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Sequelas

Um Romance dos Irmãos Walker


Copyright 2017 de J.S. Scott
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eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão prévia
por escrito.
Desenho da capa de Ashley Michel/AM Creations
ISBN: 978-1-951102-27-2 (E-Book)
ISBN: 978-1-946660-42-8 (Impresso)
INDICE
Prólogo Dane
Capítulo 1 Kenzie
Capítulo 2 Kenzie
Capítulo 3 Dane
Capítulo 4 Dane
Capítulo 5 Trace
Capítulo 6 Dane
Capítulo 7 Kenzie
Capítulo 8 Dane
Capítulo 9 Kenzie
Capítulo 10 Dane
Capítulo 11 Dane
Capítulo 12 Dane
Capítulo 13 Kenzie
Capítulo 14 Dane
Capítulo 15 Kenzie
Capítulo 16 Dane
Capítulo 17 Kenzie
Capítulo 18 Dane
Capítulo 19 Kenzie
Capítulo 20 Dane
Capítulo 21 Kenzie
Capítulo 22 Kenzie
Capítulo 23 Kenzie
Capítulo 24 Kenzie
Capítulo 25 Kenzie
Capítulo 26 Kenzie
Capítulo 27 Kenzie
Capítulo 28 Kenzie
Capítulo 29 Kenzie
Capítulo 30 Kenzie
Capítulo 31 Kenzie
Capítulo 32 Dane
Capítulo 33 Kenzie
Capítulo 34 Dane
Capítulo 35 Kenzie
Capítulo 36 Kenzie
Capítulo 37 Kenzie
Capítulo 38 Kenzie
Capítulo 39 Dane
Capítulo 40 Kenzie
Capítulo 41 Kenzie
Capítulo 42 Kenzie
Capítulo 43 Kenzie
Capítulo 44 Dane
Capítulo 45 Kenzie
Epílogo Kenzie
PRÓLOGO
Dane
OITO ANOS ANTES...
Não havia nada que eu quisesse mais do que ser deixado em paz.
Ouvi a chuva batendo no telhado da pequena cabana que era a única
estrutura existente na minha nova ilha particular. Assim que eu fora
liberado do hospital e vira as reações à minha aparência alterada, a única
coisa de que precisava era me afastar dos olhares horrorizados que recebia
sempre que saía do quarto.
Eu parecia um monstro.
Eu me sentia um monstro.
Portanto, eu era um monstro, pelo menos para mim mesmo.
Até meus dois irmãos tinham dificuldades em lidar com a minha
aparência agora. Nenhum dos dois dissera o que pensava, mas percebi o
constrangimento entre nós três. Não precisava ser nenhum gênio para
entender o motivo.
Ora, eu tinha apenas dezoito anos e minha vida inteira se transformara
em fumaça.
Literalmente.
Eu não conseguia me lembrar muito do acidente de avião que matara
meu pai e a nova esposa dele, mas sentia os efeitos agora. Meu corpo
inteiro doía por causa das queimaduras já curadas e outros ferimentos que
sofrera no acidente.
Meus irmãos, Trace e Sebastian, diziam o tempo todo como eu tinha a
sorte de estar vivo. Eu não sentia como se tivesse sido abençoado ao
sobreviver ao acidente horrível. Houvera momentos, nos meses anteriores,
em que eu desejara simplesmente ter morrido com meu pai. A recuperação
fora difícil e a dor fora tão intensa que eu não sabia se sobreviveria a ela,
mesmo com remédios.
— Eu consigo morar sozinho — resmunguei para mim mesmo. Sentei-
me na cama pequena e a única coisa que me recebeu foi a escuridão.
Parecia estranho estar completamente sozinho. Eu passara a vida
rodeado de familiares e amigos. Estar subitamente preso em uma ilha
particular sem outra alma por perto era, ao mesmo tempo, um alívio e muito
doloroso.
Deitei novamente no travesseiro, tentando dizer a mim mesmo que
consertaria a ilha, que a tornaria minha. Não seria tão ruim depois que eu
conseguisse ter uma residência de verdade lá.
A primeira coisa que eu faria seria construir uma casa decente para que
pudesse dormir em uma cama confortável.
Meus irmãos sabiam muito pouco sobre os meus planos e eu não
achava necessário informá-los que a ilha... bem... precisava de um pouco
trabalho.
Uma casa.
Encanamento interno.
Um aeroporto.
Ruas.
Algum tipo de estúdio para que eu pudesse continuar a trabalhar na
minha arte.
Fiquei decepcionado porque nunca poderia frequentar uma
universidade ou uma faculdade. Minha aparência era tão horrível que eu
não poderia impô-la a ninguém. Antes do acidente, eu fora aceito em um
dos melhores programas de arte do mundo. Não poderia frequentá-lo agora.
Eu nunca conseguiria lidar com as expressões de pena dos outros alunos no
campus sempre que tentasse andar de uma sala de aula para outra.
Talvez, algum dia, meu rosto não pareceria tão destruído e meu corpo
recuperaria as forças. Mas, no momento, eu estava partido e sabia disso.
Mente.
Corpo.
E alma.
A essas alturas, eu não sabia com certeza o que sofria mais. Toda a dor
parecia se juntar até eu ser uma massa enorme de agonia.
Eu comprara a ilha cara nas Bahamas para ter um lugar para me
recuperar e tentar colocar minha cabeça em ordem. Haveria mais cirurgias
para tentar corrigir alguns dos problemas estéticos, mas, enquanto isso, eu
teria um lugar para fugir das outras pessoas.
Sim, estou fugindo.
Talvez eu também estivesse tentando fugir de mim mesmo. Não tinha
certeza. Minha cabeça estava toda fodida.
Ficarei bem. Só preciso de um pouco de tempo.
Infelizmente, eu descobrira quantos amigos de verdade tinha depois do
acidente. Os únicos que genuinamente me deram apoio foram os meus
irmãos. Quando as festas caras pararam e precisei dos meus amigos, não
havia ninguém interessado em ser babá de um inválido que mal tinha forças
para atravessar um aposento.
— Sou ridículo — resmunguei, desejando não precisar deixar Sebastian
e Trace. Eu sentia saudades deles, mas eles estavam envolvidos com a
própria vida. E eu percebia como eles só queriam deixar tudo aquilo para
trás. Infelizmente, o acidente não terminara para mim. Na verdade, parecia
que o meu inferno apenas começara.
Sim, eu dissera aos meus irmãos que ficaria bem.
O problema era que, na realidade, eu não estava bem.
Eu com certeza não estava nem um pouco bem.
No entanto, eu estava curado, apesar de o resultado final do acidente
não ser bonito.
Eu quisera que meus irmãos seguissem com a vida. Eles tinham
passado meses preocupando-se comigo, lidando com o luto pela morte de
meu pai. E chegara a hora de se concentrarem em reconstruir a vida sem
nosso pai. Trace estava ocupado tentando administrar a corporação
multibilionária de nosso pai e Sebastian voltaria para os estudos de
engenharia.
E eu? Eu me esconderia na minha nova ilha por algum tempo, até
descobrir como lidar com a minha vida agora que ela não era tão
encantadora como costumara ser. Eu ainda estava lambendo minhas feridas.
Bem, não literalmente, mas de forma figurativa. Eu ainda estava de luto por
meu pai, pois, durante um mês ou dois, não soubera de toda a verdade. E,
depois que soubera, estivera tão mal que não conseguira lidar com aquilo.
Acho que eu nunca soube como tivera uma vida boa até que tudo fosse
destruído.
— Aguente firme, Walker — disse eu morosamente no quarto escuro.
Virei-me de lado, xingando o colchão fino sobre o qual estava deitado.
Na manhã seguinte, minha prioridade seria mandar que entregassem
uma cama confortável na ilha para que eu pudesse ter uma noite de sono
decente.
O vento começou a uivar e torci para que não chegasse uma tempestade
tropical intensa. Eu não conferira a previsão do tempo e estava em uma
zona de furacões.
Era apenas meu segundo dia na ilha e eu já estava cansado do silêncio e
do isolamento.
Cuidado com o que deseja, idiota!
Mais cedo naquele dia, eu quisera barulho.
Infelizmente, estava recebendo exatamente o que pedira, mas não da
forma como torcera para que acontecesse.
Eu me sentia muito sozinho. O isolamento súbito na ilha era bastante
extremo.
Eu não estava acostumado a não ter alguém com quem falar sobre os
meus problemas. Minha mãe morrera anos antes, mas meu pai sempre
estivera presente enquanto eu crescia. Eu nunca sentira falta de ter uma mãe
porque ele sempre fora um pai incrível. Se eu tivesse problemas, ele
imediatamente queria discuti-los e ajudar-me a resolvê-los.
Jesus! Eu o queria tanto de volta que chegava a sentir uma dor física.
Meu peito doía tanto que eu quase não aguentava. Talvez eu não
conseguisse me lembrar do acidente, mas ainda estava de luto pela perda do
meu pai, a única figura paterna ou materna que jamais conhecera.
Como diabos eu deveria viver sem ele?
Achei que eu conseguiria superar, como meus irmãos. No momento, eu
não estava pronto para aceitar o fato de que nunca mais veria meu pai, mas
sabia que, em algum momento, teria que aceitar o fato de que ele se fora.
Meu coração ficou apertado e coloquei a mão sobre o lado esquerdo do
peito, tentando de alguma forma preencher o vazio profundo e a dor que
subitamente tentava me invadir.
— Sinto a sua falta, papai — disse eu em um tom sem esperanças.
Infelizmente, ninguém respondeu.
Eu começava a absorver a realidade. A dormência da negação
começava a desaparecer.
Merda! Eu queria o estado de negação de volta porque doía demais
pensar em viver sem meu pai.
Eu estava sozinho, para lidar com as minhas coisas por conta própria.
Ficarei bem sozinho. Vou me acostumar.
Fechei os olhos, mas demorou muito para que finalmente caísse em um
sono atormentado e inquieto.
CAPÍTULO 1
Kenzie
O PRESENTE...
Eu só andara de avião duas vezes na minha vida. Uma vez fora de
Los Angeles para Boston quando eu tinha dezoito anos. A segunda
vez foi ao voltar para casa, da costa oeste, quando todos os meus
sonhos tinham sido despedaçados algumas semanas depois.
Eu ainda me lembrava do longo voo de costa a costa, apertada na
poltrona econômica mais barata que conseguira. As duas viagens tinham
sido desconfortáveis e eu ficara feliz por nunca mais precisar entrar em um
avião.
Até hoje.
Eu fora muito pobre a vida inteira e nada poderia ter me preparado para
o voo até as Bahamas no jatinho particular de Trace Walker. Eu saíra no fim
da manhã para a nova oportunidade de trabalho. Agora, era quase hora do
jantar e eu sabia que tínhamos que estar chegando perto da ilha particular de
Dane Walker nas Bahamas.
Eu estava quase odiando chegar ao fim do voo, apesar de estar voando
por mais de cinco horas. Havia várias coisas com que me ocupar no avião
luxuoso. Eu até poderia tirar um cochilo no quarto do jatinho, mas estava
nervosa demais até mesmo para considerar aquela opção. Eu comera um
almoço gourmet e assistira a um filme, portanto, o tempo a bordo passara
depressa.
Agora que estávamos chegando perto das Bahamas, eu estava ficando
nervosa.
— Pode afivelar o cinto de segurança, srta. Jordan? — A solicitação
amigável da comissária de voo me tirou dos meus pensamentos.
— É claro — respondi ao procurar o cinto de segurança. — Vamos
pousar?
A morena bonita e magra sorriu para mim. — Estamos descendo.
Chegaremos à ilha em breve.
Endireitei o corpo na poltrona de couro confortável e afivelei o cinto de
segurança. — Obrigada por ser tão gentil comigo — murmurei, sem saber
exatamente o que dizer à mulher que garantira que eu tivesse todos os
confortos disponíveis durante o voo.
— É o meu trabalho — respondeu ela. — Mas foi um prazer atender
você neste voo.
— Eu agradeço — disse eu. — Nunca estive em um jatinho particular.
Eu tinha certeza de que ela já sabia disso. Eu estivera observando o
interior do avião como se fosse uma miragem no deserto desde o momento
em que embarcara.
— Espero que tenha gostado — comentou ela em tom educado.
— Foi incrível — respondi com sinceridade. — Só espero que o sr.
Walker goste de mim.
Meu novo emprego como assistente do bilionário Dane Walker em uma
ilha particular nas Bahamas era um emprego dos sonhos. Não só eu
receberia uma pequena fortuna em comparação aos meus empregos
anteriores, como trabalharia com um artista incrivelmente talentoso.
Durante meu curto emprego como recepcionista em uma galeria de arte em
Nova Iorque, eu tivera a oportunidade de ver uma das obras dele
pessoalmente. Mas ela não ficara exposta por muito tempo. Fora vendida
por um valor exorbitante e eu sentira pesar pela perda do belo trabalho de
arte no momento em que ele fora removido da parede. Eu admirava o
trabalho de Dane Walker havia muito tempo e odiara ver a tela ser retirada
da exposição tão cedo.
— Você ficará bem — garantiu ela. — Não conheci Dane Walker
pessoalmente, mas os irmãos dele são homens muito bons.
Talvez ela tivesse que dizer aquilo porque Trace Walker era seu chefe,
mas tive a sensação de que falara sério. — Eu também não o conheci. Não
conheci pessoalmente nenhum dos irmãos Walker — confessei.
Fora um voo longo e eu tivera bastante tempo para conversar com
Mary, a comissária de bordo. Eu contara a ela que seria a nova funcionária
de Dane Walker e que estava nervosa por não saber se nos daríamos bem.
— Relaxe — disse ela com voz reconfortante. — Tenho certeza de que
ele será tão simpático quanto os irmãos.
Torci para que ela tivesse razão. — Só parece estranho que ele more em
uma ilha completamente sozinho. Ele deve se sentir solitário. E por que ele
quer ficar longe dos irmãos? Pelo que entendi, é a única família que ele
tem.
Eu lera sobre os efeitos do isolamento prolongado e não eram bons. Se
Dane Walker estivera solitário na maior parte do tempo durante oito anos,
poderia estar completamente maluco.
Mary deu de ombros. — Não sei ao certo, mas ele é um artista. Talvez
seja apenas um pouco... excêntrico.
Era provavelmente uma forma cheia de tato de dizer que ele era um
pouco... ou muito maluco.
Olhei pela janela, notando que tínhamos descido relativamente
depressa.
— Talvez — concordei em tom neutro. Eu não sabia ao certo o que
encontraria na ilha, mas torcia para que fosse o melhor possível.
— Você pode viajar para as ilhas habitadas na sua folga — sugeriu ela.
— Este lugar é lindo.
Assenti polidamente, sabendo que não faria praticamente nada até que
recebesse meu salário. Eu tinha exatamente cinco dólares na bolsa. Eu
estivera muito perto de ficar totalmente quebrada na cidade de Nova Iorque
depois de perder o emprego de recepcionista porque meu chefe fora um
completo imbecil. Eu ainda trabalhara meio expediente em uma loja de
conveniência, mas viver em Nova Iorque era caro e não conseguiria pagar
minha parte do aluguel no apartamento que dividia com várias outras
mulheres.
A oferta de Trace Walker para trabalhar para o irmão dele surgira
completamente do nada e não poderia ter acontecido em um momento
melhor. Ela me salvara de ser uma sem teto.
Minha melhor amiga, Paige, ficara noiva de Sebastian Walker, o irmão
Walker bilionário do meio. Depois de se formar em direito em Harvard, ela
se mudara para Denver para trabalhar na Walker Enterprises. Eu não a vira
mais desde que saíra do apartamento em Cambridge para viver em Nova
Iorque. Não tivera a oportunidade de dizer a ela que perdera meu emprego
na galeria. Portanto, ela nunca soubera como as coisas tinham ficado
difíceis para mim.
Sinceramente, eu não quisera contar a Paige que perdera o emprego.
Ela estava muito feliz e merecia cada momento de alegria que pudesse
conseguir. A última coisa que eu queria era devolver qualquer sentimento
sombrio à sua vida.
Infelizmente, tudo na minha vida era horrível e eu era um fracasso
completo.
Imaginei que conseguiria me virar. Eu sempre conseguira. Fora sozinha
durante a maior parte da vida e sempre conseguira sobreviver.
No entanto, eu tive a sorte de ser chamada por Trace e Sebastian para a
oferta de emprego. Se isso não tivesse acontecido, as coisas teriam ficado
realmente ruins. Do tipo, ruins sem teto.
Finalmente, respondi à morena ao meu lado: — Quero ver tudo. Nunca
tive a oportunidade de viajar.
Eu não contava fugir o mais depressa possível para outra cidade como
viajar, mas fizera algumas relocações bem rápidas na vida. Eu não tivera
opção.
— Você adorará viajar — disse Mary em tom entusiasmado. — Adoro
meu trabalho porque ele me leva a muitos lugares no mundo.
— Tenho certeza de que será ótimo — disse eu, sem muito entusiasmo.
Eu estava preocupada demais em conhecer Dane para pensar em qualquer
outra coisa.
Esse emprego tem que dar certo. Não tenho um plano B.
Mary bateu de leve no meu ombro. — Preciso ir para a minha poltrona.
Pousaremos em breve.
Abri um sorriso fraco enquanto ela sentava em uma das poltronas de
couro cor de creme atrás de mim e afivelava o cinto de segurança.
Na verdade, eu não tinha a menor ideia de como as coisas se sairiam,
mas precisava me dar bem com Dane Walker. Minha sobrevivência
dependia disso.
Eu não sabia exatamente o que precisaria fazer como assistente de
Dane, mas estava disposta a fazer praticamente qualquer coisa para manter
um emprego que pagava bem e que me tiraria do mundo de pobreza em que
ficara presa a vida inteira.
Eu trabalhava duro, mas nunca chegava a lugar algum. Eu não tinha
diploma universitário e havia pouquíssimas esperanças de melhorar de vida.
A única coisa que eu soubera fazer fora ficar viva.
Tudo ficará bem. Paige não deixaria que Trace e Sebastian me
trouxessem para cá se não fosse uma boa oportunidade.
Eu sentia muita saudade de Paige. Ela não só fora minha melhor amiga
durante anos, como fora minha única amiga de verdade. Eu estava torcendo
desesperadamente para que conseguisse ir ao casamento dela. Trace me
dissera que queria que eu ajudasse Dane a se organizar para que pudesse ir
ao grande evento de Sebastian e Paige, portanto, obviamente ele iria ao
casamento. Como o casamento estava nos estágios de planejamento, eu
sabia que a data seria definida em breve. Meu novo chefe estaria disposto a
me dar uma folga para que eu pudesse ir? Como ele iria à cerimônia, talvez
não precisasse de mim por algum tempo.
Eu me encolhi quando o trem de pouso encostou na pista. O som ainda
não era familiar para mim.
Respirando fundo, tentei me convencer de que tudo daria certo. Eu só
precisava ser agradável com Dane Walker e lidar com o fato de que faria as
coisas muito sozinha na ilha particular.
A dificuldade era que eu odiava ficar completamente sozinha. Talvez
eu não tivesse muitos amigos de verdade, mas sempre morara na cidade
onde havia distrações. Se eu tivesse tempo demais para pensar, acabaria
conjurando lembranças que queria desesperadamente esquecer.
Esperei enquanto o jatinho taxiava até parar completamente. Mary tirou
minha mala do armário e entregou-a ao piloto quando me levantei da
poltrona de couro confortável. Peguei minha bolsa e minha mochila, onde
estava meu computador.
Tudo o que tenho cabe em uma mochila e uma mala.
Eu e as mulheres com quem dividia o apartamento em Nova Iorque
tínhamos todas contribuído para comprar a mobília barata. Eram os únicos
itens que eram parcialmente meus e eu abrira mão deles ao ir embora.
Não que alguma das mobílias valesse a pena dividir e levar para outro
lugar, mas era ridículo que agora eu conseguisse colocar tudo que tinha no
carrinho de transporte que puxava atrás de mim.
— Boa sorte — disse Mary com sinceridade quando cheguei perto dela.
Olhei para fora e percebi que minha mala estava sendo colocada em
uma limusine preta. — Obrigada, por tudo — respondi, grata por ter alguém
com quem conversar durante o longo voo.
Sorri para Mary ao avançar para os degraus. Fui imediatamente
atingida por uma onda de vento tropical quente enquanto descia a escada.
— Com certeza não estou mais em Nova Iorque — resmunguei para
mim mesma ao andara até o carro que os irmãos de Dane tinham
providenciado para me buscar no aeroporto.
Quando eu saíra de Nova Iorque, a temperatura estava abaixo do ponto
de congelamento e tínhamos acabado de enfrentar uma tempestade de
inverno brutal. Estar ali nas Bahamas era como chegar a um mundo
totalmente novo.
Olhando em volta com curiosidade, só o que vi foi concreto, pois ainda
estávamos na pista, mas mal podia esperar para ver a ilha. Apesar do
nervosismo, aquele emprego seria uma aventura e eu queria saborear cada
momento.
Corri para o carro o mais depressa que meus saltos delicados
permitiam. Decidi quase imediatamente que o vestido de mangas compridas
que vestia era quente demais para o clima dali. E as meias que eu usava já
estavam grudando nas minhas pernas por causa da umidade.
O calor era bem-vindo.
A umidade… nem tanto. Especialmente em um traje destinado a um
clima frio.
Eu queria impressionar Dane parecendo profissional, portanto, optara
por um vestido de lã verde que encontrara em um brechó no Natal, com um
par de sapatos básicos de salto baixo.
Ao me aproximar do veículo, um homem desconhecido com camisa
florida exuberante saiu do banco do motorista.
— Srta. Jordan? — perguntou ele em tom amigável.
Fiquei espantada com a educação dele. Ninguém me chamava de srta.
Jordan.
Estendi a mão para apertar a mão grande que ele oferecia. — Por favor,
pode me chamar de Kenzie — pedi, sorrindo para ele apesar de estar
nervosa.
O homem, que parecia um urso de tão grande, tinha olhos castanhos
brilhantes e a pele tão escura que suspeitei ser nativo da ilha. Quando ele
falou, eu soube com certeza de que nascera e crescera no ambiente tropical.
— Vou chamá-la do jeito que preferir — respondeu ele com o sotaque
arrastado das Bahamas.
— Então com certeza me chame de Kenzie — disse eu ao finalmente
tirar a mão do aperto firme dele. — Você trabalha para o sr. Walker?
— Trabalho — confirmou ele. — Trabalho para ele desde que passou a
morar aqui, em Walker’s Cay.
— Ele nomeou a ilha com o próprio nome?
— Ah, não. Ele a nomeou com o nome do pai — respondeu o homem
grande.
Senti o coração apertado ao pensar no que acontecera com Dane. — E
como devo chamar você? — perguntei.
— Pode me chamar de Theo. É o meu nome — disse ele brincando ao
abrir a porta do carro.
Olhei para o banco traseiro, sabendo que me sentiria estranha sentada
atrás de Theo. — Posso sentar na frente? — perguntei hesitantemente. —
Eu adoraria ter uma vista da ilha do banco da frente.
— É claro que sim — respondeu ele em tom magnânimo, movendo o
corpo grande de forma surpreendentemente ágil ao correr para a porta do
passageiro.
Respirei fundo e soltei o ar, sentindo-me mais confortável por Theo ser
tão simpático.
Apressei-me a sentar no banco do passageiro da limusine escura,
torcendo para que Dane fosse tão simpático como Theo era comigo naquele
momento.
Vou ficar bem. Terei um excelente emprego.
O estresse financeiro das duas semanas anteriores finalmente
melhoraria. Quem se importava se as únicas coisas que eu tinha estavam em
uma mala e uma mochila? Eu trabalharia como assistente para um artista
renomado mundialmente e faria o possível para ser útil a Dane.
A verdade era que eu estava tão grata por aquele emprego que não
perdera muito tempo pensando em como seria morar em uma ilha particular
sem ninguém além do meu chefe. E realmente não importava. Eu era uma
sobrevivente. Sempre fora. Eu aceitaria qualquer emprego que encontrasse
para me manter viva.
Sinceramente, eu não queria que ninguém me encontrasse e ficar em
uma ilha desabitada era um lugar bom como qualquer outro para me
esconder.
Por sorte, eu conseguira um trabalho bem remunerado, algo que não
esperara. Mas jurei que, não importava o que fosse preciso, eu
impressionaria Dane Walker o suficiente para que ele não quisesse ficar
nunca mais sem uma assistente pessoal... no caso, eu.
CAPÍTULO 2
Kenzie

—Você certamente vai queimar essa sua pele clara, Kennie —


disse Theo com preocupação na voz enquanto voava como um
morcego saído do inferno pela estrada que saía do aeroporto.
Sorri, sem me dar ao trabalho de corrigi-lo sobre a pronúncia do meu
nome. A voz dele era relaxante e a forma como falava era calmante. — Vou
me acostumar, mas provavelmente vou me queimar primeiro. Não temos
muito sol em Nova Iorque.
A forma como Theo dirigia não me incomodava. Afinal de contas, eu
saíra da cidade de Nova Iorque.
Suspirei, sabendo que meus cabelos loiros e a pele clara não eram a
melhor combinação para ter em um ambiente tropical. Eu raramente ficava
bronzeada e, se acontecia, era depois de ter me queimado muito. Eu estava
usando uma quantidade razoável de maquiagem que tinha um protetor solar
bem forte, mas o restante do meu corpo teria problemas se não fosse
protegido.
— No começo, não fique muito tempo no sol — advertiu ele.
— Não vou ficar — garanti. — Você mora aqui na ilha?
Eu estava curiosa sobre Theo e o que ele fazia para Dane. Éramos dois
funcionários do dono da ilha e eu esperava que pudéssemos ser amigos.
— Ah, não. Moro em New Providence com minha bela mulher e minha
filha. Uso o barco do sr. Dane para vir para cá e voltar para casa todos os
dias.
Eu sabia que a capital de Nassau era em New Providence, portanto,
obviamente, ele morava em uma área mais populosa. — Ele tem barcos?
— Sim, vários. Eu uso um dos barcos menores para vir para cá e voltar
para Nassau.
— O que exatamente você faz para o sr. Walker?
Theo deu de ombros. — Qualquer coisa, faço de tudo. Sou motorista,
administrador da propriedade, faz-tudo e amigo dele. Minha esposa vem à
ilha algumas vezes por semana para limpar aquela casa imensa dele e
realizar afazeres gerais.
— Então ele realmente mora aqui sozinho? — perguntei.
— Não mais — respondeu Theo com um sorriso. — Você está aqui
agora.
— Fico imaginando como ele se sentirá sobre isso. Ele tem uma casa
de hóspedes para mim?
— Não é preciso. A casa dele é imensa.
Eu supusera que provavelmente teria que morar na residência de Dane
e não sabia ao certo o que achava disso. Apesar de sempre ter dividido o
lugar onde morara com outras pessoas, eu sempre tivera meu canto longe do
trabalho.
— E um estúdio?
— Ah, sim. Ele tem um prédio de vidro grande para a arte. As pinturas
dele são boas.
Mordi o lábio para reprimir uma risada. As pinturas de Dane eram mais
do que boas. Elas eram extraordinárias.
Eu adoraria ter Dane Walker como mentor. Só esperava que Dane me
deixasse fazer esboços ou pintar com ele às vezes e possivelmente me desse
algumas dicas. Eu faria o possível para não o incomodar, mas, se ele me
deixasse observar sua técnica, seria fascinante.
Não posso me transformar em uma peste. Minha prioridade número um
é ajudar Dane.
Quaisquer sonhos que eu tivesse de melhorar minhas habilidades
artísticas eram secundárias ao meu emprego, mas era possível ter
esperanças.
Fiquei quieta até chegarmos a uma estrada que parecia acompanhar a
costa da ilha. — Nossa, é lindo aqui — murmurei.
A água azul do oceano e a areia branca me deixaram sem palavras.
Uma sensação de paz me invadiu quando olhei para a praia, hipnotizada
pela água azul e pela areia maravilhosa. O terreno no lado oposto do
veículo era igualmente incrível. As flores exuberantes, as palmeiras e o
verde abundante eram uma das coisas mais lindas que eu já vira.
— Muito lindo — concordou Theo prontamente. — Eu não gostaria de
viver em outro lugar.
Suspirei. — Quando saí de Nova Iorque, estava frio e nevando. Parece
quase surreal estar aqui agora. Está tão quente.
Theo riu. — Fica mais quente.
Imaginei que seria muito mais quente durante o verão, mas, no
momento, aproveitei o inverno leve em um clima tropical. Infelizmente, eu
nunca tivera a oportunidade de conhecer muito Los Angeles durante o
tempo breve que passara na Califórnia e nunca viajara muito para fora de
New England. Nova Iorque fora minha única aventura real e rapidamente
transformara-se em algo amargo.
Absorvi a vista enquanto Theo dirigia pela estrada que serpenteava em
volta da ilha.
— Pode me dizer como é o sr. Walker? — perguntei em tom hesitante.
— Rabugento na maior parte do tempo, mas não deixe que ele a
assuste. Ele é solitário, apesar de não gostar de admitir.
— Rabugento como? — perguntei nervosamente.
Theo deu de ombros. — Principalmente, ele não tem muito a dizer.
Mas, depois de passar pela casca externa, ele é um homem bom.
— Ele gosta de companhia?
— Não sei. Ele nunca recebeu visitas — disse Theo em tom triste. —
Acho que ele gostaria que os irmãos viessem conhecer a ilha, mas não acho
que os tenha convidado alguma vez.
— Eles são a única família que ele tem — comentei pensativa.
Eu sabia que Paige e Sebastian estavam preocupados com Dane. Ele
não fora a Denver para os feriados e não saía da ilha havia muito tempo.
Paige ainda não conhecera Dane, mas eu sabia que ela queria finalmente
conhecer o único membro da família próxima de Sebastian que ainda não
vira frente a frente.
Parte da minha missão ali era garantir que trabalho suficiente fosse
retirado dos ombros de Dane para que ele pudesse ir para o casamento de
Paige e Sebastian. E eu estava determinada a cumprir essa tarefa pela minha
amiga.
Como todos os Walkers eram extremamente ricos, achei estranho que a
família dele nunca viesse visitá-lo. Eles só precisavam embarcar no jatinho
particular. Eu sabia que Paige adoraria isso e não conseguiria entender
como Trace e a esposa podiam não gostar de férias sossegadas na ilha.
— Ele precisa da família — disse Theo baixinho. — Está nesta ilha
sozinho há tempo demais. Eu venho aqui durante a semana, mas
normalmente estou em algum outro lugar cuidando da propriedade do sr.
Dane. Ficar sozinho tanto tempo assim não é natural.
— Por que ele se esconde aqui? — perguntei.
— Diz ele que gosta da privacidade, mas não é verdade. Ele ficou com
cicatrizes, por dentro e por fora, depois do acidente que matou o pai dele e a
nova madrasta. Não sei o que dói mais.
Meu coração ficou apertado quando Theo mencionou os ferimentos de
Dane. — É muito ruim?
— Não é mais tão ruim — disse Theo. — Ele exagera muito mais do
que o necessário. No decorrer dos anos, ele passou por cirurgias e implantes
de pele para corrigir a pior parte. Claro, o corpo dele está marcado de
formas que nunca se curarão, mas acho que, agora, o coração dói mais do
que o corpo.
Por um momento, quase consegui sentir a dor dele ao imaginar um
homem que se escondera do mundo. Um solitário, não por opção, mas pelas
circunstâncias. — Tomara que eu consiga ajudá-lo — comentei
esperançosa.
— Ah, acho que vai, sim. Você parece uma moça bacana — respondeu
Theo em tom malicioso.
— As cicatrizes dele não me incomodarão — insisti.
— Então talvez ele passe a aceitar você na casa dele.
Parei de olhar para a vista da ilha e virei a cabeça para olhar para o
funcionário de Dane. — O que quer dizer?
— Ele não vai gostar.
— Gostar do quê? — perguntei com pânico na voz.
— O sr. Dane não vai gostar no começo do fato de você estar aqui. Mas
espero que ele supere.
— Espere! Ele sabe que estou chegando, certo? Trace e Sebastian
contaram a ele?
Theo balançou a cabeça negativamente. — Ele não sabe de nada. Acho
que os irmãos dele pensaram ser melhor mandar você para cá em vez de dar
ao sr. Dane a chance de recusá-la. O sr. Trace ligou diretamente para mim,
pedindo que eu viesse para buscar você. Eu disse a ele que buscaria, mas
que não era meu papel contar a novidade ao chefe.
Meu coração quase parou enquanto minha mente tentava lidar com o
fato de que Dane não sabia que eu chegaria. Ele não sabia que Trace e
Sebastian estavam mandando ajuda.
O fato de que ninguém informara a Dane sobre mim me deixou furiosa,
mas isso era secundário a um medo que não consegui reprimir. — E se ele
não me quiser? E se ele me mandar de volta para casa? Eu realmente
preciso desse emprego — sussurrei em tom horrorizado.
Ir trabalhar para Dane Walker fora a minha salvação.
Tristemente, minha ruína poderia acontecer em breve. Se Dane Walker
não estivesse disposto a me deixar ficar e trabalhar para ele, eu não fazia a
menor ideia do que faria.
CAPÍTULO 3
Dane
SETE ANOS ANTES...
Fiquei feliz por estar de volta na minha ilha.
Eu acabara de encontrar meus irmãos pela primeira vez em quase um
ano e, apesar de sentir saudade deles, o encontro fora constrangedor para
mim.
Sim, eu gostara dos feriados e da companhia dos meus irmãos, mas não
gostara dos olhares horrorizados que recebera ao ir para Denver um dia para
comprar presentes de Natal.
Mamãe... ele é um monstro. Olhe!
A voz aterrorizada da criança no shopping center continuava soando na
minha mente enquanto Theo me levava de volta para a minha casa. Eu
chegara de helicóptero. Em algum momento, pretendia construir um
aeroporto, mas a maior parte da minha atenção fora para construir a minha
casa.
Talvez eu seja assustador para uma criança.
A mãe da garotinha repreendera a filha, levando-a para longe e
murmurando pedidos de desculpa ao saírem depressa da loja de aparelhos
eletrônicos.
Ainda assim, eu não conseguia me esquecer de como a criança ficara
com medo ao ver o meu rosto.
Eu acabara de sair de uma cirurgia corretiva e meu rosto estava coberto
com curativos. Eu provavelmente não deveria ter saído da casa de Trace,
mas tivera uma crise súbita de culpa ao perceber que não saíra de Walker’s
Cay para fazer compras antes de chegar ao Colorado.
— Fico feliz por estar em casa, chefe. Seu cachorro maluco sentiu sua
falta — informou Theo em tom jovial.
Aquilo colocou um sorriso leve no meu rosto. Eu estava no banco do
passageiro enquanto Theo me levava para casa. Eu provavelmente sentira
mais falta do meu cachorro do que ele sentira a minha falta. Picasso, meu
jovem cachorro, fora meu único amigo de verdade. O cão preto e branco
com orelhas grandes não dera a mínima para o fato de eu ter cicatrizes e
sequelas. Só o que ele queria era um lar seguro, comida e afeição. Em troca,
ele me dava amor incondicional.
Desejei que o mundo fosse tão simples assim. Infelizmente, a vida com
as pessoas era muito mais complicada.
— Ficarei feliz em vê-lo — respondi finalmente, observando enquanto
minha casa ficava à vista.
— Minha Emilee ficará feliz em devolvê-lo — brincou Theo. — Ele
está choramingando desde que você foi embora.
— Tenho certeza de que Emilee o deixou muito mimado — respondi. A
esposa de Theo estava na casa com meu cachorro maluco. Ela era um anjo e
eu duvidava que ficaria feliz em abrir mão dos cuidados com qualquer
criatura.
— Com certeza — concordou Theo. — Ele ganhou muitos agrados.
A resposta de Theo consolidou o fato de que eu voltara para um
cachorro muito mimado. Emilee adorava animais e não fazia com que se
comportassem.
Saí quando Theo estacionou perto da porta da frente, ainda atônito ao
ver que tanta coisa fora feita em um tempo tão curto. Em um ano, a casa e o
estúdio já estavam construídos.
Bati a porta do carro e olhei para o trabalho que já fora feito para
transformar Walker’s Cay no meu lar.
Sim, eu tinha exagerado, mas começava a perceber que havia muito
pouco que não podia fazer. Eu era rico demais para excluir qualquer
possibilidade.
O problema era que, mesmo depois que todo o trabalho fora concluído,
eu ainda estava sozinho.
A visita aos meus irmãos fora doce e amarga. Ela me lembrara que, não
importava o quanto eu construísse em Walker’s Cay, isso nunca atrairia as
pessoas.
Estremeci ao olhar para todas as janelas do segundo andar, sabendo que
os quartos nunca seriam ocupados.
Talvez algum dia.
Balancei a cabeça. Meus irmãos obviamente não tinham o menor
desejo de me visitar e nunca haveria ninguém ali, exceto Theo e Emilee.
Meu peito doeu quando entrei na casa.
Jesus!
Eu sentia falta do meu pai.
Eu sentia falta dos meus irmãos.
Eu sentia falta de vozes e dos sons da cidade.
Ficarei bem sozinho. Vou me acostumar.
Aquelas palavras eram meu mantra. Talvez, no futuro, eu finalmente
conseguisse me convencer de que elas eram realmente verdade.
CAPÍTULO 4
Dane
O PRESENTE...
—Nunca vou conseguir agradar todo mundo — disse eu irritado
ao jogar o pincel de lado e examinar a tela grande à minha frente.
Eu estivera trabalhando na pintura durante meses. Eu estava
razoavelmente satisfeito com a obra. Mas sabia, como sempre acontecia,
que cada pintura que eu fazia estava sujeita à interpretação individual.
Algumas pessoas adorariam a arte. Outras não. Esse era o problema de ser
um artista abstrato. Duas pessoas totalmente diferentes teriam opiniões
diversas sobre o que a pintura transmitia a cada uma delas.
Levantei-me e andei inquieto em direção à casa. No que me dizia
respeito, a pintura estava terminada. Eu colocara minhas emoções na arte da
tela. Seria inteiramente por conta de quem a visse decidir se a peça era
relevante à sua vida... ou não.
Mexi os ombros enquanto caminhava, tentando aliviar os nós de tensão
na parte superior das costas. Eu pediria a Theo que embalasse o quadro para
enviá-lo a uma galeria em Nova Iorque. Sem dúvida, eu ganharia um bom
dinheiro com a pintura, mas, no meu nível de riqueza, isso significava
muito pouco. Eu dobrara minha fortuna nos anos anteriores, mas era um
jogo, algo que me mantinha ocupado. A última coisa de que eu precisava
era mais riqueza material. Sim, fora bom ter bilhões enquanto eu preparava
meu lugar em Walker’s Cay. Mas eu não tinha uso para mais dinheiro. Já
tinha tudo o que um homem poderia querer.
Tudo, exceto companhia.
Claro, eu tinha Theo e a esposa dele com quem conversar às vezes e
eles eram meus amigos. Mas, de vez em quando, eu queria poder ter algo...
mais.
Não houvera uma mulher sequer na ilha desde meu breve
relacionamento com Britney. E eu aprendera minha lição. Algumas vezes,
era melhor ficar sozinho. A mulher com quem eu trepara por vários meses
dois anos antes não fora companhia, ela fora um pé no saco.
Ela quisera ficar comigo só para dar o troco no meu irmão, Trace, por
tê-la dispensado. Não que eu me importasse. Soubera desde o início que
Britney mal tolerara minha aparência e nunca fazíamos sexo à luz do dia. A
filha da puta me dissera, ao ir embora, que só ficara por causa do dinheiro
que eu lhe dava e pela possibilidade de conseguir Trace de volta.
Eu soubera. Eu sempre soubera que ela não aguentava olhar para mim.
Mas eu quisera tanto um pouco de contato humano que não questionara o
fato de ela mal conseguir permitir as trepadas. Britney nunca fora mais do
que uma prostituta de classe alta. Uma puta muito cara.
Aceitar o que uma mulher me daria por dinheiro terminara dois anos
antes. Nunca mais eu me sentiria grato por uma trepada. Eu poderia me
masturbar sem me preocupar em tentar agradar alguém que não tivesse
interesse real em mim.
— Estou melhor sozinho — resmunguei ao chegar à porta da frente da
mansão que eu construíra na ilha. Meu estado de solidão acabara tornando-
se o normal para mim. Eu estava resignado a ficar sozinho na ilha, apesar
de não ter sido inteiramente escolha minha.
Virei-me antes de passar pela porta da frente quando minha atenção foi
atraída para o veículo que se aproximava.
Theo. O que diabos ele estava fazendo lá?
O sedã escuro, um veículo que só saía se eu precisasse ir a algum lugar
da ilha, percorreu o longo caminho e parou em frente à minha casa.
Naqueles dias, eu raramente precisava que Theo me levasse de um lugar a
outro. Eu preferia dirigir, agora que meus ferimentos estavam
completamente curados.
Eu estava curioso e achando divertidas as ações de Theo.
Até que eu a vi.
A poucos metros de mim, vi a mulher sair do banco do passageiro do
carro, lutando com uma mochila com rodinhas e uma bolsa.
— Droga! — disse ela com voz irritada ao puxar a mochila que ficara
presa no cinto de segurança. — Não seja idiota agora. Não agora.
A mochila finalmente se soltou e a mulher cambaleou para trás,
tentando desesperadamente não cair por causa dos saltos.
Mas não conseguiu.
Corri à frente de forma instintiva, querendo protegê-la de cair na
superfície dura do caminho.
Meu corpo estava logo atrás quando ela bateu contra meu peito. —
Devagar — disse eu com voz rouca ao segurá-la com os braços em volta de
sua cintura.
Jesus! Ela tinha cheiro de coco e pecado. A tentação invadiu meu corpo
só de sentir a forma doce, quente e cheia de curvas contra mim.
Congelei, sentindo uma ereção imediata, com o corpo tenso e pronto.
Desgostoso comigo mesmo, soltei a mulher assim que ela recuperou o
equilíbrio.
— Sr. Walker? — perguntou ela com voz nervosa ao pendurar as duas
bolsas no ombro.
— Sou eu — rosnei. Meus instintos primitivos mal estavam
controlados enquanto eu a observava, tentando descobrir o que causara
minha reação volátil.
Sim, ela era linda. E muito adorável ao alisar a saia com as mãos,
tentando se recompor. Os cabelos loiros longos e lisos fluíam sobre seus
ombros e as feições delicadas faziam com que parecesse muito mais
inocente do que uma mulher poderia ser. Ela era miúda e precisou inclinar a
cabeça para trás para olhar para mim com os olhos azuis. Não foi a cor que
me atingiu como um caminhão, foi a expressão dela. O olhar dela não tinha
nem um traço de desgosto ou repulsa quando olhou para mim de forma
ansiosa, parecendo esperar polidamente que eu dissesse mais alguma coisa.
— É um prazer conhecer você. Sou Kenzie, sua nova assistente —
disse ela apressada ao estender a mão para me cumprimentar.
— Seus irmãos a enviaram — disse Theo ao parar ao lado dela.
— Não! Caralho, não! — rosnei.
Eu olhei para a mão estendida dela, mas não a apertei.
Eu estava furioso demais naquele momento.
Meus irmãos? Que filhos da puta! Eles sabiam que eu não queria mais
ninguém em Walker’s Cay, especialmente uma maldita mulher.
— Leve-a de volta — instruí Theo ao me virar para entrar na casa. —
Não a quero aqui. Não preciso de nenhuma assistente.
— Você está sendo escroto, cara — respondeu Theo em tom de
advertência.
— Minha ilha, minhas regras.
— Vou levá-la para o quarto azul — disse Theo, ignorando
completamente minhas ordens ao pegar a mala da mão dela e seguir-me
para dentro da casa. — Ela percorreu um longo caminho para chegar aqui e
precisa de um emprego. Você não vai mandá-la de volta para casa agora.
— Você ajudou meus irmãos! — acusei ao me virar para olhar
friamente para Theo.
— Sim, cara, porque acho que eles estão certos. Entre sua arte, seu
trabalho de atuário e seus hobbies, você precisa de alguém que organize sua
vida.
Hesitei por um momento, sem saber o que entender do Theo que eu via
naquele momento. Ele raramente discutia sobre qualquer coisa e não
entendi por que estava fazendo aquilo.
— Com todo o respeito, sr. Walker, seus irmãos me prometeram um
emprego — disse a mulher em tom neutro e razoável. — Pedi demissão do
emprego que eu tinha em Nova Iorque para vir para cá.
— E por que isso é um problema meu? — resmunguei. — Não tive
nada a ver com o fato de eles a contratarem sem o meu conhecimento. Eles
fizeram merda e quero que vá embora.
Observei quando ela prendeu os cabelos loiros longos atrás da orelha
ansiosamente. — Talvez não. Mas, se tiver alguma bondade, por favor,
deixe-me ficar por algum tempo. Também não é culpa minha e não tenho
para onde ir. Tenho cinco dólares na bolsa. É a única coisa que está entre eu
e a fome.
A confissão dela foi feita em tom neutro e atraiu minha atenção. Eu
queria estrangular meus irmãos por colocarem aquela mulher nessa
situação. — Eu lhe darei dinheiro — disse eu.
— Não quero esmolas, sr. Walker. Só quero uma chance justa de fazer
o trabalho para o qual fui contratada. Talvez eu não tenha muita experiência
como assistente pessoal, mas trabalho duro e concluirei qualquer tarefa que
me der. Sou organizadora e posso ajudar a tirar um pouco da carga dos seus
ombros.
Sinceramente, eu não me sentia sobrecarregado pela minha carga de
trabalho. Bom, eu não me sentira assim até que uma loira linda e atraente
entrasse pela minha porta. No momento, eu me sentia completamente
sobrecarregado.
— Não preciso de ajuda — retruquei em tom furioso, sabendo que
precisava me afastar dela antes que minha cabeça virasse do avesso.
Nem uma vez ela me olhara de forma diferente com que olharia para
qualquer homem normal. Ela não notara minhas cicatrizes e não parecia
abalada pelo meu rosto desfigurado.
Foi uma experiência estranha. Não estava acostumado a mulheres que
me olhassem como se eu fosse... normal.
— E se você realmente precisar? — argumentou ela.
— Não preciso.
— Pelo menos, deixe-me tentar — persistiu ela.
— Não.
Eu me senti o escroto que Theo tinha acabado de me acusar de ser. Eu
tinha que admitir... a mulher era muito corajosa e gostei disso. Ela estava
lutando por um emprego e não parecia se importar com a minha aparência
no momento.
Não só meu rosto estava exposto, eu também estava sem camisa, com
as antigas feridas expostas por causa do calor. Ela tinha muita sorte de eu
não estar nu, mas não estivera quente o suficiente para me livrar de todas as
roupas. Eu ainda vestia uma calça jeans velha e confortável.
— Ok — respondeu ela em um tom desesperançoso. — Theo, posso
voltar aos Estados Unidos no mesmo avião?
Sim, eu era um escroto. Ao ver a expressão arrasada no rosto da loira,
senti-me como se tivesse acabado de chutar um filhote de cachorro na rua.
Mas, que merda, por que eu tinha que me preocupar com o destino dela? Eu
nem a conhecia.
— Posso levar você de volta, srta. Kennie — respondeu Theo em tom
infeliz.
Ela me encarou com um olhar decepcionado. — Eu queria poder dizer
que foi um prazer, sr. Walker, mas não foi. Sempre admirei seu trabalho e
estava ansiosa para conhecê-lo melhor. Mas acho que é melhor só ver suas
pinturas e tentar esquecer como você é rude e desagradável.
E cheio de cicatrizes! Por que diabos ela não falou das minhas
cicatrizes?
Ela ainda não mencionara minha aparência nem mostrara nenhum tipo
de reação a ela.
Os ombros dela estavam caídos quando ela abriu a porta que eu batera
mais cedo durante meu ataque de irritação... e medo.
Havia algo que me fizera ter uma reação negativa, era como esperar
que a bomba fosse jogada.
Admirei a coragem daquela mulher e a última coisa que eu queria era
que ela fosse prejudicada de alguma forma.
Quando ela andou em direção à porta, com Theo logo atrás, eu disse
em tom irritado: — Você pode ficar por enquanto.
Mas que porra? Por que aquelas palavras tinham saído da minha boca?
Quando ela olhou por cima do ombro com uma expressão esperançosa,
percebi exatamente por que eu as dissera.
Não podia mandá-la de volta para o mundo sem nada.
Eu não podia chutá-la de volta para uma vida que não tinha compaixão
alguma. Eu passara por aquela experiência.
E não queria que aquela mulher sofresse porque meus irmãos tinham
sido idiotas completos. Eles não tinham pensado no que aconteceria com
ela se eu me recusasse a aceitá-la na minha ilha?
— Está falando sério? — perguntou ela sem fôlego, o que deixou meu
pênis mais duro do que jamais estivera desde a adolescência.
— Sim — disse eu por entre os dentes. — Theo, mostre o quarto a ela.
Seria muito difícil abrir mão da minha privacidade. Estar sozinho pelo
menos me dava um pouco de paz. Mas eu estava resignado com o fato de
que ela não receberia nada a não ser que trabalhasse para receber.
— Obrigada — murmurou ela.
— Só tente ficar fora do meu caminho. Não gosto de ser interrompido
quando estou trabalhando.
Ela assentiu. — Entendido.
Observei quando ela subiu a escada atrás de um Theo silencioso, com
os saltos batendo no mármore. Tentei fazer com que meu corpo relaxasse
enquanto continuava a observar a silhueta que desaparecia aos poucos,
apreciando as costas atraentes quando ela chegou ao topo da escada.
— Estou fodido! — sussurrei quando Kenzie sumiu de vista, sabendo
que não fora apenas o corpo e o rosto dela que me hipnotizaram.
Eu estava atraído pelo espírito dela, algo que era muito pior do que
apenas querer uma trepada. Havia algo naquela mulher que fazia com que
eu quisesse me aproximar. E isso não era bom.
Eu não me aproximava das mulheres.
Não podia.
Eu demorara anos para conseguir me proteger e certamente não
precisava de alguém que virasse meu mundo de pernas pro ar. Eu me
decepcionaria e já tinha fracassos demais no meu passado.
Mexi os ombros tensos ao me virar para ir para o meu escritório. Eu
manteria distância. Garantiria que ela não se aproximasse. Minha sanidade
dependia disso.
Ainda furioso, bati a porta do escritório atrás de mim ao entrar,
determinado a telefonar imediatamente para os meus irmãos para dizer que
nunca mais falaria com eles de novo.
CAPÍTULO 5
Trace

