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Ferrugem, Lucas

Uma breve história da Rússia: Aula 3

ISBN:

1. História da Rússia

CDD 990
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INTRODUÇÃO

No último e-book, encerramos nosso percurso justamente no momento em que


Lênin morreu e Stalin, através de estratégias espúrias, conseguiu assumir o poder.
Dessa vez, daremos continuidade à essa jornada rumo à era stalinista, denominação
utilizada para se referir ao período em que Stalin se manteve como líder supremo da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Nosso objetivo é compreender
não apenas o que foi o stalinismo, mas também como este se diferenciou do
comunismo tradicional e do moderno. Ademais, cabe-nos a empreitada de entender
como Stalin conseguiu preservar o poder por trinta anos, a despeito das tantas
atrocidades que realizou, e o que seu governo mudou na história do mundo.
O nosso trajeto, nessa oportunidade, terá seu final no ano 1945 e na perda da
Alemanha na Segunda Guerra. Neste contexto, em que a Guerra Fria não havia ainda
claramente se estabelecido, mas já apresentava seus primeiros contornos, o mundo
estava dividido entre diferentes ideias que não haviam sido suficientemente
debatidas. Uma disputa obrigaria todas as nações a sofrerem profundamente as
influências destas perspectivas.
O desafio imposto ao nosso bom-sucesso é existência de uma deturpação das
fontes históricas, causada pelo confronto de cosmovisões que foi a Guerra Fria. Tanto
os historiadores americanos quanto os russos falsificaram dados, fontes e narrativas
a fim de atender a demandas oriundas do conflito. Isso dificultou a investigação de
fontes, livros e materiais a respeito deste tema e dos acontecimentos dessa época.

O STALINISMO CHEGOU
O termo bolchevique havia ficado para trás e dado lugar ao Partido Comunista
Revolucionário. Tal mudança cumpria uma função específica: dar fim à ideia de
divisão entre os comunistas e, ao mesmo tempo, fortalecer a unidade do partido único.
O desaparecimento da palavra bolchevique sepultou e tornou ignóbil o passado de
divergências. Mais do que isso, marcou o nascimento de uma estratégia que virou
praxe - a falsificação do passado.
Stalin não era um grande orador, nem possuía uma presença física impactante.
Para piorar, a tentativa de simular sua verdadeira origem étnica através da adoção de
um nome com sonoridade russa como Joseph Stalin não foi bem-sucedida, pois seu
acentuado sotaque georgiano era facilmente detectável.
Ciente das frequentes e intensas desavenças pelo poder, Stalin buscou
precaver-se de possíveis golpes ao formar uma aliança (troika) com Kamenev e
Zinoviev, outros importantes membros do partido, também integrantes do Politburo1.
Inicialmente, a Troika estava centrada na deslegitimação de Trótski. Alcançado esse
objetivo, a competição se estabeleceu entre os próprios ex-aliados. O sonho
comunista precisava de um verdadeiro líder capaz de implementá-lo e torná-lo
sustentável. Embora o arcabouço intelectual revolucionário estivesse solidificado,
transpô-lo para realidade oferecia obstáculos e imprevistos frequentes. Era preciso
que um dos três vencesse.
As características que diferenciariam o stalinismo dos demais regimes
afloraram nesse momento, quando Stalin rapidamente percebeu que o laço étnico, de
sangue, entre os russos, era muito mais forte do que aquele existente entre
trabalhadores de diferentes nacionalidades. Por isso, Stalin identificou que a
revolução comunista mundial, pleiteada pela vertente tradicional marxista-socialista,
almejada por Trótski e Lênin2, era um objetivo deveras frágil.
Esse entendimento e a conclusão de que a revolução acontece dentro de
somente um país provocaram um desvio da concepção clássica. Os esforços
precisavam ser focados na concretização de um Estado Socialista, de uma nação
comunista. Esta serviria para inspirar revoluções em outras localidades. Deste modo,
o plano se tornava mais pragmático. Esta abordagem começou a ganhar força dentro
do partido, porque instaurar o socialismo na Rússia estava fornecendo desafios
suficientemente difíceis.
Com essas ideias, Stalin concebia o nascimento de uma vertente política
chamada nacional-socialismo, ou seja, o socialismo feito de forma nacional. A
identificação do elo entre os russos e da tradição da grande Mãe Rússia como a
potência do movimento, e não os trabalhadores, levou à exclusão dos demais grupos
étnicos da revolução. Consequentemente, a Internacional Comunista, que coadunava
diversas nacionalidades, passou a ser vista como possível pecadora para os objetivos
revolucionários e perdeu força. O novo homem marxista deixava de advir da união de
trabalhadores de do mundo inteiro e surgia de um país: a Rússia. O Stalinismo,

1
O politburo era o principal colegiado do partido comunista. Seus integrantes pertenciam à
alta cúpula do governo.
2
Pode-se perceber como essa crença de revolução mundial era sólida em Lênin, uma vez que
foi ele o responsável por fundar a Internacional Socialista.
portanto, deu luz para toda uma teoria de nacional-socialismo desenvolvida a partir
de então.
Zinoviev e Kamenev entenderam que renegar a revolução mundial e
concentrar os esforços na Rússia era uma traição ao marxismo ortodoxo. Isso
intensificou o afastamento de Stalin de ambos e levou-o a se aproximar de Bukharin.
Bukharin também tinha destaque no politburo, mas havia sido descrito por Lênin em
seu testamento como alguém que não era marxista o suficiente, pois trazia certa dose
de respeito pelas tradições capitalistas e pelas relações de mercado. Stalin pretendia,
com essa união, solapar as possibilidades de Kamenev e Zinoviev.
Stalin realiza uma série de acertos táticos na governança do partido que vão
solidificando sua legitimidade. Para entender como ele conseguiu assumir o poder,
dando início ao que alguns historiadores chamam de Segunda Revolução Comunista
dentro da Rússia, é necessário que voltemos um pouco no tempo.
