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EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A MATERIAL BIOLÓGICO NA ÁREA DA SAÚDE

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A MATERIAL BIOLÓGICO NA ÁREA DA SAÚDE

HEALTH PROVIDERS OCUPATIONAL EXPOSURE TO BIOLOGICAL MATERIALS

JOSÉ ANTONIO CHEHUEN NETO * MAURO TOLEDO SIRIMARCO ** FABRÍCIO HENRIQUE MARTINS DE RESENDE ***
ANA PAULA COELHO NAZARETH **** DANIELA DE SOUZA NEVES **** FÁBIO PESSÔA ARAÚJO **** FRANCIS ATAIDE VIEIRA ****
LEONARDO EMILIANO GONÇALVES GOMES **** PATRÍCIA DE CASTRO ABREU ****

RESUMO Apesar de terem sido caracterizados seis diferentes


O profissional de saúde está sujeito ao contato e a acidentes com vírus de hepatite, as hepatites B e C são as duas infecções
material biológico, o que o expõe ao risco de contaminação por de maior preocupação para profissionais da área de saúde.
agentes infecciosos. Este trabalho aborda doenças cujos agravos
Isso se deve à possibilidade de transmissão por contato
trazem conseqüências bastante nocivas à saúde dos trabalhado-
res, o risco de contaminação, as medidas preventivas e a profila- com sangue ou outros fluidos corporais contaminados e
xia pós-exposição. Apresenta também revisão da literatura a res- por ambas estarem associadas com infecção crônica que
peito da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), hepatite conduz, em última instância, à cirrose, hipertensão portal
tipo B e hepatite tipo C. Constata-se a importância de se efetuar
treinamento permanente de profissionais e estudantes da área e carcinoma hepatocelular.5
de saúde em nosso meio, reforçando o seu conhecimento sobre O objetivo deste trabalho é abordar as principais doen-
medidas de prevenção de acidentes. ças infecciosas, relacionadas ao risco de contaminação de
Palavras-chave: Riscos ocupacionais; Exposição Ocupacional/
prevenção & controle; Transmissão de Doença do Paciente para o
profissionais da saúde, as medidas de prevenção e de profi-
Profissional/ prevenção & controle; Ferimentos Penetrantes laxia pós-exposição, segundo revisão da literatura e de acor-
Produzidos por Agulha; Pessoal de Saúde. do com o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional
a Material Biológico (Ministério da Saúde), da Secretaria de
INTRODUÇÃO Políticas de Saúde e da Coordenação Nacional de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDS.
Estima-se que há maior risco de aquisição e de trans-
missão de doenças infecciosas em ambiente hospitalar.
Tanto o paciente como os profissionais de saúde têm REVISÃO DA LITERATURA
maior risco de exposição, assim como ambos podem ser o Vírus da imunodeficiência humana (HIV) e síndrome
veículo de transmissão e disseminação dessas doenças.1 da imunodeficiência adquirida (AIDS) e os riscos de
O risco de exposição varia segundo o tipo de ativida- contaminação
