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Modelo de dupla via e subtipos de Dislexia - Portal da Dislexia – Academia

Modelo de dupla via e subtipos de


Dislexia
Compreender a DISLEXIA: Avaliação e Intervenção > Modelo de dupla via e subtipos de Dislexia

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Nesta AULA iremos abordar o modelo de Dupla Via da leitura (dual-route model of
reading), a sua relação com os tipos de erros encontrados na leitura/escrita de indivíduos
com Dislexia (erros fonológicos e erros lexicais/ortográ cos) e os subtipos de Dislexia
com base nas alterações na leitura associadas à Dupla Via (Dislexia Fonológica, Dislexia de
Superfície e Dislexia Mista/Combinada).

Modelo de Dupla Via

Segundo o modelo de Dupla Via (Baron & Strawson, 1976; Coltheart, 1978) existem duas
vias (ou processos) distintas pela qual a leitura é processada:

Via Fonológica ou Sublexical (em inglês: phonological route, sublexical route ou


nonlexical route)
Via Lexical ou Ortográ ca (em inglês: lexical route ou orthographic route)

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A Via Fonológica ou Sublexical baseia-se no mecanismo de conversão dos grafemas nos


fonemas e agrega um conjunto de regras especí cas sobre as relações letra-som. A
leitura é realizada através da descodi cação de pequenos segmentos ortográ cos nos
sons/fonemas correspondentes. Esta via é utilizada aquando da leitura de
pseudopalavras e palavras regulares não familiares, mas não permite a correta leitura
das palavras irregulares. A leitura de uma palavra irregular por esta via produz um erro
de regularização: e.g., ler a palavra “ uxo” como “ ucho”).

O funcionamento desta via é normalmente avaliado com recurso a testes de leitura de


pseudopalavras (palavras que não constam do léxico de uma língua, mas que obedece
às regras ortográ cas, morfológicas e de pronúncia dessa língua; e.g., “pataso” e “blepo”).
Uma vez que as pseudopalavras não constam do léxico (são palavras “inventadas”), a
criança não as consegue reconhecer, pelo que a leitura das pseudopalavras está
totalmente dependente do mecanismo de conversão dos grafemas nos fonemas.

A Via Lexical ou Ortográ ca baseia-se no reconhecimento direto das palavras que o


leitor previamente já memorizou através do acesso ao léxico mental (ou léxico
ortográ co) onde se encontram as representações das formas grá cas das palavras. Ou
seja, a leitura das palavras por esta via envolve a recuperação da forma fonológica de
um determinado estímulo ortográ co a partir do léxico ortográ co. Uma vez que o
léxico ortográ cos contém apenas as representações das palavras que o leitor
previamente leu e memorizou, a utilização da via lexical não permite a leitura de
pseudopalavras ou de palavras desconhecidas, mas é o processo utilizado aquando da
leitura das palavras irregulares e de palavras familiares, permitindo também uma
maior uência leitora.

O funcionamento desta via é avaliado com recurso a testes de leitura de palavras


irregulares. A leitura precisa de palavras irregulares está totalmente dependente da via
lexical, uma vez que estas palavras contêm uma irregularidade pelo que o acesso à sua
fonética depende da prévia memorização e reconhecimento das palavras (e.g., se a
criança não reconhece a palavra “exame” vai lê-la como “échame” e escrevê-la como
“izame” através da via fonológica).

Nas imagens seguintes são apresentados dois esquemas exempli cativos do modelo da
Dupla Via:
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Castles et al. (2006) Cognitive modelling and the behaviour

genetics of reading. Journal of Research in Reading, 29(1), 92–

103.

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Ziegler et al. (2008). Developmental dyslexia and

the dual route model of reading: Simulating

individual di erences and subtypes. Cognition,

107(1), 151–178.

Efeito de Regularidade, Lexicalidade e Frequência

Em função do modelo de Dupla Via anteriormente analisado, a leitura de palavras


regulares, palavras irregulares e de pseudopalavras dependem das seguintes vias:

Palavras REGULARES (frequentes) — Podem ser lidas pela via Fonológica e pela via
Lexical.
Palavras IRREGULARES — Apenas são lidas pela via Lexical.
PSEUDOPALAVRAS — Apenas são lidas pela via Fonológica.

Assim, do desempenho na precisão leitora das palavras regulares, palavras irregulares e


de pseudopalavras resultam 2 efeitos:

Efeito de Lexicalidade
Refere-se à diferença entre a leitura de palavras (regulares) e de pseudopalavras. As
palavras (regulares) são lidas com maior precisão do que as pseudopalavras. Por
exemplo, numa lista de 20 palavras regulares e pseudopalavras a criança lê corretamente
19 palavras regulares (precisão de 95%) e 5 pseudopalavras (precisão de 25%). Neste
exemplo observou-se um efeito de lexicalidade, o que sugere di culdades na via
fonológica (precisão de 25% nas pseudopalavras) e um normal desempenho na via
lexical (precisão de 95% de precisão nas palavras regulares).