Os revolucionários haviam tomado o poder e era preciso adotar as primeiras
medidas que propiciariam a transformação da Rússia em um país comunista. A fim
de viabilizar a realização dessa transição, o Gosplan foi criado, visando à estatização
e à planificação completa da economia. As propriedades foram confiscadas. A
economia seria totalmente planejada. O poder estava sendo centralizado. No entanto,
o projeto não funcionou. Em 1921, em poucos meses, a Rússia retrocedeu seus
índices econômicos, que voltaram aos patamares pré-1914. Diante desse cenário,
Lênin foi constrangido a adotar outra política. No mesmo ano, a Nova Política
Econômica (NEP), entrou em vigor. A NEP devolveu, aos capitalistas, suas empresas,
ao mesmo tempo em que estabelecia metas de produção. O intuito era executar uma
reforma gradual. Em baixíssimo grau, a NEP surtiu efeitos positivos.
Lênin, o responsável por implementá-la, já havia morrido quando na 14ª
Conferência do Partido Comunista da Rússia, Stalin declarou ser esta uma política
econômica de aliança com os capitalistas e um retrocesso na revolução. Para ele, a
NEP era uma artimanha para aqueles que não estavam dispostos a pagar o preço de
fazer a revolução. Essa percepção levou à substituição da NEP pelo Plano
Quinquenal.
O Plano Quinquenal estava alicerçado em três pilares: tudo é do Estado,
trabalho forçado e estabelecimento, pelo Estado, da meta de todo que deve ser
produzido. Quando o anunciou, Stalin prometeu que sua instauração promoveria um
crescimento de mais de 100% nas indústrias e de mais de 50% no campo. Além de
toda produção ser entregue ao Estado, dentre as disposições do plano, constava o
confisco de toda propriedade da Rússia, com a manutenção das pessoas nos locais,
exercendo a mesma função que desempenhavam. A partir desse momento, um
regime escravista muito maior do que o existente durante o reinado de Pedro, o
Grande estava em curso - a Rússia passou a ter toda população escravizada para
trabalhar para o Stalin.
Logo, as metas de produção chegaram às fábricas e aos campos, mas as cotas
mensais produzidas ficaram muito abaixo do estipulado. Incrivelmente, a situação
piorara em relação à NEP. Neste momento, Stalin deveria estar enfraquecido,
correndo o risco de perder o controle. Entretanto, ele deu um segundo passo que o
fortaleceu. Stalin determinou que, caso as cotas não fossem cumpridas, as pessoas
estavam proibidas de retirar qualquer quinhão da produção, mesmo que para sua
alimentação. Concomitantemente, impôs uma lei antifurto para condenar as pessoas
que desobedecessem à nova norma. Em 1927, com finalidades pedagógicas, mais
de duas mil pessoas são condenadas em praça pública, para que os demais
aprendessem que não poderiam mais roubar do povo. Apesar das rígidas regras, a
produção continuava inatingível, pois as metas eram extremamente audaciosas. O
crescimento exigido era muito elevado.
Resoluto, Stalin pressionava cada vez mais os produtores. Em vários de seus
discursos, também passou a acusar a elite de sabotar a revolução. Com isso,
movimentou um grupo de ódio contra os Kulaks, categoria em que estavam
agrupados os fazendeiros, os aristocratas locais e os pequenos e médios produtores.
Decidido a tomar ações enérgicas, Stalin dividiu os kulaks em três grupos: o primeiro
era composto por aqueles que detinham entre 5 a 10% da riqueza russa. Todos eles
foram mortos, sob pretexto de estarem roubando o povo. Como a população estava
passando fome, a opinião pública, em certa medida, apoiou as execuções; o segundo
grupo foi preso e as suas terras foram confiscadas; o terceiro grupo teve somente as
terras confiscadas. Essas sentenças provocaram a morte de duzentas mil pessoas e
enviaram um milhão e oitocentas mil pessoas para prisão nesse momento. Isso era
apenas um vislumbre do que viria a ser o regime de Stalin.
O medo da morte fez com que a produção aumentasse. Ainda assim, de forma
incipiente em comparação às cotas fixadas pelo partido. Com o aumento da produção,
surgirem os primeiros rumores do desenvolvimento historicamente reconhecido que
Stalin proporcionou à nação russa. Contudo, a principal fonte de riqueza não vinha do
trabalho forçado, mas sim da expropriação completa de toda população, que fornecia
uma reserva de recursos. Por isso, a severidade das políticas continuou se
acentuando sem alcançar os resultados intencionados.
A inflexibilidade motivou Bukharin a sugerir uma possível correção para a
questão das metas: aumentar o preço pago pelas cotas entregues ao governo. Com
isso, mesclava-se o incentivo privado com o regime socialista. Isso introduziu uma
indisposição entre Bukharin e Stalin. Embora nessa época Stalin ainda não fosse
oficialmente o Presidente do Partido e o Secretário-Geral do Povo, como em breve
aconteceria, ele já era o rosto do governo e o influenciador determinante das práticas
e projetos administrativos. A proposta de Bukharin foi rejeitada e a ampliação da
dureza governamental, mantida.
Sem as metas cumpridas, o problema da fome persistia. O Partido Comunista
estava desesperado para resolvê-lo, pois tinha consciência que sua permanência
poderia comprometer a confiança da população no regime, levando-o à queda. Seus
temores estavam fundados no fato de terem derrubado a Dinastia Romanov
exatamente desse jeito em 1917. A pressão sobre os produtores e as cotas subiam
cada vez mais. O primeiro campo de exílio foi inaugurado. O número de prisioneiros
crescia drasticamente: de um milhão e oitocentos mil para dois milhões e trezentas
mil pessoas, e desse patamar para três milhões e duzentas mil pessoas. Nessas
prisões, o trabalho forçado também era obrigatório e muitos morriam por maus-tratos.
Bukharin estava assustado com as diretrizes revolucionárias. Por isso,
conversou com Stalin sobre a quantidade excessiva de mortes e a consequente
desvirtuação da revolução. Bukharin começa a dizer que Stalin está matando muita
gente e com isso está desvirtuando a revolução. Stalin apresentou a ele o itinerário
que via como indispensável: se a premissa em que estamos baseados é a luta de
classes, o materialismo dialético-histórico de Hegel e Marx, e as classes se
enfrentam, e a única coisa que vai trazer o comunismo é a revolução do proletariado,
é o conflito da luta de classes entre os capitalistas e os trabalhadores, é inevitável
que às portas do marxismo, nós tenhamos uma grande guerra. Nós vamos ter que,
em algum momento, como lei inevitável, exterminá-los. Exterminar os kulaks, os
pequenos produtores, os empresários. Bukharin não concordou com essa
perspectiva, elevando a discordância entre ambos.