—Ok, diga logo — insistiu minha bela mulher ao entrar no meu


escritório em casa. — Você está sorrindo daquele jeito que me faz
pensar que fez alguma coisa extremamente ruim.
Como sempre, o som da voz de Eva e seu sorriso maravilhoso me
fizeram sorrir para ela. — Fiz — concordei prontamente. — Dane está tão
furioso que disse que nunca mais vai falar comigo.
Eu sabia que era só conversa fiada. Meu irmão mais novo em algum
momento falaria comigo. No momento, ele só estava descarregando a raiva.
Não era que Sebastian e eu não tivéssemos esperado aquela reação
antes de mandarmos Kenzie para a ilha dele. Mas a ferocidade de Dane me
deixara um pouco chocado.
Meu irmão geralmente não ficava furioso e o fato de estar fumegando
de raiva era um bom sinal.
— O que você fez a ele? — perguntou Eva, soando um pouco
alarmada.
— Ele não ficou nada feliz com a chegada de Kenzie no paraíso
tropical dele — respondi com um sorriso. Ela se sentou em uma cadeira em
frente à mesa com a testa franzida.
— Isso não é bom — comentou ela. — E se ele a obrigar a ir embora?
— Ele não vai fazer isso — respondi em tom malicioso.
Ela inclinou a cabeça da forma que eu passara a amar. — Você não tem
como saber. Talvez isso machuque mais do que ajude.
— Preciso arriscar — disse eu em tom mais sério. — Dane precisa de
alguém que sacuda a vida dele. Ele está ficando complacente demais sobre
a ideia de passar o resto da vida sozinho naquela ilha.
— E se for isso que ele quer? — argumentou ela.
— Se eu achasse que era só isso que ele quer, nunca teria mandado
Kenzie para lá. Acha mesmo que ele está feliz?
Eva ficou quieta por um momento antes de responder: — Ele parece...
contente. Talvez não feliz, mas contente consigo mesmo e com suas
decisões.
— Isso é suficiente?
Ela balançou a cabeça negativamente. — Eu sei que você tem razão.
Acho que ele merece muito mais. Ele deve se sentir solitário, mas acho que
não quero vê-lo destruído porque interferimos.
— Também não quero isso — confessei. — Mas Dane não vai se
arriscar. A vida dele foi difícil demais. Se ele estiver confortável, aceitará a
vida que tem agora.
— O que ele disse no telefone?
— Ele parecia abalado. Ele me xingou sem parar. Acho que vai
telefonar para Sebastian também e não tenho dúvidas de que ele também
verá a raiva de Dane como um bom sinal. Sinceramente, acho que ele está
mais com medo do que com raiva. Ele gostou da forma como ela o
confrontou. E falou várias vezes sobre o fato de ela nem ter notado as
cicatrizes dele.
Eva soltou um suspiro aliviado. — Graças a Deus. Só quero alguém
que veja Dane como ele realmente é. Ele é muito talentoso e é atraente.
Desde que começou os tratamentos com laser, as cicatrizes estão
melhorando cada vez mais, mas ele não vê isso. Theo me disse que está
fazendo uma diferença grande. Sinceramente, eu queria que mais alguém
além da família se importasse com ele, sem que o dinheiro ou a aparência
dele fizesse diferença.
— O dinheiro atrai artistas falsos — argumentei.
Ela me lançou um olhar dúbio: — Como eu?
Balancei a cabeça negativamente. — Nunca você, meu amor. — Eu
quase tivera que forçar a mulher a se casar comigo. E soubera, desde o
início, que Eva fora sincera, algo que eu nunca encontrara antes.
Provavelmente era por isso que eu a amava tanto. Com ou sem dinheiro, ela
me amava de forma incondicional.
Ela suspirou. — Não conheço Kenzie, mas Paige jura que é a mulher
mais doce que já conheceu, portanto, tenho certeza de que é verdade. Ela
tem o próprio coração partido com que se ocupar. Eu esperava que ela e
Dane criassem uma conexão.
— Falei bastante com ela pelo telefone. Gostei dela. Se fosse para
arriscar, eu sabia que seria com ela. Não tenho a menor ideia se haverá
algum tipo de conexão amorosa entre ela e Dane, mas não era isso que eu
estava tentando fazer. Meu objetivo era que ele visse que nem todas as
mulheres são víboras sem alma. Se conseguirem ser amigos, ficarei feliz.
Talvez isso faça com que Dane se abra. Talvez ele saia da ilha com mais
frequência.
— Sebastian quer muito que ele venha para o casamento — disse Eva.
— E eu quero encontrá-lo. Faz muito tempo.
— Eu tenho um jatinho particular — sugeri. — Podemos fazer uma
visita.
— Eu adoraria — respondeu ela com voz animada. — Acho que nunca
nem pensei em ir visitá-lo. Eu me sentiria uma intrusa. Ele nunca nos
convidou.
— Também me sinto assim —admiti. — Mas talvez esteja na hora de
nos convidarmos.
Eu nunca invadira a privacidade de Dane. Supus que ele quisesse ficar
sozinho. Mas começava a me perguntar se ele só não nos convidara porque
achara que recusaríamos. Eu começava a me arrepender de ter dado espaço
a ele.
Vamos falar com ele no casamento de Sebastian e Paige — sugeriu
Eva. — Eu não ficaria nada triste de visitar uma ilha tropical no inverno. E
gostaria muito de ver Dane.
— Idem — concordei. — Só espero que ele venha para o casamento.
Ele esteve bem ocupado nos últimos anos e tenho a sensação de que usou
isso como desculpa. Quanto mais ele ficar isolado, mais improvável será
que continue a nos visitar. Não aguento isso, Eva. Ele é tudo que Sebastian
e eu ainda temos.
— Ele chegará lá — disse Eva em tom confiante. — Ele não vai perder
o casamento do irmão. Ele pode ter perdido os feriados, mas os irmãos só se
casarão uma vez. Quero dizer, espero que só se casem uma vez.
— Não pretendo deixar você ir embora — disse eu firmemente. — Está
presa a mim para o resto da vida.
Eva era o meu mundo e eu não conseguia imaginar a vida sem ela.
— Estou feliz por estar presa — retrucou ela com um sorriso
charmoso.
— E quanto tempo temos até o casamento? — perguntei à minha
esposa. — Paige já decidiu a data?
— Ainda não — respondeu ela. — Mas estamos quase terminando os
planejamentos e a data deverá ser confirmada em breve. Paige está
considerando mudar o lugar do casamento, já que estará muito frio aqui.
Minha esposa e a noiva de Sebastian estavam planejando o casamento
havia semanas e eu sabia que meu irmão estava ficando impaciente. Eu
sabia que ele não se importava nem um pouco com o lugar onde o
casamento aconteceria. — É melhor que seja em breve. Sebastian não
aguentará muito mais tempo.
Eva riu. — Ele vai sobreviver. Não precisamos nos apressar. Eles já
estão morando juntos. Ela não está exatamente mantendo-o à distância.
— Não importa. Ele quer que seja oficial. — Eu conseguia entender a
frustração dele. Eu tivera a mesma necessidade desesperada de garantir que
Eva estivesse ligada a mim. Talvez fosse um instinto primitivo, mas não
parecera certo não estar casada com ela. Afinal de contas, eu esperara a vida
inteira para encontrá-la.
Eva mudou de assunto ao perguntar: — O que mais Dane disse?
Dei de ombros. — A maior parte do que ele gritou não fez o menor
sentido.
— Coitado do Dane — disse Eva com pena.
— Se ele ficar confortável com Kenzie, esse desconforto de agora terá
valido a pena.
— Acho que será bom para ela também — comentou Eva. — Ela não
teve uma vida fácil e talvez morar em uma ilha tropical seja uma folga
agradável.
— Ela morou na cidade a vida inteira. Acho que, na verdade, será um
pouco enervante.
— Mas será um descanso. Nova Iorque é cansativa — argumentou ela.
Eu sabia que as ruas não tinham sido agradáveis para minha esposa e
não havia nada que ela amasse mais do que andar pelas montanhas. Apesar
de morarmos em Denver, viajávamos com frequência.
— Precisa de um descanso? — perguntei, subitamente preocupado de
tê-la negligenciado.
Ela se levantou e andou lentamente até a minha cadeira. Estendi a mão
e segurei sua cintura, puxando-a para o meu colo.
Abraçar Eva sempre deixara meu humor mais leve. Eu não fazia ideia
de como tivera tanta sorte, mas parara de questionar meu destino. Eu só
estava muito feliz por ela ter se casado comigo.
— Não, não preciso — respondeu ela com um suspiro feliz, correndo
os dedos pelos meus cabelos desgrenhados. — Gosto de viajar, mas
fazemos isso com bastante frequência. Preciso estar em uma cidade para
fazer o que amo, e você também.
Eu poderia argumentar que a Walker Enterprises poderia ter sede em
qualquer lugar, mas os estudos dela nas artes culinárias eram uma história
diferente. O talento dela exigia muitas pessoas que quisessem comer e ela
estava muito melhor em um lugar onde as pessoas pudessem apreciar suas
habilidades.
Minha esposa ainda não sabia, mas eu planejava comprar para ela o
melhor restaurante em Denver quando completasse seus estudos. Ela
merecia um lugar especial onde pudesse criar as próprias receitas.
— Não faz a menor diferença para mim, desde que eu esteja com você
— respondi com voz rouca, apertando os braços em volta da cintura dela.
— Idem, sr. Walker — disse ela em tom brincalhão.
Meu coração deu um salto quando minha bela Eva olhou para mim com
amor nos olhos, uma expressão que eu aprendera a esperar desde que
confessáramos nossos sentimentos um pelo outro. — Eu amo você — disse
eu automaticamente, incapaz de manter as emoções confinadas no peito.
— Eu também amo você — disse ela em um sussurro ao abaixar a boca
até a minha.
Todos os pensamentos sobre meu irmão mais novo desapareceram
enquanto Eva enchia minha alma. Eu me preocuparia com Dane mais tarde.
Não havia realmente muito o que eu pudesse fazer. E não conseguia me
concentrar quando Eva estava tão perto de mim.
O que aconteceria entre Dane e a assistente dele teria que ser deixado
para o destino. Eu não interferiria mais.
Só torcia para que, um dia, meu irmão conseguisse ser tão feliz como
eu e Sebastian. Ninguém merecia isso mais do que ele.
CAPÍTULO 6
Dane
SEIS ANOS ANTES...
Eu morava em uma casa sem espelhos.
De propósito, eu evitara a presença de qualquer vidro com reflexo
quando a casa fora decorada. Eu não era um maldito vampiro nem nada. Só
um cara que odiava a visão do próprio rosto.
Eu raramente via meu reflexo, a não ser que estivesse fazendo a barba...
uma tarefa que acabara de terminar.
Olhando para meu maxilar no único espelho que havia na casa, achei
que estava ótimo. Em seguida, fechei o espelho dobrável que usara no
banheiro principal para tirar a barba do rosto.
Ok, talvez eu pudesse ter deixado o decorador colocar espelhos nos
outros quartos e provavelmente aceitaria comprar alguns... se eu tivesse
visitantes. Mas, no momento, era só eu. E eu odiava olhar para mim
mesmo.
Olhei para baixo, para os olhos escuros de Picasso. Ele me olhou de
volta da posição em que estava aos meus pés. — Sim, ok, você está aqui —
murmurei para o meu cachorro. — Mas não acho que você queira se olhar
no espelho.
Picasso inclinou a cabeça de uma forma que sempre me deixava
perplexo, como se entendesse cada palavra que eu dizia, mesmo sabendo
que não era verdade.
Entrei no closet para pegar uma camiseta limpa, vesti-a e perguntei ao
cão: — Quer ir à praia?
O cão se levantou imediatamente e começou a choramingar para ser
levado até a água.
Eu tinha certeza de que Picasso entendia a palavra “praia”. Ou talvez
apenas soubesse que começávamos praticamente todos os dias com um
passeio pela água.
Observei, ligeiramente divertido, quando ele saiu correndo porta afora.
Segui em um passo mais lento.
Realizar minha rotina diária me mantinha são. Eu primeiro tomava
café, depois ia para o estúdio. De verdade, a única coisa que eu tinha a fazer
era trabalhar na minha arte. No momento, eu não tinha nenhuma outra
questão urgente.
Fiquei imaginando o que Trace e Sebastian estavam fazendo e tentei
resistir à tentação de telefonar para descobrir.
Faziam poucas semanas que eu voltara para casa depois da visita anual
dos feriados de fim de ano e já sentia o silêncio opressivo da residência
enorme.
De vez em quando, eu cedia à vontade de falar com Sebastian e Trace
ao telefone. Depois, acabava sentindo-me mais sozinho do que podia
aguentar. Portanto, eu evitava os telefonemas deles até que precisasse falar
com os dois.
Era mais fácil assim. Eu não queria ter esperanças sobre algo que nunca
seria realidade.
Depois que terminei de preparar o café, recostei-me na pia esperando
que ele ficasse pronto.
Sério, morar em uma ilha particular era tão ruim assim? Eu tinha
liberdade. Eu tinha meu cachorro. Eu poderia perseguir qualquer coisa que
me interessasse e trabalhar na minha arte.
Agora eu tinha barcos e podia me divertir pescando e mergulhando.
Estou bem sozinho. Vou me acostumar.
Tentei tirar meus irmãos da mente enquanto servia uma xícara de café.
Sentei para ler as notícias do mundo, tentando não pensar em como queria
ter alguém com quem conversar sobre o que acontecia em volta do globo.
Como fiz todas as manhãs, li as notícias sozinho.
Como em todos os outros dias.
Eu estava sempre sozinho.
CAPÍTULO 7
Kenzie

Caí na cama do quarto mais lindo que eu já vira com um suspiro


de alívio. Theo finalmente terminara de me mostrar onde tudo
ficava na suíte e fora embora. Eu estava sozinha pela primeira vez
desde que ele me buscara no aeroporto.
Dane quase me mandara embora e estremeci ao pensar no que poderia
ter acontecido se eu tivesse que tentar começar tudo de novo.
Não teria onde morar.
Não teria para onde ir.
Não teria para onde fugir.
Aquela oportunidade de emprego significara tudo para mim. Achei que
poderia ser minha chance de economizar e planejar minha vida. Eu
precisava muito de um novo começo e estivera torcendo desesperadamente
para que trabalhar para Dane Walker fosse o início de algo diferente para
mim.
Agora, eu sabia que seria apenas mais uma batalha pela sobrevivência.
Eu não queria ter que me mudar sempre que minha localização fosse
descoberta. Fizera isso desde que virara adulta.
Deitei de costas e olhei em volta do quarto imenso. A decoração era de
muito bom gosto, em tons de praia leves e brilhantes. O quarto azul era, na
verdade, azul esverdeado. Toques de azul-marinho e outras cores mais
profundas tornavam o quarto divertido e relaxante.
Não havia nada de pretensioso nem sofisticado no espaço. Mesmo
assim, ele exalava luxo.
Eu vira o banheiro ao lado quando Theo me conduzira até o segundo
andar e sabia que as cores e o tema eram os mesmos do quarto. Adorei os
toques coloridos.
A única coisa realmente estranha que percebi foi a surpreendente falta
de espelhos. Por sorte, eu tinha um espelho de maquiagem grande na mala,
mas o fato de uma suíte tão incrível como aquela não ter espelho era um
tanto... estranho.
Havia uma área de estar adorável com uma escrivaninha no lado oposto
do quarto e eu sabia que adoraria ter uma televisão só para mim. Dividir um
espaço com várias outras mulheres significara que eu raramente conseguia
assistir ao que queria na televisão. Não que eu tivesse muito tempo para
isso.
— Nada de preguiça — disse eu para mim mesma em tom sério ao me
sentar. Eu estava lá para trabalhar e faria o máximo possível imediatamente.
Comecei a guardar minhas roupas, sem querer acreditar que minha
estadia seria apenas temporária.
Tenho que ficar aqui. Preciso ficar aqui.
Depois de trocar de roupa e vestir uma calça jeans e uma camiseta leve,
eu disse a mim mesma que estava pronta.
Apesar de não estar muito animada para ter outra interação com Dane,
eu estava pronta para começar a trabalhar. Eu não conseguia ficar ociosa.
Estava quase certa de que isso não fazia parte do meu DNA. Eu passara a
vida inteira ocupada, raramente tirando algum tempo para relaxar.
Eu ficarei bem.
Dane Walker certamente não me causara uma boa impressão, mas eu
teria que superar meu medo de encontrá-lo. Afinal de contas, eu estava lá
para ajudá-lo.
Infelizmente, ele era mais do que um pouco intimidador. Ele parecia ter
vinte e poucos anos, aproximadamente a mesma idade que eu. Não que
ajudasse saber que tínhamos algo em comum. A tensão entre nós podia
praticamente ser cortada com uma faca.
Estou atraída por ele. Muito atraída.
Agora, isso era um problema.
Eu não tinha como olhar para o corpo enorme dele e não me sentir
ligeiramente intimidada. Ele era musculoso, mas eu tinha a sensação de que
não era por levantar pesos nem por fazer exercícios. Dane tinha a pele
bronzeada e a aparência de um homem que trabalhava muito em ambiente
externo. A pele dele era naturalmente bronzeada. Portanto, eu apostaria que
ele era incrivelmente ativo na ilha.
O olhar cor de chocolate dele fora enervante, mas eu não tinha como
negar o quanto me abalara. Ele tinha feições fortes e cabelos pretos
rebeldes.
Sim, ele tinha algumas cicatrizes e fiquei imaginando onde as
conseguira, mas não eram algo que assustaria alguém. Meu coração ficou
apertado pelo que acontecera com ele. Supus que as marcas tinham
acontecido no acidente que matara o pai dele.
Desci a escada para explorar, tentando me entender naquela casa
imensa.
No térreo, encontrei uma sala de estar, uma sala familiar e uma cozinha
sofisticada que estava louca para conhecer. Eu não era uma excelente
cozinheira, mas sabia me virar em uma cozinha.
Passei pelo salão, vendo a piscina interna e o spa por um momento
antes de continuar.
Finalmente, cheguei ao escritório dele.
Para meu desalento, descobri que já estava ocupado.
— Sr. Walker? — perguntei hesitante ao passar pela porta aberta.
— O que você quer? — perguntou ele com tom infeliz.
— Sou sua assistente. Vim perguntar o que você quer.
— Nada. O expediente terminou.
Por sorte, ele colocara uma camiseta. Fazia com que fosse mais fácil
olhar para ele sem babar por causa do corpo musculoso.
— E qual é exatamente o meu expediente? — perguntei, torcendo para
que ele não dissesse que eu tinha que ir embora.
— Como você é minha assistente, acho que é o que eu quiser que seja
— declarou ele em tom divertido.
Ele não estava olhando para mim. Estava parado em frente às portas
francesas, de costas para mim, parecendo perdido em pensamentos. Nossa,
como gostei da vista. O homem tinha o traseiro mais firme do planeta. —
Ok — disse eu educadamente.
Eu tinha certeza de que ele tentava se livrar de mim, mas fiquei parada
dentro do escritório. Não parecia certo simplesmente sair.
— Diga-me, por que uma mulher linda como você veio parar aqui? —
exigiu ele.
Olhei para os ombros largos sobre os quais a camiseta de algodão
estava esticada. — Eu precisava de um emprego — respondi com
sinceridade.
Dane se virou para mim e sentou-se à mesa. A expressão dele ainda
estava sombria, mas ele acenou para que eu me sentasse na cadeira à frente
da mesa.
— Por que você precisava de um emprego? — insistiu ele.
Andei até a cadeira, considerando o que queria revelar sobre minha
vida pessoal e profissional desastrosa, sentindo-me uma fracassada por ter
feito tantas coisas erradas. — Perdi o emprego. Eu trabalhava em uma
galeria de arte em Nova Iorque.
Ele ergueu a sobrancelha de forma arrogante. — Que galeria? E por
que demitiram você?
— Eu não disse que me demitiram — protestei.
— Mas demitiram?
— Sim — respondi em tom de derrota. — E não foram eles. Foi ele. Eu
trabalhava na Keith Maxfield Fine Art.
Ele assentiu. — Faço negócios com ele.
— Eu sei. Vi sua pintura pessoalmente pela primeira vez quando fui
trabalhar lá.
— Diga-me o que aconteceu — exigiu ele. — Sou seu patrão agora.
Tenho o direito de saber.
Soltei um suspiro nervoso. Dane tinha razão. Ele deveria saber meu
histórico de trabalho, apesar de eu não ser tecnicamente funcionária dele.
Na verdade, eu fora contratada pelos irmãos dele. Mas eu sabia que estava
apegando-me a detalhes.
Tornei a história o mais simples possível. — Ele negaria, mas Keith me
chamou para sair algumas vezes. Eu disse não. Ele tentou forçar uma
situação. Dei um chute na virilha dele. Na manhã seguinte, ele me demitiu.
Eu odiava pensar naquele dia. Fora um dos piores dias da minha vida.
Eu teria simplesmente ido embora e nunca mais voltado se não precisasse
do emprego tão desesperadamente. Se eu soubesse que Keith me demitiria,
teria pedido demissão sem ter aquela mancha no meu registro de emprego.
Infelizmente, eu precisara do emprego e ficara, torcendo para que Keith se
recuperasse do chute na virilha e deixasse-me em paz.
Dane se recostou na cadeira, avaliando-me. — Aquele filho da puta
tentou atacar você? — perguntou ele em voz rouca e gutural.
— Sim.
Houve um silêncio assustador entre nós até que ele finalmente disse: —
Amanhã de manhã, na primeira hora, você entrará em contato com a galeria
e dirá a eles que não darei mais nenhum trabalho meu. Não faço negócios
com gente como ele.
Quase engasguei com o nó que se formou na minha garganta enquanto
eu encarava Dane em choque.
A ordem dele fora feita em tom neutro, mas não tive dúvidas de que ele
falava sério. — Você acredita em mim?
— Tenho algum motivo para achar que não é verdade?
Balancei a cabeça negativamente, com o coração batendo com força. —
Não. Mas eu sou uma ninguém. A Maxfield é uma galeria grande.
— Até que me dê motivos para não confiar em você, acredito na sua
palavra — respondeu ele.
Meus olhos se encheram d’água ao ouvir o que ele disse. Eu só fora
uma mulher no cargo mais baixo que alguém poderia ter na galeria. Ainda
assim, Dane acreditava em mim. Isso fez com que meu peito doesse de
gratidão por ele ter acreditado no que eu dissera. — Obrigada — disse eu
em tom baixo e emocionado.
— Pelo quê? — perguntou ele.
— Por acreditar em mim. A maioria das pessoas teria ficado do lado de
Keith. Especialmente os clientes dele. Ele é bem poderoso no mundo da
arte.
— Não dou a mínima para a influência que ele pode ter. Para mim, ele
é apenas um cara que pode vender minhas obras. Não preciso dele.
Dane tinha razão. Ele não precisava de Keith. Qualquer outra galeria
mataria para exibir as obras dele. — Conheço algumas outras galerias —
comentei. — Elas adorariam ter qualquer peça que você queira dar. Tenho
uma amiga, uma ex-colega de apartamento. É mulher, mas extremamente
conhecedora de obras abstratas.
Ele deu de ombros. — Por mim tudo bem. Entre em contato com ela.
Tenho um quadro pronto para ser vendido.
— Ai, meu Deus. Ela ficará encantada — disse eu a Dane empolgada.
Minha alegria foi imensa ao pensar em dizer a Stephanie que Dane
Walker colocaria um quadro na galeria dela. Ela trabalhava muito, mas o
mundo da arte em Nova Iorque era difícil. Os artistas queriam as galerias
com maior prestígio e Steph ainda não chegara lá.
— Como eu disse, para mim não importa — resmungou ele.
— E o que importa para você? — perguntei. — Não quero colocar meu
emprego com você em risco.
— Não tenho a menor ideia do que dar a você para ocupar seu tempo
— respondeu ele. — Nunca tive uma assistente. Faço tudo sozinho.
— Por quê?
— Porque prefiro assim — disse ele em tom rabugento. — Vamos
resolver uma coisa imediatamente. Depois disso, você poderá parar de
fingir que não percebeu meu rosto desfigurado. Tenho cicatrizes que as
pessoas não querem ver. Eu sei disso e tento ficar longe dos olhos das
pessoas. É por isso que moro aqui.
Eu o encarei incrédula. Abri a boca e fechei-a em seguida. Ele
realmente achava que as cicatrizes eram tão horríveis que precisava se
esconder do mundo?
— Você tem cicatrizes — respondi com cautela. — Mas elas não são
tão ruins.
Dane emitiu um som de desprezo. — Elas são horríveis. Vamos falar
sério. Meu rosto não é algo que as pessoas queiram ver.
Fiquei triste ao vê-lo zombar de si mesmo. Fora necessária uma força
imensa para que Dane sobrevivesse e continuasse a vida depois do acidente.
Ele perdera muita coisa quando era bem jovem. Ainda assim, criara pinturas
magníficas que tinham explodido no mundo das artes. — Eu quero. Não
acho que seu rosto seja desfigurado — disse eu, imaginando o que ele
pensara sobre o meu comentário. Não era que eu realmente quisesse ver as
marcas que tinham lhe causado tanta dor no passado. Mas elas o deixavam
único. Como alguém podia olhar para Dane e não ver a força dele? — Deve
ter sido muito difícil lidar com as coisas com tanta coragem quando você
sofreu ferimentos tão graves e perdeu o pai quando era tão jovem.
Ele soltou uma risada sem humor algum. — Coragem? Acha que sou
corajoso? — perguntou ele. — Sou um maldito covarde. Não foi difícil
comprar uma ilha particular porque nasci rico. A única coisa que precisava
fazer era ficar longe das pessoas.
— É mais fácil falar do que fazer — comentei. — A solidão é
suficiente para deixar uma pessoa louca. Portanto, sim, acho que você tem
muita coragem. A maioria das pessoas gostaria de ter alguém com quem
conversar sobre o que aconteceu. Elas gostariam de receber cuidados.
Com a fortuna de Dane, ele poderia ter contratado uma infinidade de
funcionários para ficarem à sua disposição. Obviamente, ele não lidara com
os ferimentos daquela forma.
— Não falo sobre isso — retrucou ele. — De que adianta? É o que é.
Não posso mudar o passado.
Eu me levantei, sabendo que provavelmente estava ultrapassando
algum tipo de limite. Percebi como ele estava tenso e não queria continuar a
tentar convencê-lo de que estava errado. Ninguém sabia melhor do que eu
como era se sentir rejeitada e fora do normal. — Nem todo mundo se
importa com o seu dinheiro ou com a sua aparência — disse eu ao andar
lentamente até a porta. — Acho que você só conheceu gente demais que se
importa com isso.
Ele obviamente tivera algumas experiências ruins depois do acidente. O
instinto de autoproteção era muito forte.
Dane me encarou quando me virei perto da porta do escritório. — É
mesmo? O que você sabe sobre não ser atraente? Você é linda. Poderia
facilmente ter sido modelo.
As palavras dele fizeram com que eu me encolhesse e meu estômago
começou a queimar. — Isso não significa que a minha vida foi fácil — disse
eu, defendendo-me.
— Pelo menos você não precisa se esconder nesta porra desta ilha.
Escolheu vir para cá.
Assenti. — Escolhi. Mas você também não escolheu?
Percebi que ele se sentiu encurralado. Por algum motivo, ele parecia
achar que precisava ficar isolado.
— Acho que sim — admitiu ele com voz rouca.
— Ninguém o está mantendo prisioneiro aqui exceto você mesmo —
informei ao sair do escritório e fechar a porta atrás de mim.
Senti a dor dele e queria mostrar que ele era muito mais do que apenas
um corpo e um rosto. Sim, Dane tinha um corpo incrivelmente bonito e ele
era atraente, mas o talento e a compaixão eram as coisas mais notáveis nele.
Ele acreditara em mim quando ninguém mais acreditara.
Pelo jeito, ele não me jogaria para fora de sua casa sem me deixar
tentar fazer o trabalho para o qual eu fora contratada.
Ele criava arte que tocava na alma das pessoas.
Suspirei e subi lentamente a escada.
Algum dia, se eu conseguisse parar de me esconder e de fugir, talvez
conseguisse seguir meu próprio conselho sobre não me sentir prisioneira.
Era difícil dizer a outra pessoa que ela estava errada quando eu mesma não
seguia essas regras.
CAPÍTULO 8
Dane
CINCO ANOS ANTES...
—Não. Não. Não. Você precisa sentir sua arte, garoto — disse
Carlo. — Você não a está sentindo.
Carlo Benning talvez fosse um dos artistas mais renomados da época
dele. Mas, naquele momento, eu queria me afastar da tela e dar um soco na
cara dele.
A única coisa que me impediu de fazer isso foi o respeito que sentia
pelo pintor. — Eu estou sentindo — resmunguei.
Carlo estava em uma estadia longa na ilha, ensinando-me a melhorar
minha arte. A visita dele me custara muito dinheiro, mas eu gostava de
achar que nos tornáramos amigos durante os meses anteriores.
— O sentimento não está lá — protestou ele. — O que sente quando
está pintando?
Dei de ombros. Já tínhamos passado por aquela rotina antes. — Sinto
que estou tentando fazer uma pintura boa.
— Não é o suficiente — respondeu ele. — O que você sente tem que
ser projetado na tela.
O que eu sentia, o que sempre sentia, era solidão. Uma escuridão
permanente parecia ter se alojado na minha alma.
— Escuridão. Eu sinto escuridão — admiti.
O artista gesticulou para a tela em que eu trabalhava. — Medo.
Escuridão. Desespero. Seja lá o que for que esteja sentindo, pode ser
transferido para a sua arte. Quando conseguir isso, você terá sucesso,
garoto. Você tem um talento natural, mas não tem emoções.
Eu queria dizer a ele que não era um garoto. Longe disso. Eu era um
cara que tivera que crescer muito depressa. Eu tinha emoções, mas a
maioria delas era tão confusa que era impossível entender. E eu não
conseguiria colocá-las no meu trabalho.
Virei-me e olhei para a pintura. Eu sabia o que queria retratar, mas
Carlo tinha razão. No momento, eu não via o que queria.
O problema era que eu não sabia como me expressar na tela.
Peguei o pincel, determinado a encontrar uma forma de me comunicar
com o mundo enquanto ainda estava dentro da minha bolha.
O que eu queria dizer?
O que eu queria que as pessoas soubessem?
— Não sei muita coisa sobre o mundo — respondi ansioso. — Tudo o
que conheço é aqui.
— Então conte ao mundo sobre a sua vida na ilha. As emoções são
universais, garoto. Todos sentem as mesmas dores, a mesma escuridão, a
mesma alegria.
Franzi a testa para a tela, percebendo que ela dizia quase nada sobre
nada importante. Talvez Carlo tivesse razão. Talvez minhas emoções na tela
pudessem ser minha conexão com o mundo lá fora.
Depois de algumas pinceladas, considerei o fato de que meu mentor iria
embora no dia seguinte. Eu precisava me acertar logo.
Sim, eu poderia chamar outro artista que admirava para a ilha com a
promessa de dinheiro para que fosse meu professor. E provavelmente faria
isso. Eu tinha muito a aprender. Mas, apesar de Carlo me deixar um pouco
irritado, era bom ter outra pessoa por perto.
Estou bem sozinho. Vou me acostumar.
Deixei aquelas palavras familiares serem absorvidas pelo meu coração.
Talvez, algum dia, eu conseguisse acreditar nelas.
CAPÍTULO 9
Kenzie

—Bom dia, sr. Walker. — Cumprimentei meu novo chefe com


muito mais otimismo que realmente sentia.
Andei até a mesa dele e coloquei uma xícara de café sobre ela.
Preto.
Sem creme.
Sem açúcar.
Theo estivera lá enquanto eu fazia o café e ele me dissera como Dane
gostava.
Eu não conseguia acreditar que ele estava trabalhando sem a cafeína.
Eu era totalmente viciada e a primeira coisa que fazia todas as manhãs era
beber o máximo que conseguia de café.
Obviamente, talvez a quantidade de café que eu bebia tivesse algo a ver
com o fato de estar com o sono muito atrasado.
Pela primeira vez, eu me sentia realmente descansada. Eu dormira oito
horas na noite anterior e acordara sentindo a mente renovada.
— Obrigado — disse ele, parecendo distraído ao se concentrar na tela
do computador.
— De nada — respondi, sentando-me à frente da mesa dele com a
minha xícara cheia de café e um caderno na mão.
Eu planejava tomar notas sobre o que ele queria que eu fizesse e
começar a trabalhar em qualquer coisa que estivesse pendente.
— Você pode ir — comentou ele em tom ausente.
Ah, não, você não vai fazer isso! Não vai me dispensar pelo segundo
dia!
— Eu queria que me desse uma lista de instruções — disse eu. —
Ajudaria bastante se pudéssemos nos reunir todas as manhãs.
Arrumei o vestido de algodão em volta das pernas. Como Dane não
parecia ser muito inclinado a roupas formais, eu escolhera um vestido
casual azul e branco com sandálias leves. Eu não tinha muitas roupas e
geralmente me vestia de forma casual, exceto quando trabalhara na galeria.
Eu vestira um dos dois trajes profissionais que tinha no dia anterior.
Finalmente, ele ergueu o olhar do computador e entregou-me um
envelope. — Tome — disse ele em tom rabugento.
Eu o peguei, torcendo para que fosse uma lista das coisas que ele
queria. Seria muito mais fácil para mim se soubesse o que ele esperava.
— O que é isto? — perguntei ao tirar o conteúdo do envelope.
— Um cheque — respondeu ele bruscamente.
— Por quê? Ainda não fiz nada.
— É um adiantamento do seu salário. Nenhuma mulher deve ficar sem
algum dinheiro.
Olhei para o cheque e depois para ele, mas Dane já se virara novamente
para a tela do computador. Ele me dera o equivalente ao pagamento de
alguns meses. Fiquei emocionada por ele ter pensado no fato de que eu não
tinha dinheiro algum.
Fiquei dividida entre a gratidão e a vergonha.
— Mas seus irmãos que me contrataram — informei gentilmente.
— Agora você é minha — respondeu ele.
Deixei que meu cérebro absorvesse as palavras dele. Por algum motivo,
elas me fizeram sentir aquecida e segura. Não importava que Dane só
quisesse dizer que eu trabalharia diretamente para ele. Ainda assim,
saboreei as palavras de pertencer a algum lugar. Era um sentimento que
raramente eu tivera na vida.
— Obrigada — disse eu em tom suave. — É muito gentil de sua parte.
— Acredite, eu raramente sou gentil — respondeu ele com voz gutural.
Ignorei a autodepreciação dele. Ele fora gentil comigo. Portanto, eu não
acreditava nem por um minuto que o homem não tivesse um coração
decente. Podia estar muito bem escondido, mas estava lá.
— Talvez Theo possa me levar a Nassau algum dia — comentei
hesitante, sem saber como Dane se sentiria sobre eu sair da ilha. — Preciso
comprar algumas roupas.
Tudo o que eu tinha eram roupas de brechó. Eu era boa em transformar
nada em alguma coisa.
— Vou pagar as suas roupas — ofereceu ele enquanto continuava a
digitar no computador. — Duvido que tenham perguntado se você queria
ficar presa em um ambiente tropical.
— Não, está tudo bem — retruquei, surpresa por ele ter feito uma
oferta tão generosa. Ele não me quisera ali e agora se oferecera para cobrir
tudo, da minha pobreza absoluta ao meu guarda-roupa.
— Não é nada demais.
Na verdade, era demais para mim. Além de Paige, nunca ninguém se
oferecera para fazer algo bacana por mim em anos.
— O cheque está ótimo. Vou trabalhar muito para merecê-lo — disse
eu, falando muito sério.
Era óbvio que Dane decidira me dar uma chance e eu não pretendia
ignorar a oportunidade.
— Acho que você deveria tirar uma folga — sugeriu ele. — Durma.
Coma. Você parece cansada e está magra demais. Você está no ambiente
perfeito para relaxar um pouco.
— Estou aqui para trabalhar — protestei. — Se me disser qual é o
horário em que devo trabalhar, posso relaxar no resto do tempo. Diga-me o
que posso fazer. Posso usar a piscina?
Ele deu de ombros. — É claro. Seu horário de trabalho pode ser das dez
horas da manhã até o meio-dia.
Eu ri, torcendo para que ele estivesse brincando. — Eu estava pensando
em trabalhar das nove às cinco.
— Das nove às duas — retrucou ele enfaticamente.
— Dane, isso...
— Se continuar falando, vou demitir você. — Ele finalmente ergueu o
rosto da tela, lançando-me um olhar de advertência. — Eu trabalho de
manhã e no começo da tarde. Normalmente faço o trabalho de contabilidade
cedo. Aprendi contabilidade para descobrir os riscos e os benefícios de
investimentos. Depois, trabalho em investir nos empreendimentos que
gosto. Depois disso, uso a luz do fim da manhã e do começo da tarde para
pintar no meu estúdio. Não trabalho até tarde. Saio para ir à praia para
surfar ou mergulhar.
— Posso usar seu estúdio depois do meu horário de trabalho? —
perguntei, prendendo a respiração.
— Você pinta? — perguntou ele.
Assenti. — Não sou muito boa, mas é um hobby pelo qual sou
apaixonada.
— Como sabe que seu trabalho não é bom? Ele é bom se você se sente
melhor depois de liberar as emoções na tela. Não existe uma forma certa ou
errada de se expressar.
— Diz o cara que recebe mais de um milhão por peça — respondi com
um sorriso. — Não que você não mereça. Admirei sua arte por muitos anos.
— Fui treinado por alguns dos melhores — respondeu ele. — Não pude
ir para a universidade, mas trouxe os artistas que mais admiro para a ilha
para estudar com eles. Todos começamos em algum lugar. É uma
progressão sem fim. Como artistas, nunca achamos que somos habilidosos
o suficiente e é por isso que continuamos tentando.
Senti-me bem por ele ter me incluído no rol dos artistas, apesar de não
ser talentosa o suficiente para merecer. — Minha maior paixão, na
realidade, é cerâmica. Eu pinto e faço esboços, mas preferiria estar fazendo
algo útil.
— Então continue fazendo isso — sugeriu ele. Os olhos escuros
ficaram mais suaves quando ele me encorajou.
— Não é tão simples assim. Os equipamentos são caros. Mas voltarei
algum dia.
— Tenho certeza disso — concordou ele.
Sentindo-me agitada, voltei a atenção para o caderno. — Então, diga-
me que tarefas posso tirar dos seus ombros.
— Sinceramente, não sou assim tão ocupado — disse ele
relutantemente.
— Então por que estou aqui? — Eu estava confusa.
— Não fui a Denver para as festas de fim de ano. Falei para os meus
irmãos que era porque eu estava ocupado — respondeu ele.
— Mas não está? — perguntei, começando a entender por que havia
um problema de comunicação tão grande entre os irmãos.
Dane tinha coisas que não contava aos irmãos.
— Tenho muitas obras que quero terminar, mas não tenho essa pressa
toda. Não faço obras comissionadas. Dou às galerias as coisas com as quais
estou satisfeito quando elas ficam prontas.
— Eu sei, as galerias odeiam isso — comentei com um sorriso.
Ninguém sabia quando receberia uma pintura de Dane Walker e isso
deixava meu ex-chefe louco.
— Fodam-se elas — disse ele. — Não entrego meu trabalho por
dinheiro. Você já entrou em contato com seu ex-chefe?
— Ainda não — respondi. — Mas será a primeira coisa na lista. —
Coloquei a xícara de café sobre a mesa dele e escrevi o item. Em seguida,
olhei par Dane. — O que mais?
— Você pode fazer a comunicação entre eu e as galerias com quem
trabalho. Entre em contato com sua amiga e diga a ela que poderá tomar o
lugar de Maxfield. Tenho certeza de que apreciarão uma voz mais simpática
que a minha — considerou ele.
— Ok — respondi alegre.
Ele falou sobre as peças que queria colocar em exibição e fiz inúmeras
anotações. Depois, ele falou sobre o que pretendia fazer no futuro e fiz mais
anotações.
Quando terminamos, finalmente perguntei: — Por que você mentiu
para a sua família?
Ele ficou em silêncio, olhando-me friamente. — Você está entrando em
um terreno muito pessoal — advertiu ele.
— É por isso que sou sua assistente pessoal — respondi com um toque
de humor.
— Nem sempre vou dizer a você no que estou pensando. Não estou
acostumado a abrir minha alma, exceto quando estou pintando — informou
ele com um tom dolorido na voz.
— Não estou pedindo que faça isso. Mas, se realmente for para ajudar
você, preciso entender algumas coisas.
Ele ficou em silêncio por um momento, parecendo considerar minhas
palavras. Depois do silêncio tenso, ele disse: — Eu não estava com vontade
de ir. Trace e Sebastian estão felizes agora. Ninguém precisa da minha
presença para estragar a festa.
Minha nossa, Dane soou muito parecido comigo. Eu sentia exatamente
a mesma coisa sobre impor a minha presença a alguém que estivesse feliz.
— Eles queriam você lá — protestei. — Paige estava ansiosa para
conhecer você.
— Alguma outra hora — resmungou ele.
— Achei que você gostava de Eva — comentei.
— Eu gosto — garantiu ele. — É só... constrangedor.
— Porque agora eles são um casal? — Eu entendia o que ele queria
dizer. Era desconfortável quando todos estavam acompanhados e você não.
Acontecera comigo.
— Não sei — respondeu ele tenso. — Eu só não estava com vontade de
ir.
Ele obviamente tinha um caso grave de aversão aos feriados. Ou talvez
o isolamento constante o estivesse afetando. — Eu entendo, de verdade —
disse eu.
Voltei ao meu objetivo de descobrir tarefas que pudesse assumir.
Apesar de ele não estar assoberbado, certamente precisava de uma
assistente pessoal. E eu estava determinada a fazer o melhor possível para
tornar a vida dele mais fácil.
— Obrigada — disse eu ao finalmente levantar da cadeira. — Vou
começar com isto. — Olhei para as minhas anotações, sabendo que tinha o
suficiente para me manter ocupada pelo resto do dia.
Andei em direção da porta, mas virei-me novamente para ele. — Onde
vou trabalhar?
Ele apontou para uma porta no outro lado do escritório. — Há um
escritório pequeno ali. Eu tinha certeza de que nunca o usaria, mas pedi que
fosse incluído mesmo assim.
A porta ficava escondida atrás de uma planta enorme e não a vi até ir
para trás da mesa dele. Rearrumei as plantas e abri a porta. — Ai, nossa —
murmurei em uma reação instintiva à sala.
O escritório de Dane era muito masculino. Em comparação, aquele
espaço era feminino. Ela claro e brilhante e as portas que levavam para fora
da casa ofereciam uma vista estonteante da praia.
— Serve, não é? — perguntou ele atrás de mim.
Olhei para a mesa e a cadeira brancas, achando que provavelmente era
a atmosfera mais calmante em que eu tivera o privilégio de trabalhar.
O escritório obviamente fora acrescentado caso Dane se casasse,
portanto, isso me deu esperanças de que ele não fosse completamente
cínico. O espaço certamente fora construído com uma possível mulher em
mente.
— Quem fez a pintura? — perguntei, hipnotizada pela paisagem
marinha que ocupava grande parte de uma das paredes.
— Eu. — Dane se levantara da cadeira e estava logo atrás de mim.
A aquarela não tinha nada a ver com o trabalho usual de Dane.
Ele não fazia aquarelas.
E ele certamente não fazia nada extravagante.
Mas a pintura tinha esses dois elementos e muito mais.
Eu a observei, ainda hipnotizada pela imagem poderosa. — É linda —
murmurei, sabendo que as palavras não chegavam nem perto da realidade.
— Não é uma das minhas melhores — resmungou ele. — Mas eu
estava com vontade de fazer algo diferente.
— Deu certo — respondi em um sussurro rouco. — Deu muito certo.
— Que bom que gostou. Tenha um bom dia. Vou para o estúdio em
breve.
— Ok — concordei distraída, ainda olhando para a pintura na parede.
— Vou começar a trabalhar.
A porta se fechou silenciosamente atrás de mim, indicando a saída de
Dane. Tive que me forçar a sentar à mesa e parar de olhar para o trabalho
incomum na parede.
A aquarela realmente não era o trabalho característico de Dane. Ele
fazia pinturas a óleo abstratas que geralmente causavam uma reação
instintiva em quem as via. A aquarela era sutil, mas igualmente linda de
uma forma completamente diferente.
Não era menos poderosa que as pinturas abstratas dele. A pintura
sombria me atingiu.
Olhei para as minhas anotações, tentando voltar à realidade. Depois,
pois não consegui me conter, levantei-me e mudei a mesa de lugar até que
bastaria virar a cabeça para ver a pintura de Dane.
Satisfeita, peguei o telefone para falar com o meu ex-chefe e avisá-lo
de que ele nunca mais receberia outra pintura de Dane.
Foi o telefonema mais satisfatório que fiz na vida.
CAPÍTULO 10
Dane
QUATRO ANOS ANTES...
—Acho que teremos uma tempestade bem forte, Picasso —
murmurei para o cachorro ao acariciar distraidamente as orelhas
dele.
Eu estava sentado na praia com o cão, observando as ondas furiosas
baterem na areia.
Naquele momento, era simplesmente uma tempestade tropical. Uma
coisa que eu aprendera sobre morar em uma ilha do Caribe era que sempre
tinha que ficar de olho no clima.
Não que eu estivesse em perigo.
Eu tinha um abrigo subterrâneo sofisticado em caso de tempestades,
que tinha quase o tamanho da minha casa. Até o momento, eu aguentara um
furacão categoria dois com muito conforto. Ele piorara muito depressa e eu
não tivera a chance de sair da ilha. Mas eu não era burro. Se tivesse que sair
da ilha por causa de uma tempestade monstruosa, eu sairia.
Era triste que meu próximo professor, um artista de aquarela
incrivelmente talentoso, não fosse chegar à ilha naquele dia. Eu estivera
ansioso para conversar com alguém além do meu cachorro. Mas isso não
aconteceria. Ele só chegaria depois que o clima melhorasse.
A água era hipnotizante e subitamente desejei ter a habilidade de
imortalizá-la em uma tela.
Paisagens marinhas não eram algo que eu pintava. Bem, pelo menos até
o momento.
Por que não posso fazer algo diferente? Consigo sentir a volatilidade
do oceano. Não posso capturá-la com o pincel?
Não havia absolutamente nada que me impedisse de aprender tipos de
arte diferentes. Talvez eu raramente sentisse vontade de pintar com outras
técnicas, mas poderia fazer isso como hobby. De qualquer forma, a única
coisa que eu tinha em abundância era tempo.
Eu tivera ideias semelhantes antes e era por isso que tentaria aprender
uma nova forma de criar imagens com aquarela. Talvez não sentisse essa
vontade com frequência, mas seria bom aprender algo diferente.
Levantei do lugar onde estivera sentado na areia e acenei para que
Picasso me seguisse. Eu começava a sentir a força da tempestade, o que
significava que precisava ir para o abrigo com o meu cachorro.
Com sorte, não ficaríamos confinados por muito tempo. Theo e Emilee
estariam abrigados com a família dela e eu não teria a presença de ninguém
mais por vários dias.
Estou bem sozinho. Vou me acostumar.
Aquelas palavras agora corriam na minha mente de forma automática.
Eu tinha quase certeza de que estava começando a acreditar nelas.
CAPÍTULO 11
Dane
O PRESENTE...
—Caralho! Não consigo me concentrar — disse eu com desgosto,
jogando o pincel perto da tela em que estivera trabalhando.
Eu não conseguia colocar as emoções no meu trabalho quando tudo o
que queria era procurar a bela loira que trabalhava para mim.
A única coisa que eu conseguia sentir no momento era desejo e não
fazia a menor ideia de como colocar isso em uma tela.
Comecei a limpar tudo, resignado a desistir de trabalhar naquele dia.
Kenzie estava lá havia uma semana e conseguira transformar meu
mundo em um maldito caos.
Quando eu acordava todos os dias, ficava ansioso para encontrá-la ao
descer para o térreo. Com frequência, ela tinha o café da manhã preparado e
o café pronto. Apesar de não ser algo que eu pedira que fizesse, ela fazia
mesmo assim porque gostava de comer.
E eu ficava mais do que feliz em participar. Eu não sabia cozinhar
absolutamente nada e era agradável ter um café da manhã quente.
Começáramos a comer juntos e era aconchegante demais. Kenzie era
inteligente, divertida e esperta.
Infelizmente para mim, ela também era linda e cheirava a coco com um
toque de flores depois da chuva. Não era o odor exagerado de um perfume
pungente. Não. A fragrância dela era doce e leve. Um perfume que eu
poderia me acostumar a precisar sentir todos os dias.
Tenho que parar de querer a presença dela!
Eu já estava viciado nela, caralho. E na doçura provocante que era parte
da personalidade dela.
Sim, ela podia ser teimosa ou malcriada às vezes, mas eu estava
acostumando-me. Se fosse falar a verdade, teria que admitir que gostava
disso também.
Kenzie me tratava como trataria qualquer pessoa e nunca parecia notar
o fato de que eu não era perfeito. A cordialidade dela era desarmante e eu
não gostava do fato de não ter algum tipo de arma.
Eu não conseguia, de forma alguma, ser mau com ela. Bem, não
conscientemente. Eu quisera mantê-la à distância, mas não conseguira. Não
completamente. Ela simplesmente entrara na minha vida quando eu não
estava vendo.
Café da manhã.
Tempo no escritório.
Jantar.
Não era suficiente e eu estava constantemente imaginando o que ela
estava fazendo. Apesar de não ter querido uma assistente, ela conseguira
tirar muito trabalho que eu não percebera que tomara tanto do meu tempo.
Provavelmente porque eu quisera me manter ocupado.
Eu tinha mais tempo para passear na praia ou andar pela ilha. Algumas
das coisas que eu tinha deixado de lado subitamente eram possíveis de
novo. Ora, ela até mesmo me convencera a ensiná-la um pouco de
contabilidade, aprendendo incrivelmente depressa.
Mais! Eu queria mais.
Ela ainda não conhecera a ilha. E, apesar de termos decidido o horário
de trabalho, ela passava mais tempo no escritório do que o acordado.
Ela precisava de uma folga. Ela precisava comer melhor. Ela precisava
de mais prazer na vida.
Ela precisa... de mim.
Ok, talvez ela não precisasse realmente de mim, mas eu gostava de
pensar que sim.
Eu poderia mostrar a ilha a ela. Poderia mostrar a praia. Poderia ensinar
tudo que ela não soubesse.
Fechei o punho em volta do pincel que limpava, tentando não pensar no
fato de que o que eu mais queria era vê-la na minha cama.
Nua.
Gemendo.
Suplicando para que eu a fizesse gozar. E gritando quando gozasse.
— Caralho! — Meu pau estava duro como ferro e ficar perto de Kenzie
estava levando-me à loucura. — Por que eu tinha que me sentir atraído por
ela? — resmunguei irritado.
Na verdade, desejá-la provavelmente fora inevitável. Minha
necessidade de trepar com ela fora rápida e imediata e ficava mais forte a
cada dia que eu passava na companhia dela.
Ela era certamente uma mulher a ser admirada. Kenzie trabalhara duro
para sobreviver porque não tivera a oportunidade de frequentar uma
universidade. Ela fizera algumas aulas de arte, mas fora principalmente
como diversão. Como eu, ela era autodidata em tudo que fazia bem. E as
coisas não foram fáceis para ela sozinha como tinham sido para mim.
Eu não fazia ideia de como era ser pobre. Só conseguia imaginar como
a vida dela fora difícil. Eu fora muito rico desde o dia em que nascera. Mas
ela trabalhara como louca desde que tivera idade suficiente para dirigir e
não deveria ter sido fácil. Mas era algo que ela não demonstrava. Todos os
dias, ela era positiva e animada, algo com o que eu não estava acostumado,
mas que não era totalmente desagradável.
Eu só não sabia exatamente como lidar com alguém como ela.
As mulheres que eu conhecera tinham sido privilegiadas ou
especialistas em conseguirem o dinheiro que queriam por meio de
manipulação.
Mas Kenzie não era assim. Ela parecia feliz só de trabalhar para mim e
de estar na minha ilha. Até o momento, ela não parecera entediada, mas
talvez isso acontecesse em algum momento se ela não parasse de trabalhar
incessantemente.
Eu queria dar a ela tudo o que nunca tivera, mas sabia que Kenzie
simplesmente não aceitaria... como todas as outras mulheres que eu
conhecera. Ela era... diferente, mas não de forma ruim.
— Eu gosto dela — admiti para mim mesmo. A frase ecoou no estúdio.
Esse era o problema. Eu gostava dela e isso me deixava carente.
Quanto mais eu gostava dela, mais a queria.
Sinceramente, eu torci para que parasse de gostar tanto dela. Meus
testículos estavam ficando tão azuis quanto a merda do oceano.
Não posso trepar com ela.
Não só eu temia que ela fosse embora, como estava preocupado com o
fato de que talvez se afastasse de mim. Sim, ela parecia não se preocupar
nem um pouco com a minha aparência, mas isso não significava que
quisesse que eu a assediasse.
Por algum motivo, eu não poderia nem tentar fazer uma oferta de
dinheiro em troca de sexo.
Número um: eu sabia que ela não venderia o corpo.
Número dois: eu não queria comprá-lo.
Eu a queria ansiosa e por vontade própria, o que era uma fantasia
completa. Uma bela mulher como ela querendo alguém como eu? Não, isso
não aconteceria.
Não parecia importar o quanto eu dizia a mim mesmo que Kenzie era
apenas uma funcionária. Meu pênis pensava diferente.
Terminei de limpar meu local de trabalho e saí do estúdio, sentindo-me
muito inquieto por não conseguir me concentrar.
Livrar-me da tentação era impossível. Eu soubera, desde o momento
em que ela me recriminara por não cumprir promessas, que queria ajudá-la.
Eu só não sabia como faria isso mantendo a sanidade.
Andei até a casa, dizendo a mim mesmo que não me permitiria ir ao
escritório, pois tinha certeza de que Kenzie ainda estava lá.
De forma nada surpreendente, fui diretamente para o escritório, como
se Kenzie fosse um farol e eu fosse uma merda de um navio perdido.
Abri a porta do escritório dela, sem ficar chocado ao ver o traseiro
maravilhoso sentado na cadeira. O olhar dela estava concentrado no
computador enquanto ela clicava no mouse.
— Kenzie? — chamei.
Ela deu um salto, olhando para cima ao perceber que eu estava lá.
— Sim, sr. Walker?
Os belos olhos me encaravam intensamente. Isso fez com que eu
engolisse em seco, como se fosse um adolescente excitado que fora pego
espionando-a. — Eu vou para a piscina. Quer vir comigo?
Caralho! Por que diabos eu dissera aquilo?
A culpa me invadiu quando vi o rosto dela se iluminar. Eu não a
convidara para me acompanhar em nenhuma atividade porque tinha medo
de que acabaria de joelhos, implorando que ela acabasse com o meu
sofrimento.
— Ainda é só uma e quinze — disse ela ao morder o lápis que pegara
de cima da mesa.
Ai, merda. Agora, eu ficaria fantasiando onde mais aquela boca
generosa poderia estar. — Não importa. Não vou mais trabalhar hoje. Saia
do computador. Você passou tempo demais aí.
— Eu...
— Não discuta — retruquei. — Coloque a roupa de banho e encontre-
me na piscina.
Kenzie trabalhara duro desde o primeiro dia na ilha. Se ela começava
uma tarefa, logo encontrava outra que assumia. Pouco a pouco, ela estava
tornando minha vida mais fácil. Talvez fácil demais. Além da arte, eu tinha
muito pouco que me impedisse de pensar nela o dia inteiro.
— Se tem certeza de que não tem problema — disse ela ansiosa.
— Não tem problema. Eu convidei você, não convidei?
— Sim — disse ela ao se levantar. — Você convidou. E não vou
recusar.
Ah, ela certamente recusaria se soubesse o que eu realmente queria
fazer.
Porque eu queria trepar com ela.
Desesperadamente.
— Vá — disse eu, ansioso para ir para a piscina para me distrair.
Obviamente, isso não daria muito certo, já que estaria levando minha maior
tentação comigo.
Sou muito idiota!
— Ok, só vou demorar um minuto — disse ela ao sair apressada,
supostamente para trocar de roupa.
— Estou muito fodido — disse eu em voz alta depois que ela saiu do
escritório. Mas também estava aliviado por ela ter concordado em me
acompanhar.
Ao sair da casa, tive que me perguntar por que não estava tão chateado
comigo mesmo por ter convidado Kenzie.
CAPÍTULO 12
Dane
TRÊS ANOS ANTES...
—Merda, eu queria que você não tivesse que voltar — disse Trace
quando nos despedimos no aeroporto em Denver.
Meu jatinho particular estava esperando. Eu finalmente construíra um
aeroporto completo na ilha, que era mais do que capaz de receber e
hospedar meus aviões.
Eu sabia que meu irmão estava falando a verdade. Ele provavelmente
queria que eu ficasse, mas aquilo não aconteceria.
Os feriados tinham sido agradáveis naquele ano. Fazia cerca de um ano
desde a minha última cirurgia e não havia curativos à vista.
Obviamente, eu garantira que Theo e Emilee tivessem feito minhas
compras de Natal, como acontecera nos anos anteriores desde que eu
assustara aquela criança no shopping center.
Eu queria dizer a Trace que ele poderia me visitar nas Bahamas.
Eu tinha espaço suficiente.
Mas as palavras não saíam da minha boca.
Meu irmão mais velho tinha uma vida ocupada em Denver e Sebastian
começara a não fazer nada além de participar de festas.
Eu não era ocupado como Trace. Não estava tentando administrar um
negócio internacional.
E eu não tinha interesse algum no estilo de vida de Sebastian.
Mas, caralho! Eu ainda queria ver meus irmãos com mais frequência.
Morar sozinho em Walker’s Cay estava lentamente deixando-me maluco.
Diga! Diga a ele que quer vê-lo com mais frequência.
— Sim, eu também queria poder ficar um pouco mais. — As palavras
saíram da minha boca de forma automática.
— Não desapareça — resmungou Trace ao me puxar para um abraço
apertado.
Eu retribuí o abraço brevemente ao responder: — Não vou desaparecer.
Eu desapareceria. Eu sabia disso.
— Telefone quando chegar na ilha — insistiu ele, recuando para que eu
pudesse ir embora.
Sebastian partira no dia anterior e não havia muito mais a fazer além de
me despedir.
Ergui a mão ao andar em direção ao jatinho, forçando-me a não olhar
para trás.
Meus irmãos tinham a vida deles e eu tinha a minha.
Elas não eram nada parecidas.
Estou bem sozinho. Vou me acostumar.
Deixei a despedida de lado assim que entrei no avião.
Parecia que eu finalmente estava conseguindo me convencer de que
meu mantra era verdade.
Algum dia, eu ficaria bem com a minha solidão.
Só esperava que esse dia chegasse logo.
CAPÍTULO 13
Kenzie
O PRESENTE...
Ao morar na mesma casa com outra pessoa, chegava um momento
em que esconder algumas das vulnerabilidades se tornava
praticamente impossível.
— Chegou a hora — disse para mim mesma nervosamente.
Eu soubera, desde o primeiro dia em que fora trabalhar na ilha, que
Dane em algum momento conheceria meu verdadeiro eu. Morar na mesma
casa era algo pessoal e eu não podia ficar com a guarda levantada o tempo
inteiro.
Virei de costas para o espelho que estivera usando e fui até o armário
para pegar uma saída de praia que me cobrisse. Joguei-a sobre o maiô,
sabendo que escondia muito pouco por ser leve e quase transparente.
Não queria mais me esconder, mas estava aterrorizada de mostrar a
Dane quem eu realmente era por trás da fachada.
Se alguém entenderia por que eu me escondia, seria Dane.
Eu não podia dizer que não teria mais que fugir no futuro. Mas isso era
outro problema.
Esse problema não era realmente tão grande assim. Pelo menos, foi o
que disse a mim mesma. Se ele não quisesse olhar para mim, eu voltaria a
ser a assistente que nunca fazia nada além de trabalhar quando o chefe
estivesse por perto.
Sinceramente, eu queria desesperadamente que a ilha fosse um lugar
onde pudesse ser eu mesma. E isso não aconteceria se eu não arriscasse.
Eu estava cansada de sentir medo e estar naquele lugar tranquilo me
fazia desejar que as coisas fossem diferentes para mim.
— Lá vamos nós — murmurei baixinho ao abrir a porta e descer a
escada para o andar térreo da casa.
Entrei na área da piscina antes que pudesse me deter, virar-me e voltar
para o quarto.
— Até que enfim — disse Dane do meio da piscina. — Achei que tinha
desistido.
— Não desisti — disse eu da beirada da piscina. Tirei a saída de praia
cor-de-rosa e larguei-a sobre uma cadeira.
— É funda? — perguntei.
— Aí é a parte rasa. Não mergulhe aí — avisou ele ao se mover com
facilidade na parte mais funda.
Não olhe para trás, Kenzie. Só pule.
Fiz uma das coisas mais difíceis que já fizera, pois não confiava em
ninguém, e saltei na água.
A piscina era aquecida, mas o choque da água ainda me deixou sem
fôlego.
Voltei à superfície perto de Dane e afastei os cabelos molhados do
rosto. — Ai, meu Deus. A água estava mais fria do que eu esperava —
comentei ofegante.
— Não gosto da água quente demais — disse ele com voz profunda e
gutural. — Para isso, tenho a banheira com água quente.
Era verdade. O spa ficava mais adiante. — Eu gosto — admiti. —
Acho que só não estava preparada.
Finalmente virei a cabeça, ergui o queixo e encarei Dane diretamente.
Nossos olhares se encontraram e a tensão no ar ficou quase
insuportável.
Meu coração bateu mais depressa enquanto eu observava o rosto dele.
Surpreendentemente, as feições dele mudaram para uma expressão que eu
não esperara.
Ele está... furioso.
Não era difícil ver como ele se sentia. A fúria estava lá nos olhos
escuros.
— O que diabos aconteceu com você? — perguntou ele em tom rouco e
perigoso.
Encolhi-me quando ele avançou e segurou meu pulso quando ergui a
mão para o rosto.
Talvez tenha sido uma péssima ideia. Talvez eu não devesse ter
arriscado.
— O que quer dizer? — perguntei confusa.
As narinas dele se expandiram quando o olhar dele varreu meu rosto e
a parte de cima do meu corpo, as únicas áreas que estavam claramente
visíveis acima da linha da água.
— Quem machucou você? — rosnou ele.
Percebi o que ele estava perguntando. — Alguém que eu não conhecia.
— Vou matar o filho da puta — disse ele com a expressão mais furiosa
ainda.
— Foi há muitos anos — admiti, sem tirar os olhos do rosto de Dane.
Ele soltou meu pulso e ergueu a mão até meu rosto.
Dane traçou a marca grande na minha bochecha e, em seguida, a
cicatriz no lado oposto do meu rosto.
O tempo andou devagar enquanto a tensão entre nós ficava cada vez
mais intensa.
Meu corpo vibrava por causa da tensão, esperando para ver se Dane me
aceitaria como eu era.
Era a primeira vez que ele me tocava e a simples sensação de sua mão
na minha pele fez com que meu coração desse um salto.
— Conte-me — pediu ele enquanto continuava a traçar gentilmente as
cicatrizes no meu rosto como se ainda fossem novas e doloridas.
Respirei trêmula e soltei o ar lentamente antes de começar a falar. —
Fui para a Califórnia quando tinha dezoito anos para uma entrevista de um
trabalho de modelo. Eu estivera trabalhando como modelo desde a
adolescência, principalmente coisas pequenas que surgiam em Boston.
Eram coisas bobas, mas chamaram a atenção de uma agência de modelos
renomada.
Meu estômago queimou enquanto o olhar de Dane continuava sobre
mim. Continuei: — Meus pais eram traficantes e criminosos. Eles não se
importavam com o que eu fazia e falsifiquei a assinatura deles para me dar
consentimento para continuar com os pequenos trabalhos de modelo quando
era mais jovem. Caso contrário, eles teriam tirado cada centavo que eu
ganhasse. E eu precisava comer.
Tinham sido anos difíceis e eu tivera que me esforçar para conseguir
roupas e pagar as taxas. Fora assim que eu aprendera a fazer alguma coisa
com nada.
— Eles não alimentavam você? Caralho, eles não cuidavam de você?
Balancei a cabeça negativamente. — Não. Eu praticamente me criei
sozinha. Eles raramente estavam por perto e, quando estavam, sempre
drogados e bêbados. Eu preferia quando eles não estavam lá, mas tinha que
encontrar uma forma de comer e cuidar de algumas das despesas. Eles
raramente pagavam as contas.
Eu agira como adulta desde que conseguia me lembrar, a garota que
precisara achar uma forma de ganhar o próprio dinheiro.
— Porra. E onde estava o serviço social? — rosnou ele quando
finalmente abaixou a mão do meu rosto para acariciar as cicatrizes menores
na pele do ombro e do peito.
Dei de ombros. — Ninguém sabia o que estava acontecendo. Ou não
queria saber.
— Seus vizinhos...
— Todos no meu prédio eram viciado, Dane. Eles não davam a mínima
para o que acontecia com uma garota desconhecida. Eles não conseguiam
cuidar da própria vida.
Os belos olhos escuros dele dispararam fogo ao olhar nos meus olhos.
— Mas que merda! — explodiu ele.
Abri um sorriso triste. Alguém como Dane Walker nunca saberia como
era viver uma infância e uma adolescência como as minhas. Ele lutara
contra os próprios demônios, mas não fora sem ter dinheiro. Não que eu
achasse que ele tivera uma vida melhor que a minha. Ele sofrera a própria
dor. Mas nossas circunstâncias tinham sido... diferentes.
— Era uma merda — concordei. — Mas eu me adaptei. Sabia que, se
conseguisse ter sucesso na carreira de modelo, seria uma forma de subir na
vida. Eu queria ir para a faculdade e não conseguiria fazer isso sem bastante
dinheiro. Eu queria algo melhor do que o que tinha. E se a única forma de
sair da pobreza era sendo modelo, então era o que eu usaria para
economizar dinheiro para a faculdade.
— Como você conseguiu essas cicatrizes? — O tom dele foi profundo.
— Na Califórnia — disse eu, com o corpo tremendo por causa do toque
gentil contínuo dos dedos dele. — Quando saí de Boston para ir para a
Califórnia, eu tinha dezoito anos. Fiquei grata porque talvez fosse a
oportunidade de que eu precisava. Eu tinha que sair de Boston e começar a
viver a minha vida. Na época, só o que eu queria era ter sucesso em alguma
coisa. Eu queria parar de viver como vinha vivendo. Eu não tinha como
pagar as áreas mais caras de Los Angeles e escolhi um apartamento
minúsculo em uma área muito mais barata. Eu vivera em vizinhanças
horríveis a vida inteira...
— Continue falando. Conte-me tudo — disse ele.
— Voltei da entrevista bem feliz. Eu tinha certeza de que seria
escolhida pela agência de modelos. A entrevista foi muito boa. Mas, quando
cheguei ao meu apartamento, havia dois homens lá, completamente
drogados.
— Você entrou e encontrou-os lá? — perguntou ele.
Assenti. Era verdade. Eu não poderia contar a ele toda a verdade sobre
o meu passado. Não agora. Possivelmente nunca. Mas podia contar o que
me acontecera na Califórnia. — Eu não os vi até que fosse tarde demais.
Lutei o máximo que consegui, mas eu não era páreo para dois homens com
canivetes.
Fechei os olhos quando lembranças daquele incidente encheram meu
cérebro.
A luta.
Meu terror imenso.
E minha certeza de que morreria naquele dia.
— Abra os olhos, Kenzie. Agora. Não deixe que as lembranças a
afetem — ordenou Dane.
Meus olhos se abriram e subitamente encontrei o conforto do olhar
cheio de compaixão de Dane.
Engoli em seco antes de dizer: — Eu sobrevivi. Mas tinha as cicatrizes
e foi o fim da minha carreira de modelo.
— Por quê? — murmurou ele. — Você é tão linda que não consigo
parar de olhar.
Meu coração ficou apertado, com uma dor que deixou meus olhos
cheios de lágrimas. — Não sou linda o suficiente — respondi. — Depois de
algum tempo, aprendi a cobrir as cicatrizes com maquiagem. Aprendi muito
sobre como cobrir imperfeições durante a minha adolescência. Mas não era
boa o suficiente. A câmera ainda via minhas falhas, especialmente na época
em que eram recentes. Não havia como cobrir as marcas completamente.
Eu normalmente vestia roupas que cobriam as cicatrizes no meu corpo,
mas nunca mais conseguira trabalhar como modelo.
— Elas não são tão ruins — protestou Dane.
— Elas melhoraram com o tempo — disse eu. — Mas o mundo quer
perfeição.
— E o que aconteceu depois da Califórnia?
— Mudei de volta para a costa leste. Era um mundo com o qual eu
estava familiarizada. Aceitei qualquer emprego que me mantivesse viva.
— E seus pais?
— Minha mãe morreu enquanto pagava a pena e meu pai ainda está
preso. Eles foram responsáveis por matar um cara durante uma transação de
drogas que não deu certo. Eles aceitaram um acordo e foram para a prisão.
— Meus pais eram assassinos e eu raramente contava a verdade sobre o que
acontecera a eles. Eu preferia dizer que tinham ido embora, o que era
verdade. Preferia deixar de fora a informação de que meu pai matara um
homem e ainda estava trás das grades.
— E seus atacantes? — perguntou ele com voz baixa e perigosa.
— Mortos — respondi. — Eles atacaram outro apartamento no dia
seguinte em busca de dinheiro. O dono matou os dois.
Soltei um suspiro de alívio, feliz por ter resolvido parte do meu
passado. Eu só não sabia como ele processaria aquilo. Eu era a filha cheia
de cicatrizes de dois assassinos condenados. Como alguém poderia
processar aquilo sem algum tipo de suspeita de que eu fosse tão ruim
quanto os meus pais?
— Acho que isso me economiza o tempo de ir atrás deles — respondeu
ele em tom desgostoso, como se estivesse desapontado por não poder se
vingar pessoalmente.
— Aquela parte da minha vida acabou — informei suavemente. — Eu
queria poder recomeçar aqui, na sua ilha.
Eu também nunca mais queria ter que fugir, mas optei por não falar
isso.
— Você pode — disse ele com voz mais gentil. — Qualquer coisa que
quiser é sua. Basta dizer o quê.
Meu corpo começava a doer de desejo, mas não por algo que Dane
possuísse. Era pedindo para que ele me tocasse mais. — Estou feliz aqui
agora — confessei. — Pela primeira vez na vida, eu me sinto segura de
verdade.
— Ótimo — resmungou Dane. — É assim que você vai ficar.
Nem uma vez, desde o momento em que eu entrara na piscina, Dane
olhara para mim com algo que não fosse uma proteção fora de controle que
adorei. Mas, entre essas emoções, eu conseguia sentir uma tempestade
formando-se entre nós.
Meus dedos coçavam para tocar a pele bronzeada do peito dele. Apesar
das cicatrizes que pudesse ter, Dane era lindo para mim. Havia algo tão
primitivamente lindo nele que eu queria muito tocá-lo.
— Vai me beijar? — sussurrei sem fôlego.
— Eu não deveria — disse ele ao erguer as mãos e colocá-las em cada
lado do meu rosto.
A decepção me invadiu. — Acho que não.
Dane era bilionário e meu patrão. A última coisa que eu queria era
botar aquele emprego em risco. Agora que ele me aceitara, incluindo
minhas cicatrizes, eu não queria ir embora da ilha dele.
Arrisquei revelar minhas imperfeições porque tivera a sensação de que
Dane entenderia. A aceitação e a proteção dele eram mais do que eu
esperara.
Ele olhou para mim com desejo nos olhos, uma reação que eu não
esperara. Sim, eu quisera que ele conseguisse lidar com minhas falhas. Mas
saber que ele me queria, apesar das imperfeições, era quase mais do que eu
podia aguentar.
— Mas foda-se se não vou fazer isso mesmo assim — advertiu ele ao
erguer meu queixo, logo antes de colocar a boca sobre a minha.
CAPÍTULO 14
Dane
DOIS ANOS ANTES...
—Eu sinto muito, sr. Dane — disse Theo. — Picasso fugiu de
Emilee quando ela o levou para um passeio. O carro o atropelou
antes que ela pudesse fazer alguma coisa para salvá-lo.
Eu nunca deveria ter ido para longe de casa para os feriados naquele
fim de ano.
O pesar pelo fato de que meu cachorro, Picasso, se fora para sempre
encheu minha alma.
Minha bola de pelos era a única coisa que tornava aquela ilha
suportável. Picasso me amara incondicionalmente. Ele não se importara por
eu não ser perfeito.
Morto? Não! Puta merda, não!
— Podemos conseguir outro cachorro para você — sugeriu Theo.
Balancei a cabeça negativamente. O nó enorme na minha garganta me
impediu de falar.
Eu voltara para a ilha depois da viagem para Denver para descobrir que
o único outro residente permanente ali, meu cachorro fiel, fora atingido por
um veículo na capital enquanto ficara lá com Theo e Emilee durante minha
viagem.
Eu nunca mais veria meu cão fiel. — Não quero outro cachorro —
consegui finalmente dizer a Theo.
Estávamos indo do aeroporto para casa e saber que eu não veria Picasso
quando chegasse lá estava matando-me.
Seria muito mais solitário ali sem Picasso.
Eu não queria uma substituição, como se ele tivesse sido uma mobília.
Meu cachorro fora meu amigo e companheiro durante os seis anos
anteriores. Eu não estava pronto para deixá-lo ir.
Puxei o cinto de segurança, pois ele parecia estar estrangulando-me.
Havia muitos cachorros da mesma raça em algumas partes do Caribe.
Eles vagavam como cães de rua e, quando a população era muito grande,
eram um incômodo.
Mas Picasso não fora um incômodo para mim. Quando Emilee o levara
ainda filhote para mim, eu sentira a conexão com aquela bola de energia
preta e branca.
Ele precisara de uma boa casa.
Eu precisara da companhia.
Fora uma combinação perfeita para nós... até que ele se fora.
Puta merda! Meu cachorro crescera naquela ilha quieta. Não
reconhecera os perigos do trânsito.
— Tem certeza de que não quer outro? — perguntou Theo cheio de
remorso.
— Sim. Picasso era especial — respondi com voz rouca.
Eu estava com o coração partido por causa de um cachorro. Talvez
fosse ridículo por causa disso. Mas não me importei nem um pouco.
Theo e Emilee não viam os animais como uma bênção. Os cães
estavam por toda parte e eram geralmente um incômodo para os nativos.
Eu estava sozinho no meu pesar, mas a última coisa que queria era
outro cachorro, como se Picasso pudesse ser substituído por qualquer outro
cão.
Ele não podia.
Ele fora meu amigo.
Aguente firme, Walker. Homens de vinte e quatro anos não choram por
causa de cachorros.
Tossi para limpar a garganta e comecei a perguntar a Theo sobre outras
coisas que não tinham nada a ver com meu animal de estimação.
Eu lidaria com meu pesar quando Theo e Emilee fossem embora.
Ficarei bem sozinho. Vou me acostumar.
Quando o mantra familiar surgiu automaticamente no meu cérebro,
convenci-me de que era verdade.
Era mais fácil assim.
CAPÍTULO 15
Kenzie

