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Modelos teóricos do uso de serviços de saúde: conceitos e revisão

Theoretical models of health services utilization:concepts and review


Ana Luiza Braz Pavão, Cláudia Medina Coeli

Resumo
O uso de serviços de saúde é um comportamento complexo, determinado por uma
grande variedade de fatores. A relação entre a utilização de serviços e seus determi�
nantes pode ser melhor compreendida por meio de modelos teóricos explicativos. Este
trabalho irá revisar os conceitos dos principais modelos teóricos do uso de serviços,
como o Modelo de Crenças em Saúde, o Modelo Comportamental de Andersen, o
Modelo de Dutton e o Modelo de Evans & Stoddart, com ênfase no modelo de An�
dersen, já que tem sido o mais aplicado em estudos de utilização. Dentre os modelos
revisados, o modelo de crenças e o de Andersen foram os pioneiros. Este último
incorporou o conceito das crenças em saúde como um dos determinantes do uso e
propôs ainda a discussão acerca de novos determinantes, como a necessidade e o
acesso, que seriam incorporados pelos modelos subseqüentes. Dada a complexidade
existente neste campo, torna-se fundamental o contínuo debate e investigação acerca
do uso de serviços de saúde e seus fatores relacionados.

Palavras-chave
Serviços de saúde, utilização, modelos teóricos

Abstract
Health services utilization is a complex behavior determined by a great variety of
factors. The relationship between the use of health services and its determinants can
be easier understood by means of theoretical models of use. The aim of this paper
is to review the main concepts of some theoretical models of use, such as the Health
Belief Model, Andersen’s Behavioral Model, the Model of Dutton, and the Model
of Evans & Stoddart, with emphasis in Andersen’s model, for it has been the most
applied in studies of use. Among them, the Health Belief Model and Andersen’s
Behavioral Model were the pioneers. The latter has incorporated health beliefs as
one of the determinants of the use of health services. Moreover, it has proposed a
discussion on other new determinants, such as need and access, which would be
incorporated by subsequent models. Given the complexity of this field, it becomes
relevant the increasing debate and research concerning health services utilization
and its related factors.

� Mestre
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em Saúde Coletiva).
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End: Av.
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Lúcio Costa,
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3.360, bloco
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aptº 303 Barra ����������������
da Tijuca - Rio �������������
de Janeiro - �����
CEP:
22630-010 E-mail: analuizabp@yahoo.com.br
� Pós-doutorado
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em Saúde Pública
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pela Université de��� Montréal,
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Professora-adjunta do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Docente do
Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ.

Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 16 (3): 471-482, 2008 – 471

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Ana Luiza Braz Pavão, Cláudia Medina Coeli

Key words
Health services, utilization, theoretical models

1. Introdução
O uso de serviços de saúde é uma interação entre os consumidores e os pres�
tadores destes serviços. É um comportamento complexo, determinado por uma
grande variedade de fatores (Dever, 1988). Compreende tanto o contato direto
com os serviços de saúde (consultas médicas, hospitalizações), como o indireto
(realização de exames preventivos e diagnósticos). Resulta ainda da interação
do comportamento do indivíduo que procura cuidados e do profissional que o
conduz dentro do sistema de saúde (Travassos & Martins, 2004).
Os motivos pelos quais um indivíduo se consulta vão além da carga de mor�
bidade que este possa estar sofrendo (Mendoza-Sassi & Béria, 2001). Segundo
Donabedian (1973), o conjunto de interações entre os profissionais de saúde e os
seus clientes não ocorre em um vácuo, mas sim dentro de um ambiente organi�
zacional que, por sua vez, é rodeado e penetrado por traços sociais e culturais.
A utilização dos serviços de saúde, portanto, é influenciada por fatores sociocul�
turais e organizacionais, e fatores relacionados com o consumidor e prestador
de serviços (Dever, 1988).
Hulka e Wheat (1985) realizaram uma revisão da literatura sobre os fatores que
influenciam a utilização dos serviços de saúde e os dividiram em cinco categorias
principais, a saber, estado de saúde e necessidade, características demográficas,
disponibilidade de médicos, aspectos organizacionais dos serviços de saúde e
mecanismos financeiros. O principal determinante do uso de serviços foi o estado
de saúde ou necessidade do indivíduo, a qual possui relação de causalidade com
o uso. Outros fatores como sexo, idade, disponibilidade de médicos, plano de
saúde, mecanismos financeiros e o nível socioeconômico dos indivíduos também
estiveram associados ao uso de serviços.

