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FACULDADE DE DIREITO

Das Obrigações

3º Ano Jurídico

Tópicos das Lições Proferidas

Por Boaventura Gune, PhD

Regente

Maputo, 2022
Apresentação do Autor
Docente de carreira desde 1977, Boaventura Gune é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da
UEM, desde 1991, ano em que iniciou a sua actividade docente na UEM a partir da Faculdade de
Economia, onde, desde então até 2016, regeu sucessivamente, nos cursos de licenciatura em Economia,
em Gestão e em Contabilidade e Finanças, as cadeiras de Introdução ao Estudo do Direito, Direito
Comercial, Direito Económico, Direito Económico e Comercial e, por último, Direito Empresarial.
Na mesma Faculdade, foi Regente do Direito Empresarial no curso de Mestrado em Gestão – MBA –
durante as suas primeiras nove edições, até 2016.
A sua colaboração com a Faculdade de Direito da UEM iniciou em 1992 e, a partir de 1993 assumiu a
regência da cadeira de Introdução ao Estudo do Direito até ao ano de 2008, altura em que, a pedido da
Direcção da Faculdade, passou a reger a cadeira de Direito das Obrigações, situação essa que prevalece
até hoje.
No âmbito desta colaboração e enquanto Regente do Direito das Obrigações, assumiu também por dois
anos académicos consecutivos a regência da Teoria Geral do Direito Civil, participou numerosas e
sucessivas vezes, em co-regência, na leccionação do Direito Bancário e dos Seguros.
Para além da colaboração com as Faculdades de Economia e de Direito, tem tido igual envolvimento na
Faculdade de Letras e Ciências Sociais, também da UEM, precisamente nos cursos de Ciência Política e
de Administração Pública, regendo a cadeira de Introdução ao Estudo do Direito.
Ao longo deste percurso, de cerca de 42 anos consecutivos de docência, dos quais 26 no ensino superior, o
seu envolvimento nessa actividade não se circunscreveu apenas à UEM, foi extensivo também ao
ISCTEM, à USTM, à Universidade Católica de Moçambique (ao nível de Mestrado) e ao ISPU, – hoje
Universidade Politécnica –, onde foi também Coordenador do Curso de Ciências Jurídicas, por algum
tempo e hoje é Coordenador do Curso do Mestrado em Direito Empresarial.
É mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, – a
Clássica –, desde 21 de Janeiro de 2004.
É mestrado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da UEM, desde 13 de Setembro de 2005.
É Doutor em Direito pelas Faculdades de Direito da UEM e da UL, desde 26 de Abril de 2016. 2

1
É membro-fundador da Ordem dos Advogados de Moçambique, – OAM –, organismo profissional em que
já exerceu as funções de segundo Presidente do Conselho Jurisdicional e de primeiro Presidente da
Comissão Nacional de Avaliação do Estágio Profissional.
Para além de Docente e de Advogado, é Agente Oficial da Propriedade Industrial e é Presidente em
exercício da Comissão Paritária dos Bancos de Moçambique.
Por último, foi, desde Janeiro de 2018 a Janeiro de 2020, Director da Faculdade de Direito da
Universidade Wutivi (UniTiva), Belo-Horizonte.
No presente ano académico, ao nível da Faculdade de Direito da UEM, é Regente do Direito das
Obrigações tanto na turma diurna como na nocturna e integra também a equipa que ministra as aulas do
Direito Bancário e Seguros ao 4º e ao 5ºanos jurídicos.

2
Agradecimentos

À Direcção da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, pela indicação para a Regência
desta disciplina, desde 2008 até hoje, na minha Faculdade, a Faculdade de Direito da UEM.
Ao Banco de Moçambique, à Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, à Universidade
Politécnica, à Universidade São Tomás de Moçambique e ao Instituto Superior de Ciências e Tecnologia
de Moçambique, pelas facilidades concedidas no acesso às suas magníficas bibliotecas, onde encontrei
uma significativa parte da bibliografia usada neste estudo.
Aos meus colegas da equipa, nos diversos anos académicos de 2008 até hoje, pela colaboração na
actividade docente.
A todas as gerações de estudantes com que trabalhei nestes anos, pelos debates e troca de opiniões sobre
estas matérias.
À minha esposa e aos meus filhos, pelo apoio moral e pelo correlactivo incentivo para prosseguir e
concluir este estudo, por forma a publicá-lo.

3
Dedicatória

A todos os meus alunos


com que pude trocar impressões sobre estas matérias,
nos anos académicos de 2008 a 2022,
na minha Faculdade, a Faculdade de Direito da UEM

A todos os meus alunos


com que pude trocar impressões sobre estas matérias,
em diversos anos académicos, na USTM

4
5
6
Índice Geral
Dedicatória ..................................................................................................................................................... 4
Agradecimentos .............................................................................................................................................. 3
Das circunstâncias da elaboração deste texto ............................................................................................... 12
Plano Temático ............................................................................................................................................. 14
Plano Analítico ............................................................................................................................................. 15
1. Do Direito das Obrigações como Disciplina Curricular e como Ramo do Direito objectivo ............... 17
1.1. Denominação ................................................................................................................................. 17
1.2. Das Acepções da Expressão .......................................................................................................... 20
1.3. Conceito ......................................................................................................................................... 22
1.4. Razões da Inserção ........................................................................................................................ 23
1.5. Posição nos Sistemas em que se Insere ......................................................................................... 24
1.5.1. Posição na Sistemática Geral do Direito ................................................................................ 25
1.5.2. Posição no Sistema das Ciências ............................................................................................ 26
1.6. Posição no Curricula da FDUEM .................................................................................................. 27
1.7. Relações com outros Ramos do Direito objectivo ......................................................................... 30
1.7.1. Direito das Obrigações vs. Direito Público ............................................................................ 31
1.7.2. Direito das Obrigações vs. Direito Privado ............................................................................ 32
1.7.3. Direito das Obrigações vs. Ramos de Classificação Híbrida ................................................. 35
1.8. Relações com outras Disciplinas Curriculares .............................................................................. 36
2. Do Objecto e da Relevância Prática do Direito das Obrigações ........................................................... 37
2.1. Como Ramo do Direito objectivo .................................................................................................. 37
2.2. Relevância Prática ......................................................................................................................... 38
2.3. Como Disciplina Curricular ou Ciência ........................................................................................ 39
2.4. Relevância Prática ......................................................................................................................... 39
3. Das Fontes do Direito das Obrigações .................................................................................................. 41
3.1. Acepções da Expressão.................................................................................................................. 41
3.2. Tipologia ........................................................................................................................................ 42
3.3. Constituição da República ............................................................................................................. 42
3.4. Código Civil................................................................................................................................... 44
3.5. Legislação Avulsa .......................................................................................................................... 46
3.6. Tratados Internacionais .................................................................................................................. 47
3.7. Costume ......................................................................................................................................... 47
3.7.1. Razão de ordem ...................................................................................................................... 47
7
3.7.2. Etimologia da palavra ............................................................................................................. 48
3.7.3. Elementos Estruturais ............................................................................................................. 49
3.7.4. Noção ou ideia geral ............................................................................................................... 50
3.7.5. Modalidades ........................................................................................................................... 51
3.7.6. Relações com a Lei................................................................................................................. 55
3.7.7. Positivação.............................................................................................................................. 57
3.7.8. (Ir) relevância como Fonte do Direito das Obrigações .......................................................... 58
3.7.9. Posição defendida ................................................................................................................... 67
3.8. Jurisprudência ................................................................................................................................ 67
3.9. Doutrina ......................................................................................................................................... 68
3.10. Princípios Gerais do Direito ....................................................................................................... 69
3.11. Pirâmide Nacional das Fontes .................................................................................................... 72
4. Do Assento Legal e da Sistemática ....................................................................................................... 74
4.1. Assento Legal ................................................................................................................................ 74
4.2. Sistemática ..................................................................................................................................... 75
5. Das Características do Direito das Obrigações ..................................................................................... 79
5.1. Enunciado geral ............................................................................................................................. 79
5.2. Integração no Direito Civil ............................................................................................................ 79
5.3. Privacidade ou Privaticidade ......................................................................................................... 80
5.4. Patrimonialidade Tendencial ......................................................................................................... 81
5.5. Diversidade Substancial................................................................................................................. 82
5.6. Natureza Suplectiva ....................................................................................................................... 84
6. Dos Princípios Estruturantes do Direito das Obrigações ...................................................................... 86
6.1. Enunciado geral ............................................................................................................................. 86
6.2. Princípio da Boa-Fé ou Colaboração Intersubjectiva .................................................................... 86
6.2.1. Razão de ordem ...................................................................................................................... 86
6.3. Princípio da Autonomia Privada .................................................................................................... 87
6.3.1. Razão de ordem ...................................................................................................................... 87
6.3.2. Etimologia da Palavra “Autonomia” ...................................................................................... 87
6.3.3. Sentidos actuais ...................................................................................................................... 89
6.3.4. Evolução Histórica da Autonomia Privada ............................................................................ 89
6.3.5. Concepções doutrinárias da Autonomia Privada.................................................................... 91
6.3.6. Natureza Jurídica da Autonomia Privada ............................................................................... 92

8
6.3.7. Figuras Afins à Autonomia Privada ....................................................................................... 93
6.3.8. Vertentes da Autonomia Privada ............................................................................................ 94
6.3.9. Âmbito Formal da Autonomia Privada .................................................................................. 95
6.3.10. Âmbito Substancial da Autonomia Privada ........................................................................... 96
6.3.11. Justificação da sua Consagração ............................................................................................ 97
6.3.12. Significado e Importância da Autonomia Privada ................................................................. 98
6.3.13. Autonomia Privada no Direito Comparado ............................................................................ 99
6.3.14. Sua Extensão na Lei moçambicana ...................................................................................... 100
6.3.15. Seus Limites de Aplicação no nosso Desenho Legislativo .................................................. 100
6.3.16. Razão de ordem .................................................................................................................... 100
6.3.17. Conclusões............................................................................................................................ 103
6.4. Princípio da Responsabilidade Civil, do Ressarcimento ou da Imputação de danos .................. 103
Ressarcimento de Danos ............................................................................................................................ 105
Ressarcimento dos Danos não patrimoniais ............................................................................................... 106
Danos Patrimoniais e Danos extrapatrimoniais ou morais ......................................................................... 107
Dano em sentido Real e Dano em sentido Patrimonial .............................................................................. 107
Danos Presentes e Danos Futuros .............................................................................................................. 108
Dano Positivo e Dano Negativo ................................................................................................................. 109
6.5. Princípio da responsabilidade civil .............................................................................................. 110
6.5.1. Introdução ............................................................................................................................. 110
Conceito etimológico de Responsabilidade Civil ................................................................................... 110
1.0. Evolução histórica da Responsabilidade civil ............................................................................. 111
2.0. Sentido actual da responsabilidade civil ...................................................................................... 113
3.0. Natureza da Responsabilidade Civil ............................................................................................ 113
4.1. Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal ....................................................................... 113
4.2.Responsabilidade Civil e Responsabilidade Disciplinar ............................................................... 114
5.0.Vertentes da Responsabilidade Civil ................................................................................................ 114
6.0.Âmbito Formal da Responsabilidade Civil....................................................................................... 114
7.0.Âmbito Substancial da Responsabilidade Civil ................................................................................ 115
7.2. Pressupostos ou elementos constitutivos da Responsabilidade Civil .......................................... 115
8.0.Classificação da Responsabilidade Civil .......................................................................................... 116
Conclusão ............................................................................................................................................... 116
2.Princípio da Responsabilidade Civil ....................................................................................................... 121

9
3. Fundamentos da responsabilidade civil .................................................................................................. 121
3.1.Fundamento da correspondência entre o risco e a vantagem ............................................................... 122
3.2. Fundamento do risco extraordinário.................................................................................................... 122
3.3.Fundamento da causa de risco .............................................................................................................. 122
3.4.Fundamento da Prevenção.................................................................................................................... 123
4.Conclusão ................................................................................................................................................ 123
1. Introdução ........................................................................................................................................... 123
2. Desenvolvimento ................................................................................................................................ 124
2.1. O Principio de Ressarcimento de Danos ......................................................................................... 124
2.2. Ressarcimento dos Danos não patrimoniais ........................................................................................ 125
2.3. Danos ................................................................................................................................................... 126
2.3.1. Espécies de Danos ............................................................................................................................ 127
2.3.1.1. Dano em sentido Real e Dano em sentido Patrimonial ................................................................. 127
2.3.1.2. Danos Emergentes e Lucros Cessantes ......................................................................................... 128
2.3.1.3.Danos Presentes e Danos Futuros .................................................................................................. 128
2.3.1.4. Danos não Patrimoniais e Danos Patrimoniais.............................................................................. 129
2.3.1.5. Dano Positivo e Dano Negativo .................................................................................................... 129
3. O Principio de Ressarcimento de Danos em outros ramos do direito ................................................. 130
Do Princípio do Não Locupletamento Injustificado ............................................................................... 143
0.3. Noção do princípio geral do direito. ........................................................................................ 144
Enriquecimento sem causa ..................................................................................................................... 145
0.5. Requisitos do enriquecimento sem causa ................................................................................. 145
1. Restituição do indevido ................................................................................................................... 146
1.1. Situações intrínsecas do princípio da restituição do indevido ................................................. 146
CONCLUSÃO............................................................................................................................................ 148
1.6. Extensão .......................................................................................................................................... 154
1.7. O enriquecimento sem causa no ordenamento jurídico moçambicano ........................................... 154
1.8. Limites ............................................................................................................................................. 155
1. Noção do princípio da repetição do indevido ..................................................................................... 161
1.1. Artigo 254 do Código Civil ......................................................................................................... 161
2. Relatividade do Principio de Repetição do Indevido e o Principio de Enriquecimento sem Causa ... 162
2.1. Teorias Sobre o Instituto de Enriquecimento sem Causa ............................................................ 162
2.1.2. Teoria Da Ilicitude................................................................................................................ 163

10
3. Obstáculos ao Principio de Repetição do Indevido ............................................................................ 163
4. Diferença do Princípio de Repetição do Indevido e Obrigações Naturais .......................................... 163
4.1. As Dividas Provenientes de Jogo e Aposta ................................................................................. 163
4.2. Dividas Prescritas ........................................................................................................................ 163
4.3. Dação para fim Ilícito .................................................................................................................. 164
4.4. Efeito da Obrigação Natural ........................................................................................................ 164
4.5. Regime Jurídico ............................................................................................................................... 164
Conclusão ................................................................................................................................................... 164
Conceito de enriquecimento sem causa...................................................................................................... 164
Evolução histórica do princípio do enriquecimento sem causa ................................................................. 165
Sentido do princípio do enriquecimento indevido ..................................................................................... 166
Normas de Direito das Obrigações que se justificam com este princípio .................................................. 167
Requisitos do enriquecimento sem causa ................................................................................................... 167
Conclusão ................................................................................................................................................... 168
Introdução ................................................................................................................................................... 168
1. Importância do tema ........................................................................................................................ 168
2. Razões de escolha do tema .............................................................................................................. 168
Preliminares ................................................................................................................................................ 168
1.1. Origem histórica da proibição da proibição do enriquecimento sem causa ................................ 168
1.1.1. Enriquecimento sem causa no direito romano ..................................................................... 169
1.1.2. O enriquecimento sem causa no direito canônico ................................................................ 170
2. Princípio da proibição do enriquecimento sem causa ......................................................................... 170
2.1. Requisitos do enriquecimento sem causa .................................................................................... 170
2.2. Consequências jurídicas do enriquecimento sem causa .............................................................. 171
2.3. Enriquecimento sem causa como fonte de obrigações ................................................................ 171
2.4. Repetição do indevido ................................................................................................................. 171
2.5. Carácter subsidiário da Obrigação de Restituir ........................................................................... 173
2.6. Consagração legal do princípio da subsidiariedade ..................................................................... 173
3. Conclusão ............................................................................................................................................ 174
Do Princípio da Responsabilidade Patrimonial ...................................................................................... 175
Bibliografia ................................................................................................................................................. 176

11
Das circunstâncias da elaboração deste texto
A elaboração deste texto ocorreu em determinadas circunstâncias e num dado contexto histórico, pelo que
tem interesse clarificar, à partida, essas mesmas circunstâncias, bem como apresentar esse contexto e a
razão justificativa dessa elaboração.

Na distribuição do serviço docente do ano académico de 2008, na Faculdade de Direito da Universidade


Eduardo Mondlane, foi-nos confiada a regência da cadeira de Direito das Obrigações, deixando assim, dali
até hoje, a de Introdução ao Estudo do Direito, que nos tinha sido incumbida desde 1993.

Porque assumimos esta tarefa pela primeira vez nessa altura, isso obrigou-nos a dar público testemunho da
planificação que decidimos seguir e dos principais elementos de estudo que entendemos sugerir aos
nossos estudantes.

Partindo do Plano Temático que nos foi então facultado pela Chefia do Departamento das Ciências
Jurídicas, – área científica em que se situa a cadeira de Direito das Obrigações –, traçamos um Programa
Analítico e colocámo-lo à disposição da Direcção Pedagógica da Faculdade, bem como dos estudantes,
seguindo-o depois, religiosamente, na ministração das matérias.

Nos anos académicos subsequentes, fomos aperfeiçoando esse mesmo Programa, sempre com o propósito
de oferecer mais e melhores subsídios ou elementos de estudo aos nossos estudantes, em ordem a
aprofundar o estudo das matérias e melhorar a qualidade do respectivo ensino, bem como dos próprios
formandos.

Assim, por nos ter parecido a mais acertada didacticamente, em atenção aos objectivos que tínhamos em
vista, adoptámos, na explanação das matérias preliminares constantes do referido Programa, a sistemática
que se segue.

Primeiro tratamos da denominação da disciplina curricular, seguindo-se a do ramo de Direito de cujo


estudo esta se ocupa. Depois cuidamos dos sentidos ou acepções da expressão “Direito das Obrigações” e,
sucessivamente, do conceito, da relevância prática e da razão da inserção desta disciplina no Plano
Curricular do Curso Jurídico.

No seguimento da nossa pesquisa, discutimos a problemática do posicionamento do Direito das


Obrigações nos sistemas em que se insere, nomeadamente o sistema normativo e o sistema científico,
terminando depois com a localização do seu lugar no Curricula da nossa Faculdade, a FDUEM.

Esclarecida já esta questão do seu posicionamento no Plano Curricular da nossa Faculdade, passamos para
o tratamento da temática das suas fontes – as fontes do Direito das Obrigações –, o que nos permitiu
localizar depois o assento legal e a sistemática deste ramo de Direito no nosso desenho legislativo.
12
Só depois de munidos deste manancial de informações é que caracterizamos o Direito das Obrigações e
passamos em revista as relações deste ramo de Direito com os outros do edifício jurídico, e, ainda, as
relações do Direito das Obrigações enquanto ramo da Ciência Jurídica com os outros ramos dessa mesma
Ciência.

Chegados a este ponto, enunciamos e caracterizamos sumariamente, não todos os princípios mas tão-só os
que reputamos de estruturantes deste ramo de Direito, dando assim por concluída a abordagem dos
preliminares do estudo do Direito das Obrigações moçambicano.

Terminado o estudo dos tais preliminares, que formam a Introdução ao Estudo do Direito das Obrigações,
entramos já na abordagem da teoria geral das obrigações, a qual povoa todo o Título I do Livro II do CC
de 1966.

Cuidamos assim, sucessivamente, da constituição, da modificação, da transmissão e da extinção das


obrigações, sem nos esquecermos, obviamente, de toda a problemática relativa ao cumprimento defeituoso
das obrigações, à mora e ao incumprimento definitivo das mesmas.

A toda essa abordagem, seguiu-se o tratamento das obrigações em especial, no quadro do Direito dos
Contratos, um ramo do Direito que se situa naturalmente no Direito das Obrigações.

13
Plano Temático

1. CAPÍTULO I – Do Direito das Obrigações enquanto Disciplina Curricular e enquanto

Ramo de Direito

2. CAPÍTULO II – Do Objecto e da Relevância Prática do Direito das Obrigações

3. CAPÍTULO III – Das Fontes do Direito das Obrigações

4. CAPÍTULO IV – Do Assento Legal e da Sistemática do nosso Direito das Obrigações

5. CAPÍTULO V – Das Características do Direito das Obrigações

6. CAPÍTULO VI – Dos Princípios Estruturantes do Direito das Obrigações

14
Plano Analítico
1. Do Direito das Obrigações enquanto Disciplina Curricular e enquanto Ramo de Direito
1.1. Denominação
1.2. Acepções da Expressão
1.3. Conceito
1.4. Razões da Inserção
1.5. Posição nos Sistemas em que se Insere
1.5.1. Posição na Sistemática Geral do Direito
1.5.2. Posição no Sistema das Ciências
1.6. Posição no Curricula da FDUEM
1.7. Relações com outros Ramos do Direito objectivo
1.7.1. Direito das Obrigações vs. Direito Público
1.7.2. Direito das Obrigações vs. Direito Privado
1.7.3. Direito das Obrigações vs. Ramos de Classificação Híbrida
1.8. Relações com outras Disciplinas Curriculares

2. Do Objecto e da Relevância Prática do Direito das Obrigações


2.1. Como Ramo do Direito objectivo
2.2. Relevância Prática
2.3. Como Disciplina Curricular ou Ciência
2.4. Relevância Prática

3. Das Fontes do Direito das Obrigações


3.1. Acepções da Expressão
3.2. Tipologia
3.3. Constituição da República
3.4. Código Civil
3.5. Legislação Avulsa
3.6. Tratados Internacionais
3.7. Costume
3.7.1. Razão de ordem
3.7.2. Etimologia da palavra
3.7.3. Elementos estruturais
3.7.4. Noção ou ideia geral
15
3.7.5. Modalidades
3.7.6. Relações com a lei
3.7.7. Positivação
3.7.8. (Ir)relevância como Fonte do Direito das Obrigações
3.7.9. Posição defendida
3.8. Jurisprudência
3.9. Doutrina
3.10. Princípios Gerais do Direito
3.11. Pirâmide Nacional das Fontes

4. Do Assento Legal e da Sistemática do nosso Direito das Obrigações


4.1. Assento Legal
4.2. Sistemática

5. Das Características do Direito das Obrigações


5.1. Enunciado Geral
5.2. Integração no Direito Civil
5.3. Privacidade ou Privaticidade
5.4. Patrimonialidade tendencial
5.5. Diversidade Substancial
5.6. Natureza Suplectiva

6. Dos Princípios Estruturantes do Direito das Obrigações


6.1. Enunciado Geral
6.2. Princípio da Boa-fé ou da Colaboração Intersubjectiva
6.3. Princípio da Autonomia Privada
6.4. Princípio da Responsabilidade Civil, do Ressarcimento ou da Imputação de Danos
6.5. Princípio da Responsabilidade Patrimonial
6.6. Princípio do Enriquecimento Sem Causa

FIM DOS PRELIMINARES

16
1. Do Direito das Obrigações como Disciplina Curricular e como Ramo do Direito objectivo

1.1. Denominação
O estudo de qualquer fenómeno natural ou social, nas diferentes academias, é levado a cabo, sempre,
através de uma determinada disciplina a que se atribui uma certa designação, que é escolhida em atenção
ao respectivo objecto de estudo.

No caso vertente, temos logicamente uma disciplina que vai ocupar-se de um determinado fenómeno
social, – as leis que regulam as situações jurídico-obrigacionais –, e essa disciplina tem como é óbvio, a
sua própria designação, importando agora dizer qual é, daí que a indicámos a seguir.

Segundo o nosso Plano Curricular1, essa designação oficial é “Direito das Obrigações”. É pertinente
indagar porquê esta denominação. A razão é que o ramo de Direito de cujo estudo esta disciplina se ocupa
é igualmente baptizado pelo legislador do CC moçambicano2 e também pelos dos outros Códigos Civis de
todos os países da Família Jurídica Romano-Germânica, – portanto, onde o Direito é codificado –, com
este nome de “Direito das Obrigações”3.

Em razão desta denominação, uma questão se suscita, que é precisamente a de saber se não poderia ser
outra a designação a atribuir-se a esta disciplina e também ao ramo de Direito correspondente. A resposta
é a de que poderia sim atribuir-se uma outra, uma vez que ao lançarmos o nosso olhar sobre a doutrina
jurídica internacional constatamos que não é só desta maneira que se pode nominar tanto o ramo de
Direito em abordagem como a própria disciplina curricular que do estudo daquele se ocupa, pois, existe
também uma outra: a de “Direito de Crédito”.

Ora, sendo certo que poderia usar-se igualmente esta última, isso significa que estas expressões, – “Direito
das Obrigações” e “Direito de Crédito” –, têm um aspecto que as une, quer dizer, têm uma zona de
intersecção. Mas, ao que nos parece, embora elas tenham algo que as une, o facto de serem duas
designações é, por si só, indicativo da existência de uma diferença entre elas. Importa então saber qual é a
sua zona de intersecção e qual é, também, a fronteira entre uma e outra.

Ainda na mesma linha de pensamento e em face disso, é pertinente questionar também o porquê de o
legislador moçambicano ter optado pela expressão “Direito das Obrigações”, no lugar da de “Direito de

1
Entenda-se, “Curricula ou Curriculum em vigor hoje, na FDUEM”.
2
Uma vez que o CC de 1966 tornou-se moçambicano por força do princípio da recepção automática consagrado no art. 71º da Constituição moçambicana de
1975, consideramos que o respectivo legislador é moçambicano, para significar que, com essa recepção, o Estado moçambicano tornou-se fonte orgânica ou
política daquele Código. O texto integral do referido art. 71º da CRPM é o seguinte: “Toda a legislação anterior, no que fôr contrário à Constituição fica
automaticamente revogada. A legislação anterior, no que não fôr contrária à Constituição mantem-se em vigor até que seja modificada ou revogada.”
3
Cfr. Livro II do CC de 1966.
17
Crédito”, para nominar o ramo de Direito e sub-ramo do Direito Civil subsumido no Livro II do CC de
1966 e que constitui o nosso objecto de estudo. Vejamos de seguida as razões dessa opção.

A expressão “Direito das Obrigações”, que foi adoptada pelo legislador do CC moçambicano e também
pelos legisladores dos Códigos Civis de todos os outros países do sistema romano-germânico4, indica o
prisma de análise pelo que esses legisladores optaram no estudo de uma dada situação jurídica, o qual
consiste em evidenciar o lado passivo dessa mesma situação 5, traduzida na existência de um vínculo6 que
liga entre si duas ou mais pessoas, estando umas investidas da posição de “devedor” e outras da de
“credor”7.

Já a expressão “Direito de Crédito”, que até não tem consagração legislativa mas uma certa sedimentação
doutrinária, em todos os sistemas romanísticos, exprime o posicionamento contrário ao adoptado pelo
legislador do CC moçambicano8 e também pelos dos outros Códigos Civis, na medida em que assenta no
prisma de análise que evidencia o lado activo de uma situação jurídica.

Com efeito e contrapondo-se à expressão “Direito das Obrigações”, a de “Direito de Crédito” evidência o
lado activo da situação jurídica, pois, refere-se ao poder que a lei confere ao titular activo da situação
jurídica em análise, – o credor –, de exigir do sujeito passivo dessa mesma situação, – o devedor –, a
adopção de um determinado comportamento positivo ou negativo, que se traduza na realização de uma
prestação a que esse sujeito passivo está vinculado ou seja, está adstrito.

Quer isso dizer que as duas expressões reportam-se à mesma situação jurídica e, neste sentido, pode dizer-
se que são iguais em conteúdo, porque dizer “Direito das Obrigações” equivale, em certa medida, a dizer

4
A noção de “sistema romano-germânico” contrapõe-se às de sistema anglo-saxónico, sistema marxista-leninista ou sistema socialista e sistema muçulmano.
Sobre essa noção e a caracterização do sistema romano-germânico, maiores desenvolvimentos em RENÉ DAVID, Os Grandes Sistemas Jurídicos
Contemporâneos, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1998, pp. 25 e ss e 537 e ss. No mesmo sentido, relevam os seguintes autores: CARLOS FERREIRA DE
ALMEIDA, Introdução ao Direito Comparado, 2ª ed., Almedina, 1995, pp. 37 e ss; MARCELO REBELO DE SOUSA, Introdução ao Estudo do Direito, 5ª
ed., Lex, Lisboa, 2000, pp. 302; DÁRIO MOURA VICENTE, Direito Comparado, vol. I, 1ª ed., Almedina, 2008, pp. 95 e ss; INOCÊNCIO GALVÃO
TELLES, Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª ed., 2001, p. 230; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral, 11ª ed.,
Coimbra, Almedina, 2001, p. 143; Para efeitos de confronto com os outros sistemas, vide MARCELO REBELO DE SOUSA, Introdução ao Estudo do Direito,
cit., p. 303; DÁRIO MOURA VICENTE, Direito Comparado, cit., p. 306.
5
A doutrina tem vindo a preferir o conceito de situação jurídica ao de relação jurídica, devido à incompleição deste último para abarcar todos os casos da vida.
Sobre o conceito, os elementos e a estrutura da relação jurídica, vide MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vols. I e II, quaisquer
edições. Outros autores sobre o tema: LÚIS CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1995, pp. 229 e ss; INOCÊNCIO
GALVÃO TELLES, Introdução ao Estudo do Direito, vol. II, 2000, pp. 149 e ss; MIGUEL REALE, Lições Preliminares de Direito, cit., p. 209. Sobre o
conceito, os elementos e a estrutura da situação jurídica, vide JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral, cit., p. 13; MENEZES
CORDEIRO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2ª ed., AAFDL, 1987/88, pp. 161 e ss; MARCELO REBELO DE SOUSA, Introdução ao Estudo do
Direito, cit., pp. 249 e 258;
6
Expresso em obrigações que consubstanciam a sua prestação. Sobre o conceito de obrigação, vide o art. 397º CC de 1966; ANTUNES VARELA, Das
Obrigações em Geral, 10ª ed., 2000, vol. I, pp. 51 e ss; MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9ª ed., pp. 55 e ss; INOCÊNCIO
GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6ª ed., pp. 9 e 10; JORGE LEITE DE FARIA, Direito das Obrigações, vol. I, 1987, pp. 1 e ss; FERNANDO
PESSOA JORGE, Direito das Obrigações, vol. I, AAFDL, 1975/6, pp. 7 e ss; MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações I, 1994, pp. 9 e ss; MENEZES
LEITÃO, Direito das Obrigações, vol I, 4ª ed., Almedina, 2005, pp. 65 e ss. ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, Lisboa, 2ª ed., 2004, pp. 31 e ss.
JACINTO FERNANDES RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., 1977, pp. 7 e ss; CAIO MÁRIO DA SILVA FERREIRA, Instituições do
Direito Civil, vol. II, 19ª ed., 2000, Rio de Janeiro, pp. 1 e 2.
7
Entenda-se, que no Direito das Obrigações, os sujeitos passivo e activo das situações jurídicas designam-se devedor e credor, respectivamente.
8
Que é o de partir do lado passivo de uma situação jurídica para a análise dessa mesma situação. Esta evidencia o lado activo da situação jurídica na sua análise
do fenómeno obrigacional.
18
“Direito de Crédito”. Portanto, o conteúdo destas expressões, – que é a situação jurídica que constitui o
seu objecto de análise –, é, pois, a sua zona de intersecção, o seu ponto de convergência.

Mas fora essa intersecção, elas apresentam uma certa diferença, que cumpre assinalar. Elas diferem entre
si tão-só em razão do ângulo ou do prisma que adoptam para a análise de uma mesma situação jurídica,
diferem sim quanto ao lado da situação jurídica em que cada uma coloca o acento tónico da sua análise: a
expressão “Direito das Obrigações” coloca-o do lado passivo da situação jurídica sub-júdice, por
contraposição à de “Direito de Crédito”, que o coloca do lado activo dessa mesma situação. Portanto, a
destrinça entre elas consiste, como se vê, no que acabamos de dizer: o posicionamento do prisma na
abordagem de uma dada situação jurídica.

Em face desta destrinça, suscita-se a questão de saber qual delas é mais acertada para nominar o ramo de
Direito em abordagem e a própria disciplina curricular que do estudo desse ramo se ocupa. Por outras
palavras, justifica-se indagar qual das designações é preferível, porque mais correcta, para nominar o ramo
de Direito que forma o Livro II do CC de 1966 e a Ciência Jurídica que do estudo desse ramo se ocupa.

Sendo certo que do ponto de vista do conteúdo elas são equivalentes, diferindo apenas do prisma de
abordagem que cada uma delas adopta na análise do mesmo fenómeno, julgamos que em nada repugna o
uso indiferenciado ou sinonímico de uma ou de outra para se reportar tanto ao ramo de Direito como à
disciplina curricular que o estuda.

Entendemos, – em consequência deste posicionamento adoptado –, que não existem razões substanciais
para afastar nem para preferir qualquer das expressões em análise, nomeadamente “Direito das
Obrigações” e “Direito de Crédito”, pelo que podem ser usadas de modo indistinto para nominar tanto o
ramo de Direito de que estamos a falar como a disciplina curricular que do seu estudo se ocupa.

Como esclarece o Prof. Almeida Costa9 e nós secundamos, a preferência pelo uso da expressão “Direito
das Obrigações” não resulta de uma sua eventual prevalência sobre a de “Direito de Crédito” em razão do
conteúdo ou do prisma de análise mas tão-só do facto de a mesma estar dotada de uma maior
sedimentação doutrinária, associada à sua consagração legislativa na nossa e noutras ordens legislativas
romanísticas.

Ao sub-ramo do Direito Civil que forma o Livro II do CC de 1966 podemos designar indistintamente por
“Direito das Obrigações” ou “Direito de Crédito”. De igual modo, ao ramo da Ciência Jurídica que do
estudo daquele se ocupa, também podemos designar indistintamente por “Direito das Obrigações” ou
“Direito de Crédito”.

9
Cfr. Direito das Obrigações, cit., p. 11.
19
Assim e em conclusão, podemos afirmar que o uso indiferenciado destas expressões para nominar, quer o
ramo de Direito quer a disciplina curricular que do seu estudo se ocupa, não suscita nenhum problema
jurídico tanto nos planos legislativo e jurisprudencial como no científico e no doutrinário.

Considerando, no entanto, que o legislador do CC moçambicano usou a expressão “Direito das


Obrigações”, por motivos de tradição histórica e não em razão da sua eventual prevalência sobre a de
“Direito de Crédito”, nós também a usaremos com frequência, sem que com isso estejamos a afastar esta
última. E usaremo-la em atenção não só a esse facto de o legislador a ter consagrado, como ainda ao de a
mesma se mostrar mais consolidada na doutrina, quer dizer, mais sedimentada na literatura jurídica e até
na jurisprudência nacional e internacional, em atenção ainda à perspectiva ou prisma de análise adoptado
para a regulação e, portanto, para o estudo do respectivo objecto.

1.2. Das Acepções da Expressão


O facto de a nossa disciplina curricular designar-se “Direito das Obrigações” e o ramo de Direito de cujo
estudo esta se ocupa também designar-se “Direito das Obrigações” significa que esta expressão é equívoca
ou, se quisermos polissémica, porque comporta duas acepções, sendo uma para denominar o subsistema
normativo e outra para nominar o ramo da Ciência Jurídica que se ocupa do estudo daquele subsistema
normativo.

Propomos designar normativa, objectiva ou técnico-jurídica a acepção que encara o Direito das
Obrigações como subsistema de normas jurídicas, e propomos designar académica, científica ou
epistemológica, a acepção que o toma como Ciência Jurídica. Queremos com isso dizer que a expressão
“Direito das Obrigações” pode ser entendida em dois sentidos, designadamente, o técnico-jurídico, o
objectivo ou normativo por um lado e o académico, o científico ou epistemológico, por outro.

Tomada no sentido normativo, objectivo ou técnico-jurídico, a expressão reporta-se ao ramo do Direito


objectivo, – mais concretamente, ao sub-ramo do Direito Civil –, que regula as situações jurídico-
obrigacionais, as quais também se designam por relações de crédito. Por outras palavras, o “Direito das
Obrigações”, entendido neste sentido objectivo, é o segmento normativo integrado no hemisfério do
Direito Privado, concretamente no Direito Civil, que tem por objecto de regulação as relações de crédito
ou seja, as situações jurídico-obrigacionais10. É, portanto, a totalidade das leis11 que regulam as situações
relativas à constituição, à modificação, à transmissão e à extinção das obrigações em sentido técnico 12: é
este o sentido que a expressão assume quando a tomamos no contexto dos ramos de Direito, i. é, no

10
Cfr. JORGE LEITE DE FARIA, Direito das Obrigações I, cit., pp. 2 e 3.
11
Tomado o termo “lei” em sentido material, integrando, portanto, todos os instrumentos normativos, independentemente da sua fonte orgânica e do seu valor,
desde que contenham matéria obrigacional.
12
Cfr. art. 397º do CC.
20
âmbito da sistemática geral do Direito, bem como no do Direito Civil, visto este como ramo autónomo do
Direito em geral e do Direito Privado em especial.

Mas quando tomada na sua acepção epistemológica, científica ou académica, a expressão “Direito das
Obrigações” não tem aquele sentido de segmento normativo ou ramo do Direito objectivo, ela reporta-se
já a uma disciplina juscientífica ou seja, a um ramo da Ciência Jurídica, precisamente aquela que se ocupa
do estudo das tais normas jurídicas reguladoras das situações jurídico-obrigacionais, encarregue, portanto,
de fazer a elaboração sistemática das soluções que são facultadas por aquelas normas reguladoras das
relações de crédito13: é este o sentido que a expressão assume no contexto académico, no plano curricular
ou seja, no plano da Ciência Jurídica, como disciplina juscientífica e/ou dogmática.

Desta polissemia da expressão “Direito das Obrigações” resulta concluir-se que ela não tem em si mesma
um sentido próprio, não possui uma significação específica concreta. Ela ganha essa significação dentro
da frase em que estiver inserida, o que significa que o seu sentido exacto, em cada caso em que é
empregue, só pode ser extraído do respectivo contexto frasal.

O que acabamos de afirmar carece de ser explicitado e ilustrado através de algumas frases em que
empregaremos esta expressão, para melhor entendimento. Vejamos a seguir.

Se por exemplo, nos limitarmos a pronunciar as palavras “Direito das Obrigações”, sem as fazermos
anteceder nem posceder por nenhumas outras, não se poderá entender se com elas nos referimos ao ramo
do Direito ou ao ramo da Ciência Jurídica. Nos precisos termos em que a expressão “Direito das
Obrigações” se apresenta, neste caso, ela é neutra, não tem nenhum sentido, pelo que pode,
convencionalmente, ser preenchida com qualquer dos dois significados possíveis acima indicados:
“Direito das Obrigações” como ramo de Direito ou “Direito das Obrigações” como disciplina curricular, i.
é, como ramo da Ciência Jurídica.

Mas já em contextos como: “O Livro II do nosso CC constitui o Direito das Obrigações”, facilmente se
entende que a expressão se reporta ao sub-sistema de normas jurídicas que formam o Livro II do CC
moçambicano, Livro esse que constitui um dos sub-ramos do Direito Civil, o denominado “Direito das
Obrigações”.

De igual modo, num contexto frasal como: “No novo Plano Curricular do nosso Curso, o Direito das
Obrigações está localizado no 3º ano e desdobra-se em I e II”, o sentido da expressão “Direito das
Obrigações” que decorre deste mesmo contexto, já não é o de sub-sistema de normas jurídicas que
formam o Livro II do CC moçambicano, é sim o de disciplina ou cadeira do curso de Direito. Portanto, a

13
Cfr. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, cit., p. 16. No mesmo sentido, JORGE LEITE DE FARIA, op. cit., p. 3.
21
expressão é a mesma mas o significado que assume é indiscutivelmente diferente nas duas frases, em
razão do respectivo contexto frasal.

Poderíamos, aqui e agora, passar em desfile uma interminável lista de frases ilustrando a polissemia da
expressão, mas julgamos bastantes os exemplos apresentados, para comprovar por um lado que a referida
expressão não tem em si mesma um significado ou sentido próprio e, por outro, que ela só ganha algum
significado ou sentido específico no contexto de uma frase concreta, porque só nela é que se pode
vislumbrar se o seu uso, no caso vertente, se reporta ao ramo de Direito14 ou à correspondente disciplina
juscientífica15.

Assim, podemos dizer, em jeito de conclusão, que a expressão “Direito das Obrigações” admite dois
prismas de perspetivação, o que a torna de conteúdo variável.

1.3. Conceito
A já visualizada ambiguidade desta expressão leva-nos a constatar que à pergunta “o que é o Direito das
Obrigações” não se pode dar uma só resposta, pois, há que conceber esta expressão na sua acepção
normativa ou técnico-jurídica e há que igualmente a tomar na sua acepção epistemológica, científica ou
académica.

Do prisma de análise em que ela fôr tomada, resultará, em cada caso, um conceito de Direito das
Obrigações conectado com esse ângulo de análise adoptado. Teremos assim, por um lado, um “Direito das
Obrigações - normas”, que é o sub-ramo do Direito Civil subsumido no Livro II do CC de 1966 e, por
outro, um “Direito das Obrigações - ciência, que é uma disciplina curricular, quer dizer, uma cadeira do
curso jurídico”.

Na acepção normativa ou técnico-jurídica, a expressão “Direito das Obrigações” corresponde ao ramo do


Direito Privado ou seja, ao sub-ramo do Direito Civil que regula as situações jurídico-obrigacionais.

Significa isso que visto nesta perspectiva normativa, objectiva ou técnico-jurídica, o Direito das
Obrigações nada mais é senão o segmento normativo que disciplina a constituição, a modificação, a
transmissão e a extinção das obrigações, tomado este último termo em sentido técnico. Portanto, neste
plano normativo ou legislativo, o Direito das Obrigações assume-se como subsistema ou complexo de
normas jurídicas reguladoras das relações de crédito16, i. é, das situações jurídico-obrigacionais. É assim, o

14
Sobre a noção de “Direito das Obrigações” em sentido normativo, maiores desenvolvimentos em todos os manuais de Direito das Obrigações citados neste
estudo, e quaisquer outros a que se tiver acesso, ainda que não tenham neste texto expressa referência.
15
No que se refere à noção de Direito das Obrigações em sentido académico, poucos autores dela falam. Na doutrina portuguesa, que nos é muito familiar, são
exemplos destes poucos JORGE LEITE DE FARIA, Direito das Obrigações, cit., p. 3, PESSOA JORGE, op. cit., p. 11 e MENEZES LEITÃO, op. cit., p. 19.
16
Para explicitar esta noção, tem interesse delimitar o conceito de “relação de crédito” ou “relação obrigacional”. Na relação jurídica de crédito, intervêm o
“devedor” e o “credor”, denominando-se “prestação” à conduta a que aquele está vinculado ou adstrito e este pode exigir.
Em Direito, “credor” não designa apenas aquele que tem a faculdade de exigir uma quantia em dinheiro mas também o sujeito activo de toda e qualquer
situação jurídica de crédito. Assim, por exemplo, a entidade patronal é credora do trabalhador no que se refere à actividade deste, do mesmo modo que o
22
ramo de Direito objectivo que tem como seu escopo de regulação os direitos de crédito. Entendido neste
sentido de acervo normativo, o Direito das Obrigações é um dos principais subsistemas de regulação das
relações jurídico-privadas17.

Já na acepção epistemológica, o Direito das Obrigações é uma cadeira curricular, uma disciplina
juscientífica e/ou dogmática que se ocupa do estudo das normas jurídicas reguladoras das relações
obrigacionais ou de crédito, dispondo de modo sistemático e em termos de ciência, dos elementos que são
facultados por aquelas mesmas normas. Visto nesta perspectiva, o Direito das Obrigações assume-se como
um ramo do conhecimento, um ramo da Ciência Jurídica que tem a função de delimitar rigorosamente as
relações creditórias ou obrigacionais a partir do estudo da origem, da evolução, da aplicação e da eficácia
das normas jurídico-obrigacionais, de forma a sistematizar os conceitos do fenómeno obrigacional.
Portanto, visto como disciplina juscientífica e/ou dogmática, o Direito das Obrigações é uma área do
conhecimento científico18 e, mais concretamente, uma parte do saber jurídico.

1.4. Razões da Inserção


O Plano de estudos do Curso de Direito na nossa Faculdade, como sucede em todas as Escolas de Direito,
contempla o Direito das Obrigações. O facto suscita a questão de pretendermos saber o porquê dessa
inclusão, se terá sido casuística, se foi um erro ou se foi de propósito. Entendemos que essa inserção não
foi nem podia ser uma obra do acaso, como não foi erro de quem concebeu o Plano em alusão. A inclusão
foi mesmo intencional, porque justificada por determinadas razões materiais e didácticas que cumpre, aqui
e agora, apontar.

As primeiras, i. é, as razões materiais, relacionam-se com o nosso dia-a-dia ou seja, com o nosso ser,
enquanto que as segundas, i. é, as didácticas, prendem-se com o nosso interesse de saber, de conhecer, de
entender ou de perceber o Direito no seu todo e o Direito das Obrigações em particular.

Assim, no plano material ou objectivo, portanto olhando para o Direito das Obrigações como ramo de
Direito, relevam para o seu estudo no nosso curso: i) a existência de um crescente comércio jurídico
privado, no nosso país, que reclama por uma regulação cada vez mais abrangente e moderna; ii) a

depositante é credor do depositário quanto à conservação, guarda e restituição da coisa depositada, e o dono da obra é credor do empreiteiro quanto à realização
desta. A situação do devedor, além de se denominar “obrigação strictu sensu”, também se chama “débito” ou “dívida”, enquanto que a do credor, diversamente,
designa-se “direito de crédito” ou tão-só, “crédito”.
Assim, por relações de crédito ou relações obrigacionais devemos entender as situações jurídicas em que ao direito subjectivo de um certo sujeito contrapõe-se
o dever jurídico de um outro, especialmente imposto a essa certa e determinada pessoa.
São, portanto, aquelas situações em que entre o sujeito activo e o objecto dessas mesmas situações, - que é a prestação -, se interpõe um sujeito passivo
determinado, adstrito a uma certa conduta, que é o dever de prestar, um dever que se não fôr cumprido, o intuito do sujeito activo não se satisfaz. Em suma, são
aquelas situações jurídicas em que uma pessoa (o credor) está legitimada para exigir doutra (o devedor) uma certa prestação.
17
Sobre a importância do Direito das Obrigações, vide o cap. II infra.
18
Sobre a noção de “Ciência do Direito” ou “Ciência Jurídica”, de que o Direito das Obrigações é parte, veja-se: JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O
Direito: Introdução e Teoria Geral, cit., pp. 209 e ss; SÍLVIO MACEDO, Introdução à Ciência do Direito, vol. I, 1970, toda a obra; J. BAPTISTA
MACHADO, in Enciclopédia Polis Verbo da Sociedade e do Estado, vol. I, pp. 846 e ss; MARIA HELENA DINIS, Compêndio de Introdução à Ciência do
Direito, Editora Saraiva, 12ª ed., 2000, pp. 13 e ss.
23
existência, no nosso país, de um segmento normativo que regula o nascimento, a modificação, a
transmissão e a extinção das obrigações, no quadro do referido comércio jurídico privado; iii) a
necessidade e a conveniência de regulação das situações de crédito decorrentes do aludido comércio
jurídico.

Já no plano didáctico, portanto olhando para o Direito das Obrigações como ramo da Ciência Jurídica,
como disciplina juscientífica e/ou dogmática, relevam para essa inserção razões como: i) a necessidade do
ensino do Direito das Obrigações, para facilitar a sua aplicação a casos concretos; ii) a necessidade de
formar juristas qualificados para intervirem na vida social como Juízes, Procuradores, Advogados,
Consultores, Notários, Conservadores, Docentes e Investigadores, o que exige que os formandos
percebam o Direito aplicável às situações jurídico-obrigacionais, situações estas que são parte integrante
do conjunto das relações sociais que o Direito no seu todo visa regular; iii) o facto de o Direito das
Obrigações ser o núcleo central da formação jurídica, o que significa que a sua compreensão condiciona e
estimula, em certa medida, a compreensão de muitas das outras áreas da Ciência Jurídica.

Assim, esta inserção é justificada pela pertinência de que se reveste, para o comércio jurídico, a
compreensão das normas de cujo estudo ele se ocupa.

Chegados aqui, resta-nos apenas dizer, em jeito de síntese, que a inserção do Direito das Obrigações no
Plano Curricular do Curso é plenamente justificável, em razão da sua utilidade enquanto disciplina no
estudo do principal acervo normativo regulador do comércio jurídico. Na verdade, ele estuda vários
institutos de matriz civilística cuja compreensão é imperiosa para uma correcta aplicação das normas
jurídico-obrigacionais, no âmbito do comércio jurídico. Há, pois, pertinência dessa inserção.

1.5. Posição nos Sistemas em que se Insere


Vimos já que o Direito das Obrigações tem uma dupla existência: é, por um lado, um ramo de Direito,
integrado no hemisfério privado e, por outro, um ramo da Ciência Jurídica.

No quadro do estudo que estamos a fazer, é pertinente localizá-lo nos sistemas de que é parte, de forma a
perceber a sua posição nesses sistemas e a identificar a área da vida social em que ele actua como ramo de
Direito e o seu impacto social enquanto ramo da Ciência Jurídica.

Ora, enquanto ramo de Direito e subsistema de normas jurídicas que forma um sub-ramo do Direito Civil,
o Direito das Obrigações insere-se num sistema19, o sistema normativo, o sistema de Direito. Em razão
deste enquadramento, tem uma certa posição dentro do referido sistema.

19
Sobre o conceito de “sistema”, bem como a respectiva caracterização e tipologia, visite CLAUS-WILHELM CANARIS, Pensamento Sistemático e Conceito
de Sistema na Ciência do Direito, Introdução e tradução de MENEZES CORDEIRO, 2ª ed., 1996, pp. 25 e ss, 103 e ss e 127 e ss. Sobre o conceito de sistema
jurídico, veja-se DÁRIO MOURA VICENTE, Direito Comparado, cit., pp. 68 e ss; JOSÉ DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., 1994,
24
Mas quando apreciado como disciplina juscientífica, o Direito das Obrigações já não se insere no sistema
legislativo ou normativo, ele insere-se sim noutro sistema, que é o sistema das ciências. Em razão deste
novo enquadramento, ele adquire, obviamente, uma outra posição, dentro destoutro sistema.

Identificados já os sistemas em que ele se insere, há que saber qual é então a sua posição num e noutro
sistema.

Vejamos a seguir a sua posição no plano normativo ou legislativo, i. é, na sistemática geral do Direito, que
é o sistema do Direito.

1.5.1. Posição na Sistemática Geral do Direito


É ponto assente na doutrina e na jurisprudência, pelo menos no quadro da Família Jurídica Romano-
Germânica, que o Direito desdobra-se, para efeitos do seu estudo e aplicação a casos concretos, em dois
grandes20 hemisférios, nomeadamente o Direito Público e o Direito Privado.

Sendo o objecto de regulação do Direito das Obrigações as situações jurídico-obrigacionais ou de crédito,


as quais se estabelecem entre sujeitos que agem em pé de igualdade ou de coordenação, ele assume-se
como ramo do Direito Privado, qualquer que seja o critério empregue para a sua qualificação, i. é, quer
pela natureza dos interesses que tutela, quer pela posição dos sujeitos nas situações jurídicas em que ele
intervém, quer ainda pela qualidade desses sujeitos nessas mesmas situações jurídico-obrigacionais, ou
mesmo pela combinação desses critérios.

Mas o Direito das Obrigações não se confunde com o Direito Privado, um e outro não são iguais, não se
correspondem. O Direito das Obrigações é um sub-ramo de um dos ramos do Direito Privado, que é
precisamente o Direito Civil. Quer isto dizer que o Direito das Obrigações é um sub-ramo do Direito
Civil, pois, as relações que ele regula são de natureza particular e não se integram nas matérias que são
objecto dos Direitos Privados especiais, nomeadamente o Direito Comercial, o Direito de Trabalho, o
Direito Internacional Privado, o Direito Bancário Material, o Direito dos Seguros e o Direito dos Valores
Mobiliários.

Ora, o Direito Civil compreende, por sua vez, para além do Direito das Obrigações 21, outros segmentos ou
sub-ramos, quais sejam o Direito das Pessoas22, o Direito das Coisas23, o Direito da Família24 e o Direito

Lisboa, pp. 185 e ss; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Introdução ao Estudo do Direito, 10ª ed., Lisboa, pp. 230 e ss; R. LIMONGI FRANÇA, Instituições
do Direito Civil, Editora Saraiva, 5ª ed., 1999, p. 9.
20
Dizemos “grandes”, porque existe um terceiro hemisfério, “pequeno”, compreendendo os ramos de classificação híbrida, mista ou duvidosa, que são os que
não aceitam filiar-se totalmente nem no Direito Público nem no Direito Privado. Sobre esta problemática da divisão e ramificação do Direito, bem como dos
critérios que para isso servem de base, maiores desenvolvimentos em vários manuais de Introdução ao Estudo do Direito, dentre ao quais, os citados no
presente estudo.
21
Cfr. Livro II do CC, do art.º 397º ao art. 1250º.
22
Cfr. Livro I do CC, do art.º 70º ao art. 81º.
23
Cfr. Livro III do CC, do art.º 1251º ao art. 1575º
24
Constituído pela Lei da Família, a Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, que revogou o Livro IV do CC, do art.º 1576º ao art. 2023º.
25
das Sucessões25. Cada um destes segmentos normativos tem o seu tipo próprio de situações que regula,
quer dizer, tem o seu objecto de regulação e portanto, o seu campo de aplicação.

Do exposto decorre a ilação de que na sistemática geral do Direito, o Direito das Obrigações assume-se
como segmento normativo de natureza privada, inserido no Direito Civil26 como seu sub-ramo27. Portanto,
não é um ramo do Direito Público mas do Direito Privado, já que as relações que ele regula estabelecem-
se entre particulares: é esta a sua posição neste sistema, que é o sistema normativo, também designado
sistemática geral do Direito ou, tão-só, sistema do Direito.

Vejamos agora a sua posição no sistema das ciências.

1.5.2. Posição no Sistema das Ciências


Dissemos já que como ramo do saber jurídico, o Direito das Obrigações insere-se no sub-sistema da
Ciência Jurídica e, portanto, no sistema geral das ciências, porque a Ciência Jurídica é, como qualquer
outra, parte deste sistema28.

