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DIREITO DO
TRABALHO

PRÁTICA
DÉBORA SÁ - COM COLABORAÇÃO DE DIANA
NEVES, EDÉRIA LOPES E FRANCISCA SÁ
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota Introdutória

A presente sebenta de Direito do Trabalho, disponibilizada pela Comissão de Curso dos


estudantes do 3.º ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2022/2023, foi elaborada pela estudante Débora Sá, com o apoio
e colaboração de Diana Neves, Edéria Lopes, Francisca Sá, Filipe Schumacher e Joana
Dias, que elaboraram apontamentos semanais da Unidade Curricular.

Esta sebenta tem como base a compilação das aulas práticas lecionadas pelas docentes
Maria Regina Gomes Redinha e Inês Camarinha Lopes.

Relembra-se ainda que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não
dispensando, por isso, a presença nas aulas teóricas e práticas, assim como a leitura da
bibliografia obrigatória.

Bom estudo!

Débora Sá 1
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Índice
Introdução ......................................................................................................................... 3

Fontes do Direito do Trabalho .......................................................................................... 3

Fontes internas e a sua articulação ................................................................................... 8

Princípios Basilares na CRP ........................................................................................... 12

Regras gerais do contrato de trabalho que são comuns à teoria geral do negócio jurídico
........................................................................................................................................ 13

Qualificação do contrato de trabalho .............................................................................. 16

Presunção de contrato de trabalho .................................................................................. 21

Ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho .................................. 30

Modalidades do contrato de trabalho.............................................................................. 33


Contratação a termo .................................................................................................... 33
Teletrabalho ................................................................................................................ 50

Tutela da personalidade do trabalhador .......................................................................... 51

Atividade do trabalhador ................................................................................................ 63


Mobilidade funcional .................................................................................................. 63

Determinação do local de trabalho ................................................................................. 67

Tempo de trabalho, direito a férias e remuneração ........................................................ 68

Cessação do contrato ...................................................................................................... 75

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Introdução
Metodologia essencial para a resolução de casos práticos, pensada para a complexidade
das matérias laborais:
 1º passo - Escrutinar os factos envolvidos: reconhecer o modo como a realidade se
nos apresenta + o decurso do tempo é um fator muito importante neste ramo do
Direito (em relação a prazos de caducidade e prazos de prescrição é recorrente
existirem algumas diferenças, são específicas do DT - daí a atenção à sequência
temporal dos factos, sendo que nos é dado no conhecimento da situação concreta);
 2º passo - Reconhecimento do problema jurídico que os factos suscitam,
nomeadamente através do confronto das fontes. Neste âmbito equacionamos ainda
a suficiência dos dados apresentados, deveremos levantar várias hipóteses relevantes
e analisá-las;
 3º passo - Aplicação do Direito - deve ser fundamentada e devemos ainda justificar
o enquadramento jurídico, ou seja, explicar o porquê de seguirmos determinado
caminho e termos eliminado outro. É ainda de extrema relevância o recurso à
jurisprudência e doutrina como reforços argumentativos possíveis;
 4º passo - Revisão dos passos anteriores de forma a evitar erros materiais ou
formais.

Fontes do Direito do Trabalho


O Direito do Trabalho português é constituído por fontes:
1. Estaduais – preceitos da CRP, leis e decretos-leis;
2. Intraestaduais – em particular, os instrumentos de regulação coletiva (IRCT),
nomeadamente as coleções coletivas de trabalho (expressão da autonomia normativa
social);
3. Internacionais – convenções internacionais (DUDH, PIDESC, PIDCP); convenções
da OIT;
4. Supranacionais – Direito da União Europeia.

Temos um sistema flexível de aplicação da normatividade interna, mas temos


particularidades da aplicação de normas internacionais, nomeadamente na aplicação das
convenções especializadas.
 Nenhuma das convenções produz efeitos na ordem jurídica interna -> destinam-se a
ser incorporadas no Direito Interno de cada Estado, após o respetivo processo de
ratificação: neste âmbito, Portugal teve um papel bastante ativo, tem 71 das 176
convenções ratificadas (pode parecer um número pequeno, mas não é pois há muitas
convenções técnicas que já não estão abertas a ratificação (foram substituídas ou
entretanto deixaram de estar em vigor)).

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● Carta Social Europeia Revista (Conselho da Europa)


Portugal ratificou as chamadas convenções fundamentais e ainda as quatro convenções
que dizem respeito à gestão do trabalho e do seu mercado. Existem ainda convenções
setoriais/parciais, as convenções técnicas.

● Pilar Europeu dos Direitos Sociais:


Não é um instrumento normativo cognoscente, ou seja, tem como particularidade o facto
de ser instrumento de soft law, a sua importância é de influência e a nível programático
ou até de programação da ação das instituições da UE.

Ocupa-se do estabelecimento de princípios fundamentais que se estruturam em três eixos:


1. Igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho;
2. Condições de trabalho justas;
3. Proteção e inclusão sociais.

1. Igualdade de oportunidade e acesso ao mercado de trabalho


 Educação, formação e aprendizagem ao longo da vida:
Todas as pessoas têm direito a uma educação, uma formação e uma aprendizagem ao
longo da vida inclusivas e de qualidade, que lhes permitam manter e adquirir as
competências necessárias para participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as
transições no mercado de trabalho.
Esta questão da igualdade e não discriminação é, desde o início, parâmetro de atuação
da UE, apesar de esta ter inicialmente preocupações de carácter mais económico, ligados
à liberdade de mercado. O espaço de preocupação com as questões sociais está a expandir-
se.
Este princípio é uma constante tanto no processo de formação, como no próprio decorrer
da relação laboral.

 Igualdade de género
A igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens deve ser
assegurada e promovida em todos os domínios, nomeadamente no que diz respeito à
participação no mercado de trabalho, às condições de trabalho e à progressão na carreira.
Mulheres e homens têm direito a uma remuneração igual por um trabalho de igual valor
-> afirmando-se um princípio de igualdade remuneratória;

 Igualdade de oportunidades
Independentemente do género, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência,
idade ou orientação sexual, todas as pessoas têm direito à igualdade de tratamento e de
oportunidades em matéria de emprego, proteção social, educação e acesso a bens e
serviços disponíveis ao público.
A igualdade de oportunidades dos grupos sub-representados deve ser promovida,
prevendo-se medidas de ação positiva, ou seja, medidas que possam prever a sub-
representação de grupos (ex: mulheres em cargos de chefia) e medidas de apoio ativo ao
emprego;

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 Apoio ativo ao emprego


Todas as pessoas têm o direito de beneficiar, em tempo útil, de uma assistência adaptada
para melhorar as suas perspetivas de trabalho por conta de outrem ou por conta própria.
Este direito inclui o de receber apoio em matéria de procura de emprego, de formação e
de requalificação.
Todas as pessoas têm o direito de transferir os seus direitos em matéria de proteção social
e de formação durante as transições profissionais.
Os jovens têm o direito de beneficiar de formação contínua, de uma aprendizagem, de um
estágio ou de uma oferta de emprego de qualidade nos quatro meses seguintes à perda do
seu emprego ou à conclusão dos estudos.
As pessoas desempregadas têm direito a beneficiar de apoios personalizados, contínuos e
adequados.
Os desempregados de longa duração têm o direito de beneficiar de uma avaliação
individual aprofundada o mais tardar quando estiverem 18 meses sem emprego.

2. Condições de trabalho justas


É uma exigência que se articula com outra linha de atuação relativa ao que se chama o
trabalho digno (conceito formado pela OIT, parâmetro de atuação estabelecidos por esta
- no âmbito da UE temos as condições de trabalho justas, embora haja uma certa
articulação).

Dentro destas condições de trabalho justas enquadramos:

 Emprego seguro e adaptável - os trabalhadores têm direito a um tratamento justo e


equitativo em matéria de condições de trabalho, acesso à proteção social e formação.
Deve ser promovida a transição para formas de emprego sujeitas a contrato sem termo
- o protagonismo de um modelo preferencial de relações de trabalho fundado na
duração indefinida do vínculo contratual.
 Salários - o princípio da suficiência salarial: os trabalhadores têm direito a um salário
justo que lhes garanta um nível de vida decente. Deve ser garantido um salário mínimo
adequado, de forma a permitir a satisfação das necessidades do trabalhador e da sua
família, à luz das condições económicas e sociais nacionais, assegurando, ao mesmo
tempo, o acesso ao emprego e incentivos à procura de trabalho. Devemos lutar contra
a pobreza no trabalho. Todos os salários devem ser fixados de forma transparente e
previsível, em conformidade com as práticas nacionais e respeitando a autonomia dos
parceiros sociais.
 Direito à informação, informações sobre as condições de emprego e proteção em
caso de despedimento - no início da relação de trabalho, os trabalhadores têm o
direito de ser informados por escrito sobre os seus direitos e obrigações decorrentes
da relação de trabalho, nomeadamente durante o período experimental. Antes de
serem despedidos, os trabalhadores têm direito de ser informados dos motivos do
despedimento e a que lhes seja concedido um período razoável de pré-aviso. Os
trabalhadores têm direito de acesso a um sistema de resolução de litígios eficaz e

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imparcial e, em caso de despedimento sem justa causa, direito de recurso,


acompanhado de uma compensação adequada.
 Diálogo social e participação dos trabalhadores - os parceiros sociais devem ser
consultados sobre a conceção e a execução das políticas económicas, sociais e de
emprego, em conformidade com as práticas nacionais. Devem ser incentivados a
negociar e concluir acordos coletivos em matérias que lhes digam respeito, sem
prejuízo da respetiva autonomia e do direito de ação coletiva. Se for caso disso, os
acordos concluídos entre os parceiros sociais devem ser aplicados a nível da União e
dos seus Estados-Membros. Os trabalhadores ou os seus representantes têm o direito
a ser informados e consultados em tempo útil sobre questões que lhes digam respeito,
nomeadamente sobre a transferência, reestruturação e fusão da empresa e sobre
despedimentos coletivos. Deve ser incentivado o apoio para reforçar a capacidade de
promoção do diálogo social por parte dos parceiros sociais.
 Equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada - os trabalhadores com filhos
e familiares dependentes têm o direito a beneficiar de licenças adequadas, de regimes
de trabalho flexíveis e aceder a serviços de acolhimento. Mulheres e homens devem
beneficiar da igualdade de acesso a licenças especiais para cumprirem as suas
responsabilidades familiares, devendo ser incentivados a utilizá-las de forma
equilibrada.
 Ambiente de trabalho são, seguro e bem-adaptado, proteção dos dados - os
trabalhadores têm direito a um elevado nível de proteção da sua saúde e de segurança
no trabalho. Os trabalhadores têm direito a um ambiente de trabalho adaptado às suas
necessidades profissionais, que lhes permita prolongar a sua participação no mercado
de trabalho. Os trabalhadores têm direito à proteção dos seus dados pessoais no
âmbito do trabalho.

3. Proteção e inclusão sociais

 Acolhimento e apoio a crianças - as crianças têm direito a serviços de educação e de


acolhimento na primeira infância a preços comportáveis e de boa qualidade. As
crianças têm direito à proteção contra a pobreza, tendo as crianças de meios
desfavorecidos, em especial, direito a beneficiar de medidas específicas destinadas a
promover a igualdade de oportunidades.
 Proteção social - independentemente do tipo e da duração da sua relação de trabalho,
os trabalhadores por conta de outrem e, em condições comparáveis, os trabalhadores
por conta própria, têm direito a uma proteção social adequada.
 Prestações por desemprego – os desempregados têm direito a um apoio de ativação
adequado por parte dos serviços públicos de emprego para (re)integrar o mercado de
trabalho, bem como a subsídios de desemprego adequadas, durante um período
razoável, em função das suas contribuições e dos critérios de concessão nacionais. Os
referidos subsídios não devem constituir um desincentivo para um rápido regresso ao
trabalho.
 Rendimento mínimo - qualquer pessoa que não disponha de recursos suficientes tem
direito a prestações de rendimento mínimo adequadas que lhe garantam um nível de

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vida digno em todas as fases da vida, bem como ao acesso eficaz a bens e serviços de
apoio. Para as pessoas aptas para o trabalho, as prestações de rendimento mínimo
devem ser conjugadas com incentivos para (re)integrar o mercado de trabalho.
 Prestações e pensões de velhice - os trabalhadores por conta de outrem e por conta
própria reformados têm direito a uma pensão, proporcional às suas contribuições, que
lhes garanta um rendimento adequado. Mulheres e homens devem ter oportunidades
iguais em matéria de aquisição de direitos à pensão. Todas as pessoas na velhice têm
direito a recursos que lhes garantam uma vida digna.
 Cuidados de saúde - todas as pessoas têm direito a aceder, em tempo útil, a cuidados
de saúde de qualidade, preventivos e curativos a preços comportáveis.
 Inclusão das pessoas com deficiência - as pessoas com deficiência têm direito a um
apoio ao rendimento que lhes garanta uma vida digna, a serviços que lhes permitam
participar no mercado de trabalho e na sociedade e a um ambiente de trabalho
adaptado às suas necessidades.
 Cuidados de longa duração - todas as pessoas têm direito a cuidados de longa
duração de qualidade e a preços comportáveis, em especial serviços de cuidados ao
domicílio e serviços de proximidade.
 Habitação e assistência para os sem-abrigo - deve ser garantido às pessoas
necessitadas o acesso a habitação social ou a uma ajuda à habitação de qualidade. As
pessoas vulneráveis têm direito a assistência e a proteção adequadas em caso de
despejo. Devem ser disponibilizados aos sem-abrigo alojamento e serviços adequados
para promover a sua inclusão social.
 Acesso aos serviços essenciais - todas as pessoas têm o direito a aceder a serviços
essenciais de qualidade, designadamente água, saneamento, energia, transportes,
serviços financeiros e comunicações digitais. As pessoas necessitadas devem
beneficiar de apoios ao acesso a estes serviços.

Nas fontes privilegiamos as fontes normativas stricto sensu, mas o corpo normativo é
cada vez mais flexível, adaptando e definindo as vias de atuação das instituições laborais.

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Fontes internas e a sua articulação

Importante – análise do artigo 3.º CT (desenvolvida nos casos práticos seguintes).

Do ponto de vista de relação entre as fontes de Direito do Trabalho – artigo 3.º CT:
 Relação entre a lei e os IRC;
 Artigo 3.º/4: a relação entre a lei e o contrato individual de trabalho (também
estabelece o princípio do tratamento mais favorável).
Assim, no artigo 3º temos todas as relações entre as fontes, à exceção da que esta no artigo
476.º CT.

Instrumentos de regulação coletiva de trabalho (IRC) – artigo 2.º CT + 476.º e


seguintes CT:

1. Negociais
Convenção coletiva (maior expressão na prática) - distinguem-se em função da entidade
empregadora signatária (artigo 2.º CT).
1. Acordo de adesão
→ Contrato coletivo
→ Acordo coletivo
→ Acordo de empresa
2. Acordo de adesão
3. Decisão arbitral (no caso de arbitragem voluntaria) – meio de resolução
alternativa de litígios, ou seja, as partes em litígio, em vez de recorrer a um
tribunal estadual, decidem recorrer a um tribunal arbitral => a decisão
arbitral neste caso é um IRC negocial

2.Não negociais (2.º/4, CT) + 404.º e ss. (regulamentação)


i. Portaria de extensão
ii. Portaria de condições de trabalho
iii. Decisão arbitral (no caso de arbitragem obrigatória ou necessária)

Do lado dos IRC temos sempre um sindicato, nos vários níveis: temos sempre de um lado
o sindicato - sendo que se tivermos:
a. uma associação de empregadores: temos um contrato coletivo;
b. uma pluralidade de empregadores, não reunidos em associação: temos um acordo
coletivo;
c. um empregador isolado: temos um acordo de empresa.

Artigo 496.º CT - vigora o princípio da filiação, e, portanto, o contrato, acordo, só é


aplicável aos trabalhadores que pertençam à associação sindical em causa, só estando eles
obrigados por essa normatividade.

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Quando falamos de aplicabilidade de IRC, falamos de uma aplicabilidade circunscrita ao


princípio da filiação.

Nota: os IRC são publicados nos termos do artigo 519.º CT (é publicado no Boletim do
Trabalho e Emprego e só entra em vigor após a publicação).

Estruturas de representação coletiva dos trabalhadores – artigos 404.º e seguintes CT.

Limites ao conteúdo de IRC – artigo 478.º CT.

Casos Práticos projetados em aula


Imaginemos que num contrato individual de trabalho se prevê que por despedimento
haja lugar a indemnização correspondente a 20 dias de retribuição mensal por cada
ano de atividade. No contrato coletivo prevê-se o pagamento de 15 dias da retribuição.
Qual deverá prevalecer?

Neste caso, e para podermos sobrepor o contrato individual ao contrato coletivo, temos
de estar no âmbito da disponibilidade contratual: temos de analisar o instituto em causa,
que neste caso está plasmado no artigo 366.º CT, que contém os princípios da restituição
por despedimento.
Temos aqui um patamar não tão favorável quanto aquele que o contrato individual e o
coletivo dispõem e o regime admite no 339.º/2 CT que os critérios de definição de
indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo
podem ser regulados por IRC:
 Artigo 3.º/5 CT: quando a lei admite a possibilidade de uma norma legal poder ser
afastada por IRC (Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho), entende-se
que não o pode ser por contrato de trabalho – exclui-se a matéria da disponibilidade
da normatividade convencional laboral. Esta é uma área em que há imperatividade
do regime legal, exceto para a fixação de indemnizações pela via de IRC, que é o
caso.

Deste modo, aplicamos a previsão do contrato coletivo.

Suponhamos agora que um contrato coletivo prevê o pagamento de 10 dias da


retribuição por obtenção de determinado objetivo (ex: patamar de vendas) e que o
contrato individual prevê na mesma 10 dias, embora acrescente que a estes 10 dias o
trabalhador passa a ter um voucher para um fim de semana num hotel.

Não temos disposições legais relativas a bónus, pelo que agora sim prevalece o
contrato individual, já que, não constante a mesma quantidade de dias, se acrescenta um

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voucher (é mais favorável) -> artigo 3.º/3 e 476.º CT: princípio do tratamento mais
favorável.

Já se o contrato coletivo tivesse 12 dias seria uma questão mais complicada: teríamos de
ponderar se o trabalhador considera o voucher como mais valioso. Hoje fala-se muito
sobre a importância das componentes emocionais do salário, não se valorizando apenas
a liquidez da remuneração.

Suponhamos que o contrato prevê que o limite máximo do período de trabalho será de
46 horas - será lícito?

Seria contrária a uma norma legal imperativa (203.º/1 CT,) sendo assim nula -> artigo
478.º CT.
Mas essa nulidade comunica-se a todo o clausulado contratual? Não, trata-se de uma
invalidade parcial (121.º CT).

Caso Prático nº1 (Coletânea)


O contrato individual de trabalho de A prevê a atribuição de um prémio de
produtividade no montante de 1500 €. O contrato coletivo de trabalho que lhe é
aplicável prevê que tal prémio se cifre no montante máximo de 1250 €. Terá A direito
aos 1500 €?

Artigos 3.º/3 e 476.º CT – princípio do tratamento mais favorável: prevê as relações


entre o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e o contrato individual de
trabalho, podendo o contrato de trabalho afastar os instrumentos de regulação
coletiva (IRC) desde que preveja condições mais favoráveis.
Do ponto de vista hierárquico, das fontes do Direito do Trabalho, o CT individual situa-
se abaixo dos IRC, mas pode afastar o IRC na medida em que seja mais favorável para o
trabalhador.

Do ponto de vista de relação entre as fontes de Direito do Trabalho – artigo 3.º CT:
 Relação entre a lei e os IRC;
 Artigo 3.º/4: a relação entre a lei e o contrato individual de trabalho (também
estabelece o princípio do tratamento mais favorável).
Assim no artigo 3º temos todas as relações entre as fontes, à exceção da que esta no artigo
476.º CT.

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Caso Prático nº2


Determinado contrato individual de trabalho inclui uma cláusula segundo a qual a
compensação por despedimento coletivo será equivalente a 20 dias de retribuição por
cada ano completo de serviço, bem como o computador e o telemóvel de serviço. O
acordo de empresa prevê apenas o pagamento da compensação em dinheiro. Em caso
de despedimento coletivo quais os direitos do trabalhador?

Estruturas de representação coletiva dos trabalhadores – artigos 404.º e seguintes CT.


O acordo de empresa é uma convenção coletiva, em específico um IRC negocial de
acordo de empresa:
 Aplicar-se-ia o regime constante do IRC, devido ao regime do artigo 339.º/2 CT e
3.º/5 CT, como explicado acima. Logo, o trabalhador teria apenas direito ao
pagamento da compensação em dinheiro.

Caso Prático nº3


A trabalhadora B celebrou um contrato de trabalho que lhe atribui um subsídio de
Natal no montante de 75% da retribuição mensal. Todavia, o contrato colectivo de
trabalho que se lhe aplica prevê um subsídio no montante de 80% da retribuição mensal
e a trabalhadora acha-se com direito a subsídio equivalente a um mês de retribuição.
Terá́ razão?

Sim, tem razão. Está aqui em causa uma questão relativa à retribuição (identificar sempre
a matéria em 1º lugar) → artigos 258.º e seguintes CT.

O artigo 263.º CT prevê o direito ao subsídio de Natal de valor igual a um mês de


retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro, geralmente é pago com o salário de
novembro (o nº 2 afasta esta norma nos casos em que o subsídio de Natal é proporcional
ao tempo de trabalho prestado, pode não ser um mês – no ano da admissão, o trabalhador
inicia o trabalho em junho, a meio do ano, terá direito a metade do subsídio, também a
mesma coisa no ano da cessação e o 3º caso corresponde quando há suspensão do contrato
de trabalho por facto respeitante ao trabalhador).

Aqui temos um:


 Contrato individual → 75%;
 Contrato coletivo → 80% (É um IRC negocial e é uma convenção coletiva, as
convenções coletivas são os IRC mais importantes);
 Lei laboral → 100% (com as exceções do n.º2).

Podíamos confrontar:
 A lei com o contrato individual;
 A lei com o contrato coletivo (IRC): artigo 3.º/ 1 e 3 CT: a lei pode ser afastada por
um IRC, salvo se na lei se diz o contrário:

Débora Sá 11
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○ Em caso de afastamento da lei por IRC, terá de ser em sentido mais favorável ao
trabalhador e terá de respeitar as matérias que estão no nº 3 do artigo 3º -> alínea
j) garantias da retribuição. Aqui não se preenche essa condição, seria de aplicar a
previsão legal e B teria direito a um mês de retribuição ou o equivalente a um
mês de retribuição de subsídio de Natal.
 O contrato coletivo (IRC) com o contrato individual - não relevava para o caso,
porque a mais favorável é a lei laboral, a que resulta do artigo 263.º CT.

