre as ideo-
logias de Steiner e de Hitler ficaram patentes. Não muito contra as forças obscuras
depois de chegar ao poder, os nazistas fecharam as esco- representadas pelos sacerdotes
las Waldorf e perseguiram os seguidores da antroposofia.
judeus
78 Guia Grandes Ditadores da História
Simbologia
Símbolos
nazistas
Envoltos em misticismo e confusas crenças,
eles ajudavam a entorpecer as massas
Por Claudio Blanc
Divulgação/ Discovery Networks
A
mente de Hitler conhecia e venerava o poder Hitler considerava o povo mera “massa de servidores”, sem
dos símbolos, tanto que Adolf lançava mão capacidade para decidir e, muito menos, governar.
desse meio para comover e incitar as massas. A maior parte do simbolismo nazista deriva da cren-
Através da linguagem simbólica, o ditador for- ça do Führer em sua missão e na da Alemanha, o que
taleceu a identidade germânica, criando um incrível elo. acabou gerando um culto, o do “misticismo nazista”. Tra-
Conforme o escritor Pablo Gimenez Cores, “os símbolos ta-se de uma subcorrente que, além do elemento político,
nazistas, antes de tudo, refletiam a mentalidade de impul- traz instâncias de ocultismo, esoterismo, cripto-história
sores do renascimento da arianidade”. Runas, cultura bra- e paranormalidade. Era uma seita difundida no alto es-
mânica e maniqueísta imprimiam no nazismo um cará- calão do partido e seguida por nomes importantes como
ter místico e mitológico. Era uma expressão exacerbada da Rudolf Hess e Heinrich Himmler. Tratava-se da justi-
busca pela glória germânica. Esses símbolos, além de inspi- ficativa mística necessária para selar o destino do povo
rar os princípios do nazismo, visavam a despertar o patrio- ariano e do Terceiro Reich – alçados à glória por, obvia-
tismo e incitar todos a fazer tudo pelo país. Tudo mesmo. mente, Adolf Hitler.
RUNAS
Além de ter sido guerreiros ferozes e de ter ficado fa-
mosos pelos atos de barbárie, os povos nórdicos, dos quais
os alemães descendem, eram tremendamente místicos,
sempre respeitando os desígnios dos deuses. Qualquer
coincidência com o regime perpetrado por Adolf Hitler
Os símbolos, além
de inspirar os princípios
do nazismo, visavam a
despertar o patriotismo e
incitar todos a fazer tudo
pelo país. Tudo mesmo. Hitler
considerava o povo
mera “massa de servidores”,
sem capacidade para
decidir e, muito menos,
governar
não é acaso. O ditador refletia e adotava os costumes dos
antigos germânicos, e o uso das runas – às quais somen-
te os iniciados tinham acesso – foi uma marca desse revival
do arianismo. E, para conhecer os desejos e as tramas dos
imortais, nada melhor do que usar um método criado pe-
los seus ancestrais, um oráculo que os sacerdotes nórdicos
lançavam mão: as runas. Trata-se de um tipo de alfabeto,
cujas letras também são símbolos mágicos, cada uma tem
um nome significativo e um som respectivo. As runas foram
empregadas na poesia, em inscrições e como oráculo. Cada
runa é vinculada a um deus celeste, como o Sol e a Lua.
Como os nórdicos acreditavam que elas tinham pode-
res sobrenaturais, as runas eram gravadas nas armas dos
guerreiros, em pedras comemorativas e em monumen-
tos funerários. Dessa forma, elas ofereciam proteção. Mas
A Solução
Os números
do Holocausto
O número exato de pessoas mortas
pelo regime nazista continua a ser
objeto de pesquisa, mas as seguintes
estimativas são consideradas
próximas da realidade:
Entre 5,6 e 6,1 milhões de judeus
(dos quais 3 – 3,5 milhões de judeus
poloneses). De 2,5 a 3,5 milhões de
poloneses não-judeus. Entre 3,5 a
6 milhões de civis eslavos. De 2,5 a
4 milhões de prisioneiros de guerra
soviéticos. De 1 a 1,5 milhões de
dissidentes políticos. 200.000 a
300.000 deficientes. 10.000 a 25.000
homossexuais. Cerca de 2.000
Testemunhas de Jeová.