de exercida, o uso de medidas preventivas à exposição e a A AIDS, causada pelo HIV-1, alterou profundamente
prevalência local de doenças. Quando relacionado à a sociedade e a prática clínica contemporâneas.6 Dados
aquisição de doenças, depende tanto do tipo de exposi- recentes apóiam a teoria de que o HIV se originou na
ção, da patogenicidade do agente infeccioso e da existên- África. O sangue coletado, em 1959, de um homem da
cia de profilaxia pós-exposição, como da prevalência República Democrática do Congo constitui a infecção
local de doenças e da susceptibilidade do profissional.1 O pelo HIV-1 mais antiga de que se tem conhecimento.
risco de transmissão viral é determinado por importantes Entretanto, o primeiro grupo de casos de AIDS reconhe-
fatores – a natureza e freqüência do contato com sangue, cido e relatado foi em 1981, nos EUA. Quase todos os
fluidos corporais ou material contaminado.2 O potencial casos identificados nessa época eram homens jovens
de transmissão de doenças virais para profissionais de homossexuais, mas, rapidamente, verificou-se que a infec-
saúde existe quando material biológico contaminado é ção pelo HIV podia ser transmitida por contato heteros-
inoculado através de ferimentos ou entra em contato sexual. Sabe-se, hoje, que a transmissão se dá também
com pele não-íntegra.3
É importante ressaltar que os acidentes de trabalho * Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora
(FAMED/UFJF). Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Mestre e Doutor pelo Curso de Pós-graduação em
decorrentes da exposição a materiais biológicos, tão corri- Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-SP).
Responsável pela Disciplina de Metodologia Científica em Medicina.
queiros no dia-a-dia das unidades hospitalares, consti- ** Professor Adjunto da FAMED/UFJF. Proctologista. Mestre e Doutor em Cirurgia pela Faculdade
tuem uma preocupação de todos os profissionais expostos de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor da Disciplina de Metodologia
Científica em Medicina.
aos fatores de risco relacionados ao contato direto ou *** Aluno da Disciplina de Metodologia Científica em Saúde. Optativa. 5º período da
FAMED/UFJF.
indireto com sangue e outros fluidos corporais, especial- **** Alunos da Disciplina de Metodologia Científica em Medicina. 4º período da FAMED/UFJF.
Educação Continuada
mente no que se refere à síndrome da imunodeficiência Endereço para correspondência:
adquirida (AIDS) e à hepatite B ou C. Os agravos dessas José Antônio Chehuen Neto.
Av. Independência, 1495/1001. Centro.
doenças trazem conseqüências bastante nocivas à saúde CEP 36016-320. Juiz de Fora – MG.
Tel. (32) 3212-8477. Data de submissão: 04/01/2005
dos trabalhadores.4 E-mail: chehuen@medicina.ufjf.br Data de aprovação: 11/04/2006