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Efeito de Regularidade
Refere-se à diferença na leitura entre palavras regulares e palavras irregulares. As
palavras irregulares são lidas com menor precisão do que as palavras regulares. Por
exemplo, numa lista de 20 palavras regulares e irregulares a criança lê corretamente 19
palavras regulares (precisão de 95%) e 5 palavras irregulares (precisão de 25%). Neste
exemplo observou-se um efeito de regularidade, o que sugere di culdades na via
lexical (precisão de 25% nas palavras irregulares) e um normal desempenho na via
fonológica (precisão de 95% de precisão nas palavras regulares).

Para além destes 2 efeitos, ainda se pode considerar o Efeito de Frequência onde as
palavras mais frequentes são reconhecidas mais rapidamente e de modo mais preciso do
que as palavras menos frequentes.

As crianças com Dislexia tendem a apresentar um efeito de lexicalidade e de


regularidade mais acentuado do que as crianças com desenvolvimento típico, sendo
possivelmente mais expressivo no efeito de lexicalidade (Moura et al., 2015; Sucena et al.,
2009).

Erros Fonológicos e Erros Lexicais

Os erros fonológicos são violações às correspondências grafema-fonema, onde a palavra


erradamente lida ou escrita é pronunciada de forma diferente da original. Estes erros
resultam de di culdades na via fonológica e incluem:
— inserções (e.g., *pientar em vez de pintar);
— omissões (e.g., *jadim em vez de jardim);
— substituições (p-t, f-v, ch-j, …; e.g., *faca em vez de vaca);
— inversões/transposições (e.g., *parto em vez de prato) de letras.

Os erros lexicais na escrita são aqueles que preservam a fonologia da palavra, mas
encontra-se ortogra camente incorreta. A leitura e escrita correta das palavras
irregulares depende do acesso à representação ortográ ca da palavra que se encontra no
léxico ortográ co. Um erro numa palavra irregular processada pela via fonológica pode
assumir formas diferentes consoante seja na leitura (i.e., *máchimu em vez de máximo;

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*échame em vez de exame) ou na escrita (i.e., *mácimo em vez de máximo; *izame em


vez de exame).

Subtipos de Dislexia com base nas alterações da leitura

Castles e Coltheart (1993) propuseram uma classi cação das crianças com Dislexia com
base nas di culdades evidenciadas na leitura que assenta em três pressupostos:

1. As diferenças na leitura entre as crianças disléxicas podem ser interpretadas à luz


do modelo de dupla-via;
2. A classi cação das crianças com Dislexia seria análoga à Dislexia Adquirida (i.e.,
Alexia) nos adultos;
3. As crianças disléxicas revelam dois tipos distintos de di culdades, uma baseada na
incapacidade de descodi car os sons das palavras e uma outra na incapacidade de
reconhecer visualmente as palavras.

Partindo do modelo de Dupla Via e do padrão especí co de di culdades observado em


adultos com Dislexia Adquirida, Castles e Coltheart (1993) propuseram três subtipos de
Dislexia de Desenvolvimento:

Dislexia Fonológica — a via sublexical encontra-se prejudicada, pelo que o acesso à


conversão grafema-fonema está diminuído, o que se traduz numa di culdade na leitura
de pseudopalavras e de palavras desconhecidas, mas está relativamente preservada a
leitura de palavras irregulares e de palavras familiares.

Dislexia de Superfície — a via de leitura afetada é a lexical, pelo que o reconhecimento


das palavras através do rápido acesso ao léxico mental se encontra diminuído. As
crianças com este subtipo de Dislexia evidenciam di culdades na leitura de palavras
irregulares, mas conseguem ler adequadamente pseudopalavras e palavras regulares.

Dislexia Mista/Combinada — ambas as vias estão simultaneamente prejudicadas, pelo


que a criança evidenciará di culdades na leitura de pseudopalavras, de palavras

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irregulares e de palavras regulares.

Estes subtipos de Dislexia são avaliados através de dois métodos estatísticos: (1) o
método clássico (“pure” or “hard” dyslexia) que de ne os subtipos através de um ponto-
de-corte de 1 desvio-padrão (DP); e (2) o método de regressão (“soft” dyslexia) que
estabelece os subtipos a partir do limite inferior do intervalo de con ança a 90% em torno
da linha de regressão obtida através de duas análises de regressão linear simples
efetuadas para o grupo de controlo.

