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Orientação psicanalítica em uma instituição para crianças ditas psicóticas

[Orientation psychanalytique dans une institution pour enfants dits psychotiques1]

Virginio Baio
tradução: Fernanda Cintra do Prado Pereira Bonilha

Artigo extraído do livro: ​Quelque chose à dire à l’enfant autiste: Pratique à plusieurs à
Antenne 110 [Alguma coisa a dizer à criança autista: Prática entre vários em Antenne 110].
HALLEUX, B. Paris: Éditions Michaèle, 2010, pp.51-65.

Qual a causa do entusiasmo, do interesse que impulsiona adultos a trabalharem com


crianças ditas psicóticas em instituição? Isso se deve à orientação teórica? À marcha do
diretor terapêutico? Ou a alguma outra razão?

Orientação arquitetural

Esta palavra “orientação” que reenvia ao que enquadra do ensinamento de J.-A. Miller
desde os anos 1980, me faz também pensar a um termo da arquitetura: uma casa é dita bem
orientada quando seu posicionamento leva em conta o ponto em que o sol nasce. Sobre a
praça dos Milagres, em Pisa, eu recentemente contemplava um dos mais belos conjuntos
arquitetônicos do mundo. As pessoas se fotografam segurando a torre inclinada… O eixo
longitudinal do Duomo, como em todas as igrejas da cristandade, está situado na direção
leste-oeste. O abside está orientada em relação ao ponto onde o sol nasce, lá onde o Cristo-sol
aparecerá um dia para os cristãos. Da Duomo de Pisa conhecemos o nome dos arquitetos -
Giovanni de Nicola e Guido di Giovanni Simone - mas não conhecemos o nome de todos os
pedreiros que trabalharam nela durante dezenas de anos. Há entretanto, um detalhe que
escapa frequentemente aos visitantes da torre: o gramado, o imenso gramado verde que
envolve este conjunto único, sobre o fundo do Campo Santo. É contudo graças a ele que
podemos admirar este conjunto. É graças a ele que o batistério, a duomo, e a torre surgem
como três montanhas de mármore esculpidas. Este gramado distingue o espaço que os
colocam em relevo. O que não é o caso da Duomo de Florença, sufocada pelas casas que a
rodeiam.

1
Publicado originalmente em ​Feuillets du Courtil,​ publication du Champ freudien en Belgique, n૦4, 1992.
Qual relação entre uma orientação arquitetural e a orientação psicanalítica de uma casa
para crianças?

Orientação de Antenne

Antenne também tem sua orientação, seu sol ou melhor, seus sóis.

Inicialmente, Antonio Di Ciaccia havia escolhido se ocupar das crianças ditos psicóticos a
partir da hipóteses teóricas de S. Freud e de J. Lacan. Ele havia orientado seu campo de
intervenção a partir da descoberta freudiana e, de sua releitura por J. Lacan, para aprender
alguma coisa sobre a psicose na criança. Pois é preciso distinguir as condições da psicanálise
- ou seja, que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e as condições de sua
aplicação a um sujeito particular, a saber, a pré-interpretação do sintoma pelo sujeito. Ora,
uma tal subjetivação é impossível para a criança psicótica. Ela não pode se perguntar sobre o
que lhe acontece, pois ela já o sabe muito bem. É uma “contra-análise” que lhe seria antes
necessária: se o coração de uma análise é interpretar a relação do sujeito com seu objeto de
gozo, com a criança psicótica o gozo não é a se interpretar, ele é a domesticar. Aplicar o
dispositivo analítico sem se preocupar com as condições de sua aplicação “[...] é tão estúpido
quando esfalfar-se nos remos quando o barco está encalhado na areia”2.

São então as hipóteses teóricas de S. Freud e J. Lacan que orientam nossa instituição. O
sujeito é dividido. O que o divide, é o campo do simbólico, que já está lá. Uma tal divisão
não é uma desgraça, mas antes uma graça de estrutura. Ela tem um sentido único, uma marca
particular, um crivo particular que é de gozo. Deixar ao gozo seu lugar central, sem que isso
seja uma técnica é uma posição ética.