Dentre as diversas classificações das ciências29, vamos adoptar, para o nosso propósito, a que as distingue
em naturais30, sociais31 e técnicas32, porque ela ajuda a perceber o posicionamento do Direito das
Obrigações. Assim, dentro do sistema das ciências e em atenção a esta classificação adoptada, a Ciência
Jurídica em geral e a do Direito das Obrigações em particular inserem-se no subsistema das Ciências

25
Cfr. Livro V do CC, do art.º 2024º ao art. 2334º.
26
Historicamente, a expressão “direito civil” assumiu variadas significações ao longo do tempo, quer dizer, sofreu uma evolução semântica. Na Antiguidade e
no Direito Romano, o Direito Civil era tido como a legislação da cidade, a qual regia a vida dos cidadãos independentes e abrangia normas de todos os ramos
então existentes, nomeadamente os Direitos penal, administrativo, processual e outros. Na Idade Média, o Direito Civil identificou-se com o Direito Romano
contido no corpus juris civilis, sofrendo concorrência do Direito Canônico, devido à autoridade legislativa da Igreja, que, por sua vez, invocava sempre os
princípios gerais do Direito Romano. Na Idade Moderna, no Direito Anglo-Saxónico, a expressão civil law correspondia ao Direito Romanístico e as matérias
relativas ao Direito Civil actual eram designadas private law, daí que a expressão passou a ser usada para significar um dos ramos do Direito Privado, por
regulamentar as relações entre particulares. A partir do século XIX, a expressão tomou um sentido mais estrito, passando a designar as instituições disciplinadas
no CC.
27
Vide o Código Civil moçambicano, Livro II, do art. 397º ao art.1250º.
28
Sobre a classificação das ciências, vide: MARIA HELENA DINIZ, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, cit., pp. 22 e ss; A. FRANCO
MONTORO, Introdução à Ciência do Direito, Vol. I, 3ª edição, Livraria Martins Edições, São Paulo, 1972, pp. 65-85; VAN ACKER, Introdução à Filosofia –
lógica, p. 28 e ss; FAUSTO E. VALLADO BERRÕN, Teoria General del Derecho, Mexico, Universidade Nacional Autónoma de México, 1972, pp. 228-33;
FRANCISCO UCHOA DE ALBURQUERQUE e FERNANDA MARIA UCHOA, Introdução ao Estudo do Direito, Editora Saraiva, São Paulo, 1982, p. 17;
ABELARDO TORRÉ, Introduccion al Derecho, 6ª ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1972, pp. 46 e ss. LUÍS MENDIZÁBAL E MARTIN citado por
MIGUEL SANCHO IZQUIERDO, Princípios de Derecho Natural como Introducción al studio del Derecho, 5ª ed. Zaragoza, 1955, pp. 25 e 26.
29
Existe a classificação do COMTE, que distingue as ciências em abstractas, gerais ou teóricas e concretas, particulares ou especiais. Os critérios que servem
de base são: o da dependência dogmática, o da sucessão histórica, o da generalidade decrescente e o da complexidade crescente. Sobre esta matéria, maiores
desenvolvimentos em AUGUSTO COMTE, Cours de Philosofie Positive, Paris, 1949. Existe também a classificação de WILHELM DILTHEY, que distingue
estas em ciências da natureza ou físico-naturais e ciências do espírito, humanas ou culturais. Esta classificação assenta no critério dicotómico, que se inspirou
por sua vez na classificação de AMPERE. Sobre ela, vide mais subsídios em Introduction à L etude des sciences humanines, Paris, 1942, Cap. 2, Introducción
a las Ciências del espiritu, México, Fundo de Cultura Económica, 1944, p.69; V. MIGUEL REALE, Lições Preliminares do Direito, cit., p. 86 e ss. Sobre toda
a problemática da classificação das ciências, vide MARIA HELENA DINIZ, Compêndio... cit. pp. 22 e ss e a bibliografia ali citada. A mais famosa
classificação das ciências é a aristotélica, enriquecida com as alterações introduzidas pelo pensamento científico e filosófico ulterior. Essa classificação baseia-
se no critério da função de cada ciência e subdivide as ciências em teóricas ou especulativas (físicas ou naturais, matemáticas ou formais e metafísicas), práticas
(artísticas ou produtivas, (música, escultura, pintura, engenharia, medicina, arquitectura) e morais. Sobre estas matérias, maiores desenvolvimentos em
Metafísica, 1025, b, 25; W.D. ROSS, ARISTOTE, Paris, Payot, 1930, pp. 34 e 91; G. VICO, Scienza Nova, Padova CEDAM, 1953; MIGUEL REALE,
Filosofia do Direito, cit., cap. 17.
30
Que se ocupam do estudo dos fenómenos da natureza.
31
Que se ocupam do estudo dos fenómenos sociais.
32
Ciências de invenção, ciências de fabricação de bens.
26
Sociais, porque ocupam-se do estudo das normas jurídicas, i. é, do estudo das leis33, que são fenómenos
sociais porque são parte da cultura humana, são produtos da sociabilidade humana.

No caso específico do Direito das Obrigações, ele ocupa-se do estudo das normas jurídicas reguladoras
das situações jurídico-obrigacionais ou creditórias e estas normas são também, como todas as outras, um
aspecto da cultura humana34, pelo que são fenómenos sociais.

Decorre disso a ilação de que no sistema geral das ciências, o Direito das Obrigações localiza-se na
família das Ciências Sociais, como sucede com toda a Ciência Jurídica: esta é, portanto, a posição do
Direito das Obrigações no sistema das ciências.

1.6. Posição no Curricula da FDUEM35


O ensino do Direito das Obrigações é levado a cabo na maioria das Escolas de Direito36 do nosso país,
mas o posicionamento curricular desta disciplina não tem sido o mesmo em todas essas Escolas e em cada
uma delas, ao longo dos anos.

Nos planos curriculares da FDUEM, o Direito das Obrigações situou-se tradicionalmente, ora no 2º, ora
no 3º ano. De 1975 a 1983 esta disciplina situou-se no 2º ano mas a suceder a Teoria Geral da Relação
Jurídica37. Desde 1987 até 2004, a disciplina situou-se no 3º ano mas tendo sempre como antecedente
imediato a Teoria Geral do Direito Civil, que, por sua vez, sucedeu sempre à Introdução ao Estudo do
Direito.

No Curriculum vigente entre 2004 e 2010, o Direito das Obrigações esteve igualmente localizado no 3º
ano do Curso. Mas já no Plano introduzido em 2010, que para além de reduzir a duração do Curso a três
anos estava concebido para ser implementado com base nos chamados métodos participativos ou
centrados no estudante, o Direito das Obrigações posicionou-se no 2º ano e desdobrado em I e II, sendo
ministrado em regime modular, como sucedeu com todas as outras cadeiras.

A inserção desta disciplina no Plano Curricular e no ano jurídico indicado do Curso, justificou-se, como
dissemos, por razões de ordem material e outras de natureza didáctica que, em sede própria foram
suficientemente expendidas.

33
Tomado o termo na sua acepção material.
34
Sobre os conceitos de “cultura” e de “civilização”, vide Enciclopédia Polis Verbo da Sociedade e do Estado, vol. I, pp. 876 e ss. Em sentido idêntico,
MIGUEL REALE, Lições Preliminares de Direito, cit., pp. 25 e ss.
35
Esta abordagem justifica-se pelo facto de o presente estudo ter sido produzido no âmbito da docência realizada nesta Faculdade, embora as mesmas matérias
tenham sido também abordadas em algumas outras Universidades nacionais onde contribuímos nos respectivos cursos jurídicos.
36
Dentre várias, indicamos, a título meramente exemplificativo, as seguintes: Universidade Eduardo Mondlane, Universidade Politécnica, Universidade
Técnica de Moçambique, Universidade Católica de Moçambique, Universidade São Tomás de Moçambique, Universidade Mussa Bin Bique, Unilúrio,
Unizambeze e Universidade Nachingweia, além do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique, do Instituto Superior de Tecnologia e Gestão,
do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande, da Escola Superior de Economia e Gestão e, finalmente, da Escola Superior de Ciências
Náuticas.
37
A Teoria Geral da Relação Jurídica é uma disciplina que ocupava, do ponto de vista do posicionamento no Plano Curricular, o lugar hoje pertencente à Teoria
Geral do Direito Civil, embora do ponto de vista do âmbito e até do objecto não se equivalham, na medida em que a Teoria Geral da Relação Jurídica
correspondia, em rigor, a um segmento ou parte da Teoria Geral do Direito Civil.
27
Como oportunamente dissemos, quer nos antigos planos curriculares, quer no novo, o Direito das
Obrigações tem estado sempre a ser ministrado depois da Teoria Geral do Direito Civil, que por sua vez
sempre poscedeu a Introdução ao Estudo do Direito, em alinhamento ou posicionamento sequencial, pelas
relações de parentesco existentes entre estas três cadeiras, decorrente das matérias de que elas se ocupam.

Na verdade, existe entre a Introdução ao Estudo do Direito, a Teoria Geral do Direito Civil e o Direito das
Obrigações uma relação de continuidade e outra de contiguidade nos respectivos objectos de estudo e no
próprio estudo38.

A Introdução ao Estudo do Direito tem uma função vestibular no Curso jurídico, porque fornece aos
formandos as noções jurídicas fundamentais pressupostas pelas cadeiras subsequentes e especiais desse
mesmo Curso, desempenhando por isso o papel de fundação de um edifício em construção, – o jurista –,
daí que ela apresenta, em simultâneo, uma tripla natureza, nomeadamente o carácter propedêutico, o
carácter enciclopédico e o carácter epistemológico.

Entretanto, esta tarefa da Introdução ao Estudo do Direito não se esgota no final do Programa desta
cadeira no 1º ano do Curso, ela é recebida, continuada e concluída pela Teoria Geral do Direito Civil, na
medida em que esta fornece igualmente, aos mesmos formandos, os conceitos fundamentais e comuns não
já a todo o Direito mas ao Direito Privado em geral e ao Direito Civil em particular, os cujo conhecimento
condiciona a compreensão das cadeiras especiais do Curso que versam sobre este segmento da ordem
jurídica.

Assim, enquanto que a Introdução ao Estudo do Direito sobrevoa todo o edifício do Direito – portanto,
todos os ramos do Direito Público e do Direito Privado, bem como os de classificação híbrida –, para
captar e tratar os conceitos fundamentais comuns a todas estas áreas, a Teoria Geral do Direito Civil
sobrevoa tão-só o Direito Privado em geral e o Direito Civil em particular, extraindo deles o acervo
conceitual e os princípios de interesse comum39 a todo o Direito Privado e a todas as partes especiais do
Direito Civil, para os fornecer a estes formandos.

Este facto de concluir, no contexto específico do Direito Privado, esta tarefa e esta missão da Introdução
ao Estudo do Direito, confere à Teoria Geral do Direito Civil, em certa medida, uma natureza
propedêutica, enciclopédica e epistemológica como é a Introdução ao Estudo do Direito.

Mas a Teoria Geral do Direito Civil não fica por aqui, ela vai mais longe, pois, depois de concluir aquela
tarefa e aquela missão da Introdução ao Estudo do Direito, ela inicia uma outra tarefa, conexa com uma

38
Esta afirmação que acabamos de fazer, carece naturalmente de ser explicada, dada a sua complexidade, o que fazemos nos termos que se seguem.
39
Este acervo acaba sendo válido também para o Direito Público, pela importância de que se reveste o Direito Civil em todos os campos da vida social.
28
nova missão, que é a da resolução de casos concretos ou seja, a da aplicação prática do Direito, o que lhe
confere uma outra característica: a dimensão dogmática.

Porque propedêutica, enciclopédica e epistemológica por um lado e dogmática por outro, a Teoria Geral
do Direito Civil assume-se, assim, como uma disciplina ambivalente.

Dada a força esclarecedora da exposição do Prof. Menezes Cordeiro40 sobre a caracterização da Teoria
Geral do Direito Civil, decidimos trazê-la aqui, a título de sustentação do que expendemos.

Escreveu o ILUTRE MESTRE, a dado passo da sua explanação sobre o assunto, o seguinte: “A Teoria
Geral do Direito Civil é uma disciplina de Direito Civil. Nessa medida, ela deveria apresentar-se tal
como qualquer outra disciplina, na dupla qualidade de ramo juscientífico e de regulação jurídico-
privada.

A presença, na sua designação académica, da expressão “teoria geral”, indicia, no entanto, o estar em
jogo mais do que uma simples zona do tecido civil, semelhante às outras áreas que compartilham esse
sector importante do ordenamento: a Teoria Geral do Direito Civil elevar-se-ia acima das restantes
disciplinas especiais, implicando todo um conjunto de tarefas de construção e de generalização,
efectuadas a partir delas.

Pode, pois, anunciar-se à partida que a Teoria Geral do Direito Civil se assume – ou tenta assumir –
como uma disciplina cientificamente empenhada e, como tal, muito marcada nas suas mais elementares
concepções.

Enquanto disciplina académica, a Teoria Geral do Direito Civil situa-se, no actual plano de estudos da
Faculdade de Direito de Lisboa, no 2º ano jurídico. Assim, ela procura assegurar uma transição entre a
disciplina propedêutica do 1º ano, de Introdução ao Estudo do Direito e as disciplinas dogmáticas do 3º
ano de Direito das Obrigações e de Direitos Reais. Fazendo-o, ela apresenta, de algum modo, uma dupla
natureza, por um lado, a Teoria Geral do Direito Civil é, ainda uma disciplina introdutória, empenhada
em ministrar elementos genéricos sobre a linguagem jurídica e o correspondente discurso substantivo;
por outro, ela surge já como espaço dogmático, apto a proporcionar e a justificar a resolução de casos
concretos41”.

Como explica o Prof. no trecho acima, o Direito das Obrigações e os Direitos Reais recebem da Teoria
Geral do Direito Civil esta tarefa da resolução de casos concretos ou seja, da aplicação prática dos

40
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, cit., p. 6.
41
Sic ou seja, Ipsis verbis.
29
institutos jurídicos e desenvolvem-na na sua máxima expressão, assumindo eles, plenamente, o carácter
dogmático42.

Deste modo, todos os institutos43 estudados na Introdução ao Estudo do Direito e na Teoria Geral do
Direito Civil e outros novos tratados no próprio Direito das Obrigações, ganham aplicação prática neste
ramo e continuam a ganhá-la nos Direitos Reais44.

O Direito das Obrigações joga um papel decisivo na cristalização da formação jurídica dos formandos em
Direito, em razão do seu tratamento científico altamente apurado, que o torna um campo privilegiado para
uma investigação dogmática mais avançada e o seu estudo especialmente adequado para proporcionar uma
boa formação jurídica, como já oportunamente o demonstramos45.

É esta ligação umbilical existente entre estas três cadeiras 46 que nos leva a afirmar que há entre elas e no
seu ensino uma relação de continuidade e de contiguidade, relação que, quanto a nós, lhes confere
conjuntamente a dignidade de “espinha dorsal do Curso de Direito”, dignidade essa que julgamos também
passível de se estender aos Direitos Reais, à Teoria Geral do Processo, ao Direito Processual Civil e ao
Direito Processual Penal.

1.7. Relações com outros Ramos do Direito objectivo


O Direito das Obrigações, entendido como subsistema normativo ou ramo de Direito Privado e sub-ramo
do Direito Civil, relaciona-se com todos os outros subsistemas jurídicos, sejam eles de natureza pública,
privada ou híbrida. Quer dizer, o subsistema do Direito das Obrigações penetra em muitos outros
subsistemas do Direito Público e do Direito Privado, bem como nos dos ramos de classificação hibrida,
mista ou duvidosa, para regular as obrigações emergentes da aplicação das normas que os compõem. Mas,
ainda que assim, ele apresenta relações mais estreitas com alguns desses ramos ou desses subsistemas.

42
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pp. 5 e 6.
43
Baseando-se nas formulações teóricas de LARENZ, Karl, constantes da obra deste, de título Methodenlehre, der Rechtswissenschaft. Berlim-Heidelberg New
York Springer, 1975, cuja tradução em Espanhol é Metodología de la ciencia del derecho, Barcelona, Ariel, 1966, KUHN, Ottmar, citado por OLIVEIRA, José
Lamartine Corrêa de, in A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, São Paulo, Saraiva, 1979, p. 259, nota 1, define o Instituto Jurídico como “toda a unidade de
ordenação conscientemente construida e em cujas normas os diferentes princípios jurídicos se cristalizam”, o que significa, quanto a nós, que o Instituto
Jurídico é um conjunto de normas, princípios, instituições e organizações que são tomados unitariamente sob certa perspectiva ou critério numa dada ordem
jurídica, visando com eles satisfazer determinadas necessidades do próprio sistema. Um instituto tem sempre uma função, que é, na concepção de
ERLINGHAGEN, Peter, - igualmente citado por OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de, idem p. 259, nota 2 -, a de satisfazer determinadas necessidades
compatíveis com um ordenamento jurídico sob forma também compatível com esse ordenamento. Ainda sobre a noção de Instituto Jurídico, vide maiores
desenvolvimentos na obra de KUHN, Ottmar, intitulada Srohmangrundung bei Kapitalgesellschaften, Tubingen, Mohe (Siebeck), 1994, p. 69, nota 31. Releva
também ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Introdução ao Direito Comparado, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, p. 11. Quanto à problemática da função do
instituto Jurídico, veja-se, a propósito, a obra de ERLINGHAGEN, Peter, intitulada Der Organshaftsvertrag mit Ergebnisauschluss Klausel im Aktienrecht,
Marburg, 1960, p. 65.
44
O principal acervo normativo que forma os Direitos Reais ou Direito das Coisas consta do Livro III do nosso CC. É matéria a tratar-se em Disciplina própria,
ao longo do Curso, Disciplina essa denominada também Direitos Reais ou Direito das Coisas.
45
Sobre este assunto, ver em especial MANUEL JANUARIO DA COSTA GOMES, …
46
Designadamente, Introdução ao Estudo do Direito, Teoria Geral do Direito Civil e Direito das Obrigações.
30
Do mesmo modo, quando apreciado como ramo da Ciência Jurídica ou seja, como disciplina juscientífica
e/ou dogmática, o Direito das Obrigações tem conexões com os ramos da Ciência Jurídica que se ocupam
do estudo dos ramos de Direito com que ele, enquanto subsistema normativo, tem igualmente conexão.

Vejamos primeiro as suas relações com outros ramos de Direito, tanto públicos como privados e até
híbridos.

1.7.1. Direito das Obrigações vs. Direito Público


Ao nível do Direito Público, entendemos que o Direito das Obrigações apresenta-se mais conectado com o
Direito Constitucional, com o Direito Administrativo e com o Direito Fiscal e Aduaneiro.

Cumpre explicitar.
I. Direito Constitucional vs. Direito das Obrigações - Como é do domínio público, a Constituição é
a Lei Fundamental do Estado, em razão do que tem força jurídica máxima no quadro do sistema
jurídico em que ela se insere. Disso resulta que o Direito das Obrigações, como conjunto de normas
jurídicas e portanto ramo de Direito, deve conformar-se com os princípios desta Constituição, facto
esse que é condição necessária e em princípio suficiente para a validade e eficácia de cada uma das
normas que o integram e de todas elas em conjunto.

Situando-se a Constituição no Direito Constitucional, facilmente se entende que o Direito das


Obrigações esteja conectado com o Direito Constitucional. E a conexão existente entre eles traduz-se
numa relação de subordinação: o Direito das Obrigações deve conformar-se com o Direito
Constitucional ou seja, subordinar-se a ele, porque essa sua conformidade com os princípios
constitucionais é o pressuposto de validade e de eficácia das normas que o integram. É nisso que
consiste a conexão entre o Direito das Obrigações e o Direito Constitucional. Qualquer conflito entre
uma norma jurídico-obrigacional com um princípio constitucional, redunda na ineficácia dessa
norma jurídico-obrigacional, em razão da força jurídica máxima das normas jurídico-constitucionais,
que prevalecem sobre quaisquer outras, em quaisquer circunstâncias.

II. Direito Administrativo vs. Direito das Obrigações - No âmbito da administração pública, os
diferentes Departamentos do Estado têm celebrado contratos administrativos, de que nascem
obrigações para eles. No quadro da sua actividade administrativa, o Estado tem celebrado contratos
com contrapartes, onde ele intervém como pessoa colectiva de Direito Privado. De uns e de outros
contratos emergem obrigações cuja disciplina jurídica ou regime de regulação aplicável é a(o)
constante do Livro II do CC, portanto, a(o) do Direito das Obrigações.

31
Assim, o Direito Administrativo, que é o ramo do Direito Público regulador da administração
pública, acaba conectando-se com o Direito das Obrigações no quadro dessa administração pública e
na actividade privada do Estado. Significa isso que a actividade administrativa do Estado chama à
colação o Direito das Obrigações, em razão das obrigações dai derivadas e da responsabilidade civil
conexa, porque decorrente do seu eventual incumprimento47. É nisso que consiste a conexão do
Direito das Obrigações com o Direito Administrativo.

III. Direito Fiscal e Aduaneiro vs. Direito das Obrigações - No âmbito da administração fiscal, o
Estado tem vindo a cobrar aos diferentes agentes económicos os impostos devidos pelo exercício das
actividades. Tais impostos constituem obrigações cujo regime jurídico é, em certa medida, o
constante do CC, portanto, o do Direito das Obrigações. Significa isso que a actividade fiscal e
aduaneira do Estado chama à colação o Direito das Obrigações. É nisso que consiste a conexão entre
o Direito das Obrigações e o Direito Fiscal e Aduaneiro48.

1.7.2. Direito das Obrigações vs. Direito Privado


Ao nível do Direito Privado, o Direito das Obrigações tem relações mais estreitas não só com todo o resto
do Direito Civil, nomeadamente o Direito das Pessoas, o Direito das Coisas, o Direito da Família e o
Direito das Sucessões, como também com todo o Direito Privado especial, designadamente o Direito
Comercial, o Direito do Trabalho, o Direito Internacional Privado, o Direito Bancário Material, o Direito
dos Seguros e o Direito dos Valores Mobiliários.

Como sub-ramo do Direito Civil, o Direito das Obrigações está naturalmente conectado com todos os
outros sub-ramos civilísticos, devido ao facto de ambos assentarem nos mesmos princípios, quais sejam o
princípio da Intangibilidade da Pessoa Humana, o princípio da Personificação, o princípio da Família
como Instituição, o princípio da Autonomia Privada, o princípio da Boa-fé nas relações negociais, o
princípio da Universalidade e da Igualdade do género perante a lei, o princípio da Propriedade Privada dos
meios de produção e o princípio do Fenómeno Sucessório.

O princípio da Intangibilidade da Pessoa Humana consiste no reconhecimento, pelo Estado moçambicano,


a todos os indivíduos a partir da sua nascença, de um círculo mais ou menos vasto de direitos de
personalidade consagrados na Constituição49 e na lei ordinária50, os quais, são interpretados e integrados

47
Sobre a responsabilidade civil do Estado, vide CAHALI, Yussef Said, Responsabilidade Civil do Estado, 3ª ed., [S.L]: Revista dos Tribunais, 2007.
48
Sobre o regime jurídico das obrigações fiscais e aduaneiros, vide …
49
No nosso caso precisamente no Título III, no Capítulo dos Direitos Fundamentais, arts. 35º a 95º da CRM de 2004.
50
Concretamente nos arts. 70º a 81º do CC de 1966.
32
de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos51.

O princípio da Personificação traduz-se na possibilidade de constituição de pessoas colectivas à imagem e


semelhança do Homem, para, através delas, se viabilizar a satisfação dos interesses e necessidades não
passíveis de satisfação individual52.

O princípio da Família como Instituição consiste em o Estado moçambicano reconhecer e consagrar a


família como célula-base da sociedade53, o que se traduz no direito de cada um constituir essa mesma
família54 nos termos legais que escolher.

O princípio da Autonomia Privada consiste na faculdade que é reconhecida às pessoas pelo Estado
moçambicano de poderem constituir, modificar ou extinguir efeitos jurídicos a partir de actos de vontade,
o que se manifesta ou se concretiza no domínio dos contratos. Consagrado no art. 405º CC sob a epígrafe
“liberdade contratual”, este princípio representa a aplicação nos contratos, do princípio da liberdade
negocial, que tem limitações gerais nos arts. 280º e 398º do mesmo Código e limitações especiais, em
cada contrato típico55. Portanto, este princípio traduz-se na liberdade de celebração e de estipulação nos
negócios jurídicos.

O princípio da Boa-fé nas relações negociais, consagrado genericamente no art. 227º CC mas aflorado em
muitos outros preceitos deste Diploma, traduz a ideia de que nas negociações para celebrar contratos e na
sua execução uma vez já celebrados, as partes devem ser leais umas às outras e colaborar de forma a
permitir que cada uma alcance os seus objectivos. Essa lealdade traduz-se, em rigor, no cumprimento
escrupuloso do dever de respeito, do dever de informação e do dever de colaboração.

O princípio da Universalidade e da Igualdade56 do género perante a lei consiste em consagrar na lei que
todas as pessoas são iguais perante essa mesma lei. Este princípio contém dentro dele o da igualdade entre
homens e mulheres perante a lei, o que significa que todos têm os mesmos direitos e deveres, bem como
as mesmas oportunidades, o que significa que devem ter igual tratamento em todas as instituições.

O princípio da Propriedade Privada dos meios de produção consiste no reconhecimento e tutela da


propriedade privada, o que significa admissão deste tipo de propriedade e atribuição a ela de um papel

51
Cfr. art. 43º CRM de 2004, cuja redacção é a seguinte: “Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de
harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”.
52
Cfr art.º 157º e ss CC.
53
Vide a Lei da Família, a Lei n.º 10/2004 de 25 de Agosto, quanto ao estatuto social da família.
54
Face à problemática hoje em voga no mundo, a de casamento de pessoas do mesmo sexo, será que se pode falar da crise deste princípio da família como
instituição ou que o mesmo se mantém intacto, por se entender que duas pessoas de sexos diferentes, casadas entre si, formam na mesma uma família? Está
aberto o debate.
55
Cfr. arts. 874º a 1250º CC.
56
Cfr. arts. 35º e 36º CRM de 2004, cujo texto é: “Artigo 35 - Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos
mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais,
profissão ou opção politica. Artigo 36 - O homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida politica, social e cultural”.
33
importante no desenvolvimento da nossa economia57, já que se baseia nas leis de mercado. Mas não se
deve, no entanto, entender que este é o único tipo de propriedade admitido, pois, coexiste a propriedade
cooperativa58 e social59, a propriedade pública60 e a propriedade pessoal61. Na verdade, o princípio é o da
coexistência de diferentes tipos de propriedade62, mas salienta-se a propriedade privada em razão da sua
predominância, uma vez que o sistema económico é o da economia de mercado63.

O princípio do Fenómeno Sucessório consiste em o Estado consagrar na lei o direito de sucessão, o que
significa que, verificada a morte de alguém, legitima-se a transmissão dos seus bens aos seus herdeiros e
legatários, conforme resulta do art. 83º da Constituição64 de 2004, cuja materialização encontra a sua
expressão na lei ordinária que constitui o Livro V do CC de 196665.

As obrigações que surgem no âmbito das relações pessoais, reais, familiares e sucessórias são reguladas,
em certa medida, pelo Direito das Obrigações, o que comprova a conexão existente entre o Direito das
Obrigações e outros sub-ramos do Direito Civil.

É pois, verdade que, como sucede com todos os outros sub-ramos do Direito Civil, o Direito das
Obrigações é fundamentado, penetrado e desenvolvido por alguns destes princípios que, porque são
estruturantes deste ramo de Direito, serão objecto de aprofundamento em sede própria.

Ao nível do Direito Privado especial, parece evidente que o Direito das Obrigações tem mais conexão com
o Direito Comercial, com o Direito de Trabalho, com o Direito Internacional Privado, com o Direito
Bancário Material, com o Direito dos Seguros e com o Direito dos Valores Mobiliários.

No quadro das relações jurídico-comerciais, são celebrados contratos de que emergem obrigações
comerciais, cujo regime jurídico é, subsidiariamente o do Direito Civil66. Neste sentido, a disciplina das
obrigações mercantis é facultada pelo Direito Civil, concretamente pelo seu sub-ramo denominado Direito
das Obrigações. É nisto consiste a conexão entre o Direito das Obrigações e o Direito Comercial.

57
Conforme resulta dos arts. 97º al. d) e) e 99º n.º 3 da CRM de 2004.
58
São as cooperativas de produção, de comercialização e de outros serviços.
59
Bens que pertencem às comunidades.
60
Empresas do Estado, Empresas públicas e o domínio público do Estado, nos termos fixados no art.º 98º da Constituição de 2004, segundo os quais, esse
domínio público compreende os recursos naturais situados no solo e subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona
económica exclusiva, designadamente a zona marítima, o espaço aéreo, o património arqueológico, as zonas de protecção da natureza, o potencial hidráulico, o
potencial energético, as estradas e linhas férreas, as jazidas minerais e outros bens que a lei classificar como integrantes desse domínio público.
61
A propriedade pessoal não se confunde com a propriedade privada na medida em que ela refere-se aos bens de uso pessoal no dia-a-dia e que não são
investidos no processo de produção. É o caso do vestuário, do calçado, da casa de morada, da viatura de transporte pessoal ou familiar, etc.
62
Cfr. art.º. 97º alínea d) e art.º 99º CRM de 2004 in toto.
63
Cfr. alíneas b) e c) CRM de 2004.
64
No nosso caso concreto. O texto deste art.º é o seguinte. “O Estado reconhece e garante nos termos da lei, o direito à herança”.
65
Cfr. art. 2024º a 2334º CC.
66
Nos termos do art. 6º CCom, as obrigações comerciais são, quanto à substância e aos efeitos, pela lei do lugar onde forem contraídos, salvo convenção em
contrário e, quanto ao modo do seu cumprimento, pela lei do lugar onde este se realizar e, ainda, quanto à forma externa, pela lei do lugar onde forem
celebrados, salvo nos casos em que a lei expressamente ordenar o contrário. Entretanto, os casos que a lei comercial não preveja são, nos termos do art. 7º da
mesma lei, regulados segundo as normas desta lei aplicáveis aos casos análogos e, na sua falta, pelas normas do Direito Civil que não forem contrários aos
princípios do Direito Comercial.
34
No âmbito das relações jurídico-laborais, emergem obrigações tanto para os empregados como para os
empregadores. O regime dessas obrigações em termos de nascimento, modificação, transmissão e extinção
é o constante do Direito das Obrigações. É nisto que consiste a conexão entre o Direito das Obrigações e o
Direito do Trabalho.

No âmbito das relações privadas internacionais nascem obrigações para as partes que são reguladas pelo
Direito das Obrigações do sistema jurídico que as partes tiverem designado ou houverem tido em vista,
conforme resulta do disposto nos arts. 41º e 42º CC67-68. É nisto que consiste a conexão entre o Direito das
Obrigações e o Direito Internacional Privado.

No âmbito dos contratos bancários, o Direito das Obrigações aplica-se às obrigações aí contraídas, tanto
no que se refere ao regime de constituição, como no de modificação, de transmissão e de extinção das
mesmas. A conexão entre estes ramos reside neste facto de as obrigações bancárias serem reguladas pelo
Direito das Obrigações.

O Direito das Obrigações aplica-se às obrigações contraídas no âmbito dos contratos de seguros, tanto no
que se refere ao regime de constituição, como no de modificação, de transmissão e de extinção, situação
que ocorre igualmente relativamente às obrigações contraídas no âmbito dos Valores Mobiliários, tanto no
que se refere ao regime de constituição, como no de modificação, de transmissão e de extinção.

1.7.3. Direito das Obrigações vs. Ramos de Classificação Híbrida


Ao nível dos ramos de classificação híbrida, o Direito das Obrigações relaciona-se mais estritamente com
o Direito Económico e com o Direito Contabilístico e Fiscal.

No quadro dos contratos económicos, há também obrigações cujo tratamento jurídico segue o regime
constante do CC, i. é, do Direito das Obrigações, tanto no que se refere ao regime de constituição, como
no de modificação, de transmissão e de extinção das mesmas. A conexão entre estes ramos reside neste
facto de as obrigações económicas serem reguladas pelo Direito das Obrigações.

A escrituração mercantil encerra, para além de direitos, um conjunto de obrigações. Todas estas
obrigações obedecem ao regime do Direito Civil, enquanto subsidiário do Direito Comercial, quer dizer,
ao regime do Direito das Obrigações, uma vez que a contabilidade é uma actividade comercial. A conexão

67
O texto do art.º 41 é o seguinte: “1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os
respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade
corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito
internacional privado. 2. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei de residência habitual do declarante
e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual
daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração”.
68
O texto do art.º 42 é o seguinte: “1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do
declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.
2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a
lei do lugar da celebração”.
35
entre estes ramos reside neste facto de as obrigações contabilístico-fiscais serem reguladas pelo Direito
das Obrigações.

1.8. Relações com outras Disciplinas Curriculares


Como dissemos, quando apreciado como ramo da Ciência Jurídica, o Direito das Obrigações tem
conexões com os outros ramos da mesma que se ocupam do estudo dos ramos de Direito com que ele tem
conexão enquanto subsistema normativo. Vejamos a seguir.

Antes de abordarmos a problemática das outras Disciplinas dogmáticas, merecem referência em primeiro
lugar, pela sua particularidade, as relações entre o Direito das Obrigações e a Introdução ao Estudo do
Direito, bem como as entre o Direito das Obrigações e a Teoria Geral do Direito Civil.

Como se disse, o estudo do Direito das Obrigações tem uma relação de continuidade e de contiguidade
com o estudo da Introdução ao Estudo do Direito e com o da Teoria Geral do Direito Civil.

Enquanto que a Introdução ao Estudo do Direito sobrevoa todo o sistema jurídico e busca os conceitos
gerais ou comuns nos hemisférios público, privado e híbrido, para os fornecer aos interessados, a Teoria
Geral do Direito Civil é uma abordagem genérica das quatro partes que formam o Direito Civil, segundo a
sistematização germânica, nomeadamente o Direito das Obrigações, o Direito das Coisas, o Direito da
Família e o Direito das Sucessões, sem descurar o Direito das Pessoas, localizado na parte geral do CC,
uma abordagem que abrange também o resto do Direito Privado.

O Direito das Obrigações busca na Introdução ao Estudo do Direito e na Teoria Geral do Direito Civil o
acervo conceitual de que se serve, como por exemplo a estrutura interna e externa da situação jurídica, a
teoria geral do negócio jurídico, a teoria geral do contrato e os princípios gerais do Direito Civil.

Para além destas especiais relações, o Direito das Obrigações tem, enquanto ciência, conexões com as
ciências do Direito Constitucional, do Direito Administrativo, do Direito Fiscal e Aduaneiro, do Direito
das Coisas, do Direito da Família, do Direito das Sucessões, do Direito Internacional Privado, do Direito
Bancário material, do Direito dos Seguros, do Direito Comercial, do Direito de Trabalho e do Direito
Internacional Económico.

36
2. Do Objecto e da Relevância Prática do Direito das Obrigações
2.1. Como Ramo do Direito objectivo
O objecto do Direito das Obrigações pode ser visto em dois planos, nomeadamente o normativo e o
epistemológico. No primeiro verificamos o objecto de regulação e no segundo, o de estudo.

O Direito das Obrigações no prisma normativo é um instrumento de regulação de um determinado


objecto. Esse objecto é todo o comércio jurídico privado ou seja, tudo quanto se refere à colaboração entre
os Homens, com excepção das matérias reservadas ao Direito Comercial, ao Direito Bancário, ao Direito
dos Seguros e ao Direito dos Valores Mobiliários. Para além disso, o Direito das Obrigações fixa as
sanções civis contra condutas ilícitas dos particulares, o que significa que disciplina todos os institutos que
visam compensar os lesados por danos sofridos ou despesas decorrentes de actos ilícitos contra eles.

De todo o exposto resulta constatar que o “âmbito infra-jurídico69” do Direito das Obrigações não
apresenta unidade, é sim diversificado ou heterogéneo, já que abrange matérias situadas em campos
jurídicos distintos, que são unificadas apenas pelo conceito de “obrigação”.

Na verdade, sempre que surge estruturalmente a vinculação de uma pessoa a uma outra à adopção de
determinada conduta, essa situação é potencialmente regulada pelo Direito das Obrigações, o que só não
se verifica se ocorrer a absorção dessa situação por um instituto pertencente a um outro ramo do Direito.

O legislador do CC de 1966, o mesmo que vigora em Portugal e em todos os PALOP, consagrou no seu
Livro II essa diversidade do âmbito infra-jurídico obrigacional, ao sujeitar ao Direito das Obrigações todas
as situações jurídicas70 que: i) provocam alteração na ordenação dos bens, desencadeando a movimentação
dos mesmos de uma esfera jurídica para a outra, como sucede com o contrato de compra e venda, o
contrato de doação e com a transmissão dos direitos reais ou seja, direitos que recaem sobre os bens; ii)
dão lugar à instituição de organizações, como é o caso do contrato de sociedade, que é tratado como forma
comum de associação para a exploração de uma actividade económica sem finalidade lucrativa; iii)
originam o nascimento dos direitos reais de gozo sobre bens alheios, designadamente a locação, na
modalidade de aluguer ou de arrendamento, e o comodato; iv) provocam a transmissão de créditos,
nomeadamente a cessão da posição contratual, a cessão de créditos e a sub-rogação; v) implicam a
transmissão de dívidas, como sejam a cessão da posição contratual, a transmissão singular de dívida ou
assunção de dívida; vi) são modalidades de prestação de serviços como o mandato, o depósito, a
empreitada e o trabalho; vii) atípicas mas praticadas no âmbito da autonomia da vontade e cobertas pela
lei; viii) consubstanciam comportamentos ilícitos dos particulares, sejam eles culposos ou dolosos,
designadamente os que dão lugar à obrigação de indemnizar por danos causados e as que dão lugar à
69
Expressão de MENEZES CORDEIRO, in Direito das Obrigações, cit, p. 13.
70
Seguimos muito de perto o pensamento de MENEZES LEITÃO, in Direito das Obrigações I, cit, pp. 17 e ss.
37
obrigação de indemnizar por danos causados por violação de contratos e ix) originam a responsabilidade
pelo risco e que não tenham natureza sancionatória mas compensatória, como sejam, a compensação por
despesas no âmbito da gestão de negócios e a compensação por enriquecimento sem causa.

Em suma, o Direito das Obrigações regula a circulação de bens, a prestação de serviços e a instituição de
organizações. Para além disso, ele fixa as sanções civis, a indemnização por danos, a compensação pelas
despesas e pelo enriquecimento sem causa. Este é, em síntese, o objecto de regulação deste ramo de
Direito.

2.2. Relevância Prática


Tem interesse demonstrar a importância do Direito das Obrigações na nossa vida. Essa importância é
grande, tanto no plano normativo ou técnico-jurídico, como no científico ou epistemológico.

Pensando no Direito das Obrigações no plano técnico-jurídico, portanto, como segmento normativo ou
subsistema de normas, a sua importância ou relevância prática resume-se no seu objecto de regulação e
traduz-se no que nos diz o Prof. Pessoa Jorge71. Escreveu o ILUSTRE MESTRE, a este respeito, o
seguinte:

“O direito das obrigações constitui, do ponto de vista de aplicação prática, um dos mais importantes
ramos do direito: pode dizer-se que todo o comércio ou tráfico jurídico-privado se faz sob a sua égide.

Com efeito, a circulação jurídica de bens ou serviços, que constitui o tecido da vida social quotidiana,
desenrola-se quase toda sob o signo de contratualidade.

As pessoas, iguais e livres, transmitem entre si esses bens e serviços que vão satisfazer as suas
necessidades recíprocas, através de acordos ou contratos. Ora, a maior parte dos contratos tem efeitos
obrigacionais e é por isso que, tradicionalmente eles são estudados no Direito das Obrigações.

O Direito das sucessões considera restritamente a problemática suscitada pelas transmissões mortis
causa; o direito de família regula a constituição desta, as qualidades decorrentes da situação familiar, as
relações que se estabelecem entre os respectivos membros; o direito das coisas disciplina a forma como
cada um pode gozar os bens que lhe pertencem e tirar deles as respectivas utilidades. Toda a restante
vida jurídico-privada - e, portanto, tudo quanto se refere à cooperação ou colaboração entre os homens -,
cai quase inteiramente sob a alçada do direito das obrigações”.

Desta explanação do Prof. Pessoa Jorge infere-se que o Direito das Obrigações é relevante do ponto de
vista prático porque harmoniza a colaboração entre os homens, restabelece a justiça através do

71
Sic – Cfr. Direito das Obrigações, cit, pp. 9 e 10
38
sancionamento das condutas ilícitas dos particulares, no caso de lesão dos interesses e direitos de outros
particulares.

Em razão desta heterogeneidade substancial do seu objecto, o Direito das Obrigações torna-se o ramo de
Direito com mais conexões com todos os demais e que mais influência exerce sobre esses demais, sejam
eles do Direito Público, como sucede com o Direito Constitucional, o Direito Administrativo e o Direito
Fiscal, sejam eles do Direito Privado, como sucede com o Direito Comercial, o Direito Bancário Material,
o Direito dos Seguros e o Direito dos Valores Mobiliários, por exemplo.

2.3. Como Disciplina Curricular ou Ciência


Para além do objecto de regulação desenhado acima, o Direito da Obrigações, quando visto como
Disciplina juscientífica e dogmática, tem um objecto de estudo, que cumpre indicar, aqui e agora.

O objecto de estudo do Direito das Obrigações são as normas jurídicas reguladoras das situações jurídico-
obrigacionais. Ele estuda-as com o propósito de fazer a elaboração sistemática dos elementos ou soluções
que são facultados por aquelas mesmas normas.

Significa isto que no plano académico, o Direito das Obrigações apresenta-se como Disciplina
juscientífica ou ramo da ciência jurídica que se ocupa do estudo daquelas normas jurídicas reguladoras das
obrigações do ponto de vista da sua constituição, modificação, transmissão e extinção. O Direito das
Obrigações estuda, pois, o Direito das Obrigações.

2.4. Relevância Prática


Pensando no Direito das Obrigações como área do conhecimento ou do saber jurídico, é possível também
vislumbrar a sua importância ou relevância prática. E esta sua importância como Ciência Jurídica decorre
da extensão do seu objecto de regulação enquanto ordenamento normativo.

Na verdade, desde a antiguidade até hoje, o Direito das Obrigações recebeu um tratamento científico
altamente apurado, que o torna um campo privilegiado para uma investigação dogmática mais avançada.
Esse elevado grau de tratamento científico e a própria índole fortemente lógica deste ramo da Ciência do
Direito, torna o seu estudo especialmente adequado para uma boa formação jurídica, porque facilita a
compreensão dos outros ramos da Ciência Jurídica, daí que se qualifica como o núcleo central da
formação jurídica.

Explicitando, em jeito de resumo, podemos dizer que o Direito das Obrigações é, enquanto Ciência,
importante porque: i) o seu elevado grau de tratamento científico permite e facilita uma investigação
juscientífica e dogmática mais avançada; ii) desempenha o papel-chave na formação do jurista,
configurando-se então como núcleo central dessa formação, pela influência que exerce noutros ramos da
39
Ciência Jurídica, tanto da área pública como da privada e até da híbrida, em razão da influência que ele,
enquanto ramo de Direito, exerce noutros ramos de Direito correspondentes a essas áreas do saber
jurídico; iii) em razão e em decorrência do exposto, o Direito das Obrigações, porque assenta numa
técnica ou tratamento cientifico muito apurado, facilita a compreensão dos outros ramos da ciência
jurídica.

Chegados aqui, resta-nos dizer que o objecto do Direito das Obrigações enquanto acervo normativo ou
subsistema de regras, é diferente do seu objecto enquanto ramo da Ciência Jurídica. Do mesmo modo, a
sua importância ou relevância prática como acervo normativo ou subsistema de normas, concretamente
sub-ramo do Direito Civil, é diferente da sua importância ou relevância prática enquanto Disciplina
juscientífica e dogmática ou seja, como ramo da Ciência do Direito.

40
3. Das Fontes do Direito das Obrigações
3.1. Acepções da Expressão
Do título deste capítulo aqui expresso, resulta clarificado que a expressão “Direito das Obrigações” está
empregue no sentido normativo ou técnico-jurídico, significando portanto “ramo de Direito”72.

Com a abordagem desta temática das fontes, pretendemos saber como se formam as regras jurídicas73 que
integram este ramo de Direito: o Direito das Obrigações.

Como todos sabemos, é ponto assente na doutrina que o Direito nasce de determinados modos dentro da
sociedade, modos esses usualmente designados “fontes do Direito”.

Também todos sabemos que a expressão “fontes do Direito” admite uma pluralidade de sentidos74,
portanto está dotada de uma larga densidade semântica, podendo por isso o seu estudo ser realizado sob
uma diversidade de pontos de vista, segundo os objectivos que se perseguem ou que se têm em vista.

É evidente que no contexto do Direito das Obrigações falamos de fontes deste ramo de Direito e não de
fontes do Direito em geral. Assim, a expressão “fontes do Direito das Obrigações”, à semelhança da de
“fontes do Direito”, comporta os sentidos filosófico, orgânico ou político, sociológico, histórico ou
material, instrumental e formal.

Naturalmente que para os objectivos do nosso estudo, não são chamados à colação todos os sentidos que a
expressão admite75, interessando-nos apenas, dentre todos eles, o seu sentido formal, segundo o qual, as
fontes do Direito das Obrigações são os modos de formação e de revelação das regras jurídico-
obrigacionais. Significa isso que fontes do Direito das Obrigações são as formas de exteriorização e de
manifestação das regras desse ramo de Direito, i. é, os modos pelos quais as normas do Direito das
Obrigações vêm à tona da vida para compôr o subsistema jurídico-obrigacional76.

72
Tem interesse revisitar as obras de Introdução ao Estudo do Direito que tratam da divisão do Direito, para relembrar os critérios, os hemisférios, os ramos do
Direito Público, os ramos do Direito Privado e os ramos de classificação híbrida. Este exercício é eternamente necessário, pela importância de que se reveste
esta matéria em toda a formação jurídica e na vida prática, no processo da aplicação do Direito, qualquer que seja a saída profissional escolhida.
73
Sobre a noção, a estrutura e a tipologia de regras jurídicas, vide qualquer manual de Introdução ao Estudo do Direito, particularmente os indicados na nota
que se segue.
74
Tem interesse relembrar as fontes do Direito em sentido filosófico, em sentido político ou orgânico, em sentido instrumental, em sentido sociológico,
material ou histórico. Sobre esta temática das fontes de Direito, recomenda-se revisitar manuais de Introdução ao Estudo do Direito, dentre os quais
salientamos, pela sua relevância, os dos seguintes autores: JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral, cit, pp. 45, 239 e ss, 571;
MARIA LUÍSA DUARTE, Introdução ao Estudo do Direito: sumários desenvolvidos, AAFDL, 2003, pp. 161 e ss; JOHN GILISSEN, Introdução Histórica ao
Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986, pp. 25 e 413 e ss; JOSE DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, Lisboa, 1994,
pp.79 e ss; MIGUEL REALE, Lições Preliminares de Direito, cit, pp. 139 e ss e 155 e ss. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Introdução ao Estudo do Direito,
Vol I, 11ª edição, 2001, pp. 61 e ss e 230 e ss; GERMANO MARQUES DA SILVA, Introdução ao Estudo do Direito, Universidade Católica, 3ª edição,
Lisboa, 2009, pp. 86 e ss. ANTÓNIO MARIA M. PINHO TORRES, Introdução ao Estudo do Direito, Editora Rei dos Livros, 1998, pp. 41 e ss; LUÍS
CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil, cit, p. 81; MANUEL DE SOUSA DAS NEVES PEREIRA, Introdução ao Direito e as Obrigações,
Almedina, 1ª edição, 1992, pp. 93 e ss. MANUEL DE SOUSA DAS NEVES PEREIRA, Introdução ao Direito e as Obrigações, Almedina, 2ª edição, 2001,
pp. 87 e ss; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, 1994, Lisboa, pp. 77 e ss.
75
No plano filosófico, a expressão refere-se aos sistemas ideológicos e de pensamento que servem de base para a produção normativa. No plano orgânico, a
expressão refere-se aos órgãos do Estado com competência normativa e legislativa. No plano sociológico, histórico ou material, a expressão refere-se à ocasio
legis, i.é, ao circunstancialismo politico, económico, social ou outro que rodeou a produção de determinados instrumentos normativos e influenciou o legislador
nesse sentido e na respectiva aprovação. No plano instrumental, a expressão refere-se aos meios físicos em que se encontram impressas as leis.
76
Cfr. R. LIMONGI FRANÇA, op cit, p. 9.
41
Com o estudo das fontes do Direito das Obrigações pretendemos, pois, saber quais os modos de formação
e de revelação das regras jurídico-obrigacionais.

Como questão prévia, tem interesse esclarecer que nos sistemas jurídicos anglo-saxónicos77, não existe a
categoria geral de “Direito das Obrigações”, encontrando-se a respectiva matéria desdobrada em
“contratos” e “responsabilidade civil”78.

Por impossibilidade de acesso às fontes sobre a matéria, não nos pronunciamos sobre fontes do Direito das
Obrigações, se é que este e aquelas existem no sistema muçulmano e nos sistemas jurídicos residuais.
Deste modo, este estudo das fontes do Direito das Obrigações circunscreve-se tão-só ao sistema jurídico
moçambicano, com alguma referência casuística a outros sistemas de base romanística.

3.2. Tipologia
A enumeração e o estudo das fontes do Direito das Obrigações passa necessariamente pela visualização
das fontes comuns do Direito, sabido que o Direito das Obrigações é um segmento do Direito em geral,
daí que em atenção a isso, vamos começar deste ponto.

No elenco das fontes tradicionais79 do Direito, – que são as comuns a todos os seus ramos –, constam a lei,
o costume, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito. Cumpre explicitar cada uma
destas fontes, a começar naturalmente pela lei.

O termo “lei” é semanticamente denso no quadro da Ciência Jurídica, mas vamos nos cingir ao seu sentido
que releva para o propósito em vista no contexto das fontes normativas. Assim, quando tomado ou
entendido neste contexto de fontes do Direito das Obrigações, ele abrange a Constituição da República de
2004, o Código Civil de 1966, a Legislação avulsa ou extravagante que completa ou altera este Código e
os Tratados internacionais.

É pertinente justificar porquê e em que medida estes instrumentos normativos se assumem como fontes do
Direito das Obrigações.

3.3. Constituição da República


O que significa que a Constituição80 é fonte do Direito das Obrigações”? Significa que, como Lei
Fundamental do Estado, a Constituição é o coração do sistema jurídico e neste sentido, todas as leis

77
Onde, em regra, o Direito não é codificado e está extrapolado por decisões judiciais que têm uma influência enorme na sua estratificação.
78
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, Vol. I, op cit, p. 24. No mesmo sentido, RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, Coimbra,
1975, pp. 20 e ss. Igualmente RENÉ DAVID, Les Contrats en Droit Anglais, Paris, 1973, apud RUI DE ALARCÃO, op cit, p. 21, nota 1.
79
Por contraposição às fontes modernas, que surgem em determinados ramos, como o Direito Económico.
80
Sobre a noção, a importância, a caracterização e a tipologia da Constituição, vide JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, Tomo II, 3ª edição,
Reimpressão, Coimbra, Almedina, 1996, p. 7 e ss; do mesmo autor, Direito Constitucional, Coimbra Editora, 2008, 3ª ed., Tomo VI, toda a obra. No mesmo
sentido, FERNANDO LOUREIRO BASTOS, Ciência Política, Guia de Estudo, Vol I, AAFDL, 1999, p. 119; MARCELO CAETANO, Manual de Ciência
Política e Direito Constitucional, Tomo I, Almedina, Coimbra, 1996, 6ª edição, pp. 178 e ss; ADRIANO MOREIRA, Ciência Política, 7ª Reimpressão,
Almedina, Coimbra, 2003, pp, 129 e ss.
42
ordinárias devem dispor em conformidade com ela, sob pena da consequente invalidade81 e ineficácia
desta, em razão da inconstitucionalidade82 daí decorrente.

Dizer que a Constituição é fonte do Direito das Obrigações significa que o subsistema das normas
jurídicas que formam o Direito das Obrigações, como lei ordinária, deve conformar-se religiosamente com
os princípios dessa Constituição, porque é essa conformidade que condiciona a sua validade e a sua
eficácia. Deste modo, o subsistema das normas jurídicas que formam o Direito das Obrigações deve
conformar-se com os princípios políticos e patrimoniais constitucionais, pressuposto de que decorrerá a
sua validade e, por conseguinte, a respectiva eficácia. Esta é a razão que justifica o facto de a Constituição
se situar no topo da pirâmide nacional das fontes do Direito das Obrigações.

Com efeito, da natureza patrimonial privada do Direito das Obrigações resulta a sua sujeição ao conjunto
de normas e princípios que regulam as situações jurídico-privadas de conteúdo económico e que estão
contidos na Constituição do respectivo país.

No nosso caso, a Constituição moçambicana de 2004 é fonte do nosso Direito das Obrigações, porque ela
consagra os princípios directores do nosso Direito patrimonial privado e, desse modo, também do Direito
das Obrigações, quais sejam: i) o princípio da liberdade, consagrado no seu art. 11º al f); ii) o princípio da
igualdade, consagrado nos seus arts. 11º, al. e), 35º e 36º; iii) o princípio da propriedade privada,
consagrado no seu art. 82º, n.º 1; iv) o princípio da excepcionalidade das expropriações, consagrado nos
seus arts. 82º, n.º 2 e 99º e v) o princípio da propriedade do Estado sobre a terra, consagrado nos seus arts.
109º, n.º 2º e 111º, bem como os efeitos dele decorrentes.

São estes princípios que as normas jurídico-obrigacionais que formam a Constituição patrimonial83
privada moçambicana e são comuns ao Direito das Obrigações, aos Direitos Reais, ao Direito Comercial e
ao Direito das Sucessões84. São estes princípios a que as normas jurídico-obrigacionais devem obediência,
sob pena de inconstitucionalidade, invalidade e ineficácia em caso contrário.

Como sucedeu com a de 197585 e com a de 199086, esta Constituição de 2004 não autonomiza no seu
texto, – no quadro da regulamentação dos direitos económicos dos particulares –, as diversas formas e

81
Sobre a problemática da invalidade das leis, vide JOSÉ DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, cit, pp. 117 e ss; MARCELO REBELO DE
SOUSA, Introdução ao Estudo do Direito, cit, pp. 123 e ss; JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, op cit, p. 1055.
82
Sobre a problemática da inconstitucionalidade, vide JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, Coimbra Editora, 2008, 3ª ed., Tomo VI, toda a obra. No
mesmo sentido, vide JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, Tomo II, 3ª ed., Reimpressão, 1996, toda a obra; JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO,
Direito Constitucional, 5ª ed., 1992, p. 1055; MARCELO CAETANO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, cit, pp. 178 e ss.
83
Sobre o conceito de Constituição Económica, vide MENEZES CORDEIRO, Direito da Economia, 1994, 3ª Reimpressão, pp. 137 e ss. No mesmo sentido,
EDUARDO PAZ FERREIRA, Lições do Direito da Economia, Reimpressão, AAFDL, Lisboa, 2001, pp. 57 e ss; Igualmente, ANTÓNIO CARLOS DOS
SANTOS et all, Direito Económico, 5ª ed., Almedina, pp. 31 e ss; ANTÓNIO SOUSA FRANCO, Noções de Direito da Economia, vol. I, AAFDL, Lisboa,
1982/83, pp. 67 e ss; GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS, Constituição Económica, vol. I, AAFDL, Lisboa, 1983/84, toda a obra. LUÍS CABRAL DE
MONCADA, Direito Económico, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 91.
84
Entre outros, os arts. 11º al. e), 11º al f), 35º, 99º, 109º, n.º 2, 110º e 111º da Constituição de 2004.
85
Tem interesse revisitar esta Constituição para efeitos de estudo comparado. Pode ser encontrada no vol. II, da Principal Legislação, editada em 1978,
Localizável nas Bibliotecas do Tribunal Supremo, do Ministério da Justiça e do Ministério da Administração Estatal e Função Pública.
86
Tem interesse revisitar também esta Constituição, para efeitos de estudo comparado com a de 2004.
43
técnicas de tratar as situações jurídico-patrimoniais privadas, pelo que não existe no seu articulado uma
referência específica às situações jurídico-obrigacionais. Mas não se pode com isso concluir que esta
Constituição não é fonte do nosso Direito das Obrigações só porque nela não existe a consagração
expressa das tais situações jurídico-obrigacionais. Ela é fonte sim porque é a matriz do nosso sistema
jurídico ou seja, ela contém os princípios directores do Direito Privado, – de que o Direito das Obrigações
é segmento –, princípios esses que formam a nossa Constituição patrimonial privada, i. é, a Constituição
patrimonial privada moçambicana.

Para além da Constituição de 2004, que é fonte primeira do Direito das Obrigações e de qualquer outro
ramo do nosso Direito, porque é coluna vertebral do nosso sistema jurídico, já que, contém os princípios
maiores da organização desse nosso sistema, existe uma lei ordinária que é também fonte do Direito das
Obrigações porque contém uma regulação específica das situações jurídico-obrigacionais: o CC de 1966.

Vejamos a seguir em que medida o é, e que relação tem com a Constituição de 2004, na qualidade de
fontes do Direito das Obrigações.

3.4. Código Civil


O que significa que o CC é fonte do Direito das Obrigações, no nosso caso específico87?

Para esclarecer esta questão, precisamos de passar em revista a origem deste nosso CC e clarificar o
processo da sua moçambicanização, sabido que, do ponto de vista da sua elaboração, é produto português.
Segue-se então esse desenvolvimento histórico.