2. Modelos teóricos do uso de serviços de saúde

A relação entre a utilização dos serviços e seus determinantes pode ser me�
lhor compreendida por meio de modelos teóricos explicativos do uso de serviços
de saúde. Alguns dos principais modelos teóricos são: o Modelo de Crenças em
Saúde, desenvolvido na década de 50; o Modelo Comportamental de Andersen,
elaborado em 1968; o Modelo de Dutton, de 1986; e o Modelo de Evans &
Stoddart, proposto em 1990 (Rosenstock, 1966; Andersen, 1995; Dutton, 1986;
Evans & Stoddart, 1994). Este trabalho irá revisar os conceitos dos principais
modelos teóricos do uso de serviços, com ênfase no Modelo Comportamental
de Andersen.

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Modelos teóricos do uso de serviços de saúde: conceitos e revisão

Este último será destacado devido à sua maior aplicabilidade nos estudos de
utilização (Travassos & Martins, 2004), decorrente possivelmente da sua relativa fa�
cilidade de operacionalização, e por se tratar de um dos modelos de uso de serviços
mais completos, tendo sofrido atualizações constantes ao longo das últimas décadas.
Também foi um dos modelos pioneiros na dimensão do uso de serviços, tendo in�
fluenciado os modelos posteriores.

2.1. Modelo comportamental de Andersen


O Modelo Comportamental de Andersen foi inicialmente desenvolvido em
1968 para avaliar e compreender o comportamento do uso de serviços de saúde dos
indivíduos, definir e medir o acesso eqüitativo aos serviços, bem como auxiliar na
implementação de políticas que promovam a eqüidade no acesso (Andersen, 1995).
O conceito de acesso, para este autor, está ligado à entrada inicial do indivíduo
no sistema de saúde. É uma característica da oferta de serviços, sendo importante
para a explicação do padrão de utilização dos mesmos. Trata-se de uma dimensão
do desempenho dos sistemas de saúde, relacionada à sua organização (Travassos &
Martins, 2004).
O seu processo de elaboração envolveu quatro fases distintas. Segundo a primeira
fase do modelo (década de 60), os determinantes do uso de serviços de saúde consi�
derados são os fatores de predisposição, ou predisponentes, os fatores de capacitação,
ou capacitantes, e a necessidade em saúde. Os fatores predisponentes, por sua vez,
influenciam os fatores capacitantes e a necessidade em saúde é o determinante mais
proximal da utilização de serviços, segundo o modelo.
Os fatores predisponentes estão ligados ao fato de o indivíduo estar mais ou
menos susceptível ao uso dos serviços de saúde. Encontram-se subdivididos em três
categorias: os demográficos, os da estrutura social e as crenças em saúde. Os fato�
res demográficos, como idade e sexo, são aqueles que representam características
biológicas prédeterminadas, as quais conferem maior chance ao indivíduo de vir a
necessitar dos serviços de saúde. Os fatores de estrutura social, como escolaridade,
ocupação e raça, determinam o status do indivíduo na comunidade, sua habilidade
em lidar com problemas e o quão saudável ou não é o ambiente físico em que ele
vive. As crenças em saúde são atitudes, valores e conhecimento que os indivíduos têm
sobre sua saúde e sobre os serviços de saúde, que irão influenciar a sua percepção
de necessidade e, conseqüentemente, o uso de serviços. Trata-se da mesma dimen�
são do modelo de crenças em saúde, descrito a seguir, tendo sido provavelmente
influenciado por este.
Os fatores capacitantes relacionam-se à possibilidade de acesso ao serviço, englo�
bando tanto fatores individuais e familiares, quanto fatores da oferta de serviços na
comunidade. Estes fatores incluem: renda, plano de saúde, uso regular dos serviços

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de saúde, transporte e tempo de espera pelo serviço. O acesso potencial, segundo