Dane devorou minha boca como se a possuísse. Aquela ferocidade


alimentou um fogo que já queimava dentro do meu corpo.
Eu só estivera com um homem na vida, um caso de adolescente rápido
que amargara meu desejo por outro relacionamento físico. Não que eu
tivera uma oportunidade real depois do ataque. Eu tinha medo demais de
deixar que qualquer homem me conhecesse, que encontrasse o caminho
para o meu coração. A maioria dos homens não iria me querer quando visse
minhas cicatrizes. Mas Dane... ai, meu Deus, ele era tão diferente de todos
os homens que eu conhecera.
O abraço ardente de Dane era diferente, nada parecido com o que eu já
vivera. Ele era um homem que sabia exatamente o que queria e avançava
até conseguir.
Coloquei os braços em volta de seu pescoço e pressionei meu corpo
contra o dele com um suspiro interno de satisfação. O corpo musculoso se
encaixou no meu com perfeição. Agarrei-me às costas dele, com uma
sensação que me invadiu como uma onda, atingindo diretamente a área
entre minhas coxas.
Eu o queria. Eu precisava dele tão desesperadamente que nenhum
outro pensamento conseguiu penetrar a neblina de desejo para chegar ao
meu bom senso.
— Dane — disse eu atônita quando ele finalmente afastou a boca da
minha.
— Merda! Theo está aqui — rosnou Dane.
Demorei quase um minuto para processar o que ele dissera, depois de
ouvir os sons sutis da presença de alguém na cozinha.
Theo fora ao mercado comprar mantimentos. Obviamente, ele voltara e
estava guardando tudo.
Meu corpo gritou em protesto quando Dane me soltou e recuou.
Eu queria voltar para o abraço protetor dele, mas finalmente meu bom
senso voltou. — Não quero que ele nos veja assim — confessei. — Gosto
dele e de Emilee, e a última coisa que quero é que pensem que estou
dormindo com você para conseguir alguma coisa.
Ele me lançou um sorriso malicioso que pareceu um soco no meu
estômago ao responder: — Se eu estivesse trepando com você, nunca que
estaria dormindo.
Eu queria me agarrar àquele corpo forte e musculoso depois que ele
falou baixinho aquelas palavras confiantes. — Talvez eu não estivesse
dormindo — disse eu distraída, com o cérebro ainda confuso.
— Merda! Eu queria ter mantido a água muito mais fria — disse ele em
um rosnado masculino de dor ao mergulhar em direção à extremidade funda
da piscina.
Soltei a respiração trêmula que não percebera que estivera segurando e
observei Dane quando ele deslizou pela água sem esforço algum.
Abaixando a cabeça, torci para que meu corpo acompanhasse o bom
senso em algum futuro próximo.
Subindo a escada para sair da piscina, peguei uma toalha, enrolei-me e
subi rapidamente para o segundo andar.
Meu corpo ainda tremia de desejo quando cheguei ao meu quarto.
Minha capacidade de raciocinar se recuperara muito antes do meu
corpo.

Eu não encontrei Dane até a manhã seguinte. Nós dois tínhamos mantido
distância e decidi que abaixar a guarda fora um erro enorme.
Talvez tivesse sido a coisa certa mostrar a ele quem eu era. Afinal, ele
era meu chefe. E tínhamos que conviver na mesma casa. Eu não podia
continuar escondendo as minhas cicatrizes. Mas deixar que ele me beijasse
fora uma história totalmente diferente.
Eu ficava vulnerável sempre que ele me tocava e isso deixava-me
muito assustada. Eu era uma sobrevivente. Eu sabia que não podia me
permitir sentir tanto.
Estar sozinha durante a maior parte da vida me ensinara que a única
pessoa com quem podia contar era eu mesma. Paige fora a única amiga de
verdade que eu tivera. As outras amizades tinham sido temporárias e
rápidas, algumas delas apenas casuais.
Eu não podia dar apoio a ninguém e evitara qualquer tipo de intimidade
ou conexão real durante a maior parte do tempo, pois fora necessário.
Eu não sabia se teria contado minha história a Paige se não tivéssemos
morado juntas por tanto tempo, durante o qual aprendi lentamente a confiar
nela.
Suspirei ao colocar água na cafeteira e ligá-la.
Talvez eu esteja tão atraída por Dane porque somos muito parecidos.
Nós dois tínhamos passado por uma solidão profunda, em uma escala
que a maioria das pessoas nunca entenderia. Nós dois tínhamos cicatrizes,
mas as marcas físicas eram muito menos dolorosas do que as emocionais.
Dane se escondia na ilha.
Eu me escondia à plena vista.
Mesmo nas ruas de Nova Iorque, que eram compartilhadas por milhões
de pessoas, eu sempre me sentira solitária.
Prendi os cabelos atrás da orelha ao pensar em quando conhecera Dane.
— Você está nervosa — disse Dane ao entrar na cozinha. — Só começa
a mexer nos cabelos quando está se sentindo inquieta.
Virei-me para observar enquanto ele se aproximava. Como sempre,
estava de tirar o fôlego de tão lindo, com calça jeans e uma camiseta polo
azul-marinho que destacava cada músculo da parte superior do corpo.
Amaldiçoei o fato de ele estar em tão boa forma. O som da voz profunda
lançou um calafrio pela minha espinha.
Sim, Dane tinha cicatrizes, mas nada que o tornasse menos atraente. No
mínimo, elas pareciam aumentar o mistério daquele homem.
— Acho que nunca percebi — disse eu ao virar a cabeça para o café.
Eu não conseguia olhar para ele sem desejar que estivéssemos nus,
quentes, suados e satisfeitos.
— Por que está tão tensa tão cedo assim? — perguntou ele ao se
encostar na pia ao meu lado.
Balancei a cabeça negativamente. — Não estou. Só estava pensando.
— Mentira — retrucou ele, cruzando os braços musculosos em frente
ao peito. — Posso não ter ficado perto de muitas pessoas nos últimos sete
ou oito anos, mas observei você o suficiente para entender sua linguagem
corporal.
Abri a boca para dizer a ele que nunca ninguém se importara em
observar como eu me comportava, mas fechei-a novamente, sabendo que
não podia revelar demais sobre mim mesma. Isso fazia com que eu me
sentisse vulnerável e exposta, e não podia ter esse tipo de emoções.
Forcei-me a respirar fundo e soltei o ar lentamente. — Ok, acho que
estou um pouco tensa. As coisas saíram do controle ontem. Sinto muito.
Ele se virou e abriu o armário, tirando duas canecas e colocando-as
sobre o balcão. — Eu não — disse ele com voz rouca.
— Sou sua assistente — argumentei.
— Quem se importa? — perguntou ele. — Só estamos nós dois aqui.
Não há nenhum outro empregado, exceto Theo e Emilee. E eu sei que eles
não se importam nem um pouco com o que fazemos. Não existe um livro de
etiquetas sobre o que duas pessoas sozinhas em uma ilha particular devem
fazer.
— Eu me importo. Preciso desse emprego. — Finalmente, virei-me
para olhar para ele.
Ele ergueu a sobrancelha desafiadoramente ao me encarar. — Acha que
eu a demitiria?
— Espero que não. — As palavras escaparam dos meus lábios antes
que eu conseguisse impedi-las.
— Não vou fazer isso — resmungou ele, estreitando os olhos. — Por
que diabos está usando uma tonelada de maquiagem de novo?
Esconder minhas cicatrizes era um hábito enquanto eu trabalhava e,
talvez, tivesse me sentido exposta demais naquela manhã. — É adequado.
— Não, claro que não — respondeu ele. — Tire a maquiagem. Mal dá
para notar suas cicatrizes e está muito quente. No verão, essa coisa vai sujar
sua roupa toda.
A casa tinha ar-condicionado, mas eu tinha que admitir que não estava
acostumada à umidade do ambiente tropical. — É mesmo uma coisa que
você quer ver? — perguntei na defensiva.
— Sim, acho que quero — respondeu ele ao servir o café nas duas
canecas.
— Por quê?
— Não faço a menor ideia. Você é linda de qualquer forma. Mas prefiro
ver sua pele, em vez de uma camada grossa de maquiagem. Não é você.
Ele não estava brincando quando dissera que a maquiagem era
excessiva. Para tornar minhas cicatrizes completamente invisíveis, era
preciso muito tempo, esforço e maquiagem. Eu usava camadas, uma mais
grossa do que a anterior. — Ninguém nunca me vê como realmente sou.
Dane segurou meu braço e puxou-me para a frente. Em seguida, virou o
corpo para me prender contra o balcão. — Eu vejo você, Kenzie — rosnou
ele. — Noto absolutamente tudo sobre você. Conheço seus hábitos
nervosos, o que gosta e o que não gosta, e sei quando não está me dizendo
tudo. Sei que sempre cuidou de tudo sozinha, mas não precisa mais fazer
isso. Estou aqui para ajudar, basta deixar que eu faça isso.
Nossos olhares se encontraram e percebi a sinceridade em seus olhos.
Eu queria confiar em Dane, mas minha necessidade de permanecer viva
ainda estava tão perto da superfície que não sabia se conseguiria. —
Obrigada — murmurei.
— Vai deixar? — O olhar dele era penetrante, deixando-me vulnerável
e exposta, exatamente o que eu tentava evitar.
— Estou bem — insisti. — Você me deu um bom emprego e uma casa
bonita onde morar. É mais do que o suficiente.
— Não é nada — respondeu ele. — Você ainda precisa me aguentar.
Provavelmente deveria receber um adicional por isso.
Mordi o lábio para segurar um sorriso. — Você não é tão ruim.
Sinceramente, Dane provavelmente era uma das pessoas mais
simpáticas que eu já tivera como chefe. Ele fora encorajador de uma forma
rabugenta e ensinava-me coisas que eu nunca tivera a oportunidade de
aprender.
Sim, ele me beijara, mas eu tinha quase certeza de que meus olhos
imploraram para que fizesse aquilo. Ele não era o tipo de homem que
avançava em uma mulher se ela não quisesse sua atenção.
— Estou atraída por você — disse eu antes que conseguisse pensar
melhor.
— Sim. Eu realmente não entendo — retrucou ele em tom confuso.
Incapaz de me conter, estendi a mão para passar o dedo nas cicatrizes
dele.
Ele se encolheu, mas deixou que eu o tocasse. — Há mais coisas sob
sua aparência — comentei. — Sei que acha que suas cicatrizes são feias,
mas não são. Elas são parte de quem você é e de suas experiências com a
vida.
— Minhas experiências de vida são horríveis.
— As minhas também — disse eu em tom suave. — Talvez seja por
isso que adoro tanto as suas pinturas. Acho que senti um espírito
semelhante.
Ele ergueu a mão e pegou a minha, segurando-a contra seu rosto. —
Como assim?
— Consegui sentir o desespero e a raiva nas suas pinturas, mas também
senti uma pontinha de esperança.
— A parte da esperança provavelmente foi pintada por acidente —
informou ele.
— Não, não foi — protestei. — Ela estava lá.
— Enterrada bem fundo na raiva e no desespero — comentou ele em
tom provocante.
Dei de ombros. — Algumas vezes. Mas ainda estava presente.
Ele segurou meu pulso e lentamente empurrou minha mão para baixo.
— As coisas que aconteceram com você não foram justas, Kenzie. Pelo
menos, eu tive infância antes que meu pai morresse. Fui privilegiado e
mimado enquanto crescia. Mas meu pai me deu uma boa base. Só nunca
tive a chance de botá-la para funcionar no mundo real. Mas foi por opção
minha. Você não teve muita opção. E, quando finalmente se livrou de seus
pais, acabou nas mãos de alguns dos piores filhos da puta.
Dane entrelaçou os dedos nos meus. Não achei que ele tivesse
percebido que ainda segurava minha mão com muita força.
— Eu tinha Paige — argumentei. — A amizade dela me fez acreditar
que nem todas as pessoas eram ruins.
— Elas não são todas ruins — concordou ele. — Mas eu sou
provavelmente o maior escroto que você conhecerá na vida. E também não
consigo conter a atração que sinto por você. Provavelmente quis você desde
o momento em que a vi. Tentar fazer com que fosse embora foi uma reação
idiota a querer você.
— Não podemos deixar a atração nos guiar — disse eu em tom
desesperado.
— Quem vai nos impedir? — perguntou ele. — Kenzie, nada de ruim
acontecerá se deixarmos que isso aconteça.
Eu não acreditei inteiramente nele. Passara a vida inteira esperando que
o martelo caísse sobre a minha cabeça, que alguma coisa de ruim
acontecesse. E, quase sempre, fora o que acontecera.
Puxei a mão, sentindo-me subitamente desconfortável com a conversa.
— Podemos começar de novo — sugeri quando Dane finalmente soltou
minha mão. — Podemos esquecer o que aconteceu ontem.
Ele balançou a cabeça negativamente. — Não é possível. Eu quis você
na minha cama desde a primeira vez em que a vi.
— Foi por isso que decidiu deixar que eu ficasse? — perguntei com a
voz trêmula.
— Não. Deixei que ficasse porque, em algum lugar, bem no fundo,
provavelmente ainda existe uma parte de mim que quer ser justa e ajudar
alguém que se esforça tanto como você. Só achei que era a coisa certa a
fazer.
— Você se arrepende?
Fora apenas pouco mais de uma semana antes, mas torci para que ele
não tivesse pensado melhor.
— Não. Você está começando a se tornar insubstituível.
Meu coração ficou apertado. — Ótimo. Quero ser útil.
Ele estendeu a mão e ergueu meu queixo para olhar diretamente nos
meus olhos. — Você é mais do que útil, Kenzie. Nunca se esqueça disso.
Eu não estava acostumada a ouvir elogios e fiquei sem graça. — Vou
retirar a maquiagem. Você tem razão. Ela me incomoda, especialmente
aqui.
Era uma máscara que eu estava acostumada a usar, mas não parecia
mais tão necessária em Walker’s Cay.
Conseguira me cobrir bem naquela manhã, algo que esperara que
colocasse alguma distância entre Dane e eu. Infelizmente, o efeito fora
exatamente o oposto. Ele sabia o que eu estava tentando fazer e parecia
determinado a derrubar minhas defesas completamente.
Ele pareceu hesitante por um momento, como se quisesse dizer ou fazer
algo. Mas logo depois soltou meu queixo. — Ok, eu vou cozinhar.
— Não, por favor — pedi. — Voltarei em um minuto.
— Por quê? Eu consigo fritar bacon ou algo assim — protestou ele.
Corri até a escada, torcendo para que ele não começasse nada até que
eu voltasse. Dane tentara ajudar na cozinha uma ou duas vezes. Não dera
muito certo.
— Não comece sem mim! — gritei por sobre o ombro.
Meu coração deu um salto enquanto eu subia a escada correndo. Eu
tinha quase certeza de que ouvira Dane Walker rir.
CAPÍTULO 16
Dane

Eu não tinha certeza de por que trocara a pintura em que


trabalhava, mas tinha foco maior no que estava à minha frente
naquele momento.
Era outra paisagem do mar, em óleo, e algo que eu não praticara desde
que meu mentor, um mestre em pinturas marítimas, deixara a ilha para
voltar para casa.
Eu me sentia mais confortável com pinturas a óleo, mas não tinha tanta
certeza sobre o assunto do meu trabalho. Eu não fazia pinturas realistas.
Somente emoções abstratas. Mas, por algum motivo, senti vontade de
trabalhar no crepúsculo perfeito sobre o oceano.
Estranhamente, eu descobria que podia colocar emoções na tela com
qualquer assunto. A cena que pintava era escura, com o oceano cheio de
ondas e um brilho sombrio do sol que se punha sobre o mar furioso.
Ora, era mais ou menos da forma como eu me sentia. Kenzie era a luz e
eu era o oceano tempestuoso. Só o que eu queria fazer era mergulhar nela,
como o sol que se punha.
— Merda! — xinguei, percebendo que tudo o que eu pintava retratava
o que queria na vida real. — Ela está me deixando louco.
Kenzie saíra da cozinha naquela manhã e retirara toda a maquiagem,
algo que tivera minha aprovação completa. A pele dela era linda e perfeita.
As cicatrizes quase invisíveis eram um símbolo do que ela tivera que
aguentar no passado.
Eu dissera a ela que a vida não fora justa, o que era especialmente
verdade no caso dela. Como uma pessoa conseguira sobreviver à infância
horrível e à vida adulta igualmente terrível?
Não era difícil acreditar que ela tivera aspirações de ser modelo. Ela era
linda, mesmo com as marcas no rosto. Retirar a maquiagem não ajudara em
nada a acabar com a minha vontade de prendê-la contra a parede e tomar
exatamente o que meu pênis queria.
Eu queria que ela sentisse centenas de tipos de prazer, todos ensinados
por mim.
— Não vou sobreviver a isto — disse eu a mim mesmo enquanto
examinava o que fizera até o momento no projeto atual. — Ela vai me
matar.
Eu sabia com certeza que não conseguiria me impedir de tocar nela.
Saber que ela sentia uma atração similar também não ajudava em nada. Só
tornava ainda mais difícil não tentar levá-la para minha cama. Eu queria
mais do que apenas o corpo dela. Com Kenzie, eu queria cada parte dela, o
que me deixava extremamente assustado.
Vê-la todos os dias, ter outra pessoa por perto com quem eu gostava de
conversar começava lentamente a me mudar. Fosse para melhor ou para
pior, ainda era algo incerto. Mas parecia para melhor. Parecia certo ter
Kenzie ali e eu não pretendia ignorar algo que me ajudava a recuperar a
sanidade.
Tanto tempo sozinho na ilha começara a me afetar. Ora, talvez eu
tivesse começado a perder o juízo muito tempo antes, mas não me
importara porque não quisera me sentir vulnerável.
— Dane? — chamou uma voz hesitante da porta do estúdio.
Virei-me e vi Kenzie parada na porta, iluminada pela luz forte do sol.
— Sim?
Ela sorriu para mim ao dizer: — Steph está pronto para receber sua
última pintura. Só preciso que você assine o contrato.
— Farei isso quando voltar para a casa — concordei.
— Ok — murmurou ela, virando-se para ir embora.
— Espere! — gritei.
— Não quero incomodar você — disse ela.
Era óbvio que aquela voz doce e feminina não deixaria meu pênis mais
duro do que já estava só de ver seu rosto tão belo.
— Você não está me incomodando — confessei. — Acho que chega de
pintar por hoje.
Depois de vê-la, eu não queria parar de vê-la. Kenzie era como um
vício e eu nunca ficava satisfeito o suficiente de sua presença agradável.
Ver o sorriso dela completara meu dia.
— Posso ver? — perguntou ela em tom curioso, acenando em direção à
tela em que eu trabalhara.
— Sim — concordei. — Ainda falta muita coisa. Eu estava trabalhando
em algo diferente, mas não cheguei a um ponto em que quero terminar.
Portanto, resolvi trabalhar em outra tela.
Ela se aproximou e o aroma de coco e calor invadiu minhas narinas.
Respirei fundo e soltei o ar lentamente, saboreando o perfume de Kenzie.
— Ai. Meu. Deus. É... incrível! — A expressão sem fôlego dela me fez
ter vontade de passar os braços em volta de sua cintura para sentir seu corpo
macio e cheio de curvas contra o meu.
— Espero ver outro crepúsculo como o de ontem — disse eu. — Não
levei a câmera para tirar fotografias.
— Adorei — disse ela ao inclinar a cabeça para examinar o que eu
fizera. — É primitivo e lindo.
— Então será seu quando estiver pronto — declarei.
Talvez o fato de ter um dos meus trabalhos desse a Kenzie algum tipo
de segurança. Para mim, não importava o que ela faria com ele. Se
precisasse de dinheiro algum dia, ela poderia vender a porcaria do quadro.
Ela soltou uma exclamação. — Não, Dane. Eu nunca poderia aceitar
um presente assim. Suas pinturas valem no mínimo sete dígitos. E esta é
exclusiva.
— Não me importo nem um pouco com o dinheiro. Nunca me importei.
Guarde-o ou venda-o. Não me importo. Mas estou dando o quadro a você
como presente. Quando é o seu aniversário?
Ela hesitou antes de responder. — No mês que vem, no dia dezesseis.
— O meu também — comentei. — No dia quinze. Farei vinte e seis
anos. Portanto, fique com ele como presente de aniversário. Quantos anos
fará?
— Vinte e seis — respondeu ela.
— Sou um dia mais velho que você.
— Não vou aceitar seu quadro — negou ela. — É incrível o suficiente
que eu possa vê-los.
Ela aceitaria a pintura e qualquer outro trabalho futuro que quisesse.
Mas eu não estava com vontade de discutir naquele momento.
— Vamos fazer uma coisa juntos? — perguntei em um tom que parecia
mais de comando. — Vamos celebrar nossos aniversários juntos.
Eu poderia argumentar com ela sobre os quadros mais tarde.
— Sebastian telefonou. Ele e Paige vão se casar um dia antes do seu
aniversário. Paige quer que eu seja a dama de honra dela.
— Você quer ir? — perguntei.
— Sim. Sinto-me muito honrada por ela querer que eu vá ao casamento
dela. Sebastian também quer que você vá.
Ela franziu a testa, enfatizando a pequena ruga entre as sobrancelhas.
Soltei um suspiro exasperado. — Ok. Mas depois nós sairemos para
comemorar. É um milagre que você tenha chegado ao seu vigésimo sexto
aniversário.
Ela soltou uma risada surpresa. — Acho que sim. Muito obrigada. Não
quero perder o casamento da minha melhor amiga.
Eu sabia que ela estava sendo sincera. Kenzie era o tipo de mulher que
apoiaria uma amiga, mesmo que a vida não tivesse sido particularmente
gentil com ela.
— Bom, eu não disse que não iria — comentei.
— Mas você pensou em não ir — retrucou ela.
— Como sabe?
— Porque, quanto mais evita alguma coisa, mais difícil é de resolver.
Você não vê sua família há mais de um ano.
— Eu os verei no casamento — resmunguei.
— Será uma cerimônia linda — disse ela empolgada. — Eva e Paige
estão planejando tudo há semanas.
— Você queria participar do planejamento? — Odiei pensar que estava
mantendo-a afastada de algo que queria fazer.
Ela balançou a cabeça negativamente. — Já estou participando, pois
Paige e eu fazemos videoconferências.
Fiquei aliviado. Eu não queria ir muito antes, mas, se Kenzie realmente
quisesse ir para o planejamento, iria. Havia pouca coisa que eu não faria
para vê-la sorrir como sorria naquele momento.
— O seu jatinho consegue ir até o Havaí? — perguntou ela inquieta.
— É claro. Você quer ir para o Havaí? — Fiquei confuso, pois achei
que estávamos falando de Denver e do casamento.
— O casamento está planejado para ser lá. Como ainda estará frio em
Denver, Paige decidiu fazer a cerimônia em Maui.
— Sebastian provavelmente gostará disso — disse eu. — É um dos
lugares para onde ele gostava de ir.
— Você gosta de lá?
— Não estive lá desde que era criança. Meu pai costumava me levar
para mergulhar no mundo inteiro. Comecei quando tinha onze anos. Aos
quinze anos, ganhei um certificado de mergulhador júnior — contei a ela,
sentindo uma dor no peito ao lembrar do hobby que eu e meu pai tínhamos
dividido de forma entusiasmada. Eram boas lembranças, mas não
necessariamente fáceis, pois eu não tinha mais meu pai para dividi-las.
— Você ainda mergulha?
Sorri para ela. — Estou em uma das melhores áreas de mergulho do
mundo, em uma ilha particular. Sim, mergulho sempre que posso.
— Eu sempre quis aprender — disse ela com voz ansiosa.
— Então vou ensinar você.
— Vai? — Ela pareceu chocada.
— Consegue usar um snorkel? Podemos começar por aí e, quando se
sentir confortável, passamos para o mergulho.
— Tenho uma confissão a fazer — disse ela em tom solene.
— Qual?
— Não sei nadar muito bem.
Dei de ombros, guardando aquela informação para que sempre
estivesse perto dela quando ela estivesse dentro d’água. — Então primeiro
faremos com que seja uma nadadora melhor.
Uma empolgação quase infantil iluminou seu rosto. — É mesmo? Eu
adoraria.
— Consegue encontrar um espaço na minha agenda lotada? —
perguntei com um sorriso.
— Sim, sr. Walker — respondeu ela com voz divertida.
Puta merda. Eu tinha certeza de que faria praticamente qualquer coisa
para mantê-la sorrindo como estava naquele momento.
Por alguns dias depois de chegar à ilha, Kenzie parecera certas vezes
um tanto melancólica e tensa. Imaginei que fora pela perspectiva de não ter
um emprego que incentivasse seu otimismo. Eu nunca mais queria vê-la
tensa e preocupada.
Eu não estava preparado quando ela subitamente deu um salto à frente
contra meu peito.
Por sorte, meus reflexos eram rápidos e passei os braços à sua volta. E,
merda, era tão gostoso abraçá-la que eu não queria deixá-la ir embora nunca
mais.
— Obrigada, Dane. Muito obrigada — disse ela perto do meu ouvido.
— Mergulhar não é exatamente algo difícil. Estamos rodeados de água
— brinquei.
— Eu sei que você não está muito animado com a viagem, mas vai
adorar o casamento. Prometo.
O tom dela foi tão animado que não quis desapontá-la e não disse nada.
Par ser sincero, eu provavelmente adoraria a viagem para o Havaí se
ela estivesse lá, ao meu lado. As necessidades dela rapidamente se
tornavam mais importantes do que o meu medo do mundo exterior.
Rangi os dentes quando o corpo sensual dela esfregou contra o meu.
Caralho! O que eu não daria para fazer aquilo sem roupas entre nós. Eu
queria explorar o corpo incrível dela, sem pressa alguma.
— Não me importo tanto assim — disse eu ao enterrar o rosto nos
cabelos dela. A sensação e o perfume dela me deixaram louco. Talvez eu
fosse masoquista, mas não podia deixá-la se afastar.
— Você pretendia ir o tempo todo — acusou ela ao afastar a cabeça
para olhar para mim.
— Sim — confirmei. — Meus irmãos provavelmente só vão se casar
uma vez. Quero estar lá. Foi um choque quando Sebastian resolveu sossegar
na vida.
— Paige o ama — comentou ela. — Espero que ele seja bom para ela.
Não havia dúvidas de que Sebastian trataria Paige como se fosse uma
rainha. Ele a adorava e eu sabia que deixaria o passado para trás. — Ele era
mulherengo. Mas, desde que conheceu Paige, não acho que ele tenha sequer
pensado em outra mulher. Ele se aposentou.
— Sou a última pessoa que pode falar sobre erros do passado — disse
ela. — Desde que ele entenda o que tem agora, fico satisfeita.
— Nada do que aconteceu com você foi culpa sua, Kenzie — garanti.
— Eu me sinto idiota às vezes. Vou fazer vinte e seis anos e não fiz
muita coisa na vida.
— Não diga isso — resmunguei. A última coisa que eu queria para
Kenzie era arrependimento. A vida dela fora horrível até aquele momento e
eu garantiria que ela nunca mais tivesse outro dia infeliz, se pudesse evitar.
Para meu desgosto, ela se afastou. — Desculpe por ter interrompido
você.
Dei de ombros. — Não interrompeu. Como eu disse, já parei de
trabalhar.
— Posso usar seu estúdio por uma ou duas horas?
— É claro, eu já disse que podia. — Pensei um momento antes de
acrescentar: — Mas só se me deixar ver o seu trabalho.
Eu não me importava com as habilidades técnicas dela. Queria vê-la
fazendo algo que a deixasse feliz.
— Não tenho nada que tenha começado de verdade. Só estou fazendo
esboços por enquanto.
— Tenho o local perfeito para você começar — disse eu ao começar a
limpar os pincéis.
— Tem? — perguntou ela, soando confusa.
Lavei as mãos e sequei-as com uma toalha de papel. — Vamos. Tenho
algo a mostrar para você.
Peguei a mão dela e levei-a até a casa, torcendo para que conseguisse
fazê-la sorrir mais uma vez naquele dia.
CAPÍTULO 17
Kenzie

