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Trotsky tinha, quando redigiu a biografia de Stálin, um objetivo: mostrar “como uma tal
personalidade pôde se desenvolver e como finalmente usurpou uma situação excepcional”.
Este é o objetivo confessado. Mas o objetivo real é bem outro. Trata-se de explicar porque
Trotsky perdeu a posição de força que foi sua, num determinado momento, quando era ele
quem devia suceder Lênin, por ser mais digno desse legado que Stálin. Não era o que se dizia,
antes da morte de Lênin? Não se colocava sistematicamente o nome de Stálin no fim, até
mesmo no último lugar, nas listas de dirigentes bolcheviques? Não se via, em tal ou qual
ocasião, Lênin propor que a assinatura de Trotsky viesse antes da sua? Em resumo, o livro nos
permite compreender porque. De fato, é uma dupla biografia: a de Stálin e a de Trotsky.
No entanto, seria necessário fazer uma diferença entre leninismo e stalinismo se quisermos
compreender o que Trotsky chama de “ética”. Com a condição, bem entendido, de admitir que
aconteceu um certo termidor. Assinalemos, então, que Trotsky fornece quatro avaliações
diferentes da época em que esse termidor teria ocorrido. Na sua biografia de Stálin, ele
escamoteia essa questão. Limita-se apenas a constatar que o termidor soviético está ligado ao
“crescimento dos privilégios da burocracia”. Mas essa constatação nos leva a períodos da
ditadura bolchevique anteriores ao stalinismo, aqueles em que justamente Lênin e Trotsky,
tanto um quanto outro, são levados a desempenhar um papel na criação da burocracia de
Estado, aumentando-lhe os privilégios com o objetivo de aumentar sua eficácia.
A máquina do partido
Tudo isso nada tem a ver, nem com o stalinismo nem com qualquer “termidor”. O importante
é a política de Lênin e Trotsky depois da tomada do poder. Num informe ao VI congresso dos
sovietes (1918), Trotsky ameaça: “ nem todos os operários soviéticos compreenderam que
nosso governo é um governo centralizado e que todas as decisões tomadas devem ser
obedecidas... Nós seremos implacáveis com os operários soviéticos que ainda não
compreenderam: nós os submeteremos, eliminaremos de nossas fileiras e faremos com que
sintam o peso da repressão.” Trotsky nos explica que essas palavras visavam a Stálin, porque
ele não coordenava bem suas atividades ligadas à continuação da guerra. Nós até que
gostaríamos de acreditar, mas essas palavras são ainda mais aplicáveis àqueles que jamais
pertenceram à “segunda elite”, ou que nem mesmo pertenciam à hierarquia soviética! Como
sublinha Trotsky, já havia “uma separação profunda entre as classes em movimento e os
interesses do aparato do partido. Mesmo os quadros do partido bolchevique que se
vangloriavam de cumprir uma tarefa revolucionária excepcional estavam muito inclinados a
desprezar as massas e a identificar seus interesses particulares com os do aparato, e isso desde
o fim da monarquia.”
Trotsky se apressa a esclarecer que os perigos inerentes a essa situação eram contrabalançados
pela vigilância de Lênin e pelas condições objetivas que faziam com que “as massas fossem
mais revolucionárias do que o partido e que o partido mais revolucionário do que o aparato.”
Contudo, o aparato era dirigido por Lênin! Antes da revolução, o comitê central do partido – e
Trotsky nos explica em seus mínimos detalhes – funcionava de maneira quase regulada e
inteiramente subordinada a Lênin. Depois da revolução, essa situação de fato se reforçou. Na
primavera de 1918, “o ideal do centralismo democrático sofreu novas revisões, no sentido de
que, efetivamente, o poder no governo e no partido se concentrou nas mãos de Lênin e seus
colaboradores diretos. Estes raramente divergiam do líder bolchevique e executavam
rigorosamente suas ordens.” Como a burocracia continuou progredindo, o aparato de Stálin
deve ser o fruto de uma deficiência que remonta aos tempos de Lênin.
Para fazer uma diferença entre o senhor do aparato e o aparato, como a que faz entre o aparato
e as massas, Trotsky deve subentender que somente as massas e seu líder mais avançado eram
verdadeiramente revolucionários, e que Lênin e as massas revolucionárias foram traídos pelo
aparato staliniano que, por assim dizer, fez-se por si mesmo. Sem dúvida, Trotsky necessita de
fazer essa diferença para justificar suas próprias escolhas políticas, mas essa diferença não tem
um fundamento real. Excetuadas algumas observações feitas aqui e lá sobre o perigo da
burocratização – equivalente, nos bolcheviques, aos discursos que de tempos em tempos os
políticos burgueses fazem em defesa de um orçamento equilibrado – Lênin jamais criticou
verdadeiramente o aparato do partido e sua direção. Dito de outra maneira, Lênin jamais
criticou a si mesmo. Qualquer que tenha sido a política encaminhada, ela sempre recebeu a
bênção de Lênin, durante todo o tempo em que ele permaneceu à frente do aparato. E é
importante lembrar que Lênin morreu ocupando a chefia do partido.
As aspirações “democráticas” de Lênin nada mais são do que balelas. Sem dúvida, o
capitalismo de estado sob Lênin era diferente do capitalismo de estado sob Stálin, mas
somente porque o poder ditatorial staliniano foi mais vigoroso, reforçando-se na medida em
que levava às últimas conseqüências os esforços de Lênin para impor sua própria ditadura.
Que Lênin tenha sido menos “terrorista” que Stálin é duvidoso. Como Stálin, ele rotulou todas
as suas vítimas como “contra-revolucionários”. Sem querer comparar as estatísticas sobre o
número de torturados e assassinados sob os dois regimes, basta assinalar que, sob Lênin e
Trotsky, o regime bolchevique ainda não era forte o suficiente para empreender operações do
porte das que seriam desfechadas por Stálin, como a coletivização forçada e os campos de
trabalho, base da direção estatal da economia e da política. Não são suas concepções e seus
objetivos, mas suas debilidades que constrangem Lênin e Trotsky a implantar uma pretensa
nova política econômica (N.E.P.), isto é, a fazer concessões reais à propriedade privada,
fazendo concessões verbais à democracia. A “tolerância” exibida pelos bolcheviques com
relação às organizações não bolcheviques, como os social-revolucionários (S.R.), nos
primeiros anos do domínio de Lênin, não provêm, como pretende Trotsky, do gosto de Lênin
pela democracia, mas do simples fato de que os bolcheviques eram ainda incapazes de
aniquilar imediatamente todas as organizações não bolcheviques. Os traços totalitários do
bolchevismo de Lênin foram se acentuando na proporção em que aumentava o seu controle
sobre o estado e seu poder político. Trotsky afirma que os traços totalitários foram impostos
pela atividade “contra-revolucionária” de todas as organizações operárias não bolcheviques,
mas fica difícil invocar essa atividade para explicar a manutenção e o agravamento desses
traços depois da completa anulação de todas as organizações não bolcheviques.
Nota: Este texto foi traduzido do francês, tomando por base um fragmento extraído de
Trotsky le Staline Manqué de Willy Huhn, Spartacus, Octobre-Novembre 1981 Série
B-N.113. Traduzido do inglês por Daniel Saint-James