definição proposta por Andersen, seria a própria situação de presença dos fatores capa�
citantes, ao passo que o acesso realizado seria o efetivo uso dos serviços de saúde.
A necessidade inclui tanto o estado de saúde dos indivíduos, avaliado por profis�
sionais, quanto a autopercepção de saúde dos pacientes. A necessidade percebida está
relacionada à procura pelo cuidado e à adesão ao tratamento. A necessidade avaliada
relaciona-se mais ao tipo de tratamento que será realizado, após a consulta inicial.
O desfecho do modelo é o uso de serviços de saúde, medido, por exemplo, através
de consultas em ambulatórios médicos, hospitais e consultórios dentários. Uma das
hipóteses do modelo é de que o uso de diferentes tipos de serviços pode ser explicado
por diferentes tipos de fatores.
Quadro 1
Síntese das principais características dos modelos teóricos do uso de serviços
de saúde: Crenças em saúde, Andersen, Dutton e Evans & Stoddart, com relação
aos determinantes do uso considerados e às especificações encontradas
Modelos Determinantes do uso Especificações
4. Readiness to act
• Uso de serviços preventivos
5. Crença na efetividade do
Crenças em Saúde • Baseado nas crenças,
exame
(1950-1960) percepções e riscos dos
6. Fator de estímulo (interno/ex-
indivíduos
terno)
É o modelo mais utilizado
Fatores de predisposição
Necessidade é o determinante
Andersen (1968) Fatores de capacitação
mais proximal no uso
Necessidade em saúde
Discute conceito de acesso
Fatores de predisposição
Conceito de satisfação do
Fatores de capacitação
Andersen (1970) consumidor (desfecho final do
Necessidade em saúde
modelo)
Sistema de saúde
Práticas pessoais de saúde
Fatores de predisposição
(interação com o uso)
Fatores de capacitação
Andersen (1980-1990) Conceito de estado de saúde
Necessidade em saúde
percebido e avaliado (desfecho
Sistema de saúde
final do modelo)
• Fatores do paciente (determi- • Introduz fatores do prestador
nantes de Andersen) (demográficos, formação,
Dutton (1986)
• Fatores do prestador atitudes) como determinante
• Fatores do sistema do uso
• Conceito de saúde ampliado
• Determinantes de saúde
para bem-estar
Evans & Stoddart (1990) • Acesso
• Efeito negativo da expansão
• Necessidade
dos sistemas de cuidado
Fatores de predisposição
Fatores de capacitação Enfatiza a natureza dinâmica do
Andersen (1995 em diante)
Necessidade em saúde modelo de uso
Sistema de saúde

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Modelos teóricos do uso de serviços de saúde: conceitos e revisão

A fase 2 do modelo originou-se na década de 70 e caracterizou-se pela in�


clusão do sistema de saúde como mais um determinante do uso de serviços de
saúde incorporado no modelo (Quadro 1). Este determinante consistia em três
dimensões: políticas em saúde, recursos financeiros e aspectos organizacionais.
Além disso, nesta fase, foi introduzido o conceito de satisfação do consumidor
como um resultado do uso de serviços. O uso de serviços de saúde deixa, portanto,
de ser um desfecho final do modelo, o “fim da linha”, e passa a ser um desfecho
intermediário para o desfecho final da satisfação do consumidor.
No modelo de fase 3, criado nas décadas de 80 e 90, foram introduzidos os
desfechos em saúde como outros desfechos finais resultantes do uso de serviços,
uma vez que o uso também exerce influência na saúde dos indivíduos. Desta
forma, os desfechos em saúde seriam uma maneira de avaliar o próprio uso de
serviços. Foram incluídos como desfechos em saúde o estado de saúde percebido
pelo indivíduo e o avaliado por profissionais. Também na fase 3, foi introduzida
a idéia de que práticas de saúde pessoais, como dieta e exercícios, são fatores que
interagem com o uso dos serviços e, conseqüentemente, influenciam os desfechos
em saúde, mas não são considerados determinantes do uso propriamente dito,
pelo modelo de Andersen.
A última fase do modelo é a fase 4, ou modelo emergente, na qual Andersen
enfatiza a natureza dinâmica da utilização dos serviços de saúde, incluindo as
múltiplas influências dos determinantes no uso e, conseqüentemente, nos desfechos
em saúde. Esta fase também irá englobar as relações de feedback (retroalimenta�
ção) dos desfechos em saúde com os fatores predisponentes, com a necessidade
percebida e com o comportamento em saúde.
A última e mais recente fase do modelo de Andersen mostra, portanto, a
complexidade existente no contexto da utilização de serviços de saúde, com a
presença de múltiplos determinantes do uso de serviços. Dentre eles, a neces�
sidade em saúde ainda é o fator mais proximal, sendo importante preditor do
uso. As variáveis sociais também são fatores importantes, segundo o modelo de
Andersen (Figura 1).