Dizer que eu fiquei atônita com o que Dane precisava me mostrar


teria sido leve demais.
Ele me levou de volta para a casa e puxou-me para dentro de um
aposento que eu não vira antes, uma varanda fechada que supus nunca ter
sido usada. Eu passara pelo aposento quando explorara a casa, imaginando
que a porta fechada levava a um armário ou a um depósito.
Era um lugar relativamente grande e muito bonito. Ele tinha ar-
condicionado, mas alguém abrira algumas das muitas janelas e o som do
oceano era claro.
— Eu nem sabia que esta sala existia — disse eu ao entrar, parando de
forma tão abrupta que Dane me atropelou.
— Eu nunca a uso — comentou ele ao me segurar. — Tenho outras
varandas enormes e, até agora, acho que não precisei dela. O que acha?
Acha que consegue trabalhar aqui?
Demorei um minuto para entender o que ele queria dizer.
Olhei em volta, finalmente notando que o lugar fora preparado para
fabricação de cerâmica. E estava equipado com os melhores e mais recentes
equipamentos. Minha experiência fora de trabalhar com uma roda de
cerâmica antiga e com fornos e processadores velhos em um centro local
em Massachusetts.
— Este equipamento é incrível — murmurei ao andar pela sala e passar
a mão sobre uma das rodas de cerâmica.
— É seu — disse ele logo atrás de mim. — Theo e eu trouxemos tudo,
mas talvez seja preciso alguém mais experiente para arrumar.
— Tem até mesmo equipamentos para fazer biscuit — comentei, ainda
maravilhada com a quantidade de equipamentos que ele adquirira. — E eles
podem ser pintados.
— Posso pintar alguns itens para você, mas não sei se o meu trabalho é
exatamente o que deseja na cerâmica.
Eu ri. — Eu teria cerâmicas caras demais para que me sentisse
confortável usando-as para comer ou beber. — Eu não tinha certeza de
quanto uma cerâmica com a marca de Dane custaria, mas seria uma peça
apenas para exibição. — Como sabia o que comprar?
Sinceramente, fiquei atônita por ele montar uma sala de cerâmica que
nunca usaria.
Ele deu de ombros. — Só comprei o que me disseram que poderia ser
útil para uma sala de cerâmica.
Soltei uma risada atônita. — Parece que venderam a loja inteira a você.
— Eu queria garantir que você tivesse tudo de que precisasse. Gostou?
Virei-me para olhar para ele. — É incrível. Sinceramente, não sei o que
dizer.
Obrigada não parecia o suficiente. O que mais me emocionara fora o
fato de que Dane fizera aquilo simplesmente para me deixar feliz. Quem
fazia algo assim? Eu não precisava de nada daquilo, mas estava doida para
tentar fazer algumas peças agora que a sala de cerâmica existia.
Eu nem podia fingir que ele fizera aquilo por outro motivo que não
fosse me deixar mais contente na ilha. E eu não sabia como lidar com isso.
Não sabia como lidar com ele. Eu nunca me preocupara em me fazer feliz.
Ora, eu nunca passara do necessário para ficar viva. O que poderia dizer a
alguém que fizera algo tão caro e provavelmente demorado simplesmente
porque achou que eu poderia gostar?
— Não diga nada — sugeriu ele. — Só me diga se tem tudo de que
você precisa.
— Não consigo acreditar que tenha feito isso por mim — respondi com
sinceridade. — Ninguém nunca teve esse tipo de trabalho só por mim.
Senti as lágrimas encherem meus olhos enquanto continuava a olhar
para ele.
— Ai, meu Deus, não chore, porra, Kenzie — pediu ele com voz rouca.
— Não consigo evitar. Por que você fez isso? Sou só uma funcionária.
— Você disse que gosta de cerâmica. E não há nada de errado com
fazer algo bacana para uma funcionária. Sem falar que você é mais do que
uma funcionária para mim, Kenzie.
— Eu gosto de mexer com cerâmica. Mas você não precisava fazer
isso. — Eu me senti culpada e certamente não sentia que merecia aquilo.
— Eu fiz porque quis — protestou ele.
— Obrigada — disse eu quando uma lágrima escapou do olho e
escorreu pelo meu rosto. Eu não queria que ele me achasse uma ingrata. Só
não sabia muito bem como lidar com aquilo tudo. — Virei aqui sempre que
puder.
— Encontre tempo — insistiu ele. — Pode começar parando de
trabalhar mais cedo.
Sorri para ele, um sorriso largo que não consegui conter. — Não
preciso fazer isso. Tenho bastante tempo livre. Até parece que estou de
férias. Só tenho um emprego e, na minha opinião, meu expediente é muito
curto.
E ele já não me dava tempo livre suficiente? Eu nunca trabalhara tão
pouco. Meus dias normalmente tinham dezessete horas de trabalho. E
praticamente todos os dias eram de trabalho. Trabalhar para Dane uma
média de seis ou sete horas por dia era como férias.
— Você já trabalhou muito na vida. É hora de aprender a se divertir um
pouco, Kenzie.
Eu não tinha ideia de como seria não trabalhar quase todas as horas do
dia em que estivesse acordada. — Não sei se sei como fazer isso — admiti.
— Trabalhar pouco aqui está me deixando muito culpada, considerando o
quanto está me pagando. Eu gosto de ficar ocupada, Dane.
— Fique ocupada com outra coisa que não seja o meu trabalho —
exigiu ele.
— Sou paga para lidar com os seus negócios — comentei.
— Então talvez eu deva mudar o seu cargo. E se eu dissesse que
preciso de uma companhia e que isso seria parte do seu trabalho?
A última coisa de que Dane precisava era alguém perturbando-o o
tempo inteiro. Ele trabalhava muito, pesando os prós e contras de seus
investimentos, os riscos e as possíveis recompensas. Além disso, trabalhava
em sua arte. Os dias dele não eram exatamente curtos. — Eu diria que você
está mentindo.
Vi sua garganta se mover quando ele engoliu em seco. — Não estou
mentindo — respondeu ele em tom direto. — Eu gosto de ter você aqui.
As palavras dele foram o elogio mais doce que eu já ouvira. —
Ninguém nunca me quis de verdade — comentei em tom hesitante. As
emoções se expandiram, ameaçando transbordar sobre os muros que eu
normalmente erguia para protegê-las.
Ele chegou mais perto, tão perto que senti o hálito quente no meu rosto.
— Eu quero você, Kenzie. Não quero querer, mas não vou mentir para
você nem para mim mesmo. Acho que você já sabe como me sinto. Ora,
não consigo ficar no mesmo aposento que você sem ficar de pau duro.
Sem conseguir me conter, passei os braços em volta do pescoço dele,
suspirando ao correr os dedos pelos seus cabelos densos. — Eu sinto —
admiti. — Queria não sentir, mas sinto. Sempre será uma coisa perigosa,
pois sou sua assistente.
— Assistente e companhia — corrigiu ele. — E não importa o que
aconteça entre nós, não pretendo demitir você.
Os braços dele rapidamente me envolveram, segurando-me como se eu
fosse algo precioso.
Talvez ele tivesse boas intenções, mas como seria possível viver na
mesma casa com alguém em um relacionamento de trabalho depois de
transar com ele?
Saber que eu precisava do emprego era quase o suficiente para me
afastar dele. Mas eu não conseguia. Estar perto de Dane, ser abraçada por
ele, era algo tão inebriante que eu não podia deixar a oportunidade passar.
A mão dele subiu e desceu pelas minhas costas em um movimento
possessivo e reconfortante que me fez sentir que encontrara a paz no lugar
em que estava naquele momento.
Recostei a cabeça contra o ombro dele, sentindo-me derrotada. —
Talvez não pretenda, mas, se transarmos, acabará sendo algo esquisito.
— Tenho certeza de que, em algum momento, você acabará na minha
cama, Kenzie — resmungou ele.
— Eu... não posso — respondi sem fôlego, sabendo que a previsão dele
provavelmente era verdade.
Por quanto tempo eu conseguiria negar o quanto o queria?
— Eu acho que você pode. Sinceramente, não acho que nenhum de nós
dois consegue resistir à tentação por mais tempo — contradisse ele, sem me
dar tempo de responder antes e abaixar a cabeça para me beijar.
A intenção dele foi clara e estremeci quando finalmente deixei que a
boca de Dane se fundisse com a minha. Meu sangue ficou quente quando
ele exigiu minha rendição. Cedi sem pensar muito.
Eu não conseguia pensar.
Eu não conseguia raciocinar.
A única coisa que eu podia fazer era sentir o que ele fazia comigo e
respondi com um gemido que foi abafado por sua boca.
Não posso fazer isso. Não posso.
Em algum lugar bem no fundo, meu cérebro tentava ser ouvido, mas a
voz de advertência era tão baixa em comparação ao rugido de desejo que
não prestei atenção a ela.
Só o que importava era Dane e o fato de que eu queria senti-lo.
Soltei um som um tanto primitivo quando ele interrompeu o beijo para
correr os lábios sensuais pela pele sensível do meu pescoço. Minhas unhas
curtas se enterraram no pescoço dele e, em seguida, começaram a puxar a
parte de trás da camiseta dele.
Eu precisava de algo mais, qualquer coisa substancial que me tirasse
daquela agonia.
— Dane. Ai, meu Deus, preciso de você. — As palavras saíram da
minha boca antes que eu conseguisse contê-las.
— Estou aqui. Vou lhe dar o que quiser — rosnou ele. — Só não me
diga para parar.
As mãos dele desceram pelas minhas costas e pararam no meu traseiro,
sobre a calça jeans.
O hálito quente de Dane se espalhou pelo meu pescoço e, em seguida,
pela minha orelha.
Tentei pressionar meu corpo ainda mais contra o dele. Eu queria sentir
aquele corpo rígido o mais perto possível.
— Você é a mulher mais linda que já vi — disse ele com voz rouca. —
É impossível deixar você em paz. Não consigo ficar no mesmo aposento
com você sem querer isto.
— Nem eu — confessei, com a respiração pesada e rápida.
Quando ele levantou minha camiseta e começou a puxá-la pela minha
cabeça, não protestei. Na verdade, levantei os braços para que ele
conseguisse tirá-la. Meu sutiã foi retirado logo depois e quase ronronei
quando minha pele encostou na dele.
Dane estava sem camiseta, o que era um hábito quando ele trabalhava
no estúdio. Era um tormento ver o peito e o abdômen lisos e musculosos
dele e não poder tocá-lo.
Ele tinha razão. Eu acabaria cedendo, mesmo sabendo o quanto
precisava protestar. Eu não conseguiria me proteger, o que nunca me
acontecera antes. Naquele momento, eu queria Dane mais do que queria
sobreviver. Ou confiava nele o suficiente para saber que nunca me
magoaria.
Eu quis choramingar em protesto quando Dane se afastou, mas o foco
dele estava em alguma outra coisa.
— Saia de cima — ordenou ele em tom rouco ao baixar minha calça
jeans e a minha calcinha.
Levantei um pé de cada vez até ele descartar minhas roupas e fiquei
parada à frente dele, completamente nua.
Eu me senti tão exposta que hesitei por um momento, mas não durou
muito tempo.
Olhei para ele com um olhar faminto, estremecendo ao ver o calor em
seu olhar.
— Sonhei com isto — disse ele ao se erguer, com as mãos passando
pelo meu corpo de forma reverente. — Mas ver você assim é muito melhor
do que a minha imaginação.
— Dói — disse eu com voz atormentada que sumiu quando os dedos
dele brincaram com meus mamilos latejantes.
— Vou acabar com a dor — prometeu ele.
— Estou nervosa — confessei. — Só transei com um cara, e foi na
época da escola.
— Esqueça esse cara — disse ele com voz abafada ao morder de leve a
pele sensível do meu pescoço. — Eu já esqueci todas as outras mulheres,
exceto você.
Por algum motivo, não importava que Dane visse meu corpo
imperfeito. Eu sabia que ele ainda me queria, com as cicatrizes e tudo o
mais.
Ele recuou e traçou a linha branca da marca no meu peito, de um
ferimento de faca que quase acertara meu coração.
— Odeio isso — mencionou ele furioso. — Odeio o fato de que
aqueles filhos da puta encostaram em você... ponto.
— Já passou — respondi ao estender a mão para o zíper da calça dele,
querendo muito que ele ficasse nu como eu estava.
— Não — advertiu ele com voz baixa e gutural. — Minha paciência já
acabou.
— Não preciso de paciência — protestei. — Só quero você.
Não reconheci a mulher cheia de desejo que procurava fervorosamente
o pênis de Dane. Eu queria senti-lo. Queria saber que ele estava tão
desesperado quanto eu.
O corpo dele ficou tenso quando finalmente encontrei o que queria.
Uma sensação de poder invadiu meu corpo quando percebi como Dane
reagiu violentamente ao meu toque.
Com maquiagem completa e as cicatrizes escondidas, às vezes os
homens se aproximavam de mim, mas nunca ninguém me entendera nem
me aceitara ao perceber minhas falhas.
Nenhum deles me conhecera de verdade.
Dane realmente me via.
Mas ele ainda me queria... independentemente das marcas no meu
corpo.
E a sensação era inebriante.
— Quero tocar em você — murmurei, frustrada pelos materiais que nos
separavam.
— Que merda, Kenzie. Quero fazer as coisas devagar. Não consigo
fazer assim quando você me toca.
E eu queria que fosse algo selvagem e apaixonado. Com Dane, não
havia outra forma.
Soltei um gritinho quando ele me pegou nos braços e carregou-me até
um sofá na área de estar no canto da sala. No caminho, ele parou perto da
porta e girou a chave, preservando nossa privacidade.
Uma pequena parte do meu cérebro tentava entender o que acontecia,
mas ele foi afogado no desejo carnal que fazia com que meu corpo latejasse
em ansiedade.
Ele me deitou no sofá. Em seguida, tirou rapidamente a calça jeans e a
cueca, jogando-as de lado ao se abaixar ao meu lado. — Eu quero mais —
disse ele em tom sombrio. — Preciso que se esqueça de tudo que não seja
eu.
Como se eu conseguisse pensar em qualquer outra coisa enquanto ele
me tocava. Isso nunca seria um problema.
Eu já estava pronta, mas, no momento em que Dane passou as mãos
pelo meu corpo e baixou a cabeça para chupar meu mamilo extremamente
sensível, perdi-me completamente.
Eu me esqueci de tudo o mais, exceto pela sensação da boca quente
sobre meus seios e a mão dele entre minhas coxas.
— Toque em mim — supliquei, deixando que minhas pernas se
abrissem para ele.
— Não estou com pressa, querida — disse ele, rangendo os dentes com
o esforço para se conter. — Não vou me apressar.
Soltei um gemido breve, sabendo que não obteria a gratificação
instantânea que queria.
Apoiei a cabeça no travesseiro e arqueei as costas quando Dane
capturou meu outro seio. A intensidade do toque dele foi quase
insuportável. A onda de calor do toque insistente se concentrou entre
minhas coxas trêmulas.
Foi difícil não perceber quando ele abruptamente prendeu a respiração
ao encostar os dedos na minha boceta, encontrando a entrada e sendo
recebido pelo calor molhado que o aguardava.
— Puta merda! Você está tão molhada, Kenzie — disse ele com voz
rouca.
— Não consigo evitar — disse eu, mal reconhecendo minha voz
desesperada.
— Não quero que evite. Quero você exatamente assim.
Eu não ia fingir que sabia exatamente o que ele queria. Dane invadia
cada um dos meus sentidos e eu não conseguia pensar direito.
Eu sabia que estava completamente perdida quando ele colocou um
dedo entre minhas dobras molhadas, deslizando-o sobre o clitóris.
Eu estava perdida e não sabia se algum dia me reencontraria.
Naquele momento, não me importei.
Só o que eu queria era ele. E que se danassem as consequências.
CAPÍTULO 18
Dane
UM ANO ANTES...
—Acha mesmo que alguém iria querer você? — disse Britney
com uma risada maligna. — Você é cheio de cicatrizes. Veste-se
como se fosse um mendigo. Você é tão ridículo quanto o seu irmão,
Trace.
Eu soubera, mesmo enquanto estava em Denver, que Britney chegaria à
ilha em algum momento para buscar suas roupas. Nós nos separamos em
Denver, mas ela nunca desistiria das roupas caras que eu financiara nem das
outras coisas que lhe dera. Eu só esperara que demorasse um pouco para
que ela fizesse aquilo.
Mas não demorou.
Ela chegara à ilha no mesmo dia em que eu voltara da visita ao
Colorado.
Agora que as coisas dela estavam empacotadas e prontas, eu sabia que
não conseguiria evitá-la. Se tentasse, ela me encontraria.
— Acabou, Britney. Vá embora.
Infelizmente, ela já me procurara até me encontrar no estúdio. Eu não
entendia por que ela precisava me destroçar só por não ser Trace.
Ora, eu sabia que ela nunca realmente quisera a mim. Eu só pagara pelo
privilégio de usar o corpo dela e o preço fora muito alto. Mas eu precisava
de contato humano. Estivera perfeitamente ciente de que ela me usara por
causa do meu dinheiro. Eu só não percebera direito que ela me usara para
dar o troco no meu irmão, Trace, por tê-la dispensado.
Ela achara mesmo que meu irmão a aceitaria de volta? Britney era uma
cobra e eu estava feliz por Trace agora ter Eva. O que eu nunca entendera
era por que meu irmão cedera ao charme falso de Britney, para começo de
conversa.
— Ah, eu estou indo embora — disse ela veementemente. — Só queria
que você soubesse o quanto odiei cada trepada com você.
— Por quê? — perguntei em tom direto. Não que eu me importasse,
mas pareceu a coisa óbvia a perguntar.
Ela explicou. — Sofri durante o ato todas as vezes. Suas cicatrizes me
davam arrepios. Nem vale a pena. O dinheiro que você me deu foi muito
pouco.
Eu gastara com ela dezenas de milhares de dólares durante o tempo
curto que ficara na ilha. Não importava o que eu dava a ela, nunca era
suficiente. Eu duvidada que algum homem algum dia teria dinheiro
suficiente para satisfazer Britney. Senti pena do próximo coitado que ela
decidisse explorar.
— Vá, Britney. Estou tentando trabalhar.
Sinceramente, eu estava feliz por ela estar saindo da minha ilha e
porque nunca mais teria a atenção do meu irmão.
Ela ameaçara Trace.
Tentara acabar com o relacionamento dele com Eva.
E ela me usara para conseguir o dinheiro que queria.
Não que eu não soubesse disso.
Só estivera desesperado o suficiente para deixá-la ficar lá.
Agora, eu preferia ficar sozinho. Eu sabia como era vazio trepar com
uma mulher que odiava olhar para mim.
— Trabalho! — gritou ela com voz gelada. — É só com isso que você
se importa.
— Queria que eu me importasse com você? — questionei, sabendo a
resposta antes mesmo de fazer a pergunta.
— Não! Toda essa experiência foi ruim o suficiente. Odiei ser forçada a
dormir com você.
Dei de ombros. — Você poderia ter ido embora quando quisesse. Com
certeza não foi forçada.
— Você sabe que preciso de dinheiro. Trace me deixou sem nada.
— Então nosso dinheiro era intercambiável? — perguntei.
Eu praticamente vi a fumaça saindo das orelhas dela ao responder: —
Você nunca será Trace.
Não. Eu nunca seria meu irmão mais velho, mas ela deveria ter sabido
disso desde o primeiro dia. Eu não era tão polido nem educado quanto meu
irmão mais velho e certamente não era parecido com ele. Eu tinha
cicatrizes. Trace não as tinha.
— Vou lhe mandar um cheque — disse eu em tom direto. Eu só queria
ver Britney pelas costas. Talvez nunca tivessem ocorrido emoções entre
nós, mas os insultos dela começavam a fazer minha insegurança aflorar.
Ela ergueu o nariz. — Ótimo. Não vai tornar meu sacrifício menos
difícil, mas o dinheiro ajudará.
Observei quando ela deu meia volta e saiu do estúdio.
Caralho! Fiquei feliz por ela ter ido embora. O que eu tivera na cabeça
quando decidira deixá-la ficar lá?
Eu tivera esperanças de que ela mudasse?
Talvez só desejara que ela fosse tolerável por algum tempo. Quisera
algum tipo de distração, de companhia. E sim, talvez eu tivesse sentido
vontade de fazer sexo, mas o preço para a minha sanidade fora alto demais.
Ficarei bem sozinho. Vou me acostumar.
Desta vez, eu sabia que aquelas palavras eram inteiramente
verdadeiras. O sexo não valera o preço emocional que eu tivera que pagar
na forma das críticas e das reclamações constantes de Britney.
As palavras dela tinham tocado em uma ferida, mesmo que eu não
quisesse admitir.
Que se danasse o sexo. Eu poderia me masturbar com muito menos
confusão. Eu nunca mais dormiria com uma mulher, a não ser que
realmente a quisesse e ela se sentisse da mesma forma.
Eu tinha certeza de que isso nunca aconteceria.
CAPÍTULO 19
Kenzie
O PRESENTE...
A boca quente dele na minha boceta foi como mil choques
minúsculos inundando meu corpo ao mesmo tempo.
Era algo poderoso.
Era demais.
E eu estava consumida por um desejo tão forte que, além de ser
prazeroso, também era aterrorizante.
— Dane! — gritei, ainda atordoada pelo fato de que ele me devorada
como se estivesse faminto.
O prazer invadiu meu corpo e fui consumida por Dane e pelo que ele
me fazia sentir, um desejo primitivo que eu nunca sentira.
— Por favor — implorei, com meu corpo inteiro concentrado na
necessidade de chegar ao clímax.
Naquele momento, não existia nada além de Dane e sua língua
provocante.
Arqueei as costas com o excesso de sensações, uma euforia que eu não
conseguia conter.
O orgasmo me atingiu em ondas que, mesmo que quisesse, eu não
conseguiria deter.
Voltei à realidade lentamente, com a respiração pesada e rápida, ao
finalmente relaxar no sofá, completamente exausta.
— Ai. Meu. Deus — murmurei ao afastar os cabelos do rosto. — O que
acabou de acontecer?
Dane finalmente ergueu a cabeça e olhou para mim. — Você gozou —
sugeriu ele com humor na voz.
— Isso nunca aconteceu comigo — expliquei sem fôlego.
Minha experiência na época da escola fora breve e nada notável. Em
grande parte, servira para me garantir que eu não estava perdendo muita
coisa ficando longe do sexo. Meu parceiro fora inexperiente e fora um
encontro um tanto doloroso.
Dane se moveu até estar ao meu lado e beijou-me. Passei os braços em
volta do pescoço dele ao sentir o meu gosto em seus lábios.
Senti-me abalada e vulnerável, agora que minha mente consciente
voltava ao corpo.
Que merda eu acabara de fazer?
Meu corpo queria mais de Dane, mas eu começava a perceber como
esse desejo podia ser perigoso.
Quando Dane ergueu a cabeça, murmurei: — Isso não deveria ter
acontecido.
Ele franziu a testa. — Por quê?
Sentei-me, com as emoções expostas enquanto meus pensamentos
diziam como era perigosa a situação em que estava naquele momento. Eu
corria perigo de perder meu coração para um homem que, de forma geral,
preferia estar sozinho.
— Você é o meu chefe — expliquei com voz trêmula, usando nosso
relacionamento de trabalho para justificar minhas emoções, apesar de eu
saber que meu medo ia muito além de apenas o emprego.
Ele me tocara de uma forma que me deixara completamente exposta, e
eu não estava acostumada com isso.
Eu não podia dizer a Dane como me sentia, como estava com medo de
me apaixonar por ele.
Como ele, eu estava acostumada a ser solitária, a lutar sozinha todas as
minhas batalhas. Confiar em alguém e deixar-me depender dele seria algo
desastroso.
— Fique comigo, Kenzie — pediu ele com voz rouca e baixa. —
Durma comigo todas as noites. Deixe-me mostrar como pode ser bom ter
um homem que adora seu corpo.
Meu corpo? E o resto?
Coloquei os pés no chão, forçando Dane a recuar.
Era assustador o quanto eu queria ceder e seguir o caminho que mal
tínhamos começado.
Eu o queria tanto que meu corpo estremeceu quando ele recuou.
— Não posso — respondi finalmente, mal conseguindo formar as
palavras.
Talvez eu conseguisse uma gratificação instantânea se fizesse o que ele
queria. Mas, em longo prazo, eu terminaria arrasada. Eu sabia que Dane
tinha o poder de me destruir tanto quanto me dar prazer.
— Vou aumentar o seu salário de acordo — sugeriu ele.
Meu coração ficou apertado e levantei-me. As palavras dele me
deixaram arrasada. Ele me queria, mas obviamente como mais um arranjo
comercial. — Não vendo o meu corpo — respondi tensa ao pegar as minhas
roupas.
— Eu sei disso — respondeu ele. — Eu nem deveria ter sugerido.
O problema era que ele quisera uma transação comercial, e isso doía
mais do que eu jamais conseguiria imaginar.
Dane Walker era o tipo de pessoa que podia comprar quase tudo que
quisesse. Portanto, era natural que supusesse que uma mulher pobre como
eu saltaria à chance de ganhar mais dinheiro.
— Eu cometi um erro — disse eu ao segurar as roupas nos braços à
frente do corpo como se fossem um escudo.
— Kenzie, eu não quis dizer...
— Eu acho que quis, sim — respondi. — Mas não posso aceitar. Não é
o que eu quero.
— O que você quer? — perguntou ele com tom infeliz.
Eu queria mais do que ele poderia me dar.
As lágrimas ameaçaram descer pelo meu rosto e virei-me de costas.
Corri até a porta e destranquei-a, tentando salvar minha dignidade.
— Não vá embora! — pediu ele em tom sério.
— Verei você amanhã de manhã para trabalhar — respondi.
Eu não queria esperar mais um momento. Abri a porta e saí correndo da
sala. Theo estava no outro lado da ilha e eu queria chegar no andar de cima
caso ele voltasse para a casa.
Subi a escada depressa, determinada a chegar à privacidade do meu
quarto antes de chorar.
— Que merda eu estava fazendo? — disse para mim mesma ao fechar a
porta do quarto e encostar-me nela.— Dane é meu chefe e transar com ele
nunca será suficiente.
Fui até o sofá e sentei-me, com as pernas trêmulas de medo.
Como eu perdera o controle completamente? Fora por ele ser tão
atencioso sobre a sala de cerâmica?
Sendo sincera, minhas emoções tinham estado exacerbadas desde o
momento em que eu chegara na ilha. Dane sempre fora uma ameaça para o
meu coração. A cada dia, eu gostara mais dele até que isso se transformara
em algo totalmente diferente. Acontecera depressa demais. Eu não
conseguira reconhecer exatamente o que estava acontecendo.
Agora, eu estava encrencada. Cedera ao desejo, o que era, para mim,
algo muito diferente do que era para ele.
Ele queria sexo.
Eu queria algo mais.
— É perigoso querer mais do que uma pessoa pode dar — sussurrei
para mim mesma.
Dane criara uma vida para si mesmo naquela ilha. Talvez estivesse
escondendo-se, mas ele parecia preferir assim.
De alguma forma, eu precisava colocá-lo de volta onde era seu lugar:
meu chefe. Caso contrário, eu só teria dores de cabeça.
Não importava quantas barreiras eu erguesse, Dane conseguia derrubar
todas elas.
Respirei fundo ao me levantar, determinada a tomar um banho e tentar
recuperar o controle.
Para sobreviver, eu tinha que parar de olhar para ele de outra forma
além de meu superior. Ele era a pessoa a quem eu respondia apenas em
relação ao trabalho. Era a única forma de me proteger e a minhas emoções
agora frágeis.
Eu aprendera, muito tempo antes, que a única pessoa em que podia
realmente confiar era em mim mesma. Ninguém mais, além de mim, queria
tanto que eu sobrevivesse.
Tive um sobressalto ao passar em direção ao chuveiro. Coloquei as
roupas sobre o balcão e meus olhos foram atraídos para o que estava à
minha frente.
Espelhos. Subitamente, meu reflexo estava bem à minha frente.
Alguém, quase certamente Theo, colocara dois espelhos circulares
sobre as pias do balcão mais cedo.
Estudei meu rosto no espelho.
Eu estava um desastre.
Meus cabelos estavam desgrenhados, meus olhos estavam inchados e
aterrorizados.
— Recomponha-se, Kenzie — encorajei-me.
Apesar das cicatrizes, Dane Walker poderia ter praticamente qualquer
mulher que quisesse. Ele ainda era lindo, além de ser membro de uma das
famílias mais ricas do planeta.
Afastei o olhar da minha imagem, sem querer ver o desejo que ainda
estava presente.
Sim, talvez Paige tivesse capturado o Walker dos sonhos dela. Mas
minha amiga era linda e frequentara Harvard. Eu mal terminara o segundo
grau e fizera algumas aulas de arte como diversão. Eu tinha sequelas do
passado, tanto físicas quanto mentais, e tinha quase certeza de que aquelas
feridas nunca ficariam curadas.
Liguei a água e entrei sob o chuveiro. Finalmente, deixei minhas
emoções transbordarem na forma de soluços enormes de dor por um amor
que nunca poderia existir.
CAPÍTULO 20
Dane

Foi necessária toda a minha força de vontade para não correr atrás
de Kenzie. Mas rangi os dentes, vesti a calça e sentei-me no sofá.
Que merda eu estivera pensando quando oferecera dinheiro para que
ela dormisse comigo? Jesus! Talvez um arranjo financeiro fosse a única
coisa que eu conhecera em relação à intimidade na idade adulta. Mas
Britney fora um exagero.
Kenzie era diferente e eu estava furioso por tê-la magoado.
Eu não fizera aquilo de propósito. A oferta fora feita em um momento
de desespero. Agora que eu a tocara, tivera o privilégio de vê-la gozar,
estava viciado.
Idiota! Eu sabia que Kenzie não era nada parecida com qualquer outra
pessoa que eu conhecera.
Eu acabara com qualquer chance que tinha de ganhar a confiança dela.
Ela não precisava me dizer que isso acontecera. Vi a decepção e a traição
em seus belos olhos.
— Isso vai me assombrar, caralho — disse eu em voz alta, em tom
amargurado.
Kenzie me lembrava um animal ferido e eu não a curara. Eu agira como
um lobo que estava à espreita de uma criatura vulnerável.
Coloquei a cabeça nas mãos, sentindo-me derrotado.
Não havia como voltar no tempo e retirar a oferta. Eu estava preso à
minha atitude escrota.
O problema era que eu não a queria por dinheiro. Eu prometera a mim
mesmo que nunca mais faria isso, mas esquecera como era ter uma mulher
que me deixava usar seu corpo por dinheiro.
Era horrível.
Em um momento de desespero, eu cedera e usara o único recurso que
conhecia para ter uma mulher na minha cama: oferecera dinheiro a ela.
Kenzie não é uma mulher qualquer.
Eu soubera disso desde o momento em que colocara os olhos nela. Não
pretendia negar que eu a queria, mas não era só algo sexual.
Frustrado, corri a mão pelos cabelos. Em seguida, recostei a cabeça no
encosto do sofá, olhando para o teto, imaginando como faria para que
Kenzie se esquecesse da minha burrice.
Eu a magoara. Vira a expressão nua, vulnerável e magoada em seu
rosto, o que fizera com que meu peito doesse de remorso.
Praticamente todo mundo, exceto Paige, decepcionara Kenzie. A última
coisa que eu queria era ser só mais um que ela achava que a queria para
uma única coisa. A verdade era que eu a queria para quase tudo.
Eu queria tomar café da manhã com ela todos os dias.
Eu queria estar no mesmo aposento que ela só porque isso me deixava
alegre.
Eu queria ser a pessoa que ela procuraria quando precisasse conversar
ou só ter alguém que se importasse perto dela.
Eu queria ser tudo para ela.
Mas eu me transformara na pessoa de quem ela precisara se afastar
porque oferecera dinheiro em troca de sexo.
— Não foi o que eu quis dizer. Não é o que eu quero — disse eu em
voz alta, tão furioso que odiei a mim mesmo.
Não vendo o meu corpo.
As palavras dela tinham sido como um tapa no meu rosto. Eu tratara a
mulher que significava tanto para mim como uma prostituta comum. E
odiei a mim mesmo por isso.
Kenzie me tirara da minha solidão.
E eu retribuíra com um dos maiores insultos que uma pessoa podia
receber.
Posso ir até ela. Posso pedir desculpas. Dizer a ela que não foi o que
eu quis dizer.
No entanto, eu me segurei. As palavras não significavam nada para
Kenzie. Ela fora magoada vezes demais para acreditar no que saía da boca
de uma pessoa. As ações falavam mais alto que as palavras e eu teria que
provar a ela que podia me manter afastado. Eu precisava que ela entendesse
que tinha mais valor do que apenas o corpo.
Era claro que ela queria ficar sozinha. E eu não podia culpá-la por isso.
Eu a deixarei em paz, mas não será fácil.
Minha melhor opção era tentar ser amigo dela, antes de ser seu amante.
Eu queria a confiança dela mais do que uma trepada. Ok, talvez não
parecesse que a confiança dela fosse prioridade, pois meus testículos
doíam, mas eu queria Kenzie inteira. E, principalmente, precisava que ela
soubesse que eu era seu porto seguro, o cara que nunca a magoaria.
Eu queria telefonar para Trace e perguntar o que ele faria se estivesse
no meu lugar, mas contive-me. Não havia uma multidão feminina na ilha.
Ele chegaria à conclusão certa, mesmo se eu fizesse uma pergunta
hipotética. E ele estaria correto, pois Kenzie era a única mulher na ilha.
Além do mais, Trace nunca cometeria o mesmo erro que eu cometi.
Ao lembrar da expressão selvagem de pânico e dor que vi no rosto de
Kenzie, eu sabia que teria que ter muita calma.
Por mais que quisesse ver se ela estava bem, eu tinha que recuar e dar-
lhe tempo e espaço.
— Desculpe — disse eu para o teto, já que não havia ninguém ali para
me ouvir. Kenzie confiara em mim e, quando entrara em pânico, eu não
acalmara seus medos. Em vez disso, agira como um idiota rico e mimado
que podia comprar o que quisesse.
Havia coisas que ela não me dissera, mas eu a deixaria decidir quando e
o que queria revelar.
Levantei-me, sabendo que teria que garantir que ela estivesse bem. Eu
não a encurralaria, só precisava saber que estava tudo bem.
Saí da sala de cerâmica que preparara para ela, xingando-me
novamente por ser um escroto ao subir a escada correndo. Parei em frente à
porta de Kenzie a caminho do meu quarto.
A única coisa que consegui ouvir foi o barulho do chuveiro e o ruído
abafado da água.
Ela está bem. Está no chuveiro.
Meu coração batia nos ouvidos e tive que lutar contra a compulsão de
falar com ela.
Era a vez de Kenzie. Eu desistira do direito de insistir em qualquer
coisa depois de dizer uma coisa tão incrivelmente idiota.
Vá em frente. Dê espaço a ela.
Não ficou claro como encontrei forças para me afastar da porta dela e
andar pelo corredor até o meu quarto.
Minhas entranhas doeram como se eu tivesse levado um soco ao entrar
no quarto.
Larguei as roupas no chão ao ir para o chuveiro. Fiquei atordoado ao
ver meu reflexo.
A primeira coisa que vi foram as cicatrizes.
Chegando mais perto, examinei as marcas. Sim, elas tinham ficado
mais tênues, mas ainda estavam lá. Consegui ver todas elas, pois estava
totalmente nu.
Elas eram tão feias como antes? Não.
Eu ainda conseguia vê-las? Claro que sim.
Toquei na cicatriz no abdômen, onde tinham feito uma cirurgia nos
meus órgãos internos para estancar a hemorragia. Toquei em mais algumas
cicatrizes de cirurgias antes de passar para o rosto.
Era possível que nenhuma criança fugisse de medo, mas as marcas e as
queimaduras eram muito óbvias para mim.
— Eu tinha uma mulher que não se importava com as minhas cicatrizes
e estraguei tudo — disse em voz alta, ainda furioso comigo mesmo.
Virei de costas para meu reflexo, furioso por ter parado para olhar para
ele.
Minhas imperfeições nunca sumiriam.
Minhas cicatrizes nunca desapareceriam.
Fui para o chuveiro, torcendo para conseguir um pouco de alívio para a
tensão e para esquecer a lembrança da reação de Kenzie à minha oferta de
transformá-la em nada mais do que uma prostituta glorificada.
Não deu certo.
A expressão de dor dela me assombrou.
E, na minha mente, eu provavelmente merecia.
CAPÍTULO 21
Kenzie

Demorei algumas semanas para finalmente conter minhas emoções


completamente.
Dane se manteve distante, algo que me deixara, ao mesmo tempo,
arrasada e grata.
Fiquei grata porque, quanto mais conseguia controlar minhas emoções,
mais fácil era lidar com ele no trabalho.
No entanto, eu não conseguia parar de querê-lo e fiquei arrasada
quando ele se tornou mais frio e distante.
Tínhamos um relacionamento de trabalho e nunca mais ultrapassei essa
linha.
Eu era a assistente pessoal perfeita.
Não me meti nos negócios dele, a não ser nos que afetavam
diretamente sua arte.
Depois do trabalho, eu normalmente não ficava na casa. Explorei a ilha,
algumas vezes andando mais adiante pela costa para encontrar um bom
local para trabalhar em desenhos do que capturava minha atenção.
Raramente eu ia à sala de cerâmica que Dane preparara para mim.
Tentei, mas, sempre que entrava naquele espaço, pensava no que acontecera
entre nós.
Eu não conseguia pensar naquilo sem ceder a uma depressão que não
queria sentir. Eu perdera completamente o controle naquele dia, algo que
simplesmente não acontecia comigo. Eu sempre tinha que estar alerta e
nunca me entregara completamente a alguém. Era um erro que eu não podia
cometer.
Como eu também não queria ir ao estúdio dele, passei a maior parte do
tempo esboçando imagens de coisas que gostaria de pintar.
Até hoje.
Eu seria forçada a estar na companhia dele por dias, gostasse ou não,
pois já tínhamos pousado em Maui para o casamento de Paige e Sebastian.
Fora um voo longo e eu estava exausta quando finalmente chegamos
aos nossos quartos. Eu não sabia se era algo emocional ou físico, mas só o
fato de estar perto de Dane era... difícil.
— Talvez seja melhor um quarto só para mim — disse eu a ele no tom
profissional que estivera usando nas semanas anteriores.
Sim, estávamos em uma suíte do hotel, o mesmo onde Paige e
Sebastian fariam a cerimônia. Mas era estranho estar presa no mesmo
espaço que Dane.
— Reservei a suíte de propósito — retrucou ele. — É mais fácil se
ficarmos juntos. Não é como se eu estivesse pedindo que você saltasse na
minha cama, porra. Você terá seu próprio quarto.
Eu tinha meu espaço para dormir e a última coisa que queria era
parecer ingrata. Eu nunca teria conseguido pagar acomodações como aquela
suíte imensa. Teria encontrado o hotel barato mais próximo, o que não
parecia ser muito comum em Maui. — Desculpe — respondi em tom seco,
que tinha a intenção de afastar Dane. — É um belo quarto. Só não quero me
intrometer em sua privacidade.
Na realidade, eu não queria ficar perto dele porque tinha medo de
perder a compostura profissional e implorar para que ele trepasse comigo,
mas não pretendia lhe dizer isso.
— Você não está se intrometendo — resmungou ele ao andar até o sofá
com um drinque que preparara no bar. — Quero que fique aqui.
Eu não sabia como responder àquele comentário e optei por não dizer
nada. Fazia algum tempo que Dane não mencionava algo pessoal.
Obviamente, talvez me quisesse por perto para fazer coisas para ele. Talvez
não fosse um comentário pessoal. Afinal de contas, eu era assistente pessoal
dele. — Mal posso esperar para encontrar Paige — disse eu, mudando de
assunto.
Havia bastante espaço na suíte. Eu só tinha dificuldade em ficar tão
perto dele o tempo todo. Era um problema meu, não dele. E eu queria ficar
no hotel porque era conveniente. Tínhamos alguns dias de atividades
preliminares antes da cerimônia propriamente dita.
— Sebastian mandou uma mensagem. Eles voltarão em breve. Ele
levou Paige para buscar algumas coisas.
— Quer que eu desfaça suas malas? — perguntei como uma boa
assistente pessoal.
— Claro que não. Não ficaremos aqui por tanto tempo assim. E sou
perfeitamente capaz de guardar minhas roupas íntimas sozinho.
— Vamos jantar com Sebastian e Trace hoje à noite? — Paige teria um
jantar isolado com apenas os pais e a família dela.
Ele ficou em silêncio por um momento. — Sim, acho que vamos.
Eu sabia que ele não queria sair, mas que participaria por causa dos
irmãos. Ele não os encontrava havia mais de ano.
— Eles ficarão felizes em ver você — respondi ao andar até o bar para
pegar algo para beber.
Tivéramos um voo longo e eu tinha certeza de que Dane estava tão
cansado quanto eu, mas ele não decepcionaria a família.
— Não é nada demais — comentei, sentando-me no sofá depois de
pegar um copo d’água.
Tentei fazer com que ele se sentisse confortável. Era óbvio que ele se
sentia como um peixe fora d’água. Talvez eu reconhecesse isso nele porque
era como me sentia. Eu não entrara no terreno pessoal desde aquele dia na
sala de cerâmica, mas era quase impossível ignorar o medo dele de sair em
público.
— É em um restaurante. Gente demais em volta.
— Dane, suas cicatrizes não importam. Nem dá para notá-las. —
Imaginei se ele se dera ao trabalho de olhar nos espelhos que finalmente
instalara na casa da ilha. Theo me dissera que colocara espelhos em todos
os banheiros e supus que isso incluíra o banheiro de Dane.
— Mentira! Eu as vejo perfeitamente no espelho do meu banheiro.
Ok, então ele olhara.
Ele continuou: — E não são uma coisa que eu consiga esconder.
— Como eu faço? — perguntei em voz baixa.
— Não estou julgando você — respondeu ele bruscamente.
— Eu vou parar de me cobrir se você tentar não pensar nas suas
cicatrizes — sugeri. Eu não tentara muito esconder as imperfeições no meu
rosto. Dane as aceitara, bem como Theo e Emilee. Eu fazia uma maquiagem
leve e natural na maioria dos dias, mas não a quantidade que costumava
usar para escondê-las.
— Não importa o que você faz. Você é linda.
Suspirei. Apesar de Dane manter distância, ele não parara de me fazer
elogios. — E você é muito bonito — retruquei. — Suas cicatrizes não
fazem a menor diferença para a maioria das pessoas.
— Vou tentar — resmungou ele. — Mas não prometo nada se eu
começar a assustar as crianças.
Ele me contara sobre a garotinha que encontrara anos antes enquanto
comprava presentes de Natal. Ele a mencionara brevemente alguns dias
antes quando nos preparávamos para partir. Isso fizera com que fosse difícil
manter distância dele e eu não soubera o que dizer. Eu quase perdera a
postura de ser só a assistente dele quando Dane me contara como se sentira
anos antes. — Você tinha muitos curativos — lembrei a ele. — Não foram
suas cicatrizes. Foi a massa de gaze que fez com que parecesse um monstro
assustador para ela.
Ele deu de ombros. — Que seja.
A forma mais fácil de mostrar a Dane que ele não atrairia atenção, além
das mulheres que provavelmente o veriam como um possível amante, era
continuar fazendo com que saísse.
Eu esperava que, quando parasse de ser tão sensível, ele perdesse o
desejo de ficar escondido na ilha o tempo inteiro.
Por sorte, Paige tinha muitas coisas planejadas.
Bebi o restante da água e levantei-me. — Preciso passar meu vestido
para o jantar de hoje. Pena que não tenho nada mais sofisticado. Talvez eu
devesse ter ido a Nassau com Theo.
Graças a Dane, eu tinha dinheiro. Gastara muito pouco na ilha,
portanto, a maioria do cheque generoso do adiantamento ainda estava no
banco.
— Quer procurar alguma coisa? Eu também não me importaria em
comprar alguma coisa melhor. Trouxe o terno para o casamento, mas nada
que seja apropriado para todas as coisas que Paige planejou.
Apesar de eu ter informado a Dane que haveria preliminares, não achei
que ele estivesse pronto para o tempo que passaríamos fora do quarto.
Meu coração deu um salto. Mal pude acreditar que Dane estava
oferecendo-se para sair comigo publicamente. Ele não precisava. Ele se
ofereceu. Considerando como ele odiava estar em público, eu não podia
ignorar o convite. — Sim, eu gostaria — admiti.
— Então vamos — respondeu ele. Um músculo se contraiu de tensão
em seu maxilar. — Podemos matar tempo antes do jantar.
Antes que ele pudesse mudar de ideia, peguei minha bolsa e meus
óculos escuros. — Estou pronta.
Ele se levantou, pegou os próprios óculos escuros e colocou-os no
rosto.
Comecei a andar na direção da porta, mas Dane segurou meu braço. —
Eu não pretendia magoar você, Kenzie. Eu juro.
O simples toque dele fez meu coração dançar. Eu queria desistir da luta
de ser nada além de uma assistente, mas meu cérebro lógico impediu esse
pensamento.
Eu sabia que ele não quisera me magoar. Não era esse tipo de cara. Mas
isso não significava que não estivéssemos a um mundo de distância um do
outro.
Sim, doera quando ele me tratara como nada além de uma prostituta,
mas não fora essa dor que me mantivera longe dele.
Dane era perigoso para mim e eu estava acostumada a proteger e salvar
a mim mesma.
— Eu sei que não — disse eu em pouco mais de um sussurro.
— Eu odeio este relacionamento — disse ele ao apertar meu braço um
pouco mais. — Odeio o fato de que não posso simplesmente conversar com
você sobre tudo que me vem à mente. Sinto falta do que tínhamos antes de
eu estragar tudo.
— De sermos amigos? — perguntei.
— De você ser você mesma — corrigiu ele.
— Eu fui idiota — revelei. — Nunca deveria ter acontecido nada entre
nós. Somos de mundos muito diferentes.
— Ainda assim, somos muito parecidos — resmungou ele.
Ele tinha razão. Dane e eu tínhamos enfrentado lutas diferentes, mas
similares. No mínimo, eu queria ser amiga dele. Mas como poderia ser
amiga dele sem cruzar o limite? Eu não tinha força de vontade no que
tangia a ele. — Nós nos entendemos — admiti.
— Então podemos parar com esta merda e termos a liberdade de falar
sobre o que quisermos?
Poderíamos fazer isso? Sinceramente, eu não tinha certeza. Mas talvez,
se nós nos aproximássemos como amigos, eu poderia me livrar do tormento
que ameaçava me enlouquecer.
— Vou tentar — concordei relutantemente. Nós dois precisávamos de
companhia e nosso relacionamento fora muito mais agradável no começo,
quando estávamos com a guarda mais baixa.
Posso me proteger e ainda conseguir ser amigável.
Pelo menos, eu queria pensar que sim.
— É tudo o que peço por enquanto — disse ele em tom aliviado.
— É só o que posso oferecer.
Dane soltou meu braço e andou para a porta ao dizer: — Então acho
que vou ter que me satisfazer com isso por enquanto.
Soltei o ar aliviada. — Vamos procurar algo bacana nas lojas — disse
eu, tentando soar animada.
Eu estava empolgada por estar no Havaí pela primeira vez e queria ver
tudo.
Ao sairmos da suíte, torci para que não estivesse cometendo um grande
erro.
CAPÍTULO 22
Kenzie

Apesar de Dane ter me dado um adiantamento muito generoso e eu


ter dinheiro na minha conta bancária, fiquei horrorizada com os
preços na loja do resort.
Eu raramente comprava roupas novas. A maioria delas vinha de
brechós e eu era criativa com aqueles itens. Não só eu estava comprando
algo novo, como provavelmente gastaria uma pequena fortuna em um
vestido que talvez nunca mais usasse.
A mulher dentro de mim que gostava de brechós estremeceu quando
olhei para os preços nos vestidos das lojas de grife.
Eu não ia a restaurantes nem festas sofisticados e não sabia que tipo de
roupa vestir.
Dane me seguira em várias lojas, aguardando pacientemente enquanto
eu olhava desejosa para as belas roupas.
— Você vai comprar alguma coisa ou só estamos olhando? —
perguntou ele em uma mistura de irritação e humor.
— Estou olhando — respondi na defensiva.
O que eu esperava encontrar? Talvez algo em liquidação ou, pelo
menos, com um desconto. Eu não vira descontos em lugar algum. Tudo
tinha o preço cheio e mais do que eu gastara em aluguel por cerca de seis
meses.
— Você não encontrou nenhum vestido de que tenha gostado?
— Vi alguns — respondi evasivamente.
Eu duvidava de que ele tivesse que olhar os preços, além de não ter
ideia de quanto custava um vestido.
— Então compre-os e vamos dar o fora daqui — respondeu ele.
Dane estivera tenso, mas fora gentil ao me deixar andar de uma loja a
outra.
— Acho que não precisa — disse eu em tom falsamente animado. —
Acho que tenho o suficiente. Posso só vestir alguma coisa que tenha
trazido.
Eu realmente quisera algumas coisas bonitas, mas não estava disposta a
gastar tanto assim. Meus instintos frugais eram fortes demais para jogar
dinheiro fora em algo frívolo. Eu era sensata demais para jogar a cautela
pela janela.
Dane franziu a testa para mim. — Então por que estamos aqui?
— Acho melhor irmos às lojas masculinas procurar algo para você. —
Soltei relutantemente o acessório que segurava.
— Não até que você escolha alguma coisa.
Infelizmente, ele estava com aquele olhar teimoso que dizia que não
aceitaria minhas desculpas. Resolvi dizer a verdade. — Não posso gastar
tanto assim em um vestido.
— E não vai. Falei para você que eu pagaria suas roupas.
— Nem pensar — respondi. — Não vou deixar meu chefe absorver o
custo das minhas roupas. Já me deixou vir junto com você para que eu não
precisasse pagar a passagem. E estou hospedada na sua suíte.
Ele deu de ombros. — Quero que você tenha algo bacana. Quero
comprar coisas para você.
A voz dele foi tão sincera que senti vontade de chorar. Dane fazia as
coisas só para deixar as pessoas felizes e a oferta me deixou emocionada.
— Agradeço, de verdade. Mas não posso fazer isso. Além do mais, eu
ficaria aterrorizada vestindo algo tão caro. Fico mais confortável com as
minhas coisas. Vamos ver as lojas masculinas.
Fui na frente e Dane não teve opção além de me seguir.
Ele me alcançou assim que saí da loja. — Espere, Kenzie. Não quero
sair daqui sem comprar algo que você queira.
Parei abruptamente quando a mão forte dele segurou meu braço.
— Desculpe — disse eu com remorso. — Eu não sabia que todas as
roupas seriam tão caras aqui. Acho que deveria ter sabido, já que é um
resort caro.
Ele me virou gentilmente para ficarmos frente à frente quando
respondeu: — Olhe, não sei como é ser pobre, mas você não precisa
sacrificar nada para me deixar comprar.
— É humilhante — disse eu com sinceridade. — Não me lembro de ter
algum dia comprado uma roupa nova. Aprendi a reformar roupas velhas de
brechós. Pagar o aluguel e comer eram mais importantes do que roupas
novas.
— Então por que não me deixa comprá-las para você? — perguntou
ele, obviamente perplexo.
Respirei fundo e soltei o ar. — Posso ser pobre, mas ainda tenho meu
orgulho, Dane. Sempre cuidei de mim mesma.
Ele soltou meu braço, mas não se afastou. — Sim. E o que estou
dizendo é que você não precisa cuidar de si mesma agora completamente
sozinha. Posso ajudar. Eu quero ajudar.
Balancei a cabeça negativamente ao me virar e andar na direção de
onde vira as lojas masculinas. Como havia mais espaço, Dane andou ao
meu lado.
— Estou bem — garanti. — Posso ajeitar alguma coisa com o que
trouxe. E não é tão importante assim. Paige sabe que não tenho dinheiro
para comprar coisas sofisticadas.
— Mulher teimosa — resmungou ele.
— Homem teimoso — retruquei, ainda sentindo-me emocionada com a
oferta de Dane.
Eu sabia que a oferta dele não tinha outras condições, mas ainda não
podia aceitar. No entanto, era tão doce que ele tivesse se oferecido daquele
jeito, sem esperar nada em troca pela generosidade.
Entramos na loja masculina e ele contou muito com o meu conselho.
Dei minhas opiniões de bom grado, feliz quando ele escolheu tudo o que eu
gostara. Eu podia não ter ideia do que era tendência na moda masculina,
mas sabia o que o deixava ainda mais bonito do que já era.
Ele falou com um vendedor para comprar alguns acessórios de que
precisava e pediu que as compras fossem entregues no quarto. Esperei do
lado de fora para absorver o clima maravilhoso.
Ele pareceu demorar horas e finalmente chegou ao banco onde eu
estava sentada.
— Tudo pronto. Vamos voltar para a suíte — disse ele, parecendo
aliviado com o fim da aventura.
Andei ao lado dele no percurso breve até o saguão com vista para a
praia.
— Ninguém nem olhou para você de forma esquisita — comentei. —
Está convencido de que suas cicatrizes não são importantes?
— Não — retrucou ele. — Só tive sorte de ninguém olhar para mim de
perto.
Soltei um suspiro exasperado. — O motivo pelo qual ninguém se
importa é que elas não são mais tão visíveis. — Hesitei antes de perguntar:
— Por que colocou espelhos na sua casa?
— Porque eu queria me ver — respondeu ele em tom vago. — E não
achei justo que você não tivesse espelhos. É inconveniente.
— Eu tenho cicatrizes — relembrei.
— Não como as minhas.
Minhas cicatrizes eram muito similares às de Dane: antigas, curadas e
praticamente invisíveis. Eu escapara cobrindo as minhas com maquiagem,
mas isso não significava que achava que elas fossem completamente
insuportáveis de ver. Eu só quisera sobreviver em um mundo em que o belo
era a melhor aparência para conseguir um emprego sem qualificações.
Ninguém queria ver uma recepcionista cheia de cicatrizes.
A diferença entre eu e Dane era o fato de que eu não ficara
traumatizada com as minhas cicatrizes quando elas eram recentes e fáceis
de ver. Ele sim, o que incutira a rejeição em sua mente. O tempo de
recuperação dele fora horrível e doloroso, enquanto o meu fora mais curto e
menos complicado.
Eu não perdera o pai no meu incidente. Crescera sozinha, enquanto
Dane se sentira completamente abandonado. Ele associara a perda às
cicatrizes, o que lhe deixara traumatizado.
— Nem sempre vemos as coisas como elas são — expliquei enquanto o
acompanhava. — O que vemos no espelho é a nossa verdade, mas não é o
que as outras pessoas pensam.
— Então eu odeio a minha verdade — resmungou ele. — É muito feia.
— Só para você — respondi. — Quer saber o que eu vejo?
— Provavelmente não.
Sorri ao olhar para o perfil dele. — Vejo um homem lindo que teve que
sobreviver a um trauma emocional e físico terrível quando era muito jovem.
Vejo alguém forte, atraente e que vale a pena conhecer.
— Sua visão é distorcida — disse ele com um sorriso sem humor
algum.
— Não, não é — neguei. — É você quem não se vê como realmente é,
Dane.
— Então por que você fugiu de mim? — perguntou ele com voz rouca.
Era isso que ele pensava? Que eu fugira porque não sentia atração? Não
era possível. — Não teve nada a ver com você — disse eu gentilmente. —
O problema era eu.
— Eu ofereci dinheiro em troca de sexo — relembrou ele.
— Sim, isso foi ruim. Mas eu conhecia você o suficiente para saber que
não quis dizer aquilo da forma como saiu. Ou, pelo menos, espero que não
tenha pensado em mim assim.
— Não pensei. Juro. Só que estou acostumado a pagar para conseguir
tudo o que quero.
De muitas formas, aquela frase foi triste. Ninguém deveria ter que
pagar tudo, especialmente alguém com quem queria intimidade. — Eu
nunca teria aceitado o seu dinheiro. Acho que você sabe disso. Mas não é
esse o motivo pelo qual eu não podia ficar com você.
— Então por quê? — insistiu ele ao entrarmos no elevador que nos
levaria à suíte.
Porque minha vida é uma merda. Sempre foi.
Como eu poderia explicar a um cara como Dane que a maior parte da
minha existência fora fugindo, só tentando ficar viva?
Quando estávamos sozinhos no elevador, respondi: — Eu sempre tive
que fazer tudo sozinha. Não estou acostumada a ser próxima a outra pessoa
e não sei como acreditar em alguém. Não é que você não seja confiável. É
só que eu... não confio. Minha vida depende de eu cuidar de mim mesma e
não me colocar em uma situação difícil. Não posso me dar ao luxo de
cometer um erro.
— E você me vê como um erro?
Frustrada, continuei: — Não sei se você conseguirá entender. Eu nunca
tive uma folga, Dane. Sobreviver era um trabalho duro durante
praticamente todos os minutos dos meus dias. Eu não tinha tempo para
desenhar nem para passear na praia. Eu não tinha tempo para a minha arte.
Nem sei nadar. Nunca precisei, apesar de viver perto da costa.
Sim, eu dissera a ele que não sabia nadar muito bem. A verdade era que
eu não sabia nadar, ponto.
Ele me olhou com expressão confusa. — Você nunca teve nada de bom
na vida?
— Nada — respondi enfaticamente. — Não até começar a trabalhar
para você.
Minha vida mudara desde que eu fora para as Bahamas. Eu tinha tempo
de folga. Tinha um lugar bacana para morar. Comia regularmente. Tinha
uma vida razoavelmente normal.
E, minha nossa, Dane não fazia ideia de como isso era maravilhoso
para mim.
— Você não tem família? — perguntou ele ao acenar para que eu saísse
do elevador.
— Ninguém que valha a pena mencionar. A maioria deles está presa ou
morta. Eu lhe disse que meu pai e minha mãe eram viciados e criminosos de
carreira.
Ele destrancou a porta da suíte e disse: — Como você conseguiu
sobreviver?
— Porque achei que tinha uma forma de me salvar. Achei que
conseguiria ganhar um salário decente como modelo. Não queria ser como
eles. — Lágrimas espontâneas surgiram nos meus olhos e tive que engolir
em seco.
Eu queria ir para o meu quarto, mas Dane me impediu ao segurar meu
braço. — Não fuja, Kenzie — pediu ele com voz baixa. — Você deveria
estar orgulhosa por ter sobrevivido. Deveria erguer a cabeça porque quis
fazer algo na vida, em vez de desperdiçá-la com drogas e crimes.
— Não sei onde é o meu lugar — confessei com um soluço.
— Seu lugar é comigo — respondeu ele. — Você só não entendeu isso
ainda.
Virei-me para encará-lo. — Por que você iria querer alguém como eu?
— Porque vejo em você tudo o que vê em mim — explicou ele. —
Acha que vejo o que você vê quando se olha no espelho? Não vejo. Eu vejo
uma mulher tão forte que conseguiu impedir de ser como o resto de sua
família. Você não escolheu o caminho mais fácil.
Não, eu não escolhera e sabia disso. Mas também quisera saber como
era não ser procurada pela polícia, como acontecera com os meus pais.
Minha motivação fora bem forte depois de crescer na área mais perigosa de
Boston.
— Eu queria algo diferente para mim. Mas descobri como o mundo
queria que eu permanecesse no meu bairro. Sair de lá era praticamente
impossível sem uma profissão ou algum treinamento profissional.
— Você só precisava de uma oportunidade — disse ele com expressão
furiosa.
Dei de ombros. — Não consegui uma. Talvez, se eu não tivesse sido
atacada quando fui para a Califórnia, minha vida teria sido diferente. Talvez
eu tivesse ganhado bem como modelo, o que teria possibilitado que eu fosse
para a universidade. Mas tento não pensar no que poderia ter sido. Tenho
que lidar com a realidade.
— A realidade é uma merda — resmungou ele.
— Algumas vezes, sim — concordei. — Mas você me deu a
oportunidade, Dane. Não vê isso? É por isso que não quero estragar tudo
tentando ter outro tipo de relacionamento com você. O resultado não seria
bom.
Ele ficou em silêncio, com um olhar predador focalizado no meu rosto.
— Não tem nada a ver comigo. Você se transformou em algo valioso,
Kenzie. E não só por causa do seu rosto ou do seu corpo, apesar de eu não
poder negar que também os quero. Você assumiu e organizou sozinha meu
negócio de arte e minha vida. Eu não tinha nada no lugar quando você
chegou aqui. Só gostava de pensar que sim.
— Você acha mesmo que estou fazendo um bom trabalho? — perguntei
hesitantemente.
— Sim, acho. Eu teria demitido você se não achasse. Ora, eu queria
demiti-la no início, mas você era tão eficiente que não consegui. Você pode
não ter diploma universitário, mas é muito inteligente e organizada.
Sorri para ele por entre as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. —
Obrigada. Isso significa muito para mim.
— Se eu soubesse disso, teria dito antes.
— Agora eu sei.
Ele finalmente soltou meu braço. — Você tem muito mais valor do que
imagina.
Assenti. — Você também.
Uma batida na porta nos silenciou.
— As roupas — murmurou Dane ao andar até a porta e abri-la.
Fiquei observando enquanto vários homens com carrinhos entravam,
um depois do outro, e Dane os direcionava para os quartos.
Eu os segui, surpresa ao ver que metade dos pacotes eram para o meu
quarto.
Fiquei em silêncio quando os homens foram embora, parada no meu
quarto, com um certo medo de ver o que Dane comprara.
E por que as coisas tinham sido entregues ali.
Aproximei-me da cama e ergui a tampa de uma caixa, chocada ao ver
que havia várias caixas em seu interior.
Depois de tirar uma por uma, abri a tampa delas.
— Ai, meu Deus — exclamei ao perceber que eram os itens que eu
tinha adorado nas lojas.
— Não diga não — disse Dane, que estava parado na porta.
Virei-me, ainda segurando o vestido preto adorável que encontrara na
última caixa. — Por quê? Você sabe que não posso aceitar.
— Mas quer aceitar — retrucou ele. — Pelo amor de Deus, aceite.
Sim, eu queria os itens que ele comprara, não havia como negar. —
Como você sabia o que comprar?
— Notei um certo olhar em seu rosto sempre que parava perto de um
item que queria. Você parecia uma garotinha olhando para um doce que não
podia comprar. Fui com uma vendedora nas lojas para mostrar o que eu
queria.
Olhei a etiqueta no vestido. Era o meu tamanho. — E como sabia o que
caberia?
Ele deu de ombros. — Eu olhei depois que você procurou o seu
tamanho no começo. Provavelmente antes de encontrar a etiqueta de preço.
O vestido preto fora algo que eu quisera muito e tinha procurado o meu
tamanho. — Dane, isso é demais. É praticamente um enxoval completo.
— São só alguns vestidos e acessórios — disse ele. — Não diga não.
Se quiser discutir, você é minha funcionária. Comprei um carro no Natal
para Theo e a família dele. Sou generoso com funcionários bons. E isto não
é nada demais.
Ouvi-lo racionalizar a compra das roupas para mim foi divertido. —
Theo trabalha para você há anos.
— Isso importa mesmo, Kenzie? — perguntou ele. — Eu queria
comprar.
Percebi o olhar implorante dele e não fiquei imune. Por mais que eu
quisesse os itens, não foi isso que me fez engolir o orgulho. Mais do que
tudo, eu não queria magoar Dane recusando o gesto generoso dele. — Não
sei como agradecer por tudo isto — disse eu com voz trêmula.
— Então não diga nada — sugeriu ele ao colocar a mão no bolso da
calça. — E, já que estamos aqui, tenho um presente de aniversário para
você. Quero dar logo.
Peguei a caixinha da mão dele e abri-a. — Ai, meu Deus, Dane —
disse eu. Minha voz sumiu quando vi os brincos e o colar mais lindos que já
vira.
Ele tirou o belo colar da caixa. — É água-marinha. Lembra-me do
oceano e de seus olhos. É a sua pedra do nascimento.
Eu tinha quase certeza de que havia diamantes em volta do pingente
grande, mas não comentei. Conhecendo Dane, a corrente e tudo o mais
eram de ouro branco. Como eu deveria reagir a isso? Ninguém me dava
presentes e eu estava muito emocionada. — É a coisa mais linda que já vi
— murmurei quando ele colocou o colar em volta do meu pescoço.
— Eu sei que está pensando no assunto, mas você não pode recusar um
presente de aniversário — disse ele com um toque de advertência na voz.
— Ficará bonito com os seus vestidos.
Bonito? Sério? As joias eram maravilhosas. O pingente era grande, mas
não tão grande a ponto de não ter classe. A corrente longa deixava a pedra e
os diamantes em volta aninhados logo acima dos meus seios. Meus dedos
tremeram quando peguei os brincos e coloquei-os por insistência de Dane.
Quando parei em frente ao espelho para ver o resultado, as lágrimas
desciam pelo meu rosto tão depressa que quase fiquei cega. Pisquei para
afastá-las e olhei para a mulher no espelho, atônita com o brilho dos brincos
e do colar.
— Combinam com você — disse Dane, parado atrás de mim. —
Combinam com os seus olhos.
Nossos olhares se encontraram no espelho. — Deixei seu presente em
casa — confessei. — Só o que comprei para você foi um livro de arte bobo.
Os olhos dele se aqueceram quando ele disse: — Adoro livros de arte.
Assenti de leve. — Eu sei. Queria que você o tivesse em sua coleção.
Eu pedira a Theo que pegasse o presente de aniversário de Dane
quando fosse à capital. O livro estava embrulhado e escondido sob a minha
cama em Walker’s Cay.
— Obrigado — disse ele com sinceridade. — Ninguém nunca comprou
um livro para a minha coleção, exceto eu mesmo.
Segurei a pedra do colar na mão ao responder: — Não é nada em
comparação a isto.
Ele deu de ombros. — Não é uma competição, Kenzie. E o seu presente
vai significar muito para mim.
— Não tanto quanto isto — argumentei.
Ninguém nunca fizera por mim algo como aquilo.
Um soluço escapou dos meus lábios, mas não tentei contê-lo. Comecei
a chorar, virei-me e joguei-me nos braços de Dane.
Ele me abraçou por um longo tempo, sem parecer nada ansioso para me
soltar.
CAPÍTULO 23
Kenzie