Stalin se isolou e identificou uma nova alternativa para sanar a subalimentação
do povo russo. A Ucrânia apresentava uma relevante produção de milho e soja, sendo
um dos principais exportadores do capital para produção agrícola. Stalin percebeu
que podia se apoderar da produção do país para dar fim à subalimentação do povo
russo. Inicialmente, impôs que 35% da produção deveria ser entregue. Por Stalin
acreditar que os ucranianos estavam roubando os rendimentos, o percentual
aumentou para 65%. Em face da insuficiência, a cifra subiu para 92%. Até atingir a
impressionante marca de 170% da produção. Em outras palavras, os ucranianos
estavam devedores. Além de toda sua produção confiscada, precisavam entregar
mais 70%.
A fim de reparar os supostos desvios cometidos pelos ucranianos, Stalin
enviou a polícia para realizar uma fiscalização. Ao chegar lá, os policiais localizaram
pequenos armazéns com comida estocada e algumas pessoas afanando uma parcela
da produção. Essas eram tentativas de sobreviver. No entanto, Stalin as encarou
como provas de que os ucranianos não estavam entregando a comida e publicizou
isso para população. Para garantir que suas ordens seriam respeitadas, condenou
vários indivíduos e endureceu e reforçou a vigilância. Os ucranianos, em um contexto
de fome crescente, emigraram para Moscou, onde uma ração distribuída pelo governo
despertava esperança. Os milhões de ucranianos chegados à Moscou causaram uma
perturbação no governo, incapaz de fornecer víveres a todos. Como saída, o governo
decretou a necessidade de portar um passaporte urbano, inacessível aos ucranianos.
As punições para quem era pego sem ele variavam entre a morte e a prisão.
A medida foi exitosa e os ucranianos começaram a retornar para sua pátria.
Com intenção frear novas debandadas, Stalin ordenou aos policiais que cercassem
as fronteiras da Ucrânia. Junto a isso, as linhas de trem foram canceladas e a rigidez
para obtenção do passaporte aumentou exponencialmente. Já não era mais possível
entrar ou sair da Ucrânia. Simultaneamente, as cotas de produção continuaram se
expandindo. A fome cresceu ainda mais. As pessoas, famélicas, começaram a morrer
nas ruas, em uma completa inanição.
Stalin finalmente se convenceu de que as pessoas estavam morrendo devido
à escassez de alimentos e diminuiu a meta. O índice regrediu para 30%, mas as
pessoas permaneceram morrendo de fome. Em 1930, mais de setenta mil pessoas
haviam morrido de fome. Em 1931, com a queda nas cotas, quinhentas mil pessoas
morrem. Stalin restringiu a cota ainda mais, mas em 1932, um milhão e duzentas mil
pessoas morrem. Ele baixou mais a cota, mas todas essas tentativas foram
insuficientes, porque a população estava desvitalizada. Sem saúde, sem incentivo,
sem esperança, sem autoestima. Em 1933, um milhão e oitocentas mil toneladas de
comida foram exportadas da Ucrânia para a Rússia. Justamente nesse ano, sem
conseguir produzir alimentos em demasia para si, os ucranianos morreram nas
fábricas, nos campos. Oito milhões de ucranianos, 83% da população, foram
vitimados pela fome. Foi o primeiro genocídio da ditadura de Stalin, episódio que ficou
conhecido como Holodomor. Essa hecatombe é tão alarmante, que foi denunciada
dentro do partido. Marxistas favoráveis à revolução, dotados de uma ética bem
flexível, por já terem matado pessoas, reconhecem nesse evento um exagero.
Neste contexto, Stalin teve uma segunda ideia: inaugurar o Centro
Administrativo de Campos de Trabalho Correcional. Em russo, essa sigla tem o nome
de GULAG. Inspirado no exílio criado pelos reis Romanov na Sibéria, esses campos
isolados e afastados, como a própria denominação indica, foram criados para corrigir
comportamentos equivocados. Então, Stalin declarou que quem discordasse dele,
estava discordando da revolução. Os discordantes da revolução constituíam um risco
devido à fragilidade revolucionária que imperava naquele momento. Por isso, era
preciso exilá-los nos Gulags. Estrategista, foi assim que Stalin conseguiu degredar os
dissidentes do partido que estava fazendo propaganda contra ele. Antes de completar
seu primeiro ano de existência, os gulags já comportam mais de três milhões de
pessoas.
Stalin já havia se tornado o líder absoluto do partido e dominado a máquina de
propaganda da União Soviética. Frente ao povo, apresentava legitimidade e
representava liderança. Apesar de muitas pessoas se oporem às suas decisões, já
não era possível discordar dele. Aos seus próximos, restava o desespero. Era o caso
de sua mulher. Ela havia confessado a um amigo que não sabia o que fazer. Ela
percebia quem era Stalin, sabia o que estava acontecendo e não queria mais viver ao
seu lado. No entanto, tinha consciência de que não podia fugir, pois ele a encontraria.
Em 1934, em um evento, Stalin, ela e os filhos do casal estavam sentados à mesa,
conversando. Stalin, brincando, jogou-lhe uma bagana de cigarro. Desesperada, em
meio à solenidade, foi até o quarto e se suicidou com um tiro na cabeça. Stalin
considerou essa atitude uma traição, tendo em vista que a forma da morte o
deslegitimava perante o público. A história foi falsificada: em vez de contar sobre o
suicídio, culpou os trotskistas por terem envenenado sua mulher. Essa narrativa foi
usada como uma arma para matar ainda mais pessoas. Uma de suas filhas e os
parentes da esposa, que julgou serem cúmplices de sua morte, foram exilados no
Gulag. Junto a eles, Bukharin também foi enviado, sob acusação de saber o que sua
mulher estava passando, por, frequentemente, ambos terem conversas pessoais.