Alguns corpos de
prisioneiros mortos foram
removidos por civis alemães
Fotos: Divulgação/ Still Picture Branch (NNSP) do National Archives and Records Administration
sobrevivesse durante toda a guerra. E
o sofrimento imposto a seres huma-
nos por seus semelhantes não para-
va por aí. Nos guetos, era proibido às
mulheres engravidarem. As crianças
de até 12 anos, os idosos e os doen-
tes também eram retirados dos gue-
tos. O destino deles? A morte sumá-
ria em lugares especialmente criados
para esse fim.
A humanidade acabava de inven-
tar instalações para assassinatos em
massa: os campos de extermínio. Em
18 de maio de 1940, o campo de con-
centração de Aucshwitz foi aberto e,
em seguida, convertido em campo
de extermínio. Em 22 de junho de
1941, a Alemanha nazista invadiu a
União Soviética comunista. Simulta-
neamente, o Reich esboçou o plano
da “Solução Final”. Em dezembro de
1941, Adolf Hitler tinha, finalmente,
decidido exterminar literalmente os
judeus, as minorias e os soviéticos da
Europa. Em janeiro de 1942, durante
a Conferência de Wannsee, vários lí-
deres nazistas discutiram os detalhes
da “Solução Final da questão judaica”.
E os massacres em massa começaram
na Europa Oriental.
Os judeus realizavam as tarefas mais
Os nazistas iniciaram a depor-
tação sistemática das populações
de judeus, tanto dos guetos, quan- pesadas. Entre elas, estava a de separar
as roupas e os objetos de valor dos mortos.
to de todos os territórios ocupa-
dos, para os sete campos desig-
nados como Vernichtungslager, ou Eles também eram obrigados a jogar nos
campos de extermínio: Auschwitz,
Belzec, Chelmno, Majdanek, Maly fornos crematórios, ou em valas abertas,
Trostenets, Sobibor e Treblinka os cadáveres que outros prisioneiros
II. O Holocausto foi levado a cabo
metodicamente em, virtualmente, judeus retiravam das câmaras de gás.
cada centímetro do território ocu- Nessa tortura psicológica, eles, muitas vezes,
pado pelos nazistas. Os judeus e
outras vítimas foram perseguidos e reconheciam entre os pertences, ou
assassinados brutalmente.
Nos campos de extermínio, os
entre os corpos, parentes, filhos, amigos
aptos fisicamente eram selecionados e vizinhos. Em Treblinka,
para trabalhar nas fábricas. Os ou-
tros prisioneiros eram mortos ora em
a expectativa de vida dos internos não ia
furgões de gás, ora através de envene- além de poucas semanas
namento por monóxido de carbono.
O campo de extermínio come- te de trabalho do campo, Carl Gustav se o prisioneiro. O esquálido Gross foi
çou a operar com três câmaras de gás, Farfi, precisou de uma cirurgia que estraçalhado. Antes mesmo que Franz
chegando em pouco tempo a seis. De acabou sendo feita pelo médico judeu pudesse perceber o que estava aconte-
julho de 1942 a abril de 1943, apro- Julian Choransky. Durante a cirurgia, cendo e dar o alarme para os guardas
ximadamente 870 mil pessoas mor- a chave do depósito de munições do ucranianos, os judeus começaram a ati-
reram no local. Em sua grande maio- campo foi roubada e copiada. Mas, rar e incendiaram algumas construções.
ria, os judeus eram friamente assas- apesar de ter sido uma figura-chave A desproporção entre as partes
sinados, poucas horas depois de sua no levante, Choransky não participou era gritante – de um lado, homens
chegada. No entanto, com a aproxi- do movimento. Mesmo tendo opera- pobremente armados, subnutridos e
mação das forças aliadas, no outo- do Farfi, o médico foi mandado às câ- psicologicamente abalados, e, do ou-
no de 1943, os alemães começaram a maras de gás logo depois da cirurgia. tro, soldados do Terceiro Reich, bem-
evacuar o campo. Berlim deu ordens Em 2 de agosto de 1943, às 15h35, -alimentados, treinados e armados.
para que Treblinka, assim como ou- começou o levante em Treblinka. A O portão principal foi derrubado por
tros locais, fosse totalmente destruí- data foi marcada para coincidir com a uma explosão. Outras atingiram as
dos. Os nazistas não queriam deixar chegada do trem que traria quatro mil torres de observação. As portas do
provas da existência ou das ativida- judeus ao campo. O plano foi coloca- depósito de armas foram arrombadas
des do local. O processo de desativa- do em prática na noite anterior, quan- pelos revoltosos, que distribuíram os
ção foi sendo percebido pelos prisio- do Eliahu Grinsbach roubou do depó- armamentos a seus companheiros.
neiros judeus, à medida que o núme- sito de armas três pistolas e dez grana- Centenas de pessoas tentaram des-
ro de transportes diários diminuía e das que seriam usadas para dar início truir a cerca e fugir, mas a maioria foi
aumentava o volume das cremações à revolta. Eram poucas armas para en- morta pelos guardas, que começaram
Fotos: Divulgação/ Still Picture Branch (NNSP) do National Archives and Records Administration
cães que dilaceravam os fugitivos.