—E como estão as coisas com Dane? — perguntou Paige


enquanto retocávamos a maquiagem na frente do espelho do
lavatório mais tarde naquela noite.
Tudo no restaurante em que nos reunimos para o jantar exalava
dinheiro. Até mesmo o banheiro era cheio de classe.
Eu sentira muita falta da minha melhor amiga. Não a vira desde que eu
saíra do apartamento que dividíamos para ir para Nova Iorque, logo antes
de Paige se mudar para Denver para trabalhar para Walker.
Ela parecia tão feliz e foi algo que fiquei grata de ver. Ela amava
Sebastian sinceramente e a alegria que explodia entre os dois era quase
palpável.
— O trabalho é bom — disse eu, desviando da pergunta. — Estou
muito feliz por você e Sebastian estarem se assentando.
— Bom como? — perguntou ela ao me lançar um olhar interrogativo
no espelho.
O que eu poderia dizer? Não podia contar a ela que estava loucamente
apaixonada pelo quase cunhado dela. — Só... bom. A ilha dele é incrível.
Você deveria visitá-la algum dia.
— Você gosta dele? — perguntou ela.
— Muito — respondi com sinceridade. — Ele é um homem bom.
— Ora, vamos, Kenzie. Vi como ele olha para você. E você não age de
forma muito diferente.
— Como? — perguntei ao me virar de costas.
Paige se virou também e ficamos de costas para o espelho. — Não
conheço Dane bem, mas percebi como ele gosta de você. Ele nunca olha
para mais ninguém. A atenção dele é toda para você. — Ela estendeu a mão
e tocou no pingente que Dane me dera. — Ele que deu a você? É lindo.
Balancei a cabeça negativamente. — Não é assim, Paige. Somos...
amigos. E os brincos e o colar são um presente de aniversário. Você
conhece a minha história. Dane e eu nos entendemos.
— Vocês não são só amigos — disse ela enfaticamente. — Estou
apaixonada pelo irmão de Dane. Reconheço esse olhar no seu rosto.
Suspirei. — Ok, está bem. Eu gosto dele. Ele é atraente e solteiro. Mas
não vou entrar nessa. Gosto demais do meu emprego.
Paige riu, um som alto e divertido que ecoou pelo aposento pequeno.
— Sim, foi o que eu pensei também.
— Você não teve medo? — perguntei, sabendo que Paige
provavelmente arriscara perder o emprego se as coisas não tivessem dado
certo com Sebastian. A diferença era que Paige tinha curso superior, pois se
formara como advogada em Harvard. Ela não teria perdido totalmente o
sustento.
— Tive. Olhe, sei como se sente, mas estou preocupada com você. Em
algum momento, precisará se abrir e confiar em alguém, Kenzie. Sebastian
me fez ceder aos poucos. Ele me provou que podia ser alguém em quem eu
podia confiar. Mas acho que você é ainda mais difícil de convencer.
— Eu confio em você — comentei.
Ela revirou os olhos. — Sim. E demorou anos. Você sabe disso.
Paige tinha razão. Eu demorara um longo tempo para contar a ela tudo
sobre o meu passado. — É verdade — admiti. — Mas você sabe como foi
minha vida. Nunca inclui um cara.
— Eu entendo o motivo — explicou ela. — E não quero que não se
proteja. O cinismo foi bom para nós em Cambridge. Impediu que nos
distraíssemos de nossos objetivos e não deixou que alguém nos magoasse.
Mas, se você deixar passar a oportunidade com o cara certo, poderá ser
horrível.
— Talvez eu já tenha feito isso — respondi em tom infeliz.
— Ele tentou alguma coisa com você?
— Sim, mas nunca chegamos ao final.
— E foi tudo o que esperou que fosse?
— Ele é muito mais — confessei. — Mas é perigoso dormir com o
chefe. Você sabe disso.
Paige riu. — E eu não sei? Achei que a última coisa que eu queria era
transar com Sebastian. Mas, algumas vezes, o coração não ouve a cabeça.
— As coisas deram certo para você, mas estava apaixonada.
— E você não está? — perguntou ela. — Nem mesmo um pouco?
Eu deveria ter sabido que Paige daria um golpe nas minhas emoções.
— Muito — respondi simplesmente.
— Ele sente o mesmo — retrucou ela empolgada. — Dá para ver.
— Deixei que ele comprasse algumas roupas para mim — resmunguei.
— E você está fantástica — exclamou ela.
O vestido preto e os sapatos de salto alto fino ficaram bem em mim e
aumentavam minha confiança. Como Dane previra, as joias combinavam
perfeitamente com o vestido preto. — No começo, eu recusei. Mas é difícil
dizer não a Dane.
Paige franziu a testa. — Por que você quer dizer não?
— Você sabe o motivo. Estou com medo, Paige. Nada nunca saiu do
jeito como eu queria.
— Eu sei — respondeu ela. — Mas isso não significa que não possa
mudar. Dane não é um cara que fala muito. Ele está naquela ilha desde que
terminou o segundo grau. Nunca teve a chance de se transformar em um
escroto.
— Ele não é. Ele é talentoso — defendi. — Ele é inteligente e gentil.
— Então você não tem motivo para não confiar nele — argumentou
ela. — A única mulher que ele admitiu em sua vida foi um desastre.
Portanto, ele tem motivos para não confiar em outra mulher.
— Dane teve uma namorada? — perguntei sem fôlego.
— Não sei se é possível chamar Britney de namorada. Ela era mais
uma sanguessuga. Só o que queria de Dane era que ele pagasse por Trace
tê-la dispensado. Ela descobriu onde Dane estava e usou-o para tentar
conseguir Trace de volta. Acho que ela também queria o dinheiro dele, pois
sua carreira era explorar os homens para manter seu estilo de vida caro.
— Ela morou com ele? — perguntei, com o coração apertado ao saber
que alguém usara Dane.
— Por algum tempo — respondeu Paige. — Mas Trace disse que Dane
sabia que ela o estava usando e não se apegou.
Fiz mais algumas perguntas, às quais Paige respondeu, contando-me
toda a história sobre o Natal em que o relacionamento dele com Britney
terminara.
— Ele não merecia isso — comentei com raiva. — Como ela pôde
deliberadamente usar um cara como Dane? Talvez ele soubesse que ela não
o amava, mas isso não faz com que seja certo. Alguém assim não é bom
para ele. Dane precisa de alguém que se importe com ele. Precisa disso e
muito mais.
Paige se levantou. — Concordo. Talvez alguém como... você.
— Eu o faria mais feliz do que ela fez — respondi confiante. Pelo
menos, eu o adorava.
— Então faça isso — provocou ela.
Deixando as brincadeiras de lado, eu sabia que poderia fazer Dane
feliz. Mas não sabia quanto tempo duraria. Eu tinha medo demais de tentar
e acabar fracassando.
Fiquei em silêncio enquanto guardava o brilho para os lábios na bolsa.
— Acho melhor voltarmos para a mesa — comentei.
— Pense no que eu disse? — retrucou ela. — Kenzie, não estou mais
em uma situação ruim. Vou sempre garantir que você esteja bem. Eu amo
você. Você é a minha melhor amiga. Sempre estivemos ao lado uma da
outra. E sempre estarei do seu lado, queira ou não.
Assenti ao segui-la. Eu nunca aceitaria nada de Paige, mas o fato de ela
ter se oferecido a ficar ao meu lado para sempre me deixou emocionada.
Eu sabia que pensaria no que ela acabara de me contar e que
continuaria a me sentir furiosa. Dane era o homem dos sonhos de qualquer
mulher e era enfurecedor que uma vadia o tivesse usado para se vingar e
ganhar dinheiro. Quem fazia esse tipo de coisa?
— Ela era bonita? — perguntei hesitantemente quando segui Paige para
fora do banheiro.
— Era — respondeu minha amiga. — Mas não tão linda como você.
Fiz uma careta. — Sua opinião é parcial.
Não havia como ter uma conversa privada com todos em volta e
ficamos em silêncio ao nos sentarmos.
Quatro homens se levantaram ao voltarmos para a mesa grande e foi
algo charmoso. Dane puxou a cadeira para mim e sentei-me. O irmão dele,
Sebastian, fez o mesmo por Paige.
Olhei em volta da mesa enquanto todos os homens se sentavam
novamente. Notei que, apesar de ser uma mulher moderna, não havia como
não gostar dos modos que eles tinham aprendido ao crescer no Texas.
Sebastian estava sentado ao lado de Paige, à nossa frente. Eu conhecera
Trace e Eva mais cedo. Eles estavam sentados à direita dos noivos e
obviamente tinham o mesmo tipo de relacionamento amoroso que minha
amiga tinha com Sebastian.
Eu não sabia que Gabe e Chloe, um casal adorável, também estariam
presentes. Eles estavam sentados ao lado de Dane, que me apresentara Gabe
como primo dele. Outro Walker, obscenamente rico, que parecia
completamente apaixonado pela esposa. Eu começava a achar que, quando
um Walker caía, o tombo era bem grande.
— Tudo certo? — perguntou Dane ao aproximar a boca do meu
ouvido.
— Tudo — sussurrei de volta.
— Eu não sabia o que você queria e pedi um drinque de garotas —
comentou ele.
Segurei uma risada. — O que é um drinque de garotas?
— Algo com suco de fruta e creme — respondeu ele. — Paige gosta
deles e achei que você também gostaria.
Eu aceitaria qualquer coisa que ele tivesse pedido. Raramente bebia
álcool, mas achei que poderia ajudar a acalmar meus nervos.
Aquele não era um ambiente com o qual eu estava acostumada e,
apesar de todos os casais serem muito simpáticos, tinha receio de fazer algo
socialmente errado. — Ok — disse eu com um sorriso.
Dane estava muito bonito em roupas semiformais. Ele vestia uma
jaqueta esportiva e uma camisa branca com o colarinho aberto. Ele parecia
pertencer àquele lugar, com os irmãos e o primo. Provavelmente não era
incomum que parecesse confiante em seu ambiente. Ele agora morava em
uma ilha, mas crescera em um mundo muito rico no Texas.
— Relaxe — disse Dane em um sussurro que ninguém mais ouviu. —
Ninguém aqui vai morder você, exceto eu, mas isso porque está linda
demais.
Senti o rosto ficar quente com o elogio. Tentei liberar a tensão do corpo
para que pudesse aproveitar a noite.
Paige capturou meu olhar e sorriu. O olhar dela passou do meu rosto
vermelho para a posição confortável de Dane.
Balancei a cabeça, tentando dizer a ela silenciosamente que não
significava nada.
Para minha surpresa, ela piscou para mim antes de voltar a atenção para
o noivo.
CAPÍTULO 24
Kenzie

Eu não estava bêbada. Entretanto, estava bem alegre quando Dane


e eu voltamos para a suíte depois do jantar.
— Foi um jantar incrível — disse eu animada quando chegamos à
frente do hotel na limusine. — Acho que nunca comi tão bem.
— Era só frutos do mar — disse Dane em tom divertido.
Assenti quando ele me ajudou a sair do carro. — Mas estava fabuloso.
Dane riu ao pegar minha mão para me conduzir até a suíte. — Srta.
Jordan, acho que está bêbada.
— Não estou — neguei. — Só estou alegre.
— E o que a deixou tão alegre hoje à noite?
Suspirei ao entrarmos no elevador. — Minha melhor amiga vai se casar
com o homem dos sonhos dela. Ela merece.
As portas se fecharam e Dane não soltou minha mão. Ele perguntou: —
Você também não merece?
— Algum dia, espero encontrar alguém que me ame tanto assim. Mas,
no momento, só estou contente por Paige estar tão feliz. Ela é minha melhor
amiga.
— E que tipo de homem faria você feliz? — perguntou ele.
— Ele teria que me amar — considerei.
— Rico? — resmungou Dane.
Balancei a cabeça negativamente, com tanta força que cheguei a ficar
um pouco tonta. — Não necessariamente. Ele só precisa ter um emprego.
Seria maravilhoso ter duas fontes de renda para sustentar uma casa.
Mas a riqueza não era necessária. Na verdade, eu provavelmente acabara de
provar que não estava muito confortável com ela.
— E como ele deve se parecer?
Olhei para ele. — Acho que como você... pelo menos, nos meus
sonhos.
— É mesmo? — perguntou ele com voz rouca ao colocar uma mão em
cada lado da minha cabeça, basicamente deixando-me presa.
Com a confiança alimentada pelo álcool, olhei diretamente para os
olhos dele. — Sim. Um cara bonito e gostoso.
— Kenzie — disse ele em tom de advertência. — O que está dizendo?
— Nada. Só que, se eu tivesse alguém, gostaria que fosse exatamente
como você. — A lógica fazia muito sentido para mim.
— E se você tivesse o homem de verdade? — perguntou ele com tom
duro.
— Não posso ter você — respondi com tristeza.
— Mentira — retrucou ele. — Quem disse?
— Eu. Acho que você partiria o meu coração — respondi ansiosa.
— Kenzie, eu nunca magoaria você.
— Talvez não intencionalmente — expliquei. — Mas eu não ia querer
que terminasse.
As portas do elevador se abriram e empurrei o peito dele ao perceber
um casal mais velho esperando para entrar.
Relutantemente, Dane me soltou, mas segurou minha mão ao andarmos
em direção ao quarto.
Ao entrarmos na suíte, ele não parecia pronto a me soltar.
Imediatamente, ele me encostou na porta fechada e disse com voz rouca: —
Se você me quiser, sou todo seu, Kenzie.
— Por quanto tempo? — perguntei em tom direto.
Jesus! O álcool me deixou ousada, mas, naquele momento, não me
importei.
— Pelo tempo que quiser — respondeu ele.
Não tive a oportunidade de fazer mais perguntas. Os olhos selvagens
dele desapareceram do meu campo de visão quando ele capturou a minha
boca em um beijo.
Não havia como me conter. Não só eu estava menos cautelosa por
causa da bebida, como também estava cansada de segurar minhas emoções.
Um desejo imenso escapou da minha alma e eu não tive desejo algum de
contê-lo.
Ele me beijou como se eu fosse a única mulher do mundo, a única que
ele queria.
Eu me abri para ele e deixei que acabasse com todas as minhas
inibições. Respondi a ele como uma chama que subitamente se transformara
em um incêndio selvagem fora de controle.
Passei os braços em volta do pescoço dele, deixando-me afogar nas
sensações. A sensação do corpo rígido e quente dele contra o meu era um
afrodisíaco ao qual não consegui resistir.
— Dane — disse eu com a voz cheia de desejo quando ele se afastou
ligeiramente. — Eu quero tanto você. Não consigo mais não querer você.
— Não quero que não me queira — murmurou ele perto do meu
ouvido. — Pelo amor de Deus, Kenzie. Quero tanto você que não consigo
pensar em mais nada. Você está me deixando louco. Eu queria dar uma
surra em todos os homens que olharam para você neste vestido hoje à noite.
— Ninguém olhou para mim — argumentei.
— Dois caras estavam tentando decidir como você pareceria nua —
respondeu ele furioso. — Eu queria acabar com eles.
— Por quê?
Ele recuou e encarou-me com os olhos escuros. Havia um tormento no
rosto dele que eu queria afastar. Ele respondeu: — Porque você é minha. Eu
não queria que aqueles imbecis olhassem para você como se não fosse
minha.
— Eu não queria nenhum deles. Nem notei. Estava concentrada demais
em você — confessei sem fôlego. — Só o que eu realmente quero é você.
— Preciso saber ser vai se sentir assim quando estiver sóbria — disse
ele com voz rouca ao me pegar no colo e carregar-me para o meu quarto. —
Vou enlouquecer se isso não acontecer.
— Não estou bêbada — retruquei.
— Talvez não totalmente — concordou ele. — Mas certamente está
prejudicada. Não vou tomá-la deste jeito. Quero que saiba quem está
transando com você. Quero que esteja totalmente ciente de qual será o
nome que gritará ao gozar.
Meu corpo reagiu imediatamente às declarações ousadas dele. Senti um
calor entre as pernas e meu sexo se contraiu com desejo desesperado. —
Vou saber exatamente quem você é.
Ele me colocou sobre a cama e foi procurar minha camisola. De forma
desapontadora, ele me ajudou a tirar a roupa e cobriu-me com a roupa de
dormir.
— Não me deixe — disse eu quando ele desligou o abajur, deixando o
quarto na escuridão.
— Você me agradecerá amanhã. Acredite, isto está me matando, mas
não quero só uma transa, Kenzie. Eu quero você.
Quando ele saiu do quarto, eu queria gritar para que voltasse. Queria
saber o que ele quisera dizer quando falara que me queria.
Meu coração ficou apertado com uma dor tão grande que quase não
consegui respirar. Demorei uma eternidade até finalmente cair em um sono
perturbado.
CAPÍTULO 25
Kenzie
OITO ANOS ANTES...
Eu estava acostumada a ser sozinha, mas senti-me aterrorizada por
estar no sul da Califórnia. Era um território desconhecido para mim
e não gostei dos arredores onde acabei por causa do meu
orçamento.
Entretanto, não era como se eu não estivesse acostumada a viver em
uma área ruim.
Um dia, eu conseguiria sair. Tinha que me agarrar a isso.
O alívio me invadiu, uma onda súbita de felicidade que normalmente
não sentia, pois a entrevista fora boa para meu primeiro emprego como
modelo.
Eu estava torcendo desesperadamente para que a agência me chamasse.
Não conseguiria sobreviver bem se não tivesse um trabalho.
Vou encontrar alguma coisa, mesmo que não seja como modelo.
Eu conseguira sobreviver até ali e continuaria tentando. Em algum
momento, conseguiria algo. Teria que encontrar.
Andei apressada da parada de ônibus até o meu novo apartamento,
odiando o fato de ter demorado tanto para chegar em casa. A longa viagem
me deixara perto de casa depois de escurecer.
Encontrarei um lugar melhor depois que começar a trabalhar.
Aos dezoito anos, eu já tinha experiência de trabalho. Certamente
alguém me daria um emprego. Eu não me importava muito com o tipo de
trabalho que poderia encontrar. Só precisava de alguma coisa que me desse
dinheiro enquanto tentava iniciar minha carreira como modelo.
Talvez então eu pudesse ir para a universidade e ter uma carreira
normal, algo que duraria depois que estivesse velha demais para ser
modelo.
Entrei no prédio antigo e subi a escada, sentindo o cansaço de me
deslocar até a agência de modelos. Eu perdera a conta de quantos ônibus
pegara para ir e voltar, além de andar muito da parada de ônibus mais
próxima.
Eu só conseguia pensar em comer alguma coisa e cair no sofá usado
que comprara. Minha mobília não era grande coisa, mas era minha.
No momento em que entrei no apartamento, percebi que havia algo de
errado. As coisas que eu guardara nas gavetas da cozinha estavam
espalhadas no chão e o pequeno espaço que deixara arrumado naquela
manhã estava uma bagunça.
Senti um arrepio gelado na espinha. Eu aprendera a dar ouvidos aos
meus instintos. Virei-me para sair correndo da cozinha, mas não fui rápida o
suficiente.
Dois corpos enormes, vestidos de preto, me empurraram e caí no chão,
completamente sem ar.
Levantei-me rapidamente, tentando salvar minha vida.
Nenhum dos dois disse uma palavra. Um dos homens segurou meu
braço e puxou-me, fazendo com que eu passasse voando por ele. O outro
tirou do bolso um canivete que parecia terrivelmente grande.
— Por favor, não... — supliquei quando ele levantou o braço. Eu só
tinha dezoito anos. Não estava pronta para morrer. Eu trabalhara duro
demais para permanecer viva para que pudesse ter uma vida melhor.
Não consegui falar enquanto a lâmina me cortava sem parar.
Dor.
Mais dor.
Agonia.
Horror.
E, finalmente, o alívio abençoado de desmaiar.
Antes de fechar os olhos, eu disse a mim mesma que sobreviveria.
Vou conseguir. Só preciso encontrar as forças para continuar tentando.
No fim das contas, eu estava certa. Consegui sobreviver. Mas eu não
sabia o preço que pagaria mais tarde quando meus sonhos foram
completamente destruídos.
CAPÍTULO 26
Kenzie
O PRESENTE...
Acordei gritando e sem saber onde estava por alguns minutos
depois de me forçar a calar a boca.
Estremecendo por causa do pesadelo sobre quando fora atacada, puxei
o cobertor sobre o corpo, tentando me aquecer novamente.
Fazia muito tempo desde que eu tivera aquele pesadelo em particular,
mas ele causara a mesma avalanche emocional que sempre acontecia
quando o sonho horroroso surgia no meu sono.
— Estou bem — sussurrei sem fôlego. — Estou segura. Foi só um
sonho.
— Kenzie! — gritou Dane ao entrar no quarto.
— Estou aqui. Estou bem — disse eu, sabendo que ele me ouvira gritar.
Paige uma vez me dissera que os vizinhos me ouviam quando eu tinha um
dos meus pesadelos.
— O que aconteceu? — perguntou ele ao se sentar na beirada da cama
e acender o abajur.
Espremi os olhos, mas senti-me grata por não estar mais na escuridão
completa. — Foi só um pesadelo — respondi, tentando me forçar a
esquecer das imagens horríveis da situação em que quase morri.
Dane vestia apenas a calça de um pijama preto. Não havia nada que eu
quisesse mais do que passar meus braços em volta daquele corpo quente e
encontrar conforto.
Subitamente, lembrei-me do que acontecera entre Dane e eu na noite
anterior.
Meu Deus, como eu queria que as palavras dele fossem verdade.
Desejei que ele realmente me quisesse, pois eu com certeza o queria.
— Sobre o que foi o seu sonho? — perguntou ele ao deitar sob a
coberta, forçando-me a me mover para o lado.
Ele passou os braços em volta de mim e imediatamente senti-me
aquecida. Ele lançava um calor corporal tão tentador que me encostei em
seu peito e passei os braços em volta de seu pescoço. — O ataque —
admiti. — Às vezes, tenho pesadelos sobre ele.
— Nossa, Kenzie. Eu queria ter estado lá para proteger você — disse
ele, apertando os braços em volta de mim.
Aquecida e segura, finalmente relaxei nos braços de Dane, grata por tê-
lo ali comigo naquele momento. — Acho que você provavelmente estava se
recuperando do acidente de avião.
Era engraçado como Dane e eu tínhamos tantas experiências paralelas.
A julgar pela data do acidente dele, eu tinha quase certeza de que
estivéramos no hospital ao mesmo tempo. Mas a minha recuperação não
demorara tanto quanto a dele.
— Estava — concordou ele. — Mas ainda queria que você não
estivesse completamente sozinha.
— Eu também — respondi.
Teria sido muito bom ter alguém especial na minha vida, mas eu estava
convencida de que era amaldiçoada em relação a homens e à minha vida
amorosa. Eu tivera um relacionamento breve na adolescência, na época da
escola, que não terminara muito bem para mim. E, depois disso, nunca
confiara o suficiente em alguém para ter algo além de um encontro casual.
— Quer que eu fique com você? — perguntou ele, sem parecer certo de
que queria ir embora.
— Sim, por favor — respondi no mesmo instante.
Dane estava ali e eu queria que ele ficasse para que não precisasse
pensar no pesadelo.
— Conte-me como foi — insistiu ele.
— É sempre a mesma coisa — expliquei ao deitar a cabeça no ombro
dele. — Lembro-me de voltar para casa e, em seguida, de ser atacada.
Achei que meus sonhos já seriam menos assustadores, mas só consigo me
lembrar da sensação horrível de que morreria antes de ter a chance de viver.
— Eu me senti da mesma forma — comentou ele. — Quando o avião
caiu. Eu sabia que estávamos caindo e não achava que alguém pudesse
sobreviver àquele tipo de acidente.
— Você sobreviveu — relembrei, correndo a mão de forma automática
pelo peito e pelo abdômen dele. Eu queria senti-lo e assegurar a mim
mesma que ele estava bem.
O medo dele devia ter sido enorme ao descobrir que o jatinho do pai
estava caindo e fiquei grata por ele ter sobrevivido.
— Como foi quando você acordou e percebeu que ainda estava viva?
— perguntou Dane.
— Eu sentia tanta dor que não consigo me lembrar de muita coisa —
confessei.
— Comigo foi a mesma coisa.
Meu coração ficou apertado ao pensar em Dane acordando depois de
ter sofrido queimaduras tão graves. O rosto dele não fora tão atingido.
Independentemente do que ele pensava, o peito e o abdômen tinham muito
mais cicatrizes de queimaduras.
— Você sentiu medo? — perguntei com curiosidade.
— Fiquei aterrorizado — confirmou ele.
— Eu também. Acho que nunca tinha percebido como eu estava
sozinha até não ter ninguém no hospital com quem conversar.
— Nenhum amigo? Pelo menos, eu tinha os meus irmãos, apesar de
meu pai ter falecido.
— Ninguém — informei. — Eu era uma solitária. Nunca deixei
ninguém se aproximar de mim. Era a única forma de me proteger.
Ele acariciou meus cabelos em um movimento reconfortante ao
responder: — Você não está mais sozinha, querida.
— Eu sei. E isso me dá medo.
— Não tenha medo de mim — pediu ele.
— Não tenho. Nunca tive. Sim, você me deixou furiosa no começo.
Mas, de alguma forma, eu sabia que nunca me magoaria de forma
intencional. Eu não sentia aquela loucura que as pessoas têm quando são
perigosas.
— Instinto? — questionou ele.
— Instinto — confirmei. — Desenvolvi um bom instinto quando era
jovem. Eu deveria ter dado ouvidos a ele quando fui para a Califórnia. Mas
eu precisava de um lugar para dormir e não queria desperdiçar o pouco
dinheiro que tinha.
— E foi morar em um buraco — concluiu ele.
— Sim. Meus instintos gritavam histericamente, mas não dei ouvidos.
Eu queria muito ter sucesso.
— Não há nada de errado com querer uma vida melhor. Eu só queria
que você tivesse mais dinheiro na época. Mas estou começando a entender
como estava desesperada.
— Depois de pagar o primeiro mês de aluguel do apartamento, só
sobraram cinquenta dólares.
— Meu Deus! É impossível viver só com isso.
— Eu não tinha opção. Sempre foi nadar ou afundar. E eu tentava
aprender a navegar em um lago muito grande.
— Você é tão corajosa que eu me sinto um covarde. Peguei o meu
dinheiro e fui para um lugar onde ninguém poderia me ferir. Eu tinha
dinheiro e nunca dei valor a ele.
— Não é culpa sua — comentei. — Você veio de uma família rica. Eu
queria que fosse assim para todo mundo, mas não é. Acho que, se eu tivesse
tido dinheiro, teria desejado escapar e lamber minhas feridas por algum
tempo. Talvez eu tivesse feito exatamente o que você fez.
— Duvido — respondeu Dane com voz rouca. — Você luta pelo que
quer. Eu já nasci assim.
— Pare com isso — exigi. — Odeio quando você se diminui. Você é
extremamente talentoso, tanto em relação à arte quanto às habilidades que
aprendeu para avaliar o risco e as recompensas dos investimentos. Você não
precisava fazer nada, Dane, mas fez. Você tem dinheiro para buscar o prazer
que quiser, mas optou por ser uma pessoa melhor e mais inteligente.
— Eu teria morrido de tédio se não tivesse ocupado meu tempo.
— Por causa de quem você é — expliquei. — Você quer se ocupar e
nunca para de se importar com ser produtivo, mesmo quando não precisa.
— Por que você se importa com o que penso de mim mesmo?
— Eu só... me importo. — Não era um bom motivo, mas eu não podia
contar a ele o quanto me importava.
Inconscientemente, comecei a mover a mão que ainda estava sobre o
abdômen dele, um sinal do quanto mais queria de Dane.
— Talvez seja melhor eu ir embora — disse ele.
— Por quê?
— Porque, se continuar tocando em mim, não sei se vou conseguir me
impedir de prendê-la nesta cama e transar com você até que grite meu
nome.
Não parei de tocar nele. Na verdade, explorei ainda mais. — Não vá —
pedi.
Eu não conseguiria aguentar se ele me deixasse de novo. Talvez eu o
tivesse afastado antes, mas sabia que não conseguiria fazer isso de novo.
Eu não queria fazer isso de novo.
Paige estivera certa. Eu precisava começar a deixar que as pessoas
entrassem na minha vida. Eu sempre teria cautela, mas estava cansada de
não deixar Dane se aproximar. Ele significava demais. Era uma tentação
grande demais.
De alguma forma, eu teria que aprender a deixar meus medos de lado
quando a situação fosse segura. E Dane certamente era alguém que eu não
podia mais afastar.
O problema era que eu destruíra a chance de ficar mais próxima dele.
Teria que ser eu a convencê-lo de que era sincera.
Descobrir que uma mulher o magoara praticamente fez com que meu
coração sangrasse. Dane não merecera o que ela fizera, mas eu queria ser a
pessoa que lhe mostraria o quanto ele tinha a oferecer.
Eu queria ser a única.
Mesmo se o relacionamento não durasse, eu sabia que ele nunca me
magoaria intencionalmente.
Eu quase morrera oito anos antes, mas nunca aprendera de verdade
como viver.
Ainda não.
Mas eu queria.
Movi a mão pelo corpo dele lentamente, sem pressa para conseguir o
que queria.
Dane parecia feito de pedra quando finalmente coloquei a mão dentro
da calça do pijama dele e passei os dedos em volta do pênis. — Meu Deus,
quero você dentro de mim, Dane. Quero tanto que chega a doer.
Ele segurou meu braço, pronto para tentar me impedir. Mas eu não
cederia.
— Ainda está bêbada? — perguntou ele com voz rouca.
— Eu não estava bêbada a ponto de não saber o que queria. Eu sabia o
que estava pedindo na noite passada.
— Não faça isso comigo, Kenzie. Não sei se vou conseguir parar.
— Não pare — sugeri ao afastar a mão dele. — Quero ficar perto de
você, Dane. O mais perto possível.
— Graças! — respondeu ele. — Não mude de ideia.
Senti-me culpada sobre o que acontecera entre nós antes, mas sabia que
não fugiria de novo. Eu queria ver como seria estar com o homem incrível
que estava na minha cama. Não podia ignorar a forma como o desejo me
invadia sempre que o via.
Levantei o corpo e passei uma perna por cima de Dane até estar sentada
sobre ele. Detestei afastar a mão quando segurava tudo o que queria, mas
era a única forma de conseguir o que precisava.
Puxei a camisola sobre a cabeça e joguei-a no chão.
Com qualquer outra pessoa, eu não seria tão ousada. Não conseguia
imaginar querer outra pessoa. Mas eu queria mostrar a ele como estava
falando sério e que não me afastaria até transarmos uma ou duas vezes.
Talvez três.
— Caralho! Você é tão linda que me mata só de olhar — murmurou
Dane. — Eu queria ver você assim praticamente desde o dia em que nos
conhecemos. Queria ver esse olhar em seu rosto, dizendo que me quer o
tanto que quero você.
As mãos dele subiram para os meus seios, beliscando os mamilos e
deixando meu corpo em chamas.
Suspirei ao sentir as mãos dele. — Eu queria muito — confessei. — Só
estava com medo demais de ser magoada.
— Eu nunca magoaria você, Kenzie. Morreria para proteger você sem
pensar duas vezes.
— Eu sei — respondi, sabendo que era verdade. — Não tenho mais
medo.
— Por quê?
— Porque vale a pena ter uma chance com você — respondi com um
gemido.
Gritei surpresa quando ele virou meu corpo e deitou-me de costas.
— Então vou garantir que valho a pena o risco — disse ele, com o
corpo enorme sobre o meu.
Olhei para ele e o momento pareceu uma eternidade. O rosto dele
estava solene, mas a malícia em seus olhos fez com que meu coração
batesse mais depressa. Dane realmente faria com que valesse a pena.
Eu não tinha a menor dúvida disso.
CAPÍTULO 27
Kenzie
SEIS ANOS ANTES...
Só o que eu sabia era que o nome dela era Paige e que estudava
direito em Harvard. Além disso, não sabia nada sobre a mulher que
estava prestes a conhecer.
Bem, eu sabia de mais uma coisa: ela precisava de alguém para dividir
um apartamento.
Talvez as coisas deem certo com ela. É uma estudante e é improvável
que não pague a parte dela do aluguel.
Eu já dividira o apartamento com várias pessoas que me deixaram com
o aluguel inteiro para pagar. A última quase me deixara sem um lugar para
morar. Eu tinha que encontrar um lugar para morar, e depressa. Já fora
expulsa do apartamento anterior porque não tinha como pagar o aluguel
inteiro.
Bati na porta. O bairro parecia decente, melhor do que aquele onde eu
morava no momento. O prédio era antigo, mas o exterior era bem mantido.
Só o que eu queria era um lugar seguro para morar e uma colega em
quem pudesse confiar que pagaria o aluguel regularmente.
— Oi! Você é Kenzie? — perguntou empolgada uma voz feminina.
Assenti, com medo de torcer para que aquela mulher fosse alguém em
quem eu pudesse finalmente confiar. — Sim, sou.
Ela me puxou para dentro e olhei para o apartamento. De acordo com
Paige, ele tinha dois quartos, mas teríamos que dividir o banheiro. O espaço
era arrumado, mas a mobília era velha, provavelmente comprada de
segunda mão. Eu não tinha problema algum com isso, pois só tinha coisas
de segunda mão.
Talvez tivesse encontrado alguém como eu.
— Desculpe pela decoração triste — disse ela. — Como estou em
Harvard, não tenho dinheiro para comprar coisas boas.
Ela me mostrou o apartamento pequeno e fiquei empolgada com o que
vi. Ela tinha até mesmo uma cama no quarto vago e torci para que não se
importasse que eu a usasse.
Eu tinha uma cama, mas era muito velha. Perguntei a ela se teria que
providenciar os móveis.
— Não. Você pode usar os meus, a não ser que queira algo melhor. Não
vou ficar ofendida.
— Não — respondi. — Minhas coisas são ainda piores do que as suas.
— Ótimo. Então talvez possamos fechar negócio para que eu não
precise mais ficar sozinha aqui.
Suspirei. — Para ser sincera, sou bem pobre, mas sempre pago a minha
parte do aluguel.
Paige sorriu. — Então acho que temos muito em comum.
Apesar de eu saber que ela provavelmente era muito inteligente, ainda
assim gostei dela. A simpatia dela me deixou à vontade e tive a sensação de
que poderíamos ser amigas.
E se ela jogar a parte dela do aluguel no meu colo, como as
anteriores?
Sim, eu sabia que nem todo mundo era assim, mas não tivera muita
sorte com as colegas anteriores.
Vou conseguir. Só preciso encontrar as forças para continuar tentando.
Naquele momento, eu não tinha outras opções e teria que torcer para
que desse tudo certo.
Estendi a mão. — Fechado. Vou fazer um cheque.
Ela sorriu para mim, pegando minha mão para apertá-la.
CAPÍTULO 28
Kenzie
O PRESENTE...
Eu nunca quisera tanto alguma coisa como eu queria Dane Walker.
E, apesar de isso me assustar muito, o que sentia por ele não
deixava lugar para a cautela.
Se fosse para eu confiar em alguém, seria ele. Ninguém mais me
convencera a sair do casulo de autopreservação. Mas o homem que olhava
com intensidade para mim naquele momento acabara com qualquer ilusão
de permanecer segura.
Eu tinha que deixá-lo se aproximar. E que se danassem as
consequências.
Ergui a mão para acariciar o rosto dele. — Não tenho muita experiência
— avisei. — Foi só uma vez na época da escola e não foi muito agradável.
— Farei com que seja mais do que agradável — respondeu ele. —
Quero que goze tanto que nunca mais queira outro homem.
Passei os braços em volta do pescoço dele. — Eu nunca quis alguém.
Nunca soube o que era precisar de alguém tanto assim.
— É mais do que mútuo, querida — respondeu ele, com os olhos
escuros cheios de emoção. Ele abaixou a cabeça e beijou-me.
O abraço dele foi avassalador e tive que me preparar.
Ele atacou.
Ele explorou.
E finalmente conquistou-me a partir do momento em que me abri
completamente ao ataque poderoso às minhas sensações.
Desesperada por mais, envolvi os quadris dele com as pernas,
insistindo na conexão que eu tinha que ter.
Dane liberou minha boca e inclinei a cabeça para trás quando ele
atacou a pele sensível no meu pescoço.
— Dane — gemi, incapaz de impedir que o desejo me consumisse.
— Continue dizendo meu nome — murmurou ele contra minha pele.
— Quero que saiba exatamente quem fará você gozar.
Um calor surgiu entre as minhas pernas, molhando minha calcinha.
Adorei as palavras dele e a intimidade que fluía entre nós.
O peito nu de Dane se moveu contra o meu, deixando meus mamilos
rígidos ao esfregarem contra a pele quente dele.
Enterrei as unhas curtas no pescoço dele em um pedido silencioso para
que ele me desse o que eu precisava.
Ele se moveu para baixo e colocou a boca quente nos meus mamilos,
um depois do outro, até que eu estivesse meio fora de mim.
Enterrei os dedos nos cabelos dele e puxei. — Por favor, Dane — gemi.
Ele se posicionou entre as minhas pernas, com a mão procurando e
encontrando o tecido da calcinha. Não havia tempo para tirá-la
delicadamente. Ele rasgou o tecido com um puxão forte.
— Minha — disse ele ao colocar os dedos na umidade e no calor do
meu sexo latejante.
— Sim — concordei, adorando a possessividade feroz dele.
O polegar dele começou a se mover sobre o meu clitóris, um
movimento escorregadio que se concentrou onde eu mais precisava dele,
aliviando parte da minha inquietação. Mas não era o suficiente.
Eu o empurrei para longe, com o sangue correndo depressa nas veias
pelo desejo de vê-lo nu.
— Kenzie? — perguntou ele. — O que você quer?
Sentei-me e agarrei a cintura do pijama dele. — Isto — disse sem
fôlego ao puxar as cordas. — Preciso de você.
A respiração de Dane estava pesada e seu peito subia e descia com
força. — Espere. Você vai ter. Em breve.
— Não posso mais esperar, Dane.
Ele ficou de pé ao lado da cama, tirando o pijama em tempo recorde.
Dane não vestia nada sob o pijama e o pênis saiu do esconderijo, belo e
pesado ao ser exposto.
Meus olhos o devoraram, adorando a perfeição de Dane. Ele era o
espécime masculino perfeito para mim e tudo o que era feminino dentro de
mim queria aquele corpo belo e musculoso do homem com quem eu
aprendera a me importar tanto.
Os olhos dele pareciam estar quase pretos. A cor de chocolate ficou
mais profunda quando seu olhar faminto passeou pelo meu corpo, fazendo
com que eu me sentisse possuída antes mesmo que ele voltasse para a cama.
— Isso não vai ser lento — avisou ele em tom feral. — Não tenho freio
em se tratando de você.
Minhas entranhas se contraíram quando olhei para ele. Estendi a mão
para tocar na cabeça sedosa do pênis. — Nunca pedi que fosse lento —
respondi.
Senti-lo foi como um afrodisíaco para mim. Não que eu precisasse de
um. Ver Dane em toda a sua glória era suficiente.
Acariciei o pênis, sentindo meu desejo aumentar insanamente ao
observar o V esculpido sob o abdômen que parecia apontar diretamente
para a ereção que eu acariciava.
A sensação foi tão incrível que não consegui me impedir de coletar a
gota de umidade da ponta e sentir seu gosto.
— Pelo amor de Deus, Kenzie! — rosnou ele. — Está tentando me
matar?
— Só se for de prazer — respondi com voz sedutora.
— Pare com isso ou vou colocá-la sobre o colo e bater nesse belo
traseiro até que fique vermelho.
Meu coração disparou quando imaginei estar à mercê de Dane. —
Talvez eu goste disso — retruquei.
Dane afastou minha mão e voltou para a cama, com o corpo
prendendo-me contra o colchão. — Cuidado com o que pede — respondeu
ele, com o hálito quente no lado do meu rosto.
— Não estou com medo — respondi. — Não importa como toque em
mim, acabará se transformando em prazer.
Ele recuou ligeiramente e olhou nos meus olhos. Suas narinas se
contraíram como se parecesse se esforçar para manter o controle. — Pode
ter certeza de que será um prazer — retrucou ele.
Passei as pernas em volta da cintura dele e puxei-o. — Agora, Dane.
Preciso de você.
A dor dentro de mim estava ficando quase insuportável e além do que
eu podia aguentar.
— Devagar, querida — pediu ele. — Beije-me, Kenzie.
Coloquei os braços em volta do pescoço dele, puxando sua cabeça para
baixo. Era todo o encorajamento de que ele precisava para me beijar como
um homem possuído.
O pênis rígido pressionou meu sexo. Eu estava muito perto de
conseguir o que queria.
Puxei-o novamente, incitando-o a me preencher enquanto ele
continuava a me abraçar de forma inebriante.
Quando ele finalmente me penetrou com uma investida poderosa dos
quadris, gemi contra sua boca.
Dane era grande e meus músculos internos se esticaram para aceitá-lo.
Em seguida, a dor leve deu lugar a uma sensação maior de estar totalmente
preenchida.
— Sim — gemi quando ele liberou minha boca. — Sim, por favor,
trepe comigo.
— Você é tão apertada, querida — gemeu ele, com o corpo
estremecendo ao se assentar completamente dentro de mim. — E tão
quente, porra.
— É tudo culpa sua — sussurrei.
— Meu Deus, Kenzie. Não achei que poderia ser assim — disse ele
com a voz rouca e cheia de calor.
Eu entendia. Era perfeito. Nossos corpos queimaram juntos quando
Dane recuou até quase sair de dentro de mim e investiu novamente.
— Ai, meu Deus, sim — pedi.
Ele agarrou meus cabelos e puxou minha cabeça para trás até que
conseguisse atacar a pele do meu pescoço com os dentes e a boca.
Meu foco se voltou para as investidas dele, sentindo nada além de
Dane.
Ele se moveu dentro de mim repetidamente e só o que me restou fazer
foi acompanhar seu ritmo.
Cada vez mais fundo.
Cada vez mais forte.
— Mais — implorei, enterrando as unhas curtas nas costas dele.
Eu era como lenha para o fogo dele e estava pronta para explodir em
um inferno sem controle, um incêndio que não podia ser contido.
— Dane, não vou aguentar — disse eu em tom desesperado.
— Vai, sim — disse ele em um tom primitivo ao lado do meu ouvido.
— Vai aguentar e depois pedirá mais.
Eu sabia que ele tinha razão. Eu não conseguiria o suficiente. Minhas
costas se arquearam ao sentir a barriga tensa, liberando a tensão diretamente
para meu sexo.
Apertei as pernas em volta do peito dele e as investidas ficaram mais
curtas e profundas.
Os corpos suados deslizavam juntos em um ritmo perfeito que era
extremamente erótico, fazendo com que cada investida do pênis dele
esfregasse no meu clitóris latejante.
Eu implodi. E comecei a soluçar quando o clímax invadiu meu corpo
até que me senti uma grande massa que pulsava.
Minha boceta se contraiu em volta do pênis enorme, como se não
quisesse deixá-lo se afastar.
Eu queria que o momento se estendesse, mas o orgasmo foi forte
demais para ser ignorado.
— Dane — gritei entre os soluços.
— Caralho! — disse ele com voz rouca. — Não consigo mais segurar.
— Não segure — pedi enquanto eu me contraia em volta do pênis,
exigindo que ele gozasse.
O clímax dele me atingiu de tal forma que me deixou à deriva logo
após.
Dane finalmente saiu de cima de mim. Ambos estávamos
completamente exaustos.
Meu corpo ainda tremia quando ele passou os braços em volta de mim,
abraçando-me com força.
— Não chore, querida. Por que está chorando?
Eram lágrimas de alegria, um alívio e uma felicidade que eu
simplesmente não conseguia conter.
Agarrei-me a ele ao responder: — Não é um choro ruim. Estou feliz.
Eu nunca sentira aquela sensação de estar no lugar certo com alguém,
aquele tipo de alegria. Minhas emoções tinham ultrapassado meu ponto
comum de parada e eu não conseguira contê-las.
Tudo explodira em um festival de soluços que eu nunca tivera.
Eu amo você, Dane. Amo tanto que chega a doer.
Minha mente gritava o que minha boca não podia expressar. Portanto,
eu me agarrei a ele silenciosamente ao me recuperar da experiência mais
extraordinária que tivera na vida.
CAPÍTULO 29
Kenzie
TRÊS ANOS ANTES...
—Fui dispensada — disse eu a Paige enquanto meus olhos
continuavam grudados nos anúncios de precisa-se de ajuda no
jornal.
Eu estava sentada no sofá com um saco de salgadinhos, devorando-os
enquanto lia os anúncios. Meus dedos começavam a deixar o papel
manchado de laranja.
— O que foi agora? — perguntou Paige. — Ah, espere! Não me conte.
O sr. Patel está trazendo um novo parente para os Estados Unidos que
precisa de seu emprego?
— O sobrinho dele — respondi em tom direto.
— Você precisa parar com os empregos noturnos em hotéis —
comentou Paige. — Eles nunca duram muito tempo.
Suspirei ao olhar para ela de onde estava sentada no sofá. Ela acabara
de chegar da aula e parecia tão exausta quanto eu me sentia.
— Eu sei. Estou procurando alguma outra coisa.
O cargo de recepcionista noturna fora um segundo emprego para mim.
Eu já trabalhava o dia inteiro em outro emprego, que não exigia muito
intelecto, mas não pagava o suficiente para que não precisasse de um
segundo empregador.
Paige pegou o jornal da minha mão. — Pare de procurar. Nossa, você
acabou de ser demitida.
Dei de ombros. — Já estou acostumada com isso.
Eu perdera cinco empregos noturnos nos anos anteriores e nenhuma das
demissões fora culpa minha.
Um negócio falido.
Um negócio fazendo cortes na folha de pagamento.
Um negócio reduzindo a equipe.
Um negócio em que uma mulher de licença maternidade finalmente
decidira voltar a trabalhar.
E agora... o chefe indiano que queria empregar familiares que
chegavam aos EUA.
Ora, que chance eu tinha ao concorrer com um sobrinho?
— Você não precisa encontrar um emprego hoje — disse ela.
Sim, eu precisava de alguma coisa que me pagasse antes do fim do
mês. Caso contrário, talvez eu não tivesse dinheiro para a minha parte do
aluguel. Mas eu não disse isso a Paige. Ela também trabalhava muito e a
última coisa de que precisava era uma colega desempregada.
Paige acabara sendo o melhor tipo de pessoa para dividir o
apartamento, além de ser uma excelente melhor amiga. No decorrer do
tempo, eu dividira muita coisa e ela me contara coisas que nunca contara a
ninguém. Conseguimos nos dar bem, sem reclamar quando era preciso
pagar um pouco mais quando a outra estava sem dinheiro.
— Vou encontrar alguma coisa — garanti a ela.
Ela levou o jornal e segurou-o perto da lata de lixo. — Você precisa
parar. Nunca temos uma noite juntas. Podemos fazer uma maratona de
filmes ou de programas de TV.
Aquilo pareceu bacana. Raramente passávamos mais de uma ou duas
horas juntas em casa e não era porque uma de nós tinha um namorado. Com
frequência, estávamos trabalhando ou Paige estava em aula.
Tristemente, eu sabia que nossa situação de companheiras de
apartamento não duraria para sempre.
Paige conseguia ver um fim de sua pobreza. Ela teria um diploma de
direito e eu continuaria a ocupar empregos ruins.
Não havia uma luz no fim do meu túnel.
Vou conseguir. Só preciso encontrar as forças para continuar tentando.
Fiz o que Paige pedira e parei de procurar emprego naquela noite. Ela
não seria minha companheira para sempre e eu queria passar uma noite com
a minha melhor amiga.
Mais cedo ou mais tarde, ela iria embora e eu ficaria sozinha
novamente. Eu só queria aproveitar a companhia dela e torcer para que
mantivéssemos contato depois que ela passasse para algo melhor do que o
nosso apartamento minúsculo em Cambridge.
CAPÍTULO 30
Kenzie
O PRESENTE...
Acordei na manhã seguinte rodeada de um calor na forma de um
corpo masculino que me mantinha em seus braços.
Dane se encostara em mim firmemente e não me soltara, mesmo depois
de adormecer.
Fiquei deitada por alguns minutos, aproveitando a sensação de ser
importante o suficiente para ter um lugar nos braços de Dane.
Estávamos um pouco fedidos, pois tínhamos adormecido logo depois
que ele transara comigo até cansar, mas eu não pretendia reclamar.
Em certo momento, comecei a me mexer lentamente, precisando muito
esvaziar a bexiga.
— Ah, não, não vai — disse Dane em um tom sonolento adorável que
me fez sentir um arrepio na espinha. — Não vai me deixar.
Ele apertou o braço em volta da minha cintura.
— Dane, eu preciso. De verdade. Não faço xixi na cama há mais de
vinte anos.
— Ok — resmungou ele, mas sem me soltar.
Eu acabei rindo, pois ele era muito engraçado quando não estava
totalmente acordado. — Você tem que me soltar.
— Não quero — reclamou ele.
Sinceramente, eu não tinha a menor vontade de levantar naquele
momento, mas minha bexiga estava muito cheia. — Eu preciso — disse eu
com tristeza, mexendo-me até que ele me soltou.
— Volte para mim — rosnou ele.
Parei para beijá-lo na testa antes de correr para o banheiro. A julgar
pelo fato de que Dane nem abriu os olhos, ele provavelmente voltara a
dormir em questão de momentos.
Terminei o que precisava fazer e liguei o chuveiro. Eu estava louca para
tirar o fedor do corpo.
Volte para mim.
Cheguei muito perto de obedecer ao comando dele porque era o que eu
queria. Entretanto, o chuveiro ganhou porque eu realmente precisava me
sentir humana novamente.
O jato forte do chuveiro me acordou, clareando meus sentidos
nublados.
Agora só preciso de café!
Mas, na verdade, tudo o que eu queria era Dane novamente.
Imaginei que era esse o problema em ter tanto prazer. Eu ficara
gananciosa depois de viver isso repetidamente.
Lavei os cabelos e passei condicionador enquanto pensava no que
acontecera na noite anterior.
Dane fora maravilhoso comigo. Não só eu estava perdidamente
apaixonada por ele, como também o achava um amigo muito bom. Minha
atração por ele era absurda. E minha alma sentia uma conexão profunda
pela primeira vez na vida.
O problema era que essa combinação poderia ser desastrosa.
Entretanto, eu chegara no ponto em que precisava tentar. De que adiantava
a vida se tudo o que eu fizesse fosse sobreviver? Talvez eu estivesse
condicionada a não me arriscar, mas Dane era uma tentação à qual era
impossível resistir.
Eu queria amor.
Eu queria conexão.
Eu queria… Dane.
Senti uma dor no peito ao me lembrar de como ele me despedaçara,
com meu cérebro concentrado apenas no prazer.
Era muito possível que o amor que eu sentia por Dane fosse algo que só
acontecesse uma vez na vida. E eu não podia simplesmente deixá-lo de lado
por causa da segurança. Eu queria viver tudo o que podia antes que
perdesse a oportunidade.
Fechei os olhos e encostei-me na parede, com o corpo sensível e pronto
para atingir o orgasmo.
Antes que eu conseguisse pensar no assunto, desci a mão pelo
abdômen, encostando-a no meu sexo latejante.
— Dane — sussurrei ao imaginá-lo, com aquela expressão excitada,
com as pálpebras pesadas, que eu vira na noite passada, formando-se na
minha mente. — Preciso de você.
Ergui o pé e apoiei-o na beirada da banheira, com os dedos ainda
ocupados estimulando o clitóris.
Minhas entranhas se contraíram e reprimi um gemido ao visualizar
Dane penetrando-me. E Dane devorando minha boceta como acontecera na
primeira vez em que tivéramos intimidade.
Dei um gritinho e abri os olhos subitamente. Uma mão forte envolveu
meu pulso, afastando minha mão do que eu estivera fazendo.
Antes que eu conseguisse processar o que estava acontecendo, Dane
estava de joelhos e entre as minhas pernas.
Ele olhou para mim. — Você é uma garota muito malvada, Kenzie.
Fazer você gozar é o meu trabalho — disse ele. — Mas vou deixar passar
desta vez.
Estremeci ao ouvir o timbre baixo da voz dele. Eu sabia que ele estava
brincando, mas eu não sabia como participar. Ou, pelo menos... achei que
ele estava brincando. Com Dane, às vezes era difícil dizer.
Em segundos, eu não estava pensando nas palavras dele. Só o que
conseguia fazer era sentir quando ele enterrou o rosto entre as minhas
pernas.
— Ai, meu Deus — sussurrei. Minhas pernas tremeram quando ele
colocou as mãos no meu traseiro e puxou minha boceta contra o rosto.
Tive que me segurar na barra do chuveiro e fiquei grata por ela estar lá.
Com o pé erguido, eu estava completamente aberta para Dane, mas meu
equilíbrio era instável.
Encostei a cabeça no ladrilho enquanto a língua de Dane passava pela
pele macia e rosada, concentrando-se a seguir no minúsculo feixe de nervos
que me lançou às alturas.
Agarrei a barra de metal com mais força, sentindo meu corpo reagindo
violentamente a cada toque sutil da língua de Dane.
Com ele, provavelmente nunca haveria um momento em que eu não
incendiasse com seu toque.
— Faça-me gozar, Dane, por favor — implorei.
Meu sexo já estava contraindo-se e senti o orgasmo aproximando-se
com toda força.
O jato de água quente atingia meus mamilos, estimulando-os quase no
mesmo ritmo que a língua de Dane.
Arqueei as costas instintivamente quando o clímax me atingiu como
uma onda.
— Dane. Isso. Isso. — Estendi a mão livre para agarrar os cabelos
úmidos dele, sentindo o clímax me consumir.
Eu o queria perto.
Mais perto.
Ainda mais perto.
Meu corpo estremeceu quando implodi, transformando-me em uma
confusão trêmula enquanto tentava recuperar o fôlego e a sanidade.
Os dedos de Dane substituíram a boca quando ele se levantou, ainda
acariciando-me gentilmente, até que por fim relaxei contra ele com o corpo
totalmente exausto.
— Bom dia — disse ele com uma voz sensual e baixa perto do meu
ouvido. Eu estava bem acordada agora, mesmo sem o café da manhã.
— Sim, é um bom dia — respondi sem fôlego.
A risada dele vibrou contra a minha pele e foi uma das melhores coisas
que ouvi.
Eu queria fazer Dane feliz.
Eu queria fazê-lo rir.
Havia solidão e tristeza demais na vida dele.
— Acho que eu disse a você para voltar para mim — recriminou ele.
— Primeiro, eu queria parar de feder — protestei. — Mas posso fazer a
espera valer a pena.
— Já fez, querida — garantiu ele.
Senti o coração apertado. — Posso fazer ainda mais — ofereci, sem
esperar que ele respondesse ao me ajoelhar aos seus pés.
Eu quisera fazer aquilo na noite anterior, mas as coisas tinham sido
rápidas demais para que tentasse meu primeiro boquete. Agora, tínhamos
muito tempo.
— Kenzie, se fizer isso, vou gozar em tempo recorde — avisou ele.
Coloquei a mão em volta do pênis rígido. — Espero que sim —
respondi em tom esperançoso. — Bom, não o tempo recorde, mas gozar.
Saboreei a sensação do pênis duro e grosso, torcendo para que
conseguisse dar a ele o mesmo prazer que me dera.
Olhei para ele e nossos olhares se encontraram de forma intensa. —
Ajude-me — pedi. — Não sei exatamente como fazer isto.
Os olhos dele se iluminaram e ele sorriu para mim. — Confie nos seus
instintos. Garanto que vou gostar do que fizer, não importa o quê.
Movi as mãos para o traseiro firme dele, correndo os dedos pela pele
macia.
Como ele dissera, segui meus instintos, colocando a boca no abdômen
molhado e traçando o V sedutor com a língua.
Deixei a boca correr pelo pênis e, em seguida, abri-a para tomá-lo.
Dane tinha gosto de pecado, de um homem duro, teimoso e irresistível.
Fiquei inebriada no momento em que comecei a chupar o pênis.
Agi de forma desajeitada, mas Dane abaixou a mão e segurou minha
cabeça, movendo-a no ritmo de que precisava.
— Caralho, Kenzie! Eu avisei que não duraria muito. Assistir aos meus
sonhos eróticos se transformarem em realidade é demais para mim.
Ele sonhara sobre aquilo, sobre mim? Eu esperava que sim, pois ele
fora a estrela dos meus sonhos sensuais praticamente desde o momento em
que nos conhecêramos.
Aumentei o ritmo, sentindo-me confortável com o tamanho dele. Tentei
ir cada vez mais fundo, mas provavelmente nunca conseguiria enfiá-lo
inteiro na boca.
Por instinto, abaixei a mão ligeiramente para acariciar os testículos e
fiquei contente ao ouvir um gemido sensual e gutural.
— Desse jeito mesmo, Kenzie — gemeu ele.
— Desse!
— Jeito!
— Mesmo!
Coloquei na mão em volta da base do pênis, finalmente começando a
conhecer as respostas dele. Minha mão trabalhou em uníssono com a minha
boca e, quando senti o corpo dele ficar tenso, percebi que estava prestes a
gozar.
— Recue, querida. Vou gozar.
Eu não queria recuar. Queria sentir o gosto dele, como ele sentira o
meu. Na verdade, estava louca para que isso acontecesse.
Consegui exatamente o que eu queria. O orgasmo de Dane fluiu com
força pela minha garganta, com o calor e os gemidos sensuais alimentando
meu próprio prazer.
Eu conseguira! Meu boquete não fora ruim. Eu o chupara e fora muito
bom.
Dane me segurou com força sob os braços e levantou-me para o abraço
dele.
— Foi ok? — perguntei em tom hesitante ao olhar para ele.
— Não, não foi — disse ele enquanto tentava recuperar o fôlego. —
Foi muito mais do que ok.
Sorri enquanto ele mantinha os olhos fechados com a cabeça baixa. O
peito dele subia e descia rapidamente.
— Vou melhorar — comentei. — Só preciso de prática.
Ele me puxou e beijou-me. Suspirei com o beijo terno ao sentir o meu
gosto e o dele se misturarem.
Quando ele finalmente afastou a boca, encostei a cabeça em seu ombro
forte, sentindo-me feliz apenas de estar perto dele.
— Se você praticar mais, provavelmente vai me matar — murmurou
ele.
Sorri contra a pele dele, sabendo que ele não reclamaria se eu quisesse
melhorar minhas habilidades.
Nós nos lavamos preguiçosamente, sem pressa, antes de finalmente
sairmos do calor do chuveiro.
CAPÍTULO 31
Kenzie
CERCA DE UM ANO ANTES...
Eu não choraria.
— Vou sentir sua falta — disse Paige com voz triste.
— Também vou sentir a sua falta. Mas você também irá embora daqui
em breve — relembrei ao nos despedirmos na rodoviária. Meu ônibus
começara o embarque.
Talvez a formatura próxima de Paige estivesse incentivando-me a
mudar e tentar uma cidade diferente. A galeria de Nova Iorque fora uma
desculpa. Eu me candidatara intencionalmente para qualquer posição no
mundo da arte, sabendo que minha melhor amiga encontraria empregos
melhores. Como eu não tinha experiência, ser recepcionista em uma galeria
renomada teria que ser um ponto de partida por enquanto.
— Tenha cuidado. Não saia sozinha depois de escurecer — advertiu
Paige. — E não se esqueça de comer.
Eu sentiria muita falta de minha irmã honorária mais velha. Paige era
apenas poucos anos mais velha que eu, mas parecia uma mãe às vezes. Eu
sentiria muita saudade daquilo. Ela sempre me tratara como se fosse de sua
família, algo que eu nunca tivera.
— Venha cá — disse ela com voz chorosa. — Estou tão preocupada
com você.
Eu a abracei com força, sabendo que era possível que nunca mais
tivesse outra amiga que se preocupasse tanto comigo quanto ela.
— Você também tenha cuidado — sussurrei. — Esta não é uma cidade
pequena.
Eu sempre gostara muito mais de sair do que minha amiga. Paige tivera
alguns problemas, mas não passara tanto tempo nas ruas como eu.
— Manteremos contato — disse ela, tentando soar animada enquanto
as lágrimas escorriam pelo seu rosto.
Eu não choraria.
Assenti, sabendo que, em algum momento, perderíamos o contato. O
destino de Paige continha coisas grandes e não teríamos muito em comum
quando ela se tornasse uma advogada com altos honorários.
— Telefonarei para você — gritei por sobre o ombro ao correr para a
porta do ônibus, que estava prestes a partir.
Encontrei minha poltrona e vi Paige acenando para o veículo que se
preparava para sair.
Vou conseguir. Só preciso encontrar as forças para continuar tentando.
Não comecei a chorar até que o ônibus tivesse se afastado e eu não
conseguia mais ver minha melhor amiga na calçada da rodoviária. Depois
disso, minha tristeza teve vazão livre.
Haveria apenas uma Paige na minha vida inteira e perdê-la era motivo
para choro.
CAPÍTULO 32
Dane
O PRESENTE...
Minha!
Eu não consegui impedir que a tensão se formasse no meu corpo ao
observar Kenzie tomar o café da manhã que pedíramos ao serviço de
quarto.
Sim, ela era minha. Só não sabia disso ainda.
Caralho! Só de vê-la chupar uma gota de xarope do dedo me fez ter
uma ereção gigante. E eu nem estava tocando nela.
Sim, eu sabia que era ridículo, mas não me importei. A única coisa que
importava, meu único objetivo, era manter Kenzie ao meu lado.
Quando ela fugira de mim na sala de cerâmica, eu ficara aterrorizado,
achando que fora depressa demais e cometera um erro ao lhe oferecer
dinheiro. Eu tinha certeza de que estragara tudo. Considerando a história
dela, não podia culpá-la por não confiar em ninguém. Pensando no que ela
passara, senti minhas entranhas se contraírem. E eu não podia evitar desejar
que tivesse estado ao lado dela antes. Mas eu estava ali naquele momento e
nunca mais a deixaria sozinha e assustada.
Eu não conseguia pensar nela sendo atacada sem sentir uma onda de
fúria. Aqueles filhos da puta quase a tinham matado. E deixaram-na lá para
morrer.
Eu estivera muito perto de perdê-la, de nunca tê-la conhecido.
Pensar em Kenzie morta antes que eu tivesse a chance de tê-la na
minha vida era algo muito assustador.
Às vezes, uma pessoa simplesmente sabe quando algo deve acontecer.
Kenzie era esse tipo de certeza para mim. Eu sabia que deveríamos ter nos
conhecido. Eu não sabia como sabia disso, mas era verdade. Eu sentia.
O problema era que, agora, Kenzie tinha o poder de me destruir
completamente, o que era muito assustador. Mas eu não deixaria que esse
medo me detivesse. Ela precisava de mim tanto quanto eu precisava dela.
Talvez só demorasse um pouco mais para que ela entendesse isso.
Não havia como voltar atrás. No minuto em que eu a tocara, ela passara
a ser toda minha. Para ser justo, eu também era todo dela. Só o que eu
precisava fazer era convencê-la de que ela queria um idiota cheio de
cicatrizes como eu.
— Hoje deveríamos mergulhar com as tartarugas gigantes — informou
ela entre mordidas da pilha enorme de panquecas.
Eu adorava a forma como ela comia. Nada de saladas para Kenzie. Ela
desfrutava da comida quase como se fosse uma experiência religiosa.
— E nós vamos? — perguntei ao pegar o garfo e começar a devorar o
café da manhã no meu prato.
Ela me olhou com a testa franzida. — Você sabe que não sei nadar.
— Vou cuidar de você — prometi. — Podemos colocar um colete
salva-vidas em você para que veja os corais. O que acha?
Eu deveria ter começado a ensiná-la a nadar na ilha. Entretanto, depois
de estragar tudo, não tivemos a oportunidade.
— Não tenho medo de água — disse ela. — Só não sei nadar. Mas eu
gostaria de aprender.
Sim, eu precisava ensiná-la a nadar. Não gostava da ideia de que ela
tivesse problemas na piscina ou na praia da ilha sem as habilidades básicas
para se manter à tona.
Ela pulara na parte rasa da piscina com tanta facilidade que eu supusera
que sabia nadar. Até que ela me dissera que não.
— Vou ensinar a você — respondi. — Você gosta de água, o que é um
bom começo. Depois de algum tempo, vou levá-la para mergulhar comigo.
O rosto dela ficou animado. — Seria incrível.
Fiquei atônito ao ver como era fácil deixá-la feliz. A vida dela fora uma
merda e ela ficava empolgada com coisas que eu fizera a vida inteira. Como
isso podia ser justo? Eu não podia pensar nisso para não enlouquecer.
— Então, quer ir? — perguntou ela.
— Você não?
Ela assentiu. — Quero. Não sei se algum dia voltarei ao Havaí e
adoraria conhecer o máximo possível.
— Temos praias lindas na ilha — relembrei.
— Eu sei. E adoro a ilha. Mas há algo de mágico neste lugar.
Concordei. O algo de mágico era a presença dela ali. Eu gostava de
Maui. Estivera lá muitas vezes para mergulhar. Mas nunca fora tão bom.
— Vou trocar de roupa — disse ela animada.
Ergui a mão para detê-la. — Termine seu café. Temos tempo.
Ela pegou a caneca e ficou sentada, sorrindo para mim ao beber o café.
— Sobre o que aconteceu na noite passada — começou ela em tom
hesitante depois de tomar um pouco de cafeína.
— E nesta manhã? — perguntei.
— Sim, isso também. Eu estava pensando que talvez tenha sido uma
coisa casual entre nós.
Merda. Ela estava nervosa e eu odiava isso. Ela não precisava explicar
o que acontecera. Eu estivera lá com ela. Estava bem consciente de como
fora algo poderoso.
Larguei o garfo e olhei para ela com expressão teimosa. — Não foi
algo casual para mim — disse eu com certeza.
Eu tinha que convencê-la de que tudo o que acontecera fora real para os
dois.
— Mas, se não acontecer de novo, eu entenderei.
Eu me levantei, sentindo uma dor no peito com a ideia de que ela nos
jogasse fora antes mesmo de começarmos. — Eu quero que aconteça de
novo, Kenzie. De novo e de novo. Todos os dias.
Eu conseguiria ser mais claro que isso? Achei que não.
Ela se levantou e aproximou-se de mim. — Não tomo anticoncepcional
— disse ela apressadamente. — Não deveria ter acontecido sem proteção e
fui idiota. Quero dizer, não é a época certa do mês para engravidar, mas
ainda assim foi uma coisa idiota a fazer.
Ela parecia tão desesperada que tive vontade de lhe dizer que não me
importaria se engravidasse. Cuidaria dela e de qualquer criança que eu
colocasse no mundo, mas tive receio de que ela não estivesse pronta para
isso. — Estávamos os dois lá, Kenzie. Eu fui tão responsável quanto você,
talvez até mais.
Em algum momento, eu poderia ter comprado camisinhas. Nunca
deixara de usar antes, especialmente com Britney. Mas nem mesmo pensara
nisso com Kenzie, provavelmente porque já sabia que nunca mais iria
querer ninguém além dela depois de tocá-la.
Ela era para mim. Kenzie era a única mulher que eu amaria. Ela era
tudo para mim. Agora, a única coisa que precisava fazer era convencê-la do
que meu coração e meus instintos diziam o tempo todo.
— Eu sei que nós dois participamos — respondeu ela. — Só não pensei
nas consequências. Não sei o motivo. Normalmente sou muito cuidadosa
com tudo.
— É assim conosco — expliquei. — Acho que nós dois estávamos
envolvidos demais no momento.
Pelo menos, eu sabia que estivera. Ora, eu nem conseguira respirar
direito quando ela me tocara, muito menos pensar.
— Você nunca fez isso antes? — questionou ela.
Peguei as mãos dela e apertei-as. — Nunca. E deveria ter pensado no
fato de que isso a deixaria preocupada. Desculpe. Mas saiba que, se
acontecer, você não estará sozinha.
Ora, se ela ficasse grávida, eu nunca mais conseguiria deixá-la longe
das minhas vistas. Não que conseguisse agora, mas seria muito pior.
— Mas podemos comprar alguma proteção — sugeriu ela sem fôlego.
— Nós vamos comprar — corrigi. — Não vou deixar que você me
chute para fora da sua cama.
Ela se jogou nos meus braços e segurei-a pela cintura.
— Eu nunca chutaria você — jurou ela. — Você teria que me deixar.
— Então acho que estaremos presos um ao outro para sempre —
brinquei, sentindo o coração muito mais leve ao saber que ela não iria
embora.
Eu estava com tanto medo quanto ela, mas aguentaria e, desta vez,
lutaria pelo que queria. Não me esconderia e certamente nunca a deixaria ir
embora.
Ela passou os braços em volta do meu pescoço e pressionou as curvas
quentes contra o meu corpo. E minha nossa, foi uma sensação incrível.
— Não me sinto presa — murmurou ela. — Eu me sinto com sorte.
— Você acha que tem sorte de estar com um idiota? — brinquei.
Ela suspirou e relaxou contra mim. Meu coração começou a bater com
mais força. Kenzie começava a confiar em mim e eu me sentia como se
tivesse algo muito frágil e lindo nas mãos. Só o que precisava fazer era lidar
com isso de forma cuidadosa.
— Você não é um idiota. E, acredite, acho que conheci todos os que
existem nos últimos anos.
Odiei o fato de que ela algum dia tivesse estado à mercê de algum
deles. Mas havia alguns homens que tratavam os inocentes como presas.
Era o que os deixava excitados.
Passei a mão pelos cabelos sedosos dela, tentando não pensar nas
situações difíceis que Kenzie sofrera no passado.
Se pensasse nisso por muito tempo, acabaria com um humor homicida.
— Você está segura agora. Sabe disso, certo?
Por favor, diga que sim.
— Eu me sinto mais segura no que jamais senti na vida inteira —
respondeu ela. — Mas isso nem sempre é confortável, Dane. É difícil
abaixar a guarda.
— Leve o tempo que precisar — disse eu. — Nós temos muito tempo.
Eu não seria impaciente.
Kenzie tinha o direito de ser cuidadosa, mas eu esperava que, em certo
momento, ela derrubasse todas as barreiras comigo.
Algumas vezes, era mais confortável ser vulnerável com alguém tão
assustado como eu.
CAPÍTULO 33
Kenzie
ALGUNS MESES ANTES, NOS FERIADOS DE FIM DE
ANO...
—Você está despedida, Mackenzie. Vá pegar as coisas.
Eu estava sentada no escritório do meu chefe, Keith Maxfield,
preparando-me para repassar a agenda matinal de possíveis compradores
que viriam naquele dia.
Não era algo que eu esperara que ele dissesse, especialmente depois
que tivera que chutá-lo entre as pernas no dia anterior por tentar me atacar.
Meu sangue ficou gelado ao pensar em ficar sem emprego nos feriados.
Especialmente meu trabalho principal. Nova Iorque era tão cara que eu
estaria quebrada em uma semana. E ninguém estaria contratando tão perto
do Natal.
— Por quê? — perguntei. — É por causa de ontem?
Eu teria ido embora se pudesse. Keith era um escroto e eu estivera
lutando contra os avanços dele desde que começara a trabalhar lá. Na
verdade, talvez fosse por isso que eu conseguira o emprego.
No dia anterior, ele fora longe demais ao me agarrar em lugares que
não viam a luz do dia com frequência.
Aquilo doera e eu ficara furiosa. Incapaz de detê-lo sem lutar, eu
recorrera à única forma que sabia de tirá-lo de cima de mim.
— É claro que não — respondeu ele em um tom esnobe. — Eu a
perdoo por perder o controle.
Eu não era idiota. Aquela era a forma de ele me dizer que ninguém
acreditaria na minha história. Keith era bem conhecido no setor artístico e
eu era uma ninguém, uma mulher que ele podia agarrar e sair impune.
— Não há ninguém aqui, Keith. E nós dois sabemos a verdade. Você
está puto porque esmaguei seus testículos por não conseguir manter as mãos
longe de mim.
— Ora, Mackenzie, sabemos que isso não é verdade — disse ele em
um tom irritantemente calmo.
— Vá se foder, Keith — disse eu, com o corpo trêmulo de raiva.
Levantei-me e larguei a agenda sobre a mesa dele.
— Sem ressentimentos, Mackenzie? — perguntou ele.
Quando cheguei à porta, virei-me e lancei a ele um olhar furioso. — Há
muitos ressentimentos, seu imbecil. Vou perder o emprego porque você não
conseguiu o que queria. Eu entendo.
Eu passara por aquela rotina inúmeras vezes na vida, mas o fato de
acontecer de novo naquele momento era um pesadelo.
— Mackenzie, você sabe que passou metade do dia falando com a sua
mãe no telefone. Estou dispensando você porque não é uma funcionária
produtiva.
Abri a porta ao dizer: — Minha mãe está morta, seu idiota.
Bati a porta atrás de mim. O barulho ecoou nos corredores enquanto eu
andava até minha mesa.
Eu nunca falava ao telefone. A única pessoa com quem eu falara ao
telefone fora Paige e raramente nos falávamos, pois ela estava ocupada
começando a carreira. Mas, quando eu falava com minha melhor amiga,
nunca era durante o expediente.
Respirei fundo e soltei o ar devagar enquanto vasculhava a mesa,
procurando o que queria antes de sair porta afora.
Vou conseguir. Só preciso encontrar as forças para continuar tentando.
Saí do escritório para o ar gelado de Nova Iorque. Estava nevando e o
Natal seria branco. Não que isso significasse muito para mim.
Eu não ligava para os feriados. Nunca ligara. Só o que queria era
chegar ao fim deles com um teto sobre a cabeça.
CAPÍTULO 34
Dane
ALGUNS MESES ANTES, NOS FERIADOS DE FIM DE
ANO...
—Como assim, você não vem? — gritou Sebastian no telefone.
Segurei o telefone longe do ouvido por alguns segundos antes de falar:
— É um conceito relativamente simples — expliquei pacientemente. —
Não vou entrar no meu jatinho e, portanto, vocês não me encontrarão nos
feriados.
Eu sabia que Sebastian estava noivo e a última coisa que queria era
arruinar a felicidade recém-encontrada dele. Eu ficaria na ilha naquele ano e
perderia o desconforto de estar perto de dois casais felizes.
Eu não estava com um humor bom e minha arte estava sofrendo.
Talvez o problema fossem os feriados, mas eu sabia sem dúvida alguma
que estragaria a felicidade natalina de qualquer pessoa.
— Você é um idiota, Dane — resmungou Sebastian. — Paige quer
muito conhecer você.
— Você pretende ficar casado com ela por algum tempo, certo?
— Para sempre, caralho!
— Então eu a conhecerei quando nos encontrarmos de novo.
— Quer mesmo ficar nessa ilha completamente sozinho durante as
festas de fim de ano? — questionou ele.
Não. Não, na verdade, não, mas estava começando a me acostumar a
ficar sozinho. Era preferível a sentir que estava arruinando as festas de
alguém. Eu não ligava para as festas de fim de ano. Deixara de ligar desde
que perdera meu pai. — Sim — respondi por entre os dentes.
Eu odiava dizer não aos meus irmãos, mas, naquele ano, era preciso.
Eu estava seriamente deprimido. Eles me agradeceriam se soubessem o
quanto a tristeza parecia me envolver como uma neblina densa.
— O que posso fazer para que você venha para casa? — perguntou
Sebastian.
— Eu estou em casa. Denver nunca foi a minha casa.
— Você ficará bem? — perguntou Sebastian com voz baixa.
— Sim, vou. — A última coisa que eu queria era que eles se
preocupassem comigo.
Estou bem sozinho. Vou me acostumar.
Inventei uma desculpa e desliguei a ligação com Sebastian, sabendo
que meus feriados certamente não seriam alegres.
CAPÍTULO 35
Kenzie
O PRESENTE...
—Hoje foi incrível — disse eu a Dane quando ele me entregou
uma taça de vinho branco.
Parecia a bebida adequada, pois estávamos na banheira de água quente
no banheiro principal da suíte de Dane. Provavelmente seria possível fazer
uma festa na Jacuzzi, pois ela era imensa. Mas eu estava contente por tê-lo
só para mim, especialmente por estarmos nus.
Deixar que os jatos quentes aliviassem a tensão parecia algo muito
decadente. Eu estava fazendo algo apenas para relaxar.
Era algo com o qual eu não estava acostumada, mas meu corpo pareceu
apreciar.
Dane entrou na banheira com algo que provavelmente era mais forte do
que o meu vinho. — Gostou das tartarugas? — perguntou ele.
Víramos tantas variedades de peixes que fiquei confusa, mas nunca me
esqueceria da maravilha de uma daquelas tartarugas gigantes passando à
frente do meu rosto.
— Fiquei chocada — admiti. — Mas de uma forma boa. É a coisa mais
incrível que já fiz.
— Você não teve muito — comentou ele.
Dei de ombros. — O que me faz apreciar muito as coisas divertidas que
faço aqui.
— Está tentando dizer que eu não dou valor? — brincou ele.
Olhei para ele, atônita com o sorriso malicioso dele. — Não —
observei. — Mas nada é realmente novo para você, que já fez de tudo.
— Não mais. Posso ver tudo pelos seus olhos.
— Ai, meu Deus! — exclamei surpresa. — Você tem a covinha mais
linda quando sorri desse jeito. Eu nunca tinha percebido.
Ele ergueu a mão e passou-a sobre o rosto. — Eu odeio essa covinha —
disse ele.
Cheguei mais perto dele e toquei o rosto dele. — Eu adoro — disse eu.
— Deixa você mais amigável.
— Ok. Então talvez eu também goste — respondeu ele com um sorriso
mais largo.
— Você deveria gostar dela. É muito fofa.
Fiquei surpresa por nunca ter notado aquela covinha adorável no rosto
dele, mas Dane nunca abrira um sorriso tão grande antes. Eu queria vê-la
todos os dias da minha vida dali em diante.
— Costumavam implicar comigo na escola. Meus amigos diziam que
eu era bonito.
Eu tinha dificuldade em imaginar Dane como bonito, mas os amigos
dele provavelmente adoravam atormentá-lo por causa da covinha. —
Aposto como só estavam com inveja. É quase de tirar o fôlego quando você
sorri.
— Não é bem assim que quero deixar você sem fôlego — resmungou
ele.
Coloquei a taça ao lado da banheira e cheguei mais perto dele. Dane
passou o braço em volta da minha cintura e puxou-me para o colo.
Não havia nada que eu não amasse quando estava perto dele. Dane
estivera ao meu lado o dia inteiro, especialmente dentro d’água. Como eu
não sabia nadar, ele não saíra do meu lado. Eu aprendia depressa, pois
adorava a água, mas, apesar de estar usando um colete salva-vidas, ele
manteve uma mão protetora em mim o tempo inteiro.
Virei-me para ficar de frente para ele. Em seguida, passei os braços em
volta dele. — Obrigada por tudo isso.
— Pelo quê?
— Por me trazer para o Havaí para que eu pudesse ver minha melhor
amiga se casar. Por me levar aonde eu queria ir. Por me dar de presente os
vestidos incríveis e as joias mais lindas que já tive. — Eu sabia que ele
odiava estar em público, mas parecia mais confortável com isso a cada dia.
Ele deu de ombros. — Não é nenhum grande sacrifício.
— É muito importante para mim — retruquei em tom suave. — Você
sabia que nunca estive em uma banheira de água quente?
Ele sorriu. — E qual é o veredito?
— É fantástico. Se eu soubesse como era bom, talvez tivesse usado a
banheira ao lado da piscina lá em casa.
Casa? A ilha estava transformando-se em casa para mim?
— Desculpe — murmurei. — É a sua casa.
Dane colocou o drinque ao lado do meu e passou os braços em volta da
minha cintura. — É a sua casa. É onde você mora. Quero que se sinta em
casa lá.
As lágrimas encheram meus olhos quando olhei para a expressão dele.
Cada palavra que Dane dissera fora verdadeira. As palavras tão atenciosas
arrasaram minha alma.
— Eu nunca tive um lar de verdade — comentei chorosa. — Nunca tive
um lugar meu.
Cada momento solitário do meu passado era arrasador. Eu nunca
pensara no assunto até falar nisso em voltar alta. Mas parecia que eu sempre
esperara para descobrir exatamente onde me sentiria em casa. Aquilo nunca
acontecera... até agora.
Sentir-me em casa não tinha a ver com a ilha nem com a casa
propriamente dita. Tinha a ver com Dane. Eu me sentia em casa porque
meu lugar era ao lado dele.
— E quando você morou com Paige? — perguntou ele com voz rouca.
— Foi bom, mas quase não nos víamos e eu sabia que terminaria. Eu
sabia que ela iria embora no momento em que se formasse. Ela tinha o
futuro todo planejado. E ele não incluía um apartamento caindo aos pedaços
em Cambridge.
— O seu lugar é comigo — disse Dane. — Sempre foi. Acho que eu
sempre esperei você, Kenzie.
Ele correu as mãos para cima e para baixo pela pele nua das minhas
costas. Deitei a cabeça no ombro dele. — Eu também me sinto assim —
confessei. — É loucura?
— Possivelmente — brincou ele. — Mas acho que nossas neuroses se
complementam.
Eu ri, com o coração tão leve que parecia que ele flutuaria. — Acho
que seremos um pouco loucos juntos.
— Sempre juntos — prometeu ele.
Pensar em uma vida inteira com Dane era algo que eu não podia
contemplar completamente. Precisava ser realista. Aquilo não duraria para
sempre, mas eu desfrutaria de todos os momentos que tivesse.
Nós não nos conhecíamos havia muito tempo. Eu me apaixonara
completamente por ele, mas não podia garantir que ele retribuiria aquele
compromisso emocional. Mas era um risco que eu estava pronta a correr.
Eu preferia dar tudo a ele do que saber que não entrara naquele
relacionamento com meu coração inteiro. Minha vida era tentar e eu daria
tudo de mim naquela coisa com Dane. Se não desse certo, eu ficaria
arrasada. Mas, se não tivesse deixado de lado as minhas inseguranças,
nunca teria sabido como poderia ser.
— O que aconteceu entre você e Britney? — perguntei. Talvez não
fosse da minha conta, mas, como estávamos dividindo segredos, eu queria
saber.
— Paige contou a você — adivinhou ele.
— Contou. Mas ela não sabe toda a história. Não sabe como aconteceu
nem o que você queria.
— Foi um erro — disse ele. — Eu sentia falta de companhia humana e
ela satisfez uma necessidade.
— Sexo? — perguntei.
— Sim?
— E ajudou?
— Na verdade, não. Só me fez perceber que não era qualquer pessoa
que me ajudaria a afastar o vazio. Só me senti mais sozinho.
Eu não conseguia imaginar como fora para ele se isolar. — O
isolamento social não é bom para você. Li artigos que dizem que é
perigoso.
— Eu sei. Acho que eu estava em um declive escorregadio. Quando
não fui para casa para as festas de fim do ano, percebi que estava com
problemas. Mas não sabia com quem falar e não queria que meus irmãos
ficassem preocupados que eu estivesse perdendo o juízo.
— Acha que eles não queriam você?
— Parte disso era eu. Sei que meus irmãos queriam que eu fosse
celebrar com eles. Porém, eu estava muito fundo na minha própria concha.
Não queria arruinar o Natal de ninguém.
— Dane, isso não é verdade. Eles amam você.
— Acho que eu não sabia direito mais o que era real. Tenho Theo e
Emilee, mas raramente os vejo. E nem tinha mais Picasso para conversar.
Acho que perdê-lo foi o começo da descendente.
— Picasso?
— Meu cachorro. Ele era de uma raça híbrida que vive em algumas
partes do Caribe. Foi atropelado por um carro quando eu fui para casa
passar os feriados de fim de ano. Ele não aguentou.
— Como ele era?
— Às vezes, ele era muito chato, mas era o meu chato. Era inteligente e
ficava me escutando sem interromper — disse ele secamente. — Eu o
peguei quando mudei para a ilha. Ele ficou comigo durante vários anos até
ser atropelado.
Eu sabia que aquela morte devia ter afetado Dane profundamente. O
cachorro era tudo o que ele tinha. Eu nunca tivera um animal de estimação,
mas perder algo ou alguém que ele amava quando estava tão sozinho devia
ter sido um golpe duro.
— Já pensou em adotar outro cachorro?
— Não. Ele era único.
— Isso não significa que você não consiga encontrar outro que seja
igualmente único. Nunca o substituiria, mas você pode ter outro cachorro
sem tentar substituí-lo.
— Eu não aceitei a ideia antes, mas talvez esteja pronto para adotar
outro cachorro — disse ele pensativo.
— Acho que seria bacana dar um lar a outro cachorro.
— Então, desta vez, você pode escolher — disse ele com um pouco
mais de entusiasmo.
— Eu nunca tive um animal de estimação — confessei. — Gosto de
cachorros, mas nunca pude ter um. Não tinha dinheiro para isso.
— Então procuraremos um cachorro quando voltarmos.
Eu estava preocupada com Dane e perguntei: — Você se sente melhor
saindo em público de novo? Acho que passou tempo suficiente em
confinamento solitário.
— Não posso dizer que estou totalmente confortável com isso —
admitiu ele. — Mas, sim, eu sabia que isso precisaria acontecer antes que
enlouquecesse sozinho. Só não sabia como fazer isso sem ajuda. Conhecer
você me mudou, Kenzie. Sinto-me melhor sobre mim mesmo.
Torci para que ele tivesse razão. Eu não queria forçá-lo a se juntar
novamente à sociedade, mas queria vê-lo feliz novamente. Ele estivera
deprimido ou à beira de uma depressão. Ele passara de um rapaz normal e
ativo para o isolamento completo. Deviam haver efeitos psicológicos, mas
ele parecia estar ajustando-se bem a estar em público de novo. Demoraria
algum tempo, mas jurei para mim mesma que o veria feliz e capaz de ir
aonde quisesse.
Eu sempre fora solitária, mas tivera contato social no trabalho, bem
como companheiras de apartamento e um pequeno círculo de amigos
casuais com quem conversar.
Dane não tivera ninguém, exceto o contato ocasional com Theo e
Emilee.
— Acho que você precisa passar mais tempo com os seus irmãos. Eles
amam você e sei que estiveram muito preocupados.
— Estou aqui agora — resmungou ele.
— Eu sei. Só quero que você seja feliz.
— Eu estou feliz, Kenzie — disse ele com voz rouca ao apertar os
braços em volta da minha cintura. — Mas eu entendo. Em algum momento,
acho que o isolamento teria me enlouquecido.
— Estou feliz por estarmos aqui — disse eu ao passar as pernas em
volta da cintura dele.
Dane parecia estar saindo da concha em público e estar na companhia
de pessoas em quem confiava era a melhor coisa para ele naquele momento.
— Eu também — disse ele, movendo as mãos para o meu traseiro.
Olhei para os belos olhos castanhos dele e perdi-me neles. Vi tantas
sombras e desejei saber tudo pelo que ele passara para deixá-lo tão
desconfiado.
Uma onda de calor invadiu meu corpo ao manter o olhar dele. Meu
corpo precisava dele e não aceitaria nada menos que isso. — Trepe comigo,
Dane — disse eu com voz emocionada.
— É o que pretendo fazer — respondeu ele. Em seguida, ele segurou
meus cabelos e puxou minha boca para a dele.
CAPÍTULO 36
Kenzie