Esperando para ser deportado para o gulag, consciente de que seria morto,
Bukharin escreveu para Stalin: “talvez o terror proporcionasse, de fato, garantia total
para sua liderança. Mas, pelo amor de Deus, não nasci ontem, sei muito bem que os
grandes planos, as grandes ideias e os grandes interesses, tem precedência em
relação a qualquer coisa e sei que seria mesquinho da minha parte colocar a questão
de minha própria pessoa no mesmo nível das tarefas histórico-universais da
revolução que ainda pesam em primeiro lugar sob seus ombros, meu querido Stalin.
Mas se o bom Stalin pensasse que Bukharin simplesmente estava no caminho e
precisa ser morto, e daí? Se tem que ser assim, que assim seja”. No caminho,
Bukharin foi executado. Seus escritos, contudo, são indicadores precisos do tamanho
do empenho desses indivíduos em fazer a revolução acontecer.
Se a morte de Bukharin converteu Stalin no único homem legítimo na revolução
existindo na Rússia, o suicídio de sua mulher desencadeou-lhe uma completa
paranoia. Nessa época, Stalin demoveu o líder do Ministério de Assuntos Internos,
responsável por controlar a polícia russa, a NKVD, que futuramente se tornou a KGB.
O cargo foi então ocupado por Iezhov, que, devido à baixa estatura e às punições
cruéis que impunha, ficou conhecido como anão sangrento. Iezhov foi designado com
a finalidade de implementar a Proverka, política elaborada por Stalin para realizar a
completa eliminação de grupos dissidentes. Na primeira ação posta em prática,
Bukharin foi executado e Kamenev, Zinoviev e todos os antigos companheiros de
Politburo e de Revolução Russa de Stalin foram exilados. Além disso, onze mil
pessoas foram executadas em Moscou. 177 mil pessoas foram deportadas para os
Gulags. Houve a criação de uma propaganda para desmanchar o bloco trotskista, que
condenou à prisão 1.929.729 pessoas. Esses dados foram retirados de documentos
do Ministério dos Assuntos Interiores abertos à época. Por isso, é possível que esses
números sejam mais elevados.
Outra missão, não menos psicopática, coube igualmente ao anão sangrento.
Em 1933, ano da fome na Ucrânia, ele foi enviado para o país a fim de negociar os
corpos dos parentes mortos em troca de comida. Centenas de milhares de cadáveres
foram adquiridos e incinerados para que fosse possível falsificar as estatísticas. Por
vezes, sujeitos ainda vivos, próximos ao falecimento, eram confiscados e jogados em
carroças, junto às pessoas que já estavam mortas.
A partir desse momento, tem início o período do Grande Terror. Para executá-
lo, a polícia foi dividida em três vertentes inter-relacionadas: oponentes econômicos,
constituídos por kulaks, donos de empresas, aristocratas, mencionados
anteriormente; os oponentes políticos, formado pelo grupo trotskista e dissidências
do partido; e os oponentes étnicos. Explicar por que grupos étnicos se tornaram alvo
da polícia exige, novamente, que voltemos no tempo.
Quando Lênin criou a Internacional Comunista, havia a pretensão de realizar
uma revolução mundial. Tendo em vista esse objetivo, os revolucionários perceberam
que os habitantes das fronteiras russas, pertencentes a outras etnias e povos, podiam
ser insuflados com as ideias marxistas a fim de que as levassem para seu próprio
país. Eles eram entendidos como fontes de uma oportunidade de espalhar a
revolução. O nacional-socialismo que estava sendo desenvolvido por Stalin alterou
totalmente esta percepção. Esses grupos agora eram rejeitados e, portanto, férteis
para que capitalistas os usassem para fazer propaganda antirrevolucionária ou para
serem espiões. Por isso, era preciso persegui-los.
Incursões foram feitas às fronteiras para prender e degredar diferentes grupos
étnicos. As famílias foram desintegradas e esses povos se dispersaram. Para
comportar tantos indivíduos e isolá-los o máximo possível, campos de concentração
do Gulag foram criados na inóspita Sibéria, no norte da Rússia, um local onde as
temperaturas beiram ao -30ºC. Era praticamente uma condenação à morte. São
tantos presos e exilados que, nessa fase, existiam cerca de 370 a 450 campos.
Membros do partido eram nomeados para administrar os campos, os quais não
apresentavam as mesmas características entre si. Enquanto campos de dissidentes
costumavam ser extremamente severos, campos usados para produzir armas
químicas, em que ficavam instalados cientistas e engenheiros, eram mais luxuosos,
especialmente em relação ao padrão russo.
Logo em seguida, Stalin decretou a ordem 0048, uma das mais cruéis de sua
biografia. Ela determinava que as mulheres dos condenados também deveriam ser
presas, por serem um resquício da mentalidade dos dissidentes, e enviadas para
campos de concentração distintos de seus maridos. A situação dessas mulheres era
de extrema vulnerabilidade a estupros e abusos. A tática encontrada por estas para
sobreviver foi encontrar o que chamavam de “homem do gulag”, alguém superior, que
exercesse um cargo de administração do campo, capaz de protegê-la em troca de
favores sexuais. Os filhos desses casais foram confiscados pelo estado, tiveram seus
nomes alterados e foram encaminhados para orfanatos estatais, em que viviam com
as mesmas restrições de recursos. A atrocidade dessas ações não era uma
manifestação isolada. Determinadas fontes computam a morte de 80 milhões de
pessoas durante o Grande Terror. Sabe-se, com certa certeza, que houve pelo menos
20 milhões de mortos.
No mesmo ano em que sua mulher se suicidou e a fome levou a óbito milhões
de ucranianos, Stalin propagandeou ao mundo que a União Soviética estava
prosperando. Estatísticas criativas foram usadas para dizer que as metas
estabelecidas pelo Plano Quinquenal haviam sido superadas, com um crescimento
de 300% da indústria e de mais de 100% da agropecuária. Tal êxito foi motivo de
comemoração, não apenas para o Grande Líder, como também de todos os
governantes comunistas, inclusive os da Ucrânia. A vantagem produtiva obtida fora
tão notável que os próximos passos previstos eram bem mais modestos - crescer
somente 14% ao ano.