Como, nesta ótica, pensar um lugar onde mantemos a questão da relação do sujeito ao
gozo? Como se endereçar à criança, sabendo que, no caso da neurose, há de se construir seu
mito individual e a se relançar em um movimento desejante e que o deixamos interpretar ela
mesma o que está no desejo do Outro? E como, nos casos de psicose, levar a criança a se
deixar seduzir por um outro Outro, que será uma alternativa ao Outro desregulado a mercê do
qual ela está, para alcançar assim uma domesticação do gozo?

2
​Lacan, J. “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”. ​Escritos​, Vera Ribeiro (trad.).
Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 590.
As duas sequências que seguem, uma com uma criança neurótica, outra com uma criança
psicótica tentam cercar aquilo que permite a realização dessas duas operações.

Andreina

Andreina, 10 anos, notou um quadro com a foto de Jacques Lacan no hall de entrada da
instituição, e sob o quadro, um extrato de ​Televisão​: “Eu digo sempre a verdade: não toda,
pois dizê-la toda, não se consegue [...] as palavras faltam. É mesmo por este impossível que a
verdade toca o real”3. Tendo escutado algumas palavras trocadas entre adultos em torno deste
texto, Andreina se endereça à Monique Kusnierek4.

Andreina:​ Foi Jacques Lacan quem fundou Antenne?


​ ão. Não foi Jacques Lacan quem fundou Antenne, mas foi por causa dele.
Monique: N
Andreina:​ Mas então quem fundou Antenne?
​ oi Antonio Di Ciaccia, você o conhece, mas foi por causa de Jacques Lacan.
Monique: F
Andreina:​ Isso quer dizer que ele lhe deu ideias.
Monique:​ Sim.
Andreina: ​Ele está morto agora, Jacques Lacan?
​ im.
Monique: S
Andreina:​ Mas como ele estava quando eu era pequena?
Monique:​ Em qual ano você nasceu?
Andreina: ​Em 1980.
Monique: J​ acques Lacan morreu em 1981. Ele tinha 80 anos.
Andreina:​ Eu então tinha um ano quando ele morreu, é por isso que eu não o conheci.

Andreina então segue. Ele diz à Monique que ela tem uma vida pública e uma vida
privada, da qual ela lhe falará fora do atelier “biblioteca”. Andreina conta que ela tem dois
pais, aquele de sua nascença e o novo marido de sua mãe. Ela diz à Monique: “Eu te vejo em
Antenne, mas eu não conheço a sua vida privada. Eu vou te falar da sua vida privada”. Ela
começa a falar das mulheres de Antenne, mas sobretudo dos homens, disso que ela pensa que
dizem dela na reunião dos adultos: que ela é única, excepcional, que são todos apaixonados

3
​Lacan, J. ​Télevision,​ Seuil, 1974, p.9.
4
​Kusnierek, M. “Mas quem então fundou Antenne 110​?” ​in La lettre mensuelle, ​n०100, juin-juillet
1991, pp.40-41.
por ela… Um dia, durante a recreação, enquanto ela dança sozinha em um cômodo, ela diz à
Monique: “‘Eu faço ​Juliette je t’aime​’5. Eu venho de um outro planeta. Eu sou o mais belo
presente para minha mãe. Veja, segue ela, dançando eu faço musculação para ganhar todos os
concursos. Todos os homens estarão apaixonados por mim, pois eu vou me tornar a mais bela
menina do mundo. Os outros educadores pensam que eu faço ginástica, mas você, você sabe,
que quando eu faço ginástica, eu faço ‘​Juliette je t’aime’!”.

Eis um pequeno exemplo da realidade fantasmática, muito rica em indicações.

Antes de mais nada, ele demonstra que a instituição se funda sobre o desejo do Outro e
que ele é operante em nosso trabalho. J. Lacan é aquele que causa: ele dá ideias a Antonio Di
Ciaccia. Daí se encadeia o desejo de outros da equipe, ao qual se agarra o desejo da pequena
Andreina. Ela se coloca à interrogar e a responder, por ela mesma, a isso que ela poderia ser
no desejo de J. Lacan: “Como ele era quando eu era pequena?” É o desejo do Outro que
estrutura seu desejo, mas é ela, somente ela, que interpreta aquilo que está no desejo do
Outro. Monique não tem nada fazer senão anotar. Mesmo a vida privada de Monique, sua
realidade, é vista pela janela fantasmática de Andreina.