Percebi que estava encrencada no momento em que a boca de


Dane começou a devorar a minha.
Eu me deixara mergulhar demais em Dane.
Mas era incapaz de resistir à atração.
Com ele, era tudo ou nada. As emoções fluíam de forma livre demais
para que fosse de outro jeito.
Pela primeira vez na vida, eu precisava me arriscar. Eu gostava de Dane
demais para não arriscar viver algo maravilhoso.
Gemi contra a boca dele quando Dane me ajeitou mais
confortavelmente em seu colo. Tudo sobre ele e a situação era erótico. A
água quente lambia minha pele e Dane era tão forte e primitivo que
estremeci quando ele finalmente liberou minha boca, passando a mão para
cima e para baixo nas minhas costas.
Cada toque era intensificado, cada emoção era tão forte que eu
desmoronava sob o peso de sentir tantas coisas ao mesmo tempo.
O pênis rígido pressionava meu sexo para entrar e eu não podia esperar.
Dane devia ter sentido minha impaciência, ou sentia a mesma urgência, pois
ergueu-se e levantou meu corpo para que ficássemos sentados na beirada da
banheira.
Dane estendeu a mão e pegou uma camisinha, que supus que ele
deixara lá antes de entrar na banheira comigo.
— Segure-se em mim — disse ele.
Passei os braços em volta do corpo dele enquanto Dane colocava a
camisinha.
Depois, sem aviso, ele subitamente ajustava meu corpo para recebê-lo.
— Ai, meu Deus, isso — gemi contra o ombro dele.
Eu precisava daquilo.
Eu precisava dele.
Ser parte de Dane era a cura perfeita para cada segundo de solidão que
eu vivera, coisa que acontecera comigo durante a maior parte da minha
vida.
— Pegue o que quiser, Kenzie. — A voz dele ressoou perto do meu
ouvido. — Sou seu.
Eu queria muito que aquilo fosse verdade, mas desfrutaria do momento,
mergulharia no prazer e na segurança que sentia quando estava com ele.
Dane me ajudou, com os dedos enterrados nas minhas nádegas ao guiar
meus quadris para se mover com ele.
Recuei ligeiramente para que pudesse ver os belos olhos cor de
chocolate dele. No momento em que nossos olhares se encontraram, tudo
ficou mais intenso. Coloquei as mãos nos ombros dele ao admitir: — Eu só
quero... você.
— Você me tem — murmurou ele, com os olhos parecendo fogo
líquido enquanto nossos corpos se moviam juntos. — Você sempre me terá.
Joguei a cabeça para trás, pois o prazer do momento era intenso
demais.
— Não — rosnou Dane. — Olhe para mim, Kenzie.
Balancei a cabeça negativamente, mas Dane colocou a mão na minha
nuca e forçou-me a levantar o rosto até que estivesse olhando para ele de
novo.
— Olhe para mim, Kenzie — disse ele com voz gutural.
Meu coração ficou apertado quando me perdi no olhar dele. Dane
parecia atormentado e vulnerável naquele momento. Só o que eu queria era
confortá-lo, fazê-lo entender que a última coisa que queria era magoá-lo.
Mantive meu olhar preso ao dele, sabendo que ele provavelmente
conseguia ver tudo nos meus olhos.
Minha alegria.
Meu medo.
Minhas inseguranças.
E, talvez, o amor intenso que eu sentia por ele.
— Estou olhando — respondi finalmente com um gemido faminto.
Meus quadris subiam e desciam enquanto ele me penetrava repetidamente.
— Dane, preciso gozar — gemi. — É demais.
A pressão intensa nas minhas entranhas começava a se espalhar.
A mão dele desceu para onde nossos corpos estavam unidos e, com o
polegar, começou a fazer círculos no meu clitóris.
Fortes.
Firmes.
E tão incrivelmente estimulantes que senti o orgasmo aproximando-se
como uma tempestade.
Apertei as pernas em volta da cintura dele, movendo-me mais depressa
e com mais força contra ele, aceitando o pênis em movimentos mais curtos,
mais fortes e mais furiosos.
— Kenzie — gemeu Dane. Ele se aproximava do próprio orgasmo.
Eu gozei, mas não consegui parar de olhar para o rosto dele. Ele era
lindo para mim, com o prazer totalmente exposto.
Os olhos dele ficaram mais escuros e os músculos de seu rosto ficaram
tensos.
— Isso — gritei. — Goze comigo.
— Sem a menor dúvida — disse ele, com o olhar ainda preso ao meu.
Enterrei as unhas nos ombros dele, mas Dane pareceu gostar quando
meu orgasmo violento incentivou o clímax dele.
Dane caiu para trás e fui com ele. Meu corpo ficou sobre o dele
enquanto tentávamos recuperar o fôlego.
Senti arrepios na pele e estremeci, mas sabia que minha reação não
tinha nada a ver com estar com frio. O banheiro estava quente e a água da
banheira esquentava o ambiente ainda mais.
— Você está com frio — disse Dane, sentando-se rapidamente. Ele
tirou a camisinha e puxou-me de volta para a água quente.
— Não estou com frio — protestei, apesar de não me importar de voltar
para a banheira.
— Você está tremendo — argumentou ele.
— Uma reação adequada depois do que acabou de acontecer —
brinquei, pegando a taça de vinho que estava ao lado da banheira.
Aproximei-me dele, aconchegando-me ao seu corpo e repousando a
cabeça em seu ombro. Tomei um gole de vinho, torcendo para que a bebida
acalmasse meu corpo.
Dane pegou o próprio copo e bebeu-o em um gole grande, recolocando-
o onde estivera.
Fiquei grata por ele ter se lembrado da proteção. Mais cedo, durante
nossa saída, paramos em uma clínica para que um implante fosse colocado
no meu braço. Ele duraria anos, mas, como eu estava no meio do meu ciclo,
tinha que usar outra proteção, Quando minha menstruação iniciasse, o que
deveria acontecer em breve, eu estaria segura.
— Fico feliz por isso deixá-la tão abalada quanto eu fico — respondeu
ele finalmente.
Fiz um som de desprezo. — Você quer que eu fique jogada no chão?
— Não. Quero que sinta tanto quanto eu — confessou ele. — Seria
horrível estar sozinho nessa.
— Você não está sozinho — disse eu.
— Nem você, Kenzie. Nunca mais — declarou ele.
Nada de bom durara para mim, mas fiquei reconfortada com a
declaração dele. — Algum dia vamos sair desta banheira? — perguntei em
tom de brincadeira. — Não que eu não goste, mas acho que estou
começando a ficar enrugada.
Dane se levantou e admirei o corpo forte. Ele disse: — Então vamos
sair. Estou pronto para levar você para a cama.
Ele estendeu a mão e eu a segurei. Minhas pernas ainda estavam fracas
e fiquei grata pela ajuda para sair da banheira.
— Tenho a minha cama — disse eu enquanto esperava pacientemente
que ele me secasse. O toque dele era gentil e quase me senti... cuidada. Era
uma sensação nova, pois nunca ninguém tivera aquele papel na minha vida.
— Você vai dormir comigo — disse ele.
Peguei uma toalha da prateleira e comecei a secá-lo quando ele
terminou de me secar.
No momento em que terminei, Dane me pegou no colo e carregou-me
para o quarto dele.
Não que eu quisesse, mas não conseguiria escapar de Dane naquela
noite.
Por sorte, era algo que me agradaria intensamente.
CAPÍTULO 37
Kenzie

—Você está linda — disse eu a Paige dois dias depois na recepção


do casamento dela.
O dia inteiro fora mágico, do café da manhã à cerimônia de casamento
que ocorrera à tarde.
— Você também — disse Paige com sinceridade.
Paige comprara os vestidos para mim e para a cunhada dela, Eva. Nós
duas estávamos ao lado dela, à frente dos irmãos Walker.
Eu tinha que admitir que ela tinha um gosto impecável. Adorei o
vestido preto formal que ela escolhera para Eva e para mim. A cerimônia
fora pequena, mas cheia de classe. Ela e Sebastian disseram os votos em um
pátio largo que fora transformado no que parecia um jardim maravilhoso à
beira do oceano. O clima cooperara de forma espetacular e não houvera
motivos para usarmos o plano reserva de usar um ambiente interno.
A recepção ocorria do lado de fora, em outra atmosfera de conto de
fadas à beira do mar. Tendas brancas tinham sido preparadas para oferecer
bebidas, comida e lugares para sentar. Mas a maior parte dos convidados
estava do lado de fora, pois era uma bela noite.
— Não consigo acreditar que você seja uma mulher casada — disse eu
a ela. — Mas esse vestido de noiva confirma que é. Sem falar no fato de
que vi o que aconteceu algumas horas atrás.
Paige estava incrível em um vestido branco longo tradicional. A única
coisa que rompia com a tradição era que havia muito pouco tecido nas
costas, além de ser um vestido tomara-que-caia. Lembrei-me do momento
em que Sebastian a vira andando na direção dele. O rosto dele se iluminara
como uma árvore de Natal e seu olhar não se afastara dela daquele
momento até o fim da cerimônia. Ele estava apaixonado por ela. Eu tinha
certeza disso e foi algo que fez meu coração cantar.
— É uma sensação incrível — admitiu ela ao tomar um gole da taça de
champanhe. — Mas ainda parece surreal. Como eu tive tanta sorte?
— Você merece — disse eu em tom sério. A vida de Paige não fora
fácil e ela precisava de toda a felicidade que conseguisse.
— Todos merecem amor — respondeu ela. — Mas acho que tive muita
sorte em encontrar Sebastian. Ele me ama tanto quanto eu o amo. E não
tenta me mudar. Sim, ele é protetor, mas de uma forma boa. Só fica
impossível às vezes.
Observei o olhar dela passear pelos convidados até encontrarem o
marido, que conversava com os irmãos no outro lado do local. Foi evidente
o instante em que ela encontrou Sebastian. O rosto dela ficou mais suave e
seus olhos brilharam com adoração.
— Somente às vezes? — brinquei.
— Os homens da família Walker estão acostumados a conseguir o que
querem — disse ela com irritação fingida. — Dane também é assim?
Parei para pensar na pergunta dela por um momento antes de
responder: — Sim. Às vezes. Ele provavelmente é um dos homens mais
simpáticos que já conheci, mas tem seus momentos de teimosia.
Paige revirou os olhos. — Acho que é um pré-requisito para ser um
Walker.
Eu ri, quase engasgando com o champanhe. — Talvez — comentei
quando me recuperei.
— Como estão as coisas com Dane? — perguntou ela curiosa.
— Boas — respondi. — Algumas vezes, talvez boas demais. É quase
assustador.
Paige ergueu a sobrancelha. — O que quer dizer?
— Quero dizer que acho que estou me apaixonando por ele —
confessei em tom infeliz. — Ou talvez já esteja apaixonada. Dane é doce
demais. Atencioso demais. Gostoso demais. Ele é um pouco demais em
relação a tudo. Ele me entende, o que acho aterrorizante.
Paige estendeu a mão, colocando-a de forma reconfortante no meu
braço. — Você está assustada. Por quê?
Eu a encarei. — Você sabe o motivo. Nada de bom dura para mim.
— Kenzie, não há nada de errado com encontrar alguém para amar.
Acho que você e Dane merecem. E sei que ele gosta de você. É óbvio —
disse ela ao deixar a mão cair.
— Estou com medo — confessei com um suspiro.
— Não a culpo — respondeu Paige em tom suave. — Nada de bom
aconteceu com você, mas isso não significa que não possa ou não vá
acontecer. Não deixe que o seu passado determine o presente. Fiz isso com
Sebastian e isso quase nos destruiu. Se Dane ama você, deixe-o fazer isso.
— Não sei se tenho muita opção no momento. Eu o amo — disse eu.
— Mas é difícil confiar? — perguntou ela.
— Para mim, sim. Não é nada que ele tenha feito. É como você disse...
meu passado.
— Eu entendo — disse ela. — Talvez, se você der um pouco de tempo,
ele prove que é confiável.
— Ele não deveria ter que se provar para mim, Paige — respondi em
tom triste. — Ele não é nada além de gentil. Talvez seja teimoso e mandão
às vezes, mas nunca de forma abusiva. É mais porque ele se preocupa
comigo. Não estou acostumada com isso.
Paige sorriu. — Acredite, é fácil se acostumar.
Sorri de volta. — Eu sei. É muito viciante.
— Vocês são bons um para o outro — determinou Paige. — Deixe as
coisas acontecerem.
Assenti. — Eu já tinha decidido fazer isso. Quero viver a vida, não
continuar fugindo dela. Dane vale eu tentar ao máximo deixar os demônios
no passado.
— Eu sei que não será fácil, mas adoraria ver você feliz — disse Paige
baixinho.
— Eu estou feliz — respondi. — Mas, para mim, isso também é
assustador.
— Porque não é algo com que esteja acostumada, e odeio isso —
retrucou Paige. — A vida foi um pesadelo para você e nada foi culpa sua.
Dei de ombros. — Destino.
— Azar até o momento — corrigiu Paige. — Você ainda não encontrou
o seu destino. Mas vejo um cara grande lá adiante observando você como se
estivesse pronto para mudar o seu destino.
Meus olhos foram de Paige para Dane e fiquei assustada com a
intensidade do olhar dele. Ele me observava do outro lado do pátio. —
Odeio quando ele faz isso — disse eu em um sussurro.
— Por quê?
— Porque me dá vontade de ficar perto dele. É como um farol me
chamando para ir para casa.
Paige riu. — Vamos. Preciso encontrar meu noivo também.
Assenti quando ela começou abrir caminho pela multidão, comigo logo
atrás.
Ela parou ao lado de Sebastian e Dane passou o braço em volta da
minha cintura, puxando-me para perto de si de forma possessiva. — Senti
sua falta — disse ele perto do meu ouvido.
— Eu estava logo ali, do outro lado — brinquei.
— Não importa — disse ele com os olhos no meu rosto. — Ainda
assim, senti sua falta.
Corei, sentindo a pele quente enquanto ele continuava a me encarar. —
Também senti sua falta — admiti.
Eu não estava acostumada com aquele tipo de atenção masculina e
recebê-la de um homem como Dane me deixava muito excitada.
Quando estávamos sozinhos, eu me sentia confortável. Mas, quando
havia outras pessoas, eu me sentia vulnerável. Demonstrações públicas de
afeto eram esquisitas porque eu não fazia ideia de como agir.
Em um instante, o olhar dele capturou o meu. Demorei apenas alguns
segundos para esquecer que havia outras pessoas por perto.
— Beije-me — exigiu ele com voz rouca. — Sei que o casamento e a
recepção a deixam nervosa, mas...
Ele não conseguiu dizer mais nenhuma palavra. Passei os braços em
volta de seu pescoço e puxei aquela boca maravilhosa até a minha.
Eu percebi o desconforto dele e só queria fazê-lo esquecer a multidão.
Ele assumiu o controle de forma entusiasmada, beijando-me com tanta
intensidade que quase não acreditei.
Quando ele finalmente ergueu a cabeça, sorriu para mim. — Isso foi
inesperado — disse ele.
— Você queria — relembrei.
— Ah, eu não disse que não queria. Eu queria. Muito. Mas sei que a
multidão rica a deixa desconfortável.
Balancei a cabeça negativamente. — Não mais — corrigi. — Não com
você aqui.
Dane me fazia sentir normal, o que eu adorava. Não estava acostumada
com festas sofisticadas nem com tentar conversar casualmente com
estranhos. Mas Dane fazia com que fosse fácil.
— Ótimo — disse ele. — Eu já disse a você que está linda?
— Só umas cem vezes — respondi com um sorriso ainda mais largo.
— Provavelmente tantas vezes quanto eu disse a você como está
maravilhoso nesse terno.
Tive certeza de que ele corou um pouco quando recuei e observei-o.
Dane estava maravilhoso com aquela roupa formal. O terno preto era
perfeito e o casaco envolvia adoravelmente os ombros largos e o corpo em
boa forma. Os cabelos estavam rebeldes como sempre, mas eu os aparara
um pouco mais cedo e ele conseguira domá-los um pouco.
Meu coração bateu mais forte ao avaliar Dane de cima abaixo, com
cada detalhe gravado na minha mente. Em circunstâncias normais, ele já era
lindo. Mas, de terno, era de tirar o fôlego.
— Acho que vocês dois precisam encontrar um quarto — disse
Sebastian em tom brincalhão.
— Já temos um — resmungou Dane.
— Então talvez precisem voltar para ele — respondeu Sebastian. —
Estão fazendo com que eu pareça relapso. Era eu quem devia estar babando
pela minha noiva.
— Você já está — disse Trace ao colocar o braço em volta de Eva. —
Acho que seria melhor se você e a noiva fossem para o quarto assim que
possível.
Reprimi um sorriso. Eu nunca vira um noivo tão atencioso e amoroso
como Sebastian. Ele colocava no chinelo qualquer outro recém-casado.
— Não posso — reclamou Sebastian. — Temos que cortar o bolo.
— Então vá logo — sugeriu Trace. — Estou de olho naquele bolo
desde que chegamos.
Eu vira o bolo ao chegar e ele era extraordinário. Tinha quatro
camadas, decoradas com uma variedade de flores delicadas, todas
comestíveis.
— Eu também estou com vontade de comer o bolo — disse Paige. —
Eu e Sebastian experimentamos tantos bolos que fico surpresa por termos
reconhecido o que queríamos.
— Eles estavam começando a ter todos o mesmo gosto — disse
Sebastian secamente.
Paige o cutucou de leve na barriga. — Eles não tinham o mesmo gosto.
E o nosso é perfeito.
— Tudo hoje está perfeito — disse Sebastian baixinho, mas alto o
suficiente para que eu o ouvisse. — Agora, você é minha.
Paige puxou a cabeça dele para baixo para um beijo breve e, em
seguida, pegou sua mão. — Para mim também está tudo perfeito. Vamos
cortar o bolo.
Chorei só um pouco quando os noivos foram cortar o bolo imenso
juntos, os dois com tanta certeza de um amor que duraria para sempre.
Minha melhor amiga seria amada pelo resto da vida. Era algo pelo qual
valia a pena chorar.
CAPÍTULO 38
Kenzie