Num estudo recente efetuado com crianças portuguesas, Moura e colaboradores (2018)
identi caram uma prevalência de 12% de crianças com Dislexia Fonológica, 10% com
Dislexia de Superfície e 76% com Dislexia Mista/Combinada utilizando o método
clássico:

Moura et al. (2018). Questões em torno da avaliação psicológica na Dislexia: Subtipos

e per s neurocognitivos. In O. Moura, M. Pereira, & M. R. Simões (Eds.), Dislexia:

Teoria, avaliação e intervenção (pp. 119–156). Pactor.

Utilizando o método de regressão foram identi cadas 4% de crianças com Dislexia


Fonológica, 4% com Dislexia de Superfície e 92% com Dislexia Mista/Combinada.

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VÍDEO COM O FORMADOR:

Referências e Leituras Recomendadas:

Ardila, A., & Cuetos, F. (2016). Applicability of dual-route reading models to Spanish.
Psicothema, 28(1), 71–75. https://doi.org/10.7334/psicothema2015.103

Baron, J., & Strawson, C. (1976). Use of orthographic and word-speci c knowledge in
reading words aloud. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and
Performance, 2(3), 386–393. https://doi.org/10.1037/0096-1523.2.3.386

Castles, A., Bates, T., Coltheart, M., Luciano, M., & Martin, N. G. (2006). Cognitive modelling
and the behaviour genetics of reading. Journal of Research in Reading, 29(1), 92–103.

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https://doi.org/10.1111/j.1467-9817.2006.00294.x

Castles, A., & Coltheart, M. (1993). Varieties of developmental dyslexia. Cognition, 47(2),
149–180. https://doi.org/10.1016/0010-0277(93)90003-e

Coltheart, M. (1978). Lexical access in simple reading tasks. In G. Underwood (Ed.),


Strategies of information processing (pp. 151–216). Academic Press.

Grainger, J., & Ziegler, J. C. (2011). A dual-route approach to orthographic processing.


Frontiers in Psychology, 2. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2011.00054

Jiménez, J. E., Rodríguez, C., & Ramírez, G. (2009). Spanish developmental dyslexia:
Prevalence, cognitive pro le, and home literacy experiences. Journal of Experimental Child
Psychology, 103(2), 167–185. https://doi.org/10.1016/j.jecp.2009.02.004

Manis, F. R., Seidenberg, M. S., Doi, L. M., McBride-Chang, C., & Petersen, A. (1996). On the
bases of two subtypes of development dyslexia. Cognition, 58(2), 157–195.
https://doi.org/10.1016/0010-0277(95)00679-6

Moura, O., Moreno, J., Pereira, M., & Simões, M. R. (2015). Developmental dyslexia and
phonological processing in European Portuguese orthography. Dyslexia, 21(1), 60–79.
https://doi.org/10.1002/dys.1489

Moura, O., Pereira, M., & Simões, M. R. (2018). Questões em torno da avaliação psicológica
na Dislexia: Subtipos e per s neurocognitivos. In O. Moura, M. Pereira, & M. R. Simões
(Eds.), Dislexia: Teoria, avaliação e intervenção (pp. 119–156). Pactor.

Peterson, R. L., Pennington, B. F., & Olson, R. K. (2013). Subtypes of developmental


dyslexia: Testing the predictions of the dual-route and connectionist frameworks.
Cognition, 126(1), 20–38. https://doi.org/10.1016/j.cognition.2012.08.007

Peterson, R. L., Pennington, B. F., Olson, R. K., & Wadsworth, S. (2014). Longitudinal
stability of phonological and surface subtypes of developmental dyslexia. Scienti c Study of
Reading, 18(5), 347–362. https://doi.org/10.1080/10888438.2014.904870

Sprenger-Charolles, L., Siegel, L. S., Jiménez, J. E., & Ziegler, J. C. (2011). Prevalence and
reliability of phonological, surface, and mixed pro les in dyslexia: A review of studies
conducted in languages varying in orthographic depth. Scienti c Studies of Reading, 15(6),
498–521. https://doi.org/10.1080/10888438.2010.524463

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Sucena, A., Castro, S. L., & Seymour, P. (2009). Developmental dyslexia in an orthography
of intermediate depth: The case of European Portuguese. Reading and Writing, 22(7), 791–
810. https://doi.org/10.1007/s11145-008-9156-4

Ziegler, J. C., Castel, C., Pech-Georgel, C., George, F., Alario, F. X., & Perry, C. (2008).
Developmental dyslexia and the dual route model of reading: Simulating individual
di erences and subtypes. Cognition, 107(1), 151–178.
https://doi.org/10.1016/j.cognition.2007.09.004

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