Simultaneamente, as persecuções se agravavam ao comando do Anão
Sangrento, principiando a constituição da polícia secreta russa com a qual estamos
familiarizados. O planejamento central estipulava metas de quantas condenações,
prisões e exílios deveriam ser executados. A fim de progredirem na hierarquia
partidária, carreiristas buscavam cumpri-las o mais rapidamente possível, inclusive
com a produção de provas e testemunhos falsos através de tortura. Após realizar
suas respectivas cotas, esses homens enviavam relatórios e solicitavam que seus
objetivos fossem ampliados, para que pudessem condenar, prender, exilar e matar
mais.
Foi o caso dos 122 mil poloneses. Segundo estimativas, esse era o número
total de pessoas pertencentes à etnia vivendo na Rússia. Por ordens superiores,
todos deveriam ser condenados. Os policiais, sem saberem como proceder, usaram
apenas o sobrenome como meio para identificar os polacos, pois prendê-los
efetivamente não era tão relevante. Mais importante era enviar um relatório
aparentemente verídico com as metas cumpridas. A perda do lastro da motivação foi
um dos fatores que contribuiu para que esse período fosse denominado Grande
Terror Vermelho, uma vez que as mortes não estavam mais baseadas
exclusivamente na ideia do ditador e nem se coadunavam com seus planos. Diante
de tal carnificina, muitos membros do partido desertaram e foram para o exterior
denunciar as atrocidades que estavam sendo praticadas. No entanto, os demais
países a recém haviam saído da Grande Guerra e não quiseram intervir para evitar
conflitos.
Apesar de tais esforços, nessa época, prelúdios de um conflito se
apresentavam na Europa. Em um golpe, Hitler havia extinto a bipartição do poder
executivo alemão, unificando ambos sob o pendor de sua figura. Os audaciosos
planos os quais pretendia implementar tinham sido anunciados ainda em 1924, em
seu livro Mein Kampf. Nele, Hitler ecoou e defendeu as ideias do geólogo alemão,
determinista, Friedrich Ratzel, de Lebensraum, um território capaz de tornar um país
autossuficiente a ponto de engendrar sua soberania. De acordo com Ratzel, o bom-
sucesso da Inglaterra e da América do Norte devia-se justamente ao fato de ambas
possuírem esse território. Influenciado por essa perspectiva, Hitler entendia que a
Alemanha havia sido lesada ilegitimamente por diversas nações e por isso não
detinha território adequado para soberania do povo germânico. Era imprescindível
expandi-lo para garantir abundância de recursos naturais e prosperar.
Por aderir à moda marxista tradicional, para qual uma guerra capitalista era
inevitável, Stalin estava ciente de que em breve novos confrontos seriam deflagrados.
Seu prognóstico era de que o Japão tomaria a China e a Alemanha e a Itália se
uniriam para invadir a Rússia. Só depois que esses agentes estivessem exauridos,
os Estados Unidos e a Inglaterra entrariam na contenda como defensores e tutores
da paz, apaziguando todos os países e promovendo uma ocidentalização. Stalin era
obcecado por ser esse terceiro elemento que, previa, também seria a forma de
atuação escolhida pelos Estados Unidos e pela Inglaterra. Uma vez que percebia a
guerra como um fato inescapável, Stalin queria dirigir o processo. Para isso, plantou
uma isca que, quiçá, foi responsável pelo estouro da Segunda Guerra Mundial.
Stalin demoveu seu ministro de Relações Exteriores e nomeou em seu lugar
um homem chamado Molotov, o qual foi incumbido de uma missão: viajar para a
Inglaterra e para a França a fim de negociar a paz com os embaixadores desses
países. Stalin não queria, com essa ação, obter a paz, mas sim construir uma
armadilha para Hitler, porque tinha consciência de que este não poderia sustentar e
vencer em duas frontes de batalha. De fato, Hitler sabia que não poderia lutar com a
frente ocidental e dar as costas para a Rússia. Do mesmo modo, não podia invadir a
Rússia e descuidar da zona ocidental.
Molotov exigiu condições absurdas para assinar o acordo de paz que, como
fora intencionado, fracassou. No dia seguinte, um artigo no Pravda informava que se
chegara a um impasse com a Inglaterra e com a França que inviabilizava a
conciliação. Hitler mordeu a isca e enviou seu embaixador para Rússia, a fim de
negociar um armistício. O acordo, de caráter amplo e vago, foi facilmente estabelecido
e assinado. Stalin se gabava de entender Hitler e de facilmente manipulá-lo. Ele
pensava que se fornecesse a Hitler as condições econômicas para realizar a guerra,
este não confrontaria a Rússia. Mais do que isso: promoveria um caos na Europa
que ensejaria uma oportunidade para Rússia salvar as pessoas da chaga hitlerista.
Neste contexto, seria possível exterminar os exércitos e disseminar a revolução por
toda a Europa. Prevendo todos esses eventos, Stalin se vangloriou por fazer com que
Hitler, mesmo sem saber e, quiçá, sem querer, estivesse em uma posição em que
faria um grande serviço à revolução. Hitler também firmara o acordo de paz por
questões estratégicas. Ele odiava os marxistas e judeus e entendia que o território
russo era fundamental para constituir o lebensraum.
O tratado havia sido assinado há pouco mais de um mês quando Hitler invadiu
a Polônia. Motivado, Stalin também ordenou a ocupação do país pela fronteira Leste.
Embora França e Inglaterra tenham, nessa oportunidade, manifestado guerra contra
Hitler, não se pronunciaram contra Stalin.
Este parecia estar acertando suas predições. Por isso, em fevereiro de 1940,
um novo acordo econômico, anexo ao Ribbentrop-Molotov, foi firmado. Nele, a União
Soviética ficava obrigada a entregar, entre outras coisas: um milhão de toneladas de
grãos variados; 900 mil toneladas de combustível; cem mil toneladas de cromo; cem
mil toneladas de algodão; quinhentas mil toneladas de fosfato de minério. A
Alemanha, em contrapartida, deveria entregar manufaturados à URSS. Apesar de ser
considerado um absurdo econômico, pois a contrapartida russa constituía 52% das
exportações do país, Stalin interviu para que o acordo fosse sancionado. Era preciso
financiar Hitler na exata medida em que este não desistisse da guerra. De fato, foi o
financiamento russo que permitiu a Hitler ficar bem abastecido a ponto de realizar
suas tantas invasões em 1940.