O movimento de codificação88 que se afirmou no princípio do séc. XIX na Europa, como produto das
revoluções liberais, conduziu, no quadro da Família Jurídica Romanística89, à formação de duas linhas de
técnicas diferentes de versar o Direito Civil, expressas nos modelos ou matrizes de sistematização
adoptados. Ei-las:
 Por um lado a civilística francesa, napoleónica ou gaulesa, também designada latina, que tomou a
obrigação como forma essencial de aquisição da propriedade, daí que se centrou em torno do
contrato. Partindo então do binómio “pessoa-propriedade” como seu conceito-quadro, a França
construiu a sua linha de codificação estruturando o respectivo CC em 03 (três) Livros90.

87
Assim nos exprimimos porque este Código é igualmente fonte do Direito das Obrigações em Portugal e em qualquer um dos PALOP.
88
Sobre esta matéria, maiores desenvolvimentos em JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral, cit., pp. 351 e ss; No mesmo
sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA, Introdução ao Estudo do Direito, cit, pp. 318 e ss; MENEZES CORDEIRO, Teoria Geral do Direito Civil, cit, pp.
53 e ss e, 108º e ss.
89
Os sistemas jurídicos da Família Anglo-Saxónica, da Família Muçulmana e os do extremo oriental, bem como os marxistas-leninistas têm características
diferentes entre si e também diferentes das do sistema romano-germânico. Este último sistema, sob o ponto de vista da codificação, desdobra-se em duas linhas,
nomeadamente a linha latina, encabeçada pela França, e a linha germânica, encabeçada pela Alemanha.
90
É a seguinte a estrutura do CC. Francês: … Alguns dos países que seguem a linha de codificação francesa: Bélgica, Espanha e todos os países sul-americanos
de expressão castelhana ou espanhola, bem como todos os países africanos de expressão francesa. Sobre esta matéria, maiores desenvolvimentos em DÁRIO
MOURA VICENTE, Direito Comparado, vol. I, cit, pp. 95 e ss.
44
 Por outro, a civilística germânica ou alemã, também designada pandectística, que desenvolveu
como seu conceito-quadro a “relação jurídica” e concebeu também a sua própria linha de
codificação estruturando o seu BGB91 em 5 Livros92, no qual, tomando a obrigação como aspecto
essencial da situação jurídico-obrigacional, tratou da relação jurídica desde a sua génese ou
constituição até à sua extinção, passando obviamente pelo seu conteúdo, pela sua modificação e
pela sua transmissão.

O CC francês de 1804 e o alemão de 1896 ou 190093, ambos da Família Jurídica Romano-Germânica, são
as expressões legislativas mais emblemáticas destas duas linhas de codificação.

Neste processo de codificação do Direito, Portugal inspirou-se inicialmente na matriz francesa, para a
concepção e elaboração do seu CC de 1867, mas veio depois adoptar o modelo alemão, na concepção e
elaboração do CC de 1966, divorciando-se assim da matriz gaulesa, daí em diante, em todo o seu Direito
em geral e na sistematização deste seu Código Civil em particular.

Em consequência do seu passado de colónia portuguesa, Moçambique adoptou como seu CC94 este CC
Português de 1966, o qual está, como dissemos, assente na matriz germânica de codificação, que coloca as
normas jurídico-obrigacionais em Livro próprio e autónomo, dedicado às obrigações, diferentemente do
que sucede com os Códigos da linha napoleónica, francesa ou gaulesa. Assim se tornou moçambicano o
CC de 1966, assim nasceu o CC moçambicano actualmente vigente.

Esclarecida a questão da origem do CC de 1966 e a da sua moçambicanização, podemos já resolver o


problema antes suscitado: o de saber o que significa que o CC de 1966 é fonte do nosso Direito das
Obrigações.

Isso significa que as normas jurídico-obrigacionais que constam do referido CC formam o nosso Direito
das Obrigações. Mas o CC de 1966 não é fonte do Direito das Obrigações como o são as outras, ele é a
fonte principal porque contém no Livro II, o acervo normativo que regula especificamente as situações
jurídico-obrigacionais, por contraposição à Constituição, que é a fonte primeira na medida em que esta

91
Designação do CC. alemão.
92
Alguns dos países que seguem a linha de codificação germânica ou alemã são: Suíça, Áustria, Portugal, Brasil e todos os países africanos e asiáticos de
expressão portuguesa. Sobre esta matéria, maiores desenvolvimentos em DÁRIO MOURA VICENTE, Direito Comparado, cit., pp. 95 e ss, para além das pp.
416 a 419.
93
Os autores não são unânimes na indicação do ano deste Código, daí o não se saber ao certo se é de 1896 ou de 1900.
94
A formação dos sistemas jurídicos de países que ascendem à independência começa sempre com a recepção da totalidade ou parte da ordem jurídica até então
localmente vigente, ou transplante das ordens jurídicas estrangeiras, actuais ou passadas. Daí que Moçambique, ao ascender à independência, tenha recebido o
Direito português que o regia antes. Assim, o CC moçambicano hoje é o CC português de 1966, que se tornou nosso, i. é, moçambicano, por força do princípio
da recepção automática contido na CRPM, segundo o qual, toda a legislação anterior no que for contrário à Constituição fica automaticamente revogada. A
legislação anterior no que não for contrário à Constituição mantém-se em vigor até que seja modificada ou revogada. Sobre esta problemática da evolução dos
sistemas jurídicos através de fenómenos de recepção ou transplante de ordens jurídicas estrangeiras, vide DÁRIO MOURA VICENTE, O lugar dos Sistemas
Jurídicos lusófonos entre as Famílias Jurídicas, in Homenagem ao Prof. Doutor MARTIN DE ALBURQUERQUE, Vol. I, pp. 403 e 404 e a Bibliografia aí
citada.
45
consagra os princípios maiores de todo o sistema, com os quais o Direito das Obrigações deve conformar-
se.

Portanto, o CC moçambicano é fonte do nosso Direito das Obrigações porque contém o principal acervo
normativo que regula as relações jurídico-obrigacionais no país, ou ainda, porque contém o núcleo
normativo mais significativo para a regulação das relações jurídico-obrigacionais, constituído pelo seu
Livro II95.

Para além do CC que é fonte principal do Direito das Obrigações porque contém a regulação específica
das situações jurídico-obrigacionais, existe uma outra fonte, a legislação avulsa, que complementa ou
altera este Código. Vejamos a seguir em que medida ela o é.

3.5. Legislação Avulsa


O que significa que a legislação avulsa ou complementar é fonte do Direito das Obrigações e qual é a
legislação que tem esse valor? Significa que essa legislação contém algumas regras ou normas de
conteúdo obrigacional ou seja, contém algumas normas jurídico-obrigacionais.

É evidente que não é toda a legislação extravagante ou avulsa que é fonte do Direito das Obrigações, só
aquela que contém dispositivos de conteúdo obrigacional. No nosso caso concreto, a legislação
complementar que é fonte do Direito das Obrigações é, por enquanto, a seguinte: i) Lei do Consumidor; ii)
Lei de Trabalho; iii) Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; iv) Lei do Inquilinato
(Decreto n.º 43 525, de 7 de Março); v) Lei das Associações (Lei n.º 8/91, de 18 de Julho); vi) Lei das
Águas (Lei n.º 16/92, de 3 de Agosto); vii) Lei do Divórcio (Lei n.º 8/92, de 6 de Maio); viii) Lei de
Terras (Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro); ix) Lei do Ambiente (Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro); x) Lei de
Energia (Lei n.º 21/97, de 1 de Outubro); xi) Regulamento da Lei de Terras (Decreto n.º 66/98, de 8 de
Dezembro); xii) Lei de Florestas (Lei n.º 10/99, de 7 de Julho); xiii) Lei de Minas (Lei n.º 14/2002, de 26
de Junho).

Para além da legislação avulsa que complementa ou altera o CC, que é fonte do Direito das Obrigações,
existem outros instrumentos normativos que também o são: referimo-nos aos tratados internacionais.
Vejamos a seguir em que medida o são.

95
Embora seja este o Livro reservado ao Direito das Obrigações, encontram-se preceitos com relevância obrigacional noutros Livros do CC, como sejam o I e o
III.
46
3.6. Tratados Internacionais
O que significa que os Tratados Internacionais são fontes do Direito das Obrigações?
Para resolver esta questão, é pertinente clarificar a partida o conceito de “tratado internacional” e
explicitar como é que ele, sendo Direito Internacional ingressa na nossa Ordem Jurídica, para chegar a
servir de fonte do Direito.

Os tratados internacionais são acordos entre Estados sobre determinadas matérias. Tendo em conta o
número de Estados e/ou Organizações internacionais intervenientes na sua celebração, os tratados
internacionais96 podem ser bilaterais ou multilaterais e, ainda, de carácter regional ou universal. São
bilaterais os celebrados entre dois sujeitos do Direito internacional e multilaterais os celebrados entre mais
de dois sujeitos. São regionais os celebrados entre sujeitos da mesma região e universais os celebrados
entre sujeitos de diferentes partes do mundo.

A eficácia destes tratados na ordem jurídica de cada Estado pressupõe a sua ratificação, que é o acto
normativo pelo qual se admite o ingresso de um certo instrumento normativo numa certa ordem jurídica, i.
é, é o acto de legitimação. Uma vez ratificados pelos órgãos competentes de cada Estado, nos países
signatários, os tratados internacionais são legitimados ou seja, ingressam na ordem jurídica interna de cada
um desses Estados e passam a vincular. Neste sentido, tornam-se fontes do Direito e, portanto, do Direito
das Obrigações se contiverem normas de conteúdo obrigacional.

Portanto, no caso específico do Direito das Obrigações, os tratados internacionais só se tornam sua fonte
caso contenham regras ou preceitos que intervêm na constituição, na modificação, na transmissão e na
extinção das obrigações.

Do elenco das fontes tradicionais do Direito consta o costume como uma delas. Será-o igualmente do
Direito das Obrigações? Vejamos a seguir.

3.7. Costume
3.7.1. Razão de ordem
Na Família Jurídica Romano-Germânica, as fontes tradicionais do Direito são a lei, o costume, a
jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito. Portanto, o costume é, em tese geral, uma
fonte de Direito nesta Família.

Tem interesse para a compreensão da relevância ou não do uso do costume como fonte do Direito das
Obrigações em Moçambique, passar em revista a sua história, nomeadamente a etimologia da palavra, os

96
Acreditamos que a integração regional está a dar origem a outras fontes internacionais, dentre as quais se destaca o Direito Comunitário da SADC, em
formação. Sobre o conceito de “tratado internacional”, maiores desenvolvimentos em manuais de Direito Internacional Público, Direito da Integração Regional
e Direito Comunitário, para os quais fazemos a necessária remissão.
47
elementos estruturais, a sua noção, as suas modalidades, as suas relações com a lei e os fundamentos da
sua obrigatoriedade, na altura em que se torna fonte.

Posteriormente, para percebermos se em Moçambique ele é ou não fonte do Direito em geral e do das
Obrigações em particular, teremos de revisitar a história normativa deste país antes da Conferência de
Berlim, em 1884-8597, para compreender o papel que o costume jogava no Direito das populações de
origem bantu, até então assente nos seus usos e costumes98.

Revisitaremos também essa história no período em que ocorreu o processo da ocupação efectiva, para
compreendermos o papel que passou a jogar face à introdução do Direito escrito dos então ocupantes.

Teremos ainda de efectuar essa visita no período compreendido entre 1975 e 2004, para nos apercebermos
do ambiente conflituoso que existiu entre o costume e os valores da Revolução.

Vamos finalmente olhar para a nossa actualidade, i. é, de 2004 até hoje, para nos apercebermos do
abrandamento desse conflito e do ressurgimento do costume na normação da vida social. Vejamos a
seguir.

3.7.2. Etimologia da palavra


A palavra “costume” deriva do latim consuetudo99, que significa o que se estabelece por força do uso e do
hábito ou seja, a manifestação consciente e instintiva da vontade social, repetida tacitamente100 como lei
não escrita e que integra, com a lei escrita, o Direito positivo.

Com o tempo, o termo evoluiu do ponto de vista semântico, de tal modo que hoje é usado num dos
seguintes sentidos: i) costume como regra consuetudinária, por exemplo, o rito de iniciação em
Moçambique, o lobolo na África Austral e o direito de primogenitura na Idade Média, na Europa; ii)
costume como conjunto de regras consuetudinárias aplicadas a um grupo social, por exemplo o costume
dos chope, o costume dos nhanjas, o costume dos macuas, o costume dos macondes 101; iii) costume como
conjunto de regras consuetudinárias que se praticam num certo território, por exemplo o costume francês,
o costume português, o costume moçambicano; iv) costume como fonte de Direito, por oposição à lei
estadual, tanto nos Direitos romanísticos como nos anglo-saxónicos e noutros sistemas.

97
A Conferência de Berlim, realizada entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Janeiro de 1885 envolveu 15 países, para discutir e realizar a partilha de África.
98
Sobre o Direito Bantu, maiores desenvolvimentos em HENRIQUE A JUNOD, Usos e Costumes dos Bantos, Tomo I, 2ª ed., Imprensa Nacional de
Moçambique, 1974. No mesmo sentido, BASIL DAVIDSON, Revelando a Velha África, 2ª ed., Prelo, Lisboa, 1977, pp. 237 a 244.
99
Este entendimento não é unânime na doutrina, pois, há quem defenda que o termo “costume” nasceu do francês medieval costudne, costumme, coutume,
coustume, ou do italiano costume. Mas como todas estas línguas provém do Latim, entendemos que a origem deste termo é latina, daí a nossa indicação de que
o termo provém de consuetudo.
100
Cfr. Dicionário Jurídico, Academia Brasileira de Letras Jurídicas, 2ª ed. Revista e Actualizada, p. 153. No mesmo sentido, JOHN GILISSEN, Introdução
histórica ao Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986, p. 250.
101
Povos de Moçambique.
48
Todos estes sentidos reconduzem-se a leis, que são justamente aquelas em que o termo é basicamente
usado para designar tanto a conduta que é um dos modos de formação de regras, como as próprias normas
ou regras nascidas por via dessa conduta ou desse modo. No primeiro caso, falamos em costume-facto e,
no segundo, em costume-norma.

Portanto, existem basicamente, dois sentidos da palavra costume: por um lado, o que se reporta ao
comportamento uniforme, duradoiro, constante e generalizado de pessoas numa sociedade, i. é, o costume-
facto e, por outro, o que se reporta à regra social obrigatória e não escrita, que nasceu desse
comportamento generalizado, i. é, a regra ou o costume-norma.

Decorre desta dupla acepção da palavra “costume”, a ilação de que o seu sentido exacto, em cada discurso
escrito ou oral em que ele é empregue, depende do respectivo contexto frasal, podendo então significar,
num caso a conduta das pessoas de per se e, noutro, a regra desta derivada102 ou ainda, residualmente, um
dos sentidos antes reportados.

3.7.3. Elementos Estruturais


Quer em Moçambique, quer no resto do mundo, a doutrina jurídica é unânime em elencar dois aspectos
como elementos integrantes do costume, a saber: o corpus e o ânimus.

Para além de ser um elemento de natureza objectiva ou material, que é também chamado consuetudo ou
uso, o corpus consiste numa prática social reiterada de um comportamento103 constante e uniforme das
pessoas numa dada sociedade, por um período mais ou menos longo.

Diferentemente, o ânimus é a convicção generalizada da obrigatoriedade de se adoptar uma certa conduta


ou comportamento, enquanto representativo de valores essenciais da sociedade104, dai que é um elemento
de natureza subjectiva ou psicológica. Ele concretiza-se no sentimento generalizado de que uma tal
conduta é socialmente exigível, é um imperativo categórico, isto é, a convicção plena de que adopta-se
uma certa conduta porque deve-se adoptar, e não porque simplesmente se queira adoptar, ou porque dessa
adopção se retira alguma vantagem.

O corpus, desacompanhado do ânimus não forma o costume, do mesmo modo que o ânimus, por si só, não
pode formar o costume. Quer isto dizer que a norma costumeira ou consuetudinária só existe se estes dois
elementos estruturais co-existirem, pelo que só se fala de costume como norma no momento e na medida

102
Sobre a distinção entre costume-facto e costume-norma, vide OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral, 11ª ed., Almedina, 2001, p.
250. No mesmo sentido, JOSÉ DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., Lisboa, 1994, p. 91.
103
O uso objectivo, de acordo com a expressão longi temporis praescriptio.
104
De acordo com a expressão opinio juris vel necessatis.
49
em que o corpus e o ânimus surgem conjuntamente e numa interligação dinâmica, como unidade
dialéctica de nascimento e de existência105.

3.7.4. Noção ou ideia geral


A noção de “costume”, entendido este como regra, deve ser construída a partir da sua estrutura, isto é, da
realidade social comportamental a que chamamos também costume.

Ora, a existência de um costume depende da verificação cumulativa, numa dada sociedade, de dois
fenómenos. Um dos fenómenos é uma conduta que se deve verificar regularmente ou seja, uma prática
social que se deve repetir continuamente, com base na qual as pessoas criam expectativas em relação ao
comportamento de outras. Esta conduta designa-se uso, consuetudo ou corpus. Outro fenómeno é a
convicção generalizada das pessoas, nessa sociedade, de que a adopção daquela conduta é vinculativa ou
seja, é obrigatória. A esta convicção se designa ânimus.

O costume não se confunde com o uso, pois, este último é uma mera prática social ou regularidade
comportamental que não é acompanhada da convicção de obrigatoriedade, porque quando essa prática é
acompanhada deste ânimus ou seja, desta convicção de obrigatoriedade ou vinculatividade, temos então
um costume. Quer dizer, quando as pessoas comportam-se de uma determinada maneira sem que o façam
por estarem convictas da obrigatoriedade desse comportamento, temos apenas os usos. Diferentemente,
quando se comportam de uma certa maneira com esta convicção de obrigatoriedade, estamos em presença
do costume enquanto regra.

Assim, para se falar do costume, é preciso que a prática reiterada e constante de uma certa conduta,
relativamente a alguma matéria se associe a uma convicção de obrigatoriedade. O costume compreende,
deste modo, o elemento material, – que é o uso –, e o elemento psicológico, que é a convicção de que o
comportamento adoptado é, de facto, obrigatório.

Decorre daqui o entendimento de que o costume, enquanto facto, é fonte do Direito mas enquanto regra,
ele é também o próprio Direito, mas não produto de um legislador. O costume foi a primeira manifestação
da ética de todos os povos, a expressão genuína da consciência de uma sociedade, a base de todos os
“direitos primitivos” enquanto não tivessem órgãos especializados para a elaboração do Direito106.

105
Sobre a distinção e a conexão entre corpus e ânimus, vide OLIVEIRA ASCENSÃO, op cit, p. 249. No mesmo sentido, M.S.D NEVES PERREIRA,
Introdução ao Direito e às obrigações, Almedina, Coimbra, 1992, p.98. No mesmo sentido, ainda J. SILVA CUNHA, Direito Internaciona Público:
Introdução e Fontes, 5ª ed., 1991, p. 245. Finalmente, ALBINO AZEVEDO SOARES, Lições de Direito Internacional Público, Coimbra Editora, Limitada
1988, pp. 112 e ss.
106
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O Costume, in Pólis Enciclopédia Verbo, da Sociedade e do Estado vol. I, p. 1348.
50
3.7.5. Modalidades
A evolução histórica do costume no plano mundial, depois, continental, nacional e local, deu lugar à
formação de diferentes modalidades do mesmo.

É importante apresentar essas modalidades existentes no mundo, para podermos compreender como se
acolhem, sob uma designação comum, realidades de estrutura, sentido e alcance muito variados.

Para identificar essas modalidades de costume podemos nos servir dos seguintes critérios: i) o do seu
âmbito espacial ou territorial de eficácia; ii) o do seu âmbito de aplicação; iii) o da natureza do Direito de
que ele serve de fonte e iv) o do modo da sua formação.

Atendendo ao critério do seu âmbito espacial ou territorial de eficácia, temos as modalidades de costume
internacional, costume transnacional e costume interno ou nacional.

O costume internacional é o que se manifesta em muitas partes do mundo, o que é mundialmente


reconhecido e é, por isso, fonte do Direito Internacional, porque ocorre no espaço de várias ordens
jurídicas estaduais. O costume tem, pois, relevância no Direito Internacional Público comum, como é o
caso dos costumes diplomáticos.

Diferentemente, o costume transnacional extravasa igualmente a ordem jurídica estadual, isto é,


manifesta-se no território de mais de um Estado mas não é fonte do Direito Internacional. É o caso do
costume comercial internacional.

Pelo contrário, o costume interno ou nacional vigora apenas no território de cada Estado, no território de
cada país, i. é, dentro de uma dada ordem jurídica estadual, ainda que não se manifeste em todo o território
desse Estado.

Tem interesse caracterizar sumariamente o costume internacional, em razão da sua importância nas
relações internacionais. Para isso, seguiremos um roteiro de exposição que começa com a sua noção e
passa pela abordagem da problemática, i) do número de sujeitos a considerar bastante para determinar a
qualificação de uma prática como costume internacional, ii) da duração da conduta, iii) dos elementos
constitutivos do costume internacional, iv) da prova de existência do costume internacional, v) da sua
posição em relação aos tratados e por fim das perspectivas da sua codificação.

Do ponto de vista de noção, entende-se por costume internacional uma prática geral107 aceite como sendo
direito pelos sujeitos do Direito Internacional. Verifica-se, pois, um costume internacional sempre que
uma certa conduta é adoptada e aceite de modo generalizado, pelos sujeitos do Direito Internacional.

107
Cfr. art. 38º al a) e b) dos Estatutos da Corte Internacional de Haia.
51
A noção de costume internacional apresentada suscita a questão de saber qual o número máximo de
sujeitos que é bastante para esse reconhecimento.

A doutrina converge em considerar que não existe um número mínimo de sujeitos que deve adoptar uma
certa prática para que esta seja reconhecida como costume internacional, porque para isso, era preciso que
uma norma da autoria das Cortes Internacionais fixasse o número mínimo de Estados que deve aceitar as
uniformes e contínuas práticas, para que as mesmas se consolidem como um costume internacional.

Sobre a duração de uma prática internacional para ser assumida como costume internacional, também não
há lei das Cortes Internacionais que a imponha, entendendo-se tão-só que é necessária a repetição da
conduta por um certo lapso de tempo e num dado espaço hábil a fazê-la efectiva. Assim, não há certeza de
quantas vezes e até quando a prática deve ser repetida, cabendo, como dissemos, às Cortes Internacionais
manifestarem-se sobre a questão.

No que aos elementos se refere, o costume internacional apresenta também dois elementos estruturais
designadamente, o material e o psicológico108. O elemento material pode consistir em actos positivos,
como por exemplo as chancelas, as promulgações e as ractificações, mas pode também consistir em actos
negativos, como por exemplo, uma abstenção ou uma omissão. São exemplos do elemento material, os
actos dos Estados, das organizações internacionais, governamentais ou não, da Cruz Vermelha. Podemos
dizer, a grosso modo, que o Estado alicerça o costume internacional, enquanto as organizações
internacionais o consolidam derradeiramente na esfera internacional, já que os seus actos são as principais
fontes de formação do costume internacional. A prática de tais actos dá-se, principalmente, pela
jurisprudência das Cortes e arbitragens internacionais e as actividades não judiciais das organizações
internacionais.

O elemento psicológico ou subjectivo, cujo nome técnico é “opinio juris” ou “opinio necessitatis” é a
convicção de que assim se procede porque é necessário, é correcto ou é justo". É, pois, o ânimus
internacional.

A prova de existência deste elemento psicológico é muito difícil, daí que alguma doutrina entenda que o
ónus da prova cabe a quem nega a existência de um dado costume internacional109.

Em atenção a essa dificuldade, a Corte Internacional de Justiça entendeu, em várias jurisprudências, que a
existência do elemento psicológico é presumida quando se estabelece firmemente o elemento substantivo.
Serve de exemplo de costume internacional a imunidade do imposto aduaneiro sobre os bens, que

108
A necessidade destes dois elementos não é aceite por toda a doutrina. Sobre este assunto, maiores desenvolvimentos em J. DA SILVA CUNHA, op cit, pp.
246 e ss.
109
Sobre o assunto, maiores desenvolvimentos em ALBINO DE AZEVEDO SOARES, op cit. pp. 112 e 113.
52
antigamente se dava aos diplomatas, a qual, veio a ser elevada à categoria de norma do Direito
Internacional110.

No que se refere à prova do costume internacional, vigora o princípio de que a parte que alega em seu
proveito uma certa regra costumeira deve provar a sua existência e a sua opinibilidade à parte adversa. Em
termos práticos, essa prova é encontrada, no plano interno de cada Estado, nos actos deste, nos textos
legais e nas decisões judiciais sobre temas relacionados com o “jus cogens” e, no plano internacional,
busca-se na jurisprudência internacional ou nos tratados.

Do ponto de vista da sua posição em relação aos tratados, entendemos que não existe uma hierarquia
estabelecida entre as normas consuetudinárias e as positivas. É, no entanto, inegável que os tratados
possuem uma maior segurança jurídica, dada a sua clareza e certeza, mas cremos que uma vez verificados
os elementos materiais e subjectivos dos costumes internacionais, estes também são uma verdadeira fonte
do Direito Internacional111.

Tanto é assim que todos os tratados e principalmente as jurisprudências internacionais, foram antes um
costume internacional generalizado, que eram nada mais nada menos que factos que foram valorados
pelos sujeitos internacionais, transformando-os em normas.

Do ponto de vista da redução do costume internacional à lei escrita, existe uma tendência moderna de
codificação dos mesmos, de forma que os tratados aumentem, enquanto que os costumes internacionais
diminuem. Estes, como dissemos, tendem a perder espaço em benefício dos tratados, mormente pela
clareza que o texto positivado propicia aos sujeitos envolvidos e pela complicação litigiosa oriunda dos
costumes internacionais.

Entendemos, no entanto, que ainda que um tratado multilateral seja celebrado sem que todos as partes
tenham consenso sobre todos os pontos, é indiscutível que o costume internacional esteja subjacente na
construção do conteúdo do referido tratado então celebrado, seja de forma mais uniforme ou não pelos
sujeitos que se sentaram à mesa de negociações.

O fundamento dos tratados reside no princípio do “pacta sunt servanda”, enquanto que o dos costumes
internacionais assenta na jurisprudência, portanto, numa força externa e superior à dos Estados.

Terminada a abordagem do costume internacional nos termos em que nos propusemos, impõe-se retomar a
apresentação das modalidades do costume.

110
Ver arts. 36º e 37º da Convenção de Viena de 1961, sobre Relações Diplomáticas e Consulares.
111
Sobre a relação entre o tratado e o costume internacional, vide a Teoria Tridimensional do Direito, de MIGUEL REALE, Lições Preliminares de Direito,
Almedina, Coimbra, pp. 60 a 68 e 159 e ss.
53
Pelo critério do âmbito de aplicação, o costume ao nível interno dos Estados desdobra-se, por sua vez, em
geral, regional e particular.

O costume geral, comum ou nacional, é o que vigora em todo o território de um Estado, portanto, que
cobre todo o âmbito de aplicação de uma dada ordem jurídica estadual, como por exemplo o que se
manifesta em todo o Moçambique.

O costume regional vigora numa parte do território de um Estado, numa parte do âmbito de aplicação de
uma dada ordem jurídica estadual, como por exemplo o que sucede com o lobolo112, que se manifesta
apenas na região sul de Moçambique, os ritos de iniciação113, que se manifestam na região norte de
Moçambique.

O costume particular é o que ocorre em certos grupos de pessoas ou em certos sectores de actividade,
como por exemplo, o costume comercial.

Atendendo ao critério da natureza do Direito de que serve de fonte, o costume desdobra-se em público e
privado, conforme serve de fonte para o Direito Público ou para o Direito Privado. Como fontes do Direito
Público, temos a considerar por exemplo, os costumes diplomáticos e como fontes de Direito Privado, os
costumes civis e comerciais.

De acordo com o critério do modo de formação, o costume apresenta as modalidades tradicional e


jurisprudencial.

O costume tradicional é característico dos direitos que se formam espontaneamente, como expressão das
estruturas sociais. É, portanto, o costume que nasce e se desenvolve em ligação directa e correlacta com
representações morais e religiosas. A sua convicção de obrigatoriedade assenta justamente nestas
representações morais e religiosas e na força da tradição. É o caso do costume nas sociedades africanas,
asiáticas, americanas e australianas e mesmo europeias do período histórico sem escrita.

Diferentemente, o costume jurisprudencial é a prática judicial, constante e uniforme, realizada pelos


tribunais no exercício das suas funções nos diferentes países, portanto, compreende as decisões dos
tribunais, saídas na forma de sentenças e assentos, na apreciação dos casos que lhes são submetidos.

O costume jurisprudencial distingue-se do tradicional porque este é prática das próprias pessoas
destinatárias das normas, enquanto que o jurisprudencial é prática de instituições que aplicam as normas
jurídicas.

112
Forma tradicional de casamento no sul de Moçambique
113
Práticas costumeiras que envolvem os adolescentes, como forma de prepará-los para o seu ingresso no estado de maturidade, no norte de Moçambique.
54
No território de cada Estado manifestam-se costumes internacionais, transnacionais, nacionais, gerais,
regionais, particulares, públicos, privados, tradicionais e jurisprudenciais.

3.7.6. Relações com a Lei


Na regulação da vida das pessoas, a lei e o costume estabelecem entre si, em cada país ou Estado e até em
todo o mundo, relações de convergência, de indiferença e de conflito, posicionando-se então o costume,
face à lei, como secundum legem, praeter legem e contra legem.

Sobre o costume secundum legem, há uma certa divergência entre os autores quanto à respectiva
definição, mas todos acabam convergindo na ideia de ser o que está de acordo com a regra jurídica ou
seja, o que repete por outras palavras o que a lei diz. Neste caso, a conduta social adoptada como costume,
conforma-se com o previsto na lei, verificando-se então uma coincidência de conteúdo regulador entre
norma costumeira e a norma legal.

O costume praeter legem existe quando estamos perante uma conduta adoptada repetidamente pelas
pessoas, regulando certa matéria não disciplinada legalmente. Ele vem a ser, assim, a regra que supre a
lacuna da ausência da lei, disciplinando a situação social em questão. Assim, o costume praeter legem é
integrativo na medida em que é a norma consuetudinária que regula a vida social em virtude de não existir
a regra jurídica que seria aplicável.

Diferentemente, fala-se de costume contra legem quando a conduta adoptada e repetida pelos membros da
sociedade é em sentido contrário à lei. É contra legem porque a sua vigência e a sua eficácia são contrárias
a uma norma jurídica em vigor, portanto, existe contradição ou oposição entre a norma revelada pelo
costume e a norma criada pela lei114.

A análise das relações entre o costume e a lei suscita o problema de saber qual a posição do costume em
relação à lei, bem como o da sua aplicabilidade ou não na disciplina da vida social.

Se o costume é secundum legem ou seja, se ele corresponde à conduta ou prática social conformada com a
lei, não se levantam nem o problema da sua posição em relação à lei, nem o da sua aplicabilidade ou não,
uma vez que ele tem a posição da lei e com esta se confunde, pelo que pode ser aplicado.

Se o costume é praeter legem, ele corresponde a uma matéria não disciplinada pela lei, o que significa que
ele vai para além dela, então não se levanta também o problema da posição e o da aplicabilidade, pois, não
existe lei, pelo que ele pode ser aplicado desde que nessa aplicação, sejam salvaguardados os princípios
gerais do sistema jurídico.

114
Sobre a relação entre o costume e a lei, maiores desenvolvimentos em MENEZES CORDEIRO, op cit, p. 1350., OLIVEIRA ASCENSÃO, op cit, pp. 254,
259 e 260; MARIA LUÍSA DUARTE, op cit, p. 184; JOSÉ DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., Lisboa, 1994, pp. 93 a 95.
55
Diferentemente, se o costume é contra legem, a prática social contradiz a lei, então aí levanta-se o
problema da sua posição em relação a esta lei, bem como o da sua aplicabilidade ou não. Quer dizer, o
problema da posição do costume em relação à lei ordinária só se levanta perante a existência de uma regra
consuetudinária em confronto com uma regra da lei ordinária.

Do mesmo modo, o problema da aplicabilidade ou não do costume só se suscita quando o mesmo é contra
legem. E esse problema coloca-se nos seguintes termos: i) se o costume contra legem coloca-se acima, ao
lado ou abaixo da regra da lei ordinária; ii) se o costume contra legem deve ou não ser aplicado pelos
tribunais na regulação da vida social.

À priori, nada obriga a que o costume contra legem esteja acima, ao lado ou abaixo das regras da lei, até
porque a história da Humanidade dá conta da verificação de qualquer destas hipóteses, tudo dependendo
da lei fundamental do Estado, no sentido de que ela pode adoptar qualquer das posições.

Nós pensamos, no entanto que, sabido que o poder constituinte legítimo é hoje entendido como um poder
supremo de conformação da sociedade e do Estado, as normas que dele derivam, – a começar pela
Constituição –, têm que ter primazia115 sobre os costumes ou regras consuetudinárias, isto porque
exprimem os valores fundamentais da sociedade estadual, por contraposição aos costumes, cuja dimensão
é em regra, local ou particular.

E o costume contra legem, porque contraria estas normas estaduais, está em conflito com os princípios
gerais que enfermam o sistema jurídico, portanto, contraria os valores fundamentais consagrados na
Constituição, pelo que não deve ser aplicado.

Do exposto, decorre que o costume só deve ser aplicado se for segundum legem ou praeter legem, por ser
uma expressão dos valores essenciais da sociedade e por ser a maneira como o direito se exprime, se
conhece e se revela na sociedade. Não o deve ser enquanto contra legem, precisamente porque ofende os
valores essenciais da sociedade tutelados pela lei.

Em razão deste entendimento, o nosso Estado não deve legislar para uma sociedade tão díspar como a
nossa sem conhecer as suas especificidades e os seus usos e costumes, pois, as normas jurídicas não
devem ser assépticas, ahistóricas, atemporais, anti-costumes e anti-usos, uma vez que o Direito não tem
razão em si mesmo senão quando comprometido com a realidade social, com os usos, os costumes e os
hábitos de uma comunidade.

Pretendemos abordar aqui o problema da elevação do costume à categoria de lei, de regra de cumprimento
obrigatório, de regra vinculativa. O esclarecimento do problema da positivação do costume chama à

115
Supremacia da Constituição sobre todas as leis que se aplicam no território de um Estado.
56
colação a problemática dos fundamentos da sua obrigatoriedade e conduz à análise da questão do mesmo
como fonte de Direito, bem como do seu significado prático e aplicação pelos tribunais. É o que vamos
tratar.

3.7.7. Positivação
Sobre o modo como o costume se torna fonte do Direito e sobre o fundamento da sua obrigatoriedade, a
doutrina116 diverge profundamente, registando-se a respeito três posições ou correntes, a saber: i) a da
vinculatividade proveniente do Estado; ii) a da vinculatividade proveniente da espontaneidade e iii) a da
vinculatividade autónoma.

A primeira corrente defende que a vinculatividade das regras do costume depende da vontade do Estado
ou seja, que o costume só se positiva quando o Estado o admite como regra jurídica ou como lei, através
de um preceito de reconhecimento expresso, ou quando não o rejeita. Perfilham esta posição, na doutrina
lusófona, os autores F. Pires de Lima e Antunes Varela117, Afonso Queirós118 e Inocêncio Galvão
Telles119.

A segunda corrente defende que a vinculatividade das normas costumeiras decorre da sua espontaneidade
ou seja, que o costume, como manifestação espontânea e verdadeira do espírito do povo, é a fonte
privilegiada que origina o Direito vivo, porque as suas normas são efectivamente respeitadas e aplicadas
pelos grupos sociais, sem necessidade da intervenção ou ameaça de intervenção de alguma autoridade
coerciva, o que significa que a vinculatividade e a positividade do costume decorre da sua espontaneidade.

Esta tese assenta no pensamento savigniano120 difundido na Alemanha no séc. XIX, segundo o qual, o
Direito era, a par da poesia, da literatura e da música, um fenómeno cultural, sendo o costume a fonte
jurídica privilegiada. De uma forma ainda extrema, o jurista austríaco Eugen Ehrlich 121 construiu, no
princípio do séc. XX a teoria de que o verdadeiro Direito era o Direito vivo ou seja, o conjunto de normas
que são efectivamente respeitadas e aplicadas como obrigatórias pelos grupos sociais e que poderiam não
coincidir com o Direito criado pelo Estado. Entre autores lusófonos que perfilharam esta posição, tanto do
ponto de vista dos seus pressupostos filosóficos como até das suas consequências, merece especial
referência o Prof. Oliveira Ascensão122.

116
A doutrina consiste nos ensinamentos, pareceres, estudos produzidos pelos grandes juristas ou tratadistas e cultores do Direito em geral. Pressupõe-se, aqui,
a ideia de que a doutrina é um produto cultural de pessoas que têm uma respeitabilidade perante a comunidade científica. Consiste num estudo, aprofundado ou
não, de algum instituto do Direito e que esteja publicado, isto é, que seja do conhecimento da comunidade científica ou dos operadores do Direito.
117
Cfr. Noções fundamentais de Direito Civil, 6ª ed., 1973, p. 90.
118
Cfr. Costume” in Dicionário jurídico da Administração Pública, Lisboa 1990. Vol. III, p. 279.
119
Cfr. Introdução ao Estudo do Direito, Vol. I, Coimbra Editora, 11ª ed., p. 92.
120
Escola histórica do Direito.
121
Citado por MARIA LUÍSA DUARTE, Introdução ao Estudo do Direito, Sumários desenvolvidos, AAFDL, 2003, p.183.
122
In O Direito: Introdução e Teoria Geral, 11ª ed., Coimbra, Almedina, 2001, p. 253 e ss
57
A terceira corrente defende que a vinculatividade ou obrigatoriedade do costume é autónoma ou seja, que
o costume está dotado de obrigatoriedade natural, decorrente de si mesmo, daí a sua natureza residual123
face aos outros tipos de normas. Situamos neste segmento da doutrina pensadores e tratadistas como: João
de Castro Mendes124; Baptista Machado125; José Dias Marques126; Castanheira Neves127; A. Santos
Justo128; Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão129; António Menezes Cordeiro130 e A. A. Vieira
Cura131.

Face a este debate doutrinário, o nosso posicionamento é o de que o costume impõe-se naturalmente na
regulação das relações sociais mas a sua relevância jurídica não é automática, tem de ser afirmada pelo
Estado através de uma lei, pelo que a sua vinculatividade ou obrigatoriedade não é autónoma mas deve ser
positivada pelo Estado. É, pois, necessária uma cláusula de reconhecimento do costume, para que o
mesmo valha como fonte do Direito numa dada ordem jurídica, o que vale dizer que ele só se torna fonte
quando uma norma estadual o positiva o acolhe ou ainda quando não houve no sistema a sua rejeição
expressa.

Sendo certo que o costume é em regra fonte do Direito no Sistema Romano-Germânico, entretanto não se
encontra genericamente consagrado como tal na nossa Ordem Jurídica, será que tem relevância no campo
do Direito das Obrigações particularmente? Vejamos a seguir o tratamento de que o costume beneficiou
no nosso país desde a formação deste até hoje, por forma a chegarmos a conclusão de que é ou não
relevante como fonte do Direito das Obrigações moçambicano.

3.7.8. (Ir) relevância como Fonte do Direito das Obrigações


No período anterior à dominação estrangeira, existiam em Moçambique vários Direitos costumeiros
consoante os povos então existentes. O costume era, durante esse período, única fonte do Direito.

A penetração árabe132 nesta zona, por razões comerciais ou outras, introduziu alguns valores culturais
árabes, sobretudo a religião, sem contudo extinguir os usos e costumes locais, o que fez com que os
Direitos costumeiros locais se misturassem com os valores árabes.

Apesar desta influência asiática em algumas zonas do país, os costumes locais permaneceram fonte única
do Direito existente, que era todo ele costumeiro.

123
No sentido de que só é chamado à colação na falta de uma regra jurídica adequada para regular o caso.
124
Introdução ao Direito, Lisboa, 1994, p. 116.
125
Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 6ª Reimpressão, Coimbra, Almedina, 1993, p. 161.
126
Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., Lisboa, 1994, pp. 88 e ss.
127
Fontes do Direito (Contributo para a revisão do seu Problema) in Boletim da Faculdade de Direito, 1982, vol. 58, pp. 232 e ss.
128
Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 2001, pp. 210 e ss.
129
Introdução ao Estudo do Direito, 5ª ed., Lisboa, Lex, 2000, p. 152.
130
O Costume, in Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. I, 1983, p. 1347.
131
O Costume como fonte de Direito em Portugal, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, Vol. 74. p. 270.
132
Antes da chegada dos portugueses em Moçambique os árabes já tinham cá estado, daí que a ocupação portuguesa teve de enfrentar também a resistência
árabe, além da dos naturais.
58
Em boa verdade, eram vários Direitos costumeiros, vigorando cada um em cada povo133, sendo nalguns
casos islamizados e noutros não.

Em consequência dos chamados Descobrimentos Marítimos e da ocupação efectiva134 da África, a partir


da Conferência de Berlim, nasceu o país denominado Moçambique com a configuração geográfica que
apresenta, integrando vários povos, cada um com a sua cultura, a sua língua e portanto, o seu próprio
Direito costumeiro ou consuetudinário.

Mais do que isso, a ocupação efectiva de Moçambique trouxe consigo um Direito escrito, de origem e
base romanística135, que de mãos dadas com o Direito Canónico, numa acção combinada entre o Estado
ocupante e a Igreja Católica Romana, foi se implantando no país, sem contudo eliminar os usos e
costumes locais que, em certa medida, haviam já sofrido a asiatização e passavam, doravante, a
europeizarem-se e concretamente a portugalizarem-se.

Este Direito de base romanística, que só ia tendo implantação nos locais que se urbanizavam, não
reconhecia o costume como sua fonte no país de origem, daí a não colocação do mesmo no quadro das
fontes136 em Moçambique.

A coexistência do Direito do Estado ocupante, do Direito Canónico e do Direito muçulmano com os


Direitos costumeiros locais, deu lugar ao nascimento do pluralismo jurídico em Moçambique, que
compreende hoje estes Direitos costumeiros dos povos bantu agora unificados num só povo, – o
moçambicano –, o Direito de índole muçulmano introduzido e a predominar em zonas islamizadas do
litoral de Nampula, de Cabo Delgado e do Niassa sobretudo, o Direito romanístico introduzido por
Portugal, predominante nos locais em urbanização e o Direito Canónico, vigente nas instituições
eclesiásticas.

A partir dessa altura da ocupação efectiva, Moçambique viveu sob esse signo da coexistência 137 destes
sistemas normativos acima indicados.

O avanço da luta de libertação de Moçambique e as mudanças políticas ocorridas em Portugal em 1974138,


criaram as condições para a assinatura, dos Acordos de Lusaka, de que resultou a formação e a tomada de
posse do Governo de Transição em 20 de Setembro de 1974, como primeiro passo para a independência
de Moçambique.

133
Os principais eram os Direitos Costumeiros ronga, changane, chope, bitonga, sena, chona, ndau, nhanja, maconde e macua.
134
Os descobrimentos marítimos iniciaram na Europa, nos sécs. XIV e XV, tendo cabido a Vasco da Gama a “descoberta” de Moçambique. A ocupação
efectiva foi depois de 1885, após a Conferência de Berlim.
135
O Direito português.
136
O Código Civil Português de 1867 não reconhecia o costume senão na sua modalidade secundum legem, conforme esclarece MENEZES CORDEIRO, no
seu texto sobre o costume, inserido na Enciclópédia Pólis Verbo, vol. I, cit. p. 1347.
137
Cfr. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS - Conflitos e transformação Social: uma paisagem das justiças em Moçambique, Edições Afrontamento, 1º
vol., pp. 47 e ss.
138
A Revolução dos Cravos, de 25 de Abril de 1974, de que nasceu o Estado de Direito em Portugal.
59
Neste processo de preparação da sua ascensão à independência, Moçambique iniciou a criação do seu
próprio Direito, dando os seguintes passos: i) foi produzindo instrumentos normativos preparatórios da
formação e da operacionalização do Governo de Transição, em materialização dos entendimentos fixados
nos Acordos de Lusaka139; ii) o Governo de Transição foi produzindo a legislação que se mostrou
pertinente no quadro da Transição Política; iii) o Comité Central da FRELIMO produziu e aprovou a
Constituição, como Lei Fundamental, que veio entrar em vigor à data da independência; iv) o Comité
Central da FRELIMO incorporou nessa Constituição o princípio da recepção automática140 do Direito
anterior, do que resultou a conversão daquele Direito em nacional a partir da proclamação da
independência141 e da entrada em vigor daquela Constituição.

Proclamada a independência142, Moçambique começou a produzir as suas próprias leis, revogando e/ou
derrogando os instrumentos jurídicos recebidos do Estado anterior, bem como complementando o quadro
jurídico com a legislação necessária sobre matérias não reguladas no Direito anterior.

Moçambique ascendeu então à independência em 25 de Junho de 1975, com o seguinte quadro normativo:
i) uma Constituição de inspiração socialista que, apesar disso, continha um preceito que recebia
automaticamente o Direito do Estado ocupante até então vigente no país; ii) o Direito do Estado ocupante,
que vigorou no país durante essa ocupação e que agora estava transformado em nacional por força do
princípio da recepção automática; iii) o Direito Canónico, vigente na comunidade religiosa católica
romana; iv) o Direito Internacional, aplicado nas relações entre o país e outros Estados; v) o Direito
Muçulmano, vigente na Comunidade Religiosa Muçulmana; vi) vários Direitos Costumeiros vigentes nas
diferentes partes do país, a razão de um por cada povo.

À excepção do Direito estrangeiro já recebido e transformado em nacional, cada um destes Direitos


disciplinava a vida de um segmento da população, mas os Direitos costumeiros predominavam, tendo em
conta que a maioria dos moçambicanos é de origem bantu.

Na sua Constituição, Moçambique definiu-se como uma República Popular ou seja, um Estado de
Democracia popular em que todas as camadas patrióticas se engajavam na construção de uma nova
sociedade, livre da exploração do homem pelo homem, um Estado em que o poder pertencia aos operários
e camponeses unidos e dirigidos pela FRELIMO e era exercido pelos órgãos do poder popular143.

139
Os Acordos de Lusaka foram assinados a 7 de Setembro de 1974, entre Portugal e a FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE, através dos quais
Portugal reconheceu o direito de Moçambique e do seu povo à independência e transferiu os respectivos poderes de representação para a FRELIMO, o então
braço politico e armado deste povo.
140
Cfr. art. 71º, cujo texto está inserido na nota 2 do presente estudo, para a qual fazemos a necessária remissão.
141
A independência de Moçambique foi a 25 de Junho de 1975.
142
A primeira Constituição de Moçambique foi elaborada e aprovada na Praia do Tofo, Província de Inhambane.
143
Cfr. art. 2º CRPM.
60
Caracterizou-se ainda como uma República Popular orientada e dirigida pela linha política definida pela
FRELIMO, a então força dirigente do Estado e da Sociedade, porque traçava a orientação política básica
do Estado, dirigia e supervisionava a acção dos órgãos estatais, a fim de assegurar a conformidade da
política do Estado com os interesses do povo144.

Em razão desta sua natureza, o Estado moçambicano fixava como seus objectivos fundamentais: a) a
eliminação das estruturas de opressão e exploração coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhes
estava subjacente; b) a extensão e o reforço do poder popular democrático; c) a edificação de uma
economia independente e a promoção do progresso cultural e social; d) a defesa e a consolidação da
independência e da unidade nacional; e) o estabelecimento e desenvolvimento de relações de amizade e
cooperação com outros povos e Estados; f) o prosseguimento da luta contra o colonialismo e o
imperialismo145.

Para a prossecução destes objectivos, impunha-se que o Estado realizasse um combate enérgico contra o
analfabetismo e o obscurantismo e promovesse o desenvolvimento da cultura e personalidade nacionais,
além de divulgar internacionalmente o conhecimento da cultura moçambicana para, em troca, fazer
beneficiar o povo moçambicano das conquistas culturais revolucionárias dos outros povos146.

Deste modo, a Constituição e a legislação ordinária que fosse aprovada reflectiam a essência do que foi a
luta de libertação de Moçambique, pelo que legitimavam a criação de um Estado independente, de
natureza democrático-popular, em que os operários e camponeses e com eles todas as camadas patrióticas,
sob a direcção da FRELIMO, se engajavam na construção de uma sociedade livre de exploração do
Homem pelo Homem, bem como do obscurantismo e das estruturas tradicionais e da mentalidade que lhes
estava subjacente.

Nenhum dos instrumentos normativos produzidos durante o Governo de Transição e após a independência
legitimou o costume como fonte do Direito em Moçambique, porque estava-se num processo de
construção do Estado de modelo marxista-leninista, em cujo quadro jurídico o costume não tinha e nem
podia ter espaço.

Os objectivos em vista impunham uma transformação radical da sociedade, o que não podia salvaguardar
o costume porque caminhava-se, como dissemos, para a construção de um Estado Socialista, baseado nos
princípios do Marxismo-Leninismo, incompatíveis, portanto, com o costume como fonte das leis.

As estruturas tradicionais que tinham de ser eliminadas incluíam as instituições normativas conexas, que
eram os usos e costumes, a mentalidade que lhes estava subjacente e o aludido obscurantismo.
144
Cfr. art. 3º CRPM.
145
Cfr. art. 4º CRPM.
146
Cfr. art. 15º CRPM.
61
E na verdade, os anos que se seguiram à proclamação da independência, caracterizaram-se por um
combate enérgico aos valores culturais e tradicionais considerados retrógrados e nocivos à Revolução,
porque associados ao obscurantismo e ao analfabetismo. Entre estes estava a tradição, e os costumes. Foi
assim que os casamentos tradicionais, os ritos de iniciação, as autoridades tradicionais e outros costumes
dos diversos povos moçambicanos foram politicamente reprimidos, por se considerarem incompatíveis
com os valores da Revolução, um processo que, em certa medida, quebrou a base social da FRELIMO e
do seu Estado, o que justificou a intensificação do conflito armado147.

Esta situação prevaleceu até à década de noventa, altura em que o Estado tomou consciência da
necessidade de reconhecer e valorizar a tradição, e, daí em diante, os usos e costumes foram se
manifestando livremente sem serem reprimidos, a ponto de, ao nível legislativo, aparecerem sinais de
abertura148, no momento e na medida em que a própria Revolução moçambicana se humanizava cada vez
mais e por isso não só reconhecia e valorizava a liberdade humana, como até proclamava os próprios
direitos do Homem149.

Dali em diante e de maneira expressiva, foram reconhecidas e investidas as autoridades tradicionais,


concretamente os régulos e passou a haver o reconhecimento e a permissão de cerimónias tradicionais, o
reconhecimento dos direitos costumeiros sobre a terra, o reconhecimento e permissão de casamentos
tradicionais, assim como passaram a ser implicitamente permitidos os ritos de iniciação, a ser
reconhecidos os chamados médicos tradicionais150 e permitido a eles o exercício das suas actividades, a
ponto de ser organizarem em associação151.

Embora o costume tenha continuado sem constar do elenco das fontes do Direito, ele recuperou
grandemente a sua relevância e tipicidade social como regulador da vida social da maioria dos
moçambicanos, dos meados da década de 90 até hoje, porque deixou de ser considerado um valor
retrógrado e portanto nocivo à sociedade.

Em 2005 entrou em vigor uma nova Constituição e a situação que prevalece actualmente no nosso país
continua a ser a do pluralismo jurídico, na medida em que coexistem: i) o Direito estadual de base
romanística, recebido do Estado português e acrescido da componente produzida pelo Estado
moçambicano no seio da qual se inclui a Constituição; ii) o Direito internacional recebido na Ordem
Jurídica interna; iii) o Direito Canónico, vigente na Comunidade Religiosa Católica Romana; iv) o Direito
147
O conflito armado, iniciado em 1977 entre a FRELIMO e o MNR, hoje Renamo, teve origem exterior mas o combate aos valores costumeiros em nome da
Revolução, associado a outros erros de governação e de concepção da relação “Estado-cidadão”, criou uma certa base social à guerrilha que nacionalizou e
legitimou em certa medida a luta da Renamo mas que esta não soube viabilizar para os seus objectivos, justamente por ela ter estado a agir como braço armado
de forças estrangeiras hostis à liberdade e independência do povo moçambicano.
148
A abertura ao multipartidarismo, a Constituição de 1990, que proclamou o Estado de Direito e o reconhecimento das autoridades tradicionais, eram outros
sinais.
149
Um conceito que até aquele momento, embora várias vezes empregue em discursos políticos escritos e orais, era utópico.
150
Que são verdadeiramente os Curandeiros.
151
AMETRAMO – Associação dos “Médicos” Tradicionais de Moçambique.
62
muçulmano, vigente na Comunidade Religiosa Muçulmana e v) vários Direitos Costumeiros vigentes nas
diferentes partes do país.

Dentre estes sistemas normativos, o Direito estadual é o que oficialmente regula genericamente a vida dos
cidadãos e é oficialmente aplicado nos tribunais do país, mas outros são materialmente mais intervenientes
nessa vida social.

O CC em vigor152, como Direito repositório que contém os princípios gerais do Direito, continua sem
consagrar o costume como fonte de Direito no seu capítulo I, dedicado a essa matéria. O seu art. 1º
estabelece, no que se refere às fontes do Direito que “1. São fontes imediatas do direito as leis e as
normas corporativas”, “2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos
estaduais competentes, são corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das
diferentes categoriais morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições,
bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos” e que “3. As normas corporativas não podem
contrariar as disposições legais de carácter imperativo”.

Decorre daqui a ilação de que o costume não é, pelo menos directamente, fonte do Direito no país.

Entretanto, o art. 3º do mesmo Código estabelece, no que se refere aos usos que “1. os usos que não forem
contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine” e que “2. As
normas corporativas prevalecem sobre os usos”.

É certo que do exposto decorre que os usos têm acolhimento ou que podem ser positivados desde que não
sejam contrários aos princípios da boa-fé. Mas a positivação dos usos não equivale à positivação dos
costumes, na medida em que o uso e o costume são conceitos distintos. E a positivação do uso não
significa o seu acolhimento como fonte do Direito, significa tão-só que os usos podem ser utilizados como
elementos de integração da norma legal ou seja, o seu valor jurídico decorre da norma da lei que o mandar
aplicar. Este valor não consiste em se aplicar como norma jurídica mas sim como elemento-de-facto que
vai integrar ou completar o comando da norma legal que o invoca.

Assim, não consideramos que o acolhimento dos usos não contrários à boa-fé signifique acolhimento dos
costumes como fontes do nosso Direito, porque os conceitos de uso e de costume distinguem-se.

O art. 7º do mesmo CC estabelece, no que se refere às causas de cessação da vigência da lei que “1.
Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei deixa de vigorar se for revogada por outra lei”, “2.
A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as
regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria”, “3. A lei geral não revoga a

152
O CC moçambicano é o CC Português de 1966, cuja vigência no país iniciou em 1967, por força da Portaria n.º 22869, de 4 de Setembro desse mesmo ano.
63
lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador” e que “4. A revogação da lei
revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara”.

No que se refere ao assunto em estudo, quer isto dizer que o costume não pode determinar a cessação da
vigência da lei. A prática reiterada da não aplicação de uma lei, isto é, o desuso, não pode minar a
efectividade dessa lei e conduzir à sua caducidade, o que vale dizer que o costume derrogativo não é
relevante, portanto, não pode revogar uma lei que caiu em desuso.

O art. 10º do mesmo CC estabelece, no que se refere à integração das lacunas da lei que “1. Os casos que
a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”, “2. Há analogia sempre
que no caso omisso procedam as razões justificáveis da regulamentação do caso previsto na lei” e que “3.
Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se
houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.

Igualmente no que refere ao tema em estudo, quer isto dizer que a integração de lacunas processa-se com
recurso à analogia e nunca ao costume, porque da análise individual ou combinada dos preceitos aqui
passados em desfile, resulta óbvio concluir que o costume não consta, de facto, do elenco das fontes do
Direito. Portanto, o CC afastou a eventual relevância integrativa do costume, pelo que este não pode, em
nenhum caso, servir de meio de integração de lacunas à luz deste preceito e do nosso sistema jurídico,
enquanto vigorar este preceito.