Princípios Basilares na CRP


A CRP disciplina algumas regras e princípios sobre as questões laborais:

 Artigo 53º: segurança no emprego


Prevê que é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, proibindo os
despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

1. Reflexos no ordenamento jurídico laboral: nomeadamente, no que respeita ao


despedimento sem justa causa (proibido pela lei nos termos do art.º 338 do CT - o
empregador não pode fazer cessar o contrato de trabalho sem causa justificativa, i.e., que
não tenha por facto imputável ao trabalhador um motivo para o despedir; por acordo, o
contrato pode cessar, como qualquer outro contrato (dissenso): cessão de um contrato por
acordo = revogação – art.º 406 do CC).
o O mesmo não acontece do lado do trabalhador, o qual sem causa justificativa se
pode desvincular do contrato de trabalho. Isto prende-se a questões relativas a
Direitos Fundamentais, pois há que salvaguardar a sua liberdade negativa de
trabalhar. O trabalhador pode desvincular-se do contrato de trabalho sem ter de
apresentar causa justificativa.
▪ Será isto desproporcional? No caso, a preocupação é com o trabalhador ao
assegurar a sua liberdade de prestar trabalho ou de não o prestar. Naturalmente
que a lei protege em alguma medida o empregador, nomeadamente pela
necessidade de aviso prévio, permitindo acautelar as necessidades do trabalhador.

2. Reflexos a nível internacional: consagrado em diplomas de âmbito europeu e


internacional, como é exemplo do art.º 24 da Carta Social Europeia, que tem como
epigrafe “direito à proteção em caso de despedimento”; art.º 23, 24 e 25 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.

3. Outras manifestações da segurança no trabalho por imposição constitucional e


que têm reflexos no OJ laboral: o contrato de trabalho a termo ser uma figura
excecional, pelo menos na teoria. Só nos casos previstos na lei, para fazer face a
necessidades temporárias, é que o contrato de trabalho pode ser celebrado a termo (artigo
140º/1). O contrato regra é o contrato de trabalho por tempo indeterminado/sem termo,
pois assegura a segurança no emprego.

Débora Sá 12
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 Artigo 54.º CRP: “comissão de trabalhadores” - continua a tratar de DLG dos


trabalhadores. Na mesma medida que são DLG do trabalhador e uma limitação dos
empregadores;
 Artigo 55.º CRP: questão similar da liberdade sindical (+ artigo 56º CRP);
 Artigo 57.º CRP: prevê o direito à greve e o oposto da greve (lock out, no qual o
empregador fecha a empresa impedindo o trabalhador de prestar o seu trabalho) é
proibido.

o DESC com reflexos laborais


Recordar: Os DLG são negativos, sendo sobretudo direitos de não interferência,
enquanto os DESC são positivos, ou seja, são direitos que exigem prestações positivas
de efetivação dos mesmos. Os DF podem beneficiar do regime dos DLG quando
sejam de natureza análoga (art.º 17), o que pode acontecer aqui.
 Artigo 58.º da CRP: direito ao trabalho (aqui tem de se proporcionar as condições
para que se exerça o trabalho);
 Artigo 59.º da CRP: outros DESC dos trabalhadores;
 Artigo 61.º da CRP que respeita à iniciativa económica privada, porque acaba por
ser o contraponto. O facto de existir livre iniciativa privada, naturalmente que o
trabalho não advém apenas do setor privado, mas o que vamos estudar é
essencialmente o setor privado, portanto este acaba por ser o direito que se
contrapõe da parte do empregador que tem o direito à livre iniciativa económica
privada.

Regras gerais do contrato de trabalho que são comuns à teoria


geral do negócio jurídico

1- A primeira matéria que o contrato de trabalho trata e que encontra paralelo na teoria
geral do negócio jurídico respeita à responsabilidade civil pré-contratual. O nosso
artigo 102.º CT diz a mesma coisa do artigo 227.º CC: quem negoceia com outrem
para a conclusão de um CT deve, tanto nos preliminares como na formação dele,
proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos
culposamente causados;

2- O CT celebrado por adesão ao regulamento da empresa: em Teoria Geral falamos


no princípio da liberdade contratual, distinguindo-se dentro desta a liberdade de
celebração da liberdade de modelação do conteúdo do contrato (havendo, nesta
última, uma exceção que se prende com os contratos de adesão). Há possibilidade de
o CT ser um contrato de adesão (104.º e 105.º CT – alargamento do âmbito subjetivo
de aplicação da lei das CCG (?));

3- O contrato de trabalho regula uma relação jurídica obrigacional complexa, estando


a mesma prevista nos artigos 126.º e seguintes do CT. Ou seja, encontramos:

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o Obrigações principais: que são, do lado do trabalhador a prestação da atividade, e,


do empregador, o pagamento pontual da retribuição;
o Conjunto de deveres e direitos das partes, nomeadamente deveres secundários:
sendo que alguns podem ser deveres de prestar, outros serão deveres de
comportamento/de conduta que decorrem da boa-fé:
a. Artigo 126.º CT: impõe a boa-fé na relação entre as partes, na execução do CT;
b. Artigo 127.º CT: descreve os deveres do empregador;
c. Artigo 128.º CT: descreve os deveres do trabalhador. No limite, o incumprimento
dos deveres do 128.º pelo trabalhador poderá dar lugar à resolução do contrato,
i.e., despedimento com justa causa por facto imputável ao trabalhador e/ou
indemnização pelos danos.
o Atenção que isto é no limite: não é qualquer violação dos deveres do
trabalhador que dá lugar ao despedimento do trabalhador. Havendo a
necessidade de instaurar um procedimento disciplinar, haverá várias fases e
o resultado só será o despedimento, no limite – os requisitos para o mesmo
encontram-se previstos no artigo 351.º CT: comportamento culposo do
trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e
praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
o E tem de se analisar o caso concreto - pode ainda suceder que um mesmo
comportamento dê lugar ao despedimento numa microempresa, mas não
numa empresa de grandes dimensões; a mesma situação pode não ter a
mesma consequência.

4- No que respeita à forma: no artigo 110.º CT, prevê-se que a regra geral seja a
liberdade de forma, tal como menciona o artigo 219.º CC (princípio da
consensualidade). No entanto, há várias exceções:
o Quando o trabalhador seja estrangeiro ou apátrida: exige-se forma escrita
(artigo 5.º CT);
o Contrato de trabalho celebrado a termo: exige-se a forma escrita (141.º CT);
o Contrato a tempo parcial: exige-se a forma escrita (153.º CT). Contrapõe-se ao
contrato a tempo integral – será trabalho a tempo parcial quando celebrado por
um período inferior ao período normal de trabalho. No que respeita ao tempo de
o trabalho, ver os artigos 197.º e seguintes do CT;
o Contrato de trabalho intermitente é outro exemplo (158.º CT).

5- Invalidade do CT nos termos dos artigos 121.º e seguintes CT – aproveitamento


do contrato:
 Afastamento do artigo 220.º CC (nulidade por falta de forma): nos termos do 121.º
CT, está subjacente um aproveitamento do contrato;
 Quanto aos efeitos, o artigo 122.º CT prevê que:
o O CT declarado nulo ou que tenha sido anulado produza efeitos como válido
em relação ao tempo em que seja executado, afastando a regra geral do 289º CC;

Débora Sá 14
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o No caso da anulabilidade, o CT produz efeitos enquanto não for anulado, sendo


inválido, mas eficaz. E mesmo na nulidade ele produz efeitos até ser
considerado nulo.
 Quando o objeto ou fim seja contraria à lei ou à ordem pública (artigo 124.º CT
e no âmbito do direito comum do 280.º e 281.º CC): o negócio só é inválido quando
o fim é comum a ambas as partes. No DT, as consequências só se produzem
relativamente à parte que conhece dessa ilicitude;
 Convalidação do contrato de trabalho (artigo 125.º CT): cessando a causa da
invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o
início da cessação (em qualquer caso de invalidade).
o n.º 2 – no caso de fim ou objeto contrário a lei ou ordem pública: a convalidação
só produz os seus efeitos a partir do momento em que cessa.

6- Consequências da inobservância de forma do contrato de trabalho celebrado a


termo – regime especial: nos termos do artigo 220.º CC, se não há observância da
forma exigida, dar-se-ia lugar à nulidade, com as respetivas consequências
consagradas no artigo 289.º CC.
 Porém, no Direito do Trabalho, a consequência não é essa, para proteção do
trabalhador: vigora o princípio do aproveitamento do contrato - se um contrato a
termo não obedeceu à forma exigida por lei, a consequência está no artigo 147.º/1/c)
CT, ou seja, o contrato considera-se sem termo: Repare-se que nos termos do artigo
147.º CT temos casos que se considera sem termo o contrato de trabalho:
o Se um contrato que seria a termo é celebrado sem forma escrita, o contrato
considera-se sem termo, como referido acima (147.º/1/c) CT);
o Outro caso é se, por exemplo, celebrarmos validamente um contrato a termo,
mas depois não estiverem reunidas as condições para a renovação de contrato
(não podendo haver renovação do contrato), o mesmo converte-se, a partir desse
momento, em contrato sem termo. Estão previstos no número 2 do mesmo
artigo - esta questão tem relevo, pois nos casos em que se converte em contrato
de trabalho sem termo, então é só a partir do momento da conversão que se
considera o contrato sem termo.

7- Cláusulas acessórias no contrato de trabalho – regime especial


Temos no regime de direito comum o artigo 405.º CC, que retrata o princípio da liberdade
contratual, e o 270.º CC no que respeita à aposição de condições e termos nos contratos.
No Código de Trabalho encontramos este regime retratado nos artigos 135.º e seguintes.
Encontramos a condição ou termos, que são clausulas acessórias típicas no CT - pacto de
não concorrência e o pacto de permanência.
No que respeita à condição ou termo, a norma do 135.º levantou dificuldades por causa
das alterações legislativas que teve, questionando-se se se podia impor condições (facto
futuro e certo quanto à verificação) resolutivas. A condição levanta mais dificuldades do
ponto de vista do trabalhador. Nos termos do artigo 53.º CRP, vigora no nosso
ordenamento jurídico o princípio da segurança no emprego e relativamente a condições
suspensivas não está em causa a segurança do emprego. Quanto à condição/termo

Débora Sá 15
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

resolutiva, levanta-se questões constitucionais. Havia doutrina a favor, pelo princípio da


liberdade contratual, e contra, argumentando com o artigo 53.º CRP. A jurisprudência até
1989 era contra, depois começou a haver divergência porque foi introduzida na lei da
altura o termo incerto.

Qualificação do contrato de trabalho – artigos 11.º e 12.º CT


Noção de contrato de trabalho: contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa
singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras
pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigo 11.º CT).

O regime constitucional do trabalhador aplica-se indistintamente a trabalhadores


subordinados e a trabalhadores independentes. A CRP não faz distinção. No entanto
o CT aplica-se ao trabalho subordinado. Porquê? O Direito do Trabalho tem uma
preocupação social e corretiva das assimetrias entre o trabalhador e empregador,
que naturalmente não ocorrem quando o empregador e o trabalhador são a mesma pessoa
(não existe subordinação jurídica a outra pessoa).
o Mas isto não significa que a nossa lei não faça aproximações entre o trabalho
independente e o trabalho subordinado. Um exemplo respeita aos acidentes de
trabalho (esta extensão é feita pelo art.º 4/2 da Lei 7/2009) no sentido de
obrigatoriedade de um seguro para garantir proteção em caso de acidente no trabalho
ou doenças profissionais (DL 159/99 regula isto mesmo).

Quanto aos contratos de trabalho, excluímos regimes especiais do nosso estudo, como o:
o Regime de trabalho em funções públicas;
o Contrato de serviço doméstico (DL 235/92 de 24 de out, que estabelece o regime
jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico);
o Contrato de trabalho de praticante desportivo (Lei 54/2017 de 14 de julho);
o Contrato de formação desportiva (Lei 54/2017 de 14 de julho);
o Contrato de representação ou intermediação (Lei 54/2017 de 14 de julho);
o Contrato de trabalho a bordo, disciplinado pela lei 146/2015;
o Contrato de trabalho para a marinha do comércio (DL 74/77).
Estes são alguns dos regimes especiais que afastam o regime geral, não obstante seja o
mesmo aplicável na medida em que com eles seja compatível - artigo 9.º CT (se houver
regra especial que afaste a regra geral, então não se aplica a regra geral).

O âmbito de aplicação do contrato de trabalho é relativo a relações laborais (ver art.


4º CT – princípio fundamental de igualdade de tratamento entre o trabalhador
nacional e o trabalhador estrangeiro/apátrida, desde que o contrato seja para funções
desempenhadas em Portugal). A igualdade implica tratar igual o que é igual e
diferente o que é diferente, e nessa medida, sendo trabalhador estrangeiro, o art. 5º prevê
especificidades quanto à forma e conteúdo do contrato de trabalho.
o Exigência de forma escrita;

Débora Sá 16
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Exige-se que no contrato sejam feitas as indicações mencionadas no artigo 5º CT;


o Exigem-se formalidades como a elaboração em duplicado do contrato e entrega de
um exemplar ao trabalhador;
o Obrigações acessórias de comunicação ao serviço com competência inspetiva.

Nota: Direitos e deveres trabalhadores – artigos 126º e seguintes do CT.


Ainda, o nosso ordenamento jurídico do trabalho tem grande preocupação com a
igualdade e não discriminação em razão da nacionalidade e de outros critérios:
o Veja-se a subsecção 3ª, i.e., artigos 23.º e seguintes CT + Lei 4/2019 que revê um
sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, em concreto em caso de
incapacidade igual ou superior a 60%, sendo que o artigo 5º prevê a obrigatoriedade
de as empresas contratarem uma percentagem de pessoas com estas especificidades.

Esta preocupação de igualdade e não discriminação vigora no decurso da relação


contratual e também numa fase pré-contratual, isto é, no acesso ao trabalho – a Lei
3/2011 de 15 de fevereiro proíbe qualquer discriminação no acesso e exercício do trabalho
independente.
Ainda neste âmbito, há que atender: o que é efetivamente uma violação ao princípio da
não discriminação? Nem todo o comportamento diferente é discriminatório (como por
exemplo: uma mulher grávida que se candidatou a um emprego radioativo que
prejudicaria a sua condição e que, por isso, é preterida).

No que concerne ao âmbito de aplicação do CT, há que falar do regime do trabalhador


destacado (definição nos artigos 6. e 8.º CT).
Por fim, o artigo 10.º CT prevê que determinadas normas relativas a certas matérias
(normas gerais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação,
segurança e saúde) são aplicáveis às situações equiparadas às do CT.
As situações equiparadas são: o artigo 19º CT define como equiparável as situações onde
ocorre a prestação do trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre
que o prestador do trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário
da atividade.

Elementos do contrato de trabalho:


 Inserção organizacional;
 Subordinação jurídica - autoridade/direção de trabalho;
 Heterodeterminação da prestação e retribuição.

Inserção organizacional e subordinação jurídica:


A subordinação jurídica caracteriza-se pelo facto de o trabalhador estar sujeito à
autoridade e direção do empregador, mas esta componente não prejudica a
autonomia técnica do trabalhador que seja inerente à atividade que pratica.

A obrigação do trabalhador consiste em prestar uma atividade a outra pessoa (no


âmbito de organização) e sob autoridade do empregador (subordinação jurídica).

Débora Sá 17
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Na prática, pode ser discutível quando é que nos encontramos dentro dos quadros da
autonomia técnica e quando é que atuamos fora deste âmbito, inexistindo assim
autoridade e direção do empregador. Tomemos como exemplo o caso dos advogados
estagiários ou advogados associados: a jurisprudência considera que não há subordinação
jurídica porque, nestes casos, os advogados trabalham emitindo recibos à sociedade que
lhes paga um vencimento certo e periódico. No entanto, ainda que isto possa ser
discutível, a jurisprudência maioritária defende que não estamos na presença de um
contrato de trabalho.

A subordinação jurídica não prejudica a autonomia técnica do trabalhador. Portanto,


se o trabalhador tem autonomia não só técnica, mas está sob a autoridade do empregador,
continua a estar perante um CT (artigo 116.º CT).

Retribuição:
No âmbito do artigo 11.º CT que remete para o artigo 115.º CT, vimos que cabe às partes
determinar o que se considera como a atividade que o trabalhador presta.

Os princípios e normas que disciplinam a matéria da retribuição estão plasmados nos


artigos 258.º e seguintes. Podemos ter uma ideia de retribuição em dinheiro, no entanto,
há possibilidade de haver uma retribuição em espécie, porque a noção de retribuição do
258.º/1 é muito ampla (“considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do
contrato, e das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em
contrapartida do seu trabalho”), havendo naturalmente limites.
O artigo 258.º/2 introduz o fator da periodicidade quando diz que a retribuição
compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas direta
ou indiretamente em dinheiro ou em espécie.

Pela negativa, temos o artigo 260.º CT: prestações incluídas ou excluídas da retribuição.

Exemplo:
A celebra com B, Lda. um contrato mediante o qual se compromete a divulgar a marca
de B, Lda. e a celebrar contratos de venda dos seus perfumes e maquilhagem. Por cada
venda A recebe 30% do valor, devendo entregar os restantes 70% a B.

Trata-se de um contrato de comissão, este contrato não está no CC. Não é um contrato
de trabalho porque:
 Não há subordinação jurídica (A não atua sob a autoridade de B, e B não tem poder
de direção da atividade de A);
 Nem há lugar a retribuição periódica.

Débora Sá 18
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Características do Contrato de Trabalho:


 Típico/nominado – previsto no artigo 1152.º CC + 11.º CT, que é ligeiramente
diferente da do CC (a atividade que o trabalhador presta é sempre mediante
retribuição, sem a qual deixamos de estar perante um CT);
o Oneroso;
o Bilateral (gera obrigações para ambas as partes (não esquecer que ao ser contrato já é
um negócio jurídico bilateral);
o As obrigações são correspetivas, sendo por isso um contrato sinalagmático;
o Duradouro;
o Periódico quanto ao pagamento da prestação pelo empregador;
o Eficácia obrigacional;
o Patrimonial (por contraposição aos contratos pessoais como o casamento).
Este CT é diferente de outros contratos típicos e nominados.

Veja-se os exemplos de casos práticos seguintes:


A celebra com B um contrato para que este último construa umas escadas em madeira
de faia que permita o acesso a piso 1º da sua moradia. Devem estar concluídas no prazo
máximo de 5 meses. A obriga-se a pagar 1000 euros por mês, num máximo de 5000
euros.

Trata-se de um contrato de empreitada (contrato pelo qual uma das partes se obriga
perante outra a realizar uma obra mediante um preço), não é um contrato de trabalho:
 De facto, o contrato de prestação de serviços é um tipo mais amplo, que tem diversas
modalidades (mandato, deposito e empreitada são contratos de prestação de serviços,
nos termos do artigo 1155.º CC). Assim, não é um contrato de trabalho;
 O valor de 5000 euros é o preço da empreitada, e não o salário, é um pagamento
faseado;
 B está incumbido de um resultado, não está sob a autoridade de A, dado que não
constrói as escadas sobre a autoridade de A;
 Não é propriamente uma atividade contínua, mas uma obra.

A celebra com B um contrato através do qual este último se obriga a divulgar e a


celebrar contratos de arrendamento habitacional por conta e em nome de A para os
seus 3 imóveis sitos em Portimão. B não deve arrendar os imoveis por período inferior
a 12 meses nem com renda inferior a 950 euros por mês.

 Contrato de mandato com representação: alguém se obriga à celebração de atos


jurídicos por conta e em nome de outrem, que será o mandante. Se fosse apenas por
conta de outrem e por nome do próprio seria apenas contrato de mandato sem
representação – artigo 1178.º CC.

Débora Sá 19
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

A e B celebram com C um contrato pelo qual este se obriga a decorar o espaço do seu
casamento pelo valor de 300 euros. As flores e velas serão escolhidas por A e B, mas
adquiridas por C junto dos seus fornecedores. Os castiçais, propriedade de C, serão
colocados na decoração das mesas no dia do casamento e recolhidos no dia seguinte,
pelo valor de 15 euros cada.

 Contrato de aluguer dos castiçais – alocação (artigo 1022.º CC) na forma de


aluguer dado ser um bem móvel (se for imóvel é arredamento), empréstimo de um
bem móvel mediante retribuição;
 Contrato de prestação de serviços relativamente à decoração.

A obriga-se a gerir a loja de roupa pertencente a B nos meses de verão para fazer face
ao acréscimo de vendas esperado para esses meses. B obriga-se a pagar 800 euros
mensais a A e A é responsável pela abertura da loja às 10 da manhã, e fecho às 7 da
tarde. No que respeita ao horário de almoço, B disse a A que podia fazer “como
quisesse” desde que estivesse fechado apenas uma hora. A apresenta-se com uma t-
shirt com o logotipo da marca e com calças pretas conforme indicação de B. A que
sabe melhor as peças com maior procura indica a B quais os artigos a adquirir para a
nova coleção, sendo B quem as adquire junto dos fornecedores.

 Contrato de trabalho a termo - estão presentes todos os elementos necessários:


o Há retribuição por mediante do salário mensal;
o Há obrigação à atividade que é duradoura;
o A atividade prestada pelo trabalhador é exercida sob a autoridade e direção do
empregador, sendo o horário e uniforme por ele fixado – subordinação jurídica
de B:
▪ Nota: O uniforme e horário são alguns dos elementos de facto que permitem
aferir se estamos perante um contrato de trabalho. Deste modo, o Código de
Trabalho prevê uma presunção de laboralidade no seu artigo 12.º, prendendo-
se as presunções com os instrumentos pertencerem ao beneficiário, local
pertencer ao beneficiário, e hora de início e termo da prestação, periodicidade
da presunção.

É um contrato a termo porque A apenas presta o trabalho nos meses de verão (esta matéria
será desenvolvida mais à frente).

Débora Sá 20
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Presunção de contrato de trabalho – artigo 12.º CT:


Temos a tarefa da qualificação de um contrato como um contrato de trabalho à partida
facilitada pela existência da presunção de contrato de trabalho. Desta forma, estão
plasmadas neste artigo características que acionam a presunção, tendo imediatamente a
questão do ónus da prova resolvida, do ponto de vista processual:
 Regra: a pessoa que invoca a existência de um contrato de trabalho tem de fazer prova
dos factos que qualificam esse tipo de vínculo. Contudo, a presunção de laboralidade
inverte o ónus da prova: ou seja, se se verificar a presunção (se se verificarem pelo
menos 2 dos requisitos elencados no artigo 12.º), quem invoca o direito deixa de ter
de provar os mesmos factos.
o Quem tem interesse em desmontar a existência do CT é que terá que provar os
factos, provar que não existe um contrato de trabalho (prova negativa), que é
sempre mais difícil.
O artigo 12.º CT é um instrumento importante do ponto de vista processual dado que se
traduz numa vantagem probatória.
Artigo 12.º - Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que
presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das
seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele
determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da
actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas
pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de
actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura
orgânica da empresa.