Hitler não era o único a empreender ocupações. Enquanto a Alemanha
marchava e tomava países Ocidentais, como a Noruega, Holanda e França, a Rússia
centrava seu exército no domínio dos países bálticos - Lituânia, Estônia e Letônia.
Em todas essas ocasiões, repetiu-se o mesmo fenômeno que em 1939, quando a
Polônia foi subjugada: os países reafirmaram sua disposição para combater as tropas
hitleristas, mas não se posicionavam contra Stalin. Embora Churchill já se movimenta-
se discursando contra o comunismo, a Alemanha gerava uma preocupação muito
maior do que a Rússia. Esta era considerada uma nação de loucos revolucionários,
que apresentavam uma cultura totalmente diferente, com língua e alfabeto
completamente distintos. Hitler, por outro lado, era um perigo imediato.
Como a estratégia que havia elaborado estava funcionando, Stalin decidiu
assinar em 1941 um novo acordo comercial com a Alemanha. Embora os alemães
não estivessem entregando os produtos manufaturados, Stalin se comprometeu a
fornecer 2.5 milhões de toneladas de grãos; um milhão de toneladas de combustível;
duzentas mil toneladas de minério de manganês. O abastecimento era tanto que as
linhas de trem da Rússia para a Alemanha ficaram congestionadas.
Stalin, dando continuidade à expansão territorial russa, decidiu invadir a
Finlândia, imaginando que o país poderia ser conquistado em poucos dias, sem
apresentar grandes obstáculos. No entanto, Stalin estava errado. A Finlândia resistiu
à dominação. Embora seu exército não fosse o mais forte, era organizado e
tradicional.O exército vermelho, constituído na época de Trótski, ainda era
desorganizado e sofreu muitas baixas. Essa foi a primeira vez que precisaram lutar
com um corpo militar mais bem preparado. Diante desse cenário, Stalin se apavorou,
pois sabia que Hitler estava observando esses acontecimentos. Este, inclusive, em
um ato provocativo, através de um de seus embaixadores, perguntou se os irmãos
soviéticos estavam precisando de ajuda no campo de batalha. Hitler estava
sinalizando que possuía uma força inexistente entre os soviéticos. Apesar de
amedrontado, os temores de Stalin eram mitigados por saber que a Rússia estava
enviando comercialmente tudo que a Alemanha precisava. Não havia uma razão
plausível para invasão.
No partido nacional-socialista alemão, o debate apresentava outros tons.
Alguns questionavam os empecilhos para não eliminar a Rússia, já que seu exército
é fraco e são os responsáveis pelo abastecimento econômico. Havia apenas duas
desvantagens em tal invasão: abrir dois frontes de batalhas e o risco de perder o
suprimento comercial. A ideia de invadir a Rússia se tornava mais atrativa para a
Alemanha. Essa discussão chega até os ouvidos de Stalin por meio de seus espiões,
mas não há registros de qual foi seu pronunciamento a respeito.
Hitler ainda invadiu a Iugoslávia e pressionava os países europeus cada vez
mais. Até que chegamos ao famoso episódio de Dunquerque, em que a união de
forças inglesas e francesas não foi suficiente. A Alemanha parecia um imbatível.
Aflito, Churchill fez um pronunciamento clamando ao presidente dos Estados Unidos,
Roosevelt, que juntasse suas forças, na defesa dos valores ocidentais, para derrotar
a Alemanha.
Roosevelt estava prestes a encarar uma eleição. Ele já havia prometido
publicamente que o exército não seria enviado para guerra. Roosevelt compreendia
que o problema europeu era grave, mas, em seu isolamento, os Estados Unidos
prosperavam. Como saída, ofereceu financiamento aos países, inclusive para Stalin.
Stalin não entendeu por que os defensores do capitalismo estavam lhe ofertando
dinheiro e fica ressabiado. Por não querer aceitar o apoio, Stalin impôs exigências
absurdas para receber o dinheiro.
Enquanto, no quartel-general alemão, havia duas operações em curso. A
primeira, chamada Leão-Marinho, visava a atravessar o oceano a fim de ocupar a
Inglaterra. A segunda, Barbarossa, tinha por propósito invadir a Rússia. Convencido
de que o exército vermelho facilmente capitularia, Hitler escolheu abrir três frontes de
batalha. Um por baixo, rumo à Kiev. Outro, no norte, em direção à Leningrado. E o
terceiro, e mais importante, entraria pelo centro e marcharia até Moscou.
Stalin já havia sido avisado sobre o dia e a hora em que as tropas nazistas
agiriam. Também havia sido informado do modus operandi e dos militares envolvidos
nesta operação. No entanto, permanecia descrente. Um dia antes do ataque, um
sargento alemão marxista desertou e foi aos russos entregar todo o plano. Os
militares russos estavam convencidos da invasão e, diante da sólida recusa de Stalin
em acreditar, insistiram para que um sobreaviso fosse emitido às tropas de fronteira.
Stalin autorizou que um alerta fosse enviado. Às três horas da manhã, a famosa
Blitzkrieg chegou ao país. Seu progresso na Rússia foi avassalador. Os alemães
ocupavam os territórios em uma velocidade incrível. Tamanha era a incredulidade de
Stalin com tal movimento, que, após receber a notícia, sua primeira pergunta foi: isto
está realmente estava acontecendo?
Os dois dias seguintes foram intensos no Kremlin. Stalin permaneceu dois dias
acordado, trabalhado. Após concluir uma série de reuniões neste período,
inesperadamente, o Grande Líder foi para sua Datcha e se trancou no quarto. Stalin
sumiu por uma semana. Seu reaparecimento não foi voluntário. Seus colegas no
Politburo foram visitá-lo. Ao saber que estavam em sua porta, Stalin pensou que seria
preso. Contudo, a cúpula do partido fora avisá-lo que um Comitê Supremo para decidir
a questões da guerra seria inaugurado. Esperando o golpe, Stalin indagou quem seria
o líder. A resposta: o líder seria ele. Não é que esses homens não tivesses conjectura
um golpe, mas Stalin tinha um poder de presença e havia matado milhões de pessoas.