Considerando este facto e a circunstância de o art. 3º do CC se referir tão-só aos usos, – que não são
mesma coisa que costume –, significará isso que a nossa lei civil nega ao costume o valor de fonte do
Direito?

Poderíamos, numa análise linear, concluir que sim nega-lhe esse valor, mas a leitura do art. 348º do CC,
leva-nos a uma conclusão diferente. O preceito em alusão estabelece o seguinte: “1. Aquele que invocar
direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e conteúdo, mas o
tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento. 2. O conhecimento oficioso
incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, loca
ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua
existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição. 3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do
direito aplicável, o tribunal reconhecerá às regas do direito comum moçambicano”.

Da leitura deste preceito resulta concluir que o costume, seja ele nacional ou estrangeiro, é reconhecido
como fonte do Direito, desde que quem o invoca prove a sua existência. E se as partes não o invocarem e
o tribunal entender que tem que decidir com base nele, então este deverá provar o seu conhecimento
oficioso. Se fôr invocado e a parte contrária reconhecer a sua existência ou não deduzir oposição, deve o
64
tribunal, mesmo assim, provar o seu conhecimento oficioso. Na impossibilidade de fixar o seu conteúdo,
aplica-se o Direito escrito, que é o Direito comum.

Por outro lado, o costume é referido expressamente pelo art. 1400º do CC, sobre a divisão de águas.
Parece que estamos, neste caso, perante uma cláusula de reconhecimento expresso do costume em sentido
próprio mas um reconhecimento casuístico, não generalizado. Trata-se, com efeito e neste caso, de uma
norma cuja generalidade pode não ser contestada pelo facto de se tratar de uma prática estabelecida entre
pessoas concretamente determinadas: essa prática vinculava aquelas pessoas em função de uma qualidade
objectiva, a de co-utente da água, que pode ser transacionada através da transmissão do DUAT. Quer isto
dizer que embora a nossa pirâmide das fontes compreenda apenas as leis e as normas corporativas,
excluindo por conseguinte o costume, a verdade é que em certos e determinados casos, o costume é fonte
do Direito, embora, em tese geral, não o seja, em Moçambique.

Para compreender a relevância prática actual do costume, é preciso analisar a extensão da eficácia do
sistema de justiça oficial. O Direito estadual recebido153 dava, à data da independência, escassa
importância ao costume como fonte de Direito154. Na verdade, a tradição do positivismo legalista deste
Direito revelava, tanto no CC como no CCom uma verdadeira fobia ao costume155. Por outro lado, o
processo preparatório da independência de Moçambique e a própria independência trouxeram um quadro
jurídico cujo conteúdo era um projecto revolucionário que levaria à transformação total e completa da
sociedade, o que era incompatível com a valorização do costume, daí que, para além de combatido, este
foi mantido fora do elenco das fontes do Direito em Moçambique.

Deste modo, o Direito estadual produzido após a independência não dava inicialmente nenhuma
relevância ao costume como fonte do Direito156 até meados da década de noventa, altura em que surgiram
sinais do seu reconhecimento expresso, mas casuístico.

Assim, ao nível do Direito público, precisamente no Direito Agrário, foi aprovada a Lei de Terras 157 que,
através do seu art. 12º permite a aquisição do DUAT158 por via costumeira159.

153
Concretamente o CC de 1966 e o CCom. de 1888.
154
Vide arts. 348º, 1323º, nº 1 in fine e 1400º, todos do CC.
155
Existe, no entanto, uma tese que sustenta a ideia de que não cabe a lei fixar as fontes do Direito e defende a equivalência, no plano hierárquico, entre as
normas legais e as consuetudinárias.
156
Em razão da natureza socialista de tipo marxista-leninista do poder político constituído e, portanto, do sistema do Direito.
157
Cfr. Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, publicado no BR n.º 40, III Suplemento.
158
Nos termos do artigo 109 da Constituição vigente, a terra é propriedade do Estado, mas, como meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o
seu uso e aproveitamento é direito de todo o povo, neste sentido, não deve ser vendida, ou qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada. O
direito de uso e aproveitamento da terra designa-se abreviadamente por DUAT, na terminologia jurídica moçambicana.
159
O art. 12º, alínea a) da Lei de Terras estabelece que “o direito de uso e aproveitamento da terra é adquirido por pessoas singulares e pelas comunidades
locais, segundo as normas e práticas costumeiras que não contrariem a Constituição”.
65
A mesma Lei, através da alínea b) do seu art. 24º160, permite às comunidades participar da resolução de
conflitos usando normas e práticas costumeiras, o que significa reconhecer o costume como fonte do
Direito, como meio de resolução de conflitos.

Um outro domínio onde há relevância do costume é o do Direito Internacional Público, por força das
alíneas a) e b) do art. 38º do TIJ, cuja Convenção foi ratificada pelo Estado moçambicano.

Ao nível do Direito Privado, foi aprovada a Lei da Família161, que no seu art. 16º reconhece o casamento
tradicional e no seu art. 25º fixa-lhe o respectivo regime jurídico162.

Estranhamente, um domínio tão importante na vida social dos moçambicanos como é o sucessório, não foi
ainda objecto de reforma. Trata-se de um domínio em que, a nosso ver, o costume terá um papel de peso,
tendo em conta a natureza patrilinear da sociedade moçambicana na zona sul, por contraposição à natureza
matrilinear dessa mesma sociedade na zona norte, o que determinará, naturalmente esquemas de sucessão
completamente diferentes.

Dada a larga extensão do país 163, o sistema de administração pública e o respectivo aparelho judicial não
se mostram presentes em todo o território nacional e onde existem não operam com a eficácia esperada.
Os tribunais que aplicam a lei escrita ou seja o Direito estadual, funcionam nas capitais provinciais e
distritais, bem como nas povoações e postos administrativos, sendo que a maior parte do povo não habita
estas áreas e rege-se pelos usos e costumes. Assim, o Direito estadual só está confinado nestas zonas
territoriais cobertas pelas 11 capitais provinciais e pelas capitais distritais, para além das povoações e
postos administrativos.

O resto do território nacional e, portanto, a maioria do seu povo, não conhece em absoluto o Direito
estadual, não só devido ao analfabetismo, como até pela falta da divulgação deste Direito. Na sua
condição de país subdesenvolvido, Moçambique não dispõe de recursos para estender a administração a
toda a sua extensão, nem para operacionalizá-la, por forma a divulgar e aplicar a todos a sua legislação.

Podemos assim concluir pela ineficácia do Direito estadual ou seja, que a eficácia do Direito estadual no
território nacional é restrita, na medida em que só cobre vinte porcento da população164, quer pelo número
restrito de tribunais devido ao problema de instalações, quer pela insuficiência de Magistrados.

160
Este preceito estabelece que as comunidades locais, nas áreas rurais, participam na resolução de conflitos.
161
A Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto. Em Moçambique, o Livro IV do CC de 1966, relativo ao Direito de Família foi revogado e a matéria por ele antes
regulada, é agora coberta por esta lei.
162
O art. 16 da Lei de Família estabelece o seguinte: “O casamento é civil, religioso ou tradicional. O casamento monogâmico, religioso e tradicional é
reconhecido o valor e eficácia igual à do casamento civil, quando tenham sido observados os requisitos que a lei estabelece para o casamento civil”. O art. 25
estabelece que “A celebração do casamento tradicional segue as regras estabelecidas para o casamento urgente em tudo o que não se achar especialmente
consagrado por lei”.
163
Moçambique, cuja maioria do povo é analfabeta e vive no campo, é um país extenso, com uma superfície de 799.380 Km 2, divididos em 11 províncias e
mais de 128 distritos, classificado como um dos países mais pobres do mundo, com um rendimento per capita muito baixo.
164
Segundo a estatística do Censo de 1997, oitenta por cento do povo vive no campo, onde a presença e a influência da lei escrita é insignificante.
66
3.7.9. Posição defendida
Embora reconheçamos a predominância do costume na regulação da vida social, em face da ineficácia do
Direito estadual, somos de opinião que no caso específico do Direito das Obrigações e em atenção ao
actual nível de desenvolvimento da nossa sociedade, não nos parece que do costume possam brotar
normas que relevem para constituir, modificar, transmitir ou extinguir obrigações.

Na sua modalidade contra legen, o costume não pode ser fonte do Direito das Obrigações. Configurando-
se como praeter legen, o costume não pode ter vinculatividade autónoma que o confira esse estatuto de
fonte. Como costume secundu legen, não pode relevar como fonte, já que a lei se sobrepõe a ele.

Entendemos, assim, que só a lei escrita, a jurisprudência165, a doutrina166 e os princípios gerais do Direito
é que têm essa relevância. Em atenção a este entendimento, não incluímos o costume no conjunto das
fontes do Direito das Obrigações.

Para além da lei – e excluído o costume da pirâmide nacional das fontes do Direito das Obrigações, pelos
argumentos que avançamos –, existe outra fonte deste ramo de Direito, que é a jurisprudência.

3.8. Jurisprudência
O que significa que a Jurisprudência167 é fonte do Direito das Obrigações? Ora, para chegar à percepção
do sentido e alcance deste termo, é pertinente partir da etimologia da palavra e do respectivo conceito.

O termo “jurisprudência” pode ser entendido na sua acepção epistemológica de Ciência do Direito e pode
também ser entendido na sua acepção técnico-jurídica como conjunto das decisões dos tribunais. No
primeiro sentido, o termo refere-se aos estudos jurídicos e no segundo sentido aos assentos.

Para o nosso objectivo, releva o sentido técnico-jurídico, i. é, o de decisões dos tribunais, portanto é neste
último sentido que o devemos tomar, no contexto do estudo que estamos a fazer.

Assim, por “jurisprudência”, se entende neste contexto, o conjunto de orientações seguidas pelos tribunais
no julgamento de casos concretos, orientações essas definidas pelo Tribunal Supremo, ao abrigo do art. 2º
do CC, que fixa o princípio de que nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar doutrina com
força obrigatória geral, que se apresenta sob a forma de assentos.

Isto significa que a jurisprudência só é fonte do Direito enquanto se consubstanciar em assentos, porque só
estes têm força obrigatória geral168.

165
Excepcional ou residualmente.
166
Apenas nos casos em que o legislador a acolhe para a produção legislativa.
167
Não cabe aqui o tratamento aprofundado da jurisprudência, por o tema possuir a sua sede na Introdução ao Estudo do Direito. O que fazemos é apenas
relembramos este conceito, para explicar em que circunstâncias é fonte do Direito das Obrigações.
168
Este é o caso específico de Moçambique, diferentemente do que se passa hoje no Direito Português.
67
Como dissemos, na nossa Ordem Jurídica a emissão dos assentos cabe ao Tribunal Supremo, reunido em
Plenário.

Como doutrina com força obrigatória geral, vinculando todos os tribunais e todos os membros da
comunidade jurídica, os assentos visam superar as dificuldades decorrentes da independência de cada Juiz
ou de cada tribunal na aplicação da lei aos casos concretos, dificuldades traduzidas em soluções diversas
para questões idênticas.

Os assentos resultam, pois, da simbiose jurídica de dois ou mais Acórdãos contraditórios ou diferentes de
Secções do Tribunal Supremo, sobre uma mesma questão de Direito, simbiose que opera no quadro do
funcionamento desse mesmo Tribunal Supremo, reunido em Plenário.

Assim, a jurisprudência não é, em regra, fonte do Direito169 em geral, nem o é do Direito das Obrigações
em particular, só o é excepcionalmente através dos assentos, porque estes têm força vinculativa que não
provém deles próprios mas da lei que os permite, que é o CC moçambicano170.

Quer isso dizer que o Juiz não pode criar ou modificar uma norma jurídica nem fazer cessar a sua eficácia.
E porque é que não pode? Não pode em decorrência do princípio da separação de poderes, que determina
que o julgador seja apenas aplicador da lei, cabendo ao órgão legislativo ou com poder legislativo
delegado criar ou modificar uma norma de Direito, bem como fazer cessar a sua eficácia.

Chegados aqui, resta-nos dizer, em jeito de conclusão, que em Direito das Obrigações, a jurisprudência só
se torna fonte através dos assentos, única e exclusivamente nos casos em que estes versam sobre matéria
obrigacional.

Para além da Jurisprudência, existe outra fonte não normativa do Direito das Obrigações, que é a
Doutrina. Vejamos a seguir a medida em que o é.

3.9. Doutrina
O que significa que a Doutrina171 é fonte do Direito das Obrigações? Para apreensão da explicação da
questão formulada há que delimitar antes o respectivo conceito.

A Doutrina compreende os estudos e os pareceres dos jurisconsultos, expressos em manuais, monografias,


revistas jurídicas, teses e outros textos em que eles apresentam, com fundamentação científica, as suas
investigações e conclusões sobre questões jurídicas.

169
Embora na essência válida, esta argumentação não invalida a regra de que há um momento de criação do Direito pelo Juiz, quando ele decide no caso
concreto. Não invalida também o princípio de que as orientações jurisprudenciais são consideradas nas questões semelhantes subsequentes, pelos tribunais
inferiores, o que não significa que um tribunal inferior na estrutura orgânica judicial nacional, seja obrigado a seguir o modo de solução duma questão adoptado
por um tribunal superior, à excepção dos assentos.
170
Através do seu art. 2º, cuja redacção é a seguinte: “Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força
obrigatória geral”.
171
Não cabe aqui o tratamento aprofundado da Doutrina, por o tema possuir a sua sede na Introdução ao Estudo do Direito. O que fazemos é apenas
relembramos este conceito nos seus aspectos gerais, para explicar em que circunstâncias é fonte do Direito das Obrigações.
68
No Direito Romano Clássico a doutrina era fonte imediata, vinculando não apenas nos casos concretos
para cuja solução essa doutrina havia sido solicitada em forma de parecer, mas também em todos os outros
casos similares. Hoje já não é assim, não vincula nem nos casos concretos para cuja solução ela foi
solicitada como parecer nem em quaisquer outros similares, isto é, não é fonte imediata.

Contudo, a sua importância, em virtude do labor científico que a define, pode a tornar válida não apenas
como subsídio ao qual a jurisprudência recorre para melhor aplicação do jure constituto, como ainda para
melhorar a legislação. Significa isto que a doutrina torna-se fonte do Direito nos casos em que o legislador
a acolhe, em razão da sua força persuasiva, para o seu aproveitamento na actualização legislativa.

Chegados aqui, resta-nos, em jeito de conclusão, dizer que em Direito das Obrigações, a doutrina como
conjunto de opiniões dos jurisconsultos, só é fonte quando o legislador a acolhe e a transforma em normas
jurídico-obrigacionais.

3.10. Princípios Gerais do Direito


O que significa que os Princípios Gerais do Direito são fontes do Direito das Obrigações?
Tem interesse para o esclarecimento desta questão, delimitar previamente o conceito de “Princípio” e o de
“Princípio Geral do Direito”.

Tomamos a palavra “princípio” apenas no seu significado lógico, sem nos referirmos à sua acepção ética,
ou qualquer outra.

Ora, tomado o termo neste sentido lógico, podemos dizer que um princípio é uma verdade fundamental de
um sistema de conhecimento, que é admitida por ser evidente ou ter sido comprovada como pressuposto
exigido pelas necessidades da pesquisa e da praxis. Logo, podemos definir os “princípios” como verdades
fundamentais de um sistema de conhecimento, que são admitidas por serem evidentes ou terem sido
comprovadas como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis.

Explicado o conceito de “princípio”, impõe-se-nos agora explicar o de “princípio geral”. Devemos


entender por este qualquer consagração legal genérica que tem a função de fixar a disciplina das relações
jurídicas que se estabelecem na área da vida social por ele reguladas. Assim, os princípios gerais do
Direito são consagrações legais genéricas que têm a função de fixar a disciplina das relações jurídicas que
se estabelecem na área da vida social por ele reguladas.

Explicados os conceitos de “princípio” e de “princípio geral”, julgamos útil indagar da sua relevância no
domínio da pesquisa e do conhecimento A relevância destes princípios, neste domínio, é que são
enunciados lógicos admitidos como condição de validade das demais asserções que compõem um certo

69
campo do saber, pelo que toda e qualquer forma de conhecimento pressupõe e implica a sua existência
como fundamento de validade das ilações de um determinado campo de saber.

Os princípios gerais ou verdades fundamentais agrupam-se em três categorias, nomeadamente os


omnivalentes, os plurivalentes e os monovalentes.

Designamos “princípios omnivalentes” os enunciados lógicos que são válidos para todas as formas do
saber, como é o caso dos princípios da identidade e da razão suficiente.

Diferentemente dos anteriores, os “princípios plurivalentes” caracterizam-se por serem enunciados lógicos
aplicáveis a vários campos do conhecimento mas não extensivos a todos, como é o caso do princípio de
causalidade, que é essencial para as ciências naturais.

Diferentemente dos dois anteriores, já os “princípios monovalentes” são aqueles enunciados lógicos que
só valem no âmbito de uma determinada área do conhecimento ou de uma determinada ciência, como é o
caso dos princípios gerais do Direito, que só são válidos para a Ciência Jurídica.

Na concepção da Ana Prata, “princípio” é, no campo da Ciência Jurídica, a “orientação que informa o
conteúdo de um conjunto de normas jurídicas, que tem de ser tomado em consideração pelo intérprete,
mas que pode, em alguns casos, ter directa aplicação”172.

Segundo esta, os princípios são extraídos das fontes e dos preceitos e constituem uma orientação para a
definição de novos regimes pelo legislador173.

No nosso Direito positivo, concretamente no CC de 1966, temos um preceito que coincide com o vigente
na maioria dos sistemas jurídicos de matriz romanística: é o art. 10º do CC, que confere ao juiz, – quando
a norma jurídica fôr omissa –, o poder de decidir o caso de acordo com a analogia e, na falta desta, criar
ele próprio a norma que criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. Quer isto dizer que o
legislador do CC moçambicano reconhece que o nosso sistema jurídico não cobre e nem podia cobrir todo
o campo da experiência humana, por isso, ele deixou muitas situações não reguladas porque não as podia
prever no momento da feitura da lei: essas situações são chamadas lacunas do sistema e têm de ser
integradas.

Para a integração destas lacunas, o legislador fixou a regra de que devemos recorrer ao princípio da
analogia, e na falta de casos análogos, aos princípios gerais do Direito174.

172
PRATA, Ana, (1999) “Dicionário Jurídico” 3ª ed., Almedina, Coimbra, p. 764.
173
Ibidem idem.
174
Sobre o conceito, a tipologia e a caracterização dos princípios gerais do Direito, vide maiores desenvolvimentos em MENEZES CORDEIRO, Princípios
Gerais do Direito, in Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. IV, p. 1490; OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral,
1984, pp. 365 e ss; JOSE JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, 1982, pp. 277 e ss.
70
Não se deve, no entanto, entender que aos princípios gerais do Direito só cabe apenas essa tarefa de
preencher ou suprir as lacunas, pois, eles fazem muito mais do que isso: como enunciações normativas de
valor genérico, condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a aplicação
das suas normas e integração das suas lacunas, quer ainda para a elaboração de novas normas, o que
significa que eles cobrem, deste modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito, como o da actualização
legislativa.

Importa agora identificar e enumerar os princípios monovalentes da Ciência Jurídica Não são enumeráveis
mas podemos, a título exemplificativo passar em desfile alguns desses princípios, sobretudo os que se
revestem de tamanha importância que o legislador nacional lhes conferiu a dignidade constitucional ou
força de lei, assumindo-se então como estruturas de modelos jurídicos. Situamos neste plano, por exemplo
o princípio da Universalidade175, o da Igualdade de todos perante a lei176, e o da não retroactividade da
lei177 para protecção dos direitos adquiridos, previsto.

Para além destes, existem tantos outros princípios que não constam de textos legais, apenas são modelos
doutrinários ou dogmáticos fundamentais que de uma de outra forma influem na vida jurídica.

Como se pode verificar, os princípios gerais do Direito são eficazes independentemente da sua
consagração legislativa, mas quando a lei os consagra, dá-lhes maior força sem lhes alterar a substância,
constituindo então um ius prévio e exterior à lex.

Por outro lado, os princípios gerais do Direito não têm a mesma amplitude, pois, existem os que se
manifestam em todos os ramos de Direito mas existem outros que só se manifestam apenas nalguns deles
ou seja, neste ou naquele ramo de Direito, sendo por isso objectos de estudo das respectivas disciplinas
dogmáticas. É por essa razão que falamos de princípios gerais do Direito Constitucional, princípios gerais
do Direito Administrativo, princípios gerais do Direito Financeiro, princípios gerais do Direito Fiscal e
Aduaneiro, princípios gerais do Direito Criminal, princípios Gerais do Direito Civil, princípios gerais do
Direito Comercial, princípios gerais do Direito do Trabalho, e muito mais.

O Direito das Obrigações é parte do Direito Civil, pelo que os seus princípios são parte dos princípios do
Direito Civil. Os princípios gerais do Direito Civil são os seguintes: i) o princípio da Intangibilidade da
Pessoa Humana; ii) o princípio da Universalidade ou da Igualdade de todos perante a lei; iii) o princípio
da Igualdade do Género; iv) o princípio da Legalidade dos actos das Pessoas como condição da sua
validade; v) o princípio da Autonomia Privada; vi) o princípio da Boa-fé ou colaboração intersubjectiva;
vii) o princípio do Não Enriquecimento indevido; viii) o princípio da Pontualidade; ix) o princípio da

175
Cfr. art. 35º CRM de 2004.
176
Cfr. art. 36º CRM de 2004.
177
Cfr. no nº 2 do art. 60º CRM de 2004.
71
Proibição da Onerosidade excessiva nas relações contratuais; x) o princípio da Responsabilidade civil ou
do Ressarcimento de danos e xi) o princípio da Responsabilidade Patrimonial.

Dentre estes princípios gerais do Direito Civil, os que relevam para o Direito das Obrigações como sua
fonte são o da Boa-fé ou Colaboração intersubjectiva178, o da Autonomia Privada179, o da
Responsabilidade Civil, Ressarcimento ou Imputação de danos 180, o do Não Enriquecimento Indevido ou
da Repetição ou Restituição do Indevido181 e o da Responsabilidade Patrimonial182.

Em Direito das Obrigações, estes e outros princípios gerais não expressamente referidos neste estudo são
fontes porque são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam a compreensão do
subsistema normativo jurídico-obrigacional, quer para a aplicação das suas normas e integração das suas
lacunas, quer para a reforma legislativa e elaboração de novas normas jurídico-obrigacionais. Portanto,
estes princípios cobrem, como dissemos, tanto o campo da pesquisa pura do Direito das Obrigações, como
o da reforma e o da sua actualização legislativa.

Em qualquer país, as fontes do Direito local têm uma certa hierarquia, a partir da qual se constitui a
respectiva pirâmide. Terminando o estudo das fontes do Direito das Obrigações, há que abordar a
problemática da sua hierarquia. Vejamos a seguir como se apresenta essa pirâmide no nosso caso.

3.11. Pirâmide Nacional das Fontes


Moçambique não é e nem podia ser excepção, o nosso Direito também tem as suas fontes hierarquizadas o
que significa que o Direito das Obrigações moçambicano possui a sua própria pirâmide nacional das
fontes183, que apresenta a sistemática que se segue. Temos assim e em primeiro lugar a Constituição de
2004, a que seguem sucessivamente o Código Civil de 1966, a Legislação avulsa ou extravagante que
contenha matéria obrigacional, os Tratados Internacionais que contenham matéria obrigacional, a
Jurisprudência na forma de assentos relevantes para o Direito das Obrigações, a Doutrina e os Princípios
Gerais do Direito.

A Constituição de 2004 é o topo da pirâmide nacional das fontes do Direito e, por conseguinte, das do
Direito das Obrigações. Como Lei Fundamental do país, contém os princípios maiores com que as normas
jurídico-obrigacionais – e não só –, se devem conformar, em razão da sua força jurídica máxima, daí que
se qualifica como fonte primeira do Direito das Obrigações.

178
Cfr. art. 227º CC.
179
Cfr. art 405º CC.
180
Cfr. arts. 483º nº 1 e ss CC.
181
Cfr. arts. 473º CC e ss.
182
Cfr. arts. 601º CC e ss.
183
Da hierarquia das fontes do Direito das Obrigações, excluímos o costume, por entendermos que ele não o é.
72
O Código Civil de 1966 contém o principal acervo normativo de conteúdo obrigacional, que é o seu Livro
II. Neste sentido, ele é fonte principal do Direito das Obrigações.

Por sua vez, a Legislação Avulsa ou Extravagante, portanto, aquela que não está codificada, é fonte do
Direito das Obrigações desde que verse sobre matéria do Direito Civil e contenha disposições normativas
de conteúdo obrigacional ou seja, que relevem para o Direito das Obrigações, os Tratados Internacionais
ingressam na nossa Ordem Jurídica uma vez ratificados pelos órgãos competentes do Estado
moçambicano e tornam-se fontes do Direito das Obrigações desde que contenham normas jurídico-
obrigacionais.

Diferentemente das anteriores, a Jurisprudência só serve de fonte do Direito das Obrigações quando se
apresenta na forma de assentos e se contiver conteúdo obrigacional porque tem força obrigatória geral,
tem valor normativo ou força de lei.

A Doutrina é constituída pelos pareceres e opiniões dos estudiosos do Direito e só se torna fonte do
Direito das Obrigações, quando ela contiver conteúdo obrigacional e o legislador a acolher, aproveitando-
a para a produção de novas normas jurídico-obrigacionais.

Os Princípios Gerais do Direito, finalmente, são enunciações normativas de valor genérico que
condicionam e orientam a compreensão do subsistema normativo jurídico-obrigacional. Apresentam-se
como enunciados lógicos admitidos como condição de validade das demais asserções que compõem o
campo da Ciência Jurídica e, como tal, constituem linhas de força do nosso sistema jurídico, justificando-
se, por isso constituírem fontes do Direito das Obrigações, no caso vertente.

73
4. Do Assento Legal e da Sistemática
4.1. Assento Legal
Em cada ordem jurídica romanística, o Direito das Obrigações tem um assento legal próprio e uma certa
sistemática. Pretendemos agora localizar esse assento e essa sistemática, no nosso quadro jurídico, no caso
especifico do nosso Direito das Obrigações.

Ora, é ponto assente na doutrina e na jurisprudência que no nosso desenho legislativo, à semelhança do
que sucede em todos os sistemas jurídicos de matriz romano-germânica, o Direito das Obrigações integra-
se no Direito Civil184.

O Direito Civil moçambicano encontra-se subsumido no CC moçambicano. E como dissemos, o CC


moçambicano é o CC português de 1966, que se tornou nosso, – i. é, que se moçambicanizou –, pelo
princípio da recepção automática consagrado sucessivamente nas Constituições de 1975185, 1990186 e
2004187.

Este princípio da recepção automática determinou a conversão do Direito colonial vigente em


Moçambique à data da independência, em Ordem Jurídica nacional, no que não fosse e não seja hoje
conflituante com aquela Constituição de 1975 e com as subsequentes.

Como resultado desta conversão, o sistema jurídico moçambicano é de base romanística, – Família
Jurídica a que pertence o Direito português, de que o nosso é historicamente descendente –, daí que o
sistema jurídico moçambicano pertença à Família Jurídica Romano-Germânica. Ainda que assim e como é
óbvio, o país possui, a sua própria dignidade, decorrente das suas próprias especificidades.

No quadro desta Família e em consequência da recepção de um CC de matriz germânica, Moçambique


integra-se na linha de codificação germânica, alemã188 ou pandectistica, pelo que tem o seu CC
estruturado, como dissemos, em 5 livros, a saber: i) o Livro I, que forma a Parte Geral do referido Código
e compreende os princípios que são comuns a todos os ramos do Direito Privado em geral e do Direito
Civil em particular. Este Livro, que vai do art. 1º ao 396º, inclui o Direito das Pessoas, na parte dedicada
aos Direitos de Personalidade, artigos 70 a 81; ii) o Livro II, que abrange o acervo normativo do art. 397º
ao art. 1250º e que forma o Direito das Obrigações, nosso objecto de estudo; iii) o Livro III, que forma o

184
Como se sabe, o Direito Civil moçambicano assenta na sistematização germânica, inventada pelo jurista alemão GUSTAVO HUGO, que numa obra
publicada em 1789, dividia o direito civil em 5 partes: direitos reais, obrigações, direito da família, direito hereditário e processo. Esta classificação foi aceite
por HEISE e, em seguida, com supressão do processo, defendida pelo grande jurista alemão de nome SAVIGNY, o jurisconsulto que fez com que esta
classificação fosse geralmente aceite, sobretudo por haver sido também perfilhada por um outro grande jurisconsulto alemão do séc. XIX, o WINDSCHIED.
185
O texto integral do art. 71º consta da nota 2 para a qual fazemos a necessária remissão.
186
É o seguinte o texto integral do art. 203º desta Constituição, que recebe materialmente o Direito anterior: “A legislação anterior no que não for contrário à
Constituição mantém-se em vigor até que seja modificada ou revogada.”
187
É o seguinte o texto integral do art. 305º desta Constituição, que recebe materialmente o Direito anterior: “A legislação anterior, no que não for contrária à
Constituição, mantém-se em vigor até que seja modificada ou revogada.”
188
Por contraposição à linha de codificação francesa, que havia servido de inspiração para a elaboração do primeiro Código Civil português, o Código Civil de
1867, também chamado Código de SEABRA.
74
Direito das Coisas ou Direitos Reais, compreendendo o segmento normativo dos arts. 1251º a 1575º do
CC189; iv) o Livro IV, que forma o Direito da Família, compreendendo os arts. 1576º a 2023º do CC190,
entretanto já revogado e v) o Livro V, que forma o Direito das Sucessões, abrangendo os arts. 2024º a
2334º do CC.

Em resumo: i) o CC de 1966 adoptou a sistematização actualmente predominante na doutrina civilística e


que foi acolhida há muito na organização dos estudos universitários do Direito: a sistematização inspirada
na classificação germânica do Direito Civil. O CC de 1966 compreende, como acima indicamos e
voltamos a repetir, cinco Livros, nomeadamente: o Livro I191, o Livro II192, o Livro III193, o Livro IV194 e o
Livro V195; ii) dedicados especialmente a este ramo de Direito, encontram-se neste Livro nada menos nada
mais que 854 artigos, dos quais 477 ocupam-se da teoria geral das obrigações e 377 dos contratos em
especial. É, sem dúvida, o mais extenso dos cinco Livros que compõem o nosso CC, pois, o número dos
seus artigos excede largamente a terça parte deste Código; iii) como se vê, é este segmento do nosso CC, i.
é, o seu Livro II, que constitui o assento legal do nosso Direito das Obrigações. Do mesmo modo, são
estes 854 preceitos deste Livro que formam o núcleo normativo mais significativo do Direito das
Obrigações moçambicano.

4.2. Sistemática
No que se refere à sistemática do Direito das Obrigações no nosso CC, o Livro II deste mesmo Código
desdobra-se em dois títulos.

O título primeiro compreende os arts. 397º a 873º, versa sobre as obrigações em geral i. é, a teoria geral
das obrigações, a qual engloba o regime comum dessas obrigações. Este título I do Livro II desdobra-se
nos oito capítulos que se seguem.

O Capítulo I começa com o art. 397º e termina com o art. 404º do CC, ocupando-se das disposições gerais
que se reportam à problemática da interpretação e aplicação das leis.

189
A apresentação da sistemática e o estudo aprofundado do Livro I é matéria da Introdução ao Estudo do Direito e da Teoria Geral do Direito Civil, enquanto
que a apresentação da sistemática e o estudo aprofundado do Livro III é objecto da Disciplina de Direitos Reais ou Direito das Coisas. Quanto à apresentação
da sistemática e do estudo do Livro V, cabe à Disciplina de Direitos das Sucessões. Neste texto ocupamo-nos apenas do Livro II pelo facto de o mesmo
constituir o Direito das Obrigações e por conseguinte objecto de estudo da Disciplina do Direito das Obrigações.
190
Hoje revogado pela Lei da Família, a nº 10/2004 de 25 de Agosto.
191
arts. 1º a 396º - Parte Geral.
192
arts. 397º a 1250º - Direito das Obrigações.
193
arts. 1251º a 1575º - Direito das Coisas.
194
arts. 1576º a 2023º - Direito de Família.
195
arts. 2024º a 2334º - Direito das Sucessões.
75
O Capítulo II abrange os arts. 405º a 510º do CC e ocupa-se das fontes das obrigações, designadamente, os
contratos196, os negócios unilaterais197, a gestão de negócios198, o enriquecimento sem causa199 e a
responsabilidade civil200.

O Capítulo III compreende os arts. 511º a 576º do CC, trata das modalidades das obrigações,
nomeadamente: i) obrigações de sujeito activo indeterminado201; ii) obrigações solidárias202; iii)
obrigações divisíveis e indivisíveis203; iv) obrigações genéricas204; v) obrigações alternativas205; vi)
obrigações pecuniárias206; vii) obrigações de juros207; viii) obrigação de indemnização208 e ix) obrigação
de informação e de apresentação de coisas ou documentos209.

O Capítulo IV integra os arts. 577º a 600º do CC e trata dos institutos ligados à transmissão de créditos e
de dívidas, como sejam a cessão de créditos210, a sub-rogação211 e a transmissão singular de dívidas212,
esta última também chamada “assunção de dívidas”.

O Capítulo V começa com o art. 601º e termina com o art. 622º do CC e trata da garantia geral das
obrigações e dos respectivos meios de defesa dos credores face a actos de delapidação do património pelo
devedor, antes da liquidação das suas dívidas.

O Capítulo VI abrange os arts. 623º a 671º do CC, trata das garantias especiais das obrigações, sejam elas
pessoais ou reais, designadamente, a prestação de caução213, a fiança214, a consignação de rendimentos215,
o penhor216, a hipoteca217, o privilégio creditório 218 e o direito de retenção219.

O Capítulo VII começa com o art. 762º e termina com o art. 836º do CC e trata do cumprimento220 e
incumprimento221 das obrigações, bem como das implicações que decorrem desse mesmo cumprimento,
do cumprimento defeituoso e até mesmo do incumprimento dessas mesmas obrigações.

196
Cfr. arts. 219º e ss e 405º a 456º CC.
197
Cfr. arts. 457º a 463º CC.
198
Cfr. arts. 464º a 472º CC.
199
Cfr. arts. 473º e ss CC.
200
Cfr. arts. 483º a 510º CC.
201
Cfr. arts. 511º e ss CC.
202
Cfr. arts. 512º e ss CC.
203
Cfr. arts. 534º e ss CC.
204
Cfr. arts. 539º e ss CC.
205
Cfr. arts. 453º e ss CC.
206
Cfr. arts. 550º e ss CC.
207
Cfr. arts. 559º e ss CC.
208
Cfr. arts. 562º e ss CC.
209
Cfr. arts. 573º e ss CC.
210
Cfr. arts. 577º a 588º CC.
211
Cfr. arts. 589º a 594º CC.
212
Cfr. arts. 595º a 600º CC.
213
Cfr. arts. 623º a 626º CC.
214
Cfr. arts. 627º a 655º CC.
215
Cfr. arts. 656º a 665º CC.
216
Cfr. arts. 666º a 685º CC.
217
Cfr. arts. 686º a 732º CC.
218
Cfr. arts. 733º a 753º CC.
219
Cfr. arts. 754º a 761º CC.
76
O Capítulo VIII começa com o art. 837º e termina com o art. 873º do CC, ocupando-se das causas ou
modos de extinção das obrigações além do cumprimento, como sejam a dação em pagamento222, a
consignação em depósito223, a compensação224, a novação225, a remissão226 e a confusão227.

Por sua vez, o título segundo compreende os arts. 874º a 1250º, versa sobre a regulamentação própria ou
em especial das obrigações nos contratos civis que eram mais frequentes à data da elaboração do CC e
que, por isso mesmo, foram nele tipificados. Este título do Livro II trata dos contratos em especial e
desdobra-se em 16 capítulos, como se indica: i) o Capítulo I, fixa o regime jurídico do contrato de Compra
e Venda228; ii) o Capítulo II, fixa o regime jurídico do contrato de Doação 229; iii) o Capítulo III, fixa o
regime jurídico do contrato de Sociedade230; iv) o Capítulo IV, fixa o regime jurídico do contrato de
Locação231; v) o Capítulo V, fixa o regime jurídico do contrato de Parceria Pecuária 232; vi) o Capítulo VI,
fixa o regime jurídico do contrato de Comodato233; vii) o Capítulo VII, fixa o regime jurídico do contrato
de Mútuo234; viii) o Capítulo VIII, fixa o regime jurídico do contrato de Trabalho 235; ix) o Capítulo IX,
fixa o regime jurídico do contrato de Prestação de Serviços236; x) o Capítulo X, fixa o regime jurídico do
contrato de Mandato237; xi) o Capítulo XI, fixa o regime jurídico do contrato de Depósito238; xii) o
Capítulo XII, fixa o regime jurídico do contrato de Empreitada239; xiii) o Capítulo XIII, fixa o regime do
contrato de Renda Perpétua240; xiv) o Capítulo XIV, fixa o regime jurídico do contrato Renda Vitalícia241;
xv) o Capítulo XV, fixa o regime jurídico do contrato de Jogo e Aposta 242 e xvi) o Capítulo XVI, fixa o
regime jurídico do contrato de Transacção243.

Como se vê, o Livro II do nosso CC tratou de fixar primeiro o regime geral das obrigações e,
posteriormente, regular alguns contratos civis que, em razão da sua maior frequência e importância
aquando da elaboração do referido Código, ficaram assim nele tipificados.

220
Cfr. arts. 762º a 789º CC.
221
Cfr. arts. 790º a 816º CC.
222
Cfr. arts. 837º a 840º CC.
223
Cfr. arts. 841º a 846º CC.
224
Cfr. arts. 847º a 856º CC.
225
Cfr. arts. 857º a 862º CC.
226
Cfr. arts. 863º a 867º CC.
227
Cfr. arts. 868º a 873º CC.
228
Cfr. arts. 874º a 939º CC.
229
Cfr. arts. 940º a 979º CC.
230
Cfr. arts. 980º a 1021º CC.
231
Cfr. arts. 1022º a 1120º CC.
232
Cfr. arts. 1121º a 1128º CC.
233
Cfr. arts. 1129º a 1141º CC.
234
Cfr. arts. 1142º a 1151º CC.
235
Cfr. arts. 1152º a 1153º CC e remete o seu regime para a legislação especial, que é a legislação laboral em vigor.
236
Cfr. arts. 1154º a 1156º CC.
237
Cfr. arts. 1157º a 1184º CC.
238
Cfr. arts. 1185º a 1206º CC.
239
Cfr. arts. 1207º a 1230º CC.
240
Cfr. arts. 1231º a 1237º CC.
241
Cfr. arts. 1238º a 1244º CC.
242
Cfr. arts. 1245º a 1247º CC.
243
É preenchido pelos arts. 1248º a 1250º do CC.
77
Não se deve, pois, entender que estes contratos consagrados no CC são os únicos admissíveis no Direito
das Obrigações, pois, podem ser celebrados tantos outros que não têm nesta lei ou noutra que a
complemente expressa consagração, mas que ela os admite e os acolhe, ao abrigo do princípio da
autonomia privada e mais concretamente, da liberdade contratual que o próprio Código consagra e por via
dele confere às pessoas244.

244
Cfr. art. 405º CC. Este preceito estabelece o seguinte: “1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos,
celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. 2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato
regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”
78
5. Das Características do Direito das Obrigações
5.1. Enunciado geral
Vamos agora abordar a temática das características do Direito das Obrigações. O que é que se pode
entender, afinal, por uma característica de um ramo de Direito e, nessa mesma linha, por uma
característica do Direito das Obrigações?

Ora, é ponto assente na doutrina que cada ramo de Direito apresenta particularidades que o distinguem de
outros ramos e o conferem dignidade ou identidade própria: são as suas características.

Assim, podemos dizer, em termos aproximativos, que as características de um ramo de Direito são as
qualidades ou os atributos que traçam a sua fisionomia, que delimitam a sua identidade ou singularidade,
por forma a distingui-lo de cada um e de todos os outros ramos de Direito.

No caso do Direito das Obrigações, as suas características são as qualidades ou atributos que traçam a sua
fisionomia e delimitam a sua identidade ou singularidade, por forma a distingui-lo de todos os outros
ramos de Direito, bem como dos restantes sub-ramos do Direito Civil em particular.

Sobre esta problemática, embora sem unanimidade de vistas, a doutrina dominante reconhece e elenca
como características do Direito das Obrigações as cinco que a seguir se enunciam, a saber: i) a integração
no Direito Civil; ii) a privacidade ou privaticidade; iii) a patrimonialidade ou economicidade tendencial;
iv) a diversidade substancial do seu objecto e v) a natureza suplectiva da maioria dos preceitos que o
integram.

5.2. Integração no Direito Civil


Na sistemática geral do Direito encontramos dois grandes hemisférios, nomeadamente o Direito Público e
o Direito Privado, cada um deles com os seus ramos.

Entre estes dois hemisférios jurídicos, encontra-se o conjunto dos ramos de Direito de classificação
híbrida, em razão da natureza das normas jurídicas neles integradas, que é parcialmente pública e
parcialmente privada, daí o falarmos em dois grandes hemisférios e não apenas dois hemisférios.

A natureza dos objectivos que estamos a perseguir não chama à colação a necessidade de desenvolver o
hemisfério do Direito Público, por isso vamos prescindir desse exercício e tratar do que é pertinente para
esse propósito em vista: o Direito Privado.

No hemisfério do Direito privado encontramos filiados o Direito Civil, – como Direito privado geral –,
seguido do Direito Comercial, do Direito Laboral ou de Trabalho e do Direito Internacional Privado, sem
excluir, naturalmente o Direito dos Seguros e o Direito dos Valores Mobiliários configurando-se todos
estes, face ao Direito Civil, como Direitos privados especiais.
79
Na sua estrutura, o Direito Civil integra sub-ramos como o Direito das Pessoas245, o Direito das
Obrigações, o Direito das Coisas ou Direitos Reais, o Direito da Família e o Direito das Sucessões.
Decorre daí a constatação de um facto: o de que o Direito das Obrigações é parte do Direito Civil. Ora,
estando o Direito Civil subsumido no CC, verificamos que neste, o Direito das Obrigações preenche o
Livro II, do que decorre a constatação de um outro facto: o de que o Direito das Obrigações é parte do CC.

Este facto de o Direito das Obrigações se encontrar integrado no CC, o qual é expressão normativa do
Direito Civil, confirma que ele é parte do Direito Civil, daí que as regras e os princípios que o formam e
que constituem o seu núcleo normativo mais significativo, se encontram no referido CC. Assim, o Direito
das Obrigações está integrado no Direito Civil: esta é, sem dúvida, uma característica absoluta deste ramo
de Direito.

5.3. Privacidade ou Privaticidade


Na análise das características do Direito das Obrigações, segue-se agora a da privacidade.

A clarificação da natureza privada do Direito das Obrigações remete-nos à necessidade de recordar os


princípios que marcam a distinção entre o modo de actuação dos sujeitos das situações jurídicas no Direito
Público e no Direito Privado.

No Direito Público vigora o de que “é proibido tudo o que não está expressamente autorizado”. Significa
isso que no Direito Público vigoram os princípios da autoridade e da competência. No Direito Privado
vigora o princípio de que “é permitido tudo o que não se encontra expressamente proibido”, o que
significa que situando-se no Direito Privado, o Direito das Obrigações goza das características de
liberdade e de igualdade, – típicas deste hemisfério –, diferentemente do que sucede no Direito Público,
em que uma das partes da relação tem o poder de provocar na esfera doutra certas modificações, através
da prática de certos actos para que a lei lhe atribui a respectiva competência246.

Nas relações jurídico-obrigacionais ou de crédito, os sujeitos intervêm sempre coordenados ou seja, em pé


de igualdade jurídica, aplicando-se assim a todos eles, indistintamente, o regime do Livro II do CC, uma
vez que todos têm os mesmos poderes e, portanto, estão despidos da prerrogativa de autoridade, ainda que
o sejam.

Mais ainda, os referidos sujeitos estão livres de fazer tudo o que não se encontra coberto por qualquer
proibição, facto que reforça a conclusão de que o Direito das Obrigações situa-se no Direito Privado,
dominado pelo princípio da autonomia privada, por força do qual cada um pode praticar quaisquer actos

245
O Direito das Pessoas não foi autonomizado pela classificação germânica, daí que esteja ligeiramente aflorado no Livro I do CC., nos arts. 70º a 81º.
246
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, cit., p. 14. No mesmo sentido, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, cit., p.15.
80
que lhe aprouverem, desde que os mesmos se situem dentro dos limites da lei, i. é, que não estejam
expressamente proibidos por esta.

Deste modo, à semelhança do que se passa com a integração no Direito Civil, a privacidade, ou
privaticidade é, também, uma característica absoluta do Direito das Obrigações, na medida em que não
existem relações ou situações de conteúdo obrigacional que não se estabeleçam na base da liberdade e
igualdade.

5.4. Patrimonialidade Tendencial


A patrimonialidade ou economicidade do Direito das Obrigações significa que o cerne da matéria regulada
por este ramo do Direito tem natureza patrimonial, isto é, é de conteúdo patrimonial247 ou económico248,
por isso susceptível de avaliação pecuniária, passível de conversão em dinheiro, decorrendo daí que as
posições activas e passivas que emergem das situações jurídico-obrigacionais se integrem nos hemisférios
patrimoniais dos respectivos sujeitos.

Este entendimento não é absoluto, pois, casos existem em que a patrimonialidade ou economicidade não
se verifica.

Como a lei civil 249 estabelece, a prestação debitória250, – que tradicionalmente251 se entendeu como que
revestindo apenas carácter económico –, não tem que ter necessariamente valor pecuniário, não tem que
ser necessariamente avaliável em dinheiro, ela tem é que corresponder a um interesse real do credor, só
que não qualquer um, apenas o interesse que seja digno de protecção legal. Quer isto dizer que há algumas
situações jurídicas, embora esporádicas, que não têm valor pecuniário mas que a lei sujeita ao regime do
Direito das Obrigações, desde que correspondam a interesses do credor dignos de protecção legal.

Assim, embora seja verdade que a maior parte dos casos ou situações jurídicas cobertas pelo Direito das
Obrigações apresenta carácter patrimonial252, também não é menos verdade que existe uma certa
percentagem de casos sem essa natureza253, daí que a lei afasta a patrimonialidade como requisito
necessário das obrigações, mantendo contudo a sua juridicidade.

Deste modo, diferentemente das características da integração no Direito Civil e da privacidade, que são
características absolutas e legais, esta característica da patrimonialidade não é absoluta ou seja, é relativa e

247
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, cit., p. 13. Do mesmo autor, Direitos Reais I, Lisboa, 1979, n.º I, III e bibliografia aí citada.
248
Economicidade, na terminologia de MENEZES CORDEIRO, in Direito das Obrigações, cit.
249
Cfr. art. 397º, n.º 2 do CC.
250
Por “prestação debitória” deve entender-se o que o devedor tem a realizar em benefício do credor.
251
À luz do CC de 1867, isto é, o Código de SEABRA.
252
Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, cit., p. 11.
253
Vide art. 398º, n.º 2 CC, cujo texto é: “A prestação não necessita de ter valor pecuniário, mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de
protecção legal”.
81
doutrinária, pois, nem todas as situações cobertas pelo Direito das Obrigações têm natureza patrimonial,
há algumas com natureza espiritual, conforme estabelece a lei.

Do exposto decorre a ilação de que esta característica, diferentemente das duas anteriores, deve ser
entendida como relativa e por isso, doutrinária, tendencial254 ou geral255, pois, há obrigações que não são
susceptíveis de avaliação pecuniária, como por exemplo a obrigação de não tocar a viola, a obrigação de
vigiar uma casa, a obrigação de guarnecer uma viatura, a obrigação de tocar o piano, de pintar um quadro.

5.5. Diversidade Substancial


Ocupemo-nos agora da análise do âmbito substancial do Direito das Obrigações, como uma das suas
características.

Os autores são unânimes no reconhecimento de que o “âmbito infra-jurídico256” do Direito das Obrigações
não apresenta unidade, é sim diversificado, o que quer dizer que o Direito das Obrigações abrange
matérias situadas em campos jurídicos distintos, as quais são unificadas apenas pelo conceito de
obrigação, isto porque, sempre que surge estruturalmente a vinculação de uma pessoa à adopção de
determinada conduta para com uma outra, essa situação é potencialmente regulada pelo Direito das
Obrigações, o que só não se verificará se ocorrer a sua absorção por um instituto pertencente a outro ramo
do Direito.

Em Moçambique, o legislador do CC ofereceu, no plano normativo, elementos que confirmam essa


diversidade do âmbito infra-jurídico obrigacional257, o que nos leva a perfilhar este entendimento da
doutrina de que o objecto de regulação do Direito das Obrigações é diversificado e não homogéneo. É a
isso que essa doutrina designa por “diversidade substancial” do objecto de regulação do Direito das
Obrigações.

Olhando para o nosso quadro legal obrigacional, que é o Livro II do CC, notámos que o Direito das
Obrigações ocupa-se de matérias258 como:
a) os negócios jurídicos que provocam alteração na ordenação dos bens, desencadeando deste modo a
movimentação destes de uma esfera jurídica para a outra, como por exemplo, o contrato de
Compra e Venda259, o contrato de Doação260, a transmissão dos direitos reais261 que recaem sobre
os bens262;

254
Cfr. PEDROSA MACHADO, Direito das Obrigações: Programa, bibliografia fundamental e enunciados de provas escritas, FDL, 1993-94, p. 19.
255
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações I, cit., p. 15.
256
Expressão de MENEZES CORDEIRO, in Direito das Obrigações, cit, p. 13.
257
Cfr. art.º 874 a 1250º CC.
258
Seguimos muito de perto o pensamento de MENEZES LEITÃO, in Direito das Obrigações I, cit., p. 17 e ss.
259
Cfr. arts. 874º a 939º CC.
260
Cfr. arts. 940º a 979º CC.
82
b) as situações jurídicas que levam à instituição de organizações, como o caso do contrato de
sociedade263, que é tratado nestes preceitos como forma comum de associação para a exploração de
uma actividade económica sem finalidade lucrativa264;

c) as situações jurídicas de que emergem os direitos reais de gozo sobre bens alheios, designadamente
a locação265, quer na forma de aluguer, quer na de arrendamento de bens de terceiros, na parte
aplicável. Situa-se neste grupo o contrato de comodato266;

d) os negócios jurídicos que provocam a transmissão de créditos, nomeadamente a cessão da posição


contratual267, a cessão de créditos268, a sub-rogação269;

e) as situações jurídicas que implicam a transmissão de dívidas, como sejam a cessão da posição
contratual270, a transmissão singular de dívidas ou a assunção de dívidas271;

f) os contratos típicos cobertos pela autonomia da vontade, designadamente o de prestação de


serviços272 nas formas de contrato de mandato273, de depósito274 e de empreitada275, para além do
contrato de trabalho276;

g) as situações jurídicas atípicas praticadas no âmbito da autonomia da vontade e que têm cobertura
legal277;

h) as situações jurídicas que consubstanciam comportamentos ilícitos dos particulares, sejam elas
culposas ou dolosas, designadamente: i) as que dão lugar à responsabilidade civil por actos
ilícitos278; ii) as que dão lugar à responsabilidade civil pelo risco279; iii) as que dão lugar à

261
Os direitos reais são tratados em Disciplina própria, designada “Direito das Coisas” ou mesmo “Direitos Reais”. O assento legal desta matéria é o Livro III.
Sobre o conceito, a tipologia e o regime dos direitos reais, vide ARVÁRO MORENO e CARLOS FRAGA, Direitos Reais, Almedina, 1971, toda a obra.
Igualmente, RUI PINTO, Direitos Reais de Moçambique, Almedina, 2006, toda a obra.
262
Cfr. art. 408º CC.
263
Conforme o disposto nos arts. 980º a 1021º CC.
264
As sociedades comerciais são o objecto de regulamentação especial que justificou a autonomização de um ramo de Direito próprio, o Direito Comercial.
265
Cfr. arts. 1022º e ss CC.
266
Cfr. arts. 1129º a 1141º CC.
267
Cfr. arts. 424º a 427º CC.
268
Cfr. arts. 577º a 588º CC.
269
Cfr. arts. 589º a 594º CC.
270
Cfr. arts. 424º a 427º CC.
271
Cfr. arts. 595º a 600º CC.
272
Esta figura geral de contrato assume a tipificação legal nas modalidades indicadas, com relação às quais não há convergência de pontos de vista na Doutrina.
Sobre essas divergências doutrinárias, vide MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações I, cit., p. 15. No mesmo sentido, MENEZES LEITÃO, Direito
das Obrigações I, cit., pp. 16 e 17.
273
Cfr arts. 1157º a 1184º CC.
274
Cfr arts. 1185º a 1206º CC.
275
Cfr arts. 1207º a 1230º CC.
276
O Contrato de Trabalho, que à data da concepção do CC se entendeu dever situar-se no Direito das Obrigações, originou e justificou, a partir da
regulamentação especial de que foi objecto nos termos dos arts. 1152º/1153º CC, a autonomização posterior de um ramo do Direito objectivo pertinente, o
Direito do Trabalho, consubstanciado na Lei de Trabalho e noutra legislação laboral conexa.
277
Cfr. n.º 1 do art. 405º CC, in fine, os quais, em razão dessa atipicidade não são susceptíveis de enumeração.
278
Cfr. arts. 483º a 498º CC.
279
Cfr. arts. 499º a 510º CC.
83
responsabilidade civil contratual, decorrente, portanto, da violação de contratos e iv) quaisquer
outras que dão lugar à obrigação de indemnizar por danos causados280;

i) o Direito das Obrigações regula ainda as situações jurídicas que originam a responsabilidade pelo
risco e que não tenham natureza sancionatória mas compensatória, como sejam, a compensação
por despesas no âmbito da gestão de negócios281 e a que resulta do enriquecimento sem causa282.

Desta longa análise da nossa lei resulta concluir que o Direito das Obrigações visa essencialmente, regular
situações jurídicas substancialmente diferentes, unificadas pelo instituto da obrigação, quais sejam: i) a
circulação de bens; ii) a prestação de serviços; iii) a instituição de organizações; iv) as sanções civis; v) a
indemnização por danos; vi) a compensação pelas despesas no âmbito da gestão de negócios e vii) a
compensação pelo enriquecimento ilícito.

É, portanto, verdade que o objecto ou a substância do Direito das Obrigações é heterogéneo, o que
também é, sem dúvida, uma característica absoluta deste ramo de Direito.

5.6. Natureza Suplectiva


Para compreender a natureza suplectiva do Direito das Obrigações é preciso retomar o conceito de “norma
suplectiva”, que é a regra jurídica que pode ser afastada pela vontade das partes, porque só se aplica na
falta de um comando específico criado por estas para a regulação de um facto ou uma situação subsumível
na previsão dessa mesma norma.

Importa clarificar porque razão se consagraram as normas jurídico-obrigacionais de natureza suplectiva.

A justificação dessa consagração tanto do ponto de vista jurídico como do prático, é a predominância
neste campo, do princípio da autonomia privada, que permite às partes: i) preencher eventuais lacunas dos
particulares, na sua actividade de criar normas próprias; ii) evitar repetições nos casos de actuações
tipicamente comuns e iii) fixar as soluções mais equilibradas para os particulares, permitindo-lhes
precaverem-se de imposições de soluções desvantajosas, vindas de sujeitos com mais experiências ou
poder económico.

A natureza suplectiva do Direito das Obrigações revela-se nos conceitos indeterminados283 contidos
nalguns princípios, os quais não são rígidos mas abertos. Por exemplo: o princípio da Boa-fé abrange não
só o dever de prestar informações úteis à contraparte, como também o de respeitar os bons costumes, para
além, naturalmente, do de lealdade e de honestidade.