Esta presunção data de 2009. Antes de 2009 tínhamos uma presunção, mas que não era
verdadeiramente uma presunção pois estavam lá todos os elementos de CT (dar-se-ia
como provado, e não presumido).
Com a correção em 2009 levanta-se a questão na jurisprudência relativa à aplicação da
lei no tempo: a norma, sendo de 2009, e se o CT é anterior a 2009, então a presunção é
de aplicar? Se se aplicasse a 2009 era uma aplicação retrospetiva da lei, porque é relativa
a factos passados que ainda se prolongam no tempo.

 Posição da jurisprudência maioritária: vai no sentido da não aplicação da presunção


de laboralidade do artigo 12.º a contratos de trabalho anteriores a 2009 devido à
norma do artigo 7.º da Lei 7/2009 de 12 de fevereiro - lei que aprova o CT em anexo:

Débora Sá 21
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

este artigo 7.º prevê a aplicação da lei no tempo, interpretando-se que não se deve
aplicar a presunção de laboralidade de forma retrospetiva.

Nota: O artigo 12.º CT tem de ser interpretada de forma atualizada – este artigo existe
desde 2009 e nunca foi alterado, então estas questões, atualmente, com novas formas de
trabalho, requerem uma interpretação atual:
o A alínea e) é uma delas: o que está subjacente à alínea e)? É que este tipo de funções
de direção ou chefia do trabalhador não seriam incompatíveis com qualquer outro
contrato além do CT (por exemplo, com a prestação de serviços). Mas isto tem de ser
entendido à luz das características do CT: é característico do CT a subordinação
jurídica. Portanto, este trabalhador que exerce funções de direção e chefia tem de
estar sujeito aos poderes de autoridade e direção do seu empregador, caso
contrário não é um trabalhador dependente).

 A ação subjacente à ação que serve o efeito de qualificação de contrato de trabalho é


uma ação de processo especial que se designa ação judicial de reconhecimento da
existência de contrato de trabalho (artigos 186.º k e seguintes do Código de
Processo do Trabalho).

Débora Sá 22
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº4


A, fundado na existência de contrato de trabalho, acionou a sociedade X, com sede em
Portimão, para que lhe fossem pagas remunerações vencidas e não pagas. Foram
provados os seguintes factos:
a. A promoveu para a sociedade X, a partir de Abril de 2003 e a tempo inteiro, vendas
de lotes de terrenos, moradias e apartamentos na zona de Lisboa.
b. A auferiu comissões de 5% pelas vendas efetuadas em Portugal e 10% pelas vendas
efetuadas no estrangeiro, até final de 2003.
c. A partir de 2004 passou a auferir 7% sobre as vendas até 20.000 euros, 10% de
20.000 a 40.000 euros e 15% a partir desta quantia;
d. A dispunha de um grupo de vendedores que ele próprio contratou e a quem pagava
comissões.
e. A prestou contas a X das despesas da delegação, recebendo dela as verbas
necessárias.
f. A encontrava-se normalmente no escritório de Lisboa, tendo mudado as fechaduras.
g. X nunca pagou a A um salário mensal.
h. A obrigou-se para com X a promover na zona de Lisboa a venda de apartamentos e
moradias dela, ficando sujeito aos preços e condições fixados por X, servindo de elo
de ligação entre ela e os investimentos por si angariados.
i. A não recebia qualquer remuneração fixa.
j. X apenas tinha um empregado de escritório em Lisboa.
k. A utilizava os escritórios de X em Lisboa autorizado por ela.
l. A permanecia normalmente nos escritórios de X em Lisboa, durante o dia, e atuava
no exercício da atividade de vendedor, conforme consta da alínea h).

Tendo em consideração os factos apurados deverá entender-se ser A um trabalhador


dependente?

Como é que qualificamos este contrato? Quais os elementos importantes para a sua
qualificação? Estaremos perante um CT?

 Temos uma situação que tem alguma ambiguidade, o que temos de fazer é recolher
os indícios dessa situação e confrontar com as características-tipo do CT. Temos essa
tarefa à partida facilitada pela existência da presunção de laboralidade (artigo 12º
CT) - pegamos neste conjunto de factos e aferimos se conseguimos identificar
elementos suficientes para retirar a presunção de contrato de trabalho
De acordo com o artigo 12º (que resultou da Lei 7/2009, 12/02) – exige-se a verificação
de pelo menos 2 destes requisitos:
 Ele utilizava os escritórios e era autorizado, a alínea l) poderia ajudar a preencher o
1º requisito. Local de trabalho → especialidades recentes por causa do teletrabalho,
artigo 165.º e 166.º CT, o local onde o trabalhador desempenha o teletrabalho é
considerado local de trabalho:

Débora Sá 23
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 2º requisito → não se diz que a viatura utlizada e outros equipamentos para realizar
as vendas pertencem a X, mas diz-se que ele prestou contas a X. Não parece estar
cumprido;
 3º requisito → nada provado quanto a este aspecto;
 4º requisito → não se verifica, recebia em função das vendas uma percentagem e não
era uma remuneração fixa;
 5º requisito → aqui o empregador A é que dispunha de vendedores e fazia isto por si
e não por ordem da sociedade X, portanto contribui para afastar a presunção.

Portanto, concluímos que não estão verificados os indícios que conduzem à presunção.
Se estivessem preenchidos pelo menos 2, inverter-se-ia o ónus da prova (afasta-se a regra
geral), pelo que caberia ao empregador (sociedade X) ilidir a presunção.
 Nesta situação, terá o prestador A o ónus da prova, tem a carga acrescida da prova
dos elementos constitutivos do seu direito - para ter ganho de causa tem que provar
mais elementos característicos do tipo de contrato de trabalho, como a existência
de ordens, instruções que inequivocamente pudessem demonstrar a
heterodeterminação da prestação.

 Podemos considerar A um trabalhador subordinado? Ou encontramo-nos perante


características do tipo de prestação de serviços?
A noção de contrato de trabalho assenta na existência de uma inserção organizacional
e existência de direção do trabalho, logo fará mais sentido uma situação de trabalho
autónomo: não só não se verificam os requisitos da presunção, como também se verificam
características do tipo prestação de serviços/trabalho autónomo, nomeadamente a
existência de um grupo de vendedores que respondia perante o prestador A,
pagando-lhes ele as comissões. Isso é muito pouco indicativo da integração na
organização da empresa X.
Elementos diferenciadores do contrato de trabalho dos restantes contratos:
1. Subordinação jurídica: no nosso caso podíamos dizer que ele vendia quando queria,
ou seja, a gestão das vendas era feita pelo próprio, indício de que não existe
subordinação jurídica, não estava sujeito a ordens e instruções por parte de X:
o Se o trabalhador tiver funções de direção ou chefia presume-se ser um contrato
de trabalho, mas não faria sentido o contrário? Não porque na alínea e) prevê se
que as funções de direção ou de chefia, nomeadamente um chefe de uma empresa,
em princípio está numa empresa com um contrato de trabalho (um chefe, apesar
de ser chefe, está nessa empresa porque tem também contrato de trabalho);
2. O contrato de trabalho impõe ao trabalhador uma obrigação de meios (obriga-se a
uma atividade, mas pode não atingir o resultado), por exemplo: um médico tem para
com o paciente uma obrigação de meios segundo a legis artis, mas não se obriga ao
resultado, se não se curar, o médico não está em incumprimento.

Débora Sá 24
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o No contrato de prestação de serviços: obriga-se a praticar o resultado


(obrigação de resultado), nos termos do artigo 1154º CC.

Assim, poderíamos considerar que não é um trabalhador dependente, e nem por


presunção poderíamos concluir que estamos perante um CT.

A professora concluía que não se tratava de um CT, mas podia haver fundamentação
em sentido contrário. Por outras palavras, a existência de um contrato de trabalho não vai
ter nenhuma resposta fechada, em princípio, pelo que se for uma questão ténue deverá ser
discutida num sentido ou noutro e ser argumentada.

Nota: Ao resolvermos este tipo de casos, não podemos tomar a decisão com base apenas
na verificação aritmética dos índices - os indícios são aferidos em função da situação
concreta (ex. um vendedor: o local de trabalho pode não ser relevante, andando na rua,
não tendo uma sedição do local de trabalho; mas por ex. alguém que preste a sua atividade
como rececionista já tem que ter um local de trabalho bem definido - índice com peso
muito maior neste caso) -> devemos fazer sempre uma ponderação relativa.

Débora Sá 25
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático projetado em aula:


Em 28 de outubro de 2013, A, na qualidade de “primeiro contraente”, e B, na qualidade de
"segundo contraente”, subscreveram o escrito particular denominado “contrato de prestação
de serviços”.
Do referido contrato constava que o “segundo contraente é enfermeiro e pretende prestar
serviço na Linha Y sem sujeição à autoridade e à especifica organização do primeiro
contraente, mas tendo exclusivamente, em conta o fim essencial da proteção dos valores da
saúde e da vida dos utentes da Linha Y, o direito de saúde e as regras técnicas, científicas e
deontológicas da enfermagem.
A atividade de B era prestada no contro de atendimento telefónico da Linha Y, pertencente
a A, utilizando o equipamento desta, nomeadamente, computador, software específico e
sistema de auriculares e microfone.
B, bem como os outros enfermeiros comunicadores, não se encontravam obrigados a
justificar as suas ausências relativamente aos turnos que lhe estavam atribuídos e que não
realizavam, nem a apresentar documento comprovativo do motivo das mesmas.
B recebia o valor de 7euros por cada hora de serviço efetivamente prestado. Ao valor hora
era acrescido de 25% relativamente a horas de serviço prestadas entre as 20 e 24 horas e
50% entre as 24 e 8 horas, sendo denominada “horas de qualidade”.
O sistema informático (CAS) registava as entradas e saídas do serviço do enfermeiro
comunicador, e todas as pausas por ele realizadas, sendo a partir dest5e registo que A
apurava o número de horas de serviço prestadas por cada enfermeiro comunicador para
efeitos de determinação do valor devido ao mesmo.
A nunca inscreveu B na Segurança Social.
Ac, STJ, 12710/2017, relator Gonçalves Rocha)

Teremos de percorrer o mesmo caminho da situação anterior – verificar se estão


preenchidos pelo menos 2 dos requisitos do artigo 12.º CT:
- A) sim, B prestava no centro de atendimento telefónico de A;
- B) sim, computador, auriculares e telefones eram do empregador A;
- C) sim, não estavam obrigados a justificar a ausência, mas tinham turnos que lhes
eram atribuídos;
- D) sim, B recebia o valor de 7 por cada hora de serviço efetivamente prestado,
havendo registo;
- E) não.

Mais importante que a quantidade é a qualidade dos índices. O que vale é


precisamente a realidade, não a denominação dada pelas partes ao contrato. A

Débora Sá 26
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

qualificação contratual e o seu nome são elementos de direito, portanto a designação


pelas partes é irrelevante.
• No entanto, não é bem assim, pode ser um indício de que as partes quiseram
camuflar a verdadeira natureza do contrato, pode ter relevo já como elemento de
qualificação, mas como indício da vontade de subtrair o contrato ao regime
laboral. Pode até por julgar de uma forma perversa relativamente a verdadeira
intenção das partes, de escapar à tutela laboral.

 Estaremos perante um CT? Sim, temos verificada a presunção.


o Há alguma possibilidade de ser ilidida pelo empregador? Não seria uma tarefa
fácil, com tantos elementos verificados dificilmente se poderia ilidir a presunção.
Caso Prático nº5
Numa ação intentada por A contra B, no Tribunal Judicial da comarca do Porto, no
juízo do trabalho, resultou apurada a seguinte matéria de facto:

- A partir de Julho de 2010, A começou a efetuar serviço de reportagem para B. A


apresentava-se diariamente nas instalações de B, onde consultava o serviço de
agenda que lhe estava destinado e onde depois ia fazer a entrega do produto acabado
dessas reportagens.
- O número de horas que A permanecia nas instalações de B era variável consoante
as necessidades do serviço.
- A agenda do serviço de reportagens destinado a A era elaborado pelos responsáveis
de cada um dos programas a que aquelas se destinavam.
- A agenda era feita semanalmente.
- A, enquanto ao serviço de B, auferia as seguintes remunerações mensais:
- Até Março de 2011 – 550 €;
- De Abril de 2011 a Janeiro de 2012 – 600€;
- A partir de Janeiro de 2012, A passou a ser pago à razão de 300€ por programa
elaborado.

- Tal modalidade de pagamento baseava-se num denominado "contrato para


colaboradores", mensal e sucessivamente renovado.
- Em 13/11/13, B dispensou verbalmente os serviços de A.
-B não pagou a A os subsídios de ferias e de Natal referentes aos anos de 2011 a
2013.
Caracterize o contrato celebrado entre A e B.

Podemos neste caso recorrer à presunção do artigo 12.º CT? Vamos verificar se estão
preenchidos os requisitos:

o Quanto à retribuição:
Existiu uma retribuição certa e periódica até janeiro de 2012, data a partir da qual
passa a ser pago em razão dos programas; aparentemente o trabalho que A teria era

Débora Sá 27
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

definido por B (a agenda era elaborava pelos programas e A apresentava-se diariamente


nas instalações e consultava o serviço pré-determinado por B) até 2012 era uma
obrigação de meios, e depois dessa data passou a ser de resultado (para ter direito aos
300 euros tinha de fazer as reportagens);

o Quanto ao local:
Também se preenche a alínea a) do art.º 12;

o Quanto ao início e fim da prestação determinados pelo beneficiário (alínea c) do


artigo 12.º CT:
Não estão verificados, dado depender das necessidades – mas, atendendo à natureza
jurídica, é natural que seja um horário flexível. Então, atendendo a esta flexibilidade, é
necessário determinar se é implicado por B;

o Quanto ao serviço:
Este era elaborado pelos responsáveis dos programas a que se destinava, preenchendo
outra alínea.

Assim, mais que 2 elementos estão verificados, podendo-se presumir a existência de


laboralidade, e, por conseguinte, de contrato de trabalho (ainda que as partes lhe
tenham atribuído um nome diferente).
Consequências:
o Era devida uma retribuição correspondente à retribuição mínima (não podia ser
abaixo do mínimo), teriam de ser pagos os subsídios em falta (são obrigatórios nos
termos dos artigos 263.º e 264.º CT, constituindo a sua falta numa contraordenação
grave e consequente obrigação dos mesmos serem pagos);
o No caso de terem sido pagas retribuições inferiores à retribuição mínima:
dá-se a restituição dos valores em falta com os juros que acrescem.
o Sendo contrato de trabalho, B não podia dispensar verbalmente o A (tal consubstancia
um despedimento sem justa causa, ilícito nos termos dos artigos 338.º e seguintes,
consistindo a consequência na reintegração do trabalhador ou na indemnização de
antiguidade (389.º e seguintes CT);

Partimos do princípio de que estamos perante um contrato de trabalho sem termo, i.e.,
por tempo indeterminado. Porquê?
Contrato a termo:
o Exige a forma escrita e existem outros elementos exigidos (artigo 141.º CT);
o Quanto à duração: a regra é que o mínimo são 6 meses. No entanto, há exceções.
No caso de ser celebrado por um período inferir a 6 meses, sem que seja possível,
a regra é que se considera celebrado pelo prazo de 6 meses;
o No nosso caso, dizia-se que o contrato tinha sido celebrado de forma mensal e
sucessivamente renovado. Quanto às renovações: também não podem ser
sucessivamente renovadas, porque também há limites quanto à possibilidade de
renovação (artigos 148.º e 149.º CT).

Débora Sá 28
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Violando-se estas regras todas (forma, duração e renovação), não podia ter se sido aqui
celebrado um contrato a termo, logo celebrou-se um contrato sem termo, i.e., por tempo
indeterminado.

Caso Prático nº6


A, advogado, presta atividade de consulta jurídica, diariamente, de Segunda a
Quarta-feira, das 9h às 13h, na empresa X. Por esta atividade, auferia mensalmente a
quantia de 2000 €, acrescida de 2000€ no mês de Agosto. Em contrapartida de tais
pagamentos emitia “recibos verdes”.
O mesmo advogado, semanalmente, à Sexta-feira, deslocava-se à empresa Y, onde, de
acordo com a sua conveniência de agenda, assessorava, juridicamente a gerência,
sendo remunerado em função do número de contratos examinados.
Qualifique o(s) contrato(s) de A.

A-X
- Horário definido;
- Remuneração fixa e periódica;
- Existência de um subsídio de férias.

A existência de subordinação jurídica não afasta a autonomia técnica (artigo 116.º CT) -
> No caso, tratando-se de um advogado a questão da autonomia técnica é
determinante (implica um conhecimento técnico que só essa pessoa tem): o advogado
tem autonomia técnica no exercício da sua atividade, mas está inserido na organização
alheia. A sua prestação é heterodeterminada. Prefigura o que se denomina advogado de
empresa, integrado numa organização empresarial e faz parte dela
o Tínhamos em benefício de A a presunção de contrato de trabalho, uma vez que estão
verificados elementos suficientes (alínea a, c, d). Assim, seria possível dizer que
estávamos perante um CT por termo indeterminado (não se diz nada quanto ao fim) e
parcial (tem uma duração inferior à do tempo completo – artigo 150.º CT, e em
concreto o 150.º/3 CT).

A-Y
A independência de A está muito mais nitidamente presente.
- Não temos um horário (conveniência da agenda do advogado);
- Retribuição também não era fixa e periódica;
- Quanto aos equipamentos: não temos informação

Não se preenchendo a presunção, estaríamos perante um contrato de prestação de


serviços.

Débora Sá 29
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota:
A existência de um CT não pressupõe a dependência económica do empregador: pode
haver um CT e até não haver dependência económica no sentido de haver uma fonte de
rendimento exclusiva daquele trabalhador face àquele CT.
Portanto, o facto de ter vários meios de subsistência (2, neste caso), não serve para afastar
a existência de CT.
o A existência de dependência económica tem relevância para se considerar uma
situação que não é CT como uma situação equiparada (dependência económica e
inexistência de subordinação jurídica), servindo para se aplicar o regime legal de
determinadas matérias, que vigora para o CT: as do artigo 10, por foça do artigo
4.º/1/c) lei 7/2009.

No que respeita à prestação de serviços de advocacia: os advogados trabalham a


recibos verdes. A jurisprudência tem-se dividido quanto à qualificação destes contratos,
sendo que atualmente a posição maioritária indica que não se trata de uma relação jurídica
laboral, porque entende que não há subordinação jurídica.

 O que acontece nas situações em que o CT nasce com determinada denominação e é


executado de outra forma, não dando lugar a requalificação?
Há lugar a reposição da situação de acordo com a verdadeira natureza do vínculo, tudo o
que é prestação pecuniária não paga terá de ser paga, por exemplo subsídios, férias,
prestações para SS etc. A requalificação do contrato restitui retroativamente a situação
que existiria se o trabalhador tivesse, desde o início, uma correta qualificação do CT.

Ação para reconhecimento da existência de contrato de


trabalho
Vamos abordar a questão do conhecimento do tipo contratual, nomeadamente na sua parte
adjetiva, através do instrumento da ação para reconhecimento da existência de contrato
de trabalho.
A distinção entre trabalho subordinado e trabalho autónomo é possível através:
 Do ponto de vista do ónus da prova que é constituído pela presunção;
 Ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho (domínio do
direito processual);

Artigo 15º-A Lei 107/2009 de 14 de setembro: procedimento a adotar em caso de


inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições
correspondentes às do contrato de trabalho.

Esta ação tem lugar quando, no decurso de uma atividade inspetiva, se verifica a
existência de características do Contrato de Trabalho tal como elas constam da
presunção.

Débora Sá 30
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 O inspetor lavra o auto -> notifica o empregador para, no prazo de 10 dias,


regularizar a situação.
Possíveis consequências da ação:
 Regularização (o empregador dá razão ao inspetor);
 Findo o prazo dos 10 dias: ACT remete a participação para o Ministério Público –
prevista e regulada no artigo 186.º-K do Código de Processo de Trabalho (CPT).

Até este ponto não há intervenção do trabalhador – este só tem conhecimento do


processo a partir do momento referido no 186º-L número 4 (contestação).
 Se não houver contestação: o juiz em 10 dias profere a decisão (artigo 186.º - N)
CPT.

 Artigo 186.º - O CPT: passos do julgamento;


 A decisão é recorrível para o Tribunal da Relação, com efeito meramente
devolutivo (não suspende os efeitos da decisão da 1ªinstância).

Assim, percebemos que a qualificação é uma questão de interesse público, geral – a ação
pode ser desencadeada mesmo sem a participação do principal beneficiário da
decisão (o trabalhador).
 O trabalhador está impedido de tomar iniciativa em sede judicial? Não, ele pode por
sua iniciativa exigir a requalificação contratual, exigir que seja revista a sua situação
contratual por uma ação comum. A ação para reconhecimento da existência de
contrato de trabalho é um processo especial, adicional.

Análise do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães:


Vera Sottomayor
Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho
22-09-2016

Contexto:
Empregador - trabalhador (fisioterapeuta):
- 2011-2013: reconheceram a existência de um contrato de prestação de serviços
- A partir de 2014: trabalho subordinado –> esta transação foi aceite

 Vem a ACT intentar a ação contra a transação dos contratos;


 Mas o MP recorre, dizendo que a sentença não pode decorrer nestes efeitos – alega
sobretudo com ênfase na natureza pública dos interesses envolvidos, que não podem
estar na disponibilidade das partes, ser objeto de transação;
 O Tribunal na ponderação da decisão reconhece que esta ação é um instrumento de
combate à falsa naturalização, sublinhando que esta ação se inicia sem qualquer
intervenção do trabalhador e apenas da ACT – é ao MP que incumbe instaurar esta
ação de reconhecimento de existência de Contrato de Trabalho;

Débora Sá 31
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 Quanto à questão da transação: permite-se que haja conciliação dos interesses


presentes, no caso, acordarem quanto ao reconhecimento de um contrato de trabalho;
 Decisão: não obstante a natureza pública, pode haver a transação/acordo entre o
trabalhador e empregador. É válida a transação, reconhece para o futuro aquilo
que é o objeto da ação:
o A transação evidencia que a trabalhadora abdicou dos pagamentos no
período de 2011-2013.