Isso se passou durante o recreio, como isso poderia ter se passado na ​La Redoute6, ou no
metrô, ou na pequena loja da região. A educadora somente esteve presente, ela não tamponou
a questão de Andreina. Sua resposta valeu como uma nova questão para Andreina. A resposta
da educadora à fala da criança, à sua pergunta, inclui um X, um enigma, que muda de campo
e retorna ao sujeito.

causa de X → pergunta de Andreina → resposta de Monique


(x)

Andreina encontra no Outro uma questão que a relança. É paradigmático da posição que
tentamos apreender, aquela de alguém que responde “presente”, que acusa recepção da
questão do sujeito. A resposta de Monique, que inclui uma questão, permite à Andreina
trabalhar sobre a causa de sua questão, sobre este entorno do que gira sua questão, aquém de

5
​N. de T.: no sentido de interpretar. Juliette je t’aime é a adaptação francesa de um anime japonês (​Maison
Ikkoku​)
6
​uma loja
sua demanda. E sem forçagem, surge a questão: “Mas o que ela quer de mim me respondendo
assim?”.

Poderia-se ressaltar que a questão de Andreina sobre isso que ela é no desejo de seus dois
pais se inscreve no interior de um campo aberto pelo desejo dos “pais de Antenne”, se
podemos chamá-los assim: o desejo de Antonio Di Ciaccia ligado ao de Jacques Lacan e de
Sigmund Freud.

Enfim, Monique não se preocupa em saber se, na questão de Andreina, há uma demanda
de psicoterapia ou de psicanálise ou se ela está no lugar do sujeito suposto saber para esta
criança. Monique responde como poderia responder qualquer que não ceda a seu desejo. Sem
no entanto convocar o sujeito em um determinado horário, em tal consultório para que ela
elabore uma resposta ao enigma do desejo do Outro.

Subjetivar os sintomas

O exemplo de Andreina não é único. Muitas crianças, que chegam para nós com um
diagnóstico grave de psicose, respondem à oferta de significantes propostos pelos adultos.
Elas se ligam à forma como são tomadas no desejo dos adultos e constroem seu fantasma
imaginário ou seu romance familiar.

Houve um caso, excepcional, onde nós fomos mais longe neste trabalho. Nós enviamos
uma adolescente a um analista. O que nos interessava não era submetê-la ao dispositivo
psicanalítico, mas colocar em ato uma estratégia para que a divisão subjetiva que ela visava -
por sua violência, suas feridas, suas fugas, seu comportamento sexual - pudesse voltar a ela
como uma questão, para que surgisse nela um enigma, para que ela subjetivasse seu mal
estar.

Fazer sair - seduzir a criança psicótica

É a criança psicótica que nos mostra, o mais próximo possível, a precisão da orientação
dada por S. Freud e J. Lacan. Ela indica os focos de luz, não sobre o sujeito psicótico, mas
sobre o Outro do sujeito psicótico.
A causa da psicose não é nem orgânica, nem psicológica. Ela não é da ordem do
desenvolvimento. Ela está ligada ao campo do simbólico7. A causa do mal estar está no
Outro. Não colocaremos portanto a questão do evento, ou do fator de origem do bloqueio do
desenvolvimento, mas nos interrogaremos sobre o que se passa no lugar do Outro.

Escolher a hipótese de um problema de desenvolvimento ou a hipótese psicanalítica não é


equivalente. Isso dá em duas práticas institucionais completamente diferentes.

Em testemunho, a história de Mario. Seus pais, assustados pela independência e pela


vivacidade que ele adquiriu em Antenne, decidem retirá-lo da instituição. Três semanas mais
tarde, ele foge de sua nova instituição e chega à Antenne depois de uma caminhada de vários
quilômetros, declarando à diretora: “Um dia me deixarão andar sozinho?”. Nesta nova
instituição, Mario devia permanecer durante todo o dia em um parquinho de crianças, ele só
podia se alimentar pela mamadeira. Passeavam-no em um carrinho de bebê. Fiel a uma certa
concepção do desenvolvimento do psiquismo da criança, essa instituição considerava que
Mario ainda não havia atravessado a fase oral. Ela o fazia então re-percorrê-lo, a fim de que
ele encontrasse um estado de desenvolvimento normal.