280
Cfr. arts. 562º a 572º CC.
281
Cfr. arts. 464º a 472º CC.
282
Cfr. arts. 473º a 481º CC.
283
Um conceito é indeterminado quando …
84
Partindo deste conceito e tendo em conta que o princípio da autonomia privada tem a sua máxima
expressão no Direito das Obrigações, podemos concluir que, em tese geral, a maioria das normas contidas
no Livro II do CC, – portanto, sobre o Direito das Obrigações –, é de natureza suplectiva, na medida em
que elas só se aplicam quando as partes não tenham estipulado nenhuma regra sobre o conteúdo do seu
negócio ou seja, sobre as situações fácticas nelas previstas.

Porém, embora a maioria das normas do Direito das Obrigações seja suplectiva, existem excepções nos
casos em que se trate de proteger terceiros nos negócios jurídicos e quando se trate de observar os
princípios ou normas jurídicas hierarquicamente superiores284.

Em suma, como regra, as normas obrigacionais têm natureza suplectiva mas existem excepcionalmente,
algumas de natureza injuntiva. E, tanto umas como outras podem resultar de consagração implícita ou
explícita.

Decorre do exposto concluir que no Direito das Obrigações vigora uma indeterminação de conceitos, em
razão da natureza suplectiva deste ramo de Direito.

284
Como por exemplo, os princípios ou normas jurídico-constitucionais.
85
6. Dos Princípios Estruturantes do Direito das Obrigações
6.1. Enunciado geral285
Qualquer ramo de Direito assenta em determinados princípios que lhe são basilares, os quais são
consagrações legais genéricas que têm a função de fixar a disciplina das relações jurídicas que se
estabelecem na área da vida social por ele reguladas. A Doutrina designa a essas consagrações por
“princípios gerais” desse mesmo ramo de Direito, o que nos permite falar de princípios gerais do Direito
Constitucional, princípios gerais do Direito Administrativo, princípios gerais do Direito Civil, princípios
gerais do Direito Bancário, e muitos outros.

Estes princípios gerais são uma fonte de inspiração de todo o complexo normativo atinente a esse ramo do
Direito objectivo, daí que se aplicam à generalidade das situações dessa área, funcionando como linhas de
orientação da actividade jurídica no contexto desse ramo do Direito objectivo.

Assim, como ramo do Direito objectivo que é e como sub-ramo do Direito Civil, o Direito das Obrigações
tem os seus próprios princípios286 basilares que são os seguintes: i) o Princípio da Boa-Fé; ii) o Princípio
da Autonomia Privada; iii) o Princípio da Responsabilidade Civil; iv) o Princípio do Não Locupletamento
injustificado e v) o Princípio da Responsabilidade Patrimonial. A relevância prática destes princípios não
se restringe ao Direito das Obrigações, ela extravasa os limites deste ramo uma vez que o seu domínio de
aplicação se estende também a todos os outros, públicos, privados ou híbridos. Porém, é importante notar-
se que estes princípios aqui enunciados ganham maior expressão nas relações jurídico-obrigacionais, daí a
sua abordagem privilegiada no âmbito desta Disciplina, em razão do estatuto de que gozam de princípios
estruturantes.

Para efeitos da apreensão da sua extensão e limites, vamos de seguida caracterizar cada um deles, a
começar pelo princípio da Boa-Fé.

6.2. Princípio da Boa-Fé ou Colaboração Intersubjectiva


6.2.1. Razão de ordem
O princípio da boa-fé, como todos os outros, tem a sua própria história, cuja compreensão afigura-se
imprescindível para a apreensão do seu sentido e alcance actuais, em qualquer sistema jurídico.

285
Na concepção de MENEZES CORDEIRO, o Direito das Obrigações está basicamente assente em três princípios gerais, quais sejam o da Autonomia
Privada, que delimita o âmbito de actuação da vontade, indicando o que as pessoas podem fazer; o da Boa-fé ou da colaboração intersubjectiva, que se refere ao
modo como as pessoas devem actuar, indicando como elas podem fazer o que lhes é permitido fazer, o da Responsabilidade Patrimonial, que indica o que
sucede em caso de o devedor prevaricar a norma ou o dever obrigacional: verificada a prevaricação, o património do prevaricador fica vinculado ao
cumprimento das obrigações assumidas. Em nosso entender, relevam também ao nível do Direito das Obrigações o princípio da Restituição do Indevido, que
obriga o enriquecido a restituir aquilo de que se locupletou, o princípio da Responsabilidade Civil ou do Ressarcimento de danos, que obriga o lesante a
ressarcir o lesado dos danos por aquele causados e por este sofridos.
286
Os princípios do Direito das Obrigações integram o elenco dos princípios do Direito Civil, uma vez que o Direito das Obrigações é parte ou segmento deste
ramo do Direito objectivo.
86
Em atenção a isso, entendemos ser necessário verificar, do ponto de vista histórico, como é que a boa-fé se
afirmou nas diferentes etapas da história da Humanidade, portanto, da Antiguidade à Idade
Contemporânea, para se perceber o seu âmbito e limites hoje, no Direito moçambicano e Comparado.

Ora, é ponto assente na História do Direito que a boa-fé não foi desde sempre reconhecida expressamente
na sociedade ou seja, não foi sempre objecto de reconhecimento expresso nas diferentes fases dessa
história da Humanidade mas ela sempre existiu, com variadas incidências históricas. Vejamos a seguir.

O princípio da Boa-fé ou da Colaboração Intersubjectiva refere-se ao modo como os particulares devem


actuar, por isso, diz-nos “como se pode fazer”: e, por último, o princípio da Responsabilidade Patrimonial,
consubstancia as consequências que decorrem da violação dos deveres legais. Por conseguinte, diz-nos “o
que sucede em caso de prevaricação”.

6.3. Princípio da Autonomia Privada


6.3.1. Razão de ordem
A compreensão do sentido e alcance deste princípio pressupõe que passemos em revista a sua origem, a
sua evolução e a respectiva caracterização. É o que fazemos a seguir, analisando: i) a etimologia da
palavra “autonomia”; ii) os seus sentidos actuais; iii) a evolução histórica da autonomia privada; iv) as
concepções doutrinárias; v) a natureza jurídica da autonomia privada; vi) as figuras afins à autonomia
privada; vii) as vertentes da autonomia privada; viii) o âmbito formal da autonomia privada; ix) o âmbito
substancial da autonomia privada; x) a justificação da sua consagração; xi) o significado e a importância
da autonomia privada; xii) a autonomia privada no Direito Comparado; xiii) a sua extensão na lei
moçambicana e xiv) os seus limites de aplicação no nosso desenho legislativo, ao que se seguirá a
apresentação das Conclusões. Vejamos a seguir.

6.3.2. Etimologia da Palavra “Autonomia”


O termo “autonomia”, de proveniência grega, é um vocábulo de conteúdo filosófico que, neste campo da
cultura humana, significava então “a liberdade da vontade racional que só obedece à lei por ela mesma
legislada”287, quer dizer, o “poder da vontade livre de se dar a sua própria lei moral”288.

Da filosofia, o termo transitou para a ciência em geral e desta para a Doutrina política, tendo sido depois
recebido pela Ciência Jurídica, entretanto com um outro sentido: primeiro, o de poder de um ente
soberano dar-se os próprios preceitos, depois, o de poder do ente não soberano de se auto-normar, de se
auto-dirigir.

287
Definição Kantiana in Dicionário da Língua Portuguesa, 5ª ed., p. 168.
288
Definição do mesmo autor, segundo JOSÉ S. CORREIA in Legalidade e Autonomia nos contratos Administrativos, cit., … ed., p. 440.
87
Quer isto dizer que o vocábulo não alcançou de imediato um conceito próprio, preciso e bem demarcado
no plano jurídico, ele só ganhou um conteúdo e uma forma neste campo quando a sua menção passou a
fazer-se com referência à natureza da área da vida social onde o sujeito considerado autónomo, pudesse,
efectivamente se auto-ordenar289, o que significa que a autonomia passou a ser concreta e específica,
porque circunscrita a um campo determinado da vida social, do que se infere não existir um só conceito de
autonomia mas uma pluralidade deles, como sejam a autonomia legislativa, a autonomia económica, a
autonomia administrativa, a autonomia financeira, a autonomia patrimonial, a autonomia política, a
autonomia técnica, a autonomia contabilística, a autonomia institucional, a autonomia organizatória, a
autonomia normativa, a autonomia originária e outras.

A diferença entre estes conceitos decorre, assim, do adjectivo que poscede a este termo “autonomia”, pois,
a aposição desse adjectivo não exprime uma mera acepção de um género mas a existência de conceitos
distintos, quando não opostos290.

Ingressado na Ciência Jurídica, o termo passou a ser muito utilizado e entendido como faculdade que os
sujeitos de uma situação jurídica têm de estabelecer as suas próprias normas, isto é, a possibilidade que os
particulares têm de fixar livremente a sua própria disciplina, dentro de certos parâmetros ou limites
estabelecidos na lei. Entretanto por vezes fala-se de “autonomia” para designar, por um lado a
possibilidade de auto-determinação e, por outro, a de constituição de situações jurídicas através da
vontade privada individual.

Do encontro deste termo com o apogeu da Doutrina voluntarista no final do séc. XIX nasceu em França a
expressão “autonomia da vontade”, não como um princípio mas como uma excepção ao princípio da
personalidade do Direito, então aplicado em matéria de convenções e testamento, no campo do Direito
Internacional Privado.

Surgida em 1886 numa obra de Welss291 a referir-se à excepção ao princípio da personalidade do Direito e
lançada na sequência da Doutrina do poder da vontade como criadora do Direito292, a expressão traduzia a
ideia de que a vontade humana livremente expressa, tem o poder de criar, modificar e extinguir as relações
jurídicas, sendo ela, por isso, o único fundamento do Direito.

Da evolução posterior nasceu a “autonomia privada”, que é a autonomia situada na área do Direito
Privado, informada pelos parâmetros de liberdade e de igualdade.

289
Cfr. MENEZES CORDEIRO, op. cit., pp. 50 e 51.
290
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol I, Reimpressão, AAFDL, 1994, p. 49.
291
292
O Individualismo jurídico que dominou o pensamento jurídico do séc. XIX.
88
6.3.3. Sentidos actuais
Do ponto de vista do seu conteúdo, a expressão “autonomia privada” comporta hoje dois sentidos,
designadamente o amplo ou lactu sensu e o restrito ou strictu sensu.

No seu sentido amplo ou lato, ela compreende a esfera da liberdade das pessoas juridicamente tutelada ou
seja, o âmbito de actuação livre, conferido pela Ordem Jurídica a cada pessoa.

Já no sentido restrito, a autonomia privada traduz a ideia de liberdade de celebração e de estipulação,


igualmente conferido pela Ordem Jurídica a cada pessoa.

Da simbiose destes dois sentidos, podemos extrair a noção de autonomia privada como sendo o princípio
do Direito Civil e particularmente do Direito das Obrigações que confere às pessoas o poder de auto-
regulamentação dos seus interesses, dentro dos limites da lei.

6.3.4. Evolução Histórica da Autonomia Privada


O princípio da autonomia privada, como todos os outros, tem a sua própria história, cuja compreensão
afigura-se imprescindível para a apreensão do seu sentido e alcance actuais, em qualquer sistema jurídico.

Em atenção a isso, entendemos ser necessário verificar, do ponto de vista histórico, como é que a
autonomia privada se afirmou nas diferentes etapas da história da Humanidade, portanto, da Antiguidade à
Idade Contemporânea, para se perceber o seu âmbito e limites hoje, no Direito moçambicano e
Comparado.

Ora, é ponto assente na História do Direito que a autonomia privada não foi desde sempre reconhecida
expressamente na sociedade ou seja, não foi sempre objecto de reconhecimento expresso nas diferentes
fases dessa história da Humanidade mas ela sempre existiu com variadas incidências históricas, como
indicamos.

O eurocentrismo ensina-nos que na Antiguidade293 romana anterior ao período justiniano294, a autonomia


privada revelava-se através da tipicidade e solenidade da manifestação da vontade. O auto-reconhecimento
dos interesses dos particulares concretizava-se, assim, através da observância escrupulosa de determinados
formalismos que validavam os contratos.

Já na Antiguidade romana do período justiniano, a esfera de influência deste princípio foi ampliada, em
contraposição com as regras hermenêuticas do ius civile, como ensina a História Universal.

293
Na perspectiva eurocentrista da evolução da Humanidade, a Antiguidade é o primeiro período da História e estende-se desde a invenção da escrita (de 4000
a.C. a 3500 a.C.) até à queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).
294

89
No período inicial da Idade Média295, a autonomia privada não teve relevância, na medida em que
dominava o Direito Canónico296 e este priorizava a vontade individual dos sujeitos particulares como fonte
das obrigações e era com base nas manifestações dessa vontade que se estruturavam os vínculos pessoais,
no quadro do sistema feudal.

Posteriormente, concretamente por volta dos sécs. VІ a VІІ, a autonomia privada afirmou-se na Itália,
quando na época do nascimento do movimento liberal foi dada ao burguês ou cidadão a possibilidade de
elaboração das normas que deviam ser aplicadas no burgo ou seja, na cidade. Os primeiros sinais desse
reconhecimento são encontrados nos sécs. XI e XII, nas cidades italianas, no contexto do ordenamento
liberal em formação. Foi entendida a autonomia, nessa altura, como a susceptibilidade de elaboração, pelo
próprio cidadão, das normas que seriam depois aplicadas na cidade, isto em oposição ao ordenamento
feudal.

Na Idade Moderna297, época do Estado Liberal, a autonomia privada foi tomada como autonomia de
vontade, com o pendor marcadamente individualista e voluntarista, uma vez que se entendia que a melhor
forma de garantir a satisfação das necessidades públicas e privadas era conceder a liberdade individual
absoluta aos particulares. Entendia-se, assim, que devia o Estado dar maior margem de liberdade a esses
particulares na gestão dos seus negócios, do que resultou, em face disso, a ampliação do âmbito da
autonomia privada.

Na Idade Contemporânea298, a autonomia privada foi se dissociando cada vez mais da autonomia da
vontade. Portanto, no séc. XIX, a autonomia privada deixou de ser oposição das cidades contra o
ordenamento feudal, para ser oposição das cidades ao Estado, isto é, deixou de ser autonomia das cidades
medievais, para ser autonomia privada do indivíduo liberal, exigindo igualdade.

Na época da edificação da chamada “Sociedade Civil”, a autonomia privada veio ganhar maior valor,
consubstanciando a doutrina do “contrato social”.

Significa isso que ao longo da história e nos diferentes campos da vida social, o termo “autonomia” tem
sido usado ou empregue com vários sentidos ou acepções299.

295
Período da História da Humanidade que se situa entre os sécs. V e XV.
296
297
Período de transição entre a Idade Média e a Idade Contemporânea. Tradicionalmente aceita-se que o seu início é o estabelecido pelos historiadores
franceses em 29 de Maio de 1453 quando ocorreu a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, e o término com a Revolução Francesa, em 14 de
Julho de1789. Entretanto, apesar de a queda de Constantinopla ser o evento mais aceite, não é o único, pois, têm sido propostas outras datas para o início deste
período, como a conquista de Ceuta pelos portugueses em 1415, a viagem de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492 ou a viagem de Vasco da
Gama à Índia em 1498.
298
Período da História da Humanidade iniciado a partir da Revolução Francesa de 1789 e perdura até hoje.
299
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, Vol. I, Reimpressão, AAFDL, 1994, p. 49.
90
Significa ainda que a autonomia privada existiu sempre em diferentes domínios ao longo da história, como
atestam neste sentido as referências reportadas ao Direito da Antiguidade e ao sistema jurídico feudal, em
que a autonomia era a base dos vínculos pessoais.

Hoje, a autonomia privada é praticamente reconhecida em todos os sistemas jurídicos romanísticos e


anglo-saxónicos, embora com algumas limitações, como sejam a sobreposição dos interesses comuns aos
individuais, daí que afirmamos que ao longo da história e nos diferentes campos da vida social, a
autonomia privada sempre teve formas de manifestação.

6.3.5. Concepções doutrinárias da Autonomia Privada


O entendimento do sentido e alcance do princípio da autonomia privada não é uniforme entre os autores,
sendo de anotar as concepções parcelares, as concepções extra-jurídicas e as concepções normativistas
sobre este princípio.

As concepções parcelares resumem a autonomia privada a alguma ou algumas das suas manifestações
comuns no âmbito do Direito das Obrigações, como por exemplo a liberdade ou autonomia contratual.
Estas concepções não são de acolher porque a autonomia privada deve ter a necessária independência,
quer por razões técnico-científicas, quer por razões práticas.

As concepções extra-jurídicas reconduzem a autonomia privada ao poder das pessoas de auto-regulação


ou auto-governo da esfera jurídica própria. Estas correntes doutrinárias não são igualmente de acolher, na
medida em que utilizam um conceito de autonomia privada que está fora do Direito, quando no campo da
Ciência Jurídica os conceitos a usar devem ser encontrados dentro do domínio jurídico.

As concepções normativistas encaram a autonomia privada como o poder de criar as próprias normas
jurídicas. Estas também não são de acolher, porque embora os particulares tenham a liberdade de criar
novas realidades normativas, através das estatuições que estabelecem, tais realidades não chegam a atingir
a qualidade de normas jurídicas, por lhes faltarem as características da generalidade e da impessoalidade,
em razão do seu carácter concreto e específico.

Tendo em conta que a expressão “autonomia privada” encerra a ideia de que a produção de efeitos
jurídicos na esfera individual resulta principalmente de actos de vontade que são com essa intenção
praticados; tendo em conta ainda que a autonomia privada é a possibilidade de livre actuação para a
produção de efeitos desejados, podemos, a partir desses pressupostos, delimitar dois conceitos de
autonomia privada, sendo um em sentido amplo ou latu sensu e outro em sentido restrito ou strictu sensu.

Em sentido amplo, a autonomia privada traduz-se na faculdade que a lei confere aos particulares de
fixarem livremente a sua disciplina na relação com outras pessoas. Assim entendida, a autonomia privada

91
é um campo genérico de liberdade das pessoas, juridicamente tutelado. A título de exemplo, podemos
apontar como manifestações deste sentido a liberdade de circular a certa hora e num certo lugar.

Em sentido restrito, a autonomia privada consubstancia todo o comportamento que é voluntário e é


permitido, que se traduz numa previsão normativa susceptível de produzir efeitos jurídicos. É portanto, um
facto jurídico lícito, daí que se entenda que não há autonomia privada ou seja, não há actuações jurígenas
sempre que: i) falte uma conduta humana livre; ii) existindo essa conduta humana livre, ela não seja
permitida mas obrigatória ou proibida e iii) existindo a conduta humana e sendo ela permitida, produza
apenas efeitos materiais ou não jurídicos, por não integrar qualquer previsão normativa.

Rematando, podemos dizer que em sentido restrito, este princípio, na sua substância, confere às partes: i) a
liberdade de celebrar ou não celebrar contratos, isto é, a liberdade de contratar ou não contratar; ii) a
liberdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos que decidirem celebrar; iii) a liberdade de celebrar
contratos paradigmáticos ou típicos, isto é, previstos na lei300; iv) a liberdade de celebrar contratos não
paradigmáticos ou atípicos301, i. é, os não previstos na lei moçambicana; v) a liberdade de incluir nos
contratos típicos que decidirem celebrar algumas cláusulas atípicas; vi) a liberdade de incluir nos contratos
atípicos algumas cláusulas típicas e vii) a liberdade de celebrar contratos mistos302 ou uniões303 de
contratos.

6.3.6. Natureza Jurídica da Autonomia Privada


A compreensão do princípio da autonomia privada pressupõe a apreensão da ideia geral de autonomia, que
tem como seu ponto de partida a vontade humana, que é, pela sua própria essência, autónoma, em razão
do que é fonte da autonomia do Homem.

Como já dissemos, a autonomia do Homem concretiza-se em inúmeros sentidos, como sejam a autonomia
política, a autonomia económica, a autonomia financeira, a autonomia científica, a autonomia ideológica,
a autonomia de pensamento, e muitas outras mais.

Decorre daí a ilação de que não existe autonomia em si mesma, o que significa que a sua menção opera
sempre com referência à natureza de um certo campo. Assim, em tese geral, a autonomia pode ser
entendida como: i) a possibilidade que uma entidade tem de fixar as suas próprias normas; ii) a
possibilidade que uma pessoa tem de auto-determinação ou seja, a capacidade activa, os seus poderes
subjectivos e iii) a capacidade de constituir situações jurídicas através da vontade privada individual.

300
Quer esta seja o CC, quer seja uma lei civil avulsa, quer ainda seja o CCom ou qualquer lei comercial avulsa.
301
Sobre a atipicidade dos contratos, maiores desenvolvimentos em RUI PINTO DUARTE, Tipicidade e atipicidade dos contratos, Colecção Teses, 1998.
302
Sobre o contrato misto, vide MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações I, p. 196. No mesmo sentido, JOÃO DE CASTRO MENDES, Teoria Geral do
Direito Civil, vol. II, p. 297
303
Sobre a união de contrato, ibidem. p. 200, JOÃO DE CASTRO MENDES, Teoria Geral de Direito Civil, vol. II, cit., p. 301.
92
No plano estritamente jurídico, a concretização da autonomia privada diversifica-se nos diferentes ramos
do Direito objectivo, o que a confere uma extraordinária multitude técnico-jurídica.

No campo do Direito das Obrigações, por exemplo, porque como se sabe, este é um ramo do Direito
Privado e sub-ramo do Direito Civil, a concretização da autonomia privada manifesta-se pela igualdade
dos sujeitos no domínio da liberdade de celebração e no da estipulação.

6.3.7. Figuras Afins à Autonomia Privada


Existem figuras próximas da autonomia privada mas que não se confundem com ela, como sejam a
autonomia da vontade e o direito subjectivo, que cumpre, aqui e agora distinguir.

I. Autonomia Privada vs. Autonomia da Vontade


Muitas vezes usada como sinónima304 de “autonomia privada”, a expressão “autonomia da vontade” não é,
em rigor, equivalente a autonomia privada305, pois, esta tem como ponto de partida a norma jurídica, por
contraposição à autonomia da vontade que tem como ponto de partida a vontade humana.

Assim, a autonomia privada, tomada na sua acepção restrita306, é uma permissão jurídico-privada de
actuação jurígena, dada pela lei às pessoas, para produzir com ela os efeitos jurídicos que lhes aprouver,
dentro de certos limites, efeitos esses não predeterminados pelo Direito: é, portanto, a permissão da
produção de efeitos jurídicos.

Diferentemente, a autonomia da vontade, porque nasce da vontade humana, é a possibilidade de actuação


livre, de modo a produzir os efeitos jurídicos desejados: é, assim, a potencialidade jurígena de um
comportamento humano livre, que se traduz essencialmente no reconhecimento dos efeitos livremente
produzidos mas pressupõe um poder jurídico de os gerar, que é fruto da concessão da Ordem Jurídica307.
Portanto, a autonomia da vontade pressupõe que a conduta a adoptar com vista à produção dos efeitos
desejados seja lícita, porque livre e permitida pela Ordem Jurídica, pressupõe ainda que os factos em que
essa conduta se subsume integrem a previsão normativa que a permite, para que os respectivos efeitos
possam ter o reconhecimento e a protecção jurídica pretendida.
Estas duas figuras distinguem-se, como demonstramos, mas têm uma certa relação entre si: a autonomia
da vontade manifesta-se dentro da autonomia privada, mas não se reconduz a ela. Aquela encerra a
acepção correcta de que na esfera individual, a produção de efeitos jurídicos resulta principalmente de
actos de vontade a isso dirigidos. Mas essa acepção pode induzir em erro, ao levar a crer que a causa
última dos efeitos jurídicos se encontra na vontade real ou psicológica dos sujeitos.

304
Cfr. SANTI ROMANO, in autonomia em framento di um dizionario giurídico, Milão, 1953, p. 14.
305
Cfr. SÉRVULO CORREIA, op cit., p. 440.
306
Cfr. MOTA PINTO, p. 66; CASTRO MENDES, Lições de Direito Civil, vol. II, p. 201
307
Cfr. SÉRVULO CORREIA Legalidade op cit., p. 431/432. Segundo este autor, caminham no mesmo sentido EHRHARDT SOARES, in Introdução –
Público, Legalidade e Mérito, p. 14 e FERRI, in La Autonomia Privada, cit., p. 43.
93
II. Autonomia Privada vs. Direito Subjectivo
Uma outra figura que se aproxima da autonomia privada é a do “direito subjectivo”, cuja diferença se
resume no que a seguir expendemos.

A autonomia privada é uma permissão genérica de conduta, quer dizer, uma permissão de conduta dada a
todos, em razão do que qualquer sujeito pode produzir na sua esfera jurídica certos efeitos jurídicos. É,
portanto, uma potencialidade difusa, dependente da vontade do sujeito autónomo.

Diferentemente, o direito subjectivo é uma faculdade reconhecida a um sujeito determinado para


aproveitamento exclusivo de um certo bem, portanto, configura-se como a livre actuação desse sujeito
relativamente ao aproveitamento desse bem.

Apesar desta diferença entre estes conceitos, existe também entre eles uma certa relação, pois, uma
permissão jurídico-privada de actuação jurígena pode ter como objecto o aproveitamento de um
determinado bem e, de uma permissão jurídico-privada de aproveitamento de um bem podem derivar
actuações ou práticas jurígenas. Entretanto existem também situações em que essa relação não se verifica,
a saber, quando o direito subjectivo não produz práticas jurígenas e quando a autonomia privada não se
reporta ao aproveitamento de um bem em concreto.

6.3.8. Vertentes da Autonomia Privada


A autonomia privada que, como vimos, traduz-se na liberdade das pessoas de celebração e de estipulação
dos negócios jurídicos que lhes aprouver, dentro de determinados limites308, é um dos princípios
fundamentais da maioria das ordens jurídicas actuais de matriz romanística ou anglo-saxónica.

Porque os negócios jurídicos que as pessoas celebram podem, quanto ao âmbito espacial e à nacionalidade
dos sujeitos extravasar os limites de eficácia de uma dada ordem jurídica, o princípio em alusão não se
circunscreve apenas ao âmbito de aplicação do Direito interno, estende-se ao do Direito Internacional
Privado, daí que comporta dois vectores no mundo jurídico em geral e no domínio dos contratos em
especial, nomeadamente o vector interno ou material e o vector externo ou conflitual.

Ao vector da autonomia privada cujo âmbito de aplicação é o Direito interno denomina-se autonomia
privada material, sendo que o seu campo de manifestação são as relações jurídicas localizadas ou internas,
i. é, os contratos celebrados dentro de cada Estado, regulados, portanto, em princípio, pelo Direito interno
desse mesmo Estado.

308
A Legislação, a Jurisprudência e a Doutrina de vários países caminham neste sentido.
94
Ao vector da autonomia privada cujo campo de manifestação é o Direito Internacional Privado, dá-se o
nome de autonomia privada conflitual, porque ocorre nas relações jurídicas plurilocalizadas ou seja, nos
contratos internacionais, que são os que cabem, portanto, no âmbito do Direito Internacional Privado.

Como princípio do Direito Internacional Privado, a autonomia nasceu dos cultores franceses a partir do
encontro, no séc. XVI, da Doutrina voluntarista e com a palavra autonomia, que vinha sendo há muito
utilizada no Direito Internacional Privado.

Entretanto, para o objectivo que perseguimos no âmbito do Direito das Obrigações, só tem interesse tratar
tão-só da autonomia privada material ou seja, da autonomia privada no domínio das relações privadas
internas, sabido que a autonomia privada conflitual é matéria a tratar no Direito Internacional Privado309.

6.3.9. Âmbito Formal da Autonomia Privada


O âmbito formal da autonomia privada exprime-se pelas formas da sua revelação ou exteriorização, que
são as suas manifestações exteriores. Essas formas são, designadamente: i) a liberdade de celebração, que
diz respeito à possibilidade de os particulares decidirem se celebram ou não um contrato, se desencadeiam
ou não determinados efeitos jurídicos, se extinguem ou não um contrato celebrado310. Em suma, a
liberdade de celebração abrange três aspectos, quais sejam, decidir celebrar ou não um ou mais contratos,
produzir ou extinguir certos efeitos jurídicos nas suas esperas jurídicas e extinguir ou não um contrato já
celebrado. A liberdade de celebração é, assim, a faculdade ou prerrogativa dos particulares de manifestar a
sua vontade dentro dos limites da lei, vinculando-se ou não a determinadas obrigações e ii) a liberdade de
estipulação, que diferentemente da de celebração, é a possibilidade atribuída aos particulares de
determinar, em concreto, os efeitos jurídicos a serem produzidos, como por exemplo a condição, o modo,
o prazo e outros. Ela refere-se ao espaço que é conferido ao sujeito para a escolha dos efeitos jurídicos que
irá desencadear com a prática de determinado acto jurídico. A liberdade de estipulação é o poder legal de
fixar o conteúdo da manifestação da vontade e determinar os efeitos jurídicos desejados ou seja, escolher a
espécie e o conteúdo do contrato.

O âmbito formal da autonomia privada revela-se ainda pela sua consagração no CC. no art. 405º, donde
consta do nº 1, a liberdade de estipulação311 e ainda do mesmo nº 1, a liberdade de celebração312.

Mas, para além dessa legitimação in toto, o princípio da autonomia privada está também aflorado através
de consagrações parcelares ou implícitas nos arts. 398º, nº 1 313, 772º, nº 1314 e 777º, nº 1315, todos do CC,

309
O instituto tem sido abordado sob os pontos de vista micro e macro-comparativos ou ao nível de sistemas ou famílias de Direitos, bem como os
pontos de vista meso e mega-comparativos.
310
Cfr. art. 406º CC, in fine.
311
“… fixar livremente o conteúdo dos contratos…”
312
“… celebrar contratos diferentes…”
313
O art. 398º, nº 1 estabelece que “As partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação.”
95
que consubstanciam a liberdade de estipulação e está igualmente os arts. 219º, 270º e 278º, também do CC
que embora se localizam na parte geral do aludido Diploma, são marcadamente de natureza obrigacional,
relevando por isso para o nosso estudo, no âmbito do Livro III do CC.

Em suma, a autonomia privada comporta um âmbito formal que compreende o conjunto dos modos de
revelação ou manifestação externa, que são as disposições normativas que o consagraram e/ou o
afloraram. Mais ainda, ela encontra a sua expressão mais alta na liberdade contratual, que compreende: i)
a liberdade de celebração, a qual compreende aspectos como a liberdade de decidir se celebra ou não um
contrato e, em caso afirmativo, a liberdade de escolher o modelo de contrato, podendo este ser típico,
atípico ou misto. Inclui ainda aspectos como não se poder obrigar alguém de contratar, não se poder
sancionar alguém por não contratar, não se poder impedir alguém de contratar nem se sancionar alguém
por não contratar e ii) a liberdade de fixação de conteúdo da prestação, podendo esta ser prestação
patrimonial ou qualquer outro interesse do credor protegido pelo Direito.

6.3.10. Âmbito Substancial da Autonomia Privada


Para além do âmbito formal, a autonomia privada tem também o âmbito substancial ou material, que pode
ser extraído da sua disciplina jurídica ou assento legal, concretamente ao nível da Constituição e ao da
legislação ordinária.

Em sede da nossa Constituição há preceitos, embora de natureza programática, que revelam a intenção do
legislador constitucional de consagrar implicitamente a autonomia privada, quais sejam: i) o que consagra
o direito de propriedade e que tem como corolário um conjunto de permissões que conferem ao sujeito a
liberdade de actuação em relação ao bem, o que constitui a manifestação deste princípio; ii) o que proíbe o
trabalho forçado, ao consagrar a liberdade de escolha da profissão, limitando assim a autonomia privada;
iii) o que consagra o direito da iniciativa empresarial, o que traduz a liberdade do empresário de contratar
quer com os produtores, quer com os consumidores; iv) os arts. 35º e 36º, que consagram o princípio da
universalidade e o da igualdade; v) o art. 52º, que consagra a liberdade de associação; vi) o art. 82º, que
consagra o princípio da propriedade privada; vii) o art. 84º, nº 2, que consagra o princípio da liberdade de
trabalho e viii) o art. 97º al. c), que consagra o princípio da livre iniciativa dos agentes económicos.

Do exposto resulta evidente pois que, em tese geral, o legislador fixa a autonomia privada como um dos
alicerces do nosso ordenamento jurídico. No entanto, há que ter em conta que embora seja essa a sua
vontade, na prática existem determinados condicionalismos que obstam ao exercício efectivo dessa
autonomia privada, os quais serão expendidos em sede própria.

O art. 772º, nº 1 estabelece que “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor.”
314
315
O art. 777º, nº 1 estabelece que “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da
obrigação, assim como o devedor pode a todo tempo exonerar-se dela.”
96
No plano do CC, este mesmo princípio está consagrado: i) no art. 405º, nos 1 e 2, sob a epígrafe Liberdade
contratual; ii) no art. 167º, nos 1 e 2, que consagra o princípio da Liberdade de associação; iii) nos arts. 218
e 219º, nos 1 e 2, que consagram o princípio da Liberdade de declaração; iv) nos arts. 48º, n.º 1 e 262º, que
tratam da liberdade de praticar o acto unilateral de outorgar uma procuração; v) nos arts. 230º e 235º, que
tratam da liberdade de praticar o acto unilateral de revogação do mandato e vi) nos arts. 69º, 265º, 663º e
1179º, que tratam da liberdade de praticar o acto unilateral de renúncia.

Ao nível da Legislação Complementar, podemos encontrar vários reflexos deste princípio, bastando para o
efeito efectuar uma análise casuística de cada uma das leis compiladas, como sucede por exemplo, com a
Lei de Família, que consagra no seu art. 40º o princípio da liberdade de celebração de negócios que não
são contratos e no art. 259º sobre a perfilhação.

6.3.11. Justificação da sua Consagração


Como dissemos, o princípio da autonomia privada consiste na liberdade dada às pessoas de se moverem
como entenderem dentro de um determinado espaço que lhes é reservado pelo Direito interno, podendo,
por via disso, conformar-se com esse mesmo Direito ou afastá-lo316 e fixar livremente o conteúdo dos seus
negócios e as respectivas cláusulas317. Portanto, o princípio da autonomia privada faculta às pessoas a
liberdade de auto regulamentação da sua esfera jurídica.

Importa agora questionar o porquê dessa consagração. A resposta é que qualquer sistema jurídico tem os
seus limites objectivos, pelo que por mais abrangente que seja, não pode prever e regulamentar no
concreto todas as condutas humanas, ele tem necessariamente que reservar zonas da vida social à auto-
regulamentação dos particulares.

É que, como explica o Prof. Menezes Cordeiro, “nenhuma ordem jurídica, por muito envolvente que
pretenda ser, consegue, face aos elementos historicamente disponíveis, pautar in concreto todas as
condutas humanas na sua totalidade”318.

Assim sendo, forçoso “é que um âmbito mais ou menos extenso da vida da sociedade fique reservado à
ordenação dos privados, isto é, à autonomia privada”319.

Em suma, o reconhecimento dessa liberdade pelo Estado decorre do facto de que devido à multiplicidade
dos comportamentos humanos, o Direito não pode, obviamente, prever ou cobrir em concreto todos esses
comportamentos, daí que um campo mais ou menos vasto deles seja deixado ao critério dos próprios
particulares para eles poderem fixar como querem a sua disciplina, através do princípio da autonomia

316
No que é suplectivo.
317
Cfr. FERNANDO CARDOSO, in Autonomia da Vontade no Direito Internacional Privado, p. 19.
318
Cfr. MENEZES CORDEIRO, op cit., p. 51 e 52.
319
Ibem idem.
97
privada. Portanto, a consagração deste princípio em diversas legislações prende-se com a natureza
simultaneamente livre e social do Homem.

6.3.12. Significado e Importância da Autonomia Privada


Devido à multiplicidade das situações jurídicas ou dos comportamentos humanos, o Direito deixa ao
critério dos particulares um campo mais ou menos vasto para eles próprios fixarem a sua disciplina.

Tem interesse no domínio das obrigações percebermos o significado, o alcance e a importância deste
princípio.

A autonomia privada no Direito interno de cada Estado significa a atribuição por esse Estado às pessoas
da faculdade de fixar livremente o conteúdo dos seus contratos, dentro dos limites da respectiva lei
material, para poderem mover-se em plena liberdade, conformando-se com o Direito vigente e assumi-lo
como clausulado dos seus contratos, ou afastá-lo e criar regras próprias, nesse mesmo espaço
suplectivo320. Por outras palavras, o princípio da autonomia privada significa delimitação do âmbito da
actuação dos particulares, dizendo o que cada um pode fazer, querendo.

O alcance deste princípio decorre das questões específicas que têm a ver com a conduta e o âmbito de
actuação jurígena dos sujeitos das relações jurídico-obrigacionais.

A importância deste princípio é imensurável na vida do Homem, e podemos visualizá-la nos termos
seguintes que, contudo, não a reflectem na sua total dimensão. O princípio: i) delimita o âmbito de
actuação dos particulares na realização dos seus negócios, daí que embora predominante no Direito das
Obrigações, ele é relevante noutros ramos do Direito objectivo, sejam eles públicos, privados ou híbridos;
ii) funciona como um poder legal conferido aos particulares, para através dele constituírem, modificarem e
extinguirem situações jurídicas próprias; iii) confere a legalidade e a validade aos actos praticados pelas
pessoas e às normas por elas criadas, no âmbito da realização dos seus negócios; iv) concretizar a
supletividade às normas estaduais quando do exercício da autonomia resulte o afastamento dessas mesmas
normas; v) é critério de interpretação, porque indica as orientações a seguir na actividade interpretativa
das normas auto-criadas e das normas estaduais sem dimensão injuntiva e vi) informa o ordenamento
jurídico, na medida em que serve de ideia directriz ou justificadora da configuração e funcionamento do
próprio sistema jurídico, em cada país.

320
Regras essas que encontram legitimação no art. 405º CC.
98
6.3.13. Autonomia Privada no Direito Comparado
O princípio da autonomia privada não foi sempre reconhecido como tal, embora tenha existido ao longo
da história com variadas incidências. Mas hoje ele tem esse reconhecimento expresso pela sua
consagração legal na maioria dos sistemas jurídicos de base romanística.

Em Moçambique, o princípio da autonomia privada tem dignidade constitucional, podendo ser extraído
dos preceitos da nossa Lei Fundamental que consagram os princípios da igualdade321 e da liberdade, mas
tem também consagração no nosso CC322 e noutras leis ordinárias.

Tem interesse agora ilustrar o tratamento deste princípio noutros sistemas jurídicos de matriz romano-
germânica ou romanística, de que Moçambique, por razões históricas, é parte.

Para efeitos de análise do seu tratamento no Direito Comparado, servimo-nos apenas dos códigos civis de
alguns países, nomeadamente, Portugal, Suíça, Brasil, França, Espanha, Itália e Holanda.

Verificamos que a autonomia privada tem consagração implícita ou explícita no CC Português 323 de 1966,
no Código Suíço de Obrigações324, no CC Brasileiro325, no CC Francês326, no CC Espanhol327, no CC
Italiano328 e no CC Holandês329.

Da análise das disposições dos aludidos Códigos que consagram este princípio, tiramos as seguintes
conclusões: i) entre os vários sistemas jurídicos existem diferenças terminológicas de enunciação deste
princípio, porém, a essência é a mesma: todos eles delimitam negativamente, através de normas injuntivas,
um espaço dentro do qual é conferida ao Homem a liberdade de celebração e de estipulação de negócios
que lhes aprouver, ideia que é resumida no CC francês nos seguintes termos: “as condições livremente
formadas valem como lei para aqueles que as fizeram”330; ii) como espaço negativamente delimitado
pelas normas injuntivas de cada ordenamento jurídico estadual, a liberdade de celebração e de estipulação,
– i. é, a autonomia privada –, não é absoluta nem é ilimitada, pois, ela sofre restrições; iii) embora por
motivos ligados à tradição política, social, jurídica e cultural de cada país não haja uniformidade na
conceitualização da boa-fé, de bons costumes, da moral social e da ordem pública, as restrições à
autonomia privada impostas por todos os sistemas jurídicos, orientam-se no mesmo sentido; iv) pela
importância de que se reveste na vida das pessoas, este princípio tem forma própria de consagração nos
sistemas jurídicos não codificados, como por exemplo os anglo-saxónicos e v) como instrumento jurídico

321
Cfr. arts. 35 e 36º CRM de 2004.
322
Cfr. art. 405º.
323
Cfr. art. 405º.
324
Cfr. art. 19º.
325
Cfr. art. 115º.
326
Cfr. art. 1134º.
327
Cfr. art. 1255º.
328
Cfr. art. 1322º.
329
Cfr. art. 1374º.
330
Cfr. art. 1134º.
99
da livre iniciativa económica, o princípio da autonomia privada goza de uma elevada importância prática
que justifica a sua consagração na legislação ordinária de muitos países, sobretudo naqueles que
adoptaram o sistema da economia de mercado.

6.3.14. Sua Extensão na Lei moçambicana


Após passar em revista alguma literatura civilística, constatamos que muitos tratadistas do Direito Civil
tratam do princípio da autonomia privada no Direito das Obrigações331.

O próprio CC moçambicano, na sua sistemática, contém, na parte referente ao Direito das Obrigações, a
disposição que implicitamente consagra este princípio e, explicitamente, a liberdade contratual, o art. 405º.
Deste facto pode-se inferir, pois, que o princípio da autonomia privada é apenas aplicável às relações
jurídico-obrigacionais, o que não corresponde à verdade, pois ele extravasa esse limite, embora seja ali
onde tem maior manifestação.

No caso moçambicano, a autonomia privada abrange os contornos que o legislador nacional a conferiu,
que são os mesmos que se verificam em cada sistema jurídico romanístico, a saber: i) a liberdade das
pessoas de contratar ou de não contratar332; ii) a faculdade de, contratando, essas pessoas poderem fixar
livremente o conteúdo dos seus contratos; iii) a possibilidade de, na regulamentação contratual dos seus
interesses, afastarem-se dos contratos paradigmáticos disciplinados na lei, celebrarem contratos atípicos
ou apenas incluir nos típicos cláusulas distintas das regras supletivas constantes do CC e iv) a
possibilidade de celebrar contratos mistos333 ou seja, de incluir, no mesmo acordo, dois ou mais negócios
jurídicos.

Quanto ao conteúdo da autonomia privada, não há divergências substanciais entre os sistemas jurídicos:
em toda a parte do mundo onde foi acolhido, o princípio resume-se na liberdade do Homem de auto-
ordenação na sua esfera jurídica, a qual, traduz-se na faculdade de praticar todos os actos que a lei não
proíbe, com vista a produzir determinados efeitos na sua esfera jurídica e sem ofender interesses
individuais e colectivos alheios, o que é feito dentro dos limites da lei.

6.3.15. Seus Limites de Aplicação no nosso Desenho Legislativo


6.3.16. Razão de ordem
O princípio da autonomia privada não é de aplicação absoluta no nosso desenho legislativo, ele tem
restrições, quer a nível da liberdade de celebração, quer ao da estipulação. Num e noutro caso, tais

331
Cfr. art. 405º como um dos princípios estruturantes.
332
Ninguém pode, em tese geral, ser compelido a celebrar um contrato. No entanto, esta regra sofre derrogações nos casos em que existe um contrato-promessa,
pois, há obrigação de o celebrar quando essa celebração é o conteúdo daquele contrato preliminar que é o contrato-promessa, art. 410º CC.
333
O regime dos contraltos mistos levanta problemas especiais que a Doutrina resolve através das teorias de absorção e de combinação, como demonstra
GALVÃO TELLES, in Manual dos Contratos em Geral, 3ª ed., pp. 322 e ss.
100
restrições podem ser relativas e absolutas. As restrições relativas podem ser legais e contratuais, sendo que
cada uma destas vertentes pode ser positiva e negativa. As restrições absolutas podem igualmente ser
legais e contratuais, sendo que cada uma destas vertentes pode ser positiva e negativa. Esquematicamente,
tais restrições podem ser sistematizadas como se indica abaixo:

Legais (positivas e negativas)

Relativas Contratuais (positivas e negativas)


À liberdade Legais (positivas e negativas)
de celebração Absolutas

Restrições Contratuais (positivas e negativas)

Legais (positivas e negativas)


Relativas Contratuais (positivas e negativas)

À liberdade Legais (positivas e negativas)

de estipulação Absolutas Contratuais (positivas e negativas)

As restrições ou supressões de ordem legal impõem aos sujeitos a limitação334 ou o afastamento335 da sua
autonomia privada.

As restrições ou supressões de ordem contratual derivam de razões endógenas, porque queridas pelas
partes, uma vez que resultam de acordos, como por exemplo a cláusula de não alienação a terceiros. Estas
são limitações impostas aos sócios pelo pacto social por eles subscrito. Estas também podem ser de
carácter positivo ou negativo.

As restrições ocorrem no domínio da liberdade de celebração e no da liberdade de estipulação. Vejamos a


seguir como ocorrem as restrições à liberdade de celebração336.

Prosseguindo com a sua função reguladora da economia nacional, o Estado pode, ao nível da Constituição,
fixar as normas que determinam a adopção, pelos particulares, de determinadas condutas. E, ainda que não
se trate de normas obrigatórias o certo é que elas induzem a um comportamento, negativo ou positivo.
Quando isto acontece, a liberdade de celebração dos particulares fica afectada porque, como refere o Prof.

334
Como sucede no art. 1429º do CC, que obriga os sujeitos a contratar celebrando o contrato de seguro do edifício contra o incêndio, o que é uma injunção
legislativa positiva, pois, impõe uma conduta, restringindo legalmente a liberdade das partes.
335
Como sucede com o art. 876º do CC, que afasta definitivamente a possibilidade de vender uma coisa ou um direito litigioso a determinada categoria de
pessoas, o que é uma restrição total ou supressão de ordem legal negativa.
336
Como explica MENEZES CORDEIRO, “não há restrição à autonomia privada em face duma norma que obrigue a contratar ou concluir qualquer acto
latu sensu, pois, a autonomia privada apenas existe no âmbito das normas permissivas, sendo que em face de uma norma de obrigação, o que há é apenas uma
obrigação legal.”.
101
Menezes Cordeiro, o que há é uma “actuação provocada” ou um incitamento para actuar de determinada
maneira.

Entretanto, a actuação provocada verifica-se também nos casos em que se usam determinadas técnicas ou
artifícios comerciais para fazer “marketing” de produtos ou serviços. Tais técnicas ou artifícios
influenciam o comportamento dos consumidores e, obviamente, a sua liberdade de celebração.

Mas, contrariamente a isso, há obrigação de contratar sempre que se celebrou um contrato-promessa ou


seja, impõe-se o dever de celebrar o contrato-prometido, do mesmo modo que há obrigação de contratar
por parte de empresas de prestação de serviços públicos tais como as de água, de energia, de gás, de
comunicações e de transportes.

Impõe-se, pois, o dever dos serviços públicos de celebrar contratos com os utentes, o dever de emitir
Certificado do Trabalho Profissional, o dever de contratar dos profissionais liberais e o dever de contratar
com certas pessoas.

Vejamos agora como ocorrem as restrições à liberdade de estipulação.


Como dissemos já antes o princípio da autonomia privada não é de aplicação absoluta, porque ele tem
restrições, limites ou excepções. Algumas destas restrições são proibitivas e outras são impositivas, o que
significa que umas proíbem e outras obrigam a contratar.

Assim, por exemplo, a autonomia privada não pode, no plano da estipulação: i) afastar as normas
injuntivas; ii) contrariar a Boa-fé, a ordem pública e os bons costumes, em prejuízos de interesses sociais e
direito subjectivos alheios; iii) traduzir-se no abuso do direito; iv) consistir na cessão de direitos litigiosos,
arts. 579º e ss; v) venda a filhos e a netos sem o necessário consentimento dos outros, art. 877º CC; vi)
contrariar as cláusulas contratuais gerais; vii) ofender o previsto nos arts. 280º e ss, 284º e ss e 391º, n.º1;
viii) violar os contratos de adesão; ix) violar os acordos colectivos de trabalho; x) não observar os
contratos-tipo; xi) alterar a duração do contrato de arrendamento; xii) não celebrar o seguro obrigatório;
xiii) fixar um salário abaixo do mínimo e xiv) fixar um conteúdo contra legem de um contrato, como
sejam os pactos de sucessão futura, as convenções de fim ilícito ou as que visam a derrogação de normas
injuntivas.

Portanto, o limite de aplicação da autonomia privada no plano da liberdade de estipulação é o conteúdo


fixado que não pode ser alterado em termos de reduzi-lo, aumenta-lo ou incluir nele aspectos típicos ou
atípicos.

102
6.3.17. Conclusões
O estudo do princípio da autonomia privada no Direito moçambicano e Comparado permite-nos aferir, em
jeito de conclusões, o seguinte: i) devido à multiplicidade dos comportamentos humanos e situações
sociais, o Direito não pode, obviamente, prever ou cobrir em concreto todos esses comportamentos ou
situações, daí que, um campo mais ou menos vasto é reservado pelo Estado aos particulares para eles
próprios fixarem a sua disciplina, através do princípio da autonomia privada; ii) em qualquer sistema
jurídico onde se encontra consagrado, este princípio aplica-se e exerce-se única e exclusivamente nas
zonas da vida social onde vigoram as normas suplectivas, derrogáveis, portanto, pela vontade das pessoas.
Como esclarece o Prof. Menezes Cordeiro, “a autonomia privada, quando se verifica, implica
automaticamente, a suplectividade337 de todas as normas eventualmente existentes, cujas estatuições caiam
no seu âmbito juridicamente consagrado”; iii) na sua essência, a autonomia privada consiste na liberdade
ou faculdade das pessoas de exercer em concreto os seus direitos subjectivos, praticar certos e
determinados actos jurídicos strictu sensu e celebrar certos e determinados negócios jurídicos, unilaterais
ou bilaterais e, deste modo, produzir na sua esfera jurídica os efeitos jurídicos que lhes aprouver, previstos
ou não na lei; iv) tomada neste sentido restrito de liberdade contratual, a autonomia privada consiste
apenas na faculdade concedida pela lei às pessoas de “regularem a seu bel-prazer, – portanto, conforme
quiserem –, a sua vida e o seu comércio jurídico, em matéria contratual, estipulando por acordo entre si e
em harmonia com os seus poderes legais, não só o qual e o como, mas também o quanto e o quando dos
seus direitos e obrigações” e v) concebida como mecanismo privado de regulamentação dos interesses das
pessoas e aplicado por elas próprias de acordo com a sua vontade mas dentro dos limites da lei, a
autonomia privada não se confunde com a capacidade de exercício de direitos, embora o seu uso a
pressuponha, pois, as manifestações de vontade orientadas para a produção de efeitos jurídicos na esfera
do seu autor só têm tutela e eficácia se esse autor tiver capacidade jurídica para praticá-las. Assim, um
menor, por exemplo, embora enquanto pessoa tenha a faculdade de celebrar os negócios que lhes
aprouver, desde que quanto à sua substância e forma estejam conformados com a ordem jurídica vigente,
ele não pode exercer essa faculdade por falta de capacidade.

6.4. Princípio da Responsabilidade Civil, do Ressarcimento ou da Imputação de danos


O princípio da responsabilidade civil, como todos os outros, tem a sua própria história, cuja compreensão
afigura-se imprescindível para a apreensão do seu sentido e alcance actuais, em qualquer sistema jurídico.

337
As normas suplectivas são aquelas que só se aplicam num caso na falta de um comando dos particulares para esse caso que caia na sua previsão ou seja,
aqueles que só se aplicam quando suscitadas pela vontade dos particulares. As normas suplectivas são uma das modalidades das normas dispositivas, pois,
podem ser afastadas pelos comandos criados pelas pessoas.
103
Em atenção a isso, entendemos ser necessário verificar, do ponto de vista histórico, como é que a
responsabilidade civil se afirmou nas diferentes etapas da história da Humanidade, da Antiguidade à Idade
Contemporânea, para se perceber o seu âmbito e limites hoje, no Direito moçambicano e Comparado.

Ora, é ponto assente na História do Direito que a responsabilidade civil não foi desde sempre reconhecida
expressamente na sociedade ou seja, não foi sempre objecto de reconhecimento expresso nas diferentes
fases dessa história da Humanidade mas sempre existiu, com variadas incidências históricas, como
indicamos. Vejamos a seguir.