Esta situação reconduz-nos a outra hipótese que não é muito frequente:


Suponhamos que alguém começa por, esporadicamente, prestar a sua atividade (de
fisioterapeuta) numa clínica – essa atividade é prestada de forma independente, como
prestação de serviço.
Mas depois começa a haver pessoas que gostam muito do trabalho, começa a haver uma
participação na organização dos horários da pessoa – passa a prestar a sua atividade em
moldes diferentes, mas mantém-se a cobertura do contrato inicial. Simplesmente, com o
decurso do tempo passa a ter:
a) Horário definido;
b) Definição mais aprofundada das funções;
c) Utiliza mais instrumentos da clínica.
= Transita de uma situação independente para uma situação de subordinação, não
num momento único, mas sim num processo gradual:
 Será possível a requalificação? É possível e desejável. Mas temos um grande
obstáculo: em que momento é que se deu esta mudança (das alíneas acima)?
Esse momento tem de ser apurado (questão da prova) e nem sempre será
possível estabelecer com precisão e exatidão essa transição de funções ->, mas
isso não impedirá a observação da situação hoje aqui presente.
Suponhamos a situação inversa: uma pessoa trabalha subordinadamente e, a partir de
determinada altura, por exemplo, vai tirar uma formação, vai diminuindo a sua atividade
gradualmente. É possível a requalificação? Sim, mas é necessária a questão da prova +
apuramento da verdadeira vontade contratual.
 Será que a requalificação não é pressionada pelo empregador? Será um LIVRE
CONSENTIMENTO DO TRABALHADOR? Atualmente, as questões do
consentimento tendem a ser tratadas com cautelas acrescidas pela doutrina e
jurisprudência. Mas isso não impede a requalificação do contrato.

Caso Prático projetado em aula


O Autor foi admitido ao serviço da R. “CC” em 1 de janeiro de 1995.
A partir de março de 2001, o autor passou a desempenhar funções de que estava
incumbido ao serviço das R. CC e BB.
As sócios-gerentes da R. “BB” são a mulher e a filha da sócio-gerente da R. “CC”.

Débora Sá 32
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Há 2 entidades distintas do ponto de vista jurídico na posição de empregador – BB e CC


(embora haja uma relação de parentesco entre os sócios-gerentes (BB e CC)).

A partir de março, 2001 ele passa a prestar atividade nas 2 sociedade: poderá o trabalhador
prestar a sua atividade para 2 entidades distintas?

CC
- Contratou primeiramente, empregador

BB
- Passou a ser também empregador, independentemente da relação entre B-C: ambos
serão responsáveis por essa posição jurídica (responsabilização a partir da
personalidade jurídica - teorias de levantar o véu).
 Várias posições desconsideram a personalidade jurídica sempre que esta é usada
como um ecrã que evita a verdadeira qualificação contratual.

Modalidades do contrato de trabalho

Contratação a termo
1.Requisitos materiais:
Nos termos do artigo 140.º/1 CT:
 O contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado por necessidade temporária,
tendo esta de estar objetivamente definida:
o No artigo 140.º/2 do CT temos várias hipóteses de necessidades que o CT
considera passíveis de um contrato a termo: substituição direta ou indireta de
trabalhador ausente que por qualquer motivo não possa trabalhar, substituição em
situação de licença sem retribuição, substituição de trabalhador a tempo completo
que passa a prestar a tempo parcial por tempo determinado, acréscimo excecional
de atividade de empresa, etc. (a alínea f) é a necessidade mais invocada).
 Além disso, o trabalhador só pode ser contratado pelo período estritamente necessário
à satisfação dessa necessidade;
 Nota: Esse contrato a termo poderá ser renovável, mas isso é excecional, porque se
tudo correr bem, à partida, contratamos apenas para aquele momento de necessidade.
Se não soubéssemos quando é que essa situação de necessidade ia terminar
deveríamos ter celebrado um contrato a termo incerto;
 Causa justificativa do contrato → consequência da não observância da mesma:
considera-se esse contrato de trabalho como contato sem termo (artigo 147.º/1/b) do
CT: o CT tem de densificar os factos que justificam a contratação a termo, porque
temos de demonstrar que realmente existe esta necessidade temporária e que ele tenha
sido contratado ao período estritamente necessário para aquela necessidade.

Débora Sá 33
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Na falta dos requisitos materiais, as consequências possíveis são diferentes, porque:


o Caso não se trate de uma necessidade temporária no caso concreto: a consequência é
a alínea b), como já tínhamos visto;
o Se a necessidade temporária até existe, mas o empregador não densificou
suficientemente essa necessidade de contrato, então a consequência já cabe no artigo
147.º/1/c) parte final.

2.Requisitos formais:
 O contrato a termo tem de ter a forma escrita e conter a assinatura das partes, o termo
estipulado, etc. (artigo 141.º do CT);
o No caso de o contrato não ter sido celebrado por escrito → Consequência: p
contrato considera-se sem termo (artigo 147.º/1/c) do CT);
o Pode acontecer que do ponto de vista formal esteja de acordo com a lei, mas o
comportamento das partes visou contornar estas regras legais. A consequência
será a mesma, mas aqui vão caber no artigo 147.º/1/a) do CT;
 Artigo 148.º/1 CT: o CT a termo não pode ser superior a 2 anos;
 Duração mínima: o n.º 2 diz-nos que só pode ser celebrado num prazo inferior a 2
meses nos casos a) a g) do artigo 140.º/2. Sendo inferior a 6 meses nunca poderá ser
inferior à duração da tarefa ou do serviço:
o Se não se respeitar a duração mínima nos casos previstos temos de ir ao art.º
148/3;
 Renovação automática: a contratação a termo conhece ainda o limite do artigo 149.º
do CT, porque este diz que o contrato a termo é renovável se o trabalhador no fim
do termo continuar ao serviço. Esta renovação é por igual período. No entanto, as
partes podem acordar que o contrato não está sujeito a renovação. Quando o contrato
se renova, a renovação está sujeita aos mesmos requisitos de admissibilidade.
Caso contrário, a consequência está no artigo 147.º/2/a) do CT:
o Limites das renovações: artigo 149.º/4 CT - as renovações só podem ocorrer
até 3 vezes e a duração total das renovações não pode exceder o período inicial
do contrato (requisitos cumulativos). Por exemplo: sempre que a renovação é
por período igual ao inicial, só se pode renovar uma vez.

Todo e qualquer contrato pode ser objeto de termo certo ou incerto?


 Termo certo: cláusula geral do artigo 140.º CT - elenco exemplificativo, desde que a
necessidade seja temporária, pode cair fora dos exemplos previstos no artigo 140.º
CT. É suscetível de renovação;
 Termo incerto: temos de estar perante uma causalidade específica – artigo 140.º/3
CT: temos a cláusula geral da necessidade temporária, mas um elenco fechado de
situações (e não meramente exemplificativo). Não é suscetível de renovação.

Débora Sá 34
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº10


A foi contratado, em 15/4/14, pela Clínica Médico-dentária de Olhão para, pelo prazo
de 1 ano, exercer as funções de dentista, ficando a seu cargo, segundo uma cláusula
contratual, «o atendimento e tratamento dos pacientes com menos de 12 anos». A ainda
se encontra ao serviço e a Clínica pretende «prescindir da sua colaboração» a partir do
dia 1/12/17. Quid juris?

Neste caso prático as partes já encararam este contrato como um CT.


Este contrato de trabalho pode ser qualificado como:
 Contrato de trabalho a termo resolutivo certo, na medida em que:
o Fica sujeito a um facto futuro e esse facto é de verificação certa (termo);
o Não só sabemos que vai ocorrer, como também sabemos quando é que vai
ocorrer (termo) – aplicam-se-lhes os artigos 139.º e seguintes do CT.

Este contrato é a exceção, na medida em que a regra é o contrato de trabalho por tempo
indeterminado (como decorre do artigo 53.º da CRP – princípio da segurança no
emprego).

Sendo excecional, nem sempre é admissível - depende de certos requisitos:


Requisitos do contrato a termo:
1.Requisitos materiais:
Nos termos do artigo 140.º/1:
 O CT a termo só pode ser celebrado por necessidade temporária, tendo esta de estar
objetivamente definida;
 Além disso, o trabalhador só pode ser contratado pelo período estritamente necessário
à satisfação dessa necessidade.
o Nota: Esse contrato a termo poderá ser renovável, mas isso é excecional, porque
se tudo correr bem, à partida, contratamos apenas para aquele momento de
necessidade. Se não soubéssemos quando é que essa situação de necessidade ia
terminar deveríamos ter celebrado um contrato a termo incerto;
o Causa justificativa do contrato: no nosso caso não é uma necessidade
temporária (a não ser que seja para substituição de alguém, haverá sempre
pacientes com menos de 12 anos, haverá sempre essa necessidade permanente)
→ consequência: Considera-se esse contrato de trabalho como contato sem
termo (artigo 147.º/1/b) do CT).
 No art.º 140/2 do CT temos várias hipóteses de necessidades que o CT considera
passíveis de um contrato a termo: substituição direta ou indireta de trabalhador
ausente que por qualquer motivo não possa trabalhar, substituição em situação de
licença sem retribuição, substituição de trabalhador a tempo completo que passa a
prestar a tempo parcial por tempo determinado, acréscimo excecional de atividade de
empresa, etc. (a alínea f) é a necessidade mais invocada).
o O CT tem de densificar os factos que justificam a contratação a termo,
porque temos de demonstrar que realmente existe esta necessidade temporária e

Débora Sá 35
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

que ele tenha sido contratado ao período estritamente necessário para aquela
necessidade.

Na falta dos requisitos materiais, as consequências possíveis são diferentes, porque:


o Caso não se trate de uma necessidade temporária no caso concreto: a consequência é
a alínea b), como já tínhamos visto;
o Se a necessidade temporária até existe, mas o empregador não densificou
suficientemente essa necessidade de contrato, então a consequência já cabe no artigo
147.º/1/c) parte final.

2.Requisitos formais:
 O contrato a termo tem de ter a forma escrita e conter a assinatura das partes, o termo
estipulado, etc. (artigo 141.º do CT);
o No nosso caso não sabemos. No caso de o contrato não ter sido celebrado por
escrito → Consequência: O contrato considera-se sem termo (artigo 147.º/1/c)
do CT).
 Pode acontecer que do ponto de vista formal esteja de acordo com a lei, mas o
comportamento das partes visou contornar estas regras legais. A consequência será a
mesma, mas aqui vão caber no artigo 147.º/1/a) do CT;
 Artigo 148.º/1 CT: o CT a termo não pode ser superior a 2 anos;
o No nosso caso ele tinha sido contratado por um ano.
 Duração mínima: o n.º 2 diz-nos que só pode ser celebrado num prazo inferior a 2
meses nos casos a) a g) do art.º 140/2. Sendo inferior a 6 meses nunca poderá ser
inferior à duração da tarefa ou do serviço. Se não se respeitar a duração mínima nos
casos previstos temos de ir ao art.º 148/3;
 Renovação automática: a contratação a termo conhece ainda o limite do artigo 149.º
do CT, porque este diz que o contrato a termo é renovável se o trabalhador no fim
do termo continuar ao serviço. Esta renovação é por igual período. No entanto, as
partes podem acordar que o contrato não está sujeito a renovação. Quando o contrato
se renova, a renovação está sujeita aos mesmos requisitos de admissibilidade. Caso
contrário, a consequência está no artigo 147.º/2/a) do CT:
o Limites das renovações: o artigo 149.º/4 CT diz que as renovações só podem
ocorrer até 3 vezes e a duração total das renovações não pode exceder o período
inicial do contrato (requisitos cumulativos!!). Por exemplo: sempre que a
renovação é por período igual ao inicial, só se pode renovar uma vez.

No caso prático:
Conclusão: A estava contratado por tempo indeterminado, pelo que a tal
comunicação a 1/12/2017 constituiria um despedimento ilícito/sem justa causa →
Consequências: art.º 389 do CT.
Se a forma escrita tivesse sido respeitada, o problema seria a justificação (neste caso não
havia necessidade temporária) → Consequência: Art.º 147/1/b).
Considera-se sem termo, pelo que este termino a dia 1/12 seria um despedimento ilícito.

Débora Sá 36
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Mas recapitulando:
Vamos supor que se teria respeitado os artigos 140.º e 141.º CT:
o Se A foi contratado pelo período de um ano: até 14/4/2015 esteve no período inicial
do contrato;
o Se o contrato se renovou por igual período, ele poderia continuar até 14/4/2016;
o Nesta data (1/12/2017): já se cumpriam os limites máximos dos artigos 148.º e 149.º,
na medida em que ele já estava há 2 anos a termo e já se tinha renovado uma vez, mas
essa renovação já tinha alcançado o período de um ano. Logo, mesmo se houvesse
necessidade temporária, nunca se poderia renovar o contrato:
o Consequência deste caso: seria a conversão do contrato em contrato de trabalho
sem termo (artigo 147.º/2/a) CT).

Nota: inclui-se no limite de 2 anos os contratos celebrados entre o mesmo empregador e


trabalhador, mesmo que eles sejam de natureza diferente (artigo 148.º/6 CT).

A caducidade encontra-se prevista nos artigos 343.º e seguintes do CT. A caducidade do


contrato a termo certo está prevista no artigo 344.º.

Em caso de despedimento ilícito: o mínimo de indemnização é de 3 meses (artigo 391.º/3


do CT).

Quando o contrato cessa no período experimental, constitui um direito potestativo de


fazer cessar o contrato sem lugar a indemnização, sem necessidade de justa causa:
o O período comum geral de duração do período experimental é de 90 dias (artigo
112.º/1/a) do CT), mas isto não se aplicava ao nosso caso, porque esse período já tinha
passado há muito tempo.

Caso Prático nº11


A foi contratado em 1/7/17, pelo prazo de 2 meses para exercer as funções de
monitor de natação na piscina do hotel B durante o período de maior afluência de
turistas.
No dia 29/8/17 foi chamado ao escritório e foi-lhe comunicado pelo gerente que o
contrato não seria renovado.
Pronuncie-se sobre o motivo legitimador da celebração do contrato e eventuais efeitos
da comunicação de não renovação.

 Qualificação do contrato: trata-se de um contrato a termo resolutivo certo: está


sujeito à cessação do contrato, à verificação de um facto certo, de verificação certa,
por isso trata-se de um termo e não de uma condição. O termo é certo porque sabemos
quando é que ele irá ocorrer, é certo quanto à verificação e momento da ocorrência
(período de 2 meses).

Débora Sá 37
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 Quanto ao motivo: monitor de natação num hotel durante 2 meses –> artigo 140º
CT: incluindo-se esta situação na hipótese de uma necessidade temporária da
empresa (devido à maior afluência de turistas naquela dada época), a contratação
justificava-se pela sazonalidade. Contudo, é necessária uma indicação concreta da
factualidade que motiva a contratação a termo e que essa necessidade corresponda
efetivamente à realidade.
(Quanto à justificação, a Sra. Professora Regina considerou a causa justificada, enquanto
a Sra. Professora Inês Lopes foi de opinião contrária).

 Duração: a duração máxima tem de ser 6 meses (artigo 148.º/2 CT).


Esta norma que permite a contratação abaixo dos 6 meses só deixa de fora a alínea d) e o
nº 4 do artigo 140º CT. Só nestes casos é que o contrato por termo certo tem no mínimo
6 meses, mas sempre e desde que isso corresponda à necessidade temporária.
Percorrendo o conteúdo do artigo 140.º/2 qual seria a causa que melhor se ajustaria? A
alínea e). Logo, quanto à duração não haveria problema.

 Será que o aviso de não renovação foi atempado?


Se tivéssemos de defender o trabalhador, poderíamos dizer que, nos termos do art.º 344/1
tínhamos de ter um aviso prévio de 15 dias por parte do empregador. O n.º 2 diz qual é o
montante da compensação. Se fosse o trabalhador a acionar a caducidade já não tínhamos
indemnização.
De 29/8 a 1/9 não decorrem 15 dias, portanto a comunicação foi feita sem observância da
forma escrita –> se é necessária uma declaração formal e essa não existe não pode
produzir efeitos, sendo contrato renovado (por igual período, 2 meses, não havendo
estipulação ad hoc das partes).

 Quantas vezes poderia ser renovado? 149º/4 CT: até 3 vezes e a duração total das
renovações não pode exceder a do período inicial do contrato. Os efeitos da não
renovação seria fazer acionar a caducidade do CDT. Logo, à indemnização que já
tinha lugar pela caducidade, teria de haver ainda um pagamento pelo aviso em falta.

Nota: Se o contrato não fosse renovado: teria direto à restituição correspondente às férias
e ao proporcional subsídio de Natal - artigo 239.º/4 do CT.

Resolução da Sra. Professora Inês Lopes devido à falta de justificação:


Além do já mencionado, tínhamos também a questão do respeito dos requisitos materiais
para celebrar um contrato a termo - a inobservância dos requisitos do artigo 140º CT.
Não era suficiente a remissão para a alínea f) do artigo 140º CT, porque é necessário
que no contrato fique densificado quais são os factos que justificam a necessidade
temporária, é preciso que o empregador densifique este motivo factualmente justificativo,
a jurisprudência é exigente.

Débora Sá 38
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

No nosso caso diz que é por maior afluência de turistas, logo nos termos do artigo 147º,
nº 1, c) parte final CT, ele seria considerado um contrato sem termo. Esta alínea trata a
insuficiência ou omissão quanto à referência do termo justificativo, quando a necessidade
é real, mas não se densificou cabalmente no contrato. Se nem houver a necessidade →
Alínea a) ou b).
Acórdão do relator Gonçalves Rocha do STJ (22 de fevereiro de 2017) → Exemplo desta
interpretação do artigo 140.º CT → 3 pontos do sumário.
Poderá suceder-se o seguinte → Este contrato juridicamente é um contrato sem termo,
não foi respeitado o regime da contração a termo, por isso considera-se sem termo e
assim sendo, ele não tem duração definida, é isso que o carateriza, é por tempo
indeterminado.
Se o contrato de trabalho for sem termo, o empregador tem sempre a via do período
experimental, porque a cessação no período experimental não depende de justa causa.
Todos os contratos estão sujeitos a um período experimental e durante esse período, as
partes vão avaliar como é que se desenvolve a relação de trabalho, isto reciprocamente,
por parte do empregador e do trabalhador.

O período experimental regra no contrato de trabalho sem termo é de 90 dias (artigo


112.º CT), podendo ser superior (se exercer funções de chefia ou confiança → 180 dias).
Esta regra dos 90 dias aplica-se tais como todas as regras gerais no que respeito à cessação
do contrato, etc., logo o empregador seria aconselhado a acionar o período experimental.
Nesse período, o empregador pode fazer cessar o contrato sem invocação de justa causa
e não há lugar a indemnização (é um período de insegurança para o trabalhador).

Há apenas lugar a aviso prévio também (artigos 111.º, 112.º e 114.º CT):
- No caso de o período durar menos de 60 dias → 7 dias de aviso prévio;
- Mais de 120 dias → 15 dias de aviso prévio.
Nota: é importante chamar à atenção para o facto do artigo 112º, nº 1, b), nº 3 CT, que
prevê que o período é de 180 dias (período especialmente longo nestes casos).
O TC no acórdão 318/2021 de 1 de julho de 2021 considerou inconstitucional a
interpretação segundo a qual se aplicava esta norma para trabalhadores que já tenham
sido contratados a termo por um período igual ou superior a 90 dias, não se considera que
sejam trabalhadores à procura de 1º emprego. Não estará sujeito aos 180 dias de período
experimental. Esta 1ª parte da norma será inconstitucional na primeira parte, não na
segunda. Podemos fazer referência a este acórdão no artigo.

Débora Sá 39
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº12

Considere os seguintes factos provados:


1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 1.06.2016, mediante a celebração do
acordo constante de fls. (...), para, sob a autoridade e direção desta, lhe prestar as
funções inerentes à categoria profissional de extrusão – praticante 2o ano, pelo período
de 6 (seis) meses;
5) O A. e a R. acordaram que: “O presente contrato vigorará pelo prazo de 6 (seis)
meses, termo que se justifica nos termos previstos na alínea f), do número 2, do artigo
140.o do CT por a R. necessitar durante este período de tempo de contratar o A. para
colmatar as necessidades temporárias, decorrentes do acréscimo excecional de
atividade da R. na área da produção, nomeadamente, entre outros, encomendas de
exportação para Espanha, Bélgica, Angola, Inglaterra e França, nos termos do artigo
140o, n.o 2, al. f. do CT;
7) A R. comunicou ao A., no dia 08 de novembro de 2016, e para os efeitos do artigo
344.o, n.o 1 do CT, a caducidade do seu contrato em 30 de novembro de 2016, data a
partir da qual cessaram os seus serviços na empresa;

Quid iuris?

Ac. STJ, de 6 de Março de 2019, relator Ribeiro Cardoso

O trabalho iniciou-se a 1 de junho e terminava a 30 de novembro. O 1 de dezembro seria


já o primeiro dia da renovação.

 Qualificação do Contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo certo:


o Termo: porque se trata de um facto futuro, de verificação certa (termo e não
condição);
o Resolutivo: porque a sua verificação leva à cessação do contrato (e não
suspensivo);
o Certo: porque sabemos exatamente quando se vai verificar (prazo de 6 meses).
Esta contratação a termo é excecional no nosso ordenamento jurídico → Artigo 53º CRP,
a regra é o contrato standard, contrato sem termo ou a tempo indeterminado.
Seria válido? De que requisitos depende a contratação a termo?

 Necessidade temporária, essa necessidade deve ser (artigo 140.º CT):


o Fundamentada;
o Objetivamente determinada;
o Trabalhador seja contratado pelo período estritamente necessário à satisfação da
necessidade;
o Alíneas do n.º 2 -> no caso tratava-se de um caso da alínea f). Este elenco é só
exemplificativo, poderão ser outras necessidades temporárias. A alínea f) é a mais

Débora Sá 40
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

utilizada porque é a mais vaga. Para de alguma forma combater esta abrangência
da alínea f), a jurisprudência é exigente na densificação.
O autor é o trabalhador, o pedido traduz-se na declaração da ilicitude do
despedimento. A 1ª instância considerou a ação improcedente, que o trabalhador não
tinha razão e que tinha havido caducidade. A Relação entendeu que não. Se fossemos o
Supremo, o que diríamos?
O Supremo entende à semelhança da relação que o despedimento tinha sido de facto
ilícito, porque o contrato não tinha sido validamente celebrado. Não temos os factos
completos: estão no acórdão no sigarra, mas é dito que o posto de trabalho que o
trabalhador ocupava já existia antes de o trabalhador ter sido contratado e manteve-
se depois do seu contrato ter cessado - isto levou o STJ a concluir que o contrato tinha
sido celebrado fora dos requisitos do artigo 140º, nº 1 e 2 CT. O STJ entendeu que houve
uma fraude à lei, que conduziu ao artigo 147º, nº 1, a) CT.
 Ficou provado que efetivamente houve um aumento da atividade nesse período, mas
a jurisprudência entende que não basta um acréscimo da atividade, é preciso um
pico excecional que justifique a contratação de um novo trabalhador a termo. Na
altura do Natal é normal que agora se venda mais alguns tipos de produtos, assim
como no verão os hotéis faturam mais. Mas não basta um acréscimo, esse acréscimo
tem de justificar a contratação a termo.