Ora, a nossa hipótese nos indica que o mal estar não está do lado do sujeito, mas do lado
do Outro. A criança psicótica está no simbólico: ele te pega pela mão para pegar tal
brinquedo. Ele tampa as orelhas quando o educador fala. O Outro sabe. A enunciação está no
Outro. O Outro demanda. Mas desse Outro, o sujeito psicótico não está separado. Ele está
totalmente tomado no campo da linguagem, alienado a este Outro sem limite, a este Outro
voraz, a este simbólico que “maquiniza o vivente”, que faz do vivente um significante
realizado. Se “a condição do sujeito - neurótico ou psicose - depende daquilo que se
desenrola no Outro”8, é então no nível do Outro que nós temos a operar. É o Outro que temos
de tratar.

Como intervir a partir daí, para o sujeito psicótico, do lugar de um outro Outro, um Outro
faltante, um Outro em que a criança não realiza o objeto ​a​. Em outras palavras, como
transmitir ao sujeito psicótico que o Outro que encarnamos é menos louco que seu outro

7
​Lacan, J., ​Écris,​ Seuil, Paris, 1966, p.575.
8
​Zenoni, A. “Tratamento do Outro”, ​Préliminaire,​ n०3, pp,101-112.
desregrado? Qual estratégia colocar em jogo para que o sujeito diga sim a um Outro que seja
desassociado de um saber persecutório?

Pippo, a criança que dá batidinhas [tapote]

Pippo passa seus dias a bater em uma parede com um copo. Mais precisamente, com uma
mão ele bate, e, com a outra, ele come tudo o que cai da parede. Durante o ateliê “dois
violões” - um violão para o educador e um para as crianças -, ele faz o mesmo: ele continua a
bater no muro, com o olhar direcionado para o jardim, indiferente ao que se passa no cômodo
do ateliê.

Como pará-lo? Por que pará-lo? Confiscar o copo? Ele teria pego um outro objeto.

Então, a cada golpe de Pippo com o copo, o adulto faz um acorde de violão, o que faz a
sequência: golpe-acorde, golpe-acorde, e assim sucessivamente. Ao fim de um período, Pippo
para de bater. O adulto também. Pippo recomeça; o adulto também. Pippo para de novo, se
vira e olha para o adulto que se põe a cantar entusiasmado: “Pippo está aqui!”

Algum tempo depois, Pippo se arrisca a bater no violão das crianças, depois sobre aquela
dos adultos. Ele ocupa em seguida o lugar do violão e o educador faz então um rítmo sobre
suas costas. Ele termina por trepar sobre os joelhos do adulto para morder-lhe o ombro.

Pippo, que poderíamos crer surdo, mudo e cego, está no campo da linguagem. Ele está
mesmo absolutamente tomado. Sem dúvidas podemos levantar a hipótese de que suas
batidinhas incessantes constituem uma forma de tratar o Outro e de se proteger pelo ritual ao
qual ele é coagido.

Nossa orientação teórica tem efeito sobre a nossa prática. Ela nos dita que para nos
endereçarmos à Pippo, nós só podemos ocupar uma única posição: aquele de um não-saber,
de uma falta de saber. Se, de um lado, o acorde musical faz Pippo escutar que suas batidinhas
são bem recebidas pelo educador, de outro, o educador que dizer a ele: “Eu recebo alguma
coisa de você, sim, mas eu não sei o que você diz, o que isso quer dizer”.

Quando Pippo para um pouco de bater, ele tem um branco. Este branco é recebido pelo
educador como um vazio, um vazio que marca a presença de um sujeito. “Aqui, há alguém!”
E o educador o diz a ele cantando. o que faz Pippo sorrir.
Por meio dessa manobra, o educador oferece à criança psicótica, que disse não à função
paterna, uma ocasião de dizer sim para seu próprio significante, o educador, significante
menos perigoso que aquele de seu Outro desregrado. Ele tenta instituir uma alternativa ao
Outro primordial do sujeito. Esta manobra implica um duplo movimento: trata-se de dizer
sim ao sujeito psicótico se ocupando de seu Outro, se interpondo entre o sujeito e seu Outro
para permitir ao sujeito de se desviar de seu Outro e lhe dizer não.