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pela transfusão de sangue ou plasma, componentes celu- diária, em outras regiões. 8


lares e fatores de coagulação de indivíduos infectados para Ela é causada por um vírus que contém um antígeno
não-infectados, por transmissão perinatal, contato com de superfície, chamado HBs (HBsAg). Para compor a
líquidos orgânicos, tais como secreção vaginal, sêmen, partícula viral completa, que é responsável pela infeccio-
saliva, urina e por órgãos transplantados. 6 sidade viral, existe também um nucleocapsídeo com antí-
A exposição ao sangue infectado pelo HIV constitui genos “core” (HBcAg), Hbe (HBeAg) e, no seu interior,
um risco nítido de infecção pelo vírus para os profissio- fita de DNA parcialmente dupla com enzima DNA poli-
nais de saúde, de laboratório e de assistência domiciliar. merase DNA dependente.
Grandes estudos prospectivos constataram que o risco de O vírus da hepatite B (HBV) é resistente à luz ultra-
soroconversão, depois de uma picada de agulha ou de violeta e ao éter, porém é inativado por hipoclorito de
outras exposições parenterais ao sangue de pessoas infec- sódio e água fervente em período de 10 minutos. Seu
tadas pelo HIV, é de, aproximadamente, 0,3% e, após local de multiplicação é exclusivamente o hepatócito,
exposição mucocutânea, de 0,09%.6,7 Se o contato ocorrer embora tenha sido identificado no pâncreas, nos linfóci-
com materiais biológicos diferentes do sangue, o risco é tos e na parede de vasos sangüíneos. 9
menor, embora não definido. 7 O contato com lesões de Após a infecção pelo HBV, a maioria dos indivíduos
pele e o maior tempo de exposição ao material contami- desenvolve infecção aguda, podendo esta ser assintomática
nado elevam o risco de transmissão, assim como ocorre ou sintomática. O período de incubação varia de 30 a 180
quando a carga viral do paciente é alta.7 dias, dependendo das vias de contágio, da quantidade de
A prevenção eficaz da infecção pelo HIV exige plena partículas virais e da “cepa” do HBV.10 Os sinais e sintomas
compreensão dos modos de transmissão viral, das popu- mais comuns são anorexia, náuseas, vômitos, dor abdomi-
lações de risco e dos parâmetros estabelecidos para se evi- nal, hepatomegalia, icterícia e urina escura, surgindo, com
tar exposição de alto risco. A adoção de práticas sexuais maior freqüência, em adultos. A doença pode se tornar
seguras como relação monogâmica com parceiro sorone- crônica ou ser curada, havendo eliminação dos vírus e pro-
gativo confirmado, relação sexual com preservativo de dução de anticorpos específicos (anti-HBs), o que confere
látex, assim como evitar uso de drogas intravenosas ou, ao um estado de imunidade ao indivíduo.
menos, não compartilhar agulhas e seringas, são medidas Testes sorológicos são necessários para a identificação
importantes de prevenção. do agente etiológico da hepatite, uma vez que o quadro
Profissionais de saúde devem considerar perigosas todas clínico é semelhante em todos os tipos da doença (A, B,
as amostras que contêm sangue ou líquidos com vestígios C, D e E). Os marcadores sorológicos do HBV são
de sangue obtidos de qualquer paciente e manipulá-las HBeAg, anti-HBs (anticorpo contra HBsAg) e anti-HBc
segundo precauções universais.6 A melhor prevenção é não (anticorpo contra HBcAg). Estes variam de acordo com o
se acidentar. Contudo, em caso de exposição a material bio- estádio de infecção (aguda ou crônica). Assim, o HBsAg
lógico, os procedimentos recomendados incluem cuidados é encontrado nos dois estádios; e o anti-HBs é indicativo
locais na área exposta, medidas de quimioprofilaxia e de de cura e de proteção contra reinfecção, podendo ser
notificação, como referidas a seguir.4 também adquirido através de vacinação e de imunoglo-
Nos últimos anos, têm sido envidados esforços visan- bulinas específicas; o anti-HBc pode ser do tipo IgG ou
do ao desenvolvimento de uma vacina efetiva contra o IgM, sendo o segundo encontrado em infecção recente, e
vírus da AIDS. Apesar dos enormes avanços na com- o outro, em infecção aguda e crônica; o anti-HBe sugere
preensão da imunopatogenia da infecção pelo HIV, o baixa infecciosidade e indica início de convalescença.8
mecanismo preciso da imunidade protetora continua des- A transmissão viral ocorre por exposição percutânea
conhecido. Outro obstáculo é a falta de correlação entre ou por mucosa, através, principalmente, do sangue de
os dados provenientes dos modelos animais e os poten- indivíduos HBsAg positivos, sendo que outros fluidos
ciais efeitos protetores das vacinas nos seres humanos. E, orgânicos (sêmen, secreção vaginal, leite materno) contri-
mesmo que uma vacina efetiva seja desenvolvida, a orien- buem para a disseminação.
tação continuará a ser o modo primário de prevenção, O risco de acidentes com agulhas contaminadas que
devido à dificuldade em se saber quanto tempo durará o resultam em infecção pelo HBV é cerca de 17 a 30%, se
efeito imune protetor. 6 o sangue for de paciente HBV-HBeAg positivo. Quando
o marcador HBV-HBeAg for negativo, a possibilidade
Hepatite B
diminui para 5%.8
É uma doença que, no Brasil, apresenta áreas de ele- Estudos epidemiológicos demonstraram que profissio-
vada prevalência, como a Amazônia. Há focos em Santa nais de saúde possuem, aproximadamente, uma prevalência
Catarina, Espírito Santo e zonas de prevalência interme- cinco a dez vezes maior de marcadores sorológicos do HBV