Neste caso, entendeu-se que a necessidade não era temporária, não era um aumento
acentuado nem por um período determinado, pelo que o posto de trabalho que o
trabalhador ocupava era permanente, ora estava ele ora outra pessoa.
O STJ entendeu que não existiu um nexo de causalidade entre a necessidade temporária
e o aumento da atividade. Além disso, diz-se ainda no acórdão que não basta a alegação
genérica de um aumento de encomendas, é preciso factualmente demonstrar a
necessidade. Isto pode ser muito difícil para o empregador fundamentar, mas o que é
certo é que a jurisprudência o exige.
Por força do artigo 147º, nº 1 CT, o contrato considera-se sem termo. Assim sendo,
quais são as consequências destes factos num contrato considerado sem termo?
Sendo um contrato sem termo, a comunicação ocorrida a 8 de novembro traduz-se num
despedimento ilícito. Da perspetiva das partes, traduziu-se na caducidade, mas, como é
um contrato sem termo, não pode cessar desta forma. Esta comunicação da cessação de
contrato desta forma traduziu-se num despedimento ilícito, sem justa causa, nos termos
do artigo 338º e 339º CT. O mesmo diz o artigo 53º CRP.

Débora Sá 41
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Consequência - pode assumir uma de 2 possibilidades:


1. Reintegração do trabalhador (artigo 389º, b) CT) – se o trabalhador optar pela
reintegração, o empregador pode opor-se e o tribunal pode considerar que há lugar apenas
à indemnização, nestes casos:
o Pode haver ainda indemnização pelos danos (que podem ser patrimoniais ou
morais) causados a par da reintegração – artigo 389.º alínea a) CT. Podem ser
cumuláveis na medida em que não visem cobrir os mesmos danos.

2. Pode haver lugar a indemnização a pedido do trabalhador (faculdade que o


trabalhador tem, pode pedir a indemnização em substituição da reintegração). O
empregador só terá a possibilidade de indemnizar em vez de reintegrar nos termos do
artigo 392º CT, ou seja, no caso de uma microempresa ou no caso de trabalhador que
ocupe um cargo de administração ou direção. Temos a indeminização em vez da
reintegração regulada no artigo 391.º CT (indemnização por antiguidade)

Nota: Duração mínima da indemnização → A indemnização por antiguidade no caso de


despedimento ilícito tem a duração mínima de 3 meses, nos termos do artigo 391º, nº 3,
tanto faz ser contratado sem termo há 20 anos, como contrato de 4 meses ou meio ano,
no mínimo é sempre de 3 meses.
Aspeto importante → Deduções que há a fazer no caso de despedimento ilícito:
O trabalhador foi despedido em 30 de novembro de 2016. Entre o despedimento e o
transito em julgado, há lugar ao pagamento dos salários, no entanto, a estes vão ser
deduzidas as deduções do nº 2 do artigo 390º CT. Importâncias que o trabalhador auferia
durante o despedimento, no caso de ser proposta nos 30 dias subsequentes ao
despedimento → ónus do trabalhador propor a ação em 30 dias.
É preciso ter cuidado com a contratação a termo e com a sua cessação, porque as
consequências podem ser muito gravosas.

Caso Prático nº13 16.11.23

À sociedade Y foi adjudicada a empreitada de construção de um terminal de


transportes públicos. A obra terá, previsivelmente, a duração de 50 meses. De resto,
ultrapassado este prazo haverá lugar ao pagamento da quantia de 5000 €/dia, ao dono
da obra. B foi contratado logo após ter sido conhecida a adjudicação para gestor do
projecto e ao seu contrato terá a «duração da execução da obra». Quid juris?

 Qualificação do contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo incerto. Em


sede de exame temos de justificar sempre a qualificação. O que consta do contrato é
que ele vai durar enquanto durar a execução da obra, a obra há de determinar um dia,
é de verificação certa, mas não temos uma data exata de quando há esse término,

Débora Sá 42
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

nessa medida será um termo incerto (certo quanto à verificação do facto, mas incerto
quanto ao momento).

 Quanto à duração: previsivelmente, a duração será de 50 meses. Esta contratação a


termo é válida? Não: artigo 148º, nº 5 CT → A contratação a termo incerto tem um
limite máximo de 4 anos (48 meses). Desta forma, não poderia ser celebrado contrato
a termo incerto.

 Quanto ao motivo justificativo, ao fundamento → Alínea h) do nº 2 do artigo 140º


CT. Seria uma necessidade temporária.
A contratação a termo incerto não pode ser celebrada em qualquer caso, a contração a
termo certo abrange mais casos do que a termo incerto:
o Artigo 140.º/3 limita à contratação a termo incerto as situações das alíneas a)-c)
e e)-h) do 140.º. De fora fica a alínea d) e ainda o nº 4.

Ainda não vimos nenhum caso que caiba no nº 4, mas as razões não se confundem com
as do nº 2: não tem a ver com uma necessidade temporária, mas com questões económicas
(desemprego de muito longa duração, considera-se desempregado de muito longa duração
aquele que esteja nessa condição há 25 meses ou mais, 12 meses ou mais é um
desemprego de longa duração).
Então aqui não era possível a contratação a termo incerto. Como é que
contrataríamos o trabalhador?
o A lei não permite a celebração de 2 contratos, um a termo certo e outro a termo
incerto, porque a lei impõe os limites de 2 e 4 anos e isto seria forma de contornar
a lei (artigo 148º, nº 6 CT);
o Também não poderia ser uma contratação a termo certo porque essa tem como
limite os 2 anos.
o Portanto, não podendo ser uma contração nem a termo certo nem a termo incerto,
teríamos de contratar o trabalhador por tempo indeterminado.

Agora coloca-se a questão: ao fim de 10 anos a obra terminou e não precisamos de B,


como é que compatibilizamos a necessidade temporária, mas mais longa do que a lei
prevê? Só teríamos uma solução -> despedimento, mas justificado por extinção do
posto de trabalho: artigo 367.º e seguintes CT.
o Então, mas imaginemos que Y contrata B, demora os 50 meses. Findo esse
período precisa de B para outra obra - nesse caso, ele continua a ser necessário,
não há despedimento porque não se verifica a extinção do posto de trabalho.
Temos de saber bem todos os pressupostos e limites, conjugando-os percebemos
se há lugar à contratação a termo ou não.

Supondo que ele foi contratado a tempo incerto por 50 meses e que, depois dos quatros
anos, ele continua ao serviço, o contrato torna-se num contrato sem termo, nos termos do
artigo 147.º, nº 2 alínea b) CT.

Débora Sá 43
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Se se respeitou os 4 anos, os 48 meses, mas ele manteve-se ao serviço noutra obra, a


consequência é a mesma, converte-se em trabalho sem termo, mas caberia na alínea c) do
nº 2 do artigo 147º.

Uma coisa é não caducar porque o facto não se verifica (alínea b)), o contrato caducou,
porque se verificou o facto, mas continuou ao serviço (alínea c)) → Verificar se houve
caducidade porque se verificou o facto ou não. Numa e noutra situação, a contração
converte-se em contrato sem termo.

Caducidade do contrato a termo incerto → Artigo 345.º, nº 4 CT

A comunicação da caducidade tem antecedência variável e está prevista no nº 1 do artigo


345º CT.

Caso Prático n.º 14 16.11

Aprecie a validade e efeitos das seguintes cláusulas retiradas de contratos individuais


de trabalho:

1) “O presente contrato terá a duração de 4 anos, com início no dia 01/04/15”.

2) A celebrou contrato de trabalho de que constava a seguinte cláusula: “O contrato


terá a duração aproximada de 6 anos”, tendo entrado ao serviço no próprio dia da
assinatura do contrato.

1ª Cláusula

 Qualificação do Contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo certo, porque tem


a duração de 4 anos. Dizer-se que tem a duração de 4 anos ou que terminará no dia X
é o mesmo, trata-se na mesma de um contrato a termo certo, sabemos exatamente
quando ele termina;
 Quanto ao dia de início: é uma menção que tem de estar prevista na contratação a
termo, nos termos do artigo 141.º, nº 1, d) CT.;
 Além da data do início, é necessária a data de celebração e da cessação no caso de
ser termo certo, agora nos termos da alínea f) do mesmo artigo:
o A falta das 2 indicações, quer do início quer da celebração, traduz-se numa
invalidade do contrato - fazendo com que se considere sem termo, de acordo com
o artigo 147.º, nº 1, c) CT.
o A falta da data de início (quando só falta a data de início): considera-se que tem
início no dia da celebração, de acordo com o nº 2 do artigo 141.º CT. Normalmente,
quando se refere expressamente a data de início é porque é diferente da data de
celebração.

Débora Sá 44
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 Do ponto de vista da validade: o contrato não é válido, porque o contrato a termo


certo tem o limite de 2 anos (artigo 148.º, nº 1 CT): logo o contrato vai-se converter
em contrato de trabalho sem termo (o máximo da contratação a termo certo são 2
anos, não se vai renovar uma vez que já contratamos o máximo de tempo possível).

2ª Cláusula

 Qualificação do Contrato: teríamos de discutir se era um termo certo ou incerto,


seria discutível saber o que as partes pretenderam, por causa da questão de terem
previsto uma duração aproximada. Aparentemente não temos determinada a data de
cessação, que poderia levar-nos a considerar que seria um termo incerto.
 Do ponto de vista da validade: haveria o problema de a duração exceder os 4 anos,
se fosse a termo incerto (artigo 148.º/5 CT). Se as partes quiseram celebrar um
contrato a termo incerto, o contrato a partir de que se excede a duração máxima de 4
anos, vai-se converter em contrato sem termo;
 Quanto à data de início: diz-se que tem início no próprio dia da assinatura, não
há qualquer consequência, esta hipótese está no artigo 141º, nº 2 CT;
 Não temos dados quanto à necessidade temporária que existe quer no termo certo
quer no termo incerto. No incerto não sabemos quando termina e no certo sabemos,
mas o fim no contrato a termo certo está determinado. No contrato a termo incerto
tem de ser determinável, não chega dizer que tem duração aproximadamente de
6 anos:
o A questão dos limites de 2 e 4 anos é certa, mas o primeiro limite temporal que
existe é ser contratado pelo período estritamente necessário à satisfação da
necessidade. Se a necessidade durar mais de 2 ou 4 anos, não é possível a
contratação a termo. Mas também não é possível a necessidade ser de 6 meses e
ele ser contratado por 1 ano, exatamente por causa deste primeiro requisito,
considerando-se o contrato sem termo, já que resulta da violação do artigo 140.º,
nº 1 CT. Cabe ao trabalhador densificar o motivo justificativo, também para que
se perceba qual é que é a duração, o período. O Direito não se compadece com
essa incerteza e insegurança. A duração do contrato pode ser indefinida, mas
tem de ser referida a qualquer coisa que a determine.

Débora Sá 45
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático n.º 15

Pronuncie-se sobre as seguintes situações:


1) A celebrou um contrato em 01/01/19 pelo período de 1 ano. Em 01/02/22 ainda se
encontrava ao serviço.

2) A foi contratado para substituir Z, ausente por baixa médica. Permaneceu ao


serviço durante todo o período de baixa de Z que terminou em 15/01/22. Em
02/02/22, A ainda se encontrava ao serviço.

3) A foi contratado pelo período de 9 meses, de 01/03/2020 a 01/12/2020. Findo este


período manteve-se ao serviço até 01/06/2022.

1º Caso
 Qualificação do contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo certo, pelo período
de 1 ano (01/01/19 - 31/12/19).
O facto de no dia 1 de fevereiro de 2022 ainda estar ao serviço, revela que houve uma
renovação:
 Até dia 31 de dezembro de 2019: estávamos no 1º ano (último dia do primeiro ano).
Nesse dia renova-se o contrato, cujo período começa a conta a partir de dia 1 de
janeiro de 2020 e termina no dia 31 de dezembro de 2020 – e o contrato terminaria
aqui (31.12.2020) porque a partir desta data atingem-se os 2 anos (artigo 148.º nº 1
CT) e atinge-se o número máximo de renovações (Artigo 149.º nº 4 CT);
 Logo, a partir do dia 31 de dezembro de 2020, o contrato converte-se em contrato
sem termo (Artigo 147.º, nº 2, a) e b) CT);
 Não temos indicação de 1 aspeto: requisitos da manutenção da necessidade
temporária (artigo 149.º nº 3 CT): se ao fim de 1 ano houvesse renovação, o contrato
converte-se em contrato sem termo, mas agora nos termos do artigo 147º, nº 1, a) CT.
No dia 31 de dezembro de 2019 teríamos de ver se podia haver renovação, se se
mantinha a necessidade temporária. A renovação está sempre sujeita à verificação
da subsistência da causa, ao carater temporário do motivo justificativo. Ora, se
era uma substituição e o trabalhador impedido voltou, não se mantém a causa
 Assim, um possível término do contrato a 1/2/2022 constitui um despedimento ilícito,
visto que a partir de 31/12 já não tem contrato a termo - tem de haver justa causa ou
outras causas objetivas. A ação a ser proposta pelo trabalhador é uma ação de
reconhecimento da ilicitude do despedimento. Para esta ação ser válida, estava sujeita
aos requisitos da admissibilidade da celebração do contrato a termo.

Débora Sá 46
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

2º Caso
Necessidade temporária alegada – substituição de Z.
O período de baixa terminou em 15/01/22 -> terminou a necessidade temporária
Em 02/02/22, A ainda se encontrava em serviço.

 Qualificação do contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo certo -


normalmente a baixa tem um tempo determinado, por isso sabemos quando termina.
Contudo, a baixa pode ser renovada e aí mantém-se a necessidade temporária
(artigo 140.º/2/a) CT):
o Contudo, a renovação está sujeita a verificação sempre da subsistência da
causa, ao carater temporário do motivo justificativo. Ora, se era uma
substituição e o trabalhador impedido voltou, não se mantém a causa.
 A baixa terminou a 15 de janeiro, logo terminou a necessidade temporária. Por isso,
a partir dessa data, o contrato converte-se em contrato sem termo;
 A continua ao serviço, mas não para substituir Z. Talvez para substituir outro
trabalhador, mas é necessário celebrar um contrato novo, tem de ser específico. É
admissível a contratação a termo, mas esta tem de constituir um contrato autónomo e,
para cada necessidade, têm de ser respeitados os requisitos materiais e de forma dos
artigos 140.º e 141.º CT.

3º Caso
 Qualificação do contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo certo, por 9 meses:
de 1 de março de 2020 até 1 de dezembro de 2020. No entanto, nesta data (no dia 1
de dezembro) já seria o primeiro dia da renovação, portanto o contrato de trabalho
seria até dia 30 de novembro.
o A partir desta data, o contrato renovava-se. Sendo a renovação por igual período,
que é a regra, nos termos do artigo 149º, nº 2 CT, seria por mais 9 meses - que se
contariam até dia 31 de agosto de 2021.
▪ A partir desta data, o contrato converte-se em CT sem termo: já não é possível
nova renovação, a duração total das renovações, se se renovasse novamente,
excederia a duração do período inicial do contrato (artigo 149.º/4 CT). Logo,
quando a partir de 31/8/2021 se mantém ao serviço, a partir dessa data o contrato
de trabalho converteu-se num contrato de trabalho sem termo. Isto supondo que
a necessidade temporária se manteve.

Débora Sá 47
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº 16

A foi contratado para substituir B. O contrato teve a duração de 8 meses. Findo esse
período, B regressou e A cessou funções. Um mês mais tarde B tornou a ausentar-se e
A foi de novo contratado para o substituir. Quid juris?

 Qualificação do contrato: contrato de trabalho a termo resolutivo certo com a


duração de 8 meses;
 Fundamento deste contrato: artigo 140.º/2/a) do CT. Foi contratado por um período
estritamente de necessidade. Finda essa necessidade, o contrato caducou. Mais tarde,
um mês depois, celebrou-se outro contrato com o mesmo empregador e trabalhador.
Assim, quanto aos primeiros 8 meses não há problema nenhum;
 Quantos ao período seguinte: será que podemos enquadrar esta situação na
sucessão de contratos a termo (artigo 143.º CT)? Poderia caber no artigo 143.º/1 que
diz que “A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao
trabalhador, impede nova admissão ou afetação de trabalhador através de contrato de
trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo
posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto,
celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em
relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes
de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato,
incluindo renovações”;
 No entanto, no nosso caso, materialmente, não se visa este contorno da lei: volta a
haver a necessidade temporária e faz sentido contratar a mesma pessoa, que já
conhece. Por isso é que o artigo 143.º/2/a) do CT faz uma exceção: “O disposto no
número anterior não é aplicável em caso de nova ausência do trabalhador substituído,
quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição.”)
e o nosso caso caberia nessa mesma exceção.

Nos termos do artigo 144.º, a cessação tem de ser comunicada no prazo de 5 dias. Esta
norma visa a proteção do trabalhador.

 Vamos agora supor que A decide contratar alguém sem termo para funções
semelhantes: o trabalhador que esteve a termo vai ter preferência na admissão, nos
termos do artigo 145.º CT. A violação desta disposição obriga a uma
indemnização. Esta norma não é imperativa, podendo ser afastada por IRC, nos
termos do artigo 149.º do CT.

Débora Sá 48
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático n.º 22

A foi admitido ao serviço de B, em 2016, para desempenhar as funções de vendedor


por um período de 6 meses renovável. Do contrato constavam entre outras as
seguintes cláusulas:

- “O contrato extinguir-se-á́ , automaticamente e por mútuo acordo, se as vendas


efetuadas pelo trabalhador não atingirem, trimestralmente, o montante de 15 000 €.
Nos trimestres que atinjam os meses de Julho ou Setembro, o volume de vendas
considerado pode descer para 10 000 €”.

- “Se o contrato se extinguir nos termos da cláusula anterior tem o trabalhador a


possibilidade de passar a vendedor autónomo, celebrando com a empresa um
contrato de prestação de serviços, desde que o trabalhador, por escrito e no prazo de
20 dias, manifeste à empresa ser essa a sua vontade”.

No termo do primeiro trimestre de 2017 as vendas efetuadas pelo trabalhador


atingiram 8 900 €, pelo que B considerou o contrato extinto por mútuo acordo, a
partir do dia 1 de Abril de 2017.

A não se conforma com a situação e não pretende passar a vendedor autónomo.

Quid iuris?

Na primeira cláusula:
Diz-se que o contrato se extingue se não atingir aqueles resultados. Do ponto de vista
jurídico, esta cláusula é uma condição resolutiva porque faz depender a vigência do
contrato de um facto futuro e incerto. É uma condição potestativa porque depende da
vontade das partes, neste caso do trabalhador.
 Esta condição não seria admitida num contrato de trabalho porque é uma condição
resolutiva (artigos 139.º e 339.º CT). Só nos casos previstos na nossa lei é que o
contrato pode cessar e a nossa lei não prevê a existência de uma condição
resolutiva, apenas um termo resolutivo que pode ser certo ou incerto. Esta
cláusula não seria válida

O art.405º CC admitiria esta condição. No entanto, aplicamos aqui o Código do trabalho.


A maioria da doutrina não admite uma condição resolutiva.

A extinção do contrato por mútuo acordo designa-se por revogação (ou distrato) – o
contrato celebra-se por acordo e resolve-se também por acordo, artigo 206.º CC.
 A revogação vem prevista no artigo 349.º CT: é uma forma de extinção bilateral
e é necessário que conste em documento assinado por ambas as partes. Se não
constar nesta forma escrita, será nulo nos termos gerais do art.220º CC;

Débora Sá 49
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 Quando há uma revogação de contrato de trabalho, há um período de


arrependimento por parte do trabalhador, durante o qual pode cessar o
acordo de revogação no prazo de 7 dias (artigo 350.º CT).

No nosso caso prático, esta cláusula não é uma verdadeira extinção, mas sim uma
condição resolutiva. Por isso, a cláusula seria inválida porque prevê uma forma de
cessação de contrato que não está previsto na nossa lei temporal, este regime é imperativo
(artigo 339.º CT).

A parece que se obriga aqui a um resultado, portanto poderíamos questionar ainda se o


contrato não seria um contrato de prestações, já que o contrato de trabalho não pode
ter como objeto um resultado.

Não podendo o contrato ser celebrado a termo, foi celebrado fora das condições do artigo
140.º CT: o contrato considera-se sem termo, à luz do artigo 147.º/1 CT.

Teletrabalho
Caso Prático n.º 19

A trabalha para B desde 2007. No mês de Fevereiro último foi-lhe proposto que
passasse a trabalhar em regime de teletrabalho. Para tanto, as partes acordaram que A
passaria a estar isento do horário de trabalho. Acordaram ainda que A manteria
exatamente a mesma retribuição e B suportaria 25% dos custos da fatura da
eletricidade do trabalhador, até ao limite de 955€ /mês. Comente a situação de A.

Fala-se aqui de a hipótese do trabalhador poder exercer as suas funções em teletrabalho.


No que respeita ao teletrabalho, o artigo 166.º CT prevê as condições para se poder
realizar o trabalho neste regime:

 É necessária a forma escrita: essa necessidade só é exigível para efeitos de prova,


pelo que a inobservância da forma terá consequências do ponto de vista probatório
(art.º 166/2 e 5 do CT). Assim, é uma formalidade ad probationem e não ad
substantia (porque esta última determinaria que a sua inobservância tornasse o
negócio jurídico inválido, que não acontece aqui). Este pressuposto está verificado.
 O horário de trabalhado tem de ficar determinado no acordo escrito. Este horário,
por regra, tem um período normal de trabalho:
o No entanto, há a possibilidade de isenção de horário de trabalho: em caso de
o trabalhador estar em teletrabalho, é possível haver isenção de horário, que
excede o período normal de trabalho (artigo 218.º/1/c) do CT). Só em certos
casos é que a lei prevê que o trabalhador pode ter isenção de horário. Além
disso, nos termos do artigo 218.º, depende ainda de acordo escrito;
 Se não estivesse em regime de isenção de horário: todo o trabalho prestado além
do período normal de trabalho cairia no âmbito do trabalho suplementar (o

Débora Sá 50
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

montante do pagamento do trabalho suplementar está no artigo 268.º do CT). O artigo


203.º do CT diz que o período normal de trabalho não pode exceder as 8 horas diárias
e as 40 horas semanais. Esta é a norma supletiva que está no Código do Trabalho, mas
um IRCT pode estabelecer limites inferiores;
 Estando o trabalhador em isenção de horário: o artigo 219.º elenca diversas
modalidades, mas a regra de qualquer destas modalidades é não estar sujeito aos
limites máximos do período normal de trabalho:
o Assim sendo, o trabalhador que esteja em regime de isenção de horário ganha
mais (artigo 265.º do CT -> remissão dos artigos 218.º e seguintes do CT para
o artigo 265.º);
o No caso: quando se diz que acordaram que manteriam a retribuição, isso
não seria possível, pois violaria o artigo 265.º do CT:
▪ Só seria possível se o trabalhador tivesse um cargo de administração ou de
executivo (artigo 265.º/2 do CT).
Como é que avaliamos as condições de um teletrabalhador relativamente aos
restantes?
 Artigo 169.º/1/a) CT – o trabalhador tem de, pelo menos, ganhar o que ganhava, mas
é evidente que trabalhar em casa tem custos acrescidos (168.º CT).
 O empregador tem de ter a seu cargo os custos adicionais que o trabalhador suporta
pelo facto de presar a sua atividade em casa.
Há quem diga que o trabalhador tem acréscimos, mas deixa de fazer despesas de
deslocação, ficando numa situação mais vantajosa em alguns casos, do que os
trabalhadores em regime comum que tem de se deslocar diariamente para o local de
execução da prestação, e isso introduz fatores de distorção na situação.
Nota: chamamos de acordo de teletrabalho - não é um contrato de teletrabalho, mas sim
um acordo.