Olhei para a lua cheia maravilhosa, com os dedos enterrados na


areia e ouvindo os sons pacíficos das ondas batendo na praia.
Suspirei, um som emocionado que parecia ter sido emitido pela minha
alma. — É tão lindo aqui — disse eu a Dane.
Tínhamos fugido da recepção por alguns minutos para dar um passeio
na praia. Eu tirara os sapatos de salto alto e deixara-os perto das escadas
que levavam à área da recepção.
— Quer ficar aqui por algum tempo? — perguntou Dane.
— Não. A não ser que você queira. Estou com saudades da ilha e temos
que encontrar um cachorro.
Eu sabia que a última coisa que Dane queria era ficar ali depois que a
família dele fosse embora.
— Então iremos para casa amanhã — respondeu ele, apertando minha
mão. — Podemos comemorar nosso aniversário lá.
Casa!
A palavra soou muito agradável.
— Vou fazer um bolo para você — prometi. — E um jantar especial.
— Eu queria poder prometer a mesma coisa, mas acho que teremos que
dividir o bolo. Nunca tentei assar nada antes.
— Não me importo — respondi depressa.
Ele riu. — Achei que não se importaria.
— Mas foi bom ver o Havaí. Obrigada.
Dane passou os braços em volta da minha cintura e puxou meu corpo
contra o peito. — Não vimos muita coisa.
— Eu vi. Lembra? Eu nunca fui a lugar algum.
— Podemos viajar com mais frequência — sugeriu Dane. — Posso
mostrar o mundo a você.
Encostei-me nele, completamente relaxada. — Eu gostaria disso,
quando tivermos tempo.
— Faça uma lista dos lugares que quer conhecer e planejaremos tudo
— disse ele perto do meu ouvido.
Eu ri. — Não sei se todos os lugares caberão em uma lista. Eu sempre
quis viajar.
— Temos tempo — respondeu ele.
Não pensei em quanto tempo demoraria para completar uma lista. Eu
não precisava. Estava apenas aproveitando o momento. Mas eu o amei
ainda mais por concordar em se aventurar pelo mundo por mim. —
Veremos — respondi sem compromisso.
— Por que a hesitação?
— Eu sei que você odeia viajar — respondi com sinceridade.
— Não odeio mais — revelou ele. — Não quando você está comigo.
Meu coração ficou apertado e lágrimas se formaram nos meus olhos.
Dane me deixava exposta quando dizia aquelas coisas. — Não está mais se
sentindo constrangido?
Senti quando ele deu de ombros. — Não. Eu estava até pensando em
comprar uma outra casa, talvez em Denver.
Meu coração quase alçou voo. — É mesmo? Acho que isso seria
fantástico.
— Podemos ir e vir entre as duas casas. Talvez passar o verão no
Colorado e o inverno em Walker’s Cay.
Minha nossa, como ele mudara. — Seus irmãos adorariam a ideia.
Ele apertou os braços um pouco mais em volta da minha cintura. — E
você? — perguntou ele hesitantemente. — Ficaria feliz? Poderia encontrar
Paige com mais frequência.
— Estou totalmente disposta a viajar de um lugar para o outro com
você.
Dane estava finalmente pronto para abraçar a civilização e eu não podia
estar mais feliz. — Fico contente por ter finalmente percebido como é
bonito e que não tem que se sentir constrangido.
— Por sua causa, Kenzie. É por sua causa que consigo aguentar tudo
isso.
— Acho que não — neguei. — Só acho que você está pronto.
Eu estava aliviada, sem me importar com o motivo da mudança. Dane
precisava ser parte do mundo. Talvez ele tivesse tolerado o isolamento e
algumas vezes parecia gostar de ficar sozinho. Mas, bem no fundo, ele
queria estar com outras pessoas, especialmente a família.
— Não posso dizer que estou completamente pronto. Demorará algum
tempo. Mas não quero que você se sinta isolada. Sei como é difícil.
— Não estive na ilha por tempo suficiente para que me incomodasse. E
não estou sozinha. Tenho você.
— Eu não queria que você chegasse nesse ponto — retrucou ele.
— Quer estar em algum outro lugar?
— Sim, acho que sim. Pelo menos, durante parte do ano. Detesto me
sentir tão distante. E, apesar de Trace e Sebastian serem idiotas completos
às vezes, sinto falta deles. Eles são a única coisa que me sobrou depois da
morte dos meus pais.
Não consegui impedir que uma lágrima escorresse pelo meu rosto.
Dane merecia ter a família perto dele de novo.
Saí dos braços dele, percebendo quanto tempo fazia desde que saíramos
da recepção. — Acho melhor voltarmos.
Nosso passeio pacífico estava chegando ao fim e o pátio do hotel estava
à vista.
— Acho que sim — concordou Dane. — Se não voltarmos, Sebastian
terá ido embora. Provavelmente Trace também. Depois do bolo, ninguém
parecia interessado em algo que não fosse as esposas.
Prendi os cabelos atrás da orelha. O trabalho que eu tivera para me
arrumar provavelmente fora desperdiçado depois do passeio na praia, mas
valera a pena.
— Sebastian e Paige vão embora hoje à noite — disse eu enquanto
andava ao lado de Dane. A praia estava escura, mas as luzes do hotel e a lua
cheia nos guiavam.
— Eu sei. Mas nós os veremos de novo em breve. Meu objetivo
principal na vida agora é fazer você feliz.
Parei, fazendo com que Dane também parasse ao segurar a mão dele
com força. — Eu estou feliz — disse eu enfaticamente. — Nunca estive tão
feliz como agora.
Dane me deixava em êxtase. Eu queria encontrar as palavras para dizer
a ele o quanto significava para mim e como mudara minha vida. Mas não
consegui.
— Se está feliz agora, espere até voltarmos para a suíte — disse ele
com uma voz baixa sensual e muito masculina.
Estremeci ao pensar no que ele podia ter planejado. Mas eu não
precisava estar transando com ele para sentir nossa conexão. No entanto, eu
provavelmente nunca discutiria se ele quisesse me deixar nua. Eu precisava
dele tanto quanto ele precisava de mim. Provavelmente muito mais.
— Obrigada — disse eu quando continuamos a caminhar.
— Pelo quê?
— Por me trazer aqui. Por me mostrar um pouco da ilha.
Depois de irmos mergulhar, Paige e Sebastian tinham providenciado
dois dias cheios de passeios, bem como uma noite em um luau tradicional.
Cada momento fora muito doce para mim. Dane participara de todas as
festividades, ficando cada vez menos retraído a cada evento do casamento.
— Você já me agradeceu — lembrou ele.
— Há algum tempo — protestei. — Agora estou agradecendo pelos
últimos dias. Foram incríveis.
— Voltaremos algum dia. Conheço um lugar em Kauai.
— Como ele é?
— Caro — disse ele em tom malicioso. — É um resort.
— Outro investimento? — brinquei.
— Sim. Você vai adorar.
— Tenho certeza disso — respondi.
— Iremos para lá depois de conhecermos um pouco mais do mundo.
Aquele momento pareceu perfeito, ser capaz de sonhar com um futuro.
Claro, eu estava assustada, mas estava determinada a seguir o conselho de
Paige e não deixar que o passado impedisse o futuro.
Dane valia qualquer risco que eu precisasse correr para ter um futuro
com ele.
Sinceramente, eu precisava dele e torcia para que ele também
continuasse a precisar de mim.
— Estarei logo ali — disse eu a Dane ao chegarmos ao pé da escada
que levava à recepção. Eu precisava calçar novamente os sapatos, o que
significava prender inúmeras tiras minúsculas.
Acenei para que ele subisse a escada enquanto começava a prender as
tiras.
Ele subiu a escada e falou por sobre o ombro: — Vou me despedir dos
meus irmãos.
— Vá em frente. Já vou, só preciso de um minuto.
Sentei no cimento para me equilibrar enquanto prendia as tiras de
couro.
Em questão de minutos, levantei novamente e testei os saltos na
calçada.
— Serve — disse eu baixinho, preparando-me para encontrar Dane, a
família dele e Paige.
O que aconteceu a seguir foi tão rápido que não tive a chance de gritar.
Um arrepio correu pela minha espinha quando tentei falar contra a mão
que cobria a minha boca.
No mesmo instante, eu soube quem me mantinha quieta e imóvel.
Ele era familiar, bem como o terror que senti ao ser mantida presa.
— Se fizer um movimento idiota sequer, você morrerá, sua vadia —
disse a voz grave perto do meu ouvido. Ele me segurou contra o corpo sujo
e fedorento e a ponta afiada de uma faca furou minha pele.
Ai, meu Deus! Como ele pode estar aqui?
Senti a náusea subir à garganta, mas tentei não entrar em pânico.
Eu conhecia aquela voz desagradável e reconheci o fedor repulsivo
dele.
Meu tempo acabara. Finalmente eu fora pega.
Não havia como confundir aquele homem e o ódio que ele sentia por
mim.
Eu convivera com ele desde que conseguia me lembrar.
Olhei para o pátio quando ele me arrastou para longe. Meu coração se
despedaçou quando percebi que nunca mais veria Dane.
CAPÍTULO 39
Dane

—Não consigo encontrar Kenzie — disse eu aos meus irmãos


quando voltei para o pátio. Eu a procurara duas vezes, mas ela não
estava na praia.
Xinguei-me por tê-la deixado sozinha no pé da escada, mas estávamos
em uma área segura e eu não estivera longe.
A recepção lentamente esvaziara e os únicos que sobraram no pátio
eram Sebastian, Paige, Trace e Eva. Eu estivera procurando Kenzie por
mais de uma hora, torcendo para que ela só tivesse ido ao banheiro ou outro
lugar onde pudesse ter um pouco de privacidade.
— Onde diabos ela se meteu? — perguntou Trace em tom sério.
Corri a mão pelos cabelos em frustração. — Eu não sei, caralho.
Demos um passeio pela praia por alguns minutos. A última vez em que a vi,
ela estava calçando os sapatos para voltar para cá.
— Eu não a vejo tem algum tempo — disse Paige, soando alarmada. —
Eu a teria visto se ela tivesse voltado para a recepção. Imaginei que ela
tivesse voltado para a suíte.
— Não voltou — confirmei. — A chave está comigo.
— Precisamos procurá-la — disse Eva com voz preocupada.
— Andei por toda a praia e procurei em todos os locais públicos daqui
— rosnei, furioso comigo mesmo por não a ter esperado.
— Então temos que nos espalhar. E temos que ligar para a polícia —
disse Eva.
— Esperem! — exclamou Paige. — Acho que sei o que aconteceu.
— O quê? — perguntei em tom grave. — Diga-me. — Eu estava louco
de preocupação.
— Kenzie contou a você sobre o passado dela? — perguntou Paige,
com o rosto pálido de medo.
— Pais horríveis e uma vida igualmente horrível? Sim, ela me contou.
— Ela contou a você sobre os pais? Contou a você que o pai dela tenta
matá-la a anos?
— Do que está falando, Paige? — perguntei ao olhar para a expressão
perturbada dela.
Ela suspirou nervosamente. — Então ela não lhe contou. O que faz
sentido, pois ela achou que talvez ele tivesse desistido anos atrás. Mas
talvez não tenha desistido.
— O pai dela está preso. Ela me disse isso — respondi.
— A mãe dela morreu na prisão, mas sei que Kenzie tenta não pensar
nisso. Os pais dela eram viciados e a mãe contraiu HIV. Ela morreu de
AIDS enquanto estava presa. Kenzie nunca teve pais. Somente inimigos.
Esfreguei o rosto, tentando compreender o que Paige dizia. — Ela não
me contou que o pai dela era homicida — confessei. — Mas o que isso tem
a ver com o desaparecimento dela agora?
— O pai de Kenzie ainda está vivo e vem tentando chegar a ela, mesmo
da cadeia. Ela testemunhou contra ele, Dane. Ela contou tudo sobre os pais
logo antes de terminar a escola. Ela os colocou na cadeia. Kenzie foi
testemunha ocular de um assassinato que o pai cometeu perto de onde
moravam. Uma transação de drogas que deu errado. O depoimento dela foi
o que encerrou o caso contra os pais.
Caralho! Eu sabia que a vida de Kenzie fora difícil, mas não percebera
quanta coragem ela tivera durante a adolescência. Teria sido muito mais
fácil para ela seguir o mesmo caminho que os pais, mas lutara para fazer o
certo. — E o pai dela queria matá-la por tê-lo entregado?
Paige franziu a testa. — Ele era parte do crime organizado, a parte
norte-americana de um cartel de drogas mexicano. Um cartel poderoso que
opera internacionalmente. O pai dela transportava drogas. Poderia ter sido
um homem rico, apesar de ser uma pessoa horrível, mas os pais dela
cheiraram e consumiram todos os lucros. O dinheiro desapareceu durante
uma transação que deu errado, mais de duzentos e cinquenta mil dólares. O
pai supôs que Kenzie tivesse pegado o dinheiro. Mas não foi ela. Ela nunca
teria feito isso.
Estremeci ao pensar em membros de um cartel de drogas perseguindo
Kenzie. Pelo jeito, queriam arrancar dela o dinheiro que achavam que
roubara.
— Eu sei que não foi ela — disse Paige em tom gentil. — Não só ela
me disse isso, como não teria precisado praticamente passar fome se tivesse
pegado o dinheiro.
— Você disse que ele desistiu? — perguntei a Paige.
— Kenzie não fez nada além de fugir dos inimigos que o pai mandou
atrás dela. Se a encontravam, ela fugia. Mas, quando fomos morar juntas,
eles não a encontraram ou perderam interesse e foram atrás de outras coisas.
— E o pai dela? — questionei em tom grave.
— Ele a odeia. Sempre odiou. Ela o colocou na prisão e, em sua mente,
pegou o dinheiro dele.
— Vou descobrir onde ele está agora — disse Sebastian ao andar para o
outro lado do pátio, já acionando o telefone.
Paige gritou as informações de que Sebastian precisava, mas não se
afastou de mim.
— Vou olhar no computador — disse Trace. Em seguida, saiu correndo
na direção do elevador do lado de dentro do hotel.
Somente Eva e Paige permaneceram no lugar.
— Por que ela não me contou tudo? — perguntei furioso. — Eu a teria
protegido melhor. Não posso cuidar dela se não entender tudo o que
aconteceu. Eu não fazia ideia de que ela teve que fugir o tempo todo para
sobreviver. Nem que o pai dela a queria morta.
— Tenho certeza de que ela queria, mas sempre teve vergonha de suas
origens, Dane. Quem quer contar a qualquer pessoa que seu pai quer que
você morra?
— Não é culpa dela — explodi.
— É claro que não, mas Kenzie passou a maior parte da vida fugindo
ou olhando por cima do ombro. O pai dela era poderoso no crime
organizado e ela o entregou. Só consigo imaginar como foi difícil para ela.
E depois o incidente que a deixou cheia de cicatrizes a destruiu. A chance
de uma nova vida desapareceu e ela teve que voltar para um lugar que era
familiar. Ela não voltou para Boston, mas Cambridge era bem parecido.
Eu estava lívido. Sim, estava furioso com Kenzie por não me contar,
mas a maior parte da minha fúria era direcionada ao filho da puta do pai
dela pelas coisas que fizera com ela. Ninguém que tentava fazer o certo
deveria ter que viver como um animal sendo caçado. — Você acha que é
ele, não é? — perguntei a Paige.
A expressão dela estava aterrorizada quando ela respondeu: — Espero
que não, mas não consigo pensar em outra explicação plausível, Dane. Não
quero que seja ele porque temo que queira se vingar. Quando a pessoa que o
estiver ajudando ficar convencida de que Kenzie não está com o dinheiro,
ela morrerá. Essas pessoas não brincam em serviço. Um cadáver a mais não
é nada para eles.
Eu também não conseguia pensar em nada que fizesse algum sentido. A
bolsa de Kenzie ainda estava onde ela a deixara. Portanto, era quase certo
de que não fora embora por vontade própria. — Merda! — xinguei,
sentindo como se estivesse perdendo tempo. — Temos que encontrá-la,
Paige.
— Ela lhe disse que está apaixonada por você? — perguntou ela em
tom suave.
Virei a cabeça subitamente para ela. — Ela o quê?
— Ela ama você, Dane. Acho que você precisa saber disso.
Meu peito doía tanto que eu quase não conseguia respirar. — Ama?
Paige assentiu. — Espero que você sinta o mesmo por ela.
— É claro que sim. Eu morreria por Kenzie sem pensar duas vezes.
Eu ainda estava tentando absorver o fato de que Kenzie me amava. Mas
supus que Paige sabia a verdade.
— Eu devia ter contado a ela — disse eu com remorso. — Estava com
muito medo de me magoar, pois Kenzie tem esse poder. Eu estava com
medo de gostar demais dela. Mas isso não significa nada, agora que ela se
foi.
Eu me odiei por não ter me aberto com ela. Deveria ter feito isso. Pelo
menos, ela teria sabido que eu a procuraria até que morresse ou até que a
encontrasse.
— Ela estava com medo, Dane. Por favor, entenda que não tem nada a
ver com você. Demorei anos para fazer com que ela me contasse a história
toda.
— A única coisa que eu queria era tornar a vida dela melhor —
confessei a Paige.
— E foi melhor — disse Eva. — Dava para ver.
Paige assentiu. — Pela primeira vez na vida, ela não estava olhando por
cima do ombro. Você mudou isso para ela.
— Merda! Talvez ela tenha sido complacente demais — considerei.
— Faz anos desde que alguém a perseguiu. Ela achou que tinha
finalmente terminado, mas ainda se mantinha alerta à possibilidade.
— Acha que aqueles filhos da puta na Califórnia estavam atrás dela por
causa do pai? — perguntei.
— Não — respondeu Paige. — Acho que, no começo, Kenzie
suspeitou que sim, mas eles queriam dinheiro para drogas. Foi um crime
infeliz, mas eles não estavam ligados ao pai dela.
Sebastian voltou correndo no mesmo instante em que Trace saiu pela
porta do hotel.
— Ele saiu — anunciou Trace. — O pai dela saiu da prisão há alguns
dias. Ele acabou sendo condenado por assassinato culposo e tinha direito à
liberdade condicional. Como ele teve bom comportamento na prisão,
ganhou a liberdade.
— Eu ia dizer a mesma coisa — disse Sebastian.
— Caralho! — explodi, sentindo uma agonia intensa.
O imbecil a levara debaixo do meu nariz. Se eu tivesse sabido que ela
corria algum tipo de perigo, teria ficado de olho nela como uma águia. —
Ele está com ela — disse eu.
Todos assentiram. Ninguém acreditou que fosse uma coincidência,
especialmente eu.
— Vamos encontrá-la — prometeu Sebastian. — Já pedi aos meus
seguranças que começassem a procurá-la. Precisamos descobrir para onde
ele a levaria.
— Meus seguranças também estão nisso — confirmou Trace. — Nós a
encontraremos, Dane.
Ficarei bem sozinho. Vou me acostumar.
As palavras do meu mantra flutuaram na mente, mas eu não as
aceitaria. Não ficaria parado, aceitando ficar sozinho. Não depois de
Kenzie. — Não vou ficar bem sozinho nem vou mais me acostumar —
resmunguei. — Eu a quero de volta.
— O que quer dizer? — perguntou Trace.
— Eu costumava dizer a mim mesmo que ficaria bem sozinho. Achei
que me acostumaria. Sempre que começava a me sentir sozinho, eu me
consolava com essas palavras imbecis. Mas elas não funcionam mais. Não
depois que Kenzie entrou na minha vida como um tornado. Eu quero
pessoas. Quero minha família. E, pelo amor de Deus, tenho que ter Kenzie.
— Você nunca esteve sozinho, Dane — disse Sebastian com voz baixa.
— Sempre estivemos ao seu lado.
— Não vi nada disso quando estava mergulhado na dor. Não vi porra
nenhuma. Mas consigo entender agora.
Trace franziu a testa. — É bom que entenda. Nós amamos você, mano.
Agora que eu conseguia ver com clareza, sabia que eles sempre tinham
me amado. Entretanto, eu estivera consumido demais pelos meus problemas
para me ver como qualquer coisa além de um estorvo para eles. Eu queria
que eles vivessem a própria vida, algo que não me incluía. Mas eu não me
sentia mais assim. — Eu também amo vocês — resmunguei. — Explicarei
mais tarde. Agora, preciso encontrar Kenzie. Eu a amo. E não vou perdê-la.
Não posso perdê-la.
Minhas entranhas se contraíram ao pensar nela com alguém que a
queria morta.
Sinceramente, eu não conseguia entender como alguém podia odiar
Kenzie, mas o pai dela era um imbecil fodido.
— Sebastian e eu vamos trabalhar com os seguranças — disse Trace.
Meus dois irmãos foram para dentro do hotel.
Pela primeira vez na vida, desejei ter seguranças. Eu não aguentava não
fazer nada.
— Vou ajudá-los — disse eu a Eva e Paige.
— Nós duas ficaremos juntas, vamos procurá-la. Talvez alguém tenha
visto alguma coisa — disse Paige.
— Tenham cuidado — avisei. — Se alguma coisa acontecer a uma de
vocês, o marido vai ficar completamente destruído.
Paige colocou a mão no meu braço. — Nada vai acontecer. Tenho que
tentar ajudar. Sou o motivo pelo qual minha melhor amiga estava aqui. E sei
sobre o pai dela. Eu devia ter deixado que Trace colocasse mais seguranças,
mas não sabia que aquele cara estava solto. E vou apostar que Kenzie
também não sabia.
Segurei a mão de Paige. — Não! — disse eu em tom urgente. — Não
se culpe.
— Vou parar de me culpar quando você fizer o mesmo — desafiou ela,
lançando-me um olhar penetrante. — A culpa não ajudará em nada agora.
Eu entendi. E provavelmente sabia que precisava deixar as emoções de
lado para procurar Kenzie. Mas não seria fácil. — Entendo — murmurei ao
soltar a mão dela.
— Só quero Kenzie de volta — disse Paige, à beira das lágrimas. —
Estive muito ocupada esta semana e quase não nos encontramos.
— Ei — avisei. — Sem culpa. Ela não vai morrer, Paige. — Eu estava
disposto a fazer qualquer coisa para salvá-la.
Ela assentiu, mas uma lágrima desceu pelo seu rosto antes que se
virasse. Ela e Eva sumiram rapidamente para continuar a procurar nos
arredores.
Corri até a porta e fiquei muito irritado quando tive que esperar que o
elevador me levasse até a suíte de Trace.
— Não desista, Kenzie. Estamos atrás de você — disse eu em um
sussurro rouco quando as portas do elevador se fecharam. — Não importa o
que seja preciso, vou encontrar você.
Eu a encontraria. Eu sempre fora como um míssil à procura de calor
quando ela estava por perto. Só esperava que aquela ligação não me
deixasse na mão naquele momento.
CAPÍTULO 40
Kenzie

Eu tivera muitos pesadelos sobre meu pai encontrando-me algum


dia, mas a realidade não tinha nada a ver com os sonhos
assustadores.
Era pior.
— Eu já lhe disse, não sei o que aconteceu com o dinheiro — disse eu
nervosamente a ele.
Olhei para o rosto frio e duro de meu pai, Victor Jordan, ainda incapaz
de acreditar que ele doara o esperma para que eu nascesse.
Ele era emocionalmente vazio e eu não conseguia reconhecer um traço
sequer de suavidade pela filha.
Ele me odiava.
Sempre me odiara.
Desde minhas lembranças mais antigas, ele fora um monstro. E isso
não mudara enquanto eu crescia. Meus pais tentaram me usar para levar
drogas para a escola, mas eu me recusara. Sim, eu levara uma surra que me
deixara inconsciente por um tempo indeterminado, mas nenhum dos meus
colegas de escola teria uma overdose e morreria por minha causa.
— Você espera mesmo que eu acredite nisso, sua vadia? Diga onde
está.
Para que ele me matasse imediatamente depois? Óbvio que não.
Mesmo se soubesse onde o dinheiro dele estava, eu não lhe diria.
Eu conhecia aquele jogo. Eu crescera com isso nas ruas. Só o que
precisava fazer era dar um local a ele para ganhar uma bala na cabeça. Eu
não esperava realmente convencê-lo de que não roubara o dinheiro do carro
no dia em que ele matara um comprador de drogas. Eu só estava tentando
ganhar tempo.
Minha bochecha explodiu quando meu pai me bateu com tanta força
que caí no chão sujo do quarto de hotel. Vi estrelas momentos antes de abrir
os olhos.
Não estávamos longe do resort, mas, naquele momento, parecia que ele
estava a um milhão de quilômetros de distância.
Dane devia estar procurando-me. Desejei ter contado a ele toda a minha
história, em vez de deixar de fora a parte sobre ter um pai homicida.
Achei que tinha terminado. Nunca parei de sentir medo de que os
capangas do meu pai me encontrassem, mas achei que tinham perdido o
interesse.
Se eu soubesse que meu pai tinha saído em liberdade condicional, teria
tomado mais cuidado. Não teria deixado nada ao acaso.
Eu devia ter dito a Dane que o amo.
Porque eu o amava.
Com todo o meu coração.
— Pode me bater o tanto que quiser — disse eu estoicamente. — Não
mudará o fato de que não posso levá-lo ao dinheiro.
Minhas suspeitas eram de que o dinheiro fora gasto muito tempo antes.
Houvera outros viciados e traficantes na rua naquele dia, pessoas que não
teriam hesitado em pegar bolsas cheias de dinheiro.
— Então encontrarei outra forma de ter o que mereço — disse ele de
forma maliciosa.
Endireitei o corpo, usando a cabeceira da cama para me apoiar. —
Como? — perguntei, já odiando a nova ideia dele.
— Você estava com Dane Walker, um dos milionários da família
Walker. Ele quer você de volta?
Entrei em pânico, com medo de atrair Dane para perto daquele imbecil
maluco. — Não. Sou só uma empregada. Ele pode encontrar outra
assistente.
Meu pai não envelhecera bem na prisão e a expressão dele era louca.
Ele parecia o mesmo, mas mais velho. Muito mais velho. E ainda me
deixava extremamente assustada.
— Acho que você está mentindo, garota — disse ele ao levantar a
pistola 9 mm, colocando-a perto da minha têmpora. — Olhe só para você,
nesse vestido chique. E onde mais conseguiria essas joias? Essas pedras são
de verdade?
Estremeci ao perceber a forma como ele olhava para o presente que
Dane me dera de aniversário. — Não estou mentindo e comprei essas joias
vagabundas em um brechó — argumentei, sabendo que morreria antes de
contar a ele o que Dane realmente significava para mim.
Ele torceria e usaria aquilo.
Se soubesse que Dane estaria preocupado, ele me usaria para conseguir
qualquer coisa que pudesse.
A única coisa em que eu conseguia pensar no momento era a
necessidade de proteger Dane. Minha vida me levara até ali para finalmente
confrontar o homem de quem eu fugira por tanto tempo. Meu pai não
precisava me dizer que queria me ver morta. Eu já sabia disso. Eu não sairia
daquele quarto imundo viva a não ser que conseguisse fugir. Mas minhas
chances não pareciam muito promissoras.
— Se ele acha que sabe onde você está, eu poderia pegá-lo. Os irmãos
dele pagariam pelo retorno seguro — comentou Victor.
— Você não o devolveria. Você o mataria — disse eu furiosa.
Nenhuma vítima inocente que soubesse de alguma coisa conseguira
escapar do meu pai. Ele preferia não deixar testemunhas. Por sorte, eu
ficara viva, mas sempre temera aquele momento, o dia em que teria que
enfrentar o pai que eu traíra.
Victor Jordan era implacável e eu já sabia que aquilo não terminaria
bem.
— Você me conhece bem, filha — disse ele com um sorriso malvado.
Infelizmente, eu sabia demais sobre ele.
— Conheço — respondi simplesmente. — E você não pode sequestrar
um Walker. Eles são importantes demais. A polícia estaria sobre você antes
mesmo de conseguir forçá-lo a entrar em um carro.
Victor odiava a polícia e torci para que ele desistisse daquela ideia.
Mas não tive sorte.
— Foda-se a polícia — retrucou ele. — Sou mais esperto que eles,
exceto quando um membro da minha família me entrega.
— Você matou uma pessoa — relembrei. — Acha que merecia ficar
livre?
— Sim. Sou seu pai, mas você nunca teve qualquer respeito por mim.
Eu o teria respeitado se ele não tivesse adorado ferir tanto as pessoas ou
se quisesse ter saído de uma vida criminosa. Talvez até mesmo se ele
tivesse a capacidade de gostar da filha.
Mas aquele homem não sabia amar.
Meu pai era puro mal.
— Você tentou me matar. Várias vezes — disse eu.
— Você merece morrer — disse ele em tom maníaco. — E vai morrer.
Ninguém me trai e vive para contar a história.
Engoli em seco, sentindo um nó grande na garganta. Eu sabia que
morreria, mas não imploraria nada a ele, nem mesmo pela minha vida. Ele
nunca me pouparia e eu não queria me curvar diante dele durante os últimos
momentos que tinha na Terra.
— Vá em frente — instruí. — Pode me matar.
— Ainda não — respondeu ele. — Farei isso quando sentir vontade.
Eu sabia que estava correndo risco ao desafiá-lo, mas eu o conhecia
muito bem. E, se eu quisesse alguma coisa, ele faria exatamente o oposto.
Era assim que ele era.
Ele se abaixou e puxou-me pelo braço, de forma tão brutal que achei
que o arrancaria.
— O que está fazendo? — perguntei, tentando manter o medo fora da
voz. Ele sentiria prazer demais com isso.
— Tirando a sua liberdade, como você tirou a minha.
Ele me deu um encontrão para fazer com que eu me mexesse.
Cambaleei na direção do banheiro.
Protegi a cabeça quando ele me forçou a entrar no banheiro, sabendo
que eu cairia.
Minha medida de proteção não ajudou muito. Ouvi minha cabeça bater
na banheira.
Não fui rápida o suficiente para levantar. Fiquei deitada por alguns
momentos, tentando fazer com que meu cérebro funcionasse.
Ouvi quando ele trancou a porta pelo lado de fora. Ele comprara e
instalara a fechadura antes da minha chegada? Eu não fazia ideia, mas era
algo muito estranho ter uma porta de banheiro que trancasse pelo lado de
fora.
Um suspiro trêmulo escapou dos meus pulmões quando ouvi a porta
principal bater, sinalizando que meu pai saíra do quarto.
Olhando em volta freneticamente, percebi que estava encurralada.
A janela sobre a banheira era minúscula. Provavelmente o suficiente
para que eu passasse apenas a mão ou parte da perna.
Levantei do chão e forcei a maçaneta, mas a porta estava bem trancada.
— Merda! — xinguei, frustrada e com medo. — Preciso sair daqui.
Eu tinha quase certeza de que Victor fora atrás de Dane. Ele estava
desesperado o suficiente para ir atrás de qualquer pessoa naquele momento.
— Cuide-se, Dane — sussurrei para mim mesma enquanto continuava
a tentar abrir a porta.
Mas ela não se mexeu.
— Por favor, Dane, por favor. Não vá a lugar algum com ele —
murmurei enquanto as lágrimas enchiam meus olhos.
Eu estava desesperada, tentando, sem sucesso, lutar contra o medo de
que meu pai ferisse Dane.
Eu tinha que me concentrar.
Eu tinha que encontrar uma rota de fuga depressa.
A minha vida e a de Dane dependiam disso.
CAPÍTULO 41
Kenzie

Na noite seguinte, eu ainda estava presa no banheiro imundo e


minúsculo. Eu tentara abrir a porta até que meus dedos estivessem
sangrando. Finalmente, desmaiei na banheira, sem conseguir ficar
de pé por mais tempo sem dormir.
Eu ouvira meu pai voltar de manhã e sair novamente naquela noite.
Supus que ele tinha dormido. Ele não me deixou sair do banheiro, mesmo
quando gritei o mais alto possível para que me tirasse de lá.
Eu não sabia ao certo por quanto tempo dormira, mas acabara de
acordar com um barulho vindo da porta do banheiro.
Ainda estava escuro, portanto, eu não dormira por muito tempo.
Saltando da banheira, ainda meio dormindo, fiquei parada perto da
porta, torcendo para conseguir escapar caso meu pai precisasse usar o
banheiro ou se entrasse para me matar.
Eu não deixaria que ele atirasse em mim depois de ter dormido em uma
banheira.
Prendi a respiração ao ouvi-lo mexendo na fechadura, torcendo para
que conseguisse passar por ele antes que acendesse a luz.
Jesus, eu não estava pronta para morrer. Não agora. Não quando
encontrara o homem mais incrível do planeta, e que gostava de mim.
Depois de pensar na minha situação e na de Dane, eu sabia que meu pai
não conseguiria realmente capturá-lo. O único motivo pelo qual Victor
conseguira me capturar fora porque eu não estava ciente.
Àquelas alturas, os Walkers provavelmente já sabiam de tudo sobre
mim e Dane estaria alerta. Muito provavelmente, os seguranças e a polícia
estariam em volta dos Walkers. Pelo menos, torci para que estivessem.
Eu estava pronta para forçar o caminho pela porta quando ela foi
aberta. Mas, em vez de avançar, fui empurrada para trás por um corpo
muito sólido. A porta foi novamente fechada.
Cambaleei com o peso do corpo que atingiu o meu, tentando me
impedir de cair contra a banheira... de novo.
Victor nem mesmo acendera a luz. Gritei na escuridão quando a forma
desconhecida parou atrás de mim, impedindo que eu batesse novamente na
banheira de porcelana.
— Kenzie? — disse uma voz familiar na escuridão.
— Dane? — Eu não consegui acreditar que ele realmente estava ali
comigo.
Liguei a luz assim que recuperei o equilíbrio.
Realmente era Dane e ele parecia muito pior do que eu. — O que
diabos Victor fez?
Eu estava furiosa. Parecia que Dane tinha levado uma surra. O rosto
dele tinha marcas e algumas lacerações que ainda sangravam. Os braços
dele estavam amarrados à frente do corpo com uma corda barata.
Considerei se conseguiria desamarrá-la.
— Não é nada — resmungou ele. — Mas parece que aquele imbecil
bateu em você.
Dane estava furioso, uma emoção que eu não vira nele com frequência.
Dei de ombros. — Estou acostumada com as surras dele. O que ele fez
com você?
Estávamos presos em um lugar pequeno, com pouco espaço para nos
movermos. Como o lugar era tão pequeno, entrei novamente na banheira.
— Sente-se — exigi. — Você não parece muito estável.
Ele se sentou, recostando-se contra a parede ao lado da banheira ao
pedir: — Consegue alcançar o bolso do meu casaco? Tenho uma faca para
cortar esta corda.
— Por que diabos ele machucou você? — perguntei furiosa.
— Eu o chamei de vários nomes que ele não gostou — respondeu
Dane, parecendo mais satisfeito do que arrependido. — Eu teria matado o
idiota se tivesse conseguido uma oportunidade. Eu precisava chegar até
você.
Dane usava um casaco leve de couro, uma roupa que não precisava em
um clima tropical. Não precisei procurar muito dentro da roupa. — Como
ele chegou a você? Torci para que estivesse protegido. Não queria que ele o
pegasse.
Encontrei o canivete no bolso e comecei a cortar as cortas das mãos
dele.
— Eu queria que ele me pegasse — respondeu ele em tom direto.
Olhei para ele chocada. — Pelo amor de Deus... por quê? Tem vontade
de morrer? Victor não deixa testemunhas vivas. Ele vai matar você, Dane.
Vai matar nós dois.
Finalmente, as mãos de Dane ficaram livres. Ele jogou a corda embaixo
da pia e, em seguida, colocou a mão no bolso do casaco. — Ninguém vai
morrer.
— Você não conhece Victor...
— Ele vai sair em breve. E então poderemos dar o fora daqui.
Observei quando ele tirou do bolso um pequeno objeto que parecia um
controle remoto e ativou-o. — É um dispositivo de rastreamento? —
perguntei, ainda atônita por Dane estar ali comigo.
— Sim — respondeu ele.
Ele guardou o rastreador no bolso.
— Não estou entendendo. — Talvez eu ainda não tivesse me
recuperado totalmente da batida na cabeça, pois não conseguia entender por
que Dane deixara que Victor o pegasse.
Dane se ajoelhou e colocou as mãos nos meus ombros. O tom dele era
um sussurro ao dizer: — Meus irmãos atrairão Victor para fora daqui com
uma promessa de dinheiro. Depois, alguém virá para nos tirar daqui.
— Você planejou isso tudo? — Franzi a testa para ele, nada feliz por
ele estar arriscando a vida.
Mantivemos as vozes baixas. Victor não estava longe da porta do
banheiro e, se soubesse que Dane o enganara, atiraria primeiro e não se
daria ao trabalho de fazer perguntas.
— Achou que eu a deixaria aqui sozinha? — perguntou ele com a boca
perto do meu ouvido.
— Deveria — respondi com sinceridade.
— Nem pensar. Acabei de encontrá-la. E não vou perder você agora.
As lágrimas escorreram dos meus olhos quando eu disse: — Não quero
que você se machuque. E se alguma coisa acontecer com você?
Ele recuou e nossos olhares se encontraram. A expressão dele estava
turbulenta. — Como diabos acha que eu me senti? Você estava lá em um
momento e, no momento seguinte, tinha sumido. Quase enlouqueci, porra.
Quando meus irmãos e eu ficamos sabendo sobre o seu pai, sabíamos que
havia uma chance de que Victor viesse atrás de mim. Ou que, pelo menos,
telefonasse para tentar arrancar alguma coisa de nós para termos você de
volta caso não conseguisse dinheiro de outra forma. Afinal, há uma ligação
entre eu e você. Garanti que estivesse preparado e fiquei disponível. Como
imaginava, ele apareceu.
As lágrimas escorriam pelo meu rosto sem parar. — Você é louco —
acusei, com o coração apertado.
Apesar de eu não ter contado a ele a verdade, Dane se fizera de isca
para me resgatar.
O olhar dele ficou intenso quando ele sussurrou: — Sou louco em se
tratando de você. Prefiro morrer tentando salvá-la a viver sem você, Kenzie.
A boca de Dane cobriu a minha antes que eu conseguisse piscar. O
abraço dele foi forte e urgente.
Passando os braços em volta do pescoço dele, soltei um suspiro. Tremi
de medo por ele e as emoções invadiram meu corpo.
Eu precisava dele.
Mas eu o queria seguro.
A última coisa que eu queria era que Dane ficasse perto do meu pai
louco.
Quando ele finalmente ergueu a cabeça, cambaleei. — Você está
sangrando — disse eu.
— Não importa.
Estendi a mão, peguei um trapo pequeno e molhei-o na pia. Em
seguida, ajoelhei-me e comecei a limpar o sangue do rosto dele com
ternura. — Importa para mim.
Quando removi o sangue, consegui ver as feridas em seu rosto e o
inchaço perto do olho. — Por que você deixou isso acontecer?
— Eu não podia lutar muito — respondeu ele. — Queria que ele me
trouxesse para onde você estava.
— Você não deveria estar aqui. — Subitamente, tive que enfrentar o
fato de que Dane sabia de tudo. — Ele é meu pai. É um problema meu.
A porta externa bateu com força e percebi que Victor finalmente tinha
saído.
Ele pegou o trapo da minha mão e jogou-o sob a pia. — Ele não é o seu
pai, Kenzie. É um maldito monstro. E ele era problema seu. Não mais.
Agora ele é um problema nosso.
Mesmo se escapássemos, Victor nunca pararia de me procurar. Quando
tinha uma rusga, nunca desistia. Ele era louco assim. — Ele não vai
embora, Dane. Nunca irá embora.
— Ele vai se encontrar com os meus irmãos para buscar o resgate. A
polícia estará lá. Ele vai voltar para a cadeia, Kenzie.
— Não importa. De algum jeito, ele vai me atingir — respondi. Victor
sempre me encontrava quando queria, estivesse preso ou não. Ele tinha
muitos contatos do lado de fora, muitos afiliados no crime organizado.
Talvez tivessem perdido meu rastro por algum tempo, mas, se meu pai
voltasse para a prisão, faria o possível para que a organização dele me
encontrasse para me matar.
Victor ficaria furioso ao ser capturado tão cedo depois de ter saído da
prisão. Ele encontraria alguém do lado de fora que pudesse me matar.
Talvez ele tivesse feito outras coisas antes quando não conseguira me
encontrar. Mas, agora, nunca mais pararia de me procurar.
Eu estaria fugindo.
Sempre fugindo.
Minha vida voltaria a ser o que era antes de eu ter morado com Paige.
Encolhi-me quando Dane colocou o dedo no meu rosto, acompanhando
a marca onde meu pai me batera com o cinto.
— Está doendo? — rosnou ele, com o músculo do maxilar contraindo-
se e a expressão furiosa.
— Não, não está mais doendo — respondi com sinceridade.
— Eu poderia matar o idiota com as próprias mãos. Acredite, eu queria,
mas queria mais encontrar você.
— Você é louco — disse eu de novo. Quem fazia aquilo? Que homem
se deixaria ser sequestrado só para encontrar outra pessoa?
Ele deu de ombros. — Não sou louco. Eu amo você.
Minha respiração ficou presa nos pulmões quando olhei para a
expressão sincera no rosto dele.
Ele realmente me amava. Consegui ver isso nos olhos dele.
Pensei em todas as coisas que me arrependia de não ter contado a ele ao
responder: — Eu também amo você. É por isso que não quero que se
coloque em perigo.
— Não há nada que eu não faria por você, querida — respondeu ele. —
Nada.
Senti como se meu coração estivesse sendo arrancado do peito. Depois
de todos os anos que eu passara sozinha, as palavras e as ações dele me
emocionaram. — Sinto a mesma coisa. Dane, você tem que sair daqui.
Eu estava com muito medo de que Victor voltasse, que machucasse o
homem que eu amava mais do que qualquer outra coisa ou pessoa no
mundo.
— Nós precisamos sair daqui — corrigiu ele. — E espero que nosso
resgate chegue a qualquer minuto. Você me prometeu um bolo e um jantar
de aniversário e vou cobrar.
— Hoje é o seu aniversário — disse eu com remorso. Eu pensara várias
vezes no fato de que aquele dia era o aniversário de Dane antes de
finalmente desmaiar na banheira.
— Na verdade, é depois da meia-noite. Hoje é o seu aniversário.
Dei um gritinho quando ele passou os braços em volta de mim e tirou-
me de dentro da banheira, colocando-me no colo.
Passei os braços em volta dos ombros dele, segurando-me enquanto ele
me sentava de forma confortável.
Meu belo vestido estava arruinado, com o tecido amontoado em volta
das minhas coxas.
— Como sabia que ele iria atrás de você? — perguntei, erguendo a mão
para tirar gentilmente os cabelos do rosto dele.
— Não sabia. Mas, se fosse, eu estaria pronto. Achei que ele estava
desesperado por dinheiro e tenho muito. Quando não recebemos um pedido
de resgate, supus que ele tivesse outro plano. Só torci para que ele não a
matasse antes de encontrarmos você. — O corpo musculoso dele
estremeceu.
— Eu disse a ele que você não se importaria comigo. Que eu era só
uma funcionária. Mesmo se você pagasse, ele teria me matado. Ele quer me
ver morta.
— Jesus! Ele é seu pai, caralho.
— Não importa — respondi. — Ele é tão doente que nem reconhece
essa conexão. Nunca fui nada além de um inconveniente para ele e para
minha mãe. Sinto muito por não ter contado a você. Eu queria, mas estava
com medo.
— Sim, algum dia vou fazer com que me diga por que achou que eu
não entenderia — avisou ele. — Mas, agora, só estou muito aliviado por
você estar bem.
Havia um milhão de motivos para eu não querer compartilhar todo o
meu passado.
Minha vergonha.
Meu constrangimento.
Meu medo.
Minhas ressacas.
Mas nada disso parecia importar naquele momento. — Eu amo você,
Dane. Talvez já há algum tempo, mas não queria admitir.
— Por quê?
— Porque ninguém nunca me amou de verdade, exceto Paige. Não
entro em relacionamentos. Não sei como.
— Vamos aprender, querida. Também não sei lidar com amar uma
mulher assim, mas não vou deixar que vá embora. Nunca. Acabei de passar
dois dias infernais. Vou garantir que esteja protegida daqui em diante.
Eu não sabia ao certo como lidar com aquilo. Ninguém nunca se
importara o suficiente para me proteger, mesmo quando eu fora uma criança
inocente.
Eu o beijei, tentando transmitir a ele tudo o que sentia.
Dane assumiu o controle, segurando minha cabeça com as duas mãos
para que eu não me mexesse.
Foi o último gesto íntimo que tivemos antes que os policiais chegassem
para nos tirar daquela prisão improvisada.
Quando finalmente saímos, meus joelhos falharam quando percebi que
Dane e eu estávamos seguros. Nenhum dos dois morreria.
Dane me pegou no colo e colocou-me dentro da viatura policial
enquanto eu chorava contra o ombro dele durante todo o percurso até o
resort.
CAPÍTULO 42
Kenzie

—Victor está morto.


Olhei para Paige que estava sentada ao meu lado na suíte de Dane no
resort no dia seguinte. A expressão dela era gentil. Demorei um momento
para absorver a notícia.
— Como? — perguntei.
— Ele tentou escapar da polícia no local definido para a entrega do
resgate. Ele reagiu e a polícia foi obrigada a atirar nele.
Paige pegou minha mão quando percebi a realidade.
— Estou livre — sussurrei em choque.
Ela apertou minha mão. — Sim, está. Graças a Deus.
— É ruim eu achar bom que ele esteja morto? — perguntei.
— É claro que não — negou ela. — Também estou feliz por ele estar
morto. Todos estamos. Acho que é a única forma para você conseguir se
curar. Passou a vida inteira com medo dele e olhando por cima do ombro.
Ele não merece remorso nenhum. Ele nunca foi o seu pai.
— Só o que ele queria ser era meu carrasco.
— Ele fracassou — disse Paige com raiva.
— Obrigada — disse eu baixinho. — Obrigada por tudo.
Ela se levantou e foi até o sofá para se sentar ao meu lado. Em seguida,
prendeu-me em um abraço forte. — Tudo o que eu queria era que você não
tivesse mais medo. Queria que pudesse parar de fugir e olhar por cima do
ombro com medo.
Retribuí o abraço. — Não sei se sei fazer isso. Mas, agora que estou
livre, gostaria de aprender.
— Dane cuidará de você. Ele a ama.
— Eu também o amo — confessei ao nos afastarmos.
— Pegue o que deseja, Kenzie. Não deixe que os demônios do seu
passado vençam.
Limpei uma lágrima do rosto. — Pretendo atirar nesses idiotas — disse
eu em tom de brincadeira.
Paige riu. — Ótimo. Demorei um tempo para destruir os meus. Mas
temos que afastá-los para poder seguir em frente.
Eu sabia que minha melhor amiga tinha exorcizado os próprios
demônios. — Farei o possível. Divirta-se na sua lua de mel.
Era horrível ver Paige ir embora, mas Dane e eu também partiríamos na
hora seguinte.
Ela deu uma piscadela. — É o que pretendo fazer. Como poderia não
me divertir? Terei Sebastian só para mim.
Paige e o marido fariam uma viagem internacional antes de voltarem
para Denver. Eu estava quase com inveja do itinerário da viagem deles. —
Tente ver algumas coisas enquanto estiver fora — brinquei.
— Ver Sebastian nu está no topo da minha lista.
Eu ri. — Você vê isso o tempo todo.
— E nunca me canso — respondeu Paige com um suspiro.
— Desculpe por você ter que lidar com o meu desaparecimento logo
depois da recepção.
Eu sentia remorso por tê-la forçado a adiar a lua de mel.
— Sou sua amiga, Kenzie. Acha que me importo com isso? Diga se
não teria feito a mesma coisa por mim.
Eu não podia dizer aquilo porque certamente teria feito qualquer coisa
por Paige. — Ainda assim, foi horrível — retruquei.
— É para isso que servem os amigos — disse ela. — Na verdade, eu a
vejo como família. Ainda bem que podemos escolher os amigos.
Infelizmente, não podemos escolher a família.
— Você sempre foi minha única amiga.
— Idem — confessou ela. — Não há muitas pessoas com quem eu
tenha desejado dividir meus segredos, mas você os entendeu. A maioria das
pessoas não teria entendido.
Assenti. Eu entendia. Nós duas tínhamos guardado nossos segredos até
encontrarmos alguém que os entenderia. — Se eu não tivesse contado tudo
a você, Dane provavelmente nunca teria me encontrado.
— Espero que me perdoe por ter contado. Mas eu sabia que você estava
com problemas.
— Fico feliz por ter contado.
Paige sorriu. — Eu também. Tente ser feliz com Dane.
— Como não seria? — perguntei em tom divertido. — Eu o terei só
para mim quando voltarmos a Walker’s Cay.
— Talvez você o veja nu — brincou Paige.
— Espero muito que sim.
Rimos juntas, ambas divertidas pelo fato de estarmos tão apaixonadas
pelos homens da família Walker.
Paige finalmente se levantou e alisou o vestido. — Tenho que correr.
Sebastian está me esperando.
Levantei do sofá. — Cuide-se — disse eu. — Seja feliz.
Não havia nada mais satisfatório do que ver minha amiga tão
despreocupada e animada. Paige sempre fora séria, provavelmente por
causa do próprio passado.
Ela me deu outro abraço breve. — Você também. Eu queria que você
morasse mais perto de Denver. Sinto a sua falta.
— Também sinto a sua falta — disse eu ao retribuir o abraço. — Por
que vocês não vão nos visitar na ilha?
— Dane nunca convidou Trace ou Sebastian para visitá-lo. Acho que
eles se sentiriam como intrusos — brincou Paige. — Achavam que Dane
precisava do espaço dele.
— Não precisa — disse eu. — Ele precisa dos irmãos. Dane estava
enlouquecendo sozinho na ilha, mas estava com medo de sair em público.
Acho que ele não pediu aos irmãos que o visitassem porque se sentia...
diferente. Ele não conseguia seguir a vida e nunca ficou realmente curado.
Paige assentiu. — Acho que Sebastian percebe isso agora. Ele ama
Dane. Você não faz ideia do quanto. Ele só não sabia o que fazer. Queria dar
espaço a Dane, mas não se intrometer estava matando os dois, ele e Trace.
— Eles deveriam se intrometer — comentei. — O quanto quisessem.
Dane pode resmungar, mas isso o deixará feliz.
Paige suspirou. — Agora que Sebastian sabe disso, ele aparecerá. Trace
também. Sei que eu não acharia ruim de passar algum tempo lá. Deve ser
um paraíso.
— E é — garanti. — É quieto, mas lindo.
Paige pegou a bolsa. — Iremos com frequência. Sei que Trace e Eva
também irão. Pode demorar um pouco para que Dane aceite completamente
os irmãos, mas eles continuarão tentando até que aconteça.
— Acho que ele está pronto — respondi.
— Convença-o a nos visitar, se conseguir — sugeriu ela.
— Farei isso, prometo.
Houve um último abraço antes que Paige saísse da suíte. Fechei a porta
atrás dela.
Meu coração estava leve agora que Victor estava permanentemente fora
da minha vida.
Ninguém mais viria atrás de mim.
Ninguém mais me perseguiria.
Eu não sabia ainda como acreditar que nunca mais precisaria fugir, mas
certamente me acostumaria.
Vou conseguir. Só preciso encontrar as forças para continuar tentando.
Sorri ao ir para o meu quarto para fazer as malas. Não precisaria mais
do meu antigo mantra.
Dane não dissera nada sobre o futuro, mas eu nem precisava encontrar
forças para continuar tentando.
Dane me dava força.
Ele me dava amor.
E eu sabia que conseguiria.
Ser livre abrira minha vida inteira. Como não precisaria fugir nem ter
medo, eu encontraria uma forma de ser a pessoa que sempre quisera ser.
Não haveria mais sombras.
Não haveria mais medos.
E, melhor de tudo, não haveria mais segredos.
Guardei minhas roupas com uma confiança que nunca tivera, sabendo
que estava mais do que pronta para voltar para casa.
CAPÍTULO 43
Kenzie

—Nunca vi o sr. Dane tão feliz — comentou Theo quando servi


uma xícara de café e entreguei-a a ele.
Dane e eu tínhamos voltado para a ilha havia uma semana. Ele tirara
algum tempo livre da pintura.
Fomos a Miami e Nassau, passando todos os dias juntos, fosse fora da
ilha ou em casa.
Dane e eu comemoramos com atraso nossos aniversários. Eu preparara
para ele o jantar e o bolo prometidos.
Sorri ao pensar nas coisas criativas que Dane descobrira que podia
fazer com a cobertura doce. Acabamos ambos melados de cima abaixo, mas
valera a pena.
— Também estou feliz — confessei a Theo.
— Dá para ver — respondeu ele com um sorriso. — Vocês dois foram
feitos um para o outro. Como minha Emilee e eu. Percebi pela forma como
ele olhou para você naquele primeiro dia.
Larguei minha xícara de café e cruzei os braços. — Como podia saber
disso? Ele foi horrível comigo.
— Porque eu ignorei a raiva dele. Vi apenas a forma como ele olhou
para você.
— Como ele olhou?
Theo tomou um gole de café antes de dizer: — Como se tivesse
acabado de encontrar algo que não tinha preço, mas que estava com medo
de aceitar. Fico feliz por ele finalmente ter criado juízo.
Dane não era o único que precisara de um pouco de clareza. Eu não
banira completamente meus demônios, mas estava trabalhando nisso.
— Obrigada por trazer o cãozinho — disse eu a Theo. — Espero que
Dane esteja pronto para ele.
Eu pedira a Theo que trouxesse outro cachorro, desta vez uma fêmea.
Torci para que Dane a amasse. Como ela era muito diferente do falecido
Picasso, eu tinha certeza de que ele conseguiria criar uma ligação com a
cachorra.
Theo sorriu. — Eu diria que ele está pronto para qualquer coisa que
você lhe der.
— Ele amava Picasso — comentei.
Theo abaixou a cabeça. — Sim, amava. Sempre me senti muito mal por
ele ter se afastado de nós e morrido por causa disso.
— Foi um acidente. Não foi culpa sua.
— Talvez. Mas isso quase matou o sr. Dane.
— Acho que ele está pronto para outro cachorro — respondi. — Achei
que, se tivéssemos uma fêmea, ele estaria aberto à ideia. Você disse que o
cãozinho não se parece em nada com Picasso.
Ele assentiu. — A cor dela é diferente.
— Ótimo. — Eu queria que Dane tivesse outro cachorro. A fêmea que
Theo levara nunca substituiria o animal que ele amara, mas eu esperava que
ele ainda conseguisse gostar de outro cão.
Theo terminou de beber o café e levou a xícara até a pia. — Vou
embora. Tenho certeza de que o sr. Dane ficará bem. Não acho que exista
alguma coisa que possa arruinar o bom humor dele no momento.
Eu sabia que Theo precisava verificar várias coisas na ilha. — Diga oi a
Emilee. E não se esqueça de que amanhã é o aniversário de casamento de
vocês.
A esposa de Theo me contara que o aniversário de casamento deles se
aproximava e que desejava férias.
Eu passara a informação a Theo, que prontamente começara a planejar.
Eu sabia que ele reservara um hotel para o casal.
Ele sorriu para mim. — Não há como esquecer um aniversário de
casamento. Nunca me esquecerei do dia em que me casei com a mulher
mais linda e inteligente que conheci.
Sorri até que Theo saísse. Ele e Emilee ainda estavam apaixonados e
pareciam estar casados havia muito tempo. Era incrível ver os dois juntos.
Peguei meu café, segurando a xícara preciosa de cerâmica com as duas
mãos. Eu mesma fizera a xícara dois dias antes e Dane a pintara. Era muito
diferente das pinturas normais dele. As figuras abstratas eram muito mais
leves do que o normal, parecendo mais uma expressão de esperança do que
desespero. Ele deixara um espaço no meio onde pintara “Amo você mais do
que jamais saberá”.
Eu ficara surpresa quando ele me dera a xícara no dia anterior e
certamente não tinha planos de usá-la. Entretanto, Dane insistira até que eu
prometera que a trataria como outra xícara qualquer. Ele insistira que
poderia pintar outras se aquela quebrasse.
Estou bebendo café de uma xícara que provavelmente não tem preço
porque é uma peça exclusiva de Dane Walker.
Parecia estranho beber de uma xícara pintada por um dos artistas mais
reverenciados do mundo, mas não pensei nela como uma peça sem preço.
Eu a vi como um ato de amor.
Guardei cuidadosamente a xícara no balcão. Eu começaria a fazer o
café da manhã em breve, mas não pude resistir e olhei dentro da caixa aos
meus pés. A cachorrinha que Theo escolhera era adorável. Os olhos
castanhos escuros imploravam quando ela gemeu levemente em busca de
atenção.
Ajoelhei-me e tirei-a da caixa, segurando-a contra o peito. Comecei a
rir quando ela passou a lamber meu rosto.
— Precisa sair? — perguntei à cadelinha. — Posso colocar você no
chão ou vai fazer xixi, garota?
Eu não tinha ideia de como cuidar de um cachorro, mas alguém na casa
certamente sabia.
— Ela vai fazer xixi, mas podemos limpar — disse Dane acima de
mim.
Olhei para ele. Dane tinha acabado de sair do banho. Ele vestia uma
calça jeans e estava sem camiseta. Os cabelos ainda estavam úmidos e ele
parecia delicioso.
— Ela era uma surpresa para você — disse eu nervosa. Eu não
pretendia mostrar a cachorra daquela forma, mas ele não parecia chateado.
— Deixe-a correr. Ela tem muita energia para queimar.
Eu a coloquei no chão. Imediatamente, ela começou a farejar os pés de
Dane e, em seguida, passou a correr pela cozinha.
Eu me levantei. — Não sei como ensiná-la a fazer xixi e cocô no lugar
certo. Espero que não esteja bravo. Eu sei que você queria um cachorro. E
eu também.
Observamos a cadelinha correr pela área curiosamente até que Dane a
pegou no colo. Os olhos dele estavam desconfiados por alguns momentos.
Mas, quando a cachorra começou a lamber o rosto dele de forma
entusiasmada, percebi que ele estava perdido.
— Ela é amigável — disse ele com voz rouca.
— Ela gosta de você.
Dane segurou a cadelinha em um dos braços fortes. — Eles são
inteligentes. Ela aprenderá depressa.
— Você terá que me ajudar. Nunca tive um cachorro.
— Eu sempre vou ajudar você. Nem precisa pedir.
Meu coração quase explodiu dentro do peito. Eu amava tanto aquele
homem que quase doía. — Que nome quer dar a ela?
— Você decide — sugeriu ele.
— Mas eu a comprei para você.
— Ela amará nós dois.
Olhei para a cachorra por um momento antes de dizer: — Neste
momento, eu a chamaria de Sortuda por estar abraçada com você.
— Está com ciúmes? — Ele ergueu a sobrancelha ao olhar para mim.
— Talvez — brinquei.
Ele colocou a cadela gentilmente no chão. — Você sempre será a fêmea
mais importante da minha vida — disse ele.
Meu coração deu um salto, como sempre acontecia quando Dane dizia
aquelas coisas para mim. Eu deveria me acostumar. Ele era abundante em
sua afeição por mim e eu adorava.
Ele me envolveu nos braços. Coloquei a mão na nuca dele e puxei sua
cabeça para baixo para beijá-lo.
— Então é Sortuda — murmurei quando ele ergueu a cabeça.
Algum dia eu me acostumaria a perder tanto o controle perto dele?
Eu esperava muito que não.
CAPÍTULO 44
Dane

Merda! Eu estava nervoso.