É preciso então, para as crianças, que alguma coisa falte na instituição. Para os adultos
também, é preciso que alguma coisa falte. Seria por causa desta falta que os adultos gostam
de ficar na instituição?

O que deve faltar do lado das crianças​?

Para a criança psicótica, é preciso que falte a aplicação do discurso analítico. É preciso que
falte também uma posição de saber, a partir da qual nos endereçariamos a elas.

Para a criança neurótica, é diferente. Ela reagiu aos significantes dos educadores; ela
soube se incluir no desejo do Outro. Com ela, deve faltar uma presença total do educador.
Que ele esteja lá, mas tomado, ocupado, distraído, desejante alhures, o que quer dizer,
faltante, não completamente para a criança, apaixonado por seus balões ou por seus
tagliatelles, de forma que a criança possa construir sua neurose sozinha, ou quase.

Poderíamos nos aproximar de privilegiar demasiado uma ou outra criança. De


particularizá-la em excesso. Seria entretanto não reconhecer absolutamente a estrutura do
sujeito, que ao seguir a tendência, se posso dizer, de um tratamento democrático, de dar a
todos a mesma coisa: todos na cama no mesmo horário, todos para a piscina… No horizonte,
se desenharia o espectro da criança generalizada.

Bem ao contrário, no interior de um quadro comum, é essencial levar cada sujeito à sala de
espetáculo [zénith]. A democracia, no fundo, deveria se definir para nós como um “todos
privilegiados, um por um”. Sem confundir, entretanto, o aspecto simbólico e imaginário desta
inserção.
Acontece, por exemplo, de um educador telefonar à Antenne e pedir para falar a seu rapaz
(filhinho). Três ou quatro crianças se precipitam então e se batem: “Sou eu o rapaz, não, sou
eu!”

Nós visamos com isso que cada sujeito surja deste Outro, do grande gramado, um em
“torre inclinada”, outro em “batistério”, o terceiro em “duomo”, etc.

O que deve faltar do lado dos adultos?

Em Antenne, o diretor é psicanalista e lacaniano, mas é proibida a aplicação do dispositivo


analítico. Ele está lá para aprender de seu encontro com a criança psicótica. Os educadores,
cuja maior parte são psicólogos, não têm nada a demonstrar. Ninguém deve ocupar o lugar de
saber, nem mesmo Antonio Di Ciaccia. Ele é presente e nos traz, em determinada ocasião, o
esclarecimento teórico necessário, nos fazendo talvez entrever um percurso possível com uma
criança. O que não o impede de estar aqui como qualquer um de nós, de se ocupar de um
ateliê ao exterior ou do xixi de uma criança. Já aconteceu de ele ter de vir às duas horas da
manhã em seguida à crise de uma criança.

Em 1976 nós paramos uma supervisão com Françoise Dolto pois ela nos restringia a uma
posição minimalista de educadores nos colocando em atenção de ocupar uma posição
terapêutica. Ela tinha a ideia de que a terapia deveria se desenrolar no exterior. Ela fazia uma
clara distinção entre o trabalho dos educadores - reduzido a cuidar de xixi-cocô-dormir - e o
trabalho dos psicólogos.

Ora, impetuoso foi constatar que a criança psicótica se deixava melhor interpelar pelo
educador nos momentos passados na cozinha ou no banheiro, por exemplo. Antonio Di
Ciaccia recusou esta divisão entre os educadores que vigiam as crianças e os psicólogos que
as tratam.

No que isso deu? Em um alívio enorme. Cada um é preservado em sua posição subjetiva.
É absolutamente excluído que a subjetividade de um ou de outro seja objeto de uma crítica.
Cada um, ao contrário, é sustentado em sua posição desejante, em seu projeto, em sua oferta
de significantes feitas à criança: um propõe a colheita de cogumelos, outro partilha sua
paixão por músicas afro-asiáticas, e eu, na cozinha, preparo tagliatelles verdes. Um trabalhará
em ateliê a questão do objeto, outro a questão da falta, um outro ainda, a não inscrição da
função paterna, por que não?

