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Sinusite Fúngica Alérgica

Relato de caso e revisão


da literatura
Eduardo Costa de Freitas Silva

Resumo PALAVRAS-CHAVE: Atopia; Sinusite crô-


nica; Sinusite fúngica alérgica.
A sinusite fúngica alérgica (SFA) foi descrita
pela primeira vez em 1981, e em 1997 foram 1. Introdução
definidos seus critérios diagnósticos. Portanto,
A sinusite é definida como a inflamação da
trata-se de afecção de identificação bastante re-
mucosa dos seios paranasais, frequentemente
cente, que corresponde à cerca de 5% dos casos
ocorrendo inflamação concomitante da mucosa
de sinusites crônicas.
nasal (rinossinusite). A sinusite crônica é carac-
Este artigo é o relato de um caso de SFA
terizada pela permanência do quadro clínico por
diagnosticado e acompanhado no Setor de
mais de 4 a 6 semanas.
Alergia e Imunologia do Serviço de Medicina
As afecções fúngicas dos seios paranasais
Interna do Hospital Universitário Pedro Ernesto
são divididas em sinusite aguda fulminante13,
(HUPE), da Universidade do Estado do Rio de
forma invasiva e grave que acomete diabéticos
Janeiro (UERJ), seguido de revisão da litera-
e imunossuprimidos, sinusite crônica invasiva5,
tura recente (artigos publicados no PubMed/
também predisposta pelo diabetes mellitus e
MEDLINE, E-medicine e livros-texto de espe-
associada ao gênero Aspergillus, sinusite granu-
cialidades), ressaltando os principais aspectos
lomatosa/indolente2, de evolução lenta, microin-
desta enfermidade.
vasiva e associada a formação de granulomas,
Os autores chamam atenção para a im-
micetoma ou bola fúngica1, forma não invasiva
portância da investigação de sinusite fúngica
que acomete imunocompetentes não atópicos e
alérgica em casos de sinusite crônica em indi-
sinusite fúngica alérgica11.
víduos atópicos, pois ela pode ser a causa de al- A sinusite fúngica alérgica (SFA) foi relatada
terações anatômicas graves e extensas nos seios pela primeira vez em 1981 por Millar13. Em 1983
paranasais, e requer abordagem terapêutica Katzenstein reviu 113 casos de sinusite crônica e
interdisciplinar, que inclui tratamento cirúrgico, 7 foram identificados como sinusite fúngica por
farmacoterapia e, provavelmente, imunoterapia. Aspergillus5. Desde então mais casos têm sido

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descritos com outros fungos implicados, e na víduos atópicos, pois ela pode ser a causa de
verdade, atualmente acredita-se que os fungos alterações anatômicas graves e extensas nos seios
do gênero Aspergillus não sejam os agentes paranasais, e requer abordagem terapêutica
etiológicos mais frequentes. interdisciplinar que inclui tratamento cirúrgico,
Em 1994, Bent e Kuhn descreveram cinco farmacoterapia e, provavelmente, imunoterapia.
características habitualmente presentes na
SFA, e em 1997 DeShazo estabeleceu os cinco 2. Relato do Caso
critérios para o seu diagnóstico, que se mantêm
até hoje2. Anamnese:
Estima-se uma incidência de 5 a 10% de Identificação: LSN, gênero feminino, bran-
SFA dentre todos os casos de sinusite crônica1. ca, 39 anos, casada, do lar, natural e residente em
Porém, devido às suas características particula- Nova Iguaçu/RJ. Primeira consulta no Setor de
res, a doença é provavelmente subdiagnosticada, Alergia e Imunologia em 13/04/2000.
pois nem todos os médicos não especialistas HDA: Início do quadro em 1998, com
em rinologia ou alergia estão atentos para este congestão nasal, secreção esverdeada, dor facial,
diagnóstico. cefaleia holocraniana e otalgia persistentes. Pro-
Este artigo é o relato de um caso de SFA curou atendimento e foi inicialmente medicada
diagnosticado e acompanhado no Setor de com descongestionante tópico nasal e sistêmico
Alergia e Imunologia do Serviço de Medicina associado à anti-histamínico de 1ª geração,
Interna do Hospital Universitário Pedro Ernesto sendo em seguida acrescentada Cefalexina à
(HUPE), da Universidade do Estado do Rio de prescrição. Em fevereiro de 1999 a secreção
Janeiro (UERJ), seguido de revisão da literatura nasal passou a ser acompanhada de eliminação
recente (artigos publicados no PubMed/ME- de tampões mucosos esverdeados, com cerca de
DLINE, E-medicine e livros-texto de especiali- 1,5 cm de diâmetro, muito espessos, semelhan-
dades), ressaltando os principais aspectos desta tes a “pedras amolecidas” (Fig.1). Usou vários
enfermidade. Na literatura nacional, além deste antibióticos sem melhora do quadro. Em abril
relato, somente um outro caso diagnosticado no de 1999 foi submetida a sinusotomia maxilar e
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho etmoidal bilateral no Serviço de Otorrinolarin-
(HUCFF), da Universidade Federal do Rio de gologia (ORL) do HUPE com melhora parcial
Janeiro (UFRJ) foi publicado anteriormente11. do quadro. No dia da consulta referia dor facial
Seu objetivo principal é enfatizar a im- e eliminação de tampões de muco acinzentado
portância da investigação de sinusite fúngica e espesso.
alérgica em casos de sinusite crônica em indi- HPP: doenças comuns da infância, alérgica

Figura 1. Tampões mucosos eliminados (Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/UERJ).