2.2. Modelo de crenças em saúde

O modelo comportamental baseado nas crenças dos indivíduos (health belief


model) foi desenhado nos anos 50, a fim de explicar falhas na adesão aos pro�
gramas de prevenção e detecção precoce de doenças (Rosenstock, 1966). Ele
busca explicar o comportamento dos indivíduos em relação à saúde e ao uso
de serviços, segundo suas crenças, intenções e percepções dos riscos (Travassos
& Martins, 2004). Segundo sua hipótese principal, a decisão de se realizar um
exame preventivo ou diagnóstico não é feita se as seguintes condições não forem

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Ana Luiza Braz Pavão, Cláudia Medina Coeli

Figura 1
Modelo de Andersen (fase 4 ou modelo emergente)
Fonte: Andersen 1995

atendidas: a) o indivíduo está psicologicamente preparado para realizar a ação


(readiness to act), e este estado de prontidão dependerá do quanto ele se sente
susceptível a contrair a condição em questão e da percepção da gravidade das
conseqüências da mesma para a sua saúde; b) a crença de que o exame pre�
ventivo ou diagnóstico é viável e apropriado para a sua saúde, de que o mesmo
poderá diminuir sua susceptibilidade ou gravidade percebida e de que não há
barreiras psicológicas importantes para a tomada de ação; c) presença de um
fator de estímulo, uma espécie de “gatilho” para a tomada de ação, o qual pode
ser interno (p.ex., percepção de alterações orgânicas) ou externo (p. ex., relações
interpessoais, influência dos meios de comunicação, propagandas de médicos ou
dentistas, conhecimento de indivíduos que contraíram a doença, dentre outros).
Este modelo analisa o comportamento de indivíduos saudáveis na utilização de
serviços de prevenção e tratamento e os seus determinantes. Neste caso, tem maior
aplicabilidade em classes sociais mais altas do que nas baixas, pois as crenças e
os comportamentos de saúde, que estão relacionados a uma maior preocupação
com o futuro e com a longevidade, tendem a serem mais presentes em níveis
socioeconômicos mais elevados (Figura 2).

2.3. Modelo de Dutton


O modelo proposto por Dutton, publicado em 1986, analisa fatores finan�
ceiros, organizacionais e profissionais que afetam a utilização dos serviços de
saúde, tomando como base um inquérito de 3.058 indivíduos, entre adultos e
crianças (Dutton, 1986). A utilização é vista como o produto de características

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Modelos teóricos do uso de serviços de saúde: conceitos e revisão

do paciente, do prestador do cuidado e do sistema de saúde. Consiste num dos


poucos modelos que inclui características individuais do prestador/profissional
de saúde como fatores de explicação do uso. Neste modelo, as características dos
pacientes são compostas pelos determinantes individuais definidos por Andersen;
as características dos médicos são determinadas por aspectos demográficos, de
formação, experiência e atitudes; e as características do sistema são relacionadas
aos obstáculos estruturais que influenciam a utilização, tais como: financeiros,
temporais (tempo de espera e distância), organizacionais e aqueles ligados à prática
médica. A autora mostra que diferentes tipos de serviços podem ser influenciados
por diferentes fatores. O uso de exames preventivos e a primeira consulta são, em
geral, fatores controlados pelo paciente, e que dependerão de suas características
e das barreiras estruturais do sistema. Já o uso de consultas subseqüentes e a rea�
lização de tratamentos estão relacionados ao controle pelos médicos, dependendo
da necessidade de saúde do paciente e das características destes profissionais.
Segundo a autora, os elementos determinantes de uma consulta de primeira vez
são distintos daqueles que influenciam as consultas subseqüentes; no entanto, a
necessidade de saúde permanece um determinante importante em todos os tipos
de uso de serviços (Travassos & Martins, 2004; Dutton, 1986) (Figura 3).

Figura 2
Modelo de crenças em saúde
Fonte: Glanz et al., 2002
2.4. Modelo de Evans & Stoddart
Evans & Stoddart propuseram, em 1990, a criação de um modelo mais
complexo, flexível e de fácil compreensão, que representasse a grande variedade
das relações dos determinantes de saúde, chamado de “Modelo de Produção da
Saúde” (Evans & Stoddart, 1994). Este foi criado em várias etapas, evoluindo em