Tutela da personalidade do trabalhador


Análise do Acórdão STJ 12/10/2022 (Domingos José de Morais)
Uma senhora com 2 crianças pequenas (de idade inferior a 12 anos) solicitou que a
Primark tivesse folgas fixas ao fim de semana (horário flexível do artigo 56.º do Código
do Trabalho).
A Primark pediu um parecer à Comissão de Igualdade no Trabalho e no Emprego (parecer
obrigatório – artigo 57.º/5) CT e a CIT entendeu e deu razão à trabalhadora.
A primeira e a segunda instâncias entenderam que este regime de horário flexível não
permitia a escolha dos fins de semana. O STJ entendeu em sentido diferente.
Fundamentação: Devia ser feita uma interpretação teleológica do art.º 56 CT, logo se o
objetivo desta norma é a conjugação da vida profissional e familiar não fazia sentido não
poder escolher os dias de descanso semanal.

Débora Sá 51
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O outro argumento tinha a ver com o artigo 200.º pois tínhamos de conjugar a noção de
horário flexível com a noção de horário de trabalho, já que a primeira tinha procedente a
segunda. A noção de horário de trabalho também compreende os dias de descanso
semanais.
Nota: Ficou provado que ela não tinha como deixar os filhos menores naqueles dias.

Análise do Acórdão TRC 29/06/2021 (Sílvia Pires):


Motorista de uma empresa de transportes - o empregador partilhou fotos do Autor a
conduzir, sendo que esse intentou a ação sem o consentimento do mesmo. Ele alega a
violação do direito à imagem.
Quer a instância quer a relação entenderam que o trabalhador tinha consentido na
possibilidade de ser divulgada a sua imagem, pelo que o recurso do Autor contra a Ré foi
improcedente. O Autor foi ainda condenado como litigante de má-fé.
Aqui havia um interesse do trabalhador em receber uma indemnização.

Caso Prático nº 7
Há dias, um jornal diário publicou uma notícia com o seguinte destaque:
“Um diferendo laboral na empresa de cafés ***, de Guimarães, está a gerar a revolta
nas redes sociais com a situação de um funcionário obrigado a ficar à porta. O patrão
garante que deixa o empregado entrar, mas sem o telemóvel pessoal, que, acusa, usa
para tratar de assuntos paralelos à empresa.”
Comente esta factualidade à luz do direito positivo.

Temos um funcionário de uma empesa de cafés que está impedido de entrar nas respetivas
instalações porque o empregador não o deixa entrar com o telemóvel na sua posse -
proibição de utilização de um equipamento pessoal, não da empresa.
Será que o empregador detém deste poder?
A proibição do lock-out resulta da nossa constituição (artigo 57.º/4 CRP).

O contrato de trabalho gera uma relação assimétrica entre o empregador-trabalhador, mas


não lhe dá poderes ilimitados sobre a contraparte. O empregador tem poderes dentro
do estabelecimento do normal funcionamento da relação laboral.
Será que este encadeamento de atos tem outra finalidade que não seja constranger o
trabalhador a abandonar o emprego? Sim, uma possível violação do direito de ocupação
efetiva:
 Nos termos do artigo 129.º/1/b) CT, é proibido ao empregador obstar
injustificadamente à prestação efetiva de trabalho - constitui uma garantia do
trabalhador. O trabalhador tem deveres (artigo 128.º CT), não podendo estar todo
o dia no telemóvel, pois se estivesse violaria os mesmos, concretamente o do artigo
128.º/1/h) CT.

Débora Sá 52
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Além desta alínea h), existe um dever de obediência do 128.º/2 CT, dentro dos poderes
que por aquele lhe forem atribuídos.
Portanto o trabalhador violava o dever de produtividade e de obediência.

Agora, tem de obedecer ou não?


 Uma justificação no sentido da ilegitimidade da ordem: é a necessidade de o
trabalhador estar contactável. Agora, isto não prejudica em si mesmo a prestação do
trabalho - diz o artigo 22.º CT que o trabalhador mantém a sua esfera pessoal dentro
do trabalho:
o Artigo 22.º/2 CT diz que: “O disposto no número anterior não prejudica o poder
de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação
na empresa, nomeadamente do correio eletrónico”, ou seja, o empregador podia
limitar o uso do telemóvel no trabalho. Contudo, limitar o uso não implica o
trabalhador ficar incontactável. Portanto, a medida aqui é desproporcional,
ainda que eventualmente o empregador tenha razão, mas é ilegítimo impor que
não leve o telemóvel para o trabalho.
Além disso, o trabalhador não deixa de ser cidadão à porta da empresa, tendo direito a
uma esfera de atividade pessoal mesmo quando está a trabalhar. Aliás, isso já foi
visto e reconhecido como tal num acórdão do TJ – direito a uma certa compatibilidade
das atividades pessoais e profissionais -> decorre do livre desenvolvimento da
personalidade:
A ACT teria de averiguar:
 Questão dos diretos de personalidade (com a questão do telemóvel);
 Averiguação sobre existência de uma situação de assédio moral:
o Vamos supor que não tinha havido um comportamento censurável por parte do
trabalhador (sempre trabalhou com produtividade, não estava distraído com o
telemóvel, etc). A certa altura, o empregador decide que estão proibidos os
telemóveis na empresa. Este comportamento poder-se-ia configurar num caso de
assédio, supondo que o empregador faz esta regra para tornar a prestação de
trabalho mais desagradável para o trabalhador (mobbing ou assédio moral). O
nosso código proíbe a prática de assédio no artigo 29.º CT. A consequência desta
prática para o lesado é a responsabilidade civil, podendo haver a responsabilidade
penal se a prática constituir crime (por exemplo no caso de assédio sexual) e
constitui contraordenação muito grave.

Débora Sá 53
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº28

A, em 10/05/2021, recebeu de B uma carta na qual se mencionava que A não deveria


comparecer ao serviço, sendo-lhe contudo assegurado o salário a que tinha direito.
A partir de 1/06/08, B não mais distribuiu qualquer tarefa a A.
A não se conforma. Quid juris?

Estamos perante uma violação do direito de ocupação efetiva – artigo 129.º/b) CT


Há uma violação das garantidas do trabalhador, nomeadamente a violação do direito à
ocupação efetiva. Trata-se de uma violação culposa de direito de outrem, dando lugar à
responsabilidade contratual (artigo 483.º CC),
O dano em causa é um dano não patrimonial, dano que advém da:
 Humilhação pessoal, profissional (ofensa à dignidade);
 Dano profissional que pode representar para o futuro: por exemplo, os cirurgiões têm
de ter uma prática constante para manter a destreza, logo a perda da habituação, da
prática, pode resultar na diminuição do desempenho profissional para o futuro.

Caso Prático nº32

A foi prestar testes de admissão para ingresso na empresa X, para um lugar de


contabilista.
Foram-lhe efetuados os seguintes testes médicos numa clínica indicada pela empresa:
- Prova tuberculina
- Análise para verificação de diabetes
- Prova de esforço.
Foi-lhe ainda dirigido um questionário sobre antecedentes clínicos e efetuados testes
psicotécnicos.
Na entrevista foram feitas perguntas sobre a estrutura do seu agregado familiar,
profissão do cônjuge, grau de realização profissional de ambos, planos para o futuro,
situação da casa de habitação: própria ou arrendada, qual o colégio dos filhos. Aprecie
a legitimidade de cada um dos testes e do conteúdo da entrevista.

Temos duas ordens de situações no recrutamento/admissão:


1. Testes e exames;
2. Entrevista e perguntas;

 Quanto aos testes e exames > artigo 19.º/1 CT: requisitos materiais de licitude +
requisito formal da fundamentação escrita
“1 - Para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no
trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego,
exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou

Débora Sá 54
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou


psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do
trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o
justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego
ou trabalhador a respectiva fundamentação.”

No caso: temos um contabilista – profissão que não requer grande capacidade física nem
tem particulares riscos associados à mesma.
- Prova tuberculina: justificar-se-ia por motivos de contágio, até já foi exigida no acesso
à função pública, mas não seria proporcional;
- Prova de esforço: também não seria adequado, uma vez que não é necessária a prova
de aptidão física para desempenhar funções de contabilista;
- Análise para verificação de diabetes: poderia ter alguma pertinência, mas unicamente
para a despistagem individual, para reavaliar-se as condições de trabalho para a pessoa
em questão, mas teria de ser justificado;
- Antecedentes clínicos: não seria justificável;
- Testes psicotécnicos: não sendo um teste clínico nem usado para terapêutica (é apenas
um teste de habilitação), poderiam ser realizados - já que se destinam a perceber a
capacidade da pessoa para desempenhar determinadas tarefas, até para seleção de
candidatos.

 Entrevista – artigo 16º: reserva da intimidade da vida privada


1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da
contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida
privada.
2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a
divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente
relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as
convicções políticas e religiosas.

Quase todas as perguntas referidas no caso estão previstas no número 2 do mesmo artigo.
 Contudo, será que o trabalhador poderia assinar um papel a dizer que abdicava do
seu direito/reserva da intimidade da vida privada, aceitando responder a estas
questões? É a reserva da intimidade da vida privada um direito disponível? Sim,
existe uma disponibilidade relativa deste direito, desde que a mesma não atinja o
núcleo essencial do direito.

Débora Sá 55
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº 40
A, única trabalhadora do estabelecimento de cafetaria de B, envolveu-se numa relação
extra-conjugal com C, marido de B.
Ao ter conhecimento desta relação B despediu A, com invocação de justa causa.,
alegando violação do dever de lealdade.
Aprecie a existência de justa causa e o seu fundamento.

Neste caso está em questão um tipo de cláusulas: cláusulas no-dating (proibição de


relação entre trabalhadores).
É importante considerar a influência dos comportamentos pessoais nas relações de
trabalho: podem ter relevância, neste âmbito, comportamentos que não dizem
diretamente respeito à execução da prestação? Poderá este tipo de cláusula ser incluídas
num contrato de trabalho, à luz do nosso ordenamento jurídico?
Este tipo de cláusulas resulta numa interferência do empregador na esfera pessoal e
íntima do trabalhador, num condicionamento da liberdade pessoal, no livre
desenvolvimento da personalidade, logo não serão admissíveis em princípio e ter-se-
ão por não escritas.

 Outro tipo de cláusulas que podemos questionar se serão admissíveis – cláusulas


de código de vestuário
A Sra. Professora mencionou um Acórdão Espanhol que abordava um contrato de
trabalho do qual constava uma cláusula que exigia aos trabalhadores vestirem-se de
Spongebob, sendo constantemente gozados durante a sua prestação de trabalho por causa
disso. Desta forma, um dos trabalhadores impugnou esta questão e o Tribunal decidiu que
a prática em questão atentava a dignidade pessoal dos trabalhadores.

Existem contratos de trabalho com 30 páginas a definir códigos de vestuário, cada vez há
mais cláusulas contratuais que contendem com esta questão.
Por exemplo, em lojas como a Stradivadrius ou Levis, a exigência de vestir um certo tipo
de roupa não contende com a dignidade da pessoa, é uma questão de marketing, para
promover as roupas da respetiva loja em exibição. Contudo, se tomarmos como exemplo
os bares, o mesmo já não acontece. Muitas vezes exigem que as rececionistas se vistam
de uma forma muito específica – com saltos altos, saias curtas, etc.

Então, onde começa e acaba a liberdade do empregador de impor esses códigos de


vestuário?
As cláusulas de código de vestuário serão admissíveis, a menos que contendam com os
princípios da dignidade da pessoa humana. Podem ser utilizados códigos de vestuário até
ao limite de interseção com a dignidade pessoal - ultrapassa-se esse limite sempre que:
- O vestuário em causa provoque reações de desconforto, reações negativas por parte
do público (exemplo das pessoas que se riam do Spongebob no parque);
- Questões físicas: sempre que um certo vestuário provoque um elevado desconforto
físico no trabalhador – estará em causa a integridade física do mesmo.

Débora Sá 56
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Exemplos de casos em que a obrigação de usar um certo vestuário contende com a


prestação de trabalho, não contentando com a dignidade da pessoa humana: médicos,
mineiros...

No caso: haverá violação do dever de lealdade?


O dever de lealdade decorre do princípio da boa-fé: No desenvolvimento de uma
relação pessoal entre trabalhadores não está em causa a boa-fé, a boa-fé destina-se a
atuar dentro do quadro contratual. Esta questão extravasa a relação contratual, é de
ordem pessoal - não é viável proibir as pessoas de desenvolverem relações com os outros,
logo não se tornará um objeto de censura.
 Contribuição do Acórdão Ac. STJ, de 7 de Março de 2012: é referido que existe,
contudo, uma não exigibilidade de renovação do contrato de trabalho.

Caso Prático projetado em aula

Supúnhamos que a trabalhadora A está grávida de 26 semanas e trabalha há 7 anos numa


empresa. Com o decurso da gravidez interroga-se sobre quais os direitos que lhe são
assistidos:

1. É obrigada a prestar trabalho suplementar? É dispensável pelo artigo 35.º/1/s)


CT, sendo concretizado no artigo 59.º CT;
2. O marido não pretende partilhar a licença de paternidade, assim terá ela uma
duração máxima de licença acrescida? Quanto à partilha da licença rege o artigo
40.º/1 CT. A mãe, além da licença destinada à proteção do filho, tem uma licença
para recuperação. A mãe tem obrigatoriedade de gozar de uma licença de 6 semanas
a seguir ao parto – nº2 + nº3 do artigo 40.º CT;
3. A está grávida de gémeos – tem alguma influência? Artigo 40.º CT: a licença vai
aumentar consoante o número de nascimentos
4. E se alguma coisa correr mal, tem alguma proteção relativamente ao
despedimento? Artigo 63.º CT - O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera
ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio
da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e
mulheres.
o O despedimento que é feito nestas circunstâncias é presumido sem justa causa –
o empregador tem que provar a justa causa. Se o parecer for desfavorável ao
despedimento, o empregador só o pode efetuar após decisão judicial que
reconheça a existência de motivo justificativo, devendo a ação ser intentada nos
30 dias subsequentes à notificação do parecer – n.º6.
Temos uma proteção assegurada às trabalhadoras grávidas, lactantes e puérpera:
 Trabalhadores puérpera - trabalhadora que tem uma condição associada à
gravidez – estão no período imediatamente consecutivo ao parto;
 Trabalhadoras lactantes – trabalhadoras que amamentam. O que acontece nos
casos em que as mulheres não podem amamentar? O legislador também se

Débora Sá 57
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

preocupou com essa situação – o facto de não haver uma amamentação natural não
quer dizer que a criança não tenha de ser alimentada – art 47.º CT (aleitação).

Caso Prático nº8

1.Quanto ao perfil: homens (preferencial): temos uma situação de discriminação em


função do sexo - artigos 30.º e seguintes CT.
 O artigo 30.º/1 CT e seguintes – igualdade e não discriminação em função do
sexo: a restrição de acesso a candidato a emprego em função do sexo constitui uma
discriminação. A questão é que, neste caso, não se restringe o acesso ao sexo feminino
- simplesmente dá-se preferência ao sexo masculino. Por isso, o n.º 2 do mesmo
artigo esclarece que o anúncio não pode conter direta ou indiretamente qualquer
especificamente ou preferência com base no sexo. Logo, este anúncio seria ilegal por
violação do artigo 30.º/1 e 2 CT;
 Além deste, o artigo 24.º CT que prevê a igualdade no trabalho e no acesso ao
trabalho:
o É uma igualdade geral, incluindo-se a igualdade independentemente do género;
o Esta tutela da igualdade existe não apenas na vigência do contrato, mas também
num momento pré-contratual;
 Do ponto de vista constitucional: poderíamos ainda mencionar a proibição da
discriminação do art.º 13 da CRP;
 Consequência por se praticar um ato discriminatório lesivo -> direito à
indemnização, nos termos do artigo 28.º do Código do Trabalho.

2.Relativamente à exigência de carta de condução e veículo próprio:


A exigência de carta de condução é perfeitamente legítima, uma vez que o anúncio serve
para a profissão de motorista (é evidentemente necessário que os candidatos ao emprego
tenham carta).

Débora Sá 58
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

No entanto, relativamente ao veículo próprio, poder-se-ia estar a fazer uma


discriminação tendo em conta a situação patrimonial. No entanto, o empregador poderia
alegar a elevada necessidade (não esquecer que o contrato de trabalho é um contrato de
direito privado, pelo que existe liberdade contratual). Temos de perceber onde termina
esta liberdade contratual e argumentar em favor de um ou de outro.

3.Relativamente ao salário:
Se faltar algum dos elementos essenciais no anúncio não temos uma proposta contratual,
mas sim um mero convite a contratar. No caso, não se menciona o salário e esse é um dos
elementos essenciais do contrato de trabalho (pagamento da retribuição). Logo,
poderíamos afastar esta qualificação como proposta contratual e classificar como apenas
um mero convite a contratar.

Nota: Em princípio os anúncios de emprego são um mero convite a contratar, porque


normalmente não são completos e reserva-se sempre o direito a avaliar a pessoa que se
esta a candidatar, não bastando apenas a aceitação da contraparte.

Caso Prático nº9


F, inspetora da ACT, requereu mobilidade interna para um local mais próximo de casa,
por razões de saúde e familiares. Só que o pedido foi recusado.
F recorreu da decisão e esta foi revogada, acabando a trabalhadora por ser autorizada
a beneficiar da mobilidade interna, como pretendia. No entanto, o diretor de serviço G
divulgou, através de um email, o despacho e o processo de recurso hierárquico aos
subinspetores-gerais e a todos os dirigentes da ACT, nos quais constavam dados
pessoais sobre a saúde da trabalhadora. Segundo G, a mensagem tinha o intuito de “dar
conhecimento de todo este processo a todos os colegas das suas respetivas unidades
orgânicas”.

No seguinte caso estariam a ser violados alguns direitos de personalidade:


 Direito à reserva da vida privada: artigo 16.º CT;
 Proteção de dados pessoais (dados relativos à saúde, que são dados sensíveis), que
tem reflexo na reserva da intimidade da vida privada: artigo 17.º CT;

+ Artigos relevantes: artigos 186-D e seguintes do Código de Processo do Trabalho

Contextualização teórica relevante no âmbito da proteção de dados:


Por exemplo, a instalação de determinados softwares em empresas (utilização de meios
de vigilância remota): este tipo de ferramentas de monotorização leva-nos para o quadro
dos artigos 20.º e seguintes do CT. Ou seja, o que temos de aferir é a salvaguarda de
uma zona de inviolabilidade pessoal no trabalho.
A propósito desta matéria o que é que o CT prevê?

Débora Sá 59
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 Perspetiva securitária, parte do princípio de proibição: tudo o que tenha por


finalidade controlar o desempenho profissional do trabalhador à distância é, em
princípio, proibido – a legislação estabelece um quadro restritivo relativamente a
estes instrumentos.

Porque é que é assim? Porque é que estar alguém a controlar pessoalmente o


trabalhador é diferente de ter um sistema online de controlo?
Deve ser considerada a grande abrangência de que um meio tecnológico providência,
assim como a intensidade, um meio tecnológico está, durante um período
ininterrupto, a vigiar e controlar o desempenho do trabalhador - esta ininterrupção e
intensidade do controlo justificam um tratamento diferenciado. Fiscalização sempre
houve, mas não com esta intensidade.

Temos um princípio de proibição, mas também temos desvios (proibição relativa) ->
podendo sempre considerar-se a utilização de vigilância remota quando esteja em causa
ordens de necessidade:
a. proteção e segurança de pessoas e bens;
b. exigências inerentes à natureza da atividade;

Será possível as seguintes condutas serem aceites, sendo realizadas através de um


software?
• Registo de reuniões e análise de dados subsequente do que se passa na reunião:
a única finalidade é controlar o desempenho de outrem, observação da intensidade
da atividade profissional do trabalhador - por isso, não haveria possibilidade de
enquadrar esta situação na proteção e segurança de pessoas e bens ou exigências
inerentes à natureza da atividade;
• Fluxos de tráfego na internet e mensagens trocadas no Messenger do Facebook
com transcrição da primeira linha de mensagem de modo a aferir a natureza da
mensagem:
o Existe uma inversão da consideração da ilicitude: em princípio, o trabalhador
tem uma reserva de privacidade, mas, a partir do momento em que o
empregador estabelece regras, as mensagens de meio pessoal ativadas através
de meios da empresa tornam-se ilícitas, e, portanto, se houver devassa dessas
mensagens, o empregador deixa de ter um facto ilícito na sua esfera. A
mensagem eletrónica não tem invólucro, só sabemos a natureza da mensagem
depois de tomar conhecimento do conteúdo (artigo 22.º CT).

No caso prático: G afirma que divulgou estes dados com intuito de dar conhecimento
aos colegas.
O tratamento de dados pessoais foi lícito?
No nosso caso, a medida adotada (a divulgação de todo o processo aos colegas) foi
desproporcional para aquele fim.

Débora Sá 60
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 No que respeita aos dados de saúde: estes têm uma especial tutela no artigo 17.º,
pois a única pessoa que tem conhecimento dos dados de saúde é o médico, não
podendo o empregador ter conhecimento desses dados de saúde.
 No que respeita à reserva da vida privada: veja-se o artigo 16.º/2 (“quer quanto ao
acesso, quer quanto à divulgação de vários aspetos respeitantes à saúde do
trabalhador”).
Do ponto de vista do RGPD tínhamos de enquadrar a questão no âmbito do artigo 9.º/1
nos dados sensíveis e não há aqui qualquer fundamento de licitude, uma vez que não há
consentimento, não é necessário para o cumprimento de obrigações laborais, etc. (não se
enquadra em nenhuma destas alíneas).

A lei 58/2019 (lei que executa o RGPD), em matéria laboral, disciplina no seu artigo 28.º.
Este artigo 28.º existe por indicação expressa do artigo 88.º do RGPD. Este artigo 88.º
prevê que o empregador pode tratar dados pessoais dentro dos limites definidos no
código e para os fins definidos também no Código do Trabalho (uma dessas situações
é para efeitos de registo do tempo de trabalho durante 5 anos).
 O art.º 28/2 prevê que a licitude deste tratamento de dados também está incluída na
atividade de tratamento de subcontratantes ou contabilistas. Só impõe a lei que estes
terceiros à relação laboral estejam sujeitos a garantias de sigilo;
 O art.º 28/3 prevê que o consentimento do titular resolve o problema porque torna
lícito o tratamento de dados pessoais. No entanto, o consentimento no RGPD traduz-
se numa manifestação de vontade que tem de ser livre, informada, esclarecida e
especifica.