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do que doadores de sangue.8 Para a prevenção e controle da pele – quanto maior for este tempo, maior o risco de con-
hepatite B nesses profissionais, foram adotadas medidas taminação.1
gerais, recomendadas universalmente, e que visam evitar O número de exposições varia conforme as diferentes
exposição a sangue contaminado. categorias profissionais, as atividades realizadas e os setores
A profilaxia, considerando-se a fase de pré-exposição, é de atuação dentro dos serviços de saúde. A probabilidade de
feita através da vacinação; na fase pós-exposição, a profilaxia ocorrer exposição é grande entre estudantes ou estagiários e
é realizada através da aplicação imediata da imunoglobulina entre profissionais em fase de treinamento, já que não há
hiperimune (HBIG), seguida de vacinação. preparação adequada nos cursos de formação técnica ou
A vacina, contendo HBsAg, é produzida a partir de profissional quanto às formas de prevenção de acidentes
métodos de engenharia genética, sendo considerada segura com material biológico.1
e imunogênica. Apresenta taxa de soroconversão maior que Segundo os trabalhos da literatura, a equipe de enfer-
96% em adultos. 8 Porém, recomenda-se determinação do magem é uma das principais categorias expostas ao risco de
título de anti-HBsAg entre um a seis meses após esquema acidentes com material biológico. O índice de acidentes
vacinal primário, pois a soroconversão pode sofrer interfe- atinge cerca de 70% do total de acidentes com material bio-
rência de vários fatores, entre eles o tabagismo.11 lógico,13,14 com destaque para a perfuração com agulha, que
é o evento mais freqüente.13-15 Este índice está relacionado ao
No Brasil, o Programa Nacional de Hepatites Virais
fato de os enfermeiros estarem em maior número nos servi-
(Fundação Nacional de Saúde/Ministério da Saúde) pro-
ços de saúde, terem contato direto na assistência aos pacien-
põe a vacinação contra hepatite B – apesar do elevado
tes, bem como ao tipo e à freqüência de procedimentos rea-
custo – aos profissionais e universitários da área de saúde,
lizados. A freqüência de exposições é maior entre atenden-
em virtude da análise custo-benefício, visto que se trata de
tes, auxiliares e técnicos de enfermagem, quando compara-
população economicamente ativa.8 Essa vacina pode ser dos aos profissionais com nível de instrução superior.1
encontrada nos postos de saúde de vários estados. Com relação aos médicos, os riscos variam conforme as
Hepatite C diferentes especialidades. Entre os clínicos, o número esti-
mado de exposições pode variar de 0,5 a 3,0 lesões percutâ-
É uma doença causada por um vírus de RNA (HCV), neas por profissional/ano. Já entre os cirurgiões, são estima-
cujo risco de transmissão por acidente com material per- das 8 a 15 exposições percutâneas por profissional/ano1.
furocortante varia de 3% a 10%, enquanto o risco de con- Medidas gerais de prevenção são recomendadas para
taminação por contato com pele lesada e mucosa ainda se evitar exposição a material biológico. A exposição pode
não foi quantificado. Já foi documentada a transmissão ser minimizada através de treinamento, programas educa-
através do sangue, sendo possível também a transmissão tivos, lavagem das mãos antes e após o contato com o
através do sêmen, secreção vaginal, saliva e de fluidos con- paciente, programas de imunização e uso de equipamen-
tendo sangue.11 A transfusão sangüínea representa o meio tos de proteção individual como máscara, gorro, protetor
mais freqüente para a transmissão da doença.12 de olhos, avental e luvas.16,17 Luvas cirúrgicas intactas são
Trabalhadores da área de saúde, expostos a uma possí- uma barreira à contaminação pelos vírus HBV, HCV e
vel contaminação, devem ser submetidos à sorologia para HIV, mas, uma vez perfuradas durante uma cirurgia, elas
anti-HCV imediatamente após o acidente, bem como seis não podem sustentar defesa adequada.18 Em um estudo
a nove meses depois. Determinar a infecção constitui prospectivo, comparando o uso de uma ou duas luvas,
medida de extrema importância, uma vez que 50% dos concluiu-se que, com duas luvas, o cirurgião está mais
infectados desenvolvem hepatite crônica e, nesses casos, é protegido. De acordo com esse estudo, dos 66 procedi-
indicado o uso de interferon.11 mentos cirúrgicos avaliados, em 22 houve perfuração da
Como os estudos ainda não comprovaram nenhum luva externa e em 10, da luva interna. 19
benefício profilático e de tratamento, a única medida efi- Recomendam-se, também, procedimentos a serem rea-
caz é a prevenção da ocorrência do acidente.4 lizados em caso de exposição, que incluem cuidados locais,
medidas específicas para cada doença e a procura de um ser-
viço de referência, para avaliação da gravidade do acidente e
DISCUSSÃO
da necessidade de se estabelecer um esquema profilático.
A exposição a material biológico ocorre mais freqüen- Em Juiz de Fora, esse serviço funciona no Hospital
temente em acidentes com materiais perfurantes e/ou cor- Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora.
tantes, durante os procedimentos ou no momento do des- É importante ressaltar que, no Brasil, não se encontra
carte. Outro fator importante é o tempo de contato do estabelecido nenhum sistema de vigilância de acidentes de
sangue contaminado com a solução de continuidade da trabalho com material biológico, o que constitui obstáculo