Este princípio está consagrado no art. 483º, nº 1 do CC. Na sua essência, estabelece que aquele que
intencional ou negligentemente, i. é, de propósito ou por descuido causar prejuízos a outra pessoa, é
obrigado a indemnizar não só aos lesados com relação aos danos emergentes da sua conduta, como
também com relação aos lucros cessantes ou seja, com relação a tudo o que o lesado deixou de ganhar por
causa do prejuízo causado.
Há, no entanto, casos em que, sem culpa, uma pessoa tem o dever de indemnizar, como é o caso da
responsabilidade do comitente.
Continua

104
Este princípio sofre restrições como sejam os danos causados em acção directa e na legítima defesa,
sempre que a proporcionalidade exigida pela lei não tenha sido violada.
O princípio do “ressarcimento de dano” devido a coercibilidade das normas obriga ao violador a reparar o
dano (prejuízo material ou moral) ao lesado no âmbito da procura pela realização da justiça considerando
que o dano sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil.
Seguindo essa linha farei uma abordagem acerca das lesões que podem ser de natureza patrimonial ou
extrapatrimonial, assim como de outras especies de dano.
Ressarcir – tem origem no latim “resarcire”, que significa abastecer, prover, é o ato de recuperar algo que
sofreu um prejuízo, é indenizar, compensar, refazer. Significa reparar o danificado que foi lesado, ou
perdido.
Dano – é a lesão a um direito que foi suportada por pessoa física ou jurídica em razão da ação ou mesmo
da omissão de outra pessoa física ou jurídica.
Responsabilidade – é uma obrigação jurídica concluída a partir do desrespeito de algum direito, no
decurso de uma ação contrária ao ordenamento jurídico.
Obrigação – é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor
(sujeito passivo)
Responsabilidade civil
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar um dano sofrido por alguem e procura-se o desta
forma torna o lesado indemne dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se
tivesse verificado o evento causador destes.1 Nos termos do art. 562, do código civil.
A responsabilidade civil pode ser entendida sob dois sentidos que são o amplo e restrito:
Em sentido significa a situação jurídica em que alguem se encontra de ter de indemnizar outrem quanto a
propria obrigação decorrente dessa situação.
Em sentido restrito significa o específico dever de indemnizar nascidos do facto lesivo imputável a
determinada pessoa.
Ressarcimento de Danos
O “Ressarcimento de Danos” consiste em um dever, subentende-se como o cumprimento da obrigação de
indemnizar, reparar, repor, o dano (que pode constituir-se em prejuízo material ou moral), sofrido por uma
pessoa por facto de outrem, mas muitas vezes o dever jurídico em que se constitui um individuo de
ressarcir os prejuízos materiais ou morais causados por ele ou por outrem é interpretado como sanção338.
Responsabilidade cilvil como obrigação

338

105
A responsabilidade civil traduz-se na obrigação de indemnização, isto é, restituição do lesado à situação
material efectiva em que se encontrava antes daquele evento.
O resultado que se deve primacialmente visar é a reconstituição natural ou indemnização pecuniária, só
sendo legitimo recorrer a indemnização pecuniária quando a reconstituição seja de excluir ou não seja
satisfatória para as partes.
Os danos causados ao lesado podem ser de natureza patrimonial ou de natureza não patrimonial (dano
moral).
Salientar que nos danos que cada um sofra na sua esfera jurídica só lhe será possivel ressarcir-se à custa de
outrem quanto à aqueles que, provindo de facto ilicito, sejam imputaveis a conduta culposa de terceiros ,
os restantes danos sofridos terão de ser suportados pelo titular dos bens ou direitos lesados.
Responsabilidade Civil da Pessoa Jurídica de Direito Público
Responsabilidade civil do poder público não se baseia mais em critérios estabelecidos pelo Direito Civil.
Funda-se ela decisivamente no campo do Direito Público, principalmente na igualdade dos ônus e dos
encargos sociais, sendo que os entes públicos devem indistintamente suportar o ressarcimento do prejuízo
sofrido por ele, ao indemnizar os danos produzidos ao patrimônio particular.
Responsabilidade Civil da Pessoa Jurídica de Direito Privado
O Código Civil não faz distinção, para efeito de ressarcimento, de danos causados entre pessoas naturais e
jurídicas. Dispõe o Código Civil no art. 483, caput Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar
ilicitamente o direito de outrem... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Dano
Consiste em todo prejuízo, desvantagem ou perda causada nos bens jurídicos de caracter patrimonial ou
não.3 Estes danos não só compreendem o património como também coisas susceptiveis de protecção
jurídica tais como honra, o corpo, a saúde, a integridade moral, etc...
Dano sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil
Ressarcimento dos Danos não patrimoniais
O CC admite a indemnização dos «danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do
direito» (art. 496º, n.º1, a lei não os enumera, antes confia ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das
várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra
digno de protecção jurídica, serão irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os
sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.4339
Efectivamente no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico se produzam tais danos
com menor frequência e intensidade, podem verificar-se hipóteses em que bem se justifique uma

3
SERRA, Adriano Vaz.Direito das indemnizações. B.M.J., n o 84
4
COSTA, M. (1999) p.524.
106
compensação por danos não patrimoniais dentro do critério do art.496º, é pouco convincente a alegação de
uma dificuldade acrescida que exista, em certos casos, na proa e apreciação desses danos, ou a de
eventuais factores de insegurança que se introduzam no comércio jurídico, com efeito sempre funciona o
requisito de que os danos não patrimoniais apresentem suficiente gravidade.340
Verificado o dano, ele deve ser reparado por forma a «reconstituir a situação que existiria, se não se
tivesse verificado o evento que obriga á reparação» - art. 562º CC341.
Espécies de Danos
Danos Patrimoniais e Danos extrapatrimoniais ou morais
Antes de avançar para as espécies de dano é preciso definir o património em si, sendo que este pode ser
entendido como conjunto de bens susceptiveis de avaliação pecuniária.
Dano patrimonial é aquele que pode ser avaliado pecuniariamente por critérios objetivos, "podendo ser
reparado, senão diretamente, mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior
à lesão, pelo menos indiretamente por meio de equivalente ou indenização pecuniária" (Antunes Varela
apud Cavalieri F.º, 2005, p. 96-97).
Danos extrapatrimoniais são os que resultam da ofensa de interesses insusceptíveis de avaliação
pecuniária.há ofensa de carácter imaterial, desprovido de conteúdo económico. Pode ser entendido em
sentido restrito como violação do direito à dignidade.
O mesmo facto pode produzir cumulativamente danos patrimoniais e danos não patrimoniais, sucedendo
por vezes que os primeiros se apresentam indirectamente como reflexo dos segundos, nos danos
patrimoniais a indeminização pecuniária é realmente possível, pois que a soma recebida coloca o
património no nível em que ele se encontraria se não fora a lesão praticada, mas nos danos patrimoniais
isso não sucede, os danos subsistem e o que se dá é, noutro plano, um enriquecimento da vitima, que
recebe certo quantitativo não destinado a substituir um alor económico perdido ou frustrado.342
Dano em sentido Real e Dano em sentido Patrimonial
Em relação ao conceito de dano, é possível estabelecer uma distinção entre o dano em sentido real e o
dano em sentido patrimonial, em sentido real, o dano corresponde á avaliação em abstracto das utilidades
que eram objecto de tutela jurídica, o que implica a sua indemnização através da reparação do objecto
lesado (restauração natural) ou da entrega de outro equivalente (indemnização especifica), em sentido
patrimonial, o dano corresponde á avaliação concreta dos efeitos da lesão no âmbito do património do
lesado, consistindo assim a indemnização na compensação da diminuição verificada nesse património, em
virtude da lesão; o art.562º estabelece como principio geral de que “quem estiver obrigado a reparar um

341

5 PRATA,A. (1995),p.311
342
TELLES,I.G. (1997) p.379
107
dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o evento que obriga á reparação” o
que implica a lei dar primazia á reconstituição natural do dano ou á sua indemnização em espécie, no
âmbito da obrigação a indemnização.343
O critério dominante é o da determinação do dano em sentido real, deve-se proporcionar-se ao lesado as
mesmas utilidades que ele possuía antes da lesão, através da reconstituição do bem afectado ou da entrega
de um bem idêntico, o art. 566, nº1 vem-nos dizer que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que
a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente
onerosa para o “devedor”, quando não é possível reparar o bem ou entregar outro equivalente, ou quando
essa forma de indemnização não seja suficiente para reparar todos os danos sofridos pelo devedor, ou
ainda quando se torna absolutamente desproporcionado em face dos sacrifícios que importa exigir do
lesante a reconstituição natural do dano, a lei vem estabelecer que a indemnização,o seja fixada em
dinheiro.344
Danos Emergentes e Lucros Cessantes
Teoria da Diferença, define dano patrimonial como a diferença entre o que se tem e o que se teria, não
fosse o evento danoso. Seguindo esta linha, o dano patrimonial pode ser classificado como lucro cessante
ou dano emergente.
Estas duas figuras apresentam os seguintes pontos de distinção:
Dano emergente é tudo aquilo que se perdeu, havendo uma imediata diminuição no patrimônio da vítima,
devendo a indemnização ser suficiente para a restituição por inteiro (restitutio in integrum). A
indemnização não será composto necessariamente somente pelos prejuízos sofridos diretamente com a
ação danosa, mas incluirá também tudo aquilo que a vítima despendeu com vistas a evitar a lesão ou o seu
agravamento, bem como outras eventuais despesas relacionadas ao dano sofrido.
Lucro cessante seria tudo aquilo que com certa probabilidade era de esperar, atendendo ao curso normal
das coisas ou às especiais circunstâncias do caso concreto e, particularmente, às medidas e previsões
adotadas e até prova em contrário, admite-se que o lesado haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz
que lucraria se não fosse interrupção por ato antijurídico do agente que causou a lesão.
Danos Presentes e Danos Futuros
A distinção entre danos presentes e danos futuros, encontram-se verificados no momento da fixação da
indemnização, sendo futuros no caso contrário; a lei em referir no art.564º, nº 2, que “na fixação da
indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, se não forem
determináveis, a fixação da indeminização correspondente será remetida para decisão ulterior”, desta
norma resulta, em primeiro lugar, que o facto de dano ainda não se ter verificado não é fundamento para
343
MENEZES LEITÃO, L. (2010) p.344
344
MENEZES LEITÃO, L. (2010) p.345
108
excluir a indemnização, bastando-se o tribunal com a previsibilidade da verificação do dano para fixar, a
fixação da indeminização naquele momento depende, porem, da determinabilidade do dano futuro,
efectivamente, se este não for logo determinável em objecto ou quantidade a fixação da indemnização
devera ser remetida para execução da sentença (art. 661.º, nº 2 CPC)345.
Dano Positivo e Dano Negativo
A doutrina distingue os danos negativos dos danos positivos, a fronteira não é clara, estes últimos são os
que decorrem do incumprimento das obrigações, aqueles que derivam da celebração de um negocio
invalido, ineficaz ou que veio a perder retroactivamente a sua eficácia, ou da não celebração de qualquer
negocio, a indeminização dos danos positivos visa, pois, colocar o lesado na situação em que ele se
encontraria se a obrigação tivesse sido cumprida, enquanto a indemnização dos danos negativos tem como
objectivo coloca-lo na situação em que estaria se não estivesse celebrado o negocio invalido ou ineficaz
ou se não tivesse iniciado as negociações que se romperam.
Fixação da indemnização
A indenização mede-se pela extensão do dano, dai que a razão de ser da indemnização e do próprio
instituto da responsabilidade civil é a recomposição do dano injusto sofrido pela vítima, procurando
recolocar a vítima na situação que ocupava antes de sofrer a dita lesão. Sendo a indemnização será
determinada pelo prejuízo sofrido pela vítima, indemnizar por valor superior ao dano implicaria em
enriquecimento sem causa à vítima; não indenizar todo o dano, seria fazer aquele que sofreu o dano
injusto arcar com esse ônus, além de também implicar em enriquecimento sem causa do causador do dano,
ainda que não ele não tenha efetivamente auferido ganho com a sua acãção, mas pelo simples fato de
deixar de despender o que se lhe exige. Dai vem o art. 479 CC que fala do Objecto da obrigação de
restituir e diz no seu no 1 que “A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende
tudo quando se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o
valor correspondente”.
Prescrição do direito de indemnização
Segundo o no 1do art. 498.º do CC, O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da
data em que o lesado teveconhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da
pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver
decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
Conclusão

345
MENEZES LEITÃO, L. (2010) p.347
109
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar um dano sofrido por alguém e procura-se o desta
forma torna o lesado indemne dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se
tivesse verificado o evento causador destes.
O princípio do ressarcimento de danos é aplicável de forma transversal em outros ramos do Direito
destacando o facto de manter a sua essência de o lesante reparar os danos e prejuízos resultantes da sua
actividade que lesa os direitos de terceiros, destacar que no ordenamento jurídico este principio esta
patente.

6.5. Princípio da responsabilidade civil


6.5.1. Introdução
O presente trabalho de investigação versa sobre o Princípio da Responsabilidade Civil, sendo este um
tema de grande importância na medida em que os princípios são directrizes que fixam padrões que dão
unidade às normas jurídicas e que têm um papel de grande vulto na interpretação das normas, bem como
na integração de lacunas.
A escolha deste grupo para discorrer sobre este tema, foi feita pelo docente no âmbito da avaliação
permanente do grau de compreensão dos estudantes dos conteúdos da cadeira de Direito das Obrigações I.
Trata-se este de um princípio geral do Direito Civil, que nos permite a compreensão dos sub-ramos que o
compreendem, sendo, neste caso, necessário para a melhor compreensão do Direito das Obrigações.
O desenvolvimento deste tema foi feito com base num método expositivo, estando o trabalho dividido em
10 pontos, que o grupo achou como sendo os que são mais pertinentes para proceder a análise deste
princípio.
Conceito etimológico de Responsabilidade Civil
A expressão Responsabilidade está relacionada com a palavra em latim respondere, que significa
″responder, prometer em troca″.
Nas palavras de José Pedro Machado, a palavra responsabilidade deduziu-se de responsável, sendo
responsável uma adaptação do francês Responsable, derivado do culto do latim Responsu e por sua vez
deriva do verbo respondĕre com sentido de << ficar por fiador >>346.
Desta forma, uma pessoa que seja considerada responsável por uma situação ou por alguma coisa, terá que
responder se alguma coisa corre de forma desastrosa.
Já, a palavra Civil, nas palavras ainda de José Pedro Machado provem do adjetivo latim, cīvīl, que
significa << do cidadão >>347.
A partir desta identificação dos étimos que compõem a expressam ‘Responsabilidade Civil’,pode esta, ser
identificada, numa primeira aproximação, como: a situação pela qual um cidadão encontra-se numa
situação de fiador.

346
Machado, José Pedro; Dicionário etimológico da língua portuguesa, 5º Volume (Q-Z), 5ª ed., Livro horizonte, 1989, pag.87
347
Ibdem, 2º volume (C-E), 8ª Edição, Livro horizonte, 2003, pag.162.
110
1.0. Evolução histórica da Responsabilidade civil
O estudo desta evolução proporciona uma vantagem de melhor compreender este instituto na sua extensão
pois este princípio se revela de extrema importância na compreensão dos ramos dodireito Civil no geral e
do Direito das Obrigações em particular.
A princípio o dano escapa do âmbito do direito. Domina então a vingança privada (forma primitiva,
selvagem talvez mais humana da reação espontânea e natural contra o mal sofrido.), solução comum a
todos os povos nas suas origens, para reparação do mal pelo mal.
Depois, o uso consagra em regra jurídica o talião348. O legislador se apropria da iniciativa particular,
intervindo para declarar quando e em que condições têm havido o direito de retaliação. Na lei das XII
tabuas ainda se encontra significativa expressão: si membrum rupsit ni eo pacit talio est.
A esse período sucede o da composição. Atenuam-se as susceptibilidades por demais irritáveis do homem
primitivo. Já agora o prejudicado percebe que o mais conveniente do que cobrar a retaliação que é
razoavelmente impossível no dano involuntário e cujo efeito é precisamente o oposto da reparação, porque
resultava em duplicar o dano: onde era um, passavam a ser dois os lesados – seria entrar em composição
com o autor da ofensa, que repara o dano mediante a prestação da poena, espécie de resgate da culpa pelo
qual o ofensor adquire o direito ao perdão do ofendido. Ai informa o eminente ALVINO LIMA 349, a
vingança é substituída pela composição a critério da vítima, mas subsiste com o fundamento ou forma de
reintegração do dano sofrido.
Vulgariza-se a composição voluntaria e, por fenómeno análogo ao da admissão do talião, o legislador
sanciona o uso. Veda à vítima daí em diante o fazer justiça pelas próprias mãos, compelindo-a aceitar a
composição fixada pela autoridade.
Quando assumiu a direção da composição dos pleitos, a autoridade começou também a punir,
substituindo-se ao particular na atribuição do particular de ferir o causador do dano. Evoluiu, assim, da
justiça punitiva, reservada aos ataques dirigidos diretamente contra ela, para a justiça distributiva,
percebendo-se que, indiretamente era também atingido por certas lesões e irrogadas ao particular porque
perturbavam a ordem que se empenhava em manter. Subsiste o sistema de delito privado, mas a
consideração da inteligência social produz seus efeitos fazendo compreender que a regulamentação dos
conflitos não era somente a questão entre particulares. E o direito concretizado na lei das 12 tabuas que
não continha ainda o principio fixador da responsabilidade.
Desdobrou-se no passo seguinte a concepção da responsabilidade. O Estado assumiu, ele só, a função de
punir: quando a acção repressiva passou para o Estado surgiu a acção da indemnização. A

348
Dente por dente, olho por olho
349
LIMA, Alvino; Da culpa ao risco, sao Paulo, 1938, pag.11 apud Dias, Jose de Aguiar, ibdem, pag.20
111
responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal. É na lei aquilia que se esboça afinal
um princípio geral regulador da reparação do dano embora não nos moldes modernos mas sim um germe
da jurisprudência clássica.
Traçada em síntese é esta, pois a evolução da responsabilidade civil no direito romano: da vingança
privada ao princípio de que a ninguém é lícito fazer justiça com as próprias mãos, a medida que se afirma
a autoridade do estado; da primitiva assimilação da pena com a repacao para a distinção entre
responsabilidade civil, responsabilidade penal, por insinuação do elemento subjetivo da culpa quando se
entremostra o principio nulla poena sine lege . Sem dúvida, fora dos casos expressos subsistia na
indemnização o caracter depena. Mas os textos autorizadores das ações de responsabilidade se
multiplicaram a tal ponto que, no último estdio do direito romano contemplava não só os danos materiais
mas também os morais.
Segundo a perspectiva clássica, a noção de responsabilidade civil constitui um corolário do princípio de
que o homem, sendo livre, deve responder pelos seus actos. Portanto, a condição essencial da
responsabilidade civil, nesta óptica, incide na culpa, que pode traduzir-se num facto intencional, ou em
simples imprudência ou negligência.
Contudo, no mundo contemporâneo, fortemente tecnológico e industrializado, o desenvolvimento das
possibilidades e dos modos de atuação humana também multiplicou os riscos. Cada nova conquista do
homem das forcas da natureza não exclui que um tal domínio lhe possa escapar e que essas forcas
retomem os seus movimentos naturais. É o risco que acompanha a actividade humana.
Acresce que os factos causadores de prejuízos se apresentam frequentemente imputáveis não a indivíduos
isolados, mas a conjunto de homens. E quanto mais complexa e numerosa seja a composição dessas
equipas humanas, tanto mais tende a ficar no anonimato o exacto culpado. Esta mudança de
condicionalismos levou a encarar a responsabilidade civil de novos ângulos. A vida moderna, fazendo
avultar a categoria dos danos resultantes de acidentes, suscitou o problema paralelo da sua indemnização
adequada, a que não satisfaziam os esquemas tradicionais.
É manifesto que a concepção clássica da responsabilidade civil continua a ter um vasto papel. Todavia, ao
lado do princípio da responsabilidade baseada na culpa (responsabilidade subjectiva), acolhe-se a ideia a
ideia de uma responsabilidade independente da culpa (responsabilidade objectiva) sob a forma de
responsabilidade pelo risco. Os acidentes de circulação terrestre e os acidentes de trabalho representam o
ponto de partida, vindo-se-lhes a juntar outras situações expressivas, como consequência da criação
acelerada de processos técnicos próprios do nosso tempo, mas cuja utilização constitui f8nte de elevados
perigos para terceiros,

112
A esse período sucede o da composição. Atenuam-se as susceptibilidades por demais irritáveis do homem
primitivo, já agora o prejudicado percebe que mais conveniente do que cobrar a retaliação que é
razoavelmente impossível no dano involuntário e cujo efeito é precisamente o oposto da reparação porque
resultava em duplicar o dano.

2.0. Sentido actual da responsabilidade civil


A expressão responsabilidade civil, pode ser compreendida em dois sentidos, designadamente o sentido
amplo ou lato senso e o restrito ou strictu senso.
Em sentido amplo a expressão responsabilidade civil é a susceptibilidade de suportar em definitivo um
dano350, este sentido abrange na qualificação de responsável também, o causador do dano a si mesmo,
sendo que José de Aguiar Dias, considera que a o facto de se confundirem no mesmo património o credito
pela reparação e a obrigação respectiva não afecta a figura da responsabilidade tal como refere Josserand ,
mas o que se da é o desinteresse do dever de reparação que origina a responsabilidade.
Mário Júlio de Almeida Costa, avança uma noção de responsabilidade civil em sentido restrito segundo a
qual existe responsabilidade civil, quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra.351

Segundo Manuel das neves pereira “responsabilidade civil como sendo fonte das obrigações e este
consiste no dever resultante de facto humano que tenha provocado prejuízo a um titular de direito ou
interesses de natureza jurídico-privada legalmente tutelado”352 Por seu turno Inocêncio Galvão Telles
considera responsabilidade civil como a obrigação inerente de reparação dos danos sofridos por alguém,
trata-se de indemnizar os prejuízos de que esse alguém foi vitima, podendo tratar-se de uma indemnização
dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existira se não tivesse verificado o evento lesivo ao
património, podendo consistir na reconstituição natural ou indemnização pecuniária353.

3.0. Natureza da Responsabilidade Civil


O principio da responsabilização pelos danos causados a outrem, é um principio geral do Direito, sendo
aplicável em todos outros ramos de direito, sendo que numa primeira fase os diferentes tipos de
responsabilidade não eram distinguidos, contrariamente ao que ocorre actualmente, sendo esta dividida em
responsabilidade civil, penal ou criminal ou disciplinar de acordo com o ramo de direito substantivo que a
serve de suporte girando assim estas em orbitas diversas.

4.1. Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal


A responsabilidade civil já não se confunde com a responsabilidade criminal, na medida em que esta
autonomizou-se.

350
JOSSERAND,LES TRANSPORTS, PARIS,1910, n.O 558, pag.457 apud DIAS, Jose de Aguiar, Da responsabilidade civil,
1o volume, 8a edicao, forense, rio de Janeiro, 1987, pag 15 e ss
351
Neste sentido, MAZEAUD, Henri et Leon, consideram que deve colocar em confronto duas pessoas, propondo ao cabo que
responsavel sera a pessoa que deve reparar um prejuizo in “ Traité théorique et pratique de la resposabilité civile, délictuelle et
contratuelle”,3a edicao, paris, 1938, tomo1, no 4-5 pags.2 apud Dias, Jose de aguiar, obcit,.
352
Manuel das Neves, Introducao ao Direito e às Obrigacoes, 3ª edição, Almedina, 2007, Coimbra,pag.396
353
Ver, infra, ….. galvao telles, pag 208 e ss
113
Constitui vector de diferenciação e ao ramo de direito a que estas pertencem, a primeira pertence ao
direito civil que é direito privado comum, ao passo que a segunda se reconduz ao direito penal, ramo do
direito público.
Constitui ainda vector de diferenciação entre estas o tipo de ofensas a que estas reagem, ora, a
responsabilidade civil preocupa-se de reparar patrimonialmente um danos sofrido por uma pessoa com
vista a restituir pessoas lesadas ao gozo dos seus interesses ofendidos ou de interesses equivalentes,
enquanto que a responsabilidade criminal, apresenta caracter diverso supondo a ofensa de interesses que
pela sua importância se consideram como da própria colectividade. Pretendo-se defender a sociedade
contra actos que atingem em aspectos fundamentais, actos que pela sua gravidade são qualificados como
crimes e sujeitam os respectivos autores a providencias diferentes da simples indemnização patrimonial
tendo fins de prevenção geral ou especial.
4.2.Responsabilidade Civil e Responsabilidade Disciplinar
Da responsabilidade civil emergiu nos países com jurisdição administrativa, e consequentemente direito
administrativo a responsabilidade disciplinar, que visa reagir contra a infração de deveres impostos pela
integração em determinado agrupamento mais restrito, neste contexto da administração publica, sendo esta
aplicável aos funcionários e agentes do estado pela violação dos seus deveres.
Assim sendo a responsabilidade civil tem a natureza do direito a que pertence, pelo que pertencendo ao
direito privado comum esta tem a natureza de direito privado comum

5.0.Vertentes da Responsabilidade Civil


A responsabilidade civil é um principio geral do direito, sendo fundamental em na maioria das ordens
jurídicas actuais.
Segundo o ilustre mestre de Direito Boaventura Salomão Gune “ os negócios jurídicos que as pessoas
celebram, podem quanto ao âmbito especial, e a nacionalidade, dos sujeitos, extravasar os limites da
eficiência de uma dada ordem jurídica “ assim sendo o principio da responsabilidade civil, no mundo
jurídico pode comportar dois vectores vector externo ou conflitual na medida em que este principio não se
circunscreve ao âmbito de aplicação do direito interno podendo ser estendido para o direito internacional
Vector interno ou material que tem como domínio de aplicação as relações jurídico localizadas, isto é os
contratos celebrados dentro de cada estado, regulados portanto em principio pelo direito interno deste
mesmo estado
Vector conflitual externo, aquele que decorre dos contraltos internacionais cujo âmbito de aplicação da
responsabilidade civil conflitual tendo como domínio as relações jurídicas plurilocalizadas.

6.0.Âmbito Formal da Responsabilidade Civil


Reconstituição natural segundo Ana Prata, dicionário jurídico, pode também designar-se indemnização
especifica e aquela que se traduz na reposição das coisas das coisas no estado em que se encontravam
antes da lesão, o lesado enquanto indemnizado em espécie e restituído a situação em que se encontrava
anteriormente a lesão, não pela atribuição de equivalente pecuniário dos danos, mas pela reconstituição in
natura da sua situação material anterior.
E o que resulta do preceituado no n. 1 do art.566 do CC., a forma privilegiada regra da indemnização, só
podendo ser afastada e substituída ( ou completada) pela indemnização pecuniária, quando não seja
possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente gravosa para o lesante.

114
O ressarcimento por equivalência dos danos patrimoniais e uma verdadeira indemnização, dada a
identidade de natureza entre o carácter patrimonial dos bens lesados e uma dada soma pecuniária

7.0.Âmbito Substancial da Responsabilidade Civil


A responsabilidade civil decorre da lei (e sentido amplo) e não da vontade das partes, ainda que o
responsável tenha querido causar o prejuízo ou dano. No ordenamento jurídico moçambicano encontra
assento a nível da Constituição, como principio-garantia, e na legislação ordinária.
No âmbito da CRM, há disposições que revelam a intenção do legislador constituinte consagrar o
principio da responsabilidade civil, sendo de destacar o art. 58⁰ em que se estabelece no n⁰ 1 do referido
art. O direito a todo cidadão de exigir indemnização pelos danos causados pela violação dos seus direitos
fundamentais.
A nível ordinário, especialmente no Código Civil, este encontram-se nos art.º 483⁰ e Seg.
“Diz-se que alguém incorre em responsabilidade civil quando se constitui na obrigação de indemnizar
outrem por danos que lhe cause”354.
7.2. Pressupostos ou elementos constitutivos da Responsabilidade Civil
Existem um conjunto de requisitos ou pressupostos para a determinação da conceito delito civil, verifica-
se entretanto, que a doutrina não é unânime neste aspecto. Assim
Para alguns só se pode falar em responsabilidade civil aos factos ilícitos dolosos355 donde resulta
consequências como a de reparação do dano.
Outros entendem como ilícito civil todo facto quer seja doloso quer seja culposo356 donde resulta delito.
Antes de mais torna necessário fazer-se a distinção Responsabilidade do Devedor e responsabilidade civil
ou delitual. Sendo que esta ultima resulta de um facto ilícito prejudicial outrem indiferentemente da
preexistência ou não de uma obrigação357e aqueloutra derivante da inexecução de determinada obrigação
preexistente entre um credor e um devedor358. Porém tanto numa como noutra existe a obrigação de
reparar o dano.
Do estabelecido no art. 483⁰ vê-se que constituem requisitos ou elementos essenciais da responsabilidade
civil um dano ou prejuízo, resultante de um facto ilícito ou delitual (facto contrario a ordem jurídica).
Alguns autores acrescentam um terceiro elemento a culpa do autor do dano. Levando esta discussões a
diversas teorias:
1) Concepção clássica, segundo a qual a responsabilidade funda-se na culpa ,<< não há responsabilidade
onde não há culpa ou seja a imputabilidade do facto danoso a culpa do autor359,é a concepção
adoptada pelos Código Civil Francês (art.1382⁰) e Italiano (art.1151⁰).
2) Concepção moderna ou da responsabilidade objectiva, segunda a qual o simples facto prejudicial360 da
lugar a responsabilidade, o individuo será sempre responsável pelas consequências prejudiciais dos
actos que pratica, a única coisa que se te de demonstrar é o dano sofrido é o nexo de causalidade entre
o facto e o prejuízo.

354
PRATA, Ana(1992), Dicionário Jurídico,pág., 3ª Ed., Livraria Almedina, Coimbra, 527p.
355
Entendendo-se por dolo a intenção de de causar danos
356
Facto culposo entendendo-se como a simples falta de devida deligência, ou mera culpa, ou ainda negligência
357
TAVARES, José (1922)OS PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO CIVIL, Vol.I Coimbra
Editora,LIM.,Coimbra, 516p.
358
Idem.
359
Ibdem,517p
360
Idem, 517.
115
É de referir que no sistema da responsabilidade objectiva , o individuo suporta o isco do seus actos
sejam ou não estes culposos. Abundando aqui tanto a teoria da causalidade como a teoria do risco.
O legislador Moçambicano adoptou , como regra geral, a concepção moderna ou da responsabilidade
objectiva, considerando tanto a culpa como a negligencia, e nas situações que expressamente
declarados pela lei, a presunção de culpa nos termos do disposto no art. 487⁰. O CC considera a culpa
como elemento crucial e essencial da responsabilidade civil nos termos do disposto nos art.º 483⁰ e
487⁰ do CC.

8.0.Classificação da Responsabilidade Civil


A primeira distinção que se pode fazer é a luz do critério da natureza dos direitos violados, classificando-
se a responsabilidade em:
1) Responsabilidade contratual é a resultante da violação de um direito creditício ou obrigacional, como
responsabilidade decorrente da violação das obrigações do devedor relativamente ao credor. Mas
porque a fonte desta responsabilidade não é o contrato podendo provir dos negócios unilaterais e
gestão de negócios, alguns autores preferem chamar-lhe responsabilidade negocial ou obrigacional.
2) Responsabilidade Extra-contratual ou aquiliana ou ainda delitual ou extra-obrigacional, resulta da
violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto.

Distingue-se também a responsabilidade pelo facto ilícito, responsabilidade por acto licito ou
responsabilidade objectiva e responsabilidade pelo risco
1) Responsabilidade objectiva ou pelo facto ilícito, prevista nos art.º 482⁰ à 498⁰ do CC resulta das
situações em que a constituição do sujeito em responsabilidade civil prescinde a culpa361, podendo
advir da prática dolosa de um acto ou de uma pratica culposa.
2) Responsabilidade por acto licito, tratasse de actos que a lei consente por considerar justificado em
atenção à natureza dos interesse que visa satisfazer. Mas deste acto resulta prejuízo a outrem362.
Tem-se como exemplo paradigmático o estado de necessidade previsto no art.349⁰ do CC, sendo licita a
acção de quem destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover um perigo actual de um dano
manifestamente superior, quer do agente quer de terceiro;
3) Responsabilidade pelo risco, prevista nos art.º 499⁰ e Seg. do CC, esta resulta da criação de um risco
próprio de um acto, como por exemplo os danos causados por animais (art.502⁰), danos causados por
veículos(503⁰).

Conclusão
Tendo em conta o acima debruçado, vê-se que o principio sofreu evoluções com o tempo para que
chegasse ao sentido em que hoje é entendido (tendo contribuído para tal o direito romano), que numa
primeira fase não havia diferenciação nítida sendo hoje visto em várias perspectivas, civil (objecto de
estudo do presente trabalho), penal, disciplinar.
Tem-se ainda o seu sentido actual, suas vertentes, pressupostos assim como sua classificação tendo em
conta as várias correntes doutrinárias.

Introdução:

361361
Culpa, entendida no seu sentido amplo, abarcando o dolo e a negligencia.
362
TELLES, Galvao(2010)Direito das Obrigacoes,7ᵃ edicao Reempressao, Coimbra Editora, Coimbra, 209p.
116
O presente trabalho versa sobre um dos princípios de direito das obrigações, o princípio de ressarcimento
de dano.
Enquadramento e importância do tema. O Direito é uma realidade dinâmica e, por isso, há necessidade de
fazerem-se estudos constantes sobre os aspectos que lhe são próprios. Segundo TEODORO WATY,
Princípios são proposições descritivas não normativas através das quais refere-se de maneira sintética, o
conteúdo e as grandes tendências do direito positivo. O princípio de ressarcimento é um princípio muito
importante no âmbito do direito civil, e obviamente no direito das obrigações como sub-ramo de direito
civil.
Razões de escolha do tema. A razão da escolha do tema fica a dever-se ao facto de, dentre vários
princípios que norteiam o direito das obrigações, o princípio de ressarcimento do dano ser um dos
princípios fundamentais do direito civil. Este principio protege os bens jurídicos dos cidadãos, pois esse
garante que havido um dano patrimonial ou não patrimonial recaia sobre o causador a responsabilidade de
reposição, pois doutro modo esses bens jurídicos estariam desprotegidos e inúmeras vezes essa
desprotecção criaria prejuízos na esfera jurídica dos particulares.
Objectivo geral. Apreensão dos conteúdos sobre matéria de princípios de direito civil. Objectivo especial.
Desenvolver o nosso entendimento sobre o princípio de ressarcimento dos danos em concreto.
Metodologia. Este Trabalho vai privilegiar o método usado no campo das ciências sociais, o método
qualitativo na recolha de informação. Sendo certo, todavia, que a maneira de enquadrar figuras, e
equacionar problemas terá um odor jurídico próprio desta área do saber.

Princípio da Ressarcimento de dano


Na vida social os comportamentos – acções ou omissões adoptados por uma pessoa causam muitas vezes
prejuízos a outrem. O devedor quando não executa ou executa defeituosamente a prestação a que esta
adstrito; o condutor do automóvel quando atropela um transeunte; um indivíduo quando destrói uma coisa
de outrem. Em casos deste tipo, cuja variedade é inesgotável, põe se o problema de saber quem deve
suportar o dano verificado. Deverá o prejuízo ficar a cargo da pessoa em cuja esfera jurídica ela foi
produzido ou deverá, antes, impor se a obrigação do seu ressarcimento a pessoa cujo comportamento
provocou uma lesão na esfera de outrem.363
A dignidade humana e as suas consequentes liberdades e autonomia privada não podem existir sem
responsabilidade das pessoas pelas suas acções. A liberdade sem responsabilidade dá origem ao arbítrio
incompatível com dignidade e a responsabilidade sem liberdade cria também incompatível servidão.

363
PINTO, Carlos Alberto Da Mota, 2005, teoria geral de direito civil, 4ª.ed. Coimbra, pag.28 e 29;

117
No campo do direito e geral, a responsabilidade pode ramificar-se em civil e criminal, mas neste trabalho
dar-se-á ênfase à Civil.
Quando a lei impõe a obrigação de indemnizar os danos causados a outrem, por certos factos ou
actividades, estamos perante a Responsabilidade Civil. Este princípio liga-se com os Princípios Romanos
neminem laedere (não ofender ninguém) e suum cuique tribuere (a cada um o que lhe pertence).
Cada pessoa tem a sua esfera jurídica própria, que pode ser dividida em direitos patrimoniais (podem ser
avaliados em dinheiro) e direitos pessoais (não podem ser avaliados em dinheiro). Quando uma pessoa
viola a esfera jurídica surge a obrigação de ressarcir ou compensar os danos causados (responsabilidade
civil)364.
A responsabilidade civil consiste, por conseguinte, na necessidade imposta pela lei aquém causa prejuízos
a outrem de colocar o ofendido na situação que estaria sem a lesão (artigos 483 e 562). Esta reconstituição
da situação que o lesado estaria sem o dano deve em princípio ter lugar mediante uma reconstituição
natural (restauração natural, restituição ou execução especifica). podemos retirar essa ilação do numero 1
do artigo 566 do código civil, quando a reconstituição natural for impossível, insuficiente ou
excessivamente onerosa a reposição do lesado na situação que estaria sem o facto lesivo terá lugar
mediante uma indemnização em dinheiro (restituição ou execução por equivalência). Das duas formas que
podem revestir a reconstituição da coisa a indemnização em dinheiro ou por equivalência é a hipótese
largamente maioritária pois raramente o lesado ficará completamente indemnizado com a reconstituição
natural, mesmo quando esta for possível365

A indemnização pecuniária cobre os danos patrimoniais sofridos pelo lesado, isto é, os prejuízos
susceptíveis de avaliação pecuniária (em dinheiro). No dano patrimonial, estão compreendidos o dano
emergente, ou seja, o prejuízo imediato sofrido pelo lesado, e o lucro cessante, quer dizer, as vantagens
que deixam de entrar no património do lesado em consequência da lesão (artigo 564 no. 1).
O ressarcimento por equivalência nos danos patrimoniais há uma verdadeira indemnização, devido a
identidade da natureza entre carácter patrimonial dos bens lesados e uma dada soma pecuniária.
O direito civil manda, contudo, atender também na fixação da indemnização que, pela sua gravidade,
mereçam a perdas de consideração social, inibições psíquico, a honra e a reputação). A sua verificação
tem lugar quando são causados sofrimentos físicos ou morais, tutela do direito (artigo 496 no. 1) estes
danos não patrimoniais resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física,

364
SOUSA, Rabindranath Capelo De. Teoria Geral do Direito Civil. p.71-72
365
ASCESSAO, José Oliveira, 1999, introdução ao estudo de direito. E teoria geral, 7ª. Ed. Coimbra, pag. 57-59; sobre a
mesma matéria vide:
VARELA, João de matos Antunes, 2000, Das obrigações em Geral, 10ª.ed. vol.I, Almedina,Lisboa pag. 602 e segnts;
PINTO, Carlos Alberto Da Mota, op.cit, pag. 30- 31.
118
a saúde, a tranquilidade, o bem estar físico e psíquico a, a liberdade, a honra e a reputação) a sua
verificação tem lugar quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social,
inibições, em consequência de uma lesão de direito.
Não sendo estes prejuízos avaliáveis em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente
legitima-se na ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela compensação.

Pressupostos do ressarcimento do dano


Além da existência do dano e da conduta do agente, deve existir um nexo de causalidade, que é a relação
de causa e efeito entre a conduta praticada e o resultado; fora isso, devem verificar-se outros pressupostos
para o surgimento da responsabilidade civil.
Necessário se torna, em princípio, que o facto seja ilícito, isto é, violador de direito subjectivo ou
interesses alheios tutelados por disposição legal, e culposo, ou seja, passível de uma censura ético-jurídico
ao sujeito. Diga-se em principio, pois há certos casos expressamente previstos na lei, em que a
responsabilidade civil prescinde da ilicitude e da culpa. Sendo certo que a lei tempera o grau de
ressarcimento do dano (art. 562) nos casos de mera culpa (art. 494).

O restabelecimento da situação como tinha sido antes da ocorrência do facto danoso é o substrato da
Responsabilidade civil.
O princípio geral da responsabilidade civil é consagrado no art. 483.º do Código. Civil («Aquele que, com
dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação»)

O principal Princípio da Indemnização ou seja o Princípio da Prioridade da Reconstituição Natural


(reconstituição da situação antes do facto danoso) podemos encontrar no art. 566.º, n.º 1 do Código Civil
(sempre que não seja possível a reconstituição natural, a indemnização é fixada em dinheiro). Todavia
maioritariamente o lesado não é completamente indemnizado pela reconstituição natural mas, mais
propriamente pela indemnização em dinheiro.

Os Danos patrimoniais podem ser indemnizados em dinheiro e podem ser divididos no dano emergente (o
prejuízo genuíno sofrido pelo lesado) e no lucro cessante (os benefícios que o lesado deixou de obter por
causa da lesão (art. 564.º, n.º 1 do Código Civil)).

119
No caso dos danos não patrimoniais a lei também não silencia (art. 496.º do Código. Civil). No Direito
Civil Moçambicano é consagrada a indemnização aos danos não patrimoniais, ou seja, danos morais que,
pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. Apesar desses bens não serem avaliáveis em dinheiro (a
integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação)
a soma pecuniária legitima-se pela ideia de compensação.

Responsabilidade Civil contratual e extracontratual


A responsabilidade civil pode ser classificada, de acordo com a natureza do dever jurídico violado pelo
causador do dano, em contratual ou extracontratual.
Na primeira, configura-se o dano em decorrência da celebração ou da execução de um contrato. O dever
violado é oriundo ou de um contrato ou de um negócio jurídico unilateral. Se duas pessoas celebram um
contrato, tornam-se responsáveis por cumprir as obrigações que convencionaram.
No caso dos direitos absolutos falamos sobre a responsabilidade extracontratual. Para existência da
responsabilidade extracontratual é necessário: existência do acto voluntário e ilícito

Conclusão
Depois de percorrido o trajecto acima, resta-nos dizer em jeito de conclusão que o princípio do
ressarcimento do dano encontra-se assente no princípio da responsabilidade civil, na medida em que pelos
actos danosos a serem causados a outrem, as pessoas respondem civilmente e essa responsabilização
implica, em última analise, a reposição da situação anterior a ocorrência do facto danoso ou, não sendo
possível, é obrigação do causador do dano constituir situação semelhante à anterior da ocorrência do facto
lesivo. O ressarcir de um dano aparece em cumprimento e no âmbito da responsabilidade civil para que a
pessoa sofredora da lesão não se veja prejudicada no seu direito a propriedade ou na sua liberdade,
dependendo do bem ofendido. Assim, o ressarcimento do dano actua a posteriori o que implica,
necessariamente, a ocorrência de um dano que no âmbito da responsabilidade civil das pessoas será
ressarcido e conduzida a normalidade a situação do lesado.
Para nós, o princípio do ressarcimento do dano é, por excelência, o princípio da responsabilidade civil por
ser este o meio pelo qual as pessoas violadoras dos direito de outrem serão responsabilizadas – reparando
os danos que lhes possam ter sido causados.

Princípio da responsabilidade civil


A Responsabilidade Civil constitui um conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os
danos sofridos por outrem.

120
Dentro do Principio da Responsabilidade Civil podemos encontrar a responsabilidade subjectiva e a
responsabilidade objectiva, decorrentes do art. 483º nos 1 e 2, CC, respectivamente.
A responsabilidade subjectiva tem os seus fundamentos na culpa e no dolo, sendo que a objectiva
alicerça-se na obrigação de reparar o dano, independentemente da culpa, nos casos especificados na lei, ou
quando actividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o
direito do outrem.
Sendo que o próprio código Civil de 1966, que é o código em vigor, embora consagre como regra geral a
responsabilidade fundada na culpa, prevê também diversos casos de responsabilidade objectiva. Assim
sendo, pode se dizer que o código civil de 1966, apresenta em termos de responsabilidade civil, uma
tendência à objectivação.
Neste contexto, O trabalho em apreço tem como tema Princípio da Responsabilidade civil, sendo que,
enquadra-se na cadeira de Direito das Obrigações I, terceiro ano, curso diurno, primeiro semestre. Sendo
que para a sua realização, recorreu-se à Leitura de manuais, recomendados pelo corpo docente, leitura de
jurisprudências, Código civil.

2.Princípio da Responsabilidade Civil


O princípio da responsabilidade civil, enquanto conjunto de factos que dão origem à obrigação de
indemnizar os danos sofridos por outrem, constitui uma fonte de obrigações baseada no princípio do
ressarcimento dos danos.
Na responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade contratual, como a responsabilidade extra-
contratual.
A responsabilidade civil contratual ou obrigacional (artigo 798 e seguintes), provem da falta de
cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei.
A responsabilidade civil extra-contratual ou delitual, (artigo. 483° e seguinte.) resulta da violação de
direitos absolutos ou da prática de certos actos que embora lícitos, causam prejuízo a outrém.

3. Fundamentos da responsabilidade civil


As normas da responsabilidade civil, não têm o poder de desfazer o sucedido, isso significa que, uma vez
ocorrido o dano, o direito, por meio de normas de responsabilidade civil, cuida apenas de estabelecer
quem deve suporta-lo366.
Desde que o tema da responsabilidade sem culpa passou a ocupar os civilistas, muitas foram as
justificativas apresentadas pela doutrina para a atribuição de esse ónus a uma outra pessoa. O nosso

366
ASCENSAO, José de Oliveira-Direito Civil, Teoria Geral, Coimbra, Coimbra Editora, Vol. I, Relações eSituações Jurídicas,
P. 65
121
ordenamento jurídico, ao regular a responsabilidade civil, define como esses riscos deveram ser
distribuídos367.
Ao estabelecer a responsabilidade subjectiva, o legislador atribui à vítima os riscos envolvidos em dada
situação, há não ser quem haja dolo ou culpa de quem deu a causa ao dano. Ao estabelecer a
responsabilidade objectiva, por outro lado, o direito desloca da vítima para uma outra pessoa, o ónus de
arcar com a situação368.
3.1.Fundamento da correspondência entre o risco e a vantagem
A responsabilidade civil, está assente na ideia de que o beneficiado, de uma actividade deve arcar com os
prejuízos delas decorrentes. Trata-se do princípio fundamental da teoria de risco-proveito, sendo que os
benefícios são vantagens pecuniárias.
Portanto, o princípio da correspondência entre o risco e a vantagem é especialmente convincente como
fundamento da responsabilidade dos profissionais, pois estes podem distribuir o risco entre seus clientes,
igualmente beneficiários da manutenção da fonte do risco, por meio do preço369.

3.2. Fundamento do risco extraordinário


Toda actividade humana envolve riscos. Dirigir um automóvel, praticar desporto, ate andar a pé, envolve o
risco de sofrer danos. O próprio facto de ocorrer um acidente qualquer é a comprovação de que a
actividade em questão envolvia riscos. O ordenamento jurídico, ao regular a responsabilidade civil, define
como esses riscos deverão ser distribuídos. Ao estabelecer a responsabilidade objectiva, o legislador
atribui à vítima os riscos envolvidos em dada situação, a não ser que haja dolo ou culpa (responsabilidade
subjectiva) de quem deu causa ao dano.
Ao estabelecer a responsabilidade objectiva, por outro lado, o direito desloca da vítima para outra pessoa,
o ónus de arcar com os riscos da situação. Uma justificativa para esse tratamento de diferenciado de
riscos, envolvidos nas diferentes situações da vida é ideia de risco extraordinário, isto é, um risco acima
do normal.
O caracter extraordinário do risco pode ser determinado pela grande probabilidade da ocorrência de
danos, pelo valor elevado dos prejuízos potenciais ou pelo desconhecimento do potencial danoso da
situação ou da actividade regulada370.
3.3.Fundamento da causa de risco
De acordo com o fundamento da causa de risco, a responsabilidade deve ser atribuída a quem deu causa o
dano, isto é, ao sujeito que mantem a fonte de risco. Este princípio relaciona-se de modo íntimo com o

367
ANDRADE, Manuel de- Teoria Geral da Relação Jurídica, I e II, 1992, p. 34
368
CORDEIRO, António Menezes, Tratado de Direito Civil Português, Vol. 5 Ed. Lisboa, 2010, p.48
369
FONSECA, Tiago Soares da- Jurisprudência seleccionada de Teoria Geral de Direito Civil, Vol I, p.50
370
BARATA, Carlos Lacerda-Responsabilidade Civil, 3a Ed. Lisboa, P43-52
122
fundamento da prevenção tratado abaixo, pois, normalmente, o sujeito que mantem a fonte de risco é
quem a conhece melhor e está na melhor posição para evitar, na medida do possível, a ocorrência de
danos, sendo que, garante a existência de um vínculo entre o evento danoso e o responsável.

3.4.Fundamento da Prevenção
A responsabilidade, quer subjectiva assim como objectiva, se atribui ao sujeito com melhores condições
para controlar e reduzir os riscos de dano. A responsabilidade objectiva tem um papel preventivo
reduzido, quando se aplica a factos cuja ocorrência não depende do comportamento cuidadoso do agente.
No entanto, embora não seja possível eliminar todos os riscos, é certo que eles podem ser maiores ou
menores, dependendo do modo como a actividade é exercida.
O sujeito que controla a fonte de risco pode, por meio de certas medidas, reduzir o risco ao nível mais
baixo possível. A imposição da responsabilidade é um incentivo para que ele faça.

4.Conclusão
A aplicação dos fundamentos da responsabilidade civil, pode ser um bom guia para a realização desta
tarefa.
Embora seja ainda difícil prever a extensão que a jurisprudência dará à norma do artigo. 483, do código
civil, é possível imaginar que, não havendo em prática outros meios eficazes para buscar a indemnização,
a prevenção e a distribuição de prejuízos acidentais na sociedade, a jurisprudência seja levada a assumir
em grande parte o papel de definir uma política para tratamento dos danos acidentais em geral, por meio
do instrumento que lhe concedeu o legislador: a amplitude do parágrafo único do artigo 483 do código
civil.

1. Introdução
O direito das obrigações visa, regular situações jurídicas, como os “serviços” que são as “acções de
homens que satisfazem as necessidades de outros homens”, sendo os contratos regulados no Código Civil
e no âmbito do Direito do Trabalho, a outra situação jurídica que recebe particular atenção do Direito das
obrigações é o “trânsito jurídico de Bens” que constitui uma projecção da sua circulação económica e são
exemplo os contratos regulados no Livro II do Código Civil, por último e por lapidar a região das sanções
civis.371
O direito das obrigações trata de condutas humanas com determinadas características a possibilidade de
inacatamento dos destinatários, das normas obrigacionais, traduzido na efectivação das condutas
prescritas, caracteriza o vínculo obrigacional, sendo a normatividade em causa jurídica, com suas normas

371
CORDEIRO, António Menezes - Direito das Obrigações, vol I, 1979.

123
dirigidas, a levar os particulares ao acatamento das regras, seja preventiva, seja repressiva, seja
compensatoriamente: são as sanções, a natureza normativa da sanção implica que ela seja violável, o
violador pode não acatar a norma sancionaria que lhe seja dirigida, cabe ao direito aplicar sanções por
meio da coercibilidade, a primeira forma de sancionar uma norma consiste na previsão de um esquema
pelo qual, o caso ocorra uma violação, novas normas actuem por forma a reconstruir a situação ideal
pretendida pelo direito, caso tivesse surgido a prevaricação.372
O princípio do “ressarcimento de dano” devido a coercibilidade das normas obriga ao violador a reparar o
dano (prejuízo material ou moral) ao lesado.
O presente trabalho tem como objectivo estudar “o princípio do Ressarcimento do Dano”, para feitura do
trabalho procedemos a uma pesquisa qualitativa, que passou pela consulta de manuais, obras,
jurisprudência e a legislação.
Abordamos o conceito de “Ressarcimento dos Danos”, e tratamos da questão do Ressarcimento de Danos
não patrimoniais. Abordamos em particular o conceito de “Dano”, e suas espécies de danos.
No tocante ao Ressarcimento dos Danos, destacamos alguns exemplos no ordenamento jurídico
moçambicano.