Desci a escada correndo pela manhã alguns dias depois que Kenzie
comprara o novo cachorro, imaginando se algum dia teria coragem de pedi-
la em casamento.
O anel estivera praticamente abrindo um buraco no meu bolso desde
que voltáramos do casamento de Sebastian.
Eu queria pedir Kenzie em casamento.
Mas a última coisa que queria era apressá-la.
E se ela dissesse que não? Ou se não estivesse pronta? Eu não achava
que conseguiria lidar com isso. Sim, ok, as chances eram de que ela
concordasse. Mas e se não concordasse?
Eu não era o tipo de pessoa que pulava de cabeça em nada. Mas, com
Kenzie, tudo era diferente. Eu precisava dela ligada a mim de todas as
formas possíveis.
Eu a amava, porra.
Eu precisava dela.
E não podia mais imaginar a vida sem ela.
Alguma parte primitiva e possessiva em mim precisava que ela fosse
minha de todas as formas. O problema era que eu duvidava que até mesmo
o casamento conseguiria acalmar meu instinto protetor.
Ela fora caçada como um animal antes mesmo de chegar à idade adulta.
Talvez eu devesse deixá-la ter liberdade.
Ou... talvez não.
— Caralho, sou muito ridículo — sussurrei irritado para mim mesmo
ao procurar a minha mulher.
Kenzie normalmente acordava antes de mim e quase sempre estava na
cozinha.
— Vou pedir hoje, caralho! — disse eu baixinho em tom feroz.
Eu não conseguiria esperar mais.
Encontrei Theo na cozinha. — Onde está Kenzie? — perguntei.
Ele acenou na direção das portas da varanda. — Ela levou Sortuda para
um passeio. O café está pronto. Vou levar o meu, tenho trabalho a fazer.
Theo pegou a caneca para viagem, que supus estar cheia, foi até a porta
da frente e saiu.
Enchi uma caneca e fui para as portas da varanda para procurar Kenzie.
Eu não estava acostumado com aquele silêncio na casa.
Kenzie tinha mudado minha casa e minha vida.
Normalmente, a casa ficava viva com a energia dela. E eu nunca mais
queria que fosse silenciosa de novo.
Eu passara tempo demais da minha vida sozinho e nunca realmente me
acostumara com isso. Talvez eu tivesse dito a mim mesmo que estava
contente, mas não estava.
Eu achava que sempre estivera esperando Kenzie.
— Ela vai se casar comigo — resmunguei ao andar até a praia. Se ela
não estivesse pronta, eu esperaria. Ora, não havia limite de tempo para que
eu a convencesse. Só sabia que nunca mais sobreviveria sem ela.
Parei na areia, cobrindo os olhos ao varrer a praia ao longo da costa da
ilha.
Nada de Kenzie.
Logicamente, eu sabia que ela não tinha ido longe. Afinal, estávamos
em uma ilha. Onde ela poderia ter ido?
Ainda assim, meu coração bateu mais depressa e senti uma onda de
adrenalina ao procurá-la.
Por causa do passado dela e do que eu sentia por ela, sempre me
preocuparia quando não conseguisse encontrá-la. Perdê-la era o meu maior
pesadelo.
Ouvi o som distante de um cachorro latindo sobre o som das ondas que
batiam na praia. O mar estava calmo e não havia ondas furiosas naquela
manhã.
Corri pela areia, parando abruptamente ao finalmente encontrar Kenzie.
Meu corpo ficou tenso quando a vi dentro da água.
— Ela ainda não sabe nadar direito. Que merda ela está fazendo?
Estivéramos lentamente trabalhando na capacidade dela de se manter à
tona, mas ela ainda não era uma boa nadadora. Demoraria mais um pouco.
Sortuda estava com as patas na água, mas nem ela tentou seguir Kenzie
para a água mais profunda. A cachorra latia muito, tentando convencer
Kenzie a voltar para a praia.
— Cachorra esperta — resmunguei.
Rapidamente tirei a calça jeans e joguei-a sobre as roupas de Kenzie.
Eu não me dera ao trabalho de vestir mais nada e estava nu quando entrei na
água.
— Que merda você está fazendo? — Segurei o braço dela ao me
aproximar.
Ela visivelmente se assustou antes de se virar para me encarar.
Jesus! Eu odiava ver o medo na expressão dela, mas estava furioso por
ela ter se aventurado na água sem mim. Às vezes, havia correntes fortes ao
longo da ilha. E, considerando como ela era uma nadadora novata, eu sentia
muito medo de vê-la sozinha.
— Estou bem — disse ela. — A água está calma e não é fundo o
suficiente para ter que nadar.
— Há uma queda a poucos metros à frente. — Eu estava furioso, mas a
raiva era causada pelo medo.
Ela ficou com o rosto sério. — Eu não sabia. Parecia bem seguro.
Ela provavelmente ficaria segura. Mesmo se saísse do banco de areia,
teria conseguido nadar facilmente de volta para a parte rasa. Mas não havia
razão alguma na minha raiva.
— Saia da água — exigi, soltando o braço dela para que pudesse voltar
para a praia.
— Você está aqui agora — argumentou ela.
— Saia. Agora.
Por um momento, ela pareceu que não se moveria. Mas, em seguida,
virou-se e andou até a praia.
Eu a segui de perto, mal contendo meu temperamento.
Ela estendeu a camiseta e sentou-se sobre o tecido seco. — Estou bem.
Você pode ir agora — bufou ela.
Ai, merda. Eu não iria embora até que ela entendesse que não podia
fazer nada que colocasse sua vida em risco. Vesti a calça jeans e sentei-me
ao lado dela. — Não vou embora sem você.
Sortuda correu à nossa volta por alguns momentos até finalmente deitar
na sombra para tirar um cochilo.
— Não preciso de alguém que cuide de mim — respondeu ela
baixinho.
— Que pena, porque você tem. Não posso deixar você sozinha por nem
um minuto sem que tente achar um jeito de morrer.
— É por isso que está furioso? — perguntou ela em tom suave. —
Achou que eu ia morrer? Dane, isso não é razoável. Eu estava perfeitamente
segura.
— Mentira! Você ainda não sabe nadar bem. Uma corrente forte, um
passo errado e você pode ser levada. Mas que merda! Não entende que, se
alguma coisa acontecer com você, eu nunca sobreviveria, Kenzie? Você é
minha vida inteira agora. Não existirá um “eu” sem “você”.
Talvez eu fosse ridículo, mas era a verdade.
Os olhos de Kenzie se encheram de lágrimas quando ela olhou pra mim
por um minuto. Em seguida, ela jogou o corpo sobre o meu, sentando em
cima de mim.
Eu disse a mim mesmo para não ser influenciado pelo belo corpo nu
sobre o meu, mas comecei a fracassar miseravelmente.
Só o que precisava acontecer era eu sentir a pele macia dela tocando a
minha ou sentir o perfume sedutor de Kenzie para me perder.
— Obrigada por se preocupar comigo — disse ela perto do meu
ouvido. — Mas você não pode me dar ordens como se fosse um sargento.
Não gosto disso.
Eu fora tão ruim assim? — Eu estava com medo — admiti.
Ela afastou os cabelos molhados do meu rosto. — Eu entendo. Mas o
risco era mínimo e está quente hoje. Eu só queria me molhar.
— Eu posso fazer com que fique molhada — murmurei. Minha mente
mudou de foco no instante em que ela falou em se molhar.
Ela riu, um som feliz e musical que fez meu coração dar um salto
dentro do peito.
Kenzie não tivera muitos motivos para rir na vida e eu adorava quando
ela ria. Acontecia com cada vez mais frequência e as sombras nos olhos
dela lentamente desapareciam.
— Não há dúvida de que você consegue me deixar muito molhada —
disse ela em tom sedutor.
Olhei dentro dos olhos dela, com o coração batendo mais forte ao
perceber o amor de que eu precisava bem ali, em sua expressão.
Puta merda! Eu soube instantaneamente que estava perdido.
CAPÍTULO 45
Kenzie

Eu ficara magoada quando Dane gritara comigo, dando-me ordens


como se fosse meu dono. Mas a mágoa desapareceu no momento
em que vi o medo no olhar dele.
Ele não está furioso. Ele está com medo. E está com medo por mim.
Eu faria com que ele deixasse a raiva de lado e contasse para mim o
que o incomodava. Apesar de eu não ser o tipo de mulher de aguentar
receber ordens de alguém, conseguia lidar com o medo de Dane. Eu tinha
vontade de chorar ao pensar que ele se importava tanto.
— Você não é louco — disse eu. — Mas sua preocupação surge como
raiva. E isso me magoa.
— Merda. Você tem razão — disse ele. — Mas não aguento a ideia de
alguém ou alguma coisa machucar você. Desculpe — disse ele com
remorso. — Não quero controlar você, Kenzie. Só quero mantê-la segura.
Sinto-me tão possessivo que não me aguento.
Coloquei as mãos nos ombros dele ao encará-lo. — Acho que eu
consigo aguentar. Talvez até mesmo goste da forma como você quer me
proteger.
— Gosta? — perguntou ele.
Assenti. — É sexy, de certa forma.
— Que bom que acha isso porque acho que não consigo controlar. Sou
um daqueles caras ciumentos e obcecados de quem costumava rir, como os
meus irmãos. Nunca entendi como conseguiam ser tão loucos por uma
mulher.
Sorri. — Mas agora é?
— Carma é uma merda.
— Eu amo você, Dane. Não quero ir a lugar algum e não quero mais
ninguém.
— Sim, mas acho difícil acreditar algumas vezes.
— Acredite.
— Você poderia ter coisa melhor, mas não pretendo lhe dar essa
chance.
Eu ri. — É mesmo? Eu poderia ter coisa melhor do que o cara mais
bonito da Terra e que tem uma quantidade ridícula de talento? Um
bilionário que também é gentil e maravilhoso? Desculpe, mas não acredito
nisso. Não existe homem melhor. E acontece que estou insanamente
apaixonada por você.
Dane nunca percebia o próprio valor, que não tinha nada a ver com
dinheiro nem com a pintura. Ele me via. Sempre vira. Ele era gentil e
generoso. Era amoroso e protetor. Todos esses motivos me faziam amá-lo.
Ele apertou os braços em volta da minha cintura. — Então é óbvio que
não vou tentar convencer você do contrário.
— Ótimo. — Abaixe-me e beijei-o, tentando mostrar a ele o quanto
precisava dele.
Dane se tornara parte da minha alma, parte do que compunha meu ser.
Eu não tinha ideia de como o encontrara, mas precisava dele tão
desesperadamente que meu coração chegava a doer.
Nossas bocas não se separaram quando Dane rolou, deitando-me de
costas, possuindo meu corpo enquanto eu tremia sob ele.
Soltei uma exclamação quando ele afastou os lábios e encontrou a pele
sensível do meu pescoço. — Isso — encorajei. — Por favor.
— Querida, você não precisa pedir — disse ele contra a minha pele.
— Isso o deixa excitado? — perguntei com voz trêmula.
— Claro que sim — rosnou ele.
— Então não me importo de pedir. Não com você.
— Não pode haver mais ninguém, Kenzie. Nunca.
Quando a boca dele desceu para o meu seio, eu disse com voz rouca:
— Nunca.
Nunca haveria outro Dane. Eu nunca conseguiria me sentir de novo
daquela forma. Portanto, valorizava o que tínhamos.
Toda a conversa desapareceu quando os dentes dele prenderam um
mamilo rígido, lançando uma onda de calor pelo meu corpo. Quando ele
acariciou o outro mamilo com os dedos, quase desfaleci.
Era assim com Dane. Bastava um toque para me deixar louca. Meu
sexo se encheu de calor quando os dedos dele desceram pela minha barriga,
finalmente encontrando o que procuravam.
Nossos corpos estavam quase secos e a areia começou a se soltar, até
que estivesse quente sob mim, em vez de presa à minha pele.
— Ai, meu Deus, Dane — gemi, precisando de mais.
Os dedos dele encontraram meu clitóris e ele começou a provocá-lo,
em vez de oferecer satisfação.
— Trepe comigo, Dane. Não quero esperar desta vez — pedi.
Nunca fora preciso muito tempo para me deixar frenética. Mas eu não
conseguia aguentar, não naquele momento. Nós dois precisávamos um do
outro de forma tão desesperada que eu só queria que ele me fizesse gozar. E
queria que ele estivesse dentro de mim quando isso acontecesse.
O que sentíamos era primitivo e era disso que eu precisava.
— O que você quer, querida? — perguntou ele com voz rouca.
— Você! — gritei. — Só quero você.
— Você sempre me teve — murmurou ele ao cobrir meu corpo com o
dele.
Eu conseguia sentir cada centímetro do pênis rígido pressionando
minha barriga.
— Eu quero tudo — gemi.
— Você tem tudo — respondeu ele quando a ponta do pênis pressionou
meu sexo.
Não houve hesitação. Dane me penetrou com uma investida forte.
Passei as pernas em volta da cintura dele, silenciosamente pedindo que
trepasse comigo com o máximo de força possível.
— Meu Deus, você é tão gostosa. — Ele recuou e penetrou-me
novamente. — Mas preciso de mais.
Ele recuou completamente, fazendo com que eu gemesse por causa da
dor de perder o pênis que estava dentro de mim. Mas eu estava ofegante
quando ele me pediu que ficasse de quatro.
Ele limpou a areia das minhas nádegas sensualmente antes de segurar
meus quadris.
— Você está bem? — perguntou ele.
— Sim, trepe logo comigo — exigi, ansiosa para senti-lo dentro de
mim.
Estar com ele daquela forma gerou uma espécie de loucura que eu não
conseguia explicar. Só o que sabia era que não havia nada mais importante
do que trepar com ele.
Nunca tínhamos transado naquela posição, mas ela satisfazia a minha
loucura de tê-lo.
Soltei um grito quando ele se enterrou em mim. As mãos firmes nos
meus quadris eram quase dolorosas. Ele me penetrou tão fundo que satisfez
a necessidade feroz de tomar meu corpo inteiro.
— Eu amo você — gemi. — Amo muito você.
Ele saiu e entrou em mim com força ainda maior. — Eu também amo
você, querida. Provavelmente demais.
Eu queria dizer a ele que nunca conseguiria me amar em excesso. Eu
queria a ferocidade dele e adorava sua proteção. Talvez ele exagerasse às
vezes, mas eu entendia. Sentia a mesma coisa.
Abaixei a cabeça enquanto ele se movia dentro de mim.
Sem parar.
Com mais e mais força à medida que eu o encorajava.
Quando ele agarrou meus cabelos e puxou minha cabeça para cima,
gritei o nome dele ao me sentir cada vez mais excitada.
O calor se espalhou da minha barriga, indo diretamente para a boceta.
Eu nem mesmo me encolhi quando o polegar dele sondou meu ânus. —
Isso também será meu um dia — insistiu ele com voz rouca e cheia de
ganância.
Eu nunca fizera sexo anal, mas era fácil me ver dando qualquer coisa e
tudo a Dane. Ele transformaria em prazer. Ele sempre fazia isso. — Sim —
concordei com um gemido torturado.
Quando o dedo dele sondou aquela área inexplorada, o orgasmo me
atingiu com uma velocidade que não consegui controlar.
— Você é minha, querida. Nunca deixarei que vá embora — disse ele
com um gemido.
Como se eu quisesse aquilo. Só o que eu queria era Dane.
— Não — gritei. — Nunca me deixe.
— Não vou a lugar algum.
Quando aquela mão se moveu para minha barriga e desceu para o
clitóris, eu implodi. Ele encheu meu corpo de sensações e não consegui me
segurar.
Os músculos dentro da minha boceta se contraíram de forma quase
dolorosa, fazendo com que Dane também gozasse.
Eu desabei e Dane caiu ao meu lado, com a mão encontrando a minha.
Ficamos daquele jeito, de mãos dadas, com a respiração pesada
lentamente recuperando-se.
— O que foi que eu fiz na vida para merecer você? — perguntou ele
com voz rouca.
Suspirei. — Eu me pergunto a mesma coisa.
Dane soltou minha mão e sentou-se. Em seguida, segurou minhas mãos
para me levantar.
— Eu não pretendia fazer isso agora, mas não aguento mais esperar. —
Ele soltou minhas mãos para procurar algo no bolso da calça.
Meus batimentos cardíacos, que tinham quase voltado ao normal,
aumentaram novamente quando vi a caixinha na mão dele.
Ele abriu a caixa e sentou-se à minha frente. — Case comigo, Kenzie.
Não consigo passar mais um minuto sem tornar você oficialmente minha.
Cobri a boca com a mão ao sentir um soluço escapar. — Dane, tem
certeza?
Era óbvio que ele falava muito sério. A expressão em seu rosto era de
esperança.
— Mais certeza do que jamais tive na vida. Sei que não sou um
príncipe encantado, Kenzie, mas preciso demais de você.
O diamante enorme brilhou sob o sol e foi a coisa mais linda que eu já
vira.
Balancei a cabeça negativamente. — Isso não é verdade. Você é o meu
príncipe encantado — disse eu entre soluços.
Meu coração galopava naquele momento.
O homem que eu amava mais do que qualquer outra coisa no mundo
queria se casar comigo?
— Ser seu é tudo o que importa — explicou ele. — Acabe com o meu
sofrimento. Case comigo. Nunca serei perfeito, mas posso prometer que
sempre amarei você.
Eu podia prometer a mesma coisa. — Sim. Sim. Sim.
— Graças a Deus! — respondeu ele em tom aliviado ao pegar a minha
mão.
O anel serviu de forma perfeita.
— Como sabia o tamanho do anel? — perguntei enquanto as lágrimas
escorriam pelo meu rosto.
— Talvez Paige tenha dado uma ajudinha — respondeu ele.
Joguei os braços em volta do pescoço dele, fazendo com que ele
cambaleasse para trás. — Eu amo você tanto.
Ele passou os braços firmemente em volta de mim. — Eu também amo
você, Kenzie. Sempre amarei. Não existe ninguém mais para mim além de
você.
Ficamos lá por algum tempo, absorvendo a sensação de paz que nos
envolveu, agora que estávamos comprometidos a tornar o outro feliz pelo
resto da vida.
Sinceramente, eu não sabia como uma mulher como eu conquistara um
homem como Dane, mas não pretendia questionar o meu destino. Eu estava
feliz demais para isso.
O sol começou a ficar mais forte quando Dane me pegou no colo e
carregou-me de volta para dentro de casa.
Sortuda nos seguiu, latindo alegre ao correr atrás de nós, parecendo
aprovar a forma como tínhamos acabado de selar nosso amor.
Nas semanas felizes que se seguiram, fizemos pouca coisa além de
comemorar nosso noivado.
Quando nos casamos em Las Vegas, nossa ligação era tão forte que
nada nem ninguém conseguiria nos separar.
Eu era grata por cada dia que passava com o homem que amava. E
saber que tínhamos uma vida inteira juntos foi o maior presente que já
recebi.
Nós dois éramos fortes juntos e o medo que eu sempre carregara
comigo acabou por se dissolver.
Era engraçado o que o poder forte e absolutamente indestrutível do
amor podia fazer para reparar danos emocionais que tinham se acumulado
durante uma vida.
EPÍLOGO
Kenzie
MESES MAIS TARDE, NOS FERIADOS DE FIM DE ANO...
—O que estamos fazendo aqui? — perguntei curiosa a Dane, sem
estar certa de que queria sair do veículo quente em que estávamos.
Ele deu de ombros ao abrir a porta do carro. — É Natal. Tenho um
presente para você.
Como se eu já não tivesse ganhado coisas suficientes... Entre Dane,
Paige, Eva, Trace e Sebastian, eu ganhara mais presentes naquele Natal do
que em toda minha vida.
Eu amava Denver, pois era linda no Natal. A única desvantagem era o
frio. Dane e eu estávamos acostumados com nossa ilha tropical. Portanto,
eu tinha quase certeza de que meu sangue estava mais fino, mas era bom
ver um inverno de verdade novamente.
Estávamos lá havia três semanas passando algum tempo com a família
dele. Fora tão maravilhoso ter uma família por perto que eu nunca mais
queria ir embora.
Paige e Eva tinham me aceitado em seu círculo muito antes de
chegarmos em Denver. Os irmãos de Dane e as esposas eram visitantes
frequentes em Walker’s Cay e passáramos a conhecer uns aos outros
relativamente bem.
Perto das festas de fim de ano, meu marido não hesitara em levar o
jatinho para Denver.
Eu tinha quase certeza de que os problemas dele com a própria
aparência tinham desaparecido. Tínhamos viajado pelo mundo depois de
nos casarmos, visitando lugares que eu só sonhara em conhecer.
— A última coisa de que eu preciso é outro presente — disse eu
brincando ao sair do carro.
Dane deu a volta no carro, segurando minha mão firmemente enquanto
eu fechava a porta.
— Você precisa desse presente — disse ele em tom misterioso.
Andamos sobre a neve e fiquei surpresa quando ele abriu a porta de um
arranha-céu enorme com um código. Ele acenou para o porteiro sorridente,
que retribuiu o cumprimento.
Depois de entrarmos no elevador, perguntei: — Sério, aonde estamos
indo?
Ele colocou dois dedos sobre os meus lábios. — Nada de perguntar até
que veja.
Muito bem, ok. Talvez eu conseguisse descobrir sozinha.
Era um prédio luxuoso, portanto, ele obviamente tinha um amigo rico
que tinha um apartamento ali.
Mas o que ele estava guardando ali?
Antes que conseguisse pensar adiante, o elevador parou. Meus olhos se
viraram para o painel, notando que estávamos no andar da cobertura.
Conduzindo-me para fora do elevador, Dane colocou a mão no bolso
enquanto caminhávamos.
— Aqui. — Ele me entregou uma chave quando paramos em frente a
uma porta.
Olhei para a chave. — O que é isto?
— A chave da nossa nova casa.
Fiquei em silêncio, chocada.
Tínhamos uma nova casa em Denver?
Abri rapidamente a porta e entramos. Entretanto, não precisei ir muito
longe para notar que o local fora decorado profissionalmente em um belo
estilo contemporâneo.
— É lindo! — disse eu sem fôlego. — É realmente nosso?
— Todo nosso — confirmou ele. — Eu provavelmente deveria ter
consultado você, mas queria fazer uma surpresa. Se não gostar, podemos
vender e comprar outro.
— E Walker’s Cay?
— Nós manteremos a ilha. Eu vou adorar passar algum tempo na ilha,
mas não preciso mais dela, Kenzie. Sei que você quer fazer faculdade e este
local tem um estúdio com uma luz incrível. Posso trabalhar aqui, e você
também.
Andei pela cobertura extasiada, ainda segurando a mão de Dane.
Não preciso mais da ilha.
Aquelas palavras eram a forma de ele me dizer que não queria mais se
esconder, que finalmente acreditava em si mesmo.
As ações dele diziam muito e aquele lugar era mais do que outra casa.
Era um local onde ele estaria mais perto da família. E eu estaria mais perto
de Paige e Eva.
Fiquei em silêncio enquanto andávamos pela mansão do último andar
com vistas incríveis. Eu não contara os quartos, mas achei ter visto seis ou
sete. A cozinha era deslumbrante e o apartamento incluía uma piscina
interna e um spa, uma sala de exercícios, um estúdio enorme onde Dane e
eu poderíamos trabalhar, uma sala de teatro e um quarto principal
inacreditável.
— Gostou? — perguntou ele ao voltarmos para a cozinha.
— Adorei — respondi com sinceridade. — É muito privado, mas ainda
assim estamos no coração da cidade.
— Estamos a poucos minutos da casa dos meus dois irmãos.
Assenti. — Eu sei. Seria muito bom ter a família perto.
Pensei em todas as coisas que eu gostaria de fazer, como ir para a
faculdade, e em tudo que agora seria possível. Dane acabara de colocar o
mundo inteiro aos meus pés.
Olhando para ele, perguntei: — É isso mesmo que você quer?
— Sim, é — respondeu ele.
— Não vai sentir falta da ilha? — Eu não queria que ele se
arrependesse de sair da ilha para morar na cidade.
— Não vou sentir falta dela. Nós iremos para lá. Mas acho que chegou
a hora de nós dois voltarmos à civilização. Cresci em Dallas, você cresceu
em Boston. Denver é algo entre as duas cidades.
Nós dois tínhamos crescido na cidade e sabíamos como sobreviver ali.
— Então vou adorar morar aqui — disse eu a ele.
Eu sentira falta, às vezes, das comodidades da cidade: shoppings,
restaurantes, outros cachorros para conviver com Sortuda, cinemas e todas
as outras coisas que não podiam ser feitas sem outras pessoas em volta.
E, principalmente, eu sentira falta de estar perto de amigos.
Eu teria desistido disso tudo com prazer para sempre se Dane não
tolerasse a cidade, mas fiquei muito feliz por não precisar fazer isso.
— Não acho que seja possível não ser feliz, desde que eu tenha você—
disse Dane com voz rouca.
Quando me joguei nos braços ele, Dane estava pronto. Ele me segurou,
mesmo com todas as roupas de inverno, e puxou-me para si.
— Eu amo tanto você. Só não quero que desista de algo que ama por
minha causa — disse eu com voz chorosa.
— Eu amo você mais do que tudo. E a ilha era algo de que eu
precisava, mas que não preciso mais. Às vezes, ela era uma prisão. Agora,
posso só aproveitá-la quando tiver vontade.
Talvez fosse preciso lembrar que, em certo momento, Dane se sentira
preso lá e incrivelmente sozinho. — Você não está mais sozinho.
Ele assentiu. — Eu sei. É por isso que não importa onde eu more. E
seria bom estar perto de Trace e Sebastian. Perdi muito da vida deles.
— Eles sabem?
— Sabem. Os dois estão muito felizes por estarmos todos na mesma
cidade.
Eu tinha certeza de que os irmãos de Dane estavam felizes por terem o
irmão mais novo perto deles novamente.
E eu? Estava feliz em ter uma família. Não era algo que eu tivera um
dia, mas sentia falta daquilo.
— Obrigada — disse eu simplesmente.
— Pelo quê?
— Por me dar dois lares e uma família. Por ser o melhor marido que
uma mulher poderia querer.
Dane ainda era possessivo e mais do que um pouco ciumento às vezes,
mas era algo com o que eu conseguia lidar. Além disso, ele era o marido
mais amoroso e atencioso do mundo.
Ele sorriu para mim. — Tecnicamente, temos vários outros lares. Eu só
nunca os visito.
— Todas aquelas casas eram basicamente para investimento. Mas este
apartamento e a ilha sempre serão nossos lares.
— Vou continuar tentando deixar você mais feliz — avisou ele.
— Não tenho como ser mais feliz do que estou agora.
— Veremos — disse ele. — O que acha de inaugurarmos nossa nova
casa?
Pelo toque malicioso nos olhos dele, eu sabia exatamente o que ele
queria dizer.
Dei um soco de brincadeira no ombro dele.— Temos que ir à casa de
Trace para o jantar de Natal em breve.
— Vou telefonar para ele e avisar que chegaremos um pouco atrasados
— provocou ele.
— Você não pode fazer isso — respondi firmemente. — Eu ficaria
constrangida porque todos saberiam exatamente qual seria o motivo do
atraso.
— Acho que todos eles sabem que não consigo manter as mãos longe
da minha esposa.
— E é exatamente por isso que não podemos nos atrasar.
Eu estava dizendo não, mas meu corpo queria desesperadamente se
atrasar para o jantar.
— Vou mentir — sugeriu ele. — Vou dizer a eles que furou um pneu.
Ele tirou o capuz da minha cabeça e enterrou as mãos nos meus
cabelos.
— Não podemos — gemi enquanto Dane desabotoava meu casaco.
— Podemos — retrucou ele.
Abri o casaco dele para conseguir sentir o corpo musculoso sob meus
dedos. Ele era absolutamente incrível.
— Talvez uma rapidinha — cedi.
A boca de Dane desceu sobre a minha e passei os braços em volta do
pescoço dele para que ele pudesse me explorar o quanto quisesse. Minha
mão segurou os cabelos dele e eu sabia que não sairia dali até que meu
corpo encontrasse satisfação.
Dane ergueu a cabeça e olhou para mim. — Não tão rápida.
Quando a língua dele encontrou o lóbulo sensível da minha orelha,
subitamente parei de me importar se chegaríamos na casa de Trace e Eva
um pouco tarde. — Estou faminta — informei a Dane.
A expressão dele mudou para preocupação e ele respondeu: — Então
vamos. Você não pode deixar de comer.
— Preciso de você mais do que preciso de comida agora — respondi
em tom sedutor, sem deixar que ele me afastasse.
Eu deveria ter ficado quieta. Mais do que ninguém, sabia que Dane
cuidaria das minhas necessidades básicas se achasse que eu precisava de
alguma coisa.
— Ok. Mas será uma rapidinha. Quero alimentar você.
Ele me ergueu e colocou-me sentada sobre a mesa da cozinha.
— Nós comeremos mais tarde — disse eu. — No momento, só quero
você.
Não era uma competição.
Dane transando comigo ou comida.
Eu escolheria a primeira opção todas as vezes.
— Eu amo você, Kenzie — disse Dane com voz rouca.
— Eu amo você mais — respondi.
Se eu ainda tinha alguma barreira, ela acabara de cair. Dane comprara
aquele apartamento para mim porque sabia que ainda havia coisas que eu
queria fazer. Talvez ele estivesse pronto para sair da ilha, mas eu sabia
muito bem que não estivera pensando em si mesmo quando decidira se
mudar.
— Seremos muito felizes aqui, Kenzie — disse ele com a voz cheia de
emoção.
— Eu sei que vamos.
Eu seria feliz em qualquer lugar com Dane, mas sabia que criaríamos
excelentes lembranças naquele apartamento.
Eu sabia que Eva e Paige queriam ter filhos. E que Dane também
gostaria de ter uma família. Nossos filhos e os filhos dos irmãos dele
cresceriam juntos ali em Denver. Talvez não acontecesse em um futuro
próximo, mas, em certo momento, estaríamos prontos para ter filhos. E
nossos filhos teriam primos com quem brincar.
Começamos a tirar as roupas um do outro, desesperados para sentir
pele contra pele. — Preciso de você — disse eu.
— Preciso de você mais — retrucou ele.
Suspirei. — Esqueci onde fica o quarto mais próximo.
— Não precisamos do quarto — murmurou ele. — Eu estava pensando
em deitar você em cima desta mesa e...
— Você tem razão — interrompi. — Não precisamos de um quarto.
Gostei muito mais da ideia dele do que a de procurar uma cama.
No fim, chegamos bem atrasados para o jantar, mas o que aconteceu
antes fora bom demais para que Dane e eu nos arrependêssemos.
Algumas vezes, eu ainda me perguntava como uma mulher pobre,
imperfeita, cheia de cicatrizes e sequelas acabara casada com um homem
como Dane.
Eu tinha uma família.
Eu tinha um marido que me amava.
E eu não precisava mais olhar por sobre o ombro, preparada para
fugir.
Minhas cicatrizes nunca desapareceriam completamente, mas não
importava. As sequelas psicológicas estavam em processo de cura e eu
precisava disso mais do que queria ter um rosto perfeito.
Só o que eu precisara fazer fora continuar tentando. E eu conseguira.
Todos os meus anos em fuga tiveram uma finalidade. Eu estava tentando
chegar até Dane.
Meu marido também se considerava como tendo sequelas. Mas eu
nunca o vira dessa forma, como ele não me via como uma pessoa com
cicatrizes. Nós nos reconhecíamos com o coração, não com os olhos.
Quando olhávamos um para o outro, só o que víamos e sentíamos era
amor.

~ Fim ~
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A Obsessão do Bilionário: A Coleção Completa
Capítulo 1

Simon Hudson estava parado silenciosamente nas sombras do


saguão opulento, com as mãos nos bolsos da calça jeans e um dos
ombros apoiado no batente de uma janela grande virada para a rua.
O corpo inteiro estava tenso e os olhos castanhos escuros varriam a
calçada com o foco intenso e completo de um louco.
Onde diabos ela está? São dez e quarenta.
Ele sabia que Kara estava trabalhando naquela noite. Nas duas noites
anteriores, ela não fora trabalhar por motivos de saúde, mas voltara ao
trabalho no restaurante de Helen, atendendo às mesas no turno de plantão.
Ele conferira. A mãe dele era proprietária do bistrô onde Kara trabalhava e
era geralmente bem direta com as informações quando Simon perguntava,
mas ele era cuidadoso. Se não fosse, a mãe o perseguiria para descobrir por
que queria informações sobre Kara. A mãe era maravilhosa, mas era
inquisitiva, e se transformaria em um cão de caça atrás de um rastro se
achasse que o interesse de Simon não era casual. Ele seria encurralado até a
morte, com a mãe querendo saber exatamente quais eram as intenções dele
com Kara.
Simon franziu a testa. Não que ele tivesse qualquer intenção. Ele tinha
fantasias e todas envolviam Kara deitada na cama dele, gritando seu nome
enquanto a fazia gozar sem parar.
Simon respirou fundo e soltou o ar lentamente, tentando fazer com que
o corpo relaxasse e dizendo a si mesmo que devia estar maluco por ficar
exatamente na mesma posição, noite após noite, por causa de uma mulher a
quem nunca fora apresentado oficialmente. Mas lá estava ele... de novo, de
costas para o porteiro curioso, espiando pela janela como um perseguidor
desequilibrado, querendo ver Kara Foster, nem que fosse de relance.
Alguma coisa sobre a mulher provocava instintos estranhos, territoriais e
protetores que o mantinham lá, de vigia, esperando que ela passasse, a
caminho de casa, pelo prédio de apartamentos onde ele morava.
E, quando ele a visse, faria a mesma coisa que sempre fazia. Ele a
seguiria à distância, tentando não alarmá-la, e esperaria até que ela entrasse
com segurança no apartamento. Depois, daria meia volta e caminharia até
sua casa.
Ele não falaria com ela, nem mesmo chegaria perto. Nunca fazia isso.
Não que não quisesse, mas Kara cursava a faculdade de enfermagem e
trabalhava em horário integral no restaurante da mãe dele. De acordo com a
mãe, Kara se recusava terminantemente a namorar, pois não tinha tempo
nem energia para um relacionamento. Provavelmente estava certa. Aquela
mulher maluca não dormia nem comia o suficiente. Não tinha ninguém que
se preocupasse com ela, exceto a mãe dele... e Simon. No ano anterior,
Simon provavelmente se preocupara mais com o bem-estar de Kara do que
uma dezena de familiares teria se preocupado. E ele nem podia chamá-la de
amiga. O problema era que... ele não era um familiar e os sentimentos que
tinha estavam longe de serem fraternais.
Meu Deus, ela era demais!
Simon teve que reprimir um grunhido de frustração ao pensar na
primeira vez em que vira Kara, com os olhos azuis brilhando de alegria,
cachos negros dos cabelos sedosos escapando do eterno rabo de cavalo e o
corpo esguio movendo-se graciosamente de uma mesa à outra no
restaurante da mãe dele. Aos vinte e oito anos, ela ainda tinha um olhar de
inocência e vulnerabilidade que deixou Simon completamente enfeitiçado.
Desde então, ele estivera prisioneiro.
A mãe falava sobre Kara como se fosse uma filha e Simon sabia que as
duas tinham uma ligação especial, não formada pelo sangue, mas por uma
amizade especial. Que merda... se Kara fosse mais jovem, Simon tinha
quase certeza de que a mãe a adotaria. Torcendo os lábios ligeiramente,
Simon torceu para que a mãe nunca esperasse que ele fosse um irmão para
Kara. Isso não aconteceria. Sempre que a via, o pênis ficava imediatamente
duro e pronto. O que diabos havia naquela mulher em particular que o
deixava tão inquieto e agitado?
Simon fodera mulheres que eram mais atraentes ou mais sofisticadas e
nenhuma delas jamais tocara nas emoções dele. Ele era um solitário que
preferia passar o tempo com o computador em vez de participar de funções
sociais. Mas havia momentos em que precisava da companhia de uma
mulher para se aliviar fisicamente. Usar a própria mão de vez em quando
não resolvia o problema. Simon tinha certas conhecidas para aquelas
ocasiões, mulheres que davam a ele o controle de que precisava ter no
quarto, sem fazerem exigências nem perguntas. Mas que merda! Aquilo
fora o suficiente para ele... até que vira Kara.
Fazendo uma careta, sem tirar os olhos da rua, Simon enfiou as mãos
mais fundo nos bolsos e ajustou a posição, dando uma folga ao ombro ao
encostar os quadris na parede. Minha nossa, ele estava comportando-se de
forma ridícula. Por quanto tempo ele sonharia acordado com uma mulher
que nem mesmo sabia de sua existência? Até que ela terminasse a faculdade
de enfermagem e mudasse de cidade? Até que ela se casasse?
Ele quase rosnou ao pensar em outro homem colocando as mãos no
corpo delicioso de Kara. Simon lutou contra um instinto puramente
selvagem que surgiu ao pensar em outro homem tocando na mulher dele.
Ela não é a sua mulher, idiota. Caia na real.
Pela primeira vez na vida, Simon desejou ser mais parecido com o
irmão mais velho, Sam, a outra metade da Corporação Hudson. Sam não
teria problema algum em abordar Kara. O estilo do irmão sempre fora jogar
o charme, conquistar e descartar, e Sam não teria nem pensado na
possibilidade de ser rejeitado. Provavelmente porque Sam nunca
fracassava! O único irmão usava a população feminina como uma pessoa
muito gripada usava lenços de papel. Sam teria derrubado as defesas de
Kara, conseguiria convencê-la a tirar a calcinha e, depois, simplesmente a
descartaria para conquistar a próxima mulher.
Ah, merda, não. Simon amava o irmão, mas nunca deixaria Sam
seduzir Kara. Ele nem mesmo queria que os dois ficassem no mesmo
aposento.
Porque ela é minha.
Simon balançou a cabeça, surpreso com o próprio comportamento.
Sim... ele gostava de estar em controle. Na verdade, precisava estar no
controle. Mas nunca desejara uma mulher em particular. Agora, ele mal
conseguia pensar em outra coisa que não fosse a bela garçonete que atraíra
a atenção dele um ano antes.
Você tem medo dela.
Simon fez uma careta. Claro que não! Ele não tinha medo de nada. E,
com certeza, não tinha medo de Kara Foster. Ela só... não era uma amante
provável. Por que perder tempo com ela?
Ele fodia.
Não namorava.
E gostava das coisas assim.
O irmão Sam era o rosto da empresa, o comerciante. Simon entendia de
computadores e sentia-se feliz de ficar em segundo plano. O que ele sabia
sobre seduzir uma mulher? Nunca precisara obrigar uma mulher a ir para a
cama. As mulheres que fodia só ficavam com ele para ganhos pessoais. Ele
era conhecido como um amante generoso. Não era tolo o suficiente para
acreditar que tivessem qualquer sentimento por ele. Isso ele entendia. Com
isso, conseguia lidar.
Talvez eu precise achar um jeito de foder Kara e acabar com essa
obsessão maluca.
Seria o suficiente? Será que ele conseguiria se livrar dessa fixação pela
mulher se achasse uma forma de tê-la?
Cristo! Precisava fazer alguma coisa. A preocupação irracional com
Kara ficara cada vez pior no ano anterior, fazendo com que ele não quisesse
nenhuma mulher além dela. Durante aquele ano inteiro, ele só gozara com a
própria mão e realmente precisava dar um jeito nisso. Mas... não conseguia.
Se tentasse fazer alguma coisa, se telefonasse para outra mulher, veria o
rosto bonito de Kara e desligaria o telefone.
Que merda, estou obcecado por ela.
Simon olhou para alguém que se aproximava, com a mente quase
imediatamente começando a descartar a mulher de cabelos escuros que
vestia uma minissaia de couro preta e um blusão vermelho. Ele nunca vira
Kara vestir qualquer outra coisa que não fosse calça jeans e camiseta com o
logotipo do restaurante, o traje casual padrão dos funcionários do
estabelecimento da mãe.
Surpreso, ele olhou novamente quando a mulher se aproximou,
soltando uma exclamação quando o rosto dela ficou à vista. Santo Cristo!
Era Kara. Ela estava perto o suficiente para que ele conseguisse ver as
feições, o mesmo rosto que assombrava seus sonhos molhados todas as
noites, mas a roupa…
O que diabos ela estava vestindo?
Simon conseguia ver quase todos os centímetros das pernas longas e
esguias na minissaia ultracurta e a roupa inteira moldava os seios, o tronco
e a bunda como uma luva. O pênis levantou imediatamente em alerta e ele
tirou as mãos dos bolsos. Elas se fecharam em punhos rígidos quando um
fio de suor correu-lhe pelo rosto. Seguido de outro. E mais outro.
Mas que inferno! O que ela tinha na cabeça? Vestida daquele jeito,
estava praticamente implorando que um homem aparecesse e arrancasse-a
da rua.
E, por Deus, ele seria aquele homem. Não deixaria aquela oportunidade
para outro macho, alguém que poderia machucá-la.
Será que ela não percebia que estava em Tampa? Uma cidade enorme!
Não era uma cidade minúscula onde pudesse andar pelas ruas à noite sem
ser notada nem abordada.
Simon abriu uma das mãos e agarrou a moldura da janela para se
apoiar, sem tirar os olhos da mulher que se aproximava. Rangendo os
dentes, Simon sabia que aquele era o dia em que teria que se aproximar
dela, chegar mais perto do que nunca. Ele não conseguia mais controlar
aquelas emoções animais e selvagens. Não gostava delas nem estava
acostumado com elas. A única coisa que queria era recuperar a sanidade,
voltar ao computador e trabalhar na paixão que tinha pelo desenvolvimento
de jogos de computador, sem que o cérebro fosse tomado por pensamentos
eróticos com Kara.
Senso. Razão. Controle. Era assim que funcionava e do que precisava
para ser ele mesmo novamente. E ele voltaria ao estado mental normal, não
importava as medidas drásticas que precisaria tomar para conseguir isso. De
alguma forma, ele acabaria com aquele desejo incrivelmente idiota e furioso
por Kara Foster.
Com a decisão tomada, Simon empurrou a moldura da janela e
endireitou o corpo, abaixando a “máscara” até que o rosto não mostrasse
qualquer emoção. Ele era bom nisso. Fora criado em uma área de Los
Angeles onde a maioria das pessoas normais nunca nem entraria. Um lugar
onde ser fraco, frágil ou lento de alguma forma significava ser destruído.
No mínimo, Simon Hudson era um sobrevivente. Com o disfarce
firmemente no lugar, ele afastou o olhar da janela, virou-se bruscamente e
andou com passos determinados na direção da porta.

Kara Foster estava tendo um dia horrível!


Ela mudou a mochila de lugar para que ficasse mais firme no ombro e
estendeu a mão para a bainha da saia ridiculamente curta, puxando-a para
baixo para cobrir a bunda. As roupas ficaram ótimas na amiga, Lisa, que era
vários centímetros mais baixa e sete anos mais jovem que Kara.
Infelizmente, não tinham a mesma aparência no corpo mais alto e mais
cheio de Kara. O blusão ficava justo sobre os seios generosos e a saia era
curta demais, mal escondendo as nádegas.
Ela era uma mulher que conhecia as ruas, pois crescera em uma das
piores áreas de Tampa e saíra da experiência intacta. Kara sabia como se
proteger, como evitar atenções indesejadas. Então, que diabos estava
fazendo em uma roupa destinada a metê-la em encrencas? Que burrice,
Kara. Que burrice!
Franzindo a testa, Kara se forçou a continuar caminhando. Não era
nada demais. Ela estava em uma área decente. E daí se ela parecia uma
vagabunda? Mais oito quarteirões e estaria em casa, livre para finalmente
tirar aquela roupa ridícula e vestir algo confortável, como jeans e camiseta.
Kara reprimiu um suspiro enquanto se concentrava unicamente em
chegar no minúsculo apartamento que dividia com outra estudante. As
pernas estavam frias e ela estremeceu, andando mais depressa para aquecer
o corpo. Era janeiro em Tampa e, apesar de o dia ser agradável, as noites
eram frias. Ela deveria ter levado o casaco, mas acabara se atrasando
naquela manhã.
Não planejara ficar com as pernas nuas e o traseiro balançando na
brisa.
O dia está quase acabando.
Graças a Deus!
Ela derramara café na calça jeans e na camiseta mais cedo. Sem tempo
para ir para casa trocar de roupa antes de ir trabalhar, Kara aceitara com
gratidão a oferta de roupas limpas de Lisa, uma amiga que nunca saía de
casa sem uma muda de roupa no carro. Não que Kara não apreciasse a
bondade da amiga. Ela apreciava, com certeza. Kara só queria ser capaz de
usar as roupas com a mesma atitude que Lisa. Mas... não conseguia. Estava
acostumada a ser discreta e sentia-se mortificada pelo fato de que
provavelmente parecia uma garota de programa com sapatos feios. Ela
passara o dia inteiro e o início da noite com um tom rosado no rosto,
tentando desesperadamente não inclinar o corpo.
Quando chegara ao restaurante para trabalhar, a chefe dela, Helen
Hudson, ficara com pena e encontrara um avental que chegava até os
joelhos de Kara e cobria a parte de trás que estava exposta.
Desejando ter ido para casa com o avental, ela puxou novamente a
parte de baixo da saia minúscula com um gesto cheio de frustração,
torcendo para que nada além das coxas estivesse aparecendo.
A exaustão tomou conta do corpo de Kara e o estômago roncou. Ela
estivera tão ocupada no trabalho que não tivera tempo para comer. O
restaurante pequeno e aconchegante estivera cheio, muito mais do que o
normal, pois era sexta-feira à noite. Na verdade, ela ficara feliz com a
quantidade de clientes. O dinheiro das gorjetas que tinha na mochila era
tudo o que havia entre ela e uma conta bancária totalmente zerada. Talvez
pudesse comprar algumas coisas no mercado agora que tinha um pouco de
dinheiro. As prateleiras em casa estavam vazias e a colega parecia estar em
uma situação financeira ainda pior. Lydia nunca comprava comida e o que
Kara comprava desaparecia rapidamente.
Último semestre! Você consegue.
Foram quatro longos anos e Kara se sentia muito mais velha do que os
vinte e oito anos que tinha. Na verdade, ela simplesmente se sentia velha.
Ponto. A maioria dos colegas da faculdade mal tinha idade para beber e só
pensava em festas, enquanto Kara só conseguia pensar em viver um dia de
cada vez, chegando cada vez mais perto da formatura.
Ela perdera os pais em um acidente de carro aos dezoito anos e era
praticamente sozinha. Depois de trabalhar vários anos como garçonete, mal
sobrevivendo, sabia que precisava ir para a faculdade ou resignar-se a
sobreviver sem ver um fim para a pobreza.
Ela não se arrependia da decisão de ter ido para a faculdade, mas fora
difícil, uma estrada árdua e solitária. Estava grata por estar quase no fim.
Você conseguirá. Está quase lá!
Kara parou abruptamente quando a calçada começou a oscilar e a visão
ficou embaçada. Ah, merda. Ela estendeu a mão para se segurar em um
poste enquanto o cérebro girava e o corpo tremia. A tontura tornou
impossível avançar mais um passo. Mas que merda. Eu deveria ter parado
para comer alguma coisa.
— Kara! — Ela ouviu a voz em tom de barítono baixa e sem sentido
penetrando o cérebro enevoado. A voz era abrupta, mas era reconfortante
saber que alguém que a conhecia, que a reconhecera, estava lá.
Balançando a cabeça, tentando clarear a visão, Kara segurou com mais
força no poste de metal e fez força para não desmaiar na calçada gelada de
pedra quando o corpo oscilou precariamente, preparando-se para a queda.
BIOGRAFIA
J.S. Scott é autora best-seller de romances eróticos do New York Times, do
Wall Street Journal e do USA Today. Ela é leitora ávida de todos os tipos de
livros e literatura. Ao escrever o que adora ler, J.S. Scott escreve histórias
românticas eróticas contemporâneas e paranormais. Seus livros sempre têm
um macho alfa e um final feliz, pois ela não consegue escrevê-los de outra
forma! Ela mora nas belas Montanhas Rochosas com o marido e dois
pastores alemães muito mimados.
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The Forbidden Billionaire
The Billionaire’s Touch
The Billionaire’s Voice
The Billionaire Takes All
The Billionaire’s Secrets
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Release!
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Sequelas
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The Vampire Coalition Series:
The Vampire Coalition: The Complete Collection
Ethan’s Mate
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