Curso de Sociologia e Psicologia do Trabalho – VIVIANE VIDIGAL- @viviane_vidigal
A DIVISÃO SEXO-RACIAL DO TRABALHO
A divisão sexual do trabalho é a forma, modulada histórica e socialmente, de
divisão do trabalho decorrente das relações sociais entre os sexos. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado e observa dois princípios organizadores: “o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher)” (HIRATA; KERGOAT, 2007). A emergência do conceito da divisão sexual do trabalho teve um papel muito importante para questionar o que era a definição clássica de trabalho, problematizando que o debate de classe não explicava e não dava conta do conjunto da realidade do trabalho. As feministas que discutiram a divisão sexual do trabalho estavam no campo do marxismo e eram prevalentemente brancas, transcurando, assim, o aspecto constitutivo da divisão social do trabalho: a raça (VIDIGAL; ALBUQUERQUE, 2021). Isso porque a divisão sexual do trabalho produz e se reproduz através do gênero em conjunto com classe e raça, sendo que os constrangimentos sociais, culturais e materiais se apresentam de forma diferente para as mulheres a depender da cor de sua pele e de sua classe social, sendo que a generalização da condição somente baseada no gênero pode vir a ocultar as diferentes formas de opressão. A par das diferenças e dos privilégios distribuídos de forma diversa entre as mulheres, em um primeiro momento, a divisão sexual do trabalho traz a aparência de haver uma destinação dos homens ao trabalho chamado produtivo e uma destinação prioritária das mulheres ao trabalho reprodutivo. Mas o que se viu foi que as mulheres estão simultaneamente nas duas esferas: no trabalho produtivo e no trabalho reprodutivo. Portanto, a divisão sexual do trabalho não se restringe ao plano dicotômico de separação entre trabalho produtivo e reprodutivo; ela se repõe, também, na própria esfera produtiva com mulheres ocupando tradicionalmente nichos específicos do mercado de trabalho, os chamados por BRUSCHINI e LOMBARDI (2000) de “guetos” ocupacionais femininos. A forma de desenvolvimento capitalista produziu historicamente uma vida cotidiana em que o tempo social que conta, ou seja, o tempo de trabalho que tem valor, é aquele empregado na produção de mercadoria, gerador de mais-valia. O trabalho produtivo das mulheres ainda se manifesta como um prolongamento de atividades do trabalho reprodutivo, sendo subjugado sob a perspectiva da proteção jurídica laboral e do binômio tempo-valor (VIDIGAL; ALBUQUERQUE, 2021). A velha máxima capitalista de que “tempo é dinheiro” não se aplica ao universo feminino, pois “para as mulheres, tempo não tem sido dinheiro” (PEREIRA; NICOLI, 2020, p. 528). O trabalho reprodutivo exercido por elas é dissociado das ideias de valor e de tempo de trabalho, transformado em outras coisas, seja em “afeto, em mágica, em amor, em obrigação, naturalização, em candura, em instinto, em destino, em mil expectativas e papéis sociais, morais e religiosos que tentam ocultar a força desses tempos e valores para a produção e sustentação da vida Curso de Sociologia e Psicologia do Trabalho – VIVIANE VIDIGAL- @viviane_vidigal
e da economia” (PEREIRA; NICOLI, 2020, p. 529). Trata-se de um trabalho travestido
de amor, diário, gratuito e invisibilizado. Além disso, o fato de o trabalho reprodutivo não ser remunerado acaba refletindo em um empobrecimento contínuo das mulheres e em sua inserção insatisfatória no mercado de trabalho produtivo (FEDERICI, 2017), mantendo desigualdades salariais, de evolução na carreira e de outras ordens em relação aos homens (PEREIRA; NICOLI, 2020), pois o trabalho não remunerado lhes retira tempo e energia para se dedicarem de forma igual, tempo este que sequer existe para o cronômetro capitalista. Em um paradoxo cruel, exige-se das mulheres a perfeição, não basta que sejam boas no que fazem, medianas, é preciso que se esforcem muito mais do que homens para terem um mínimo de visibilidade. Mas a busca pela perfeição demanda tempo e como manter essa busca se não se tem tempo?
(Trecho de “DE BRANCAS A COLORIDAS, AS PAREDES DO LABIRINTO:
GÊNERO, PANDEMIA E HOME OFFICE”, por Viviane Vidigal e Maira Morato.)