Prevê-se ainda que no caso das relações laborais o consentimento não será livre
porque há um desequilíbrio manifesta entre as partes. No entanto, teríamos de
apreciar o caso concreto, porque não quer dizer que seja sempre ilícito, porque até poderia
ser lícito se o desequilíbrio entre as partes não fosse manifesto, resultando uma vantagem
para o trabalhador, por exemplo.
o Logo, a contrário a nossa lei admite que o consentimento seja fundamento de
ilicitude se dai resulta uma desvantagem. Esta norma não faz muito sentido, por
isso é que a Comissão Nacional de Proteção de Dados emitiu uma deliberação dizendo
que a comissão iria desaplicar um conjunto de normas da lei 58/2019 por considerar
que violam o RPDG, sendo uma dessas normas precisamente o art.º 28. Claro que esta
deliberação não pode revogar normas nem as considera inconstitucionais por violação
do Direito Europeu, por isso esta deliberação tem uma legitimidade um pouco
duvidosa.

Consequências: em termos gerais, a violação de um direito de personalidade origina


sempre um ato ilícito e, consequentemente, responsabilidade civil extracontratual – 483º
CC. Além disso, temos a tutela específica – laboral: não vamos somar outra
indeminização (os mesmos factos geram um dano), os ilícitos laborais geram
responsabilidade contraordenacional, e no quadro contratual as suas consequências.

Débora Sá 61
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O que pode a trabalhadora fazer em relação à divulgação dos seus dados? É


obrigada a manter uma relação de trabalho com essa pessoa que lesou os seus
direitos? Se isto fosse no quadro de um outro contrato civil, no quadro civil por ex.,
esta relação contratual manter-se-ia?
Quando existe violação de obrigação contratual –> é possível a resolução do contrato.
Aqui não se fazem as coisas de um modo diferente, simplesmente a resolução do
contrato de trabalho tem um regime próprio – artigo 394.º CT.
Incluímos esta violação dos direitos de personalidade na ofensa à integridade pessoal,
para além das garantias do trabalhador, que faz parte de um elenco das obrigações do
empregador, pelo respeito dos direitos da contraparte.

Caso Prático nº31

No momento da assinatura do contrato de trabalho foi pedido a A que assinasse um


documento do qual constava uma cláusula prevendo o consentimento do trabalhador
para a hipótese de o empregador vir a instalar um sistema de videovigilância na
empresa. Quid juris?

Poderá ficar resolvido este problema logo no início? Poderá fazer-se isto?
 Meios de vigilância à distância – 20º e 21º CT, como abordado acima.

Existe na cláusula do enunciado a prestação de um consentimento futuro e hipotético:


isto não pode acontecer em matéria de direitos de personalidade:
o Consentimento: tem de ser um consentimento atual, por ser fundamental que seja
livre e esclarecido. Logo, este consentimento é nulo, principalmente pela falta
de atualidade.

Mas isso invalida que o empregador venha a instalar o sistema de videovigilância?


Artigo 20.º e 21.º CT - não é necessário o consentimento do empregador para tal. Vigora
no nosso ordenamento a proibição de vigilância remota:
 Mas abrem-se duas exceções: a proteção de segurança de pessoas e bens e as
necessidades inerentes à atividade da empresa (nº 2 do artigo 20.º) CT –> requisito
material de licitude.

+ Condições necessárias para a verificação da licitude: nomeadamente a informação


do trabalhador -> contribuição de toda a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem.

Aquela cláusula inicial não era válida, mas, neste tema, A não tem de dar
consentimento, tem é de ser informado.
Nota: o artigo 21.º CT está hoje parcialmente ab-rogado pela entrada em vigor do RGPD.

Débora Sá 62
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Atividade do trabalhador
Os artigos 115.º e seguintes regulam a matéria da atividade que o trabalhador presta.
 A atividade desempenhada pelo trabalhador tem de estar definida no contrato:
artigo 115.º do CT e regras gerais do Direito das Obrigações (artigo 398.º do CC). A
obrigação do trabalhador traduz-se na prestação de uma atividade. A definição da
categoria é importante como definição de estatuto e como garantia do trabalhador.
o Quanto às garantias do trabalhador: constitui uma garantia do trabalhador não
exercer funções ou não ser mudado para categoria inferior (artigo 129.º/1/e) CT),
como também constitui garantia a não diminuição da sua retribuição (artigo
129.º/1/d) CT). Estas garantais podem ter de ser acomodadas com outros direitos
e deveres (artigo 118.º/1 CT);
o As funções desempenhadas pelo trabalhador são as que correspondem à
atividade para a qual está contratado (artigo 118.º/1 CT). O empregador deve
dar-lhe as funções mais adequadas à sua qualificação profissional. O trabalhador
deve, em princípio, exercer funções que se devem conter nos limites da categoria,
ou, no máximo, funções afins ou funcionalmente ligadas às que se compreendem
na categoria – nº2 e 3.
▪ Do ponto de vista da retribuição - o artigo 267.º CT: tem direito à retribuição
mais elevada que corresponda às funções que exerça a título acessório.

Mobilidade funcional
Regime previsto no artigo 120.º CT em que, mediante certos requisitos, constitui-se o
direito do empregador exigir que o trabalhador desempenhe temporariamente funções
diferentes.

Requisitos do artigo 120.º CT:


 Tem de haver um interesse da empresa na mobilidade funcional;
 O exercício das funções tem de ser temporário (modificação transitória);
 Por ser temporário, há um limite de 2 anos (artigo 120.º/3). Tem de indicar a duração
no acordo;
 Tem de se tratar de funções não compreendidas na atividade para a qual o trabalhador
foi contratado (na medida em que se forem funções da mesma atividade já não será
mobilidade funcional):
o Nota: as funções afins estão incluídas nas funções para a qual foi contratado,
ou seja, se dissermos que uma determinada função cabe nas funções afins, também
não estamos no âmbito da mobilidade funcional.
 Não pode implicar uma modificação substancial da posição do trabalhador;
 Não pode haver uma diminuição da retribuição. Além disso, vai ter direito às
condições mais favoráveis inerentes às funções exercidas;
 Finda a mobilidade funcional, a pessoa volta à categoria onde estava (artigo 120.º/5
CT).

Débora Sá 63
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº 17

A intentou uma ação pedindo que o empregador fosse condenado a atribuir-lhe a


categoria de operador principal do posto de portagem, alegando que exercia essas
funções desde 14/01/13 em regime de substituição de colegas com aquela categoria.
Durante o tempo em que desempenhou essas funções foi pago por um escalão mais
baixo. O desempenho não era porém uma mera substituição temporária porque tinha
a atribuição de proceder a todas as substituições necessárias, tornando-se profissional
de substituições até hoje. Quid juris?

Este caso prende-se com a atividade que o trabalhador desempenha e mostra-nos a


importância da delimitação da mesma.

Este trabalhador substituto profissional é contratado com determinada categoria:


1. Ou desemprenha funções acima: houve uma mobilidade funcional (artigo 120.º
CT). Só é licita dentro do quadro do nº1, as funções podem ser exercidas
temporariamente;
o O que aconteceria se houvesse uma mobilidade funcional fora do quadro
do artigo 120.º/1 CT? Reporta-se a delimitação do objeto contratual – há
uma falta contratual, dado que está encarregue de funções fora do seu âmbito
contratual;
o Se tivesse sido feita legalmente, teria este trabalhador direito a adquirir a
categoria correspondente às funções desempenhadas? Não - artigo120.º/5
CT.

2. Ou desempenha funções abaixo da categoria: o quadro é distinto - temos mudança


de categoria que só opera nas condições do artigo 119.º CT – mediante acordo, com
fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser
autorizada pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela
área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição.

No nosso caso: ele estava a desempenhar funções com uma categoria superior (com
retribuição também superior) àquela pela qual foi contratado, sendo pago pelo escalão
mais baixo. Os exercícios destas funções não foram temporários. O que parece estar a
acontecer é que ele foi contratado com uma categoria inferior àquela que efetivamente
exercia, que não é permitido, nos termos do referido acima.

Débora Sá 64
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº 24

A foi contratado em 1/02/17, com a categoria de técnico eletricista de 1a, auferindo


850€ mensais. Em Setembro de 2017, devido a uma reestruturação empresarial passou
a exercer as funções de chefe de sector, tendo a seu cargo a coordenação e distribuição
de serviço dos 16 técnicos eletricistas e aprendizes da empresa. A sua categoria
manteve-se inalterada, bem como a retribuição, embora A julgue serem-lhe devidos os
1200 € mensais correspondentes à retribuição devida a um chefe de sector. Terá́ razão?

Podemos enquadrar esta situação na figura da mobilidade funcional (ou ius variandi)?
Este regime está previsto no artigo 120.º do CT, em que, mediante estes requisitos,
constitui-se o direito do empregador exigir que o trabalhador desempenhe
temporariamente funções diferentes.

Requisitos do artigo 120.º:


 Tem de haver um interesse da empresa na mobilidade funcional;
 O exercício das funções tem de ser temporário (modificação transitória);
 Por ser temporário, há um limite de 2 anos (artigo 120.º/3). Tem de indicar a duração
no acordo;
 Tem de se tratar de funções não compreendidas na atividade para a qual o trabalhador
foi contratado (na medida em que se forem funções da mesma atividade já não será
mobilidade funcional):
o Nota: as funções afins estão incluídas nas funções para a qual foi contratado,
ou seja, se dissermos que uma determinada função cabe nas funções afins, também
não estamos no âmbito da mobilidade funcional.
 Não pode implicar uma modificação substancial da posição do trabalhador;
 Não pode haver uma diminuição da retribuição. Além disso, vai ter direito às
condições mais favoráveis inerentes às funções exercidas;
 Finda a mobilidade funcional, a pessoa volta à categoria onde estava (artigo 120.º/5
CT).

No nosso caso, trata-se de uma pessoa que tem uma determinada categoria remunerada
em 850 euros e que passa a exercer funções de chefia com valor de 1200 euros. No
entanto, não é feita nenhuma alteração à categoria, apesar de o conteúdo funcional ter
sido alterado na prática – modificação no conteúdo funcional:
o Ter mais atribuições modifica a situação (mobilidade funcional). Havendo um
enriquecimento funcional das atribuições do trabalhador, não pode haver
diminuição da retribuição (artigo 120.º/4 CT). O trabalhador tem direito a ter as
condições associadas às funções que desempenha, entre elas a retribuição.
o Não significa que deva adquirir a categoria de chefe de setor! Mas, enquanto presta
essa função, tem direito à retribuição inerente, a não ser que haja disposição
diversa em IRC. Este regime da mobilidade funcional é um regime supletivo.

Débora Sá 65
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Logo, esta mobilidade funcional seria ilícita:


o A categoria de A foi alterada (já que efetivamente está a exercer funções
diferentes, enquanto contratado para a categoria inferior), violando-se o princípio
que prevê que para trabalho igual, dar-se-á um salário igual;
o Não se fala numa necessidade especial da empresa para que se viabilize esta
mobilidade.

Nota: atenção sempre à contraposição entre o que é categoria contratada e o exercício


efetivo das funções. O que interessa verdadeiramente é a situação concreta das partes
e da prestação de trabalho, sobrepondo-se estas à denominação existente no contrato de
trabalho.

Caso prático nº39

Um determinado banco a fim de realizar o saneamento dos serviços numa agência,


transferiu para aí A, gerente. Nessa agência, A, subordinado ao respetivo gerente,
passou a desempenhar diverso tipo de funções, como assistente de vendas, numa clara
menorização da sua posição funcional, embora tenha mantido a mesma retribuição.
Quid juris?

Não teremos uma simples hipótese de transferência –temos uma alteração funcional.
Saímos do quadro da transferência para a determinação do âmbito do objeto do
contrato. Foi contratado inicialmente como gerente bancário, no entanto, devido a uma
reorganização interna, é transferido para outra agência e passa a ser assistente de vendas.
Ou seja, passa a exercer funções que estão numa escala hierárquica abaixo do que
constituía a sua posição inicial, mantendo a retribuição anterior.
Tem de se resignar a esta situação? Já vimos que a regra é a da coincidência do contrato
e da realidade quotidiana – art118.º CT.
Art119.º CT- A mudança do trabalhador para categoria inferior àquela para que se
encontra contratado pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade
premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com
competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral no caso de
determinar diminuição da retribuição.
Não tendo conhecimento de qualquer acordo, resta-nos a hipótese da mobilidade
funcional – se havia uma necessidade de reorganizar, à partida, o empregador poderia
perspetivar esta hipótese. No entanto, para que essa situação acontecesse, era preciso que
não houvesse modificação substancial da posição. Não é só a questão da retribuição que
está em causa, mas sim do conteúdo funcional associado à atividade do trabalhador.
De todo o modo, esta questão da mobilidade funcional tem de ter sempre um caráter
temporário, não abrindo direito à aquisição da categoria desempenhada.

Débora Sá 66
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Na transferência, o que há a considerar é a alteração do local de trabalho, que é uma


situação fundamental. É diferente da alteração funcional ou do abaixamento de categoria,
que dizem respeito à atividade desempenhada.

Determinação do local de trabalho

Caso prático projetado em aula

Caso de um trabalhador que foi contratado para exercer funções de caixa em Braga. De entre
as cláusulas do contrato de trabalho constavam que:
a. A trabalhadora exerce a atividade em Braga tendo o empregador a faculdade de a
transferir para Guimarães ou Barcelos.
b. Fica isenta de horário de trabalho sem prejuízo do gozo de descanso semanal ao
sábado e domingo.

Estamos perante um problema relativo à determinação do local de trabalho.


Artigo 193.º CT:
1- O trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente
definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2- 2 - O trabalhador encontra-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções ou
indispensáveis à sua formação profissional.

Quando pode haver transferência do local de trabalho? Em caso de mudança ou


extinção do estabelecimento – 194.º CT. Ou seja, o tempo e o local fazem parte da
definição do objeto do contrato, é determinante que o trabalhador esteja organizado
geograficamente.
Se o trabalhador reside em Braga não é a mesma coisa trabalhar em Braga e em
Guimarães, nomeadamente perante requisitos que observam a conciliação da vida privada
com a vida profissional.
É sempre uma situação excecional e limitada pelo artigo 194.º/1/a) e b) - o interesse da
empresa pode justificar a mudança do local de trabalho, no entanto tem de atuar dentro
dos limites estabelecidos pela lei, não podendo causar prejuízo sério para o trabalhador.
o Exemplo: se o trabalhador não vê diminuído o rendimento, mas tem de pagar mais
de transporte, deixar de almoçar em casa etc., são deteriorações no rendimento
disponível: este é o primeiro parâmetro que nos permite preencher este conceito.

O 2º parâmetro passa pelo prejuízo que vai ter na sua vida familiar (mesmo que o
empregador cubra todos os custos monetários adicionais) - podemos considerar que o
prejuízo se verifica.

Débora Sá 67
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Não se trata de um prejuízo imediatamente económico, mas que também pode se


traduzir numa diminuição da qualidade de vida do trabalhador e do agregado
familiar.

Artigo 194.º/2 CT: As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior,
mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
O que é que acontece se houver uma transferência definitiva e o trabalhador tem a
sua vida sediada naquela cidade? O empregador não vai ficar com o seu direito de
liberdade de empresa restringido, o que nos leva à solução da resolução do contrato pelo
trabalhador, com direto a compensação – artigo 194.º/5 CT.

Tempo de trabalho, direito a férias e remuneração


Caso Prático n.º 21

A durante o mês de Dezembro, período de maior procura dos serviços da empresa,


prestou a sua actividade nos dias 8, 24 e 25 de Dezembro.

Além disso, trabalhou mais uma hora no dia 2 e mais 2 horas no dia 17.

A aufere 1000€ mensais e o seu período normal de trabalho é de 40 horas.

Quanto recebeu A durante o referido mês?

A prestou trabalho suplementar.


Trabalho suplementar – artigos 226.º e seguintes CT, sendo remunerado nos termos do
artigo 268.º CT.
 Mas porque é que é trabalho suplementar? Nos termos do artigo 203.º CT, o período
normal de trabalho não pode exceder 40 horas por semana;
 O trabalho suplementar também tem limites, conforme o artigo 228.º CT (remissão
do artigo 226.º e seguintes para o artigo 268.º CT).

No caso:
 O período normal de trabalho de A é de 40 horas por semana;
 Os dias 8 e 25 de dezembro: são feriados obrigatórios (artigo 234.º CT);
 Dia 24: é sábado, não é um feirado obrigatório.

Supondo que o dia de descaso semanal de A era ao sábado e ao domingo (não tem de
ser – artigo 232.º CT): os dias 2 e 17 seriam dias normais de trabalho, mas ele prestou
uma hora além das oito, portanto conta como trabalho suplementar.

Débora Sá 68
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Artigos 268.º e 271.º CT – cálculo da retribuição horária de A: (retribuição mensal x


12 meses) / (52 x 40). O total deste cálculo é de 5.77 euros.

• Dia 2: 5.77 x 1,25 euros =7 ,21 euros pela hora suplementar;


• A mesma coisa na primeira hora do dia 17, na segunda hora já recebe mais 37.5
porcento do que a retribuição normal, que dá 7.93 euros;
• Nos dias 8, 24 e 25 teríamos de calcular cada hora por 50 por cento: 5.77
euros x 1,05 = 8.66 euros por hora -> que daria 207,84 euros.

No total ele vai ganhar 1000 euros + 7.21 (dia 2) + 7.21 (dia 17, primeira hora) + 7,93
(dia 17, segunda hora) + (8.66 x 8 horas x três dias = 207,84 euros) = 1230,19 euros.

Os limites do trabalho suplementar estão previstos no artigo 228.º CT.


Remissão do art.226º e seguintes para o art.268º CT.

Caso Prático nº 25

A foi contratado no dia 01/03/22 para prestar a sua atividade como segurança numa
discoteca. Trabalha diariamente das 22h às 4h da manhã e aufere 750 € mensais. A sua
assiduidade é excelente e até hoje nunca faltou ao trabalho.
Quando poderá́ gozar as suas primeiras férias e qual a duração mínima destas?
A pretende ser-lhe devido um acréscimo à retribuição pelo facto de trabalhar de noite.
Será́ assim?

 Qualificação do contrato: contrato sem termo (contrato de trabalho por tempo


indeterminado);
 A presta trabalho noturno: artigo 223.º do CT – o seu trabalho está compreendido
entre o marco temporal das 22h e das 7h;
 Quanto às férias: ele nunca faltou, mas e se tivesse faltado? Isso seria relevante para
o direito às ferias? Não, pois as férias não estão condicionadas pela assiduidade do
trabalhador (artigo 237.º/2). Há ferias, quer ele seja assíduo, quer não;
 Quando e quantos dias de férias é que ele tem?
o A 1 de janeiro de cada ano vencem-se 22 dias de férias (nos termos dos artigos
237.º, 238.º/1 e 240.º/1 CT). Ou seja, no dia 1/1/2023 ia vencer-se, relativamente
a A, 22 dias de férias, que serão gozadas no mesmo ano civil (em 2023). Em
concreto elas só podem ser gozadas até 30/4/2024, isto se vencerem no dia
1/1/2023 (artigo 240.º/2);
o Mas ele não tem direito só a essas férias, vai ter direito a mais, pois há 2 casos
especiais, que é o do ano da admissão e no ano da cessação.
No ano da admissão: vai ter direito a férias correspondentes a 2 dias úteis por cada
mês, ou seja, de março a dezembro passam 10 meses, pelo que ele teria 20 dias de férias:

Débora Sá 69
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Estes 20 dias completam o teto máximo, porque é referido no artigo 239.º que
estes 2 dias úteis só podem ir ao máximo de 20 dias;
o O gozo destas férias vai ter lugar após 6 meses de prestação completa do
trabalho, ao fim de 6 meses terá 12 dias de férias - pelo que ele vai gozar férias
em agosto. Até ao final do ano terá os restantes 8 dias. Estes dias do ano da
admissão podem ser cumulados com os 22 dias do ano seguinte. Mas, no máximo,
ele só poderá gozar 30 dias de férias (ele não pode cumular férias num valor que
exceda os 30 dias).

Ou seja, em conclusão à primeira pergunta, A poderia gozar as suas primeiras férias em


agosto de 2022, ou seja, 6 meses após a admissão e tinham já se vencido 12 dias de
férias dos 20 do ano da admissão. Em 1/1/2023 vencer-se-iam 22 dias de férias, que se
reportam ao ano anterior e são usados no ano do vencimento, ou seja, no ano de 2023.
O trabalhador vai ter direito ao salário como se efetivamente estivesse a trabalhar, ao qual
acresce um subsídio de férias. Estas consequências retributivas estão no artigo 264.º CT
(remissão do art.º 237 e seguintes para o art.º 264 e vice-versa).
Quanto à segunda parte: nos termos do artigo 266.º, o trabalho noturno é pago com um
acréscimo de 25% relativamente ao trabalho prestado durante o dia.
 No entanto, neste caso teríamos de afastar esta regra nos termos do artigo 266.º/3/a)
- salvo se em IRC se prever o contrário. Importa ainda destacar a al. c).

Qual é a razão material para o trabalho noturno ser mais bem pago? É o facto de, no
mundo ocidental, a regra de descanso é durante a noite. Tem a ver com os ritmos
circadianos, é uma razão biológica. O ser humano é biologicamente mais capaz de exercer
sua atividade durante o dia, que é quando há luz.

Caso Prático n.º 20

A aufere 850 € mensais. Em Janeiro de 2017, celebrou com B um contrato de mútuo,


no valor de 450 €, tendo ficado acordado que, no mês de Março seguinte, A pagaria a
B tal quantia, acrescida dos juros legais.

A não pagou na data acordada e B, em Abril pagou a A apenas a quantia de 300 €.

a) Pode a retribuição de A ser de apenas 300€, no mês de Abril?

b) Se o contrato de trabalho houvesse cessado no dia 1 de Março, a solução manter-


se-ia?