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a picada de insetos, portadora de hipertensão mostrava formação expansiva com densidade
arterial sistêmica em uso de hidroclorotiazida. de partes moles no antro maxilar esquerdo,
HFam: um irmão com diagnóstico prévio que cresce em direção à cavidade nasal, des-
de “sinusite fúngica”. truindo o complexo osteomeatal. Presença de
HSoc: tabagista (1,5 maços/dia), possuía lesão semelhante no seio maxilar direito, me-
um cão na residência. Sem relato de infiltrações nos exuberante. Destruição da concha média
ou mofo nos cômodos. esquerda e ocupação da fenda olfatória deste
Exame físico: lado. Velamento parcial do seio frontal, maior à
esquerda, onde se observa alargamento sinusal
Ectoscopia: Bom estado geral, apirética,
e adelgaçamento das paredes superior e medial
acianótica, eupneica. Linfonodos palpáveis de
da órbita ipsilateral. Observa-se também um
consistência elástica, com 1 a 2 cm de diâmetro,
rebaixamento do teto da órbita direita, na sua
nas cadeias cervicais anteriores e submandibula-
porção anterior. Há destruição de septos inter-
res. PA: 130 x 90 mmHg FC: 88 bpm.
celulares etmoidais à esquerda (Fig.2).
Rinoscopia anterior: hipertrofia do cor-
Exame micológico do material retirado no
neto inf. esquerdo com hiperemia da mucosa
ato operatório - presença de hifas septadas, hiali-
bilateralmente.
Restante do exame físico sem alterações. nas e ramificadas. Cultura negativa para fungos.
• Realizado teste cutâneo de leitura imedia-
Exames trazidos na primeira ta (puntura) que foi positivo para Dermato-
consulta:
phagoides pteronyssinus, Dermatophagoi-
T.C. de seios paranasais pré-operatória des farinae e Aspergillus fumigatus (Af).

Figura 2. TC de seios da face inicial (Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/UERJ).

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• Impressão diagnóstica inicial: Sinusite Considerada a persistência de sintomas
crônica (fúngica alérgica?). da sinusopatia crônica, associados às crises da
rinite alérgica, e ainda a intolerância ao este-
• Conduta inicial: Orientação quanto ao
roide sistêmico e a não responsividade a doses
controle ambiental para ácaros e mofo,
maiores de esteroide tópico nasal, a paciente
prescrição de fluticasona tópica nasal e
foi referida ao Serviço de ORL para avaliação
solicitação de exames (hemograma, IgE
de novo procedimento cirúrgico, e iniciada
sérica total, nova T.C. de seios da face e
imunoterapia específica com alérgenos de ácaros
estudo histopatológico do material trazido
isolados (D. pteronyssinus e B. tropicalis – FDA
pela paciente – plugs mucosos nasais - com
coloração por hematoxilina/eosina e pela
Allergenic Ltda.).
prata). A paciente evoluiu, após a 2ª cirurgia, com
melhora significativa do quadro naso-sinusal, e
Resultado de exames solicitados: foi mantida com esteroide tópico nasal (flutica-
sona) e imunoterapia específica com alérgenos
Ht = 37,2 %; Hb = 12,6 g/dl; leucócitos =
de ácaros. A cultura do material obtido na 2ª
6940/mm3 (contagem diferencial normal); pla-
cirurgia, semeada em meio de Sabouraud com
quetas = 208.000/mm3; IgE total > 1000 KUI/l.
cloranfenicol, foi positiva com crescimento de
Nova TC de seios da face mostrava grande
Aspergillus niger. A partir daí foi associada la-
espessamento mucoso bilateral em seios ma-
vagem nasal diária com solução de Anfotericina
xilares, confirmando a recidiva da sinusopatia
B (duas vezes por dia) antes da aplicação do
crônica (Fig.3)
esteroide tópico.
Exame histopatológico dos tampões muco-
Após 5 anos de uso de imunoterapia es-
sos mostrou infiltrado rico em eosinófilos dege-
pecífica para ácaros, a mesma foi suspensa,
nerados (hematoxilina-eosina) compatível com
sendo mantida a prescrição de lavagem nasal
mucina alérgica, e hifas septadas sugestivas de
com Anfotericina B e esteroide tópico nasal em
Aspergilus sp. na coloração pela prata (Fig.4 e 5).
spray até a atualidade, com realização de exames
Cultura e pesquisa direta de fungos em swab
tomográficos de seios da face periódicos (Fig. 6 e
nasal negativas.
7). A paciente mantém-se em acompanhamento
Pesquisa de precipitinas para Aspergillus
no Setor e não apresentou recidivas do quadro
sp. positiva (realizada em colaboração pelo
clínico, tanto dos sintomas de rinite alérgica
Laboratório do Serviço de Imunologia Clínica
quanto daqueles associados a sua sinusopatia
do HUCFF/UFRJ)
crônica (eliminação de tampões mucosos, obs-
Evolução: trução nasal ou dor facial).
Nos 6 meses subsequentes, evoluiu com dor
persistente na região malar esquerda e crises de
3. Revisão da Litaratura
coriza hialina e espirros, associados ao contato
com poeira, mesmo em uso de corticoterapia
3.1. Epidemiologia
tópica (fluticasona em doses máximas). Foi A SFA corresponde a 5-10% das sinusites
então iniciada prednisona por via oral (40 mg/ crônicas, é mais frequente em adolescentes e
dia) durante 15 dias, com orientação para uso adultos jovens, com idade média de diagnós-
em dias alternados a seguir. tico de 21,9 anos, e acomete igualmente os
Apresentou intolerância gástrica signifi- dois gêneros, com leve predomínio masculino
cativa ao esteroide por via oral nos primeiros em crianças e adolescentes que se inverte com
dias de uso, não controlada com associação de predomínio feminino entre adultos1.
medicação anti-H2, e se recusou a prosseguir A atopia é condição indispensável para
com o uso da medicação sistêmica. seu desenvolvimento. Todos os pacientes de-