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para obtenção de dados estatísticos oficiais acerca desse tipo Quadro 1- Recomendações que devem constar no formulário de
de acidente de trabalho. Os estudos existentes no país refe- exposição ocupacional
rem-se a programas específicos, realizados em hospitais uni- Data e hora da exposição.
versitários e em outros serviços de saúde, de forma indivi- Detalhes sobre o procedimento que estava sendo executado, incluindo
onde e como a exposição ocorreu; se relacionada com instrumento afiado,
dualizada, a partir de protocolos elaborados nas próprias o tipo e a marca do instrumento, como e quando ao manusear o instru-
unidades.1 Em contrapartida, nos Estados Unidos, quando mento ocorreu a exposição.
um profissional da área de saúde sofre algum tipo de expo- Detalhes sobre a exposição, incluindo o tipo e a quantidade de fluido ou
material e a gravidade da exposição [por exemplo, para exposição per-
sição, este deve ser registrado no arquivo médico confiden- cutânea, profundidade da lesão e se o fluido foi injetado; para exposição
cial da pessoa exposta (normalmente um formulário desig- de pele ou mucosas, o volume estimado de material e as condições da
pele (por exemplo, rachada, esfolada, intacta)].
nado para esse propósito) (Quadro 1), sendo o mesmo Detalhes sobre a fonte de exposição (por exemplo, se o material-fonte
enviado para os órgãos federais (incluindo o “Occupational contém HBV, HCV ou HIV; se a fonte é HIV-positivo, o estádio da doença,
história de terapia anti-retroviral, carga viral e informação de resistência
Safety and Health Administration” – OSHA) e estaduais anti-retroviral, se for possível).
competentes, para que se possa obter uma estatística oficial Detalhes sobre a pessoa exposta (por exemplo, vacinação contra hepatite
B e sua resposta à vacina).
das doenças ocupacionais na área de saúde por exposição a
materiais biológicos.20
Medidas específicas a serem seguidas em caso de
Cuidados a serem seguidos quanto à região atingida exposição
Imediatamente após o acidente, deve-se lavar abun- a) HIV
dantemente o local atingido com água e sabão e aplicar As medidas específicas para HIV incluem a quimio-
solução anti-séptica sobre a lesão, como polivinilpirroli- profilaxia (Tabela 1), o acompanhamento do profissional
dona-iodo (PVPI) tópico, álcool a 70% ou álcool iodado. e a sorologia do paciente-fonte, que só pode ser realizada
Para o caso de acidentes envolvendo mucosas, lavar ape- mediante autorização do mesmo.
nas com solução fisiológica. Medidas como aplicação de A quimioprofilaxia é indicada segundo avaliação crite-
agentes cáusticos sobre o ferimento, injeção de anti-sépti- riosa do risco de transmissão, de acordo com o tipo de
cos ou de desinfetantes no local não são recomendadas.4 acidente ocorrido e da toxicidade dos medicamentos.4
Tabela 1 - Quimioprofilaxia após exposição ocupacional ao HIV