Débora Sá 70
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

a)
Foi celebrado um contrato de mútuo oneroso entre o trabalhador e o empregador. O
trabalhador deve o montante da restituição do mútuo e B deve a A o salário. Estas
obrigações são compensações, dado que são ambos simultaneamente devedores e
credores um do outro.
A compensação é uma forma de extinção de obrigações, que é quando as partes são
simultaneamente devedores e credores um do outro.
B decidiu unilateralmente compensar o valor em dívida com o salário. Porém, em
regra não pode fazê-lo (artigo 279.º do CT), apesar de existirem algumas exceções
previstas no n.º 2 deste artigo.
Neste caso, atendendo ao montante, é possível haver essa dedução, não se aplica o n.º 1 -
> 279.º/2/d) CT. No entanto, não é possível haver essa compensação neste montante,
porque nos termos do n.º 3 do artigo 279.º o montante não pode exceder um sexto da
retribuição (tinha como limite máximo os 141,67 euros).
A jurisprudência, assim como a doutrina, afirmam que a regra prevista no número 1
apenas se aplica quando o empregador faz a compensação unilateralmente, porque,
se houver acordo entres as partes, pode haver compensação.

b)
Terminado o contrato, já não se aplica esta regra do artigo 279.º. Aplica-se as regras do
Direito Civil, nomeadamente as do Direito Executivo. Os créditos emergentes do contrato
de trabalho, quer do trabalhador, quer do empregador, prescrevem no prazo de um ano
após a cessação do contrato.
Não haverá problema do ponto de vista da prescrição de prazo, enquanto o contrato não
cessar - artigo 337.º do CT. Atenção, esta regra apenas se aplica a créditos emergentes do
contrato de trabalho. No nosso caso, o crédito em causa nada tinha a ver com o
contrato de trabalho.

Débora Sá 71
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº 23

A trabalhou para a empresa B durante mais de 20 anos. No dia 30/04/20, o seu


contrato de trabalho cessou devido à sua passagem à reforma.

No dia 1/04/22, A intentou contra B uma ação reclamando o pagamento dos


seguintes créditos:
- Férias não gozadas de 2015;
- Subsídio de Natal referente a 2016;
- 15 h de trabalho suplementar em 2015 (1 x 15 dias).

No dia 30/04/20, A concluiu ainda que lhe eram devidas quantias correspondentes à
falta de gozo de férias em 2012 e pretende ainda reclamar estes créditos.

Considerando que o seu salário é de 1.000 € e que trabalhava 40h/semana, que


quantias poderá́ efetivamente receber?

A trabalhou durante 20 anos - se trabalhou mais de 20 anos, é possível que tenha um


acréscimo na retribuição que se designa por diuturnidades – artigo 263.º/2/b) CT. A
retribuição compreende a retribuição base e as diuturnidades. As diuturnidades não são
obrigatoriamente pagas, depende de previsão em RCT ou em contrato de trabalho.

 Forma de cessação deste contrato: é a caducidade.

Artigo 348.º CT: o contrato do trabalhador converte-se num contrato a termo nas
situações em que o trabalhador se encontra na sua idade de reforma e se mantém ao
serviço da empresa. O contrato a termo é de 6 meses e é renovável por igual período, não
estando sujeito aos limites.
 O art.348º CT é discutido na doutrina - se um trabalhador atinge os 70 anos e não
se reformou ainda acontece a mesma conversão do contrato em contrato a termo. A
doutrina discute: se, por exemplo, o empregador contratar alguém já com mais de 70
anos, se o contrato é obrigatoriamente a termo ou não, tendo em conta o princípio da
proibição da discriminação em razão da idade. Discute-se ainda quais as
possibilidades que cabem na caducidade.

No nosso caso não se aplica o artigo 348.º porque o contrato caducou a 30 de abril de
2020. O prazo de prescrição era de 1 ano após a cessação do contrato, nos termos do
artigo 337.º CT.
 A nossa lei tem uma formação um pouco complicada, mas é um ano a partir do dia
seguinte em que o contrato cessou. Se o contrato cessou a 30 de abril, o prazo será
de dia 1 de maio de 2020 até 30 de abril de 2021. Se terminasse a 1 de maio (feriado)
o prazo estender-se-ia até ao dia seguinte. O prazo conta-se nos termos do art.279º
CT.

Débora Sá 72
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

+
 Tendo estes valores mais de 5 anos, é necessária a sua prova por documento (artigo
337.º/2 CT;
 No mínimo, terá direito a 22 dias úteis de férias (artigo 238.º CT);
 O pagamento do subsídio de Natal é retribuído nos termos do artigo 263.º CT;
 Quando se refere que ele teria direito às férias de 2012, terá direito às férias vencidas
e não gozadas (artigo 245.º/1/a CT) e as férias vencem-se no dia 1 de janeiro, ou seja,
as férias de 2015 vence-se a 1 de janeiro de 2016;
 Quanto ao trabalho suplementar (artigo 268.º/a) CT): 5,77 x 1,25 = 7,21 x 15 dias
o que faz 108,15 euros. Estes créditos salariais prescrevem a partir de 30 de abril de
2021 (art.337º CT) – um ano após a cessação do contrato.

Quando A vem reclamar estes créditos, o prazo já tinha prescrito.

Caso Prático projetado em aula:

Suponhamos que um determinado trabalhador em agosto de 2021 gozou de 22 dias úteis


de ferias. E o seu contrato de trabalho acaba por cessar a 30/11/2021 e cessa porque se
reformou. O seu vencimento era de 1000euros.

Qual é a forma de cessação do contrato nesta situação? Caducidade, impossibilidade


de manter a relação – artigo 343.º CT.
Como fazemos o acerto de férias nestas circunstâncias, dado que temos férias no ano
da cessação do CT? Temos uma disposição específica – artigo 245.º CT. Ou seja, em
matéria de férias tem direito a receber o correspondente às férias não gozadas, de 2020
(as férias correspondentes a 2021 são as do trabalho de 2020.) Trabalha 11 meses em
2021, mas esses meses formaram direito a férias, tendo direito a 11/12 avos das férias e
dos subsídios de férias e Natal.
Até quando pode reclamar estes créditos? São créditos laborais, emergentes do
contrato de trabalho e da sua cessação, têm prazo de prescrição de 1 ano – art. 337.º CT -
contamos a partir de 1/12/2021, terminando a 30/11/2022.
Aplicação do nº2:
Se estivéssemos perante uma violação do direito a férias que o trabalhador não gozou,
correspondentes ao ano de 2006 por ex., que ficou de reclamar, mas não o fez durante a
vigência do contrato de trabalho: se o crédito dissesse respeito a férias recuadas há mais
de 5 anos, o prazo de prescrição é o mesmo, podendo reclamar o crédito tendo, no entanto,
o ónus de prova por documento idóneo para reconhecimento da existência de tal direito.
Por outro lado, se os créditos laborais não forem relativos a férias, sanções abusivas ou
trabalho suplementar – não estão obrigados a prova por documento idóneo.

Débora Sá 73
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático projetado em aula:

Suponhamos que um determinado empregador decide encerrar o estabelecimento para


remodelações. Tem 2 trabalhadoras (uma na cozinha e outra servir às mesas) o que
acontece aos vínculos contratuais destas trabalhadoras sabendo que as obras vão durar
2 meses?

São despedidas? O contrato caduca? Vão para casa e recebem o ordenado inteiro?
Vão para cassa e não recebem nada?
As repercussões que possam acontecer acontecem por alteração na esfera jurídica do
empregador – estamos perante uma vicissitude do contrato, na órbita do empregador.
O que pode acontecer na órbitra do trabalhador:
 Redução temporária do período normal do trabalho ou suspensão do contrato de
trabalho por facto que lhe seja respeitante – artigo 298.º CT (cobre situações
emergências e de crise).
Cabe esta situação nos casos do artigo 298.º CT?
Temos uma situação em que as instalações não estão disponíveis para o funcionamento
da atividade, tendo como objetivo a manutenção da atividade.
O empregador pode reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou
suspender os contratos de trabalho, por motivos de mercado, estruturais ou
tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afetado gravemente a
atividade normal da empresa, desde que tal medida seja indispensável para assegurar
a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho – não se enquadra
em nenhuma destas situações.
Então a trabalhadora tem direito a quê?
Tem direito a retribuição? Artigo 311.º CT - sim, o nº2 concretiza o que é um
encerramento temporário da empresa, ou por facto imputável e a tramitação que deve
seguir + artigo 309.º CT - em caso de encerramento temporário ou diminuição temporária
de atividade de empresa ou estabelecimento que não respeite a situação de crise
empresarial, o trabalhador tem direito a, sendo devido a facto imputável ao empregador
ou por motivo de interesse deste, à totalidade da retribuição.

Débora Sá 74
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Cessação do contrato de trabalho


Artigos 338.º e seguintes CT
Caso Prático abordado em aula

A foi admitido ao serviço de BG em 15 de junho de 2020, por contrato com termo no


dia 14 de junho e 2021, ou seja, teve a duração de 1 ano.
Sucede que no dia 1 de março de 2021, A comunicou a B que decidia pôr termo aos
seus serviços imediatamente por não subsistir a necessidade que determinou a
contratação e por se sentir desaproveitado no posto de trabalho.
A aferia 1000 euros mensais. Quid iuris?

Localizamos a questão no âmbito da contratação a termo – pelo prazo de 1 ano.

A morte natural de um contrato de trabalho é a caducidade:


 No regime da contratação a termo: temos um princípio de renovação automática,
ou seja, se as partes nada disserem, o contrato de trabalho vai se renovando
sucessivamente por iguais períodos, e se ultrapassar o número de renovações possível,
acaba por se converter, por força da lei, num contrato de trabalho sem termo.

Contrato de trabalho a termo certo – 344.º CT:


 Nos termos do artigo 344.º/1 CT: o contrato de trabalho a termo certo caduca no final
do prazo estipulado ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador
comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito.
 Deve ser fundamentado o aviso prévio? Deve o trabalhador expor os motivos que
o levam a não renovar? Não, e o mesmo se passa para o empregador.

Contrato de trabalho a termo incerto – 345.º CT


 O trabalhador pode dizer que não renova? Porque é que o artigo 345.º CT só fala do
prazo para o empregador e não para o trabalhador? No contrato a termo incerto não
temos renovação, o termo é indexado à causa de celebração, estende-se até ao termo
da necessidade - é insuscetível de renovação, em caso algum há renovação no
contrato a termo incerto.

No caso prático: localizamos a questão no âmbito da contratação a termo certo – pelo


prazo de 1 ano.

O trabalhador comunica em março que não quer renovar o CT - pode fazê-lo? Pode,
temos de averiguar se o fez de uma foram regular:
 O regime da caducidade do CT a termo está desenhado no artigo 344º: devem
comunicar a vontade de fazer cessar por escrito, 15 a 8 dias antes do prazo expirar.
Portanto, o trabalhador tem um prazo de aviso prévio mais curto, mais consentâneo

Débora Sá 75
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

com a liberdade de trabalho, possibilidade de mudar de ocupação. Se o trabalhador


sai da empresa esta continua a sua laboração, mesmo que a saída do trabalhador face
muita diferença, se o trabalhador perde o seu emprego pode perder a sua capacidade
de subsistência. O trabalhador deveria respeitar o prazo de pelo menos 8 dias -
evidentemente que, desse ponto de vista, o aviso prévio foi regular, fê-lo muito antes
dos 8 dias;
 É necessário, além disso, que o pré-aviso seja feito de forma escrita - formalidade
substantiva. A validade deste aviso prévio depende da forma;
 Deve ser fundamentado o aviso prévio? Deve o trabalhador expor os motivos que
o levam a não renovar? Não, e o mesmo se passa para o empregador.
 Que créditos emergiam da cessação deste contrato, por caducidade do artigo 344.º
CT? O trabalhador que recebia 1000 por mês quanto receberia a título de cessação?
Artigo 344.º/2 CT. Neste caso, é o trabalhador que impede a renovação, portanto
não tem direito à compensação por caducidade. Se o tivesse, teria direito o
pagamento de 18 dias de retribuição, pois tinha 1 ano completo de antiguidade do
contrato. Este é um dos aspetos que provavelmente irá mudar com a alteração
legislativa.

Caso Prático n.º 18:

A foi admitido ao serviço de B, em 15 de Junho de 2020, por contrato com termo no


dia 14 de Junho de 2021.
Sucede que no dia 1 de Março de 2021, A comunicou a B que decidia “por termo aos
seus serviços imediatamente” por não subsistir a necessidade que determinou a
contratação e por sentir-se “desaproveitado”. A auferia a quantia de 1000 € mensais.
Quais os créditos emergentes da cessação deste contrato?

 Qualificação do contrato: o contrato de trabalho era um contrato a termo resolutivo


certo pelo período de um ano. Mas, antes de terminar esse ano, a 1 de março, A
pretende pôr termo ao contrato por se sentir desaproveitado.
Denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador (contrato com termo certo):
 Nos termos do artigo 400.º/1 do CT, A poderia resolver o contrato, porém A não
estaria a respeitar o prazo de aviso prévio exigido pelo artigo 400.º/3 do CT:
o Consequência: terá de pagar uma indemnização de 30 dias, nos termos do artigo
401.º CT: estes 30 dias correspondem aos dias que A ultrapassou o prazo. Isto,
se quiser cessar o contrato imediatamente.

 Não obstante, a ser verdade o que A invoca, o seu contrato de trabalho seria, na
verdade, um contrato sem termo, dado não haver verdadeiramente necessidades
da entidade empregadora a serem satisfeitas (artigo 147.º CT).
o No caso de nunca ter havido necessidade, aplica-se o artigo 147.º/1 do CT;

Débora Sá 76
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Se havia inicialmente a necessidade do seu serviço, mas a partir de determinado


momento deixou de existir: recorremos ao artigo 147.º/2 do CT.

Tratando-se de um contrato sem termo – denúncia do contrato:


A podia denunciar o contrato, mas, a possibilidade de denúncia teria o prazo previsto no
artigo 400.º/1 do CT. Se não quiser respeitar o aviso prévio, aplica-se novamente o artigo
401.º do CT.

Sendo um contrato a termo, havia outra hipótese por parte de A: ele podia terminar o
contrato por declaração da caducidade, tal como previsto no artigo 344.º/1 do CT (8 dias
antes). Se for o trabalhador a fazer caducar o contrato, não há lugar a nenhuma
indemnização (artigo 344.º/2 do CT).

Se estivéssemos a aconselhar A, seria-lhe mais vantajoso que o contrato fosse resolvido


por B, nos termos do artigo 368.º/1 do CT, sendo o despedimento lícito.
Tratando-se de um despedimento ilícito, existem duas possibilidades:
 Lugar à reintegração do trabalhador (regime regra) – artigo 389.º/b) do CT;
 Indemnização a pedido do trabalhador (pode ser pedida pelo trabalhador em
substituição à reintegração) – artigo 389.º/a) do CT.
o Quando se substitui a reintegração pela indemnização, esta tem o nome de
indemnização por antiguidade (art.º 391 do CT) – não se confunde com a
indemnização por danos. A indemnização por antiguidade no caso de
despedimento ilícito tem a duração mínima de três meses (art.º 391/3 do CP).

O trabalhador só tem a possibilidade de escolher entre as consequências nos termos


do artigo 392.º CT. À reintegração soma-se a indemnização pelos danos causados.
Caso Prático nº 26

A foi contratado como comissário de bordo por B.


Na nota de culpa era-lhe imputado o seguinte comportamento:
“No dia 8/11/16, estava hospedado num hotel, por conta de B, após um período de
voo, iniciando o repouso que devia terminar pelas 5 horas do dia seguinte, uma vez
que teria de comparecer no aeroporto cerca das 6h. Apesar disso, no período
compreendido entre as 23 h daquele dia 8 e as 5h do dia seguinte, A não dormiu, antes
permaneceu no bar do hotel onde ingeriu pelo menos dois whiskies até às 3h do dia 9.
A foi identificado por vários hóspedes como comissário de bordo, tendo o seu
comportamento sido objeto de crítica e comentário. A veio a ser despedido em 18/1/17.
Pronuncie-se quanto à licitude deste despedimento. Quais os meios de reação contra o
despedimento ao dispor de A?

Débora Sá 77
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O trabalhador pode:
 Desvincular-se por resolução por justa causa;
 Denunciar o contrato (denúncia),
Além disso, a nossa lei fala ainda de outra forma de término do contrato que é o simples
abandono do trabalho, que é uma cessação do contrato que se resume numa ausência. Não
há nenhuma formalidade, é algo mais factual.
No nosso caso prático, tínhamos um despedimento com justa causa por iniciativa do
empregador – artigo 351.º CT. O despedimento por justa causa é um direito potestativo.

Será que foi lícito? Para haver um despedimento por justa causa têm de se verificar os
pressupostos do artigo 351.º CT:
 Tem de ser um comportamento culposo;
 Tem de se tratar de um comportamento que, pela gravidade e consequências, torne
imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral;
 O número 2 do artigo 351.º tem um conjunto de exemplos onde se podem estar
preenchidos estes pressupostos:
o No entanto, não basta o preenchimento de alguma destas alíneas, sendo
necessário que estejam reunidos os pressupostos da cláusula geral do número
1.
 Temos ainda de conjugar com o número 3, que prevê o que é que se deve atender no
despedimento por justa causa - grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao
caráter da relação entre as partes e de mais circunstâncias relevantes.

No caso: em face destes pressupostos, este comportamento do A constitui justa causa


para ser despedido ou não?
Sim, porque é um comportamento culposo, grave (não dormiu e é uma profissão de
grande responsabilidade, embebedou-se, etc.). Claro que também poderíamos concluir o
contrário, se invocássemos argumentos a favor do trabalhador.

Sendo certo que para culminar no despedimento, tem de haver um procedimento


disciplinar e há um princípio que importa referir - princípio da proporcionalidade da
sanção disciplinar ao comportamento. A sanção mais grave é o despedimento, mas há
mais sanções.
Como é que se processa o despedimento?
Nos termos do artigo 323.º do CT (regra geral), a parte que falta culposamente ao
cumprimento dos deveres é responsável pelos prejuízos que causa.
 O empregador que quer despedir o trabalhador terá, em primeiro lugar, de iniciar o
procedimento disciplinar (artigos 328.º e seguintes), o empregador será
notificado da nota de culpa (artigo 353.º CT);
o Este procedimento disciplinar pode culminar com várias sanções: repreensão,
repreensão registada, perda de dias de ferias, despedimento, etc. O despedimento
é a sanção mais grave de todas elas.

Débora Sá 78
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

 Prazo para o exercício do poder disciplinar: 1 ano após a prática da infração, mas,
se a conduta constitui crime, o prazo de prescrição é o do processo penal (artigo 329.º
do CT). Além deste prazo geral de um ano, temos outro prazo que é de 60 dias após
o conhecimento da infração por parte do empregador ou do superior hierárquico
(artigo 329.º/2).
o Se não forem cumpridos estes prazos: o despedimento será ilícito, nos
termos do artigo 382.º/1 (remissão do 329.º para o 382.º/1, que é a
consequência da inobservância dos prazos). Temos ainda o 381.º, que tem
fundamentos gerais de ilicitude que são aplicáveis a qualquer forma de
cessação do contrato.
 Nos termos do artigo 329.º/6 a sanção não pode ser aplicada sem audiência prévia do
trabalhador;
 Enquanto decorre o processo disciplinar, como é que A pode reagir? Pode, na
resposta à nota de culpa, defender-se contra o despedimento. Ele aí ainda não foi
despedido;
 Mas, se mesmo assim culminar com a decisão de despedimento, pode impugnar
a decisão em tribunal. A impugnação da decisão segue uma forma especial de
processo (artigo 98.º/b) e seguintes do Código de Processo de Trabalho);
 Suspensão do despedimento 33-A e seguintes do Código processo do trabalho. Ele
podia começar por esta providência cautelar. Mas esta está dependente de ser
intentada a ação principal. Só serve para ter uma resposta mais rápida ao problema.
Nota: se se tratar de uma microempresa, no caso do art.º 358, dispensam-se algumas
formalidades. Definição de microempresa (art.º 100 -> remissão do 358.º para o 100.º):
empresa com menos de 10 trabalhadores.

Débora Sá 79
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático n.º 27

A foi contratada por B para exercer as funções de cozinheira num restaurante que este
último explora. Sucede que B só́ pagou os salários de Janeiro a Março de 2022 em
meados de Fevereiro a Abril, respetivamente.
O salário de Abril não foi pago até hoje e B também não pagou à Segurança Social os
mesmos meses, apesar de ter efetuado os descontos nos vencimentos de A.

Em 8/05/22, A remeteu a B uma carta na qual resolvia o seu contrato de trabalho a


partir do dia 10 desse mês, alegando justa causa. A pretende que B a indemnize e que
pague as prestações salariais em dívida.

B alega que a situação ficou a dever-se a dificuldades temporárias de tesouraria.

Sabendo que A auferia 750 €, qual o montante dos seus créditos?


Haverá́ algum prazo para acionar B?

Neste caso estamos perante uma resolução do contrato com justa causa (pelo
trabalhador) – artigos 394.º e seguintes CT.
O artigo 394.º, ao contrário do 351.º (sobre o despedimento por justa causa), apenas prevê
nos números 2 e 3 algumas causas que permitem a resolução do contrato pelo trabalhador.
 No nº2 temos causas que seriam motivações subjetivas (p.e., não pagamento culposo
de uma retribuição, etc.);
 No nº3 temos motivos objetivos que não tem a ver com a culpa do empregador. Uma
delas é a falta não culposa de pagamento da retribuição;
 No nº4 remete-se para o 351.º/3 CT, que é também aqui aplicável. Ou seja, é
necessário que, no caso concreto, se verifiquem motivos graves que não sejam
compatíveis desde logo com um aviso prévio, ou seja, dão direito ao trabalhador
a cessar de imediato o contrato - em função dessas circunstâncias, é inexigível que
o trabalhador continue;

Neste caso, tínhamos o não pagamento de uma retribuição e o pagamento atrasado. Temos
de ver se esta falta de pagamento é ou não culposa:
 Se for culposa: cabe no nº2. Considera-se culposa a falta de pagamento se:
o For superior a 60 dias;
o Quando o empregador declara por escrito a previsão de não pagamento da
retribuição;
 Se não for culposa: cabe no nº3.

Débora Sá 80
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

+ O trabalhador pode arrepender-se de ter resolvido o contrato e pode voltar atrás nos
termos do artigo 397.º CT: pode fazê-lo no prazo de 7 dias após ter entregado a vontade
de resolução do contrato.

Há também meios para o empregador reagir:


Nos termos do artigo 398.º CT, o empregador pode pedir ao tribunal que declare a
ilicitude da resolução. Se o tribunal considerar que foi ilícita, o trabalhador terá de
indemnizar o empregador e será no mínimo a indemnização em caso de denúncia sem
aviso prévio (artigo 329.º remete para o 401.º CT).

No caso do não pagamento culposo da restituição, serão devidos juros de mora (artigo
323.º/2 CT).

No caso prático:
 Só tinha passado um mês, não tínhamos mais de 60 dias.
 A falta de pagamento atempado deve-se a dificuldades de tesouraria da empresa -
poderíamos concluir que é uma falta de pagamento não culposa (artigo 394.º/3/c)
do CT). Há incumprimento, mas isto não chega pois tem de ser grave. Sendo não
culposa as consequências da indemnização são diferentes, não havendo lugar a
indemnização. Relativamente ao prazo, este será de 30 dias nos termos do artigo
395.º/1 CT.

Débora Sá 81

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