Além disso, havia exilado e assassinado todos os antigos representantes do Partido
Comunista. Não restará ninguém que pudesse se tornar o rosto público para
população. A falta de coragem venceu e Stalin voltou a exercer sua função.
Guderian, general-alemão que estava guiando a principal invasão, cujo destino
direto era Moscou, estava a apenas 30 km de alcançar seus objetivos. Suas tropas
haviam derrubado absolutamente tudo. Mais 30 km, e o Kremlin seria conquistado.
Desesperado, Stalin recorreu ao financiamento norte-americano. Para dar o dinheiro,
Roosevelt impôs duas contrapartidas: a primeira, que fosse feita a defesa da liberdade
religiosa e da liberdade legal dos americanos dentro da Rússia; segunda, que os
russos parecessem de dar orientação para o Partido Comunista americano. Stalin
aceitou os termos e bilhões de dólares lhe foram entregues.
Isso demonstra uma falta de compreensão completa do que Stalin pensava e
escrevia em seus livros. Para Stalin, os Estados eram agentes drenadores de
recursos para a revolução. O objetivo era destruir o mundo como estava posto para
dar origem a um novo. Não havia regras, ética, contrato, o que for, a preservar.
Portanto, o acordo valia somente para os Estados Unidos. O dinheiro seria usado
para aniquilar justamente o que estavam tentando defender. Dois meses depois de
receberem os recursos, os russos começaram a ganhar a guerra. Hitler não entendia
o que estava acontecendo, mas o exército vermelho começava a constranger um
recuo progressivo das forças alemãs.
Os Estados Unidos esperavam que a derrota da Alemanha significasse um
cessar dos conflitos. Os planos de Stalin eram outros. Após expulsar a Alemanha,
Stalin invadiu Bielorrússia, Iugoslávia, Romênia. Isso era um problema. Ao
estabelecer um acordo, os aliados haviam lido uma declaração que justificava o que
fariam na guerra. Nela, os líderes americanos e ingleses declaravam não querer
expansão territorial, tampouco qualquer mudança que não fosse condizente com as
vontades livremente expressas pelos povos envolvidos. Ainda, manifestaram que
respeitariam o direito de todos os povos escolherem as formas de governo sob as
quais irão viver e buscariam restabelecer o autogoverno àqueles que dele tivessem
sido privados, favorecendo as liberdades econômicas, inclusive a liberdade nos
mares. Também mencionadas foram as esperanças por uma paz e segurança após
a destruição da tirania nazista. Com as ocupações, Stalin solapava a base do tratado
aliado de não interferir na soberania dos povos.
Sem avisar aos aliados nazistas, os japoneses bombardearam Pearl Harbor.
Isso provocou uma mudança na opinião pública norte-americana e fornecia a
Roosevelt um pretexto para e a possibilidade de ir para a guerra. Hitler, neste
contexto, cometeu um sério erro estratégico. Sem ganhar nada em troca, declarou
guerra contra os EUA. Como consequência, o financiamento de 40 bilhões de dólares
norte-americano se expandiu e atingiu a cifra de trezentos bilhões. Além disso, os
Estados Unidos iniciaram a mobilização de suas tropas rumo à Inglaterra, ao norte da
África e à Sicília, na Itália, a fim de tomar a Alemanha nazista.
Roosevelt tinha consciência que seria preciso matar muitos homens do
exército alemão, o que custaria a vida de muitos americanos. Por isso, retardou a
invasão ao país, deixando ao exército vermelho a missão de derrubar o máximo de
nazistas possível. Isso explica como o exército russo se tornou um dos maiores do
mundo. Nikita Khrushchov, sucessor de Stalin, que nesse momento já fazia parte da
alta cúpula do partido comunista, conta em suas memórias que se sentiu humilhado,
pois os americanos estavam contratando a vida dos russos para sangrar por eles.
Khrushchov os acusou de serem capitalistas irrecuperáveis.
A Rússia aproveitou o avantajado empréstimo norte-americano para invadir
praticamente toda a Europa Oriental e delinear, parcialmente, o formato que a União
Soviética adquiriu pós Segunda Guerra. Em Varsóvia, onde os poloneses lutavam
desesperadamente para repelir os nazistas, Stalin estancou as invasões. Era fácil
para ele dar fim ao conflito. No entanto, queria esperar que o sofrimento e a perda da
estabilidade do povo polonês, para então chegar e exterminar os alemães.
Churchill e Roosevelt estavam preocupados com o caráter autoritário de Stalin.
Nessa época, na Rússia, embora o conflito externo tivesse diminuído o terror, ainda
vigorava o trabalho forçado. Além disso, os partidos comunistas estavam se
movimentando de tal forma na guerra, que alguns países começaram a perceber
Hitler como uma esperança antibolchevique.
Diante desse cenário, os Estados Unidos solicitam que a Rússia demonstre
provas de maturidade no sentido democrático. Para solucionar essa situação, Stalin
procurou os líderes da Igreja Ortodoxa, a qual havia destruído, e pediu que
levantassem um Sínodo com financiamento estatal. Eles aceitaram a missão e
pediram a Stalin um mês para que a construção da igreja ficasse pronta. Os planos
de Stalin não podiam esperar todo esse tempo. Por isso, através de sua atuação,
conseguiu que a edificação ficasse pronta em apenas quatro dias. Para propagar essa
notícia, Stalin deu início ao primeiro movimento de infiltração na mídia ocidental. Ele
financiou jornalistas e personalidades, como o filósofo Jean Paul Sartre, para que
fizessem propaganda do comunismo, divulgando que este havia se desenvolvido.
Vários jornalistas divulgam que, após um primeiro momento de muitas dificuldades
para fazer a revolução, o socialismo agora tinha conseguido vencer. Prova disso era
a liberdade de igreja, o desenvolvimento econômico, sua vitória na guerra, salvando
as nações de Hitler. Disseminado através da mídia, esse discurso impregnou a cultura
popular.