Medicamento Efeitos Adversos Interações


ZIDOVUDINA (AZT) Anemia, neutropenia, leucopenia, pla- Ganciclovir, anfotericina B, flucitosina, SMX-TMP, dapsona, pirimetamina, citostáti-
Cápsula 100mg quetopenia, náuseas, vômitos, astenia, cos, sulfadiazina (¬risco de toxicidade hematológica). Monitorar anemia e neu-
Dose: 300mg 2x/dia ou 200mg mal-estar geral, cefaléia, miopatia, insô- tropenia.
3x/dia nia, pigmentação ungueal e de Probenecida, fluconazol, paracetamol (níveis séricos do AZT). Monitorar toxici-
mucosas, alteração das provas hepáti- dade do AZT.
cas, hepatite. Estavudina e ribavirina (potencial para redução da atividade anti-retroviral). Evitar
uso concomitante.

LAMIVUDINA (3TC) Pancreatite, diarréia, dor abdominal, ane- Sulfametoxazol+trimetoprima (biodisponibilidade de 3TC). Não há necessidade de
Comprimido 150mg mia, neutropenia. ajuste de dose.
Dose: 150mg 2x/dia Zalcitabina (potencial antagonismo). Evitar uso concomitante.

INDINAVIR (IDV) Nefrolítiase, hematúria, cefaléia, insônia, O indinavir não deve ser co-administrado com rifampicina, astemizol, terfenadina, cis-
Cápsula 400 mg náusea, vômitos, astenia, fadiga, distúr- aprida, ergotamina e diidroergotamina, midazolam ou triazolam.
Dose: 800mg 8/8h, com estômago bios do paladar, pele e boca secas, dor Rifabutina ( níveis séricos de indinavir, e o indinavir ¬ níveis séricos da rifabutina).
vazio ou com alimentos com baixo abdominal, trombocitopenia, hiperbilirru- Cetoconazol e itraconazol (níveis séricos de indinavir). Considerar a redução da dose
teor de gordura. binemia indireta assintomática, aumento do indinavir para 600mg 8/8h
(ingerir diariamente 1,5 litro ou mais de triglicerídeos, hipercolesterolemia, Didanosina ( absorção de IDV). Administrar com intervalo mínimo de uma hora.
de líquidos para evitar aparecimento hiperglicemia e diabetes. Delavirdina (níveis séricos de IDV). Considerar a redução da dose de indinavir para
de nefrolitíase) 600mg 8/8h.
Nevirapina ( níveis séricos de IDV). Não há necessidade de ajuste de doses.

NELFINAVIR (NFV) Diarréia (efeito mais freqüente), exantema, O nelfinavir não deve ser co-administrado com: rifampicina, fenobarbital, fenitoína,
Comprimido 250mg flatulência, náusea, dor muscular, fraque- carbamazepina, ergotamina, diidroergotamina, astemizol, terfenadina, cisaprida,
Dose: 750mg 3x/dia, com alimento. za, aumento de triglicerídieos, hipercoles- midazolam ou triazolam.
terolemia, hiperglicemia e diabetes. Rifabutina ( níveis séricos de nelfinavir , e o nelfinavir ¬ níveis séricos de rifabutina).
Bloqueadores de cálcio (possibilidade de aumento dos níveis séricos dos blo-
queadores). Monitorar toxicidade.
Saquinavir (níveis séricos de SQV). Não há necessidade de ajuste de doses.
Nevirapina ( níveis séricos de NFV). Não há necessidade de ajuste de doses.
Atenção: Etinilestradiol e noretindrona ( níveis séricos dos hormônios). Usar méto-
do contraceptivo alternativo ou adicional.

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Esse procedimento reduz em 80% o risco de transmissão b) HBV