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Ana Luiza Braz Pavão, Cláudia Medina Coeli

sua complexidade, na medida em que eram identificadas inadequações nos está�


gios anteriores. Constituiu-se, portanto, de cinco estágios principais. No primeiro
e mais simples estágio, chamado de “modelo simples de feedback entre a saúde
e o cuidado em saúde”, o foco principal era a relação entre a doença (ausência
de saúde) e o cuidado, sendo a saúde representada em termos de categorias e
capacidades do cuidado. O indivíduo que se sente doente procura um sistema de
cuidado, onde será diagnosticada a doença e definido o cuidado específico. Esta
interação é mediada pela necessidade do indivíduo e pelo acesso ao cuidado. O
acesso, para este autor, possui significado semelhante ao proposto por Andersen,
pois está relacionado aos recursos físicos e humanos disponíveis para os indivíduos
e a aspectos administrativos e financeiros do sistema de saúde. O sistema responde
positivamente através da provisão do cuidado e este, através de sua efetividade,
diminuirá o nível de doença. O segundo estágio do modelo, chamado de “modelo
de feedback da expansão dos sistemas de cuidado”, reflete a crise financeira dos
sistemas de cuidado com a situação de tensão entre as necessidades crescentes
e os recursos diminuídos. A demanda por cuidado aumenta consideravelmente,
assim como seus custos, e começam a surgir interesses pela efetividade com a qual
os serviços de cuidado respondem às necessidades, representados pela expansão
da Epidemiologia Clínica, da avaliação do cuidado em saúde e de pesquisas dos
serviços de saúde. Um terceiro estágio do modelo foi desenvolvido para introduzir
significado aos determinantes de saúde. Estes foram categorizados em: estilo de vida,
ambientais, biológicos e organizacionais dos sistemas de cuidado. Este estágio do
modelo enfatizou a importância da saúde como objetivo primordial e a existência
de diversos determinantes para alcançá-la, e não apenas a provisão do cuidado. A
quarta etapa do modelo apresentou duas mudanças estruturais: a introdução dos
determinantes sociais na relação com a saúde, o que, segundo os autores, poderia
explicar o achado de que a morbidade e a mortalidade variam de acordo com o
gradiente socioeconômico; e a distinção entre doença, a qual é diagnosticada e tratada
pelo sistema de cuidado, e saúde e função, que seria o conceito de saúde/doença,
percebido pelo indivíduo, o qual é ampliado para o seu bem-estar. Na quinta e
última etapa, os autores introduzem a idéia de que a expansão dos sistemas de
cuidado pode trazer efeitos negativos para a saúde dos indivíduos, na medida em
que seus gastos excessivos impedem investimentos em outros setores que poderiam
promover o bem-estar e, da mesma forma, aumentar a saúde da população. É
importante ressaltar que, conforme indicado por Travassos e Martins (2004), este
modelo ainda carece de comprovação empírica (Figura 4).

3. Conclusão
Os modelos teóricos do uso de serviços de saúde são ferramentas impor�
tantes para a melhor compreensão do processo de utilização de serviços e os
seus fatores relacionados. Dentre os modelos revisados, o modelo Andersen e

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Modelos teóricos do uso de serviços de saúde: conceitos e revisão

Figura 3
Modelo de Dutton
Fonte: Dutton, 1986

Figura 4
Modelo Evan & Stoddart
Fonte: Evan & Stoddart, 1994

o modelo de crenças em saúde foram os pioneiros. O modelo de Andersen


incorporou o conceito das crenças em saúde como um dos determinantes do
uso de serviços, proposto inicialmente pelo modelo de crenças (década de 50),
e propôs ainda a discussão acerca de novos determinantes, como a necessi�
dade e o acesso, dentre outros, os quais seriam incorporados pelos modelos
teóricos subseqüentes. Também sofreu constantes atualizações, o que permitiu
o seu aperfeiçoamento ao longo dos anos. Desta forma, é possível observar a
influência dos determinantes do uso de serviços, propostos por Andersen, nos

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modelos de Dutton e de Evans & Stoddart, embora cada modelo tenha as suas
especificações (Quadro 1).
Dada a complexidade existente no campo do uso de serviços, haja visao
as diferenças, com a intensificação da reflexão sobre o tema, entre o modelo
inicial proposto por Andersen e o de 1995 em diante (modelo emergente), não
é impossível imaginar que possam haver diferenças nas relações entre o uso de
serviços e seus determinantes dependendo do contexto avaliado. Por isso, torna-
se fundamental o contínuo debate e investigação acerca do uso de serviços de
saúde e seus fatores relacionados.

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Modelos teóricos do uso de serviços de saúde: conceitos e revisão

Travassos, C.; Martins, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e


utilização de serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 20,
n. 2 (Sup), p. S190 - S198, 2004.

Recebido em: 12/08/2008


Aprovado em: 03/12/2008

Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 16 (3): 471 - 482, 2008 – 481

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