Às 15h46, o levante terminou.
Durou apenas 11 minutos e deixou
um saldo negro: 1.100 judeus mor-
tos. Entre os membros da SS e os
guardas ucranianos, houve 117 víti-
mas. Somente 180 prisioneiros con-
seguiram fugir. Os fugitivos foram
impiedosamente caçados pelos nazis-
tas e brutalmente assassinados quan-
do encontrados. Dezoito, porém, fo-
ram resgatados – famintos e no fim
de suas forças – por um grupo da re-
sistência judaica que havia sobrevivi-
do à revolta do gueto de Varsóvia e
que se escondera na floresta. Esses
sobreviventes acabaram sendo a me-
mória viva dos fatos ocorridos no dia
2 de agosto de 1943 em Treblinka II.
Em 6 de junho de 1944, o Dia D,
as forças aliadas invadiram a Nor-
mandia, na França, e iniciaram a li-
bertação da Europa. Em 24 de junho,
as tropas russas libertaram o campo
de extermínio de Majdanek, na Polô-
nia. No dia 23 de agosto, aconteceu
a última sessão de asfixia por gás em
Auschwitz. Dia 26, Himmler orde-
nou a destruição dos crematórios em
Auschwitz para esconder as evidên-
cias do campo de extermínio.
Em 11 de janeiro, as tropas Russas
libertaram Varsóvia, onde não encon-
traram mais judeus – todos tinham
sido deportados. Entre 17 e 26 de ja-
neiro, os soviéticos libertaram 80 mil
judeus em Budapeste. Em seguida, to-
maram Auschwitz, onde encontraram
perto de mil sobreviventes. Entre 11 e
28 de abril, as tropas americanas liber-
taram Buchenwald e Dachau. Tropas
britânicas também libertaram o cam-
po Bergen-Belsen. Com a chegada dos
soviéticos nas imediações de Berlim,
os nazistas evacuaram prisioneiros de
Sachsenhausen e Ravensbruck. A SS
perpetrou, então, o último massacre
de judeus. No dia 30, Hitler se sui-
cidou em seu bunker. Em 2 de maio,
Berlim capitulou e, em 8 de maio, a
guerra finalmente terminou.
Adolf Hitler em Paris – 23 de junho de
1940
Guia Grandes Ditadores da História 89
morte
O
Führerbunker, literalmente “abri- historiadores descreveram como um “esgota- De acordo com o historiador britânico,
go do líder”, era um complexo mento nervoso”. O evento marcou o momento Anthony Beevor, depois de uma modesta ceia
subterrâneo de apartamentos, es- em que, pela primeira vez, o obstinado líder na- de casamento, Adolf Hitler chamou a jovem
critórios e outras instalações lo- zista admitiu que a derrota era inevitável. secretária Traudl Junge e ditou a ela seu testa-
calizado em Berlim. Na verdade, tratava-se de Alguns de seus auxiliares haviam sugerido mento e suas últimas vontades. O Führer as-
dois bunkers conectados, construídos em níveis que ele fugisse para as montanhas da Bavária. sinou esses documentos às 4h daquela mesma
diferentes, a uma profundidade de 8,2 metros Certos pesquisadores chegam a mencionar que madrugada e se retirou para seu quarto.
debaixo dos jardins da Chancelaria do Reich. Hitler poderia ter se escondido na América do Sem nunca deixarem o bunker, Hitler e
O complexo era protegido por cerca de quatro Sul e se mesclado a alguma das diversas colô- Eva viveram como marido e mulher menos de
metros de concreto e tinha algo em torno de 30 nias alemãs existentes no Brasil, na Argentina 40 horas. No final da manhã de 30 de abril,
quartos distribuídos por dois níveis, com acesso e no Chile, como fizeram muitos líderes nazis- as forças soviéticas haviam chegado a menos
aos prédios principais da Chancelaria e uma sa- tas depois da Guerra, inclusive Josef Mengele. de 500 metros do abrigo do líder. Acuado, o
ída de emergência para o jardim. O bunker foi O inventor do Nazismo, porém, escolheu dar Führer se reuniu com o comandante encarre-
erguido em duas fases – a primeira em 1936, cabo da própria vida.