após acidente com material contaminado.21 Por apresen- As medidas específicas incluem a quimioprofilaxia e o
tar potencial de toxicidade, o seu uso não é justificado acompanhamento sorológico do profissional.
quando o risco de transmissão pelo HIV for desprezível.4 A principal medida de prevenção é a vacinação pré-
Quando indicada, a quimioprofilaxia deverá ser iniciada exposição, indicada para todos os profissionais da área de
o mais rápido possível, idealmente dentro de uma a duas saúde.4 A imunização parece ser o método mais efetivo de
horas após o acidente. Estudos em animais sugerem que a prevenir transmissão de HBV, de pacientes para profissio-
quimioprofilaxia não é eficaz quando iniciada de 24-36 nais e de profissionais para pacientes. 22,23
horas após o acidente, tendo duração de quatro semanas.3 A quimioprofilaxia pós-exposição (Tabela 2) é feita
O uso combinado de ziduvidina (AZT) com lamivu- com imunoglobulina hiperimune (HBIG) e/ou vacina,
dina (3TC) é recomendado na maioria das situações com dentro de 24 a 48 horas após o acidente, não havendo
indicação de uso de quimioprofilaxia. O uso de indinavir benefício comprovado na sua utilização quando decorrida
ou nelfinavir deve ser reservado para acidentes graves e uma semana do acidente.4
situações em que haja possibilidade de resistência viral.3
Em profissionais grávidas, com indicação de quimio- c) HCV
profilaxia, a utilização de outros medicamentos associados A única medida eficaz para eliminação do risco de
ao AZT ficará a critério médico, após discussão dos riscos infecção pelo HCV é por meio da prevenção da ocorrên-
com a profissional. Até o presente momento, não existem cia de acidente.4 Apesar de não haver nenhuma medida
dados que comprovem a segurança para o feto de outros específica, é importante que sejam realizadas a investiga-
anti-retrovirais que não o AZT. Profissionais que estejam ção do paciente-fonte e o acompanhamento sorológico do
amamentando devem ser orientadas a suspender o aleita- profissional.
mento durante a quimioprofilaxia anti-retroviral.3 Caso a investigação sorológica do paciente-fonte evi-
O profissional de saúde deverá ser acompanhado pelo dencie infecção pelo vírus da hepatite C, assim como em
período de seis meses após acidentes com material infec- exposições com paciente-fonte desconhecido, está reco-
tado pelo HIV e em acidentes com paciente-fonte desco- mendado o acompanhamento do profissional de saúde,
nhecido. Em exposições com paciente-fonte anti-HIV com realização de sorologia (anti-HCV), no momento do
negativo, o acompanhamento do profissional acidentado acidente, e após seis meses. Além disso, a dosagem de tran-
somente estará indicado caso haja possibilidade de expo- saminase glutâmico-pirúvica (TGP) também deverá ser rea-
sição do paciente-fonte ao HIV nos últimos três a seis lizada no momento, seis semanas e seis meses após o aci-
meses (possibilidade de "janela imunológica").4 dente, na tentativa de auxiliar o diagnóstico de soroconver-
Tabela 2 - Quimioprofilaxia após exposição ocupacional ao HBV#

Paciente

Profissional exposto HBsAg positivo HBsAg negativo HBsAg desconhecido ou não testado ##

Não Vacinado HBIG* + iniciar vacinação iniciar vacinação Iniciar vacinação

Previamente vacinado com respos- Nenhuma medida específica Nenhuma medida específica Nenhuma medida específica
ta vacinal conhecida e adequada1

Previamente vacinado sem respos- HBIG* + uma dose da vacina contra hepatite B2 Nenhuma medida específica Se fonte de alto risco4, tratar como se
ta vacinal ou HBIG* (2x)3 fonte HBsAg positivo
Resposta vacinal desconhecida Testar o profissional de saúde: Nenhuma medida específica Nenhuma medida específica
Se resposta vacinal adequada: nenhuma medida
específica
Se resposta vacinal inadequada: HBIG* + uma
dose da vacina contra hepatite B2 ou HBIG* (2x)3