Não há de um lado aqueles que sabem, que fazem o mapa e, de outro, aqueles que, com o
mapa na mão, tenta se safar. Nós estamos aqui, todos ao trabalho, para responder à questão da
criança, para estar no balcão quando ela chama, como com Andreina, ou para tentar fazê-la
aceitar nossa presença, como com Pippo. Nós estamos aqui para saber mais sobre isso, para
verificar a validade da descoberta psicanalítica e seu esclarecimento para a nossa clínica.

Uma posição desejante em cada educador é a condição ​sine qua non para o nosso trabalho.
Por exemplo, nós só aceitamos uma criança em Antenne se e somente se, a equipe se toma
como parte de um trabalho clínico com esta criança. O diretor é atento para sustentar esta
posição de colocar mãos à obra por parte dos educadores. Ele sustenta-a duplamente. De um
lado, cada membro da equipe é sustentando a partir do ponto em que se está e, de outro, o
diretor pode, em determinada ocasião, orientar uma estratégia a ser seguida para responder à
questão da criança. Para cada educador, Antonio Di Ciaccia constitui uma garantia. Cada um,
criança ou adulto, é levado em conta, para além de todo aspecto imaginário.

Aqui está então, para os adultos, o que falta: não há exames, não há acerto de contas, nada
a provar. O diretor é garante desta “intocabilidade”. Nós lemos, nós acendemos os focos de
luz freudianos, a partir do ponto em que estamos. Cada um é sustentado em seu desejo de
saber.

Em outras palavras, em Antenne, tentamos cuidar dos gramados, dos gramados do sujeito.
Cada um de nós fica atento ao gramado do sujeito. O diretor está atento ao gramado subjetivo
dos educadores.

Nós escolhemos a orientação da Duomo de Pisa, não aquela de Florença. É verdade que os
estagiários, no começo, nos repreendem: “Vocês nunca deixam essas crianças tranquilas!”
Eles talvez nos achem quase violentos. Finalmente, eles apreendem que nos endereçamos às
crianças sem atravessar a cerca de seu gramado: alguns nos convidarão à atravessá-la, outros
não.
Uma vantagem do trabalho em instituição

Há uma vantagem em trabalhar em uma instituição: quando você tenta demarcar o efeito,
em uma criança, de sua própria intervenção, você encontra sempre alguém para lhe dizer:
“Mas isso que ele faz com você, ele já fez comigo há semanas!” Você não pode sustentar que
é em relação a você que há a transferência. Também, o seu “eu…” é golpeado. É como a
duomo de Pisa, você não saberá quem fez essa pequena coluna aqui, ou esta pequena cabeça
aqui. Felizmente. Assim você não se tomará pelo Outro.

Para concluir

Há uma relação entre a função do garante da instituição e a marca deixada sobre esta? De
qual perda é afetado aquele que leva o navio? A psicanálise vale como instituição ou como
destituição? Esta função de garante seria comparável àquela de Saint Jean de Léonard, que
aponta o index em direção a um lugar vazio? Quadro que no Louvre quase não vemos, como
o gramado de Pisa, pois a multidão está lá pela Gioconda.

Éric Laurent nos dá uma indicação preciosa para identificar o lugar de onde intervimos.
Operamos em instituição, diz ele, enquanto “analistas cidadãos”. Antonio Di Ciaccia dizia o
mesmo nos primórdios de Antenne: “Estamos aqui enquanto desejantes”.

Poderíamos dizer que esta posição de analista cidadão já estava indicada pelo index de
Saint Jean? A posição do garante e dos analistas cidadãos portam a marca, ​il graffio,​ o crivo
que resta sobre o sujeito, crivo que celebra a perda resultante da passagem pelo dispositivo
analítico?

O estilo de uma instituição é o resultado desta operação de costura, de dialética entre a


orientação psicanalítica escolhida e o tipo de crivo cujo garante da instituição leva a marca?

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