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A carta que mostra que papa


Pio 12 provavelmente sabia
do extermínio nazista em
1942 — antes do que admite
o Vaticano

GETTY IMAGES

O papa Pio 12 liderou a Igreja Católica entre 1939 e 1958


20 setembro 2023

Uma carta recentemente encontrada sugere que, durante a


Segunda Guerra Mundial, o papa Pio 12 (1876-1958) recebeu
informações detalhadas de um padre jesuíta alemão de
confiança, de que até 6 mil cidadãos judeus e poloneses eram
assassinados diariamente nas câmaras de gás da Polônia
ocupada pela Alemanha nazista.

Esta é uma descoberta importante porque contradiz a


posição oficial mantida pela Santa Sé de que, naquele
momento, a informação de posse da Igreja sobre as
atrocidades nazistas era vaga e não confirmada.

A carta foi encontrada pelo arquivista do Vaticano, Giovanni


Coco, e publicada no último domingo (17) pelo jornal italiano
Corriere della Sera. A notícia foi intitulada 'Pio 12 Sabia' e sua
publicação foi aprovada por funcionários da Santa Sé.

Datada de 14 de dezembro de 1942, a correspondência foi


escrita pelo padre jesuíta Lother Koenig, membro da
resistência antinazista na Alemanha. Ela foi endereçada ao
secretário pessoal do papa no Vaticano, o padre Robert
Leiber.

A carta faz referência a três campos nazistas — Belzec,


Auschwitz e Dachau — e sugere que haveria outras cartas
trocadas entre Koenig e Leiber, que desapareceram ou ainda
não foram encontradas.

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judeus'?: quem foi Pio 12 e por que seu
papel na 2ª Guerra segue polêmico

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Para Coco, "a novidade e a importância deste documento


vêm do fato de que, agora, temos certeza de que a Igreja
Católica da Alemanha enviou a Pio 12 notícias exatas e
detalhadas sobre os crimes perpetrados contra os judeus". E,
por isso, o Vaticano "tinha informações de que os campos de
trabalho, na verdade, eram fábricas da morte".

O historiador americano David Kertzer, autor de diversos


livros sobre Pio 12 e seu papel na Segunda Guerra, declarou
à BBC que a novidade sobre esta carta é que ela "fala
especificamente dos crematórios, de milhares de judeus que
eram lançados aos fornos todos os dias".
Outro ponto importante é que ela foi apresentada por um
arquivista do próprio Vaticano.

"Parece-me a demonstração de um esforço no Vaticano —


ou, pelo menos, em partes do Vaticano — para começar a
aceitar esta história", acrescentou Kertzer.

GETTY IMAGES

Eugenio Pacelli, antes de se tornar o papa Pio 12, sai do palácio


presidencial de Berlim, em 1927

Documentos desclassificados
Coco afirma que a carta estava entre uma série de
documentos que, até pouco tempo, eram guardados de
forma desorganizada na Secretaria de Estado do Vaticano.

Para Suzanne Brown-Fleming, diretora de programas


acadêmicos internacionais do Museu Memorial do
Holocausto dos Estados
Unidos em Washington, a
publicação destes arquivos
mostra que o Vaticano está
levando a sério a declaração
do papa Francisco de que "a
Igreja não tem medo da
história".

Francisco decidiu ordenar a


abertura dos arquivos da
guerra em 2019. BBC Lê
Podcast traz áudios com
"Existe o desejo e o apoio de reportagens selecionadas.
que os documentos sejam
Episódios
avaliados cuidadosamente do
ponto de vista científico,
sejam suas revelações
favoráveis ou desfavoráveis [ao Vaticano]", afirma Brown-
Fleming.

"Com a abertura dos arquivos vaticanos daquele período, há


três anos, desenterramos uma série de documentos que
demonstram como o papa estava bem informado sobre as
tentativas nazistas de exterminar os judeus da Europa, desde
o momento em que eles começaram a avançar", afirmou
Kertzer à BBC. "Esta é apenas uma peça a mais."

Kertzer acrescenta que, além das revelações trazidas por


esses documentos, "o que prejudicou a reputação do
Vaticano foi sua recusa a enfrentar esta história com os olhos
abertos".

As discussões sobre o legado de Pio 12

GETTY IMAGES

Os papas Pio 12 (foto) e João Paulo 2º foram declarados


Veneráveis em 2009

O documento recém-publicado provavelmente irá alimentar


o debate sobre o legado de Pio 12 e sua controversa
campanha de beatificação, atualmente suspensa.

Seus defensores sempre insistiram que o pontífice trabalhou


de formas concretas, nos bastidores, para ajudar os cidadãos
judeus — e que não se pronunciou sobre o assunto para
evitar o agravamento da situação dos católicos na Europa
ocupada pelos nazistas.
Já seus detratores afirmam que, no mínimo, faltou-lhe
coragem para divulgar as informações que ele detinha,
apesar dos pedidos diretos das potências aliadas que
lutavam contra a Alemanha.

Um dos livros de Kertzer, por sinal, chegou a revelar uma


longa negociação secreta entre Pio 12 e Adolf Hitler, com
vistas a um acordo de não-agressão.

Mas as evidências reunidas indicam que o papel de Pio 12 na


Segunda Guerra Mundial era ambíguo. Afinal, embora
considerasse o nazismo um movimento político pagão que
destratava os católicos, o papa não foi particularmente
incômodo para o Terceiro Reich.

E Pio 12 também não denunciou claramente o extermínio


judeu, embora talvez tivesse conhecimento da barbárie que
ocorria na Europa controlada pelos nazistas.

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