apenas três anos depois de Hitler ter chegado Com isso em mente, Hitler consultou
ao poder, e em 1943, quando já se sabia que a
Alemanha perderia a Guerra – pela construto-
Werner Haase, seu médico pessoal, que reco-
mendou a ingestão de uma cápsula de ciane-
Certos pesquisadores
ra Hochtief, uma multinacional que atua tam-
bém no Brasil. Era parte de um grande progra-
to – um veneno ironicamente também usado
nas câmeras de gás dos campos de extermínio
chegam a mencionar
ma de construções subterrâneas iniciadas em – e, ao mesmo tempo, desferimento um tiro na que Hitler poderia
1940 em Berlim. A ideia era proteger a capital própria têmpora.
alemã dos inevitáveis bombardeios. O Führer tinha um estoque de cápsulas de ter fugido para a
América do Sul e se
Os aposentos de Hitler ficavam na seção cianeto fornecidas pela SS. No entanto, quan-
mais nova – e mais profunda –, decorados do, em 28 de abril, ele descobriu que Heinrich
com móveis raros e pinturas a óleo. O ditador Himmler, comandante da SS, o havia traído e
se mudou definitivamente para lá em janei- tentava negociar a paz com os Aliados, descon- mesclado a alguma
ro de 1945, quando os Aliados pressionavam
na frente ocidental e os soviéticos, na orien-
fiou de que as cápsulas não teriam o efeito de-
sejado. E isso fez que o líder ficasse paranóico.
das diversas colônias
tal. Desde então, o Führerbunker se tornou seu Para atestar a eficácia do veneno, pediu a Ha- alemãs existentes
quartel-general, de onde governou um Tercei- ase que o desse à sua cachorra, a pastor alemã
ro Reich que se desmoronava rápida e inevita- Blondi. O animal, que, desde que lhe fora dado no Brasil, na Argentina
e no Chile, como
velmente. de presente em 1941, o acompanhava a todos
Foi no Führerbunker que Adolf Hitler e sua os lugares, serviu seu dono pela última vez.
esposa, Eva Braun, cometeram suicídio, quan-
do os soviéticos romperam as defesas de Berlim.
Haase fez o que seu paciente pediu, e Blondi
morreu. As cápsulas eram realmente eficazes. fizeram muitos
O FIM DO FÜHRER
Depois da meia-noite de 29 de abril, Hi-
tler se casou com Eva Braun, uma modelo 23
líderes nazistas depois
No final de abril de 1945, os soviéticos já
entravam em Berlim e abriam caminho numa
anos mais jovem, que ele havia conhecido em
1929 e que tinha sido sua amante desde 1931.
da Guerra, inclusive
encarniçada guerra de rua para chegar até o Apesar do longo relacionamento, o Adolf se o famigerado “Anjo
centro da cidade, onde estava a Chancelaria. recusava a casar com ela. Foi somente nos úl-
No dia 22, durante uma das conferências sobre timos instantes que mudou de ideia. A peque- da Morte”,
a situação militar que Hitler tinha com seu Es- na cerimônia civil aconteceu no escritório de
tado Maior, o Führer apresentou o que alguns mapas do Führerbunker. Josef Mengele
Guia Grandes Ditadores da História 91
Divulgação
gado da defesa de Berlim, general Helmuth bos sentados lado a lado em um pequeno sofá. cremação –, de sua esposa Magda e dos seus
Weidling, que o informou que as últimas tro- Hitler tinha a têmpora direita perfurada. A seis filhos. A localização foi mantida em segre-
pas a defender a cidade ficariam sem munição seus pés, a pistola 7.65 mm que ele usou jazia do por ordens de Stalin.