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Figura 3.TC de seios da face - recidiva da doença
(Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/UERJ).

Figura 4. Coloração por hematoxilina-eosina - mucina alérgica


(Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/FCM/UERJ).

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Figura 5. Coloração pela prata - hifa fúngica
(Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/FCM/UERJ).

Figura 6. TC de seios da face em 2007 (Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/UERJ).

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Figura 7. TC de seios da face em 2008 (Setor de Alergia e Imunologia - HUPE/UERJ).

monstram sensibilização mediada por IgE para A enfermidade caracteriza-se pela reação
antígenos comuns nos testes cutâneos, 2/3 dos de hipersensibilidade ao fungo e não pela ação
pacientes têm história prévia de rinite alérgica e direta dele. Na verdade, não ocorre infecção ou
90% tem IgE específica para fungos no sangue. invasão da mucosa, e as alterações anatômicas
Até 50% dos pacientes podem ter asma brôn- são consequência do crescimento da massa
quica associada10,14. inflamatória (mucina alérgica) no interior dos
seios paranasais. Deve ser diferenciada das
3.2. Etiopatogenia outras formas de sinusite alérgica crônica, pois
A SFA foi inicialmente descrita associada exige tratamento diferenciado, com abordagem
ao Aspergillus fumigatus em pacientes com medicamentosa e cirúrgica1,15.
aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) Acredita-se que, assim como na ABPA,
13
. Posteriormente, outros fungos além do gê- estejam envolvidos mecanismos de hipersensi-
nero Aspergillus foram identificados, e hoje bilidade imediata (tipo I) e por imunocomple-
está estabelecido que aqueles da família Dema- xos (tipo III) dirigidos aos antígenos fúngicos
tiaceae respondem pela maioria dos casos de presentes e retidos nas cavidades paranasais.
SFA (gêneros Bipolaris, Alternaria, Curvularia, Essa resposta imunoalérgica causa a inflama-
Rhizopus, Fusarium, Chrysosporium, dentre ção crônica sinusal, persistente e exuberante,
outros) 1,5,11,16. Em revisão de 263 casos de SFA, se comparada à evolução habitual das sinusites
nos quais 168 tinham cultura positiva, apenas crônicas alérgicas de outra etiologia1,4,15.
13% delas identificaram o gênero Aspergillus O edema tecidual resultante dessa resposta
nas amostras de secreção10. inflamatória leva a obstrução dos óstios de

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drenagem, resultando em estase e disfunção calcificadas, pode causar alterações anatômi-
mucociliar dentro dos seios paranasais. Assim cas evidentes como proptose, hipertelorismo,
é criado um microambiente ideal para a proli- assimetria dos globos oculares e das regiões
feração fúngica, com o consequente aumento malares. Estas são mais frequentes em crianças,
da oferta de antígenos a um hospedeiro alér- e por ocorrerem de forma lenta, geralmente não
gico, ocasionando mais resposta alérgica. Este causam diplopia ou perda visual. Entretanto,
ciclo se autoperpetua, levando a produção da com menor frequência, a compressão do nervo
mucina alérgica, que preenche as cavidades oftálmico pode levar a perda visual reversível
acometidas16. com a descompressão cirúrgica1.
Mediadores derivados do eosinófilo (prote-
3.4. Exames