2. Desenvolvimento
2.1. O Principio de Ressarcimento de Danos
O “Ressarcimento de Danos” consiste em um dever, e é entendido como o cumprimento da obrigação de
indemnizar, reparar, repor, o dano (que pode constituir-se em prejuízo material ou moral), sofrido por uma
pessoa por facto de outrem; mas muitas vezes o dever jurídico em que se constitui um individuo de
ressarcir os prejuízos materiais ou morais causados por ele ou por outrem é interpretado como sanção.373
A sanção não é si mesma um dever- ela pode ser estatuída como tal, porém não tem necessariamente de o
ser, mas é o acto coercitivo que uma norma liga a uma determinada conduta oposta é, desse modo,
juridicamente prescrita constituindo conteúdo de um dever jurídico, a sanção é o acto coercitivo que
constitui o dever jurídico, a sanção actua levando o infractor a ressarcir os danos (prejuízos) infligidos ao
lesado, o fato de que a ordem jurídica obriga á indemnização de um prejuízo é correctamente descrito na
seguinte proposição jurídica: “ se um individuo causa a outrem um prejuízo e este prejuízo não é
indemnizado, deve ser dirigido contra o património de um outro individuo um acto coercitivo como
sanção, de retirar-se compulsoriamente a outro individuo um valor patrimonial e atribui-lo ao individuo
prejudicado, para Ressarcimento dos danos (prejuízo) ”.374

372
idem
373
KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes.6ª ed., 1998.
374
Ibidem
124
Um individuo poderia ser constituído no dever de não causar a outrem um prejuízo, sem ser obrigado a
indemnizar o prejuízo causado com a infracção daquele dever, tal seria o caso se ele não pudesse evitar a
sanção através da indemnização do juízo, segundo o Direito positivo, ele pode evitar a sanção pela
indemnização do prejuízo, quer dizer ele não é só obrigado a não causar a outrem qualquer prejuízo com a
sua conduta mas ainda, no caso de, com essa sua conduta, ter causado um prejuízo a outrem, a indemnizar
esse prejuízo, a sanção da execução civil constitui dois deveres: o dever de não causar prejuízos, como
dever principal, e o dever de ressarcir os prejuízos licitamente causados, como dever subsidiário que vem
tomar o lugar do dever principal violado, o dever de ressarcir os prejuízos não é uma sanção, mas é esse
dever subsidiário, a sanção da execução, isto é, a indemnização compulsória do prejuízo através do órgão
aplicador do Direito, apenas surge quando este dever não é cumprido, se esta sanção da execução civil se
dirige ao património do individuo que causou o prejuízo através da sua conduta e o não indemnizou, este
individuo responde pelo seu próprio delito, que consiste no não-ressarcimento do prejuízo por ele causado,
mas por este delito, isto é, pelo não-ressarcimento do prejuízo por ele causado, também pode responder
um outro individuo, tal é o caso se a sanção da execução civil de ser dirigida contra o património de um
outro individuo na hipótese de o primeiro não cumprir o seu dever de indemnização, o segundo individuo
quando não possa impedir a sanção ressarcindo ele próprio o prejuízo causado pelo primeiro individuo ,
apenas é sujeito de uma responder uma responsabilidade, segundo o Direito positivo ele pode por esse
meio evitar a sanção.375

2.2. Ressarcimento dos Danos não patrimoniais


Existe uma antiga querela, com vertentes práticas e teóricas, sobre a ressarcibilidade dos danos não
patrimoniais, a orientação dominante entende que os danos patrimoniais embora insusceptíveis de uma
verdadeira e própria reparação ou indeminização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em
todo caso compensados, e mais vale proporcionar á vitima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer
tipo de amparo.376
O CC admite a indemnização dos «danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do
direito», art.496º, n.º1, a lei não os enumera, antes confia ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das
várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra
digno de protecção jurídica, serão irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os
sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.377

375
Idem
376
COSTA, M. Direito das Obrigaçoes.Almedina.7ª edição.1999
377
Ibidem
125
Efectivamente no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico se produzem tais danos
com menor frequência e intensidade, podem verificar-se hipóteses em que bem se justifique uma
compensação por danos não patrimoniais dentro do critério do art.496º, é pouco convincente a alegação de
uma dificuldade acrescida que exista, em certos casos, na proa e apreciação desses danos, ou a de
eventuais factores de insegurança que se introduzam no comércio jurídico, com efeito sempre funciona o
requisito de que os danos não patrimoniais apresentem suficiente gravidade.378
Muito menos se aceita a procedência do argumento sistemático derivado da colocação do art.496º, de
resto, a lei refere-se apenas ao prejuízo causado ao credor pelo inadimplemento, sem que estabeleça
distinção alguma entre danos patrimoniais e não patrimoniais (arts.798º. e 804.º, n.º 1), admite-se a plena
consagração, tanto do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art.496.º, n.º1), como do
critério de fixação equitativa da indemnização correspondente (art.496.º, n.º 3).379
Dai que, em qualquer caso, a determinação do montante indemnizatório ou compensatório que
corresponde aos danos não patrimoniais se calcule segundo critérios de equidade, atende-se portanto, não
so a extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, á situação económica deste
e do lesado, assim como a todas as outras circunstancias que contribuam para uma solução equitativa.380
2.3. Danos
Os Danos são prejuízos materiais (perda ou deterioração de um bem, realização de uma despesa, perda de
um ganho…) ou moral (sofrimento físico ou moral, atentado á dignidade, ao respeito da ida privada…)
sofrido por determinada pessoa (lesado) por facto de um terceiro.381
Mas para que haja obrigação de indemnização, reposição, reparação, é necessário que o prejuízo seja certo
(isto é, de verificação certa ou muito provável, o que tem especial importância no domínio dos lucros
cessantes, sobretudo dos danos futuros), minimamente grave (um prejuízo extremamente insignificante
não merecerá, obviamente a tutela do direito, não sendo susceptível de constituir o responsável no dever
de indemnizar, reparar, repor) e resultante do acto lesivo (este requisito do nexo da causalidade entre o
facto e o dano em enunciado no artigo 563º., Cód. Civil.: «A obrigação de indemnização só existe em
relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»).382
Os danos podem consistir numa diminuição efectiva do património (dano emergente) ou representar a
frustração de um ganho, traduzindo-se num não-aumento patrimonial (lucro cessante); pode ser positivo
(resultante do incumprimento de uma obrigação) ou negativo (derivado de se ter celebrado um negócio
inválido ou ineficaz ou de se não ter chegado a celebrar contrato: responsabilidade pré-contratual prevista

378
Idem
379
COSTA, M. op. cit., p.524.
380
COSTA, M. op. cit., p.525
381
PRATA, A. Dicionário Juridico.Coimbra.3ªediçao.1995.
382
Ibidem
126
no artigo 227º., CC); pode também ser actual ou presente (no caso de já se ter verificado no momento em
que o tribunal aprecia a situação) ou futuro (no caso de, não se tendo verificado, no momento da
apreciação judicial, ser previsível, mesmo que não determinável) -artigo 564º.,nº.2, CC.383
Em termos naturalísticos, o dano pode ser entendido como a supressão de uma vantagem de que o sujeito
beneficiava, mas essa noção não é suficiente para definir o dano em termos jurídicos, o conceito terá que
ser definido num sentido simultaneamente fáctico e normativo, ou seja, como frustração de uma utilidade
que era objecto de tutela jurídica. 384
Verificado o dano, ele deve ser reparado por forma a «reconstituir a situação que existiria, se não se
tivesse verificado o evento que obriga á reparação» - artigo 562º., Cód.Civil.385
Mas mesmo entre os defensores da ressarcibilidade do dano morte, há divergências quanto á questão de
saber a quem é atribuído o direito indemnizatório, entendendo alguns que ele entra na esfera jurídica da
vitima, transmitindo-se depois mortis causa aos seus herdeiros, e defendendo outros que o direito é
atribuído originariamente ás pessoas enunciadas no nº. 2 do artigo 496º Cód. Civil.386
2.3.1. Espécies de Danos
2.3.1.1. Dano em sentido Real e Dano em sentido Patrimonial
Em relação ao conceito de dano, é possível estabelecer uma distinção entre o dano em sentido real e o
dano em sentido patrimonial, em sentido real, o dano corresponde á avaliação em abstracto das utilidades
que eram objecto de tutela jurídica, o que implica a sua indemnização através da reparação do objecto
lesado (restauração natural) ou da entrega de outro equivalente (indemnização especifica), em sentido
patrimonial, o dano corresponde á avaliação concreta dos efeitos da lesão no âmbito do património do
lesado, consistindo assim a indemnização na compensação da diminuição verificada nesse património, em
virtude da lesão; o art.562º estabelece como princípio geral de que “quem estiver obrigado a reparar um
dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o evento que obriga á reparação” o
que implica a lei dar primazia á reconstituição natural do dano ou á sua indemnização em espécie, no
âmbito da obrigação a indemnização.387
O critério dominante é o da determinação do dano em sentido real, deve-se proporcionar-se ao lesado as
mesmas utilidades que ele possuía antes da lesão, através da reconstituição do bem afectado ou da entrega
de um bem idêntico, o art.566, nº1 vem-nos dizer que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a
reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente
onerosa para o “devedor”, quando não é possível reparar o bem ou entregar outro equivalente, ou quando

383
Idem
384
MENEZES LEITÃO,L. Direito das Obrigações. Vol. I. Almedina editora. 9ªedição.2010.
385
PRATA,A. op. cit.,p.311
386
PRATA, A. op. cit.,p.313
387
MENEZES LEITÃO, L. op. cit., p.344
127
essa forma de indemnização não seja suficiente para reparar todos os danos sofridos pelo devedor, ou
ainda quando se torna absolutamente desproporcionado em face dos sacrifícios que importa exigir do
lesante a reconstituição natural do dano, a lei vem estabelecer que a indemnização 388o seja fixada em
dinheiro.389

2.3.1.2. Danos Emergentes e Lucros Cessantes


Os prejuízos patrimoniais, segundo uma distinção que vem já do Direito Romano, distinguem-se em
Danos emergentes e Lucros cessantes, a vitima pode reclamar não só os primeiros como também os
segundos, os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa
sua valorização, se diminui o activo ou aumenta o passivo, há um dano emergente («damnum emergens»);
se deixa de aumentar o activo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante («lucrum cessans»), ali dá-se
uma perda, aqui a frustração de um ganho.390
Para abranger estas duas modalidades de danos, diz o artigo 564.º, nº1, que «o dever de indemnizar
compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência
da lesão»; a fórmula não pode ser considerada feliz contrapõem-se «o prejuízo causado», que seriam os
danos emergentes, e «os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão», que seriam
lucros cessantes estes também representam um prejuízo e um prejuízo causado: são do mesmo modo um
dano que surge «em consequência da lesão», «prejuízo lesado» é expressão com latitude suficiente para
abranger todos os danos, inclusive os lucros cessantes, e não apenas os danos emergentes, que por meio
dessa expressão se pretende visar.391

2.3.1.3.Danos Presentes e Danos Futuros


Estabelece-se também uma distinção entre danos presentes e danos futuros, os danos consideram-se
presentes se já se encontram verificados no momento da fixação da indemnização, sendo futuros no caso
contrario; a lei em referir no art.564º, nº 2, que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos
danos futuros, desde que sejam previsíveis, se não forem determináveis, a fixação da indeminização
correspondente será remetida para decisão ulterior”, desta norma resulta, em primeiro lugar, que o facto de
dano ainda não se ter verificado não é fundamento para excluir a indemnização, bastando-se o tribunal
com a previsibilidade da verificação do dano para fixar, a fixação da indeminização naquele momento

388
Segundo o art.566.º do Código Civil «a indeminização em dinheiro toma como medida a diferença entre a situação
patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem
danos».
389
MENEZES LEITÃO, L. op. cit.,p.345
390
TELLES,I.G. Direito das Obrigações. Coimbra editora.7ªedição.1997.
391
Ibidem
128
depende, porem, da determinabilidade do dano futuro, efectivamente, se este não for logo determinável
em objecto ou quantidade a fixação da indemnização devera ser remetida para execução da sentença
(art.661.º, nº.2 C.P.C).392

2.3.1.4. Danos não Patrimoniais e Danos Patrimoniais


Os danos não patrimoniais são prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo nem
frustrando, o seu acréscimo, o património não é afectado, nem passa a valer menos nem deixa de valer
mais, há a ofensa de bens de caracter imaterial-desprovidos do conteúdo económico, insusceptíveis de
avaliação em dinheiro, são bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a
liberdade, a honra, a reputação, a ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na
vítima, traduzido na dor ou sofrimento de natureza física ou de natureza moral, o mesmo facto pode
produzir cumulativamente danos patrimoniais e danos não patrimoniais.393
O mesmo facto pode produzir cumulativamente danos patrimoniais e danos não patrimoniais, sucedendo
por vezes que os primeiros se apresentam indirectamente como reflexo dos segundos, nos danos
patrimoniais a indeminização pecuniária é realmente possível, pois que a soma recebida coloca o
património no nível em que ele se encontraria se não fora a lesão praticada, mas nos danos patrimoniais
isso não sucede, os danos subsistem e o que se dá é, noutro plano, um enriquecimento da vitima, que
recebe certo quantitativo não destinado a substituir um alor económico perdido ou frustrado.394

2.3.1.5. Dano Positivo e Dano Negativo


A doutrina distingue os danos negativos dos danos positivos, a fronteira não é clara, estes últimos são os
que decorrem do incumprimento das obrigações, aqueles que derivam da celebração de um negocio
invalido, ineficaz ou que veio a perder retroactivamente a sua eficácia, ou da não celebração de qualquer
negocio, a indeminização dos danos positivos visa, pois, colocar o lesado na situação em que ele se
encontraria se a obrigação tivesse sido cumprida, enquanto a indemnização dos danos negativos tem como
objectivo coloca-lo na situação em que estaria se não estivesse celebrado o negocio invalido ou ineficaz
ou se não tivesse iniciado as negociações que se romperam.395

2.3.1.6. Danos Directo e Danos Indirectos

392
MENEZES LEITÃO, L. op. cit., p.347
393
TELLES,I.G. op. cit., p.378
394
TELLES,I.G. op. cit., p.379
395
PRATA, A. op. cit., p.314.
129
O Dano Directo é aquele que constitui efeito imediato (no sentido de não mediatizado por qualquer outro
facto), a autonomização desta categoria não tem relevância, dado que todos os prejuízos casualmente
resultantes do facto são indemnizáveis, sejam ou não suas consequências directas, enquanto os Danos
Indirectos são todos os danos que não resultam directamente do facto constituindo consequência mediata
dele, o dano se bem que indirecto, é indemnizável, se, de acordo com a teoria da causalidade adequada
puder ser considerado consequência do facto, se se utilizar a expressão, para referir o prejuízo que o
terceiro sofre em resultado do dano lesado- como por exemplo o prejuízo que a entidade empregadora
sofre pelo facto de ficar privada durante certo período de actividade laboral de um seu trabalhador,
excepcionalmente qualificado, por este ter sofrido ferimentos graves causados por outrem-, então está em
causa uma categoria de danos que são indemnizáveis pelo agente, porquanto titular do direito á
indeminização é, salvo diversa disposição legal, apenas o titular do direito ou interesse que o acto lesou.396

3. O Principio de Ressarcimento de Danos em outros ramos do direito


Enfatizar que no Direito Civil, mais particularmente no Direito das Obrigações, o art.562º do CC é claro e
inequívoco em torno do principio do ressarcimento de danos «quem estiver obrigado a reparar um dano
deve reconstruir a situação que existiria se tivesse verificado o evento que obriga á reparação», e a
reforçar o art. 566º vem dizer que «a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição
natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja onerosa para o devedor»
No âmbito do Direito do Ambiente, destaca-se o princípio do poluidor pagador, este princípio antes de
assumir importância como princípio fundamental do direito internacional do ambiente e dos direitos
nacionais de inúmeros Estados, o seu aparecimento formal teve lugar no dia 26 de Maio de 1972, no
âmbito de uma recomendação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE)
sobre Politica do Ambiente na Europa.397
Em Moçambique, o princípio do poluidor pagador foi objectivamente contemplado na Politica Nacional
do Ambiente, segundo esta, “o poluidor deve repor a qualidade do ambiente danificado e ou pagar os
custos para a prevenção e eliminação da poluição por si causada”.398
O principio do poluidor pagador decorre da consideração de que os sujeitos económicos, que são
benificiários de uma determinada actividade poluentes, dêem ser igualmente ser responsáveis pela via
fiscal, no que respeita á compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício
dessa actividade, o alcance deste principio tem vindo a ser alargado no sentido de se considerar que uma
tal compensação financeira não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também

396
PRATA, A. op. cit., p.312.
397
SERRA , C. e CUNHA, F. Manual de Direito do Ambiente.CFJF.Maputo.2004.
398
Ibidem
130
aos custos da reconstituição da situação, assim como ás medidas de prevenção que é necessário tomar para
impedir, ou minimizar, similares comportamentos de risco para o meio-ambiente.399
No Direito do consumidor, o principio de ressarcimento de danos que preconiza que obriga o lesante a
ressarcir o lesado dos danos esta patente na lei n.º22/2009 de 28 de Setembro, destaque para o artigo 5 n.º1
alínea, f) que consagra o direito do consumidor á´« a prevenção e á reparação dos danos patrimoniais ou
não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou
difusos.
O artigo 14 “direito á reparação de danos” da lei nº 22/2009, de 28 de Setembro no seu nº 1 preconiza que
«o consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente
informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, Independemente de culpa do
fornecedor do bem, a reparação da coisa ou a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do
contrato».
O nº 4 do art.14 releva que « …o consumidor tem direito á indemnização dos danos patrimoniais e não
patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos».

4. Conclusão
O Ressarcimento de Danos, constitui um dever subsidiário, em forma concreta é uma obrigação ao qual o
lesante se encontra adstrito e deve cumprir para reparar, restituir, repor o facto que violou o direito do
lesado.
É necessária a existência de um dano que viole o direito do lesado, destacar que esse dano pode ser
patrimonial quando incide sobre o património do lesado, e pode ser não patrimonial, quando incide sobre a
moral, o bom nome etc.
O princípio do ressarcimento de danos é aplicável de forma transversal em outros ramos do Direito
destacando o facto de manter a sua essência de o lesante reparar os danos e prejuízos resultantes da sua
actividade que lesa os direitos de terceiros, destacar que no ordenamento jurídico este principio esta
patente.
Em suma afirmar que este princípio é de extrema importância, pois permite a reparação de injustiças, de
direitos violados, e situações e utilidades jurídicas, de terceiros, permitem o emprego da coercibilidade da
norma para o acatamento por parte dos destinatários para o cumprimento do dever jurídico e obrigação de
ressarcir o lesado por meio de indemnização ou compensação.

INTRODUÇÃO

399
Idem
131
O estudo do princípio do ressarcimento ou imputação de danos é importante na medida em que este, é um
dos princípios fundamentais do Direito das Obrigações, que por sua vez, desempenha um papel importante
na dinamização das relações obrigacionais uma vez que permite que numa relação obrigacional que
envolva dano, o lesado possa ver seu direito ou interesse juridicamente protegido, tutelado.
I. Objectivo geral
O presente trabalho tem como objectivo geral, analisar o princípio do ressarcimento do dano, seu âmbito e
aplicação.

II. Objectivos específicos


 Dar uma noção do princípio do ressarcimento de danos e mostrar em que situações ele é aplicado.
 Mostrar a classificação dos danos.
 Mostrar os títulos de imputação de danos.

III. Metodologia
Para a elaboração deste trabalho recorreu-se à pesquisa bibliográfica e documental. Foram usados manuais
da disciplina de Direito das obrigações, o Código Civil de 1966 que é a principal fonte do Direito das
Obrigações.

IV. Estrutura
O trabalho encontra-se dividido em três capítulos. No Capitulo I, é apresentada a noção geral do Princípio
do Ressarcimento de Danos e seus respectivos Títulos de Imputação; o segundo Capitulo, é dedicado à
figura central do presente trabalho: o Dano - seu conceito, e suas diversas tipologias; e por fim, é tratada
no Capitulo III, a figura da Indemnização; seu conceito, requisitos, os sujeitos e a prescrição desta.

O Princípio do Ressarcimento do Dano


1. Noção Geral do Princípio do Ressarcimento ou imputação do Dano
O princípio do ressarcimento do dano é também chamado pela doutrina como princípio da imputação dos
danos.400 Este princípio pode, em termos gerais, ser enunciado de forma seguinte: quando exista uma
razão de justiça, da qual resulte que o dano deva ser suportado por outrem, que não o lesado, deve ser
aquele, e não este a suportar esse dano. A transferência do dano do lesado para outrem faz-se mediante a
constituição de uma obrigação de indemnização, através da qual se deva reconstituir a situação que
existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo (artigo 562.° do Código Civil).
Ocorre a imputação de danos quando a lei considere existir, não apenas um dano injusto para o lesado,
mas também uma razão de justiça que justifica que esse dano seja transferido para outrem. A situação de
alguém estar numa situação em que o Direito considera mais adequada à suportação do dano do que
aquele que o sofreu é denominada de responsabilidade civil (art. 483.° e ss. do CC). A razão de justiça que
justifica a constituição em responsabilidade civil denomina-se a imputação do dano. A sua transferência
para o património do responsável efectua-se mediante a constituição de uma obrigação de indemnização.
Em alguns casos a imputação de danos pode basear-se em permissões legais de sacrificar bens alheios no
interesse próprio, que tem como contrapartida o estabelecimento de uma obrigação de indemnização.
Nesses casos, temos a denominada responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício.

LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Vol.I – Introdução e Constituição das Obrigações, 9.ª
400

Edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág.51


132
2.1 Imputação por culpa.
Na imputação por culpa, a responsabilidade baseia-se numa conduta ilícita e censurável do agente, que
justifica dever ele suportar em lugar do lesado os prejuízos resultantes dessa conduta. Neste caso, a
responsabilidade civil, desempenha não só uma função reparatória, mas também uma função
sancionatória, na medida em que representa uma sanção ao agente pela violação culposa de uma norma de
conduta.
2.2 Imputação pelo risco.
Na imputação pelo risco a responsabilidade fundamenta-se numa concepção de justiça distributiva,
segundo as doutrinas do risco proveito, do risco profissional ou de actividade, e do risco de autoridade.
Segundo a doutrina do risco proveito, aquele que tira proveito de uma situação deve também suportar os
prejuízos resultantes dessa sua conduta. Segundo a concepção do risco profissional ou de actividade,
aquele que exerce uma actividade ou profissão que seja eventualmente fonte de riscos deve suportar os
prejuízos que dela resultem para terceiros. Segundo a concepção do risco de autoridade, sempre que
alguém tenha poderes de autoridade ou direcção relativamente a condutas alheias deve suportar também
os prejuízos que daí resultam.

2.3 Imputação pelo sacrifício.


A imputação pelo sacrifício corresponde a situação em que a lei permite, em homenagem a um valor
superior, que seja sacrificado um bem ou direito pertencente a outrem, atribuindo, porém, uma
indemnização ao lesado como compensação desse sacrifício. Neste caso, a imputação fundamenta-se
numa ideia de justiça comutativa, ou seja, na atribuição de uma vantagem como contrapartida do sacrifício
suportado no interesse de outrem.

2. O Dano
O dano consiste num prejuízo material (perda ou deterioração de um bem, realização de uma despesa,
perda de um dano) ou moral (sofrimento físico ou moral, atentado a dignidade, ao respeito da vida
privada) sofrido por uma pessoa, por facto de um terceiro401, isto é, para que haja obrigação de
indemnizar, é condição essencial a existência de um dano, o facto ilícito culposo deve causar prejuízo a
alguém. O dano “é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a
forma de distribuição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea”.402

3.1 Classificação dos Danos


2.1.1 Dano Real e Dano Abstracto (ou de Cálculo)
O dano real é a efectiva lesão de um bem, ou seja, é o prejuízo sofrido pelo lesado em sentido natural, em
consequência de certo facto, nos interesses que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. Há
dano real quando se apresenta ‘’in natura’’consistente na privação ou diminuição de gozo de bens,
materiais e espirituais, ou na sujeição a encargos ou na frustração da aquisição, ou acréscimo de valor.
Neste tipo de preguiço procura-se proporcionar ao credor o gozo dos próprios bens que fruiria se não fora
a lesão. Por sua vez, o dano abstracto ou de cálculo consiste na expressão pecuniária de tal prejuízo
sofrido, isto é, e nos termos do art.566.º nº2, consiste no valor representativo da diferença entre a situação

401
PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, 3ªEdição (Revista e Actualizada), Livraria Almedina, Coimbra, 1995, pág.311
402
TELLES, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Almedina, Coimbra.
133
actual do património do lesado e aquela que existiria se não tivesse ocorrido a lesão. Nos prejuízos
abstractos nem sempre é possível a avaliação do dano em valores monetários, pois a sua indemnização em
substância pode não reparar integralmente os danos ou ser excessivamente onerosa para o responsável
(art.566 n°1), por exemplo a reconstituição de um membro que ficou destruído.

2.1.2 Dano Directo e Dano Indirecto


O dano directo é aquele que constitui efeito imediato do acto constitutivo de responsabilidade, e dano
indirecto é todo que não resulta directamente do facto constitutivo da responsabilidade, antes, constituindo
consequência mediata ou remota do dano directo.

3.1.3 Dano Positivo e Dano Negativo


Essas duas figuras estão ligadas a responsabilidade contratual403. Enquanto o dano positivo é aquele que
decorre do incumprimento das obrigações,404 o dano negativo deriva da celebração de um negócio
inválido, ineficaz, ou que veio a perder retroactivamente a sua eficácia, ou da não celebração de qualquer
negócio.405 A indemnização dos danos positivos visa pois colocar o lesado na situação em que ele se
encontraria se a obrigação tivesse sido cumprida, enquanto a indemnização dos danos negativos tem como
objectivo colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio inválido ou
ineficaz ou se não tivesse iniciado as negociações que se romperam.

3.1.4 Dano Presente/Actual e Dano Futuro


O dano pode ser actual ou presente (no caso de já se ter verificado no momento em que o tribunal aprecia
a situação) ou futuro (no caso de, não se tendo verificado no momento da apreciação judicial, ser
previsível, mesmo que não determinável).

3.1.5 Dano Patrimonial


O dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.406 O dano patrimonial
e o dano real são, em princípio, realidades diferentes, embora estreitamente relacionadas entre si, como
por exemplo, alguém que sofre uma lesão decorrente de um atropelamento (dano real) e o prejuízo
causado em virtude da sua incapacidade para trabalhar (dano patrimonial). O dano patrimonial mede-se,
em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética)
em que ele se encontraria, se não fosse o acto lesivo.407
Os prejuízos resultantes do dano patrimonial são susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser
reparados ou indemnizados, quer directamente mediante restauração natural, ou mediante reconstituição
específica da situação anterior à lesão, quer indirectamente por meio de equivalente ou indemnização
pecuniária.
Distinguem-se dentro dos danos patrimoniais os danos emergentes e os lucros cessantes.

403
COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 7ª Edição (Revista e Actualizada), Livraria Almedina, Coimbra,
1999, pág.519
404
PRATA, Ana, op.cit, pág.314
405
Ibdem.,pág. 317
406
VARELA, João de Matos Antunes, Direito das Obrigações, 10ª Edição, Vol I, Almedina, Coimbra, pág 598
407
Ibdem
134
3.1.5.1 Danos Emergentes e Lucros cessantes
O dano emergente compreende a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado; e
o lucro cessante refere-se aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja,
ao acréscimo patrimonial frustrado. Isto para dizer que, os danos emergentes traduzem-se numa
desvalorização do património, os lucros cessantes na sua não valorização. Se diminui o activo ou aumenta
o passivo, há um dano emergente; se deixa de aumentar o activo ou diminuir o passivo, há um lucro
cessante. Nos danos emergentes dá-se uma perda, nos lucros cessantes, a frustração de um ganho.

3.1.6 Danos Não Patrimoniais ou Morais


Os danos não patrimoniais encontram-se previstos no art.496.º do CC. Trata-se de prejuízos que não
atingem em si o património, não fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Neste domínio,
património não e afectado, tão só passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há aqui a ofensa de bens
de carácter imaterial, insusceptíveis de avaliação pecuniária; são bens como a vida, a integridade física, a
saúde, a honra, a liberdade, o resguardo da vida privada, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física
ou de natureza moral.Visto que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, os danos morais não podem
ser indemnizados, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo
esta mais uma satisfação e não uma indemnização.
O mesmo facto pode produzir cumulativamente danos patrimoniais e morais. Por vezes, os danos
patrimoniais se apresentam indirectamente como reflexo dos danos morais, por exemplo, se se pratica uma
lesão corporal, em primeira linha causam-se danos não patrimoniais, os ferimentos em segunda linha
podem causar danos patrimoniais como despesas de tratamento.

3. A Indemnização
4.1 Conceito
Em sentido lato, a indemnização é a reparação do prejuízo de uma pessoa, em razão da inexecução ou
deficiente execução de uma obrigação de violação de um direito absoluto.408 A forma ideal de
indemnização e a reposição das coisas no estado em que elas se encontrariam se não fora a lesão (art.562.°
do CC). Só quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja
excessivamente onerosa para o devedor a lei admite que a indemnização seja fixada em dinheiro.
Para o cálculo da indemnização devem ter-se em conta não só os danos emergentes, como também os
lucros cessantes, prevendo a lei expressamente a possibilidade de indemnização de danos não patrimoniais
no art. 496.° do CC.

4.2 Requisitos
Para que haja indemnização é necessário que:

a. O prejuízo seja certo, isto é, de verificação certa ou muito provável, o que tem especial
importância no domínio dos lucros cessantes, e sobretudo dos danos futuros.409

408
PRATA, Ana, op.cit; pág 536
409
O dano futuro, para que seja considerado futuro, tem de ser previsível, e não incerto.
135
b. Seja minimamente grave: ou seja, um prejuízo extremamente insignificante não merecera tutela
do Direito, não sendo susceptível de constituir o responsável no dever de indemnizar.
c. Seja resultante de acto lesivo, isto é, exige-se que o acto lesivo constitua causa do dano. Não são
todos e quaisquer danos susceptíveis de ressarcimento, somente aqueles cujo acto lesivo tenha na
realidade ocasionado o dano410. Vide os arts. 483.º nº1 e 563.º do CC.

4.3 Sujeitos da Relação de Indemnização


Neste domínio, os sujeitos da indemnização, dizem respeito:
 A pessoa ou pessoas as quais, nos termos da lei, se atribui a conduta constitutiva da
responsabilidade, podendo responder-se por facto de outrem (art.491.° do CC);
 As várias pessoas responsáveis pelos prejuízos - responsabilidade solidária (art.497.°, n°1 do CC);
 As pessoas obrigadas a vigilância de outrem (art.491.° do CC);
 O comitente (art.500.° do CC);
 O Estado (art.501.° do CC);

A titularidade do direito a reparação cabe, em princípio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou
interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou. Contudo, nalgumas situações excepcionais,
admite-se que outras pessoas, para além do ofendido, tenham direito a exigir indemnização, ou que esta se
alargue a terceiros só mediata ou reflexamente prejudicados. 411 A lei indica como terceiros com direito a
indemnização:
 Os que socorreram o lesado (art.495.° n°2do CC);
 Os estabelecimentos hospitalares e os médicos ou outras pessoas ou entidades que hajam
contribuído para o seu tratamento ou assistência (art. 495. ° n°2 do CC);
 Os que legalmente lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a quem a vitima prestava em
cumprimento de obrigação natural (art.495.° n°3 do CC);
 No caso de morte, tem ainda direito à indemnização os que fizeram despesas para salvar a vítima
ou outras, como, por exemplo, as do funeral (art.495.° n°1 do CC);
 Quanto a reparação dos danos não patrimoniais, verificando-se a morte da vítima, esse direito é
atribuído, com exclusividade, nos termos do art. 496. ° do CC.

4.4 Prescrição
A lei ocupa-se também da prescrição no art. 498. ° do CC. O n°1 determina que o direito de indemnização
prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe
compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem
prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
E prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os
responsáveis (art.498.º nº2 do CC)

CONCLUSÃO

410
JULIO DE ALMEIDA COSTA, Mário, op.cit, pág.525
411
JULIO DE ALMEIDA COSTA, Mário, op.cit, pág.528
136
Em casos de verificação de dano, o devedor incorre à responsabilidade dos seus actos, na medida em que
fica obrigado a restituir através da indemnização (bens materiais) ou através da compensação (bens
imateriais).
O pressuposto da responsabilização não é só a existência de um dano, como também esse mesmo dano
deve ser acompanhado de culpa e uma situação de injustiça por parte do devedor. Essa imputação deve ser
feita pelo risco criado pelo devedor, pelo sacrifício e pelo risco causado.
Este princípio do ressarcimento do dano é importante pois imputa ao devedor o dever de suportar os
prejuízos que advém dos seus actos lesivos ao património de outrem materializando-se através do seu
património em benefício do lesado.

Princípio da Responsabilidade Civil


1. Definição
Ana Prata, no seu Dicionário Jurídico referente ao Direito Civil, define Princípio como sendo a “
orientação que informa o conteúdo de um conjunto de normas jurídicas, que tem de ser tomado em
consideração pelo intérprete, mas que pode, em alguns casos, ter directa aplicação”412.
Segundo esta, os princípios são extraídos das fontes e dos preceitos, e constituem orientação para a
definição de novos regimes pelo legislador.

 Responsabilidade Civil
1. Definição Doutrinal
De acordo com Manuel das Neves Pereira, a responsabilidade civil pode ser definida como sendo o
“dever resultante de facto humano que tenha provocado dano (prejuízo) a um títular de direito ou
interesse, de natureza jurídico-privada, legalmente tutelado”413.
Podemos dizer também que “responder civilmente” é ser responsável, tem o sentido de impôr a uma
pessoa a obrigação de reparar um dano causado à outrem.414

1. Tipos de Responsabilidade Civil


Para a Professora Ana Prata e para o Professor Antunes Varela, a resposabilidade civil dá-se quando
alguém encontrá-se na obrigação de indeminizar outrém pelos danos que causar-lhe. Na perspectiva destes
autores, os tipos de responsabilidade civil diferem uns dos outros em razão do tipo de dano causado415.
Sendo assim, existem os seguintes tipos de responsabilidade civil:

1.1 . Responsabilidade Obrigacional, Contratual ou Negocial

412
PRATA, Ana, (1999) “Dicionário Jurídico” ,3ª ed., Almedina, Coimbra, Pág. 764
413
PEREIRA, Manuel das Neves, (2007), “Introdução ao Direito e às Obrigações”, 3ª ed. , Almedina, Coimbra, Pág. 396
414414
In MONTEIRO, Jorge F. Sinde, 1983, Estudos Sobre a Responsabilidade Civil, Vol I, Coimbra, pp 7
415
PRATA, Ana, (1999) “Dicionário Jurídico” ,3ª ed., Almedina, Coimbra, Pág. 863

137
Quando os danos derivam da inexecução de uma obrigação; a designacão genérica de responsabilidade
civil abrange os vínculos obrigacionais (obrigação de indeminizar) emergentes da violação de um dever
jurÍdico especial que tem a sua origem num contrato (contractual).

1.2. Responsabilidade Delitual, Extracontratual ou Aquiliana


Quando os danos resultam da violação de um direito subjectivo não creditício ou de uma norma legal que
se destina a proteger interesses alheios ou juricamente protegidos 416; como resultante da violação de
deveres gerais de conduta que a ordem jurídica impõe aos indivíduos para proteção de todas as pessoas
(extracontratual).
Estes dois lados do Princípio da Responsabilidade Civil não constituem compartimentos estanques, estes
são vasos comunicantes.
Por um lado elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de um deles para a
esfera normativa própria do outro.
Por exemplo: se João agredir e ferir José, responderá naturalmente por ilícito extracontratual (ofensa da
intergidade física da vítima), pelos danos causados. Se, em seguida, fixada por sentanca a indemnização
devida ao agredido e João tardar ou se recusar a paga-la, estaremos perante um novo ilícito que agora será
contractual (violação de uma verdadeira obrigação, fixada por sentença judicial).

1.3. Responsabilidade Objectiva (nela estão inclusas a Responsabilidade pelo


Risco e a Responsabilidade por Actos Lícitos)
Quando incorre de actos lícitos ou não culposos;

TÍTULO III: Elementos ou Pressupostos da Responsabilidade Civil


1. Elementos ou Pressupostos da Responsabilidade Civil
Para o Prof. Dias Marques, do art. 483° do CC.pode-se concluir que os elementos ou pressupostos da
Responsabilidade Civil são no geral, os seguintes417:
- Um acto voluntário por parte do lesante;
- Ilicitude do acto;
- Culpa na violação;
- Imputabilidade
- Dano
- Um nexo de casualidade entre o facto e o dano.

416
PRATA, Ana, (1999) “Dicionário Jurídico” ,3ª ed., Almedina, Coimbra, Pág. 864

417
MARQUES, J. Dias, (1992) “Noções Elementares de Direito Civil” 7ª ed., s.ed., Lisboa, Pág. 166
138
 FACTO VOLUNTÁRIO

O elemento básico da responsabilidade do agente será um facto dominável ou controlável pela vontade,
um comportamento ou uma forma de conduta humana pois so quanto a factos dessa índole tem cabimento
a ideia de ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei impõe.
Este facto consiste, em regra geral, num facto, numa acção, ou seja, num facto positivo que importa a
violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do
direito absoluto. Mas, pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão Art
486 do CC.
Quando se alude a facto voluntário do agente não se pretende restringir os factos humanos relevantes em
material de responsabilidade dos actos queridos.
O que esta geralmente em causa no domínio da responsabilidade civil são puras acções de facto
practicadas sem nenhum intuito declarativo.

 A ILICITUDE

1. Há duas vertentes:

a) Violação de um direito de outrem. Art 483 do CC


Os direitos subjectivos aqui abrangidos, são principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os
direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de personalidade os direitos familiares e a propriedade
intelectual.
b) Violação da lei que protege interesses alheios
Trata-se da infração das leis que, embora protejam um direito subjectivo a essa tutela é de leis que tendo
também ou ate principalmente em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender à
interesses particulares subjacentes.
Além disso, a previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam prevenir, não a produção do
dano em concreto mas o simples perigo de dano em abstracto.
Para que o lesado tenha direito à indemnização, 3 requisitos são indispensáveis:
a) Que a lesão dos interesses do particular correspondam a violação de uma norma legal;
b) Que a tutela dos interesses dos particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada;
c) Que o dano se tenha registado no circulo de interesses privados que a lei visa tutelar.

2. Causas de exclusão de ilicitude


2.1. Causas justificativas do facto ou causas de exclusão da ilicitude
A violação do direito subjectivo de outrem ou da norma destinada a proteger interesses alheios
constitui, em regra, um facto ilícito; mas pode suceder que a violação ou ofensa seja, coberta por alguma
causa justificativa do facto de afastar a sua aparente ilicitude.
O acto do exercício de um direito, ainda que cause danos a outrem, é um acto lícito desde que o direito
seja exercido em conformidade com a boa fé, com os bons costumes, com o fim económico e social do
direito e respeitando as regras de compatibilização de direitos do art. 335º CC. Isto é, em todos os casos
em que o titular do direito exerce regularmente o seu direito, ainda que prejudique outrem, normalmente
não comete um acto ilícito.
Constituem causas de justificação as formas de tutela privada de direitos:
- Acção directa (art. 336º CC);
139
- Legítima defesa (art. 337º CC);
- Estado de necessidade (art. 339º CC).
Têm em comum algumas características:
a) Natureza preventiva: a lei admite excepcionalmente a autotutela de direitos, mas tipicamente com
carácter preventivo, para evitar a violação de direitos e não para reagir à violação de direitos, não
com carácter repressivo.
b) Carácter subsidiário: só é lícito actuar em acção directa, em legítima defesa ou em estado de
necessidade quando não seja possível em tempo útil recorrer aos meios normais.
c) Princípio da proporcionalidade: o acto só é lícito na medida em que cause danos inferiores,
previsivelmente inferiores àqueles que resultariam do acto que se pretende evitar.

2.1.1. Acção Directa


É o recurso à força para realizar ou assegurar o próprio direito. (art. 336º CC). Para que a ela haja
lugar, torna-se necessário a verificação dos seguintes requisitos:
a) Fundamento real: é necessário que o agente seja titular dum direito que procura realizar ou
assegurar;
b) Necessidade: o recurso à força terá de ser indispensável, pela impossibilidade de recorrer em
tempo útil aos meios coercivo normais, para evitar a inutilização prática do direito do agente;
c) Adequação: o agente não pode exceder o estritamente necessário para evitar o prejuízo;
d) Valor dos interesses em jogo: através da acção directa, não pode o agente sacrificar interesses
superiores aos que visa realizar ou assegurar.

2.1.2. Legítima Defesa


Consiste na reacção destinada a afastar a agressão actual e ilícita da pessoa ou do património, seja do
agente ou de terceiro (art. 337º CC).
Como requisitos:
a) Agressão: que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens de alguém;
b) Actualidade e ilicitude da agressão: que a agressão (contra a qual se reage) seja actual e contrária
à lei;
c) Necessidade da reacção: que não seja viável nem eficaz o recurso aos meios normais;
d) Adequação: que haja certa proporcionalidade entre o prejuízo que se causa e aquele que se
pretende evitar, de modo que o meio usado não provoque um dano manifestamente superior ao que
se pretende afastar.

2.1.3. Estado de Necessidade


É igualmente lícito o acto daquele que, para remover o perigo actual de um dano manifestamente
superior, quer do agente, quer de terceiro destrói ou danifica coisa alheia (art. 339º CC).
O estado de necessidade consiste na situação de constrangimento em que age quem sacrifica coisa
alheia, com o fim de afastar o perigo actual de um prejuízo manifestamente superior.

2.1.4. Consentimento do lesado (art. 340º CC)


Consiste na equiestância do titular à prática do acto que, sem ela, constituiria uma violação desse direito
ou uma ofensa de uma norma tuteladora do respectivo interesse.
Logo, se vericados e preenchidos os requisitos cumulativos de uma destas formas de exclusão da ilicitude,
fica afastada a obrigação de Responder Civilmente pelo acto danoso.

 O ABUSO DE DIREITO
1. Definição

140
Trata-se do exercício anormal do direito próprio. O exercício do direito em termos reprovados pela lei, ou
seja, respeitando a estrutura formal do direito, mas violando a sua afectação substancial, funcional ou
teleológica, é considerado como legítimo. Isso quer dizer que, havendo dano, o titular do direito pode ser
condenado a indemnizar o lesado.
Há abuso de direito (art. 334º CC), sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites
impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social desse direito.
Com base no abuso de direito, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional
do direito que a lei confere a outrem.

 A CULPA
1. Nexo de imputação do facto ao lesante
Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. É preciso,
nos termos do art. 483º CC, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. Agir com
culpa, significa actuar em termos de conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a
conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da
situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo.

Fala-se em nexo de imputação para significar que o agente tenha praticado um facto voluntário, ilícito e
que ele possa ser imputado ao agente; e só é imputado ao agente quando o agente actuou culposamente.

A culpa (art. 487º CC) exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante,
em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que
assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor.

2. Modalidades de Culpa
A culpa em sentido amplo abrange duas sub-modalidades:

2.1. Culpa em sentido estrito, também designada por mera culpa ou negligência: quando o agente
actuou levianamente, imponderadamente, negligentemente, sem cuidado ou sem atenção,
quando o agente, numa palavra, não empregou a diligência que o bom pai de família colocado
naquela situação, teria empregado;

2.2. Dolo: quando o agente actuou por forma a aceitar, a admitir, as consequências ilícitas da sua
conduta. Diz-se dolosa a conduta quando o agente, não tendo previsto as consequências
danosas e ilícitas que do seu acto iriam resultar, não fez nada para as afastar, porque as
admitiu.

 A IMPUTABILIDADE
1. Definição
Diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que
pratica e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca deles (art. 488º CC).

2. Características
Para que uma pessoa seja susceptível do juízo de culpabilidade, é preciso que ela seja imputável; para
lhe serem imputados actos é preciso que ela seja susceptível de imputação, mediante verificação das
seguintes características:

141
a) Pela capacidade de entendimento mínimo que permite ao sujeito prever as consequências dos
seus actos;

b) E pelo mínimo de liberdade, que lhe permitia determinar-se.

3. Inimputáveis
É imputável o sujeito que tem o mínimo de inteligência para perceber alcance do acto que pratica e
que tem liberdade de determinação, isto é, que é livre de decidir ou não de praticar o acto, é sito que se
chama imputabilidade. Logo, é inimputável o sujeito que practica o acto sem liberdade de decisão e de
determinação.

Exemplos: são os casos de menoridade, coação física, embriaguês, demência.

Pode dizer-se que para haver responsabilidade da pessoa inimputável é necessária a verificação dos
seguintes requisitos:
a) Que haja um facto ilícito;
b) Que esse facto tenha causado danos a alguém;
c) Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo, reprovável, se nas
mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável;
d) Que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade;
e) Que a reparação do dono não possa ser obtida dos vigilantes do inimputável;
f) Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das
circunstâncias concretas do caso.

 O DANO
Para haver obrigação de indemnizar, é condição essêncial que haja dano, que o facto ilícito culposo
tenha causado um prejuízo a alguém.

1. Definição
O dano é, o prejuízo que um sujeito jurídico sofre ou na sua pessoa, ou nos seus bens, ou na sua pessoa
e nos seus bens.

2. Classificação de Dano
2.1. Danos pessoais: aqueles que se repercutem nos direitos da pessoa;

2.2. Danos materiais: aqueles que respeitam a coisas;

2.3. Danos patrimoniais: são aqueles, materiais ou pessoais, que consubstanciam a lesão de interesses
avaliáveis em dinheiro, dentro destes à que distinguir:

a) Danos emergentes: é a diminuição verificada no património de alguém em consequência de um


acto ilícito e culposo de outrem, ou de um acto não ilícito e culposo mas constitutivo de
responsabilidade civil para outrem;

b) Lucros cessantes: quando em consequência do acto gerador de responsabilidade civil, deixa de


auferir qualquer coisa que normalmente teria obtido se não fosse o acto que constitui o agente
em responsabilidade.

142
2.4. Danos não patrimoniais (ou morais): são os danos que se traduzem na lesão de direitos ou
interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. O princípio da ressarcibilidade dos danos não
patrimoniais é limitado à responsabilidade civil extra-contratual. E não deve ser ampliado à
responsabilidade contratual, por não haver analogia entre os dois tipos de situações.

2.5. Dano é presente ou futuro, consoante já se verificou ou ainda não se verificou no momento da
apreciação pelo Tribunal do direito à indemnização; isto é, futuros, são todos os danos que
ainda não ocorreram no momento em que o Tribunal aprecia o pedido indemnizatório, mas cuja
ocorrência é previsível e provável.

2.6. Dano real: é o prejuízo efectivamente verificado; é o dano avaliado em si mesmo;

2.7. Dano de cálculo: é a transposição pecuniária deste dano, é a avaliação deste dano em dinheiro.

A gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que
justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
A reparação obedecerá a juízos de equidade tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso
(art. 496º/3 CC – 494º CC).
A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim
mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização.

3. Nexo de causalidade entre o facto e dano (e)


Para que o dano seja indemnizável é forçoso que ele seja consequência do facto, ilícito e culposo no
domínio da responsabilidade subjectiva extra-obrigacional, facto não culposo no domínio da
responsabilidade objectiva, onde o facto gerador do dano pode mesmo ser um facto lícito.
Em qualquer caso, e portanto em qualquer das modalidades da responsabilidade civil, tem sempre que
haver uma ligação causal entre o facto e o dano para que o autor do facto seja obrigado a indemnizar o
prejuízo causado.

Regime Jurídico da Responsabilidade Civil


Em regra geral, a responsabilidade civil resulta de actos ilícitos e culposos, porém pode dar-se
excepcionalmente por actos lícitos e isentos de culpa nos casos expressamente fixados na lei como
estabelece no n.° 2 do art. 483° do CC.
De acordo com o art. 486° do CC., a responsabilidade civil pode provir não só da acção como também da
omissão.
A responsabilidade civil encontrá-se consagrada nos arts 483° à 510° e 798° à 803° do CC.
- Dos arts. 483° à 498° está estabelecida a responsabilidade delitual, extracontratual ou aquiliana;
- Dos arts. 500° à 510° encontrá-se positivada a responsabilidade objectiva (nela estão inclusas a
responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por actos Lícito);
- Dos arts. 798° à 803° é consagrada a responsabilidade obrigacional, contratual ou negocial.

Do Princípio do Não Locupletamento Injustificado

0.1. Tema: princípio da restituição do indevido


143
0.2. Importância
No plano académico, o estudo é de extrema importância na medida em que é parte integrante do rol das
matérias agendadas no âmbito da cadeira de Direito das Obrigações ministrada na Faculdade de Direito da
Universidade Eduardo Mondlane.
Ademais, no plano normativo, o tema em análise afigura-se de extrema importância na medida em que é
ponto assente que no âmbito das relações sociais testemunham-se, eventualmente, situações em que se
paga o que não se deve ou a quem não se deve. Nestes termos, a análise do instituto da restituição do
indevido permite compreender os meios normativos de operacionalização da restituição do que realmente
não se deve por parte de quem enriqueceu injustamente à custa alheia.

0.3 Pertinência do estudo do tema


O estudo do tema afigura-se pertinente no estudo do Direito das Obrigações na medida em a Restituição
do Indevido é um caso particular de enriquecimento sem causa que, por sua vez, constitui uma fonte de
obrigações visto que aquele que obtém um enriquecimento à custa de outrem tem obrigação de restituir o
indevido.

0.3. Noção do princípio geral do direito.


Antes de uma explicação exaustiva do princípio da restituição do indevido , que é a temática desse
trabalho, é necessário esclarecer previamente o que é um princípio do direito.
Segundo o doutor Boaventura Gune, é importante e necessário clarificar, à partida, que toda e qualquer
forma de conhecimento, implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos
como condição de validade das demais asserções que compõem um certo campo do saber. Entendido o
termo num sentido lógico, pode-se conceitualizar o termo "principios" como sendo verdades
fundamentais de um sistema de conhecimento, que são admitidas por serem evidentes ou terem sido
comprovadas como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxisError! Reference
source not found.418.
Posto isto, avançamos para a compreensão do principio supracitado.

0.4. Noção do principio da restituição do indevido


Do ponto de vista etimológico, "restituição" é o acto de restaurar ao proprietario algo que lhe foi levado,
compensando dessa forma a perda ou os danos. Ou ainda, restituição seria a recomposição de um estado

GUNE,Boaventura, Das Obrigações em Moçambique: tópicos das lições proferidas no 3̊ano jurídico do ano académico
418

2015, pp.51 e 52.


144
anterior. Enquanto que o termo "indevido" significa o que não é devido ou o que não é objecto de
obrigação, ou ainda o que não corresponde ao exercício de um direito.
O pagamento do indevido consiste, como o nome diz, em se pagar o que se não deve ou a quem se
não deve. A lei inclui esta hipótese no instituto de locupletamento á custa alheia, como uma modalidade
sua, e faz dela uma regulamentação de certo modo particularizada (arts.473. , n 2, e 476. a 478) da Secção
IV, do Capítulo II, do Título I, do Livro II, do Codigo Civil de 1966 (CC)419. Assim, em contraposição,
"restituição do indevido significa ficar-se com o direito á reaver o desembolsado, dentro dos limites do
locupletamento obtido pelo accipiens à custa do solvens".
Sendo o principio da restituição do indevido um caso particular do enriquecimento sem causa, torna-se
necessário analisar esta figura para melhor compreender aquele princípio.

Enriquecimento sem causa


Dá-se enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de
desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista causa justificativa.
Por exemplo, R em representação de A, vende um imóvel a B que não faz o registo da aquisição do
imóvel após pagar o preço. Posteriormente, A vende o mesmo imóvel a C, este ignorando a vende a B,
sendo A proprietário aparente, fica a venda válida, em atenção à tutela da expectativa de C. B não pode
pedir a declaração de nulidade da venda a ele feita, e nem pode socorrer-se do instituto da
responsabilidade civil. Porém houve uma valorização do património de A, sem justa causa420.
Ou ainda, Jonas, que depois da refeição num restaurante paga uma quantia superior ao valor da conta que
deveria pagar. Há aqui também uma valorização do património do restaurante sem justa causa.

0.5. Requisitos do enriquecimento sem causa


É necessário que se verifiquem determinados requisitos para que se possa falar de enriquecimento sem
causa. Tais requisitos extraem-se do artigo 473 do CC, nomeadamente: (1) que se obtenha um
enriquecimento; (2) que o mesmo seja obtido à custa de alguém; e (3) que o enriquecimento não tenha
causa justificativa.
0.5.1. Haja um enriquecimento
O enriquecimento dá-se quando o património de alguém se valoriza ou deixa de se desvalorizar. A
valorização dá-se quando se verifica um aumento do activo ou uma diminuição do passivo, enquanto que a
não desvalorização dá-se quando se faz uma economia ou poupança, evitando-se uma despesa que doutro
modo se realizaria.

419
TELLES, Inocêncio Galvão(2010). Direito das Obrigações. 7 edição. Coimbra Editora.
420
Idem p.194
145
0.5.2. Enriquecimento à custa de outrem
Representa uma vantagem patrimonial correspondente ao sacrifício de um outro património, doutro modo,
significa que determinado activo é sacrificado passando a ser menor em contraposição a determinado
passivo, que passa a ser maior em função de uma correlação entre o enriquecido e o empobrecido
resultante da geração de factos reciprocamente. Mas nem sempre as coisas ocorrem assim. É necessário
que a pessoa à custa de quem se obtem o enriquecimento empobreça decorrente dessa situação. Esta ilação
retira-se das referências legais à figura do empobrecido como consta dos artigos 474o, 479o e 480o ambos
do Código Civil.
0.5.3. Que o enriquecimento não tenha causa justificativa
Segundo Galvão Telles, não obstante a noção de causa do enriquecimento ser muito contorvertido e dificil
de definir tudo se reconduz a interpretação da lei ou seja, saber se o ordenamento juridico considere ou
não justificado o enrequicimento e se portanto acha ou não legitimo que o benefeciario o conserve. Sendo
assim, ou o enriquecimento é materialmente inevitável, corespondendo um facto consumado. Ou, apesar
de materialmente evitável, a lei em primeira linha consente-o afim de que não haja uma perda económica
ou terceiros não sejam iludidos na sua legitima espectativa.
O enriquecimento é materialmente impossível de evitar. Repare-se no exemplo do possuidor que faz
benfeitorias úteis à coisa possuída cujo levantamento causaria para a mesma um dano económico, sendo
então inevitável que o proprietário da coisa se aproveite das benfeitorias. Por uma razão de segurança
jurídica, a lei o consente com vista a evitar perda económica ou que terceiros sejam iludidos na sua
legítima expectativa. Em qualquer dos casos há obrigação de restituir o empobrecido.

1. Restituição do indevido
1.1. Situações intrínsecas do princípio da restituição do indevido
São diversas as situações que consubstanciam este principio, dentre as quais:
• Obrigação objectivamente inexistente (art.476., n 1). Ex.: quando se entrega uma prestação solvendi
causa, isto é, destinada a cumprir uma obrigação, mas nao existe a dívida que se pretende saldar, diz-se
que aquele que a entregou pagou o indevido, e reconhece-se-lhe o direito de obter a restituição ou
repetição do que haja pago421.
• Obrigação objectivamente existente, mas cumprida antes do vencimento (art. 476, n 3). Ex.:quando se
entrega uma prestação destinada a cumprir uma obrigação antes do vencimento, só se pode repetir a
mesma prestação se ela for entendida como antecipação422.

421
BASTOS, Jacinto Fernando Rodrigues(1977). Das Obrigações em Geral. 2 edição. Pp.37
422
TELLES, Inocêncio Galvão(2010). Op. Cit. p. 205
146
• Obrigação existente mas alheia (art. 477), é o caso do cumprimento de obrigação alheia na convicção
de que é própria. Nestes casos, o autor da prestação goza do direito de repetição se tiver sido por erro
desculpável, excepto se o credor, desconhecendo o erro do autor da prestação, se tiver privado do título ou
garantias do crédito, tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito, ou não tiver exercido contra o
devedor ou contra o fiador enquanto solventes.
• Obrigação existente sabendo-se que é alheia mas tendo-se a convicção errónea de se estar, perante o
devedor obrigado a satisfaze-la (art. 478).
O que paga nas condições expostas tem os direitos definidos nas citadas disposições legais, direitos que
em princípio se apresentam moldados segundo as normas do enriquecimento sem causa.423
1.2. Objecto da restituição
Perante uma situação de enriquecimento sem causa cabe ao enriquecido restituir ao empobrecido o que
tenha obtido à custa deste (artigo 479o, no 1 CC). Afiguram-se a esta medida duplo limite de restituição. A
restituição não pode exceder o valor do enriquecimento por um lado, nem pode exceder o valor do
empobrecimento, por outro.
O empobrecido nao pode pretender mais do que aquilo em que o outro sujeito enriqueceu. Mas tambem
nao pode pretender mais do que aquilo que ele proprio empobreceu, pois haveria injustiça em o
prejudicado receber o valor superior ao do seu prejuizo.
Apesar da lei mandar restituir tudo quanto tenha sido obtido a custa de outrem, situações há, em que o
enriquecimento provém do uso de coisa alheia, nestes casos não só se restitue o valor objectivo do uso
como também, os proventos que advém destes. A título de exemplo chamamos as situações de aluguer ou
arrendamento de coisa alheia quando há dolo ou má-fé do autor da imtromissão.

1.3. Prescrição do direito à restituição por enriquecimento


O direito à restituição por enriquecimento sem causa está sujeito à prescrição de três anos a contar da data
em que o credor toma conhecimento do direito que lhe compete e toma conhecimento do obrigado ou
responsável, nos termos do artigo 482o do CC.
Estes requisitos, nomeadamente o conhecimento do direito, objectivamente considerado ou seja,
conhecimento dos respectivos factos constitutivos, por parte do empobrecido e, o conhecimento da pessoa
obrigada a restituir, são cumulativos.

423
Os casos indicados sao os passiveis de restituição do indevido. Em contraposição a estes, verificam-se casos em que não se admite a restituição do indevido:
não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a
prestação. A prestação considera-se expontânea, quando é livre de toda a coação(art.403 do CC).
147
CONCLUSÃO
Chegados a este ponto, se pode afirmar que nem todas as situações em que uma pessoa obtém um
benefício susceptível de avaliação pecuniária há enriquecimento. Pois, o enriquecimento supõe que o
beneficio se projecte no património, influindo no seu conteúdo, tornando-se mais valioso ou impedindo-o
que passe a ser menos, originando pois um ganho ou a desnecessidade de um dispêndio.
Assim sendo, nos casos em que se verifica um enriquecimento sem causa, o enriquecido deve restituir ao
empobrecido o que tenha obtido à custa deste. Nisto consiste o princípio da restituição do indevido.
Nem todos os requisitos do instituto são de simples alcance e percepção. É o caso do último requisito o
qual apresenta uma noção controvertida e de difícil definição.
Contudo, de uma forma geral, este instituto, como fonte de obrigações supõe a verificação cumulativa dos
três requisitos.

148
INTRODUÇÃO
O princípio da restituição do indevido ou proibição do enriquecimento sem causa, que é o tema do
presente trabalho, encontra-se consagrado nos arts. 473 e seguintes do Código Civil.
É pertinente, antes de mais, conceituar o “enriquecimento sem causa que também se chama
enriquecimento injustificado ou locupletamento à causa alheia”.
Segundo Inocêncio Galvão Telles, dá-se enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa
se valoriza ou deixa desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista causa
justificativa424.
O enriquecimento sem causa é fonte de obrigações porque o enriquecido fica obrigado a entregar ao outro
sujeito o valor do benefício alcançado.
Como estabelece o n1 do art. 473 “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é
obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
Segundo o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (1998:323), enriquecimento
ilícito é “o acréscimo de bens que, em detrimento de outrem, se verificou no património de alguém, sem
que para isso tenha havido fundamento jurídico”. Entende, também, que enriquecimento ilícito,
enriquecimento indébito, enriquecimento injusto e enriquecimento sem causa são sinónimos.
Outros doutrinadores também entendem dessa forma, defendendo essa ideia e conceituando o
enriquecimento sem causa ou enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que
se verifica no património de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um
fundamento jurídico425.
Para Acquaviva (1998), enriquecimento ilícito é o aumento de património de alguém, pelo
empobrecimento injusto de outrem. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a acção de in
rem verso.

424
TELLES, Inocencio Galvão (1997). Direito das Obrigacoes, 7 ͣ Ed. Coimbra, p.193.
425
FRANÇA, R. Limongi (1987). Enriquecimento sem causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Editora Saraiva.
149
1. Princípio da restituição do indevido ou proibição do enriquecimento injustificado
1.1. Origem e evolução
Uma das principais influências na formação do instituto do enriquecimento sem causa, sem dúvida foram
as condictiones, que correspondiam na época às formas efectivas de cumprimento de obrigações,
restituições, enfim, era um dos principais instrumentos do direito das obrigações. Verifica-se então que as
condictiones no Direito Romano eram, “...indispensável remédio para recuperar os bens indevidamente
transferidos a outrem, ou seja, sem justa causa, quando não observados os procedimentos designados para
cada situação específica”.
Outra contribuição do Direito Romano para a formação do instituto do Enriquecimento sem Causa foi a
“actio de in rem verso” surgida diante da necessidade de garantir ressarcimento àqueles que celebravam
negócios com incapazes na sociedade da época, filhos ou escravos por exemplo, e se viam
impossibilitados de recorrer seu crédito, tendo em vista a impossibilidade na época, de tal obrigação
contraída atingir o pater familias. Diante de tal panorama, ocorria que o pater familias se beneficiava de
obrigação contraída por aquele incapaz de cumpri-la. Daí então foi criado procedimento especial, para que
o pater familias pudesse responder pelo exacto enriquecimento obtido em razão dos incapazes, a chamada
“actio de in rem verso”426.
Todavia, com a queda do Império Romano no Ocidente, verifica-se uma obstrução quanto ao
desenvolvimento do estudo do referido instituto. Tal interrupção no desenvolvimento do Direito Romano
se deu pelas invasões bárbaras, uma vez que os invasores baseavam-se nas regras consuetudinárias,
impondo então seus costumes e regras sociais, reprimindo desta maneira a cultura Romana.
Com o declínio Romano, surge uma nova sociedade, com diferentes conceitos e costumes, influenciada
directamente pelas invasões bárbaras e a diversidade cultural resultante das mesmas, na qual as relações
obrigacionais não se regulavam mais por princípios inerentes a sociedade na época clássica de Roma, mas
sim pelas regras e costumes das relações feudais que passaram a vigorar desde então. Desta feita cada
feudo determinava as próprias regras de direito para dirimir conflitos e divergências, ficando a ordem
jurídica da Idade Média baseada quase que exclusivamente aos costumes, excluindo-se as noções até então
trazidas pelo Direito Romano.
Verifica-se ao longo do desenvolvimento histórico, diversas outras contribuições importantíssimas para o
instituto, todavia, o conteúdo supra mencionado evidencia que o Enriquecimento Sem Causa sempre teve
como preceito fundamental a vedação a uma situação injusta na relação entre indivíduos, em diversas
sociedades e ordenamentos.