# Os materiais biológicos com risco de transmissão do vírus da hepatite B são os mesmos descritos anteriormente para o HIV.
## Recomenda-se a utilização de testes HBsAg de realização rápida (menor que 30 minutos), quando não há possibilidade de liberação rápida de resultados ELISA, com o objetivo de evitar a administração
desnecessária de HBIG.
1. Resposta vacinal adequada significa ter anticorpos anti-HBs reativos pela técnica sorológica "ELISA", que quantitativamente deve ser maior ou igual a 10mUI/ml.
2. Quando não há resposta vacinal adequada após a primeira série de vacinação, grande parte dos profissionais (até 60%) responderá a uma segunda série de vacina. Caso persista a falta de resposta, não é recomen-
dada revacinação. Nessa situação, a conduta a ser indicada é HBIG (2x), a cada exposição ocupacional. Para um profissional de saúde ser considerado não-respondedor, o resultado da pesquisa antiHBs deve ser neg-
ativo dentro de seis meses após a terceira dose da vacina.
3. HBIG (2x) = duas doses de gamaglobulina hiperimune para hepatite B, com intervalo de um mês entre as doses.
4. Alto risco: usuários de drogas injetáveis, pacientes em programas de diálise, contactantes domiciliares e sexuais de portadores de HBsAg positivo, homossexuais e bissexuais masculinos, heterossexuais promíscuos,
história prévia de doenças sexualmente transmissíveis, pacientes provenientes de áreas geográficas de alta endemicidade para hepatite B, pacientes provenientes de prisões, instituições de atendimento a pacientes
com deficiência mental.
* A gamaglobulina hiperimune para hepatite B (HBIG) deve ser solicitada aos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais, por meio das Secretarias Estaduais de Saúde.

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EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A MATERIAL BIOLÓGICO NA ÁREA DA SAÚDE

são, visto que o exame sorológico (anti-HCV) pode apre- na. 21ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. v.2,
sentar níveis flutuantes, causando, em alguns períodos, p. 2124-8.
resultados falso-negativos. Em acidentes graves, com pacien- 7. Fauci AS, Lane HC. Doenças Causadas por Vírus da
te-fonte sabidamente infectado pelo vírus da hepatite C, Imunodeficiência Humana (HIV): AIDS e Distúrbios
Relacionados. In Harrison TR, ed. Medicina Interna. 14a
exames com técnica de biologia molecular com amplificação
ed. Rio de Janeiro: MacGraw - Hill Brasil; 1998. v.2,
genômica (por exemplo, reação de polimerase em cadeia)
p.1903-70.
em serviços de referência podem auxiliar no diagnóstico pre- 8. Yoshida CFT. Hepatite B como doença ocupacional. In:
coce de soroconversão do profissional.4 Teixeira P, Valle S, editores. Biossegurança: uma abordagem
Os profissionais de saúde que apresentarem exames multidisciplinar. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1996. p 257-72.
sorológicos positivos (no momento do acidente ou durante 9. Baldy JLS. Hepatite por vírus. In: Netto VA, Baldy JLS, edi-
o acompanhamento) deverão ser encaminhados aos serviços tores. Doenças transmissíveis. 3ª ed. São Paulo: Sarvier;
especializados para realização de testes confirmatórios, 1991. p 467-507.
acompanhamento clínico e tratamento, quando indicado.4 10. Focaccia R, Andrade DR. Hepatites Virais. In: Veronesi R,
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CONCLUSÕES
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1) O risco de contaminação através dos agentes bioló- RC, Pedrosa TMG, Nogueira JM, editores. Infecção hospi-
gicos é acentuado em enfermeiros e auxiliares de enfer- talar: epidemiologia e controle. Rio de Janeiro: MEDSI;
magem, e mais baixo entre os médicos, sendo necessário 1997. p 459-68.
haver treinamento permanente destes profissionais e dos 12. Domingues SHS. Aparelho digestivo. In: Mendes R, edi-
tor. Patologia do trabalho. Rio de Janeiro: Ateneu; 1995.
estudantes da área de saúde, com o objetivo de minimizar
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os riscos, visto que a prevenção é ainda o melhor método
13. Takagi H, Uehara M, Kakizaki S, et al. Accidental transmis-
de essas doenças serem evitadas. sion of HCV and treatment with interferon. J Gastroenterol
2) Atitudes rápidas e baseadas em normas padroniza- Hepatol 1998; 13(3): 238-43.
das atuais devem ser realizadas nos casos de exposição a 14. Chadee DD, Edwards JR, Sharma K, Shivnath B, et al.
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