Stalin ainda foi beneficiado por uma descoberta. Ao invadir uma região
localizada entre as fronteiras da Bielorrússia e da Polônia, encontrou um campo de
concentração nazista. Astuto, resolveu utilizar aquela casualidade para se promover
mundialmente. Stalin mandou que filmassem e fotografassem o campo. Depois, foi
para a mídia, denunciar as atrocidades cometidas pelos nazistas. Sua ideia é
parcialmente bem-sucedida. A repercussão causada não foi tão amplo quanto Stalin
esperava. A mídia e os governos não queriam divulgar essa informação, pois Hitler
ainda não tinha sido vencido. Tornar pública a existência de campos de concentração
criava um ambiente de pressão aos governantes para que fizessem o possível e o
impossível para aniquilar a Alemanha nazista.
Acontece que perto de Leningrado, em uma invasão, os alemães também
descobriram um campo de concentração soviético e decidiram empregar exatamente
a mesma tática. Eles queriam denunciar para o mundo quem eram os bolcheviques.
A mídia deu vazão para essa acusação. Enquanto Roosevelt ficou furioso ao receber
a notícia, Churchill ficou preocupado. Ambos eram vistos como aliados da Rússia e
não queriam ser associados com um ditador sanguinário. Churchill e Roosevelt
pressionam fortemente Stalin. Por ter mais de 400 campos, Stalin tinha consciência
de que esta era uma situação perigosa para si. Por isso, resolveu o assunto em
apenas dois dias. Para dar prova da evolução socialista, Stalin dissolveu a
Internacional Comunista. Isso foi difundido na mídia. Os periódicos anunciaram que
já não existia mais a pretensão de uma revolução mundial e que a Rússia tinha se
estabelecido como uma democracia antihitlerista.
Ao contrário do campo de concentração nazista, essa narrativa ganhou força
por duas razões primordiais. Por um lado, os governos americano e inglês tinham
interesse em estimulá-la, pois não queriam ser vistos como aliados de um ditador com
campos de concentração. Por outro, havia jornalistas infiltrados, atuando com o
financiamento de Stalin. O Grande Líder deu ainda mais um passo adiante para dar
veracidade e solidez à história. Anão Sangrento, que por anos, sob seu comando,
havia realizado as perseguições, foi acusado de ter implementado políticas sem sua
aprovação. Por isso, foi levado a julgamento, condenado e executado.
Stalin estava vencendo a guerra. Com o suprimento norte-americano, a
população não estava passando por tantas dificuldades. Agora, o povo ficava
sabendo que as chacinas não haviam sido sua responsabilidade. Foi praticamente
inevitável. O que recebia da opinião pública cresceu exponencialmente. Até mesmo
perante a imprensa internacional, ele estava posicionado como um ditador do bem.
A Alemanha foi cercada. De um lado, pela URSS. De outro,
sincronizadamente, pelos EUA. Ambos estavam tensos, pois queriam anunciar para
o mundo o crédito por ter pegado Hitler. Com o fim da guerra pairando próximo no
horizonte, uma pergunta surge: o que vai acontecer quando esse conflito terminar?
Stalin mostrou suas garras e manifestou o desejo de manter sob seu domínio todos
os países que havia conquistado.
Roosevelt estava convencido da necessidade de encontrar Stalin, pois este
nunca havia estado com nenhum deles pessoalmente. Para viabilizar a reunião, uma
conferência foi marcada em Teerã, no Irã. Stalin, a fim de demonstrar a evolução
democrática, convidou Churchill e Roosevelt para ficarem nas instalações
bolcheviques, que estavam totalmente grampeadas. O primeiro-ministro e o
presidente aceitaram o convite. Stalin planeja absolutamente tudo e colocou dois
pontos de seu interesse para discussão.
Primeiro, Stalin apontou que concordava com a necessidade de estabelecer
um acordo de paz no pós-guerra entre os aliados. No entanto, gostaria de saber como
funcionaria caso os EUA tivessem que intervir e enviar tropas para a Europa
novamente, a fim de impor a paz. Roosevelt respondeu que, no máximo, uma ajuda
financeira seria encaminhada. Com isso, Stalin descobriu o que de fato queria saber:
se, ao invadir outros países, os EUA mandariam seu exército. O saldo foi positivo,
pois os EUA não estavam dispostos a guerrear depois. Depois, Stalin compartilhou
sua percepção de que as tentativas anteriores de responsabilizar a Alemanha e
retirar-lhe o poder não haviam funcionado. O país permanecia causando problemas.
Por isso, sugeriu que o território fosse repartido em diferentes nações. Nesse
momento, está desenhando a ideia de que a Alemanha não pode ser mantida como
povo germânico único. Uma espécie de acordo é delineada em Teerã e os líderes
retornam para suas respectivas nações.
Ao chegar na Rússia, Stalin se reuniu com a cúpula do Partido Comunista. O
fim da Guerra estava próximo. Era preciso traçar uma estratégia para contar a história
do conflito.
Há um motivo para os campos de concentração nazista terem ganhado o nome
de solução final. Antes de aprisionar e exterminar com os judeus, Hitler havia tentado
exilá-los. No entanto, Suíça e Inglaterra tinham se negado a recebê-los. O motivo para
esses países declararem guerra à Alemanha quando houve a invasão da Polônia não
foi o antissemitismo, mas o medo que uma Guerra estourasse com a instabilidade de
fronteiras. Por isso era preciso parar Hitler o mais rápido possível.
Eles estavam prestes a chegar em Berlim. Estavam prestes a pegar o poder e
contar essa história para o mundo. Esse capítulo inauguraria uma outra etapa do
século XX, a segunda metade, a Guerra Fria. O uso de armamento cedeu espaço
para a pressão, a informação, a mídia e o medo na aniquilação dos oponentes. Era
natural uma transmutação das armas bélicas para as armas de informação, pois era
justamente esse o principal ativo que ficou na mão de todos eles no final da guerra -
o segredo de seus oponentes. Isso que veremos no próximo e-book, quando falarmos
de Guerra Fria e do potencial da informação como arma de destruição dos inimigos.

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