426
CAMPOS, Diogo Leite de (1982). Enriquecimento sem causa, responsabilidade civil e nulidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais nº 560, p.259-266 de Junho de 1982.
150
1.2. Requisitos do enriquecimento sem causa
Para que haja enriquecimento sem causa (artigos 473º e seguintes do Código Civil) é preciso que haja uma
deslocação patrimonial, isto é, que haja uma transferência patrimonial do património de alguém para o
património de alguém para o património de outrem.
Para que se aplique o regime do enriquecimento sem causa, é preciso que a situação assim tipificada tenha
ocorrido, mas é preciso mais: que não seja aplicável a essa situação um qualquer outro regime jurídico, ou
que a lei não recuse a restituição do enriquecimento ao empobrecido.
O carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa, é condição de aplicabilidade nos termos
referidos, existe quando a lei não atribui outros efeitos à deslocação patrimonial, quando não há outro
regime aplicável, quando a lei não nega o direito à restituição daquilo que foi recebido pelo enriquecido.
A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe
a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, que haja um enriquecimento
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a
forma que essa vantagem revista, umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo
patrimonial; outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando
estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária, outras, ainda, na poupança de despesas.
b) O enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa
A causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe serve de fonte.
Assim, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica
que a prestação visa satisfazer.
Há, porém, muitos casos em que a situação de enriquecimento não provém de uma prestação do
empobrecido ou de terceiro, nem de uma obrigação assumida por um outro, mas de um acto de
intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios ou de actos de outra natureza,
porventura de actos puramente materiais.
c) A obrigação de restituir pressupõe, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem
requerer a restituição
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a
vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente
suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o enriquecimento de
outra.

1.3. Carácter subsidiário da obrigação de restituir ou carácter subsidiário do

151
enriquecimento sem causa
Num grande número de casos em que a deslocação patrimonial carece de causa justificativa, a lei faculta
aos interessados meios específicos de reacção contra a dissolução.
Assim, quando a deslocação patrimonial assenta sobre um negócio jurídico e o negócio é nulo ou
anulável, a própria declaração de nulidade ou anulação do acto devolve ao património de cada uma das
partes os bens com que a outra se poderia enriquecer à sua custa (art.º 289º n1 do Código Civil).
São diferentes, os efeitos das obrigações de restituir fundadas na invalidade do negócio e no
enriquecimento sem causa (arts. 289º - 479º, 480º do Código Civil). À eficácia retroactiva da invalidade
contrapõe-se o sentido não retroactivo, actualista, da correcção operada através do enriquecimento sem
causa.

Consagração legal do princípio da subsidiariedade


Nos termos do art.º 474º do Código Civil, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa,
tem natureza subsidiária.
O carácter subsidiário da pretensão ao enriquecimento sem causa não significa, no entanto, que o
respectivo regime só se aplique a casos omissos na lei, integradores da situação genericamente descrita no
art.º 473º do Código Civil. Há situações que a lei prevê e regula, remetendo expressamente para as normas
do enriquecimento sem causa, por entender que a restituição nelas imposta se deve subordinar às regras
próprias daquele instituto. Outras vezes, impondo a restituição, a lei não chega a dizer explicitamente em
que termos se deve processar.

1.4. Repetição de indevido ou restituição do indevido


A lei trata o pagamento indevido como um caso particular de enriquecimento sem causa. O pagamento
indevido consiste, em se pagar oque se não deve ou a quem se não deve.
A lei fala de repetição da prestação, nos casos em que se tem direito a ser reembolsado do indevidamente
pago. Não quer significar que haja lugar a repetir a prestação no sentido de realizar outra vez; há lugar sim
a repeti-la no sentido de obter a sua restituição.
Na fixação do regime do pagamento do indevido, a lei (art. 476º do CC), distingue três hipóteses:
a) O cumprimento de obrigação inexistente (objectivamente indevido) – art.º 476º do Código Civil;
b) O cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se tratar de dívida própria
(subjectivamente indevido) – art. 477º do CC;
c) O cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se estar vinculado, perante o
devedor, ao cumprimento dela – art. 478º do CC.

152
O art. 476º do CC, mostra que três requisitos são necessários, para que se possa exigir a repetição do
indevido:
1) Que haja um acto de cumprimento, ou seja, uma prestação efectuada com a intenção de cumprir
uma obrigação;
2) Que a obrigação não exista;
3) Que não haja sequer, por detrás do cumprimento um dever de ordem moral ou social, sancionada
pela justiça que dê lugar a uma obrigação natural.
Objecto da obrigação de restituir (art. 479º do CC)
O objecto é determinado em função de dois aspectos fundamentais:
 Restituição medida pelo enriquecimento
O beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada. Deve restituir
apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido.
O locupletamento efectivo e actual que serve para determinar limite da obrigação de restituir (arts. 479º
n2 e 480º do CC), distingue-se da coisa ou valor obtido, num duplo aspecto.
Por um lado, no próprio momento da deslocação patrimonial, podem ser diferentes, o valor objectivo da
vantagem alcançada e o montante do efectivo enriquecimento que ela proporciona ao beneficiário.
Por outro lado, pode também haver diferença entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação
patrimonial e o enriquecimento actual referido no art. 480º CC.
 Restituição medida à custa do requerente
Além do limite baseado no enriquecimento (efectivo e actual) tem-se este limite fundado no
empobrecimento do lesado
Agravamento da obrigação de restituir
O tratamento favorável do beneficiado, cessa logo, que o enriquecido seja citado para a restituição ou a
partir do momento em que ele conheça a falta de causa do enriquecimento ou a falta do efeito que se
pretendia obter com a prestação (art. 480º do CC).
O devedor passa então a responder pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos
percipiendos que por sua culpa deixarem de ser produzidos e pelos juros legais das quantias a que o lesado
tiver direito.

1.5. Prescrição do direito à restituição


O direito à restituição do que foi obtido sem justa causa está sujeito à prescrição de três anos, a contar
da data em que o credor teve conhecimento do direito que
lhe compete e da pessoa do responsável (art. 482º do CC).

153
O conhecimento do direito é sinónimo de conhecimento dos factos constitutivos do direito, com
independência do conhecimento jurídico da existência do direito
O prazo de prescrição de três anos começa pois a contar quando o empobrecido sabe que se verificou a
situação de que resultou o seu empobrecimento e o enriquecimento de outrem, conta a partir desse
momento, se nesse momento ela já souber também quem é a pessoa do empobrecido.
Se ainda não souber, se não conhecer a identidade da pessoa que se enriqueceu, o prazo especial só
começa a correr quando conhecer essa identidade.
Portanto, o início da contagem do prazo de três anos depende da verificação cumulativa destes dois
conhecimentos:
 O conhecimento dos factos;
 O conhecimento da identidade da pessoa do enriquecido.
A partir daí inicia-se a contagem do prazo prescricional especial de três anos.
Mas, antes disso, começa a correr o prazo de vinte anos de prescrição ordinária. Esse prazo corre
independentemente de pessoas do empobrecido. Esse prazo ordinário começa a correr a partir da
deslocação patrimonial, não depende de conhecimento de nada por ninguém.

1.6. Extensão
O princípio da restituição do enriquecimento injustificado é um princípio aplicado nas seguintes situações:
 Se no negócio inválido houver transmissão de bens para terceiros, esse terceiro responde pelo seu
enriquecimento, nº 2 do art. 289º do CC;
 Nos casos do incumprimento de um contrato promessa, nº 2 do art. 442 do CC;
 Na gestão de negócio não útil ou julgado próprio, se for obtido um enriquecimento, este deve ser
restituído, nº 2 do art. 468º e nº 1 do art. 472, ambos do CC;
 Nalgumas situações de empreitada, nº 2 do art. 795 do CC;
 Pretendendo a anulação do cumprimento efectuado a um incapaz, pode ser-lhe oposta uma
excepção com base no enriquecimento sem causa, nº 2 do art. 765 do CC;
 A impossibilidade da prestação nos contratos bilaterais determina a restituição da contra prestação,
com base no enriquecimento sem causa, nº 1 do art. 795 do CC.

1.7.O enriquecimento sem causa no ordenamento jurídico moçambicano


É da natureza humana avançar sobre o património de outrem, é possível que esta seja uma das razões que
deu impulso ao Direito “conjunto de normas vinculadas em uma sociedade determinada visando manter o
equilíbrio patrimonial do homem em sociedade”. Daí que não há que se negar, que no dia-a-dia nos
154
defrontamos com situações onde há enriquecimento de uns em detrimento de outros. E, esses casos
merecem um reparo jurídico.
O legislador moçambicano, consagrou o instituto de “enriquecimento sem causa” nos artigos 473 a 482
do Código Civil. Portanto, de acordo o nº1 do art.º 473 do Código Civil moçambicano “aquele que, sem
causa justificada, enriquecer a custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se
locupletou.”
Desse modo, o enriquecimento pode ter como objecto coisas corpóreas ou incorpóreas427, e se a coisa,
objecto do enriquecimento não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi
exigido. Nesse caso, o termo sem causa deve ser entendido como o acto jurídico desprovido de razão
albergada pela ordem jurídica.
A restituição da coisa deve ficar entre dois parâmetros. De um lado, não pode ultrapassar o
enriquecimento efectivo recebido pelo agente em detrimento do devedor. De outro, não pode ultrapassar o
empobrecimento do outro agente, isto é, o montante em que o património sofreu diminuição.
Constitui caso típico de obrigação de restituir (nº 2 do art.º 473 do CC.) fundada no princípio do
enriquecimento sem causa, segundo o qual ninguém pode enriquecer à custa alheia, sem causa que o
justifique.

1.8.Limites
É um princípio difícil de aplicar em casos concretos devido a ambiguidade da sua formulação, por isso
algumas posições reclamam a não aplicação.
Depende da jurisprudência e da doutrina para ser concretizado em categorias jurídicas especificas por ser
usado como ideia jurídica geral.

Conclusão
O princípio da restituição do indevido ou proibição do enriquecimento sem causa, visa assegurar a justiça
distributiva, proibindo o ingresso de bens no património de alguém sem que haja causa justificativa. Essa
causa justificativa tem que ser um negócio lícito como seja: a compra, a herança, a doação, o ganho em
jogo ou o achado.
Assim, genericamente, sempre que alguém obtenha um enriquecimento à custa de outrem sem causa
justificativa tem que restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

427
Bens corpóreos e incorpóreos: corpóreos são os que têm existência material, como uma casa, um terreno, um livro; são o objecto do direito; incorpóreos são
os que não têm existência tangível e são relativos aos direitos que as pessoas físicas ou jurídicas têm sobre as coisas, sobre os produtos de seu intelecto ou com
outra pessoa, apresentando valor económico, tais como os direitos reais, obrigacionais e autorais.
155
Este princípio é de aplicação absoluta, permanente e global, no sentido de que não sofre restrições ou seja,
não existem casos da vida em que é permitido o enriquecimento sem causa.

Introdução
O Direito das Obrigações, visto do ponto de vista técnico jurídico pode ser definido como o ramo do
Direito Privado ou sub-ramo do Direito Civil que regula as relações ou situações jurídico-
obrigacionais428. Tal como qualquer outro ramo de direito, o Direito das Obrigações, como ramo de
direito autónomo tem princípios próprios, que fixam a disciplina jurídica da área da vida social que ele
regula.
Estes princípios, tem a função inspiradora de todas as normas do Direito das Obrigações, daí que se
aplicam à generalidade das situações que dele decorrem, funcionando como linhas de orientação da
actividade jurídica neste contexto.
No âmbito das actividades atinentes ao estudo do Direito das Obrigações na Faculdade de Direito da
Universidade Eduardo Mondlane, sob magnífica regência do Mestre Boaventura Gune, coube ao grupo I
da turma do 3º ano de 2015, desenvolver um dos princípios estruturantes, deste ramo de Direito, o
princípio da restituição do indevido, ou do locupletamento do indevido, ou ainda do enriquecimento sem
causa, de acordo com a opção doutrinária de cada autor. Em consenso, o grupo decidiu optar, para efeitos
deste trabalho pela designação princípio da restituição do indevido.
Assim, o presente trabalho, em resposta à tarefa que nos foi incumbida terá o plano seguinte:
 Etimologia do termo ‘‘Restituição’’.
 Surgimento histórico do princípio da restituição do indevido.
 Conceito do princípio da restituição do indevido.
 Requisitos para a existência do princípio da restituição do indevido.
 Requisitos para a Exigência da Restituição do Indevido.
 Extensão legal do princípio no Direito Moçambicano.
 Consequências da não aplicação do princípio da restituição do indevido.

O objectivo do trabalho é mostrar a aplicação do princípio da restituição do indevido nas diversas


situações em que se pode arrogar. São objectivos específicos desenvolver a sua origem, caracteres,
consagração e consequências deste princípio no Direito Moçambicano

428
GUNE, Boaventura, Das Obrigações em Moçambique, p. 15.
156
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e em sítios de internet, seguida de apresentação e
discussão no grupo, de modo a colher consenso, que teve como produto final o trabalho que passamos a
apresentar.

1. Etimologia do termo ‘‘Restituição’’


A palavra restituição provem do latim restitutio, de restituere que quer significar restituir, restabelecer,
devolver.
Nesta razão, na terminologia jurídica, restituição quer exprimir a devolução da coisa ou o retorno dela ao
estado anterior. Entende-se então Restituição como devolver, dar de volta, ou recolocar a coisa em mãos
dos seus legítimos proprietários ou em poder de quem licitamente deve estar. Neste aspecto, a restituição
funda um direito e gera uma obrigação.

2. Surgimento histórico do princípio da restituição do indevido


A origem do princípio da restituição do indevido como princípio do Direito não é pacífica na doutrina,
discute-se se de facto surgiu no Direito Romano ou foi anterior a ele, com a filosofia grega.
Há autores que afirmam que a origem do princípio está ligada à necessidade de manutenção e protecção de
valores básicos a serem respeitados para a vida em sociedade, quais sejam, o respeito pelo próximo e ao
seu património.
Uma das principais influências na formação do instituto sem dúvida foram as condictiones, que
correspondiam na época, as formas efectivas de cumprimentos das obrigações, restituições, era um dos
principais instrumentos do direito das obrigações. Outra contribuição do Direito Romano para a formação
deste instituto foi a ‘‘actio de in rem verso’’ surgida diante da necessidade de garantir o ressarcimento a
aqueles que celebravam negócios com incapazes na sociedade da época (escravos e filhos).
Com a queda do Império Romano, verificou-se uma obstrução quanto ao desenvolvimento do estudo do
princípio, tal obstrução deu-se pelo facto das invasões bárbaras, uma vez que os invasores baseavam-se
em regras consuetudinárias, impondo os seus costumes e regras constitucionais, reprimindo desta maneira
a cultura Romana. Com o declínio Romano, surge uma nova sociedade, com diferentes conceitos e
costumes, influenciada por essas invasões e diversidade cultural resultante das mesmas, na qual as
relações obrigacionais não se regulavam mais por princípios inerentes a sociedade da época clássica de
Roma, mas sim pelas regras e costumes das relações feudais que passaram a vigorar desde então.
Verifica-se com o desenvolvimento da história, que varias foram as contribuições importantes para o
desenvolvimento do instituto, todavia, é evidente que o princípio da restituição do indevido sempre teve

157
como preceito fundamental a vedação a uma situação injusta nas relações jurídicas obrigacionais, em
diversas sociedades.

3. Conceito
É imperioso lembrar que o princípio da restituição do indevido não adveio de um conjunto único de ideias
de carácter uniforme, muito pelo contrário, desde os seus primórdios, onde existiam apenas meros
pressupostos do instituto, até os dias actuais, pode se dizer que a formação do conceito se deu por diversas
aplicações ao longo da história, sem um método comum entre elas, e a partir de tal diversidade chegou-se
a concretização de um conceito para o princípio em evidência
A restituição do indevido ou não locupletamento é um princípio instituído no Direito Civil, que de uma
forma geral se caracteriza pela retirada de um bem do património de um sujeito para o património de outro
a quem licitamente pertence, em que foram partes de um negócio jurídico.
Esse princípio define-se pela restituição de um bem recebido por um sujeito, ao sujeito que tiver entregue
quando esta entrega nao tiver sido baseada em nenhum direito do sujeito receptor ou quando esse direito
tiver deixado de existir, (ex: devolução de dinheiro pago na compra de um alimento fora do prazo) ou
ainda quando com a entrega do objecto da obrigação de restituir tinha como base um efeito que não se
verificou.

4. Requisitos para a existência do princípio da restituição do indevido


A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento a custa alheia pressupõe a verificação
cumulativa de três requisitos:
 Que haja enriquecimento de alguém;
O enriquecimento traduz-se na diferença entre o valor que o património apresenta e o que apresentaria se
não ocorresse determinado facto, na obtenção de uma vantagem patrimonial que se afere segundo a
circunstâncias.
Este enriquecimento pode resultar da aquisição de um direito, como acréscimo de valor ou desvalorização
de um direito de que se é já titular, sendo imperioso que se verifique um aumento do activo patrimonial.
 Que o enriquecimento careça de causa justificativa;
Considerando que haja enriquecimento que não constitua empobrecimento de outrem, não havendo causa
capaz de justificar a transmissão de valores materiais que um acto jurídico opere entre dois patrimónios, a
solução mais lógica consistiria em declarar nulo ou anular o acto e permitir através dos efeitos próprios da
invalidade, a plena reconstituição da situação anterior.
 Que tenha sido obtido à custa de quem requeira restituição.

158
O enriquecimento sem causa pressupõe uma vantagem de carácter patrimonial, seja num aumento do
activo, diminuição do passivo, uso de coisa ou direito alheio.

5. Requisitos para a Exigência da Restituição do Indevido


Com base no artigo 476º a lei estabelece três requisitos necessários para que se possa exigir da restituição
do indevido, nomeadamente:
 Deve haver uma prestação efectuada com a intenção de cumprir uma obrigação;
 Que a obrigação não exista;
 Que não haja por detrás do cumprimento, um dever de ordem moral ou social que é sancionado
pela justiça, que dê lugar a uma obrigação natural.

6. Extensão legal do princípio no Direito Moçambicano


Este princípio encontra-se consagrado no livro II, do Direito das Obrigações, do Código Civil, mais
precisamente nos artigos 473º (no número 1 prevê a obrigação de restituir a quem tiver enriquecido
indevidamente à custa de outrem); 474º e 475º que estabelecem a excepção do dever de restituir, ou seja, a
situação em que, apesar de um enriquecimento indevido, o sujeito não tenha que restituir, excepção tal que
se verifica quando o sujeito a custa de quem o outro tiver enriquecido tiver outros meios estabelecidos por
lei para ser indemnizado, restituído ou quando prescindir do direito de ser restituido ou ainda quando,
relativamente ao efeito pretendido, o empobrecido tiver tido conhecimento da sua impossibilidade ou tiver
agido contra a sua efectivação; o artigo 479º, relativo ao objecto de restituicão, onde este compreende tudo
o que o empobrecido tiver entregue ao devedor ou valor equivalente quando a restituição em espécie não
for possível; e o artigo 480º que se refere ao agravamento da obrigação.
Encontra-se ainda este princípio consagrado na lei nº 22/2009 de 28 de Setembro, Lei de Defesa do
Conumidor, mais precisamente no nº 1 do artigo 14, relativo ao direito de reparação por danos, segundo o
qual o consumidor, equiparado ao empobrecido, tem o direito de exigir a reparação, substituição,
diminuição do preço do artigo ou ainda a resolução do contrato e é aqui onde se manifesta a restituição do
valor pago, ainda na lei do consumidor, encontra-se no nº 2 do artigo 15º, o direito de exigir a restituição
da quantia paga no prazo de 30 dias ao fornecedor de bens de consumo quando este apresentar vícios de
qualidade e quantidade.

7. Consequências da não aplicação do princípio da restituição do indevido


Como consequências da violação do dever prescrito por este princípio, a lei estabelece a agravação da
obrigação por parte do enriquecido quando, por sua culpa e se tratando de coisa perecível, esta perecer ou

159
se deteriorar ou ainda pelos frutos que deixarem de ser percebidos e pelos juros a que o empobrecido tiver
direito (art. 480º do Código Civil). Do mesmo modo, porém recaindo sobre o empobrecido, o artigo 482º
também do Código Civil, prevê a prescrição do direito de restituição quando, no prazo de três anos a
contar da data em que tiver tido conhecimento do mesmo, o empobrecido não o tiver exercido.
A lei de defesa do consumidor prevê no artigo 12 o direito à prevenção e acção inibitória que se traduz no
direito de acção destinada a, entre outros, corrigir práticas lesivas dos direitos do consumidor.
Fora os meios extra judiciais, para a resolução de conflitos sobre a questão da restituição, e lei prevê o
direito de acesso aos tribunais (artigo 62º da Constituição da República) e, no caso vertente, de o
particular recorrer aos tribunais para a reparação do seu direito à restituição, uma vez que os particulares
não podem ficar à mercê da boa vontade dos seus devedores e porque o artigo 1º do Código de Processo
Civil determina que a ninguém é permitido a realização dos seus direitos pelo uso da força, colocando
assim uma reserva ao Estado desse direito mediante a solicitação por parte dos particulares.

Conclusão
O princípio pelo grupo abordado denominado de Restituição do Indevido, Enriquecimento sem Causa ou
ainda do Não Locupletamento, é um dos princípios estruturantes do Direito das Obrigações. Este princípio
apresenta um caracter geral e subsidiário no Direito das Obrigações.
Como acima referido, este princípio visa obrigar ao enriquecido – aquele que se locupleta, a
restituir/devolver o bem ou quantia a quem licitamente pertence – o empobrecido, como prevê o artigo
473º numero 1 do Código Civil. Mas é feita uma ressalva que só é aplicado quando a lei não previr outros
meios de reposição do devido pelo enriquecido – artigo 474º, que da um caracter de subsidiariedade ao
princípio
Para a verificação este princípio, é preciso que estejam consagrados determinados pressupostos: a
existência de um enriquecimento, este enriquecimento (de valor económico) pertencer a outrem, depois de
se aferir relevância jurídica sobre tal enriquecimento, determinar se o enriquecimento deva pertencer a
outrem e não o enriquecido.
A razão de ser deste princípio, recai sobre o enriquecimento injusto do enriquecido, independentemente da
fonte deste enriquecimento, e não pela diminuição ou perda no património sobrevinda do
lesado/empobrecido como credor na obrigação de restituir.
E do estudo elaborado em grupo, uma última referência é quanto a possível confusão que se possa fazer
entre o princípio da restituição do indevido e a responsabilidade civil:

160
No enriquecimento sem causa faz se referência exclusivamente ao efeito (o enriquecimento) – o que se
traduz numa restituição, e não de sansão. Na responsabilidade civil embora o dano seja considerado em
primeira linha, toma-se em consideração o acto gerador (uma acção ilícita).

1. Noção do princípio da repetição do indevido


O princípio de Repetição do indevido consiste no reembolso do que foi prestado para cumprir uma
obrigação que não era devida, porem, nas obrigações naturais não há lugar a repetição do que foi
prestado, pois a obrigação e inexistente.
Toda constituição de uma prestação que apresente elementos essenciais para sua validade tem sujeitos:
de um lado credor e de outro, um devedor, sobre um facto a prestação devida e revestida por uma
responsabilidade jurídica429. A constituição da prestação desenrola -se sob a égide da autonomia de
vontade das partes, maioritariamente em contractos onde permite que as partes possam estabelecer os
efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica, ou seja, a autonomia privada diz respeito ao
poder de criar normas para si. As partes podem incluir tudo desde que não contrariem a boa fé prevista
no artigo 280 do código civil.
1 - É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrario a lei ou
indeterminável.
2 – É nulo o negócio contrário a ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.
Por conseguinte frisar que não são todos os princípios gerais do Direito Cível que revelam para o Direito
das Obrigações como sua fonte, faz parte deste elenco como sua fonte o princípio de repetição do
indevido previsto no número 1 e 2 do artigo 403 do Código Civil, que estabelecem o seguinte:
1- Não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural,
excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação.
2 - A prestação considera - se espontânea, quando é livre de toda a coacção.
Este princípio consta na parte geral do Código Civil (livro I) pelo facto de estar válido e revestir para todo o
direito, valendo como se fosse uma constituição mas apenas para o direito privado.
Estamos diante de obrigações indevidas quando exista uma discrepância entre os factos e a realidade,
estamos a falar em casos que a prestação foi constituída com dolo previsto no artigo 254 e 255 do código
civil que estabelece o seguinte:
1.1. Artigo 254 do Código Civil
1 - O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração, a anulabilidade
não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.
2 - Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter
conhecimento dele, mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração,
esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter
conhecido.

429
O princípio de repetição do individuo visa fazer a justiça a constituição de certos contractos ilegais, onde uma das
partes se faz valer da ignorância da outra pra tirar proveito.

161
Ao princípio de repetição do indevido cabe na obrigação do devedor se sentir intimamente obrigado ao
cumprimento e em que o credor poderá responsabiliza - lo em caso de incumprimento da
responsabilidade430.
A lei procura proteger de todas as formas possíveis a quem sofra diminuição do seu património por facto
imputável a outrem por culpa pura e simplesmente sua. Procurando colmatar o enriquecimento sem
causa protagonizado pelo devedor que se constituem detentor dos bens do credor protagonizado pela sua
ma fé431.
Ao credor assiste - lhe o direito de reembolso visto quando este tenha agido de boa-fé, medida que
ignorava que se tratava de algo ilícito ou que lesava a outrem.
2. Relatividade do Principio de Repetição do Indevido e o Principio de Enriquecimento sem Causa
O princípio de repetição do indevido age em consonância com o enriquecimento sem causa na medida em
que este constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia
de que alguma pessoa deve locupletar-se a custa alheia. Ou seja, na base desse instituto encontra-se
situações de enriquecimento sem causa, sendo um enriquecimento injusto ou de locupletamento a custa
alheia.
O artigo 473 do C. Civil dispõe o seguinte:" aquele que, sem causa justificativa, enriquecer a custa de
outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou" (n.º 1) e que a obrigação de
restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for divididamente
recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que se deixou de existir ou em vista de um
efeito que não se verificou (n.º 2).
O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo
indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano dai resultante. Assim o que provoca a reacção da lei
é a vantagem ou aumento injustificado do património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não
ter chegado a entrar no património do enriquecido
2.1. Teorias Sobre o Instituto de Enriquecimento sem Causa
A doutrina enumera várias teorias como por exemplo:
2.1.1. Teoria Unitária da deslocação patrimonial.
De acordo com esta doutrina que surgiu a quando da elaboração do Código Civil alemão e desenvolvida no
direito Francês, a cláusula geral de enriquecimento sem causa institui uma pretensão de aplicação directa,
bastando para tal, única e simplesmente, a verificação de detenção injustificada de um enriquecimento a
custa de outrem.

430
O exercício da autonomia privada no direito das obrigações manifesta -se com a prossecução do
negócio jurídico, dai a lei atribuir primazia nos contractos como a forma mais completa de constituição
das obrigações.
431
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2004.

162
Frisar que esta concepção funda-se essencialmente na doutrina de Savigny, segundo a qual a pretensão de
enriquecimento se constitui sempre ao se verificar uma deslocação patrimonial sem causa, directamente
entre o enriquecido e o empobrecido, independentemente da forma que se revista essa deslocação432, no
mesmo, professor Galvão Telles, vem também referir o seguinte " a restituição supõe a deslocação de um
valor entre patrimónios, havendo um património beneficiado e outro prejudicado" Assim, só existe
empobrecimento se o lesado tiver sofrido a perda de um valor que pertencia ao seu património,
prosseguindo mais a perda de um valor que pertencia ao seu património, onde por sua vez prossegue o
professor: não é possível pedir a restituição de um valor que não se perdeu, tem de se sofrer uma
privação para se pretender a restituição de que a lei fala433.

2.1.2. Teoria Da Ilicitude


Nessa teoria encontra o enquadramento quanto a culpa do devedor, na medida que segundo o
pensamento de Schulz, a base do instituto do enriquecimento não reside na deslocação patrimonial sem
causa jurídica, mas antes numa acção contrária ao direito, que o autor considera ser o conceito central na
dogmática do instituto. Ao seu ser, existia um princípio de aplicação geral de que ninguém deveria obter
um ganho por intervenção ilícita num direito alheio, expresso em diversos preceitos do código.
Contudo deste princípio resultaria que quem efectuasse uma intervenção objectivamente ilícita no direito
alheio deveria restituir o resultado dessa intervenção.

3. Obstáculos ao Principio de Repetição do Indevido


Constituir importância para o melhor entendimento do princípio de repetição do indevido falarmos
também quando é que o mesmo principio deixa de ser devido. A importância paira em certos casos quase
paralelos que trazem confusão no seu enquadramento.
Quanto aos obstáculos ao princípio de repetição do indevido temos a obrigação natural, sendo aquela que
se funda num mero dever de ordem moral ou social cujo cumprimento não é juridicamente exigível, mas
corresponde a um dever de justiça, encontrando -se prevista no artigo 402 CC.

4. Diferença do Princípio de Repetição do Indevido e Obrigações Naturais


Fazem parte da mesma:
4.1. As Dividas Provenientes de Jogo e Aposta
A sua rátio está no facto de estes tipos de jogos serem considerados contractos aleatórios, portanto ao
sabor da sorte. Porém não sendo no todo de considerar um acto jurídico exigível, carecendo, da parte do
credor o direito de acção.
4.2. Dividas Prescritas
Perdendo a sua exigibilidade a quando da prescrição, contudo a exigibilidade se verifica em virtude de um
evento superveniente, causando a conversão da obrigação civil em natural e a perda de sua cogente.

432
A ingerência no direito de outrem daria, portanto, sempre lugar a uma pretensão a restituição do lucro por intervenção, entendido como tudo o que se
adquiriu mediante a intervenção nos direitos alheios.
433
TELLES, Galvão. Direito das Obrigacoes.78.Ed. Coimbra, 1997, p. 199.
163
Por força do art. 304º, a dívida prescrita, perde o caracter de uma obrigação civil passando a figurar em
obrigação natural, nos termos do art. 402º, não sendo exigível judicialmente.
4.3. Dação para fim Ilícito
Não terá direito a repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei.
4.4. Efeito da Obrigação Natural
a) E irrepetível: uma vez prestada poderá ser retido a título de pagamento efectivo.
b) Não enseja novação: o pagamento da obrigação natural não se constitui em um novo pacto.
c) Não pode ser compensada: A compensação exige que as dívidas estejam vencidas e exigíveis, sendo
inexigível a obrigação natural, impossível a sua prática.
4.5. Regime Jurídico
As obrigações naturais estão sujeitas a obrigação civil (art. 404º) excepto no que respeita a não realização
coerciva de certas obrigações e ainda excepto aos regimes especiais resultantes da lei (art. 809º). Com
base neste dispositivo será nula a convenção pela qual as partes acordam que a obrigação a ser
estabelecida tem caracter natural. Isto traduz-se em o credor renunciar a prior a faculdade de realização
coactiva da prestação que a lei lhe confere.

Conclusão
Contudo foi de grande interesse o estudo desse tema a nós incumbido, podemos melhor perceber o seu
impacto na arena da constituição da prestação, no âmbito da tramitação de quaisquer obrigações pelas
partes. O princípio de Repetição do Indevido é um princípio basilar do direito das obrigações, pois que
também lhe serve de fonte. Verificamos que este princípio interliga-se com outros princípios tais como o
princípio de boa-fé e o princípio de enriquecimento sem causa. É um princípio que serve para colmatar o
enriquecimento de uma parte na tramitação de um contrato principalmente quando o mesmo seja
contrário ao direito.
Assim sendo, vale a pena reter que entendemos que a restituição do indevido não se restringe apenas na
diminuição do património do empobrecido em prol do aumento do património do enriquecido, basta
simplesmente que este enriquecido aja contrariamente ao direito com vista a detenção dos bens do
credor para que tenha lugar a sua restituição.

Conceito de enriquecimento sem causa


Este conceito pode ser entedido sob duas perspectivas:
A primeira é entendido como fonte de geradora de obrigações na medida em que o enriquecido sem
motivo justificativo vê-se na na obrigação restituir o empobrecido no que indevidamente locupletou, diz o
no 1 do art. 473º do CC;
A segunda, o enriquecimento sem causa é entendido como princípio estruturante do direito obrigacional
sob qual se denota o seu carácter de cláusula geral como modelo jurídico aberto que possibilita uma
alternativa para que se possa atender as exigências ético-sociais.

164
Evolução histórica do princípio do enriquecimento sem causa
A doutrina não é pacífica quanto ao seu surgimento, sendo discutido se esse apareceu no direito romano
ou mesmo no período anterior a ele, exactamente no período helenístico.
Mas a teoria que preferimos seguir é a que remonta surgimento deste princípio no âmbito do direito
romano devido a necessidade que este tinha na intervenção do direito para satisfação e manutenção de
valores existente na sociedade romana na época.
Segundo Menezes Cordeiro os romanos, devido a sensibilidade jurídica que os caracterizavam, sentiram a
necessidade de reagir contra os casos de enriquecimento não estatuídos, mas injustos face ao sentimento
geral. Os romanos reagiam face ao enriquecimento injusto de forma radical, com acção in integrum
restitutio (devia ser devolvida toda a deslocação).
Mas pode-se se afirmar que foram as condições que foram as principais influências (base) para a formaãoo
do instituto romanístico do enriquecimento indevido.
A doutrina fala normalmente de quatro condições típicas:
a) condictio causa data causa non secuta esta operava quando alguém entregasse a outrem um valor
com a mira de depois lhe exigir uma vantagem que, posteriormente, não pedisse,
b) condictio ob turpem vel iniustam causa esta operava quando indivíduo pretendesse recuperar o que
tivesse prestado em virtude de razão imoral ou ilícita, ob turpem se alguém pagasse para que não
fosse feito um delito;
c) ob iniustam se fosse cobrados juros superiores ao admissível.
d) condictio indebiti seviam para defender os que cumprissem uma obrigação no convencimento
erróneo de que ela existia;
e) A condictio sine causa (stricto sensu) ou ob causam finitam do período justinianeu que funcionava
com âmbito extenso, na medida em que, se alguém fizesse uma datio ou uma promitio em virtude
de causa inexistente, que não se produzisse ou cessasse de existir.
O direito comum recebeu este sistema de condictiones, que foi desenvolvida por algumas pandectista, mas
as primeiras gerações dos códigos civis não houve uma formulação geral regime do instituto, cabendo esse
papel à doutrina e jurisprudência fazer a sua constituição de acordo com as necessidades de adequação do
ordenamento.
A figura do enriquecimento sem causa não provém de um conjunto de ideais com carácter uniforme, mas
sim, desde os seus primórdios existiam apenas pressupostos do instituto, até aos dias actuais, pode se dizer
que a formação do conceito se deu por diversas aplicações ao longo da história.
Este instituto acabou por se impondo por via jurisprudencial ou mesmo via legislativa.
Sendo o Código Civil actual moçambicano de origem portuguesa, e sendo deste modo, necessário saber
como se deu a criação do instituto em Portugal.
165
O primeiro Código Civil de Portugal o de Seabra, de inspiração napoleónica não previa o instituto do
enriquecimento sem causa como fonte geral de obrigações, apenas possuía disposições que procuravam
evitar o enriquecimento injusto, contudo a mesma foi aflorada pela jurisprudência.
Já o Código Civil da 1966 veio sim a inserir o enriquecimento sem causa como fonte de obrigações
concretamente no livro II na secção IV nos arts. 437º e seguintes. Esta consagração foi devido a influência
de Vaz Serra.

Sentido do princípio do enriquecimento indevido


Diz, Prof. Menezes Coerdeiro434, o “enriquecimento sem causa pode subsumir-se na ideia de deslocação
patrimonial e esta tem lugar quando a projecção dum quid patrimonial seja, mercê de esforço duma
introduzida num património doutra, onde não se encontrava, ou dele seja retirada ou, ainda, nele seja
artificialmente mantida.

Agora, o Prof. Inocêncio Galvão Telles, diz “há enriquecimento sem causa quando o património de certa
pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, a custa de outra pessoa, e bem que para isso exista causa
justificativa”435

Neste sentido, para que se esteja ante uma situação de enriquecimento sem causa é preciso que primeiro se
verifique um enriquecimento de alguém, segundo, a falta de causa justificativa e que seja a custa de
ourem.436

Relativamente ao enriquecimento, este diz respeito à uma vantagem patrimonial e que esta vantagem seja
susceptível de avaliação pecuniária; aqui registe-se o aumento ou manutenção de um em detrimento da
diminuição de património de outro. Em segunda linha, a falta de causa justificativa, significa, que,
chamadas as regras hermenêuticas, e resultado da interpretação da lei fixará em termos concretos o que é
injustificativa. Por último, ... à custa de outrem refere-se “ao enriquecimento de um dos sujeitos que
corresponde o empobrecimento”.

Este princípio está previsto no art. 473º do CC, consiste num princípio em forma de norma. Assim,
genericamente, sempre que alguém obtenha um enriquecimento à custa de outrem tem restituir aquilo com
injustamente se locupletou.

434
CORDEIRO, Menezes. Direito das obrigações. Lisboa. Vol. II, 1886. p. 43.
435
TELLES,I. Galvão. Direito das obrigações. 7 ed. Coimbra Editora.1997. p. 193.
436
PEREIRA, D. Neves. Introdução ao direito e às obrigações. 3a ed. 2007. p. 396.
166
Normas de Direito das Obrigações que se justificam com este princípio
Assim, se num negócio jurídico inválido houver transmissão dos bens para terceiros, esse terceiro
responde com base no seu enriquecimento (art. 289, n.o 1 do CC); se ocorrer o incumprimento de um
contrato-promessa em que tenha havida tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o
promitente vendedor tem que entregar a coisa, caso lhe seja exigido, ao promitente comprador a
valorização que essa coisa obteve (art. 442 n.o 2 in fine CC); enriquecimento injustificado através da
gestão de um negócio não útil ou julgada própria, deverá ser restituído (arts 468, n. o 2 e 472.o, n.o 1 CC);
impugnaçãp pauliana de transmisões feitas em prejuízo dos credores (arts. 616, n. o 3 e 617, n.o 1 CC);
anulação do cumprimento feito a incapaz, pode-lhe ser oposta uma excepção com base no enriquecimento
sem causa (art. 764, n.o 2 CC); a impossibilidade de de prestação nos contratos bilaterais determina a
restituição da contraprestação com base no enriquecimento sem causa (art. 795, n.o 1 CC); art. 795, n.o 2 e
815, n.o 3CC; art. 1214, n.o 3 CC.

Requisitos do enriquecimento sem causa437 /438


É necessário que exista, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
O enriquecimento consite na obtenção de uma vantagem patrimonial, seja qual for a forma que
essa vantagem revista. Pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial (preço de alienação de
coisa alheia, recebimento de prestação não devida, porque a obrigação nunca existiu ou já havia
sido cumprida). Outras vezes numa diminuição dp passivo (cumprimento efectuado por terceiro,
na errónea convicção de estar obrigado a efectuá-lo); outras vezes, no uso ou consumo de coisa
alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos são susceptíveis de avaliação
pecuniária (instalação em casa alheia).
a) Falta de causa justificativa, a obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o
enriquecimento contra o qual se reage, careça de causa justificativa, ou poque nunca a tenha tido
ou prque, tendo-a inicicialmente, entertanto a haja perdido. O enriquecimento carece de uma causa
justificativa porque, segundo a própria lei, deve pertencer a certa pessoa.
Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenção jurídica dos bens aceita pelo
sistema, pode asseverar-se que que a deslocação patrimonial tem causa justificativa. Pelo contrário,
se por força de uma ordenação positiva, ele houver de pertenciar a outrem, o enriquecimento
carece de causa.
b) É preciso que o enriquecimento seaj a custa de quem requer a restituição.

437
TELLES, I. Galvão, ob. cit. p. 195.
438
DE LIMA, Pires. Código civil anotado.4.ed. (reimpressão). Coimbra Editora. vol. II,2011. pp. 454-455.
167
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a
vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente
suportado pelo outro. O valor que ingressa no património de um é o mesmo que sai do património
do outro.
Conclusão
O presente trabalho abordou o enriquecimento sem causa, concluímos que o enriquecimento sem causa dá
lugar a obrigação de restituição no caso de atribuição patrimonial se haver já consumado, também pode
servir de fundamento para uma excepção contra o enriquecimento injusto, se a atribuição não tiver ainda
sido realizada e for exigido o seu cumprimento.

Introdução
O presente trabalho de pesquisa tem como tema o seguinte: “O Princípio da Proibição do
Enriquecimento sem Causa”.
1. Importância do tema
Este tema revela-se importante na medida em que, o princípio da proibição do enriquecimento sem causa é
um dos princípios estruturantes e basilares da ciência do Direito, mais especificamente do Direito civil. E
é um princípio orientador de todos negócios e demais relações e situações jurídicas no âmbito de um dos
sub ramos do Direito Civil nomeadamente o Direito das Obrigações.
2. Razões de escolha do tema
No decorrer do estudo do Direito das Obrigações, revelou-se pertinente abordar este tema, pois como já
fora referenciado, o princípio da proibição do enriquecimento sem causa é orientador de todos os negócios
jurídicos e demais relações e situações jurídicas no âmbito do Direito Civil. E como é sabido, em
consequência dos subsídios proporcionados nas aulas de Direito das Obrigações, concluiu-se que o Direito
das Obrigações como ramo de Direito é um sub-ramo do Direito Civil comum, desse modo, este princípio
norteia igualmente o Direito das Obrigações de tal forma que o enriquecimento sem causa é uma fonte das
obrigações.
Preliminares
1.1. Origem histórica da proibição da proibição do enriquecimento sem causa
A Origem do enriquecimento sem causa como princípio do direito não é pacífica na doutrina, sendo
discutido se de facto se deu no direito romano, ou até mesmo anteriormente a ele, com a filosofia grega,
mais especificamente no período helenístico com a filosofia grega439.
Há quem afirme que a sua origem está intimamente ligada à necessidade de manutenção e protecção de
valores básicos a serem respeitados para a vida em sociedade, como o respeito ao próximo e ao seu

439
L. P. Moitinho de Almeida, citato por LEITE, Adriano Pugliesi, O enriquecimento sem causa no Código Civil Brasileiro,
dissertação para mestrado em Direito, Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p.21.
168
património, que então ensejaram princípios norteadores do instituto e do próprio direito em si, como por
exemplo a velha máxima do não faça ao outro aquilo que não queira que seja feito com você, valores e
princípios já praticados em tempos passados.
Verifica-se que a influência do direito natural, sobre o direito romano, concretizou o surgimento da
necessidade de intervenção do direito para satisfazer a protecção e manutenção de valores existentes na
sociedade romana, que se solidificaram e fizeram presentes na codificação do imperador justiniano.

1.1.1. Enriquecimento sem causa no direito romano


A teoria do enriquecimento sem causa foi construída sob o alicerce das condictiones, presentes no direito
Romano, de onde surgiram os conceitos fundamentais.
Os romanos já consagravam o pagamento indevido como modalidade de enriquecimento ilícito. Os
requisitos para a configuração do pagamento indevido nesta época, eram: ser o pagamento indevido,
o solvens ter agido com erro e quem recebeu, ter recebido de boa-fé.
Os romanos tentaram, com base na equidade, desenvolver princípios relacionados com a teoria do
enriquecimento indevido, porém não conseguiram, cabendo aos legisladores contemporâneos a evolução e
o aprimoramento do instituto.
Nesta época surgem as condictiones, através das quais as pessoas podiam reaver o prejuízo por pagamento
errôneo. O objetivo dos romanos, com as condictiones, era justamente combater situações injustas, que
não eram amparadas por lei, entre elas o enriquecimento ilícito. Desta forma, aquele que locupletasse com
a coisa alheia seria obrigado a restituí-la a seu dono.
As condictiones eram um dos principais instrumentos que correspondia as formas efectivas do
cumprimento das obrigações. Este instrumento comportava diversas espécies, nomeadamente ː
– Conditio indebiti: era o direito de exigir o que se pagou indevidamente;
– Conditio causa data causa non secuta: era o direito de se reclamar o que se deu com o intuíto de
alcançar um fim que não se realizou;
– Conditio ob finitam causam ˗ verificava˗se quando se pagava por uma razão que existia e que deixou de
existir
– Conditio furtive: era a que aplicava˗se em caso de furto;
– Condictio ob rem: que ocorria quando se efectuava uma prestação tendo em vista uma prestação futura
que não se chega a reproduzir.
Actio de in rem verso ˗ era a accão possível a quem celebrasse uma contrato com pessoa sujeita ao poder
de outra440, para conseguir o ressarcimento do dano segundo o locupletamento obtido.

440
No direito Romano os filhos e os escravos eram responsabilidade do pater families
169
Os contratos, em Roma, possuíam uma forma abstracta e para diminuir o rigor desse abstractismo, surgem
formas técnicas para evitar o enriquecimento sem causa. É nesse momento que entra o papel do pretor.
Quando um caso particular era merecedor de protecção, o pretor concedia a condictio.
1.1.2. O enriquecimento sem causa no direito canônico
No direito canônico, o enriquecimento sem causa foi tido pela primeira vez como como fonte de
obrigações, mas era aplicado de uma forma mais abrangente a todos os actos ilícitos de que resultasse um
dano para outra pessoa, incluindo assim os casos de vícios contratuais.
Verificou˗se ao longo do desenvolvimento histórico deste instituto, diversas outras contribuições, até
chegar ao ponto a que conhecemos hoje, mas sempre teve como preceito fundamental a vedação à uma
situação injusta na relação entre indivíduos.

2. Princípio da proibição do enriquecimento sem causa


A primeira questão que carece elucidar é a definição de causa, pois existem várias espécies de causa, pelo
menos duas nos interessam: a causa eficiente e a causa final.
Causa eficiente é aquilo que enseta o ato, assim, a aquisição da propriedade de certo bem pode ter como
causa eficiente um contrato de compra e venda. Aqui teríamos dois atos: a celebração do contrato e a
aquisição da propriedade, o primeiro causa do segundo. Quando se fala em enriquecimento sem causa é
normalmente à causa eficiente que se está referindo.
No entanto, há também a causa final. Causa final de um acto jurídico e, consequentemente, de um acto
que enriquece, é a atribuição jurídica do acto, relacionada ao fim prático que se obtém como decorrência
dele.
O enriquecimento sem causa consiste na obtenção de uma vantagem de cáracter patrimonial441.
O enriquecimento sem causa é um enriquecimento injusto, adquirido por meio de actos ilícitos e danosos
que incidem sobre o património de determinado indivíduo. O enriquecimento sem causa tem
consequências no âmbito do direito civil, ou seja, gera obrigações como se pode verificar a partir do art.
473˚ do Código Civil onde se diz o seguinte: Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de
outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2.1. Requisitos do enriquecimento sem causa


Para que se possa falar da existência ou não do enriquecimento sem causa é necessário que estejam
reunidos determinados requisitos, nomeadamente:
1. Que haja um enriquecimento de alguém;
2. Que o enriquecimento seja injustificado;

441
Vide, ANTUNES VARELA, João de Matos, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2010
170
3. Que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição;
4. Que o beneficiado tenha o conhecimento ou represente que há um enriquecimento ilícito.
2.2. Consequências jurídicas do enriquecimento sem causa
O Enriquecimento sem causa da lugar a responsabilidade civil que é a obrigação de reparar o dano que
uma pessoa causa a outra, ou seja, faz surgir um relação jurídica onde temos por um lado o credor que é
aquele a quem se deve restituir em relação ao seu património e por outro lado temos o devedor que é
aquele sobre o qual incide a obrigação de fazer a restituição.
2.3. Enriquecimento sem causa como fonte de obrigações
Entende˗se por fonte de obrigações, qualquer facto jurídico de onde nasça um vínculo obrigacional.
A classificação das fontes de obrigações não é unaníme perante a doutrina, mas grande parte dos
doutrinários estão de acordo quanto a quatro institutos apontados como fonte de obrigações,
nomeadamnenteː o contrato, a responsabilidade civil, gestão de negócios e o enriquecimento sem causa.
Essa classificação tem por objectivo sistematizar o pensamento jurídico.
Como fonte de obrigações, entende˗se por enriquecimento sem causa, o instítuto que cria para o
enriquecido a obrigação de devolver a parcela do património que foi adquirida sem uma causa
justificativa, ou seja, a sua principal consequência é a obrigação de restituir442.
2.4. Repetição do indevido
A figura da repetição do indevido se integra no regime do enriquecimento sem causa e constitui uma
modalidade deste, tem como fundamento o facto de alguém ter procedido ao cumprimento de uma
obrigação que não existia no momento da prestação.
A repetição do indevido consiste basicamente em que a quem tiver entregue alguma quantia em dinheiro
ou tiver cumprido uma obrigação, no momento em que pensava que ela existia, quando efectivamente ela
existia no momento da prestação, assiste o direito de lhe ser restituída a quantia que tiver entregue. Neste
sentido, a repetição do indevido é simplesmente o corolário de um dever de justiça.
Na fixação do regime do pagamento do indevido a lei distingue três hipóteses:
 O cumprimento de obrigação inexistente – objectivamente indevido;
 O cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se tratar de dívida própria –
subjectivamente indevido;
 O cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se estar vinculado, perante o
devedor, ao cumprimento dela.
Assim sendo nos termos do art. 476º443 do CC encontramos três requisitos necessários para que se possa
exigir a repetição do indevido, isto em relação à primeira hipótese acima mencionada.

442
KROETZ, Maria Cláudia Do Amaral, Enriquecimento sem causa no Direito civil Brasileiro contemporâneo e recomposição
patrimonial, tese de doutoramento, Universidade Federal de Paraná, Curítiba, 2005
171
Passamos a analisar os três requisitos:
 Primeiro tem de haver um acto de cumprimento, ou seja, uma prestação efectuada com a intenção
de cumprir uma obrigação;
 Segundo a obrigação não exista;
 Que não haja por detrás do cumprimento um dever de ordem moral ou social, sancionado pela
justiça, que dê lugar a uma obrigação natural.
No acto de cumprimento não se exige o erro do solvens e a omissão não pode deixar de considerar-se
intencional.
O facto de o autor do cumprimento ter dúvidas sobre a existência da obrigação ou estar mesmo seguro da
sua inexistência não obsta a repetição do indevido desde que a prestação tenha sido efectuada apenas com
a intenção de a cumprir e não com a pretensão de efectuar uma liberalidade ao accipiens (cessionário).
Por outro lado, se a obrigação existia, mas não estava ainda vencida na data do cumprimento, a repetição
limita-se à aquilo com que o credor se enriqueceu através da antecipação do cumprimento e só é
concedida se o pagamento assentar em erro desculpável do devedor nos termos do art. 476º n.º 3º do CC.
Tratando-se de obrigação sujeita a condição suspensiva mas que ainda não se tenha verificado à data do
cumprimento, será aplicável a este o regime do cumprimento da obrigação inexistente.
Ressalvar que a repetição do indevido não obstante o que foi explicado anteriormente ela pode ser
excluída pela existência de uma obrigação natural.
Mas isso se concretiza caso o dever moral ou social exista realmente e que ele recaia sobre o solvens.
De contrário também poderá ser repetida a prestação efectuada na intenção de cumprir a obrigação
natural.
Relativamente à segunda hipótese, nesta o regime do cumprimento por erro da obrigação alheia
caracteriza-se pela existência de dívida sendo necessário tomar em conta não só os interesses do enganado
assim como as legítimas expectativas do credor. Assim neste caso há lugar a repetição contra o credor.
O credor pode opôr-se a repetição alegando e provando que para além de ignorar o erro do autor da
prestação privou-se do título ou das garantias de crédito, deixou prescrever ou caducar o direito ou ainda
deixou de exercê-lo contra o devedor ou contra o fiador nos termos do artigo 477444 n.º 1 do Código Civil.
O credor também pode querendo ainda neste caso restituir ao solvens a prestação recebida e procurar agir
ainda podendo contra o verdadeiro devedor.

443
Artigo 476 do Código Civil - Repetição do indevido
444
Artigo 477 do Código Civil – Cumprimento de Obrigação alheia na convicção de que é própria
172
Quando por qualquer destes fundamentos falhe o direito de repetição para não se lesar o direito do credor
o autor da prestação ficará sub-rogado nos direitos dele o que não evitará em alguns casos a perda
definitiva de quanto entregou ao credor.
Outra hipótese avançada no manual do Professor Antunes Varela445 é a de o autor da prestação saber que
a obrigação era alheia e ter pago apenas por supor erroneamente que estava vinculado a fazê-lo, perante o
devedor, não goza ele do direito de repetição contra o credor, a não ser que este, ao receber a prestação
conhecesse o erro do autor.
Fora deste caso o solvens terá apenas o direito de exigir do devedor a restituição daquilo com que este,
através do cumprimento injustamente se locupletou à custa dele nos termos do art. 478º do CC.
Por fim, a última hipótese, a de o autor da prestação ser realmente devedor, mas houver efectuado a
prestação a quem não era o credor, nem seu representante. Neste caso como o accipiens enriqueceu sem
causa à custa do autor da prestação, visto não ser titular do crédito correspondente, será obrigado a
restituir, a menos que se verifique alguma das circunstâncias previstas no art. 770º do CC que exoneram o
devedor da obrigação.

2.5. Carácter subsidiário da Obrigação de Restituir


Num grande número de casos em que a deslocação patrimonial carece de causa justificativa, a lei faculta
aos interessados meios específicos de reacção contra a dissolução.
Assim, quando a deslocação patrimonial assenta sobre um negócio jurídico e o negócio é nulo ou
anulável, a própria declaração de nulidade ou anulação do acto devolve ao património de cada uma das
partes os bens com que a outra se poderia enriquecer à sua custa446.
São diferentes os efeitos das obrigações de restituir fundadas na invalidade do negócio e no
enriquecimento sem causa447. A eficácia retroactiva da invalidade contrapõe o sentido não retroactivo,
actualista, da correcção operada através do enriquecimento sem causa.
2.6. Consagração legal do princípio da subsidiariedade
Nos termos do art. 474 do CC, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, tem
natureza subsidiária.
O carácter subsidiário da pretensão do enriquecimento sem causa não significa, no entanto, que o
respectivo regime só se aplique a casos omissos na lei, integradores da situação genericamente descrita no
art. 473 do CC. Há situações que a lei prevê e regula, remetendo expressamente para as normas do
enriquecimento sem causa, por entender que a restituição nelas imposta se deve subordinar às regras

445
ANTNES VARELA, João de Matos, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000.
446
Vide, n.º 1 do art. 289 do Código Civil.
447
Vide arts. 289, 479 e 480 do Código Civil.
173
próprias daquele instituto. Outras vezes, impondo a restituição, a lei não chega a dizer explicitamente em
que termos se deve processar.

3. Conclusão
Como já havia sido referenciado o presente trabalho tinha como objectivo perceber a fundo a consagração
do Princípio da Proibição do Enriquecimento sem Causa no Direito Privado Comum, ou seja, o Direito
Civil e mais especificamente num dos seus sub-ramos, nomeadamente o Direito das Obrigações.

No decorrer do trabalho chegamos a conclusão de que este não e um princípio novo, muito pelo contrário
ele tem as suas bases firmadas desde o Direito Romano, mas como não poderia deixar de ser devido ao
intervalo de tempo que nos separa daquela época este princípio foi sofrendo uma constante evolução, até
porque a sociedade também foi evoluindo.

Sendo assim constatamos que este princípio manifestava – se no direito romano através da figura
das condictiones que possuía varias vertentes devido a sua não sistematização, mas de uma maneira geral
esta figura reconhecia o direito de as pessoas receberem aquilo que pagaram indevidamente.

No direito canónico o princípio da proibição do enriquecimento evoluiu e foi lá onde se consagrou pela
primeira vez o enriquecimento sem causa como fonte das obrigações.

Actualmente este princípio já se encontra bastante desenvolvido no Direito Civil no Geral e mais
especificamente no Direito Civil Moçambicano através do seu sub-ramo que é o Direito das Obrigações
cuja expressão normativa é o livro II do Código Civil de 1966.

Resumidamente podemos dizer que este princípio manifesta-se quando: há cumprimento de obrigação
inexistente – objectivamente inexistente, há cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se
tratar de dívida própria - subjectivamente indevido.

Assim por força da consagração legal do Princípio da Proibição do Enriquecimento sem Causa sempre que
se manifestar uma das situações acima mencionadas de alguma forma deverá o empobrecido ser restituído
naquilo que pagou indevidamente.
Em suma verificamos que este princípio é de crucial importância na medida que confere segurança
jurídica aos sujeitos das relações ou situações jurídicas, e mais do que isso busca alcançar a justiça
material no comércio jurídico privado.
174
Secção VI
Do Princípio da Responsabilidade Patrimonial

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