até aquela noite. Weidling pediu pela segunda ao lado de uma poça de sangue. Eva não tinha Na década de 1970, a instalação onde os
vez permissão para retirar suas tropas, mas o marcas de ferimento. Apenas usara veneno. corpos jaziam, até então controlada pelos sovi-
obstinado Hitler não respondeu. Somente ho- Os dois corpos foram, então, retirados do éticos, foi devolvida para o governo da Alema-
ras depois, às 13h, ele permitiu que Weidling bunker pela saída de emergência e depositados nha Oriental. Mas, temendo que o local fosse
tentasse bater em retirada naquela noite. Foi a numa cratera aberta pela explosão de uma bomba descoberto e se tornasse um centro de culto
última ordem dada pelo chanceler alemão. no jardim da Chancelaria. Ajudado pelos guarda- por parte dos neonazistas, o diretor da KGB,
Instantes após despachar a ordem a -costas de Hitler e membros da SS, Linge enchar- Yuri Andropov, ordenou que os despojos fos-
Weindling, Hitler, duas secretárias, Eva e o cou-os om gasolina e ateou fogo. Os cadáveres sem totalmente destruídos. No dia 4 de abril,
cozinheiro particular do ditador participa- não foram completamente destruídos pelas cha- uma equipe da KGB exumou os restos de Hi-
ram da última refeição do Führer: espague- mas e, tendo recomeçado o bombardeio ao com- tler e dos outros e os cremou completamente.
te com um molho leve – afinal, o cianeto age plexo, o criado foi impedido de prosseguir com a Em seguida, as cinzas foram jogadas no Rio
mais rapidamente se a vítima estiver de estô- cremação. Os restos do Führer e de sua esposa fo- Elba, o lugar definitivo de repouso do homem
mago vazio. Em seguida, o casal se despediu ram cobertos na pequena cratera. Eram 18h. que promoveu a destruição da Alemanha e de
dos funcionários e militares, entre eles o che- grande parte da Europa.
fe da propaganda nazista, o sempre fiel Joseph RESTOS MORTAIS Mesmo após a divulgação da autópsia e do
Goebbels, que, pouco depois, também se suici- Durante décadas, o destino dos despojos destino dos restos mortais de Hitler, os boatos
daria com a esposa após matar seus seis filhos. de Hitler foi uma incógnita. Em 1969, o jor- continuaram. Em 2000, o FSB expôs um frag-
Por volta das 14h30, Adolf e Eva se reti- nalista soviético Lev Bezymensky publicou mento de crânio mantido em seus arquivos. O
raram para o estúdio. Segundo algumas teste- um livro baseado numa autopsia realizada pela pedaço de osso seria tudo que restara do corpo
munhas, às 15h30 ouviu-se um tiro vindo do SMERSH, o serviço de contra-inteligência do de Adolf. Muitos historiadores e pesquisadores
cômodo. Depois de esperar alguns minutos, o exército soviético que antecedeu a KGB. Pou- duvidam da autenticidade do fragmento.
criado pessoal de Hitler, Heinz Linge, e Mar- cos, porém, acreditaram nos dados fornecidos A dúvida sobre o destino dos despojos do
tin Bormann, chefe da Chancelaria, entraram por ele. Foi só em 1993, depois da queda do co- ditador nazista permanece. A memória de Hi-
no local. Um cheiro de amêndoas queima- munismo no leste europeu, que a verdade veio à tler, porém, continua tão viva como nunca dei-
das, típico de cianeto, emanava. Estavam am- tona. A FSB, a agência governamental de inte- xou de estar.
Aprofunde-se no assunto
Por Lucas Pires e Claudio Blanc Fotos Divulgação
Stalin: Um Novo
Olhar
As Revoluções Russas e Ludo Martens
o Socialismo Soviético Editora Renan
Daniel Aarão Reis Filho Livro de um autor revisionista e decla-
Editora UNESP radamente stalinista, que escreveu sua
Obra apresentativa das revoluções de obra buscando derrubar os “mitos” e
1905 e 1917, passando por todo o perí- as “mentiras” em torno da aura de de-
odo comunista da Rússia, então chama- mônio que o Ocidente teria criado ao
da de União Soviética. Ótimo livro para redor de Stalin. O autor tem argumentos para quase todas
quem quer se introduzir no cenário da as ações de Stalin, mesmo as sem explicações, como os ex-
Revolução e de como o país tratou de purgos, mas o alvo maior de Martens é Trotski, a quem pinta
crescer economicamente num sistema socialista. como um derrotado ressentido e mesmo anticomunista.
Lenin e a
Revolução Russa
Oziel Gomes
Editora Expressão Popular
Como o nome já diz, o livro aborda a figura
de Lênin e o contexto da Revolução Russa de
1917 de forma didática e linguagem simples.
