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CRÓNICA DE D.

PEDRO I
A Crónica de el-rei D. Pedro I, ou Crónica de D. Pedro, é um registo histórico do
género crónica escrito por Fernão Lopes abarcando o período de tempo correspondente ao
reinado de D. Pedro I de Portugal, de cognome o Justiceiro, ou o Cruel, que decorreu entre
1357 e 1367.
A Crónica de D. Pedro I está dividida em quarenta e quatro capítulos sendo iniciada por um
Prólogo. Dos inúmeros temas tratados ao longo da Crónica destacam-se a Justiça a que
dedicou o Prólogo e seis capítulos, a organização do Estado e as decisões do rei, Inês de
Castro a que dedicou seis capítulos, relatando em especial a declaração de D. Pedro sobre o
seu casamento com Inês, a perseguição aos seus assassinos e a descrição da trasladação dos
restos mortais de Inês de Coimbra para Alcobaça, um capítulo dedicado a D. João I, filho
bastardo de D. Pedro e futuro rei, e ainda o Reino de Castela ao qual dedica dezasseis dos
capítulos, tratando-se neste caso de decisões ou empreendimentos do rei D. Pedro I de
Castela, sobrinho do homónimo rei português, e para cuja história Fernão Lopes deve ter tido
acesso às Crónicas sobre a mesma época do cronista castelhano Pedro López de Ayala.
Fernão Lopes, que começou por ter a profissão de tabelião, foi em 1418 nomeado guarda-mor
da Torre do Tombo, ou seja, de chefe dos arquivos do Estado, lugar de confiança da corte, e
que lhe permitiu o acesso a importante documentação para a elaboração das suas Crónicas.
Fernão Lopes inicia provavelmente a escrita da Crónica de D. Pedro em 1434 pois foi neste ano
que o rei D. Duarte lhe atribui pelo seu futuro trabalho a tença anual de catorze mil reais.
É a primeira das três grandes crónicas do percursor da história portuguesa, e também a
primeira crónica régia com características próximas das que definiram o género cultivado
no século XV e nos dois seguintes, sendo as outras duas crónicas da autoria de Fernão Lopes
a Crónica de D. Fernando e a Crónica de D. João I.
Fernão Lopes quis dar de D. Pedro a imagem de um rei preocupado com a Justiça, razão
porque recebeu o cognome de Justiceiro, ou também de Cruel, neste caso também pelo tipo
de castigos sentenciados, pelo que se pode ler no Prólogo e em seis dos quarenta e quatro
capítulos da Crónica em que descreve casos específicos de aplicação da justiça.
Acerca da importância da Justiça no governo do reino, escreve Fernão Lopes no Prólogo:
Justiça é uma virtude que é chamada toda virtude, assim que qualquer que é justo, este
cumpre toda a virtude, porque a justiça, assim como a lei de Deus, defende que não forniques
nem sejas gargantão e, isto guardando, se cumpre a virtude da castidade e da temperança. E
assim podeis entender dos outros vícios e virtudes. Esta virtude é mui necessária ao rei e isso
mesmo aos seus súbditos, porque havendo no rei virtude de justiça fará leis por que todos
vivam direitamente e em paz. E os seus sujeitos, sendo justos, cumprirão as leis que ele puser
e, cumprindo-as não farão cousa injusta contra ninguém, e tal virtude como esta pode cada
um ganhar por obra de bom entendimento".
Sobre a noção da Justiça enquanto "virtude que é toda a virtude" é de admitir que Fernão
Lopes conhecesse os textos de Aristóteles, pois este, na Ética a Nicómaco, cita um provérbio
grego com uma ideia muito próxima da referida por Fernão Lopes: "A justiça contém todas as
outras virtudes".
Nos cinco capítulos que tratam de casos específicos de justiça, capítulos 6 a 10, um descreve o
roubo e assassínio de um judeu (cap. 6), sendo os restantes quatro casos de adultério. Em dois
dos cinco casos referidos, o caso de um bispo (alto clero, cap. 7) e outro do almirante do reino
(alta nobreza, cap. 10), os castigos decididos numa primeira fase pelo rei acabaram por não ser
aplicados face aos pedidos de clemência por pessoas influentes.
Outro dos temas que a Crónica destaca é o conjunto de acontecimentos relacionados com Inês
de Castro. São os capítulos 27 a 31 e o capítulo final 44. Quando D. Pedro sobe ao trono Inês
de Castro já tinha sido assassinada, e a Crónica relata primeiro nos cap. 27 a 29 como D. Pedro
declarou oficialmente que a tinha desposado de forma incógnita, havendo testemunhas, de
modo a que pudesse ser reconhecida como rainha.
Depois, nos capítulos 29 a 31, é relatado como D. Pedro acorda com o seu homónimo de
Castela a troca de fugitivos de ambos os reinos, entre os quais do lado português os três
assassinos de Inês de Castro. Destes três, dois são deportados para Portugal e são supliciados,
e um, Diogo Lopes Pacheco, consegue fugir para França.
Finalmente, no capítulo 44, é relatado como D. Pedro mandou trasladar, em cerimónia com
pompa, os restos mortais de Inês de Castro para o Mosteiro de Alcobaça e como havia
mandado fazer dois túmulos em mármore e ricamente decorados com as estátuas jacentes de
cada um, sendo um para Inês de Castro e o outro para no futuro ser depositado o seu próprio
corpo, como veio a acontecer.
A literatura medieval está cheia de grandes casais amorosos. Os amores de Amadis de Gaula e
Oriana são provavelmente os mais convencionais, inspirados nos de Lançarote e da
rainha Ginebra, os quais têm talvez o seu antecedente nos de Tristão e Isolda, cuja paixão
mútua se tornou conhecida como o arquétipo do amor romântico, próprio do Ocidente.
Mas Fernão Lopes, referindo ainda os amores da "rainha Dido" (imortalizados
por Virgílio na Eneida e conhecidos através de adaptações medievais, como o Roman d´Eneas,
uma das fontes da Primeira Crónica Geral de Afonso X) e de "Adriana" (Ariadne), popularizados
por Ovídio, e comentando que são «amores compostos, os quais alguns autores abastados de
eloquência e florescentes em bem ditar ordenaram segundo lhes aprouve», expõe o
acontecido entre D. Pedro e Inês de Castro e diz que os amores destes não são fingidos, e «que
se contam e lêem nas estórias que seu fundamento teem sobre verdade», ou seja, nas
narrativas de casos acontecidos, como eram (ou se supunham ser) as crónicas.
O cronista narra assim como decorreu a trasladação dos restos mortais de Inês de Castro:

“ E sendo lembrado de honrar seus ossos [de Inês] pois já mais fazer não lhe podia,
mandou fazer um muimento de alva pedra todo mui subtilmente obrado, pondo
enlevada sobre a campa de cima a imagem dela com coroa na cabeça, como se fora
rainha; e este muimento mandou pôr no Mosteiro de Alcobaça, não à entrada onde
jazem os reis, mas dentro da igreja, à mão direita, junto da capela mor.

E fez trazer o seu corpo do mosteiro de Santa Clara, onde jazia, o mais honrosamente
que se fazer pode, pois ele vinha em umas andas muito bem corregidas para tal tempo,
as quais traziam grandes cavaleiros, acompanhados de grandes fidalgos e muita outra
gente, e donas e donzelas e muita cleresia. Pelo caminho estavam muitos homens com
círios nas mãos, de tal maneira dispostos, que sempre o seu corpo foi por todo o
caminho por entre círios acesos, e assim chegaram ao dito mosteiro, que eram dali
dezassete léguas, onde com muitas missas e grande solenidade foi posto aquele
muimento. E foi esta a mais honrosa trasladação que até aquele tempo em Portugal
fora vista.
Semelhavelmente mandou el-rei fazer outro tal muimento e tão bem obrado para si, e
fê-lo pôr junto do seu dela, para quando sucedesse morrer o deitarem nele.”

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