O Estado e a
Revolução
Wladimir Lenin
Editora Expressão Popular
Escrito em 1917, logo após a
divulgação das “Teses”, que
subverteram a posição do A Revolução Russa
partido diante da Revolução Maurício Tragtenberg
Russa. Nega a viabilidade do Editora UNESP
controle revolucionário do Reeditado em 2007, mas originalmente de
poder pela burguesia; suscita 1988, este livro faz um estudo da experiência
o problema da transformação revolucionária da União Soviética antes de seu
do partido, do papel do fim oficial, mas ali já estava a análise das razões
proletariado na Revolução e da do fracasso – segundo o autor, a desconfiança na
tomada do poder pelas classes capacidade da classe trabalhadora e a ação não
trabalhadoras. democrática que resultou no monopólio político e
no controle do Estado.
Outubro (1927)
Serguei Eisenstein
Conteúdo encomendado pelo partido para as comemorações dos 10 anos da
Revolução. Ela retrata o cenário russo de outubro de 1917, com a tomada do
Palácio de Inverno pelos populares e bolcheviques. A figura de Lênin ganha
ares messiânicos e Eisenstein faz outro filme mudo, cuja potência está na
montagem e na concepção dos personagens e eventos históricos.
Hitler, vols. 1 e 2
Joachim C. Fest
Editora Nova Fronteira
A biografia em dois volumes do ditador alemão, por Joachim Fest, seu mais
renomado biógrafo, abrange o período que vai de sua ascensão, em 1933, até
a queda da Alemanha nazista, em 1945, numa obra de pesquisa extensa. No
livro, Fest mostra uma Europa apanhada pelas contradições e pelas intensas
lutas ideológicas do período entre as guerras, e faz um estudo detalhado da
personalidade de Adolf Hitler, que serviu de inspiração para o filme “A Queda!
- As últimas Horas de Hitler”, de Oliver Hirschbiegel.
No Bunker de
Hitler - Os
Últimos Dias
do Terceiro Reich
A Mente de Hitler Joachim C. Fest
Marcelo Caixeta Editora Objetiva
Editora Ciência Moderna “No Bunker de Hitler” expõe o
cotidiano do ditador naqueles
Nessa análise biográfica e psicológica dias dramáticos, mostrando os
do líder nazista e de outros ditadores, surtos de euforia irreal, seguidos
o autor busca responder as questões por momentos de depressão
“Como é que a inteligência pode ser re- profunda diante da derrota
lacionada ao sadismo e ao mal?” e “Por inevitável. O livro traz, ainda,
que algumas pessoas, como Hitler, que perfis dos principais membros
tiveram uma mãe amorosa e uma família do círculo pessoal do ditador,
estruturada, entregam-se à monstruosi- dominado pela competição e
dade do mal?”. Que fatores emocionais, pela intriga até os instantes finais
Imagens: Divulgação
• pode
Discovery
Em http://www.hitler.org/writings/Mein_Kampf/ o livro Mein Kampf
O documentário com mais de ser baixado na integra. (em inglês)
duas horas de duração mostra os
acontecimentos de 20 de julho de • The History Place www.historyplace.com/worldwar2/riseofhitler/ O site
contém uma abrangente biografia ilustrada em 24 capítulos.
1944, um dia que poderia ter mudado
o curso da Segunda Guerra Mundial (em inglês)
e da História. Adolf Hitler havia
transferido uma reunião com seus Adolf Hitler.ws www.adolfhitler.ws O site oferece biografia •
e arquivos com discursos, trabalhos artísticos de Hitler e informações
generais por ocasião de uma visita
de Mussolini. O Coronel Claus von gerais sobre o período. (em inglês)
Stauffenberg planejava matar o Füher
com um explosivo escondido em
sua pasta. O ditador sobreviveu e,
então, acreditava que seu destino era
salvar a Alemanha. Através do uso da
computação gráfica e de recriações
históricas fiéis, o filme reconstitui os
passos de Hitler, Roosevelt e Churchill
durante esse fatídico dia, revelando
detalhes só conhecidos por meio de
livros e documentos secretos.
REDAÇÃO ADMINISTRAÇÃO
Jornalista Responsável: Andrea Calmon – MTB 47714 Diretora Administrativa: Jacy Regina Dalle Lucca
Colaboraram nesta edição: Claudio Blanc e Lucas Pires financeiro@editoraonline.com.br
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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23/07/2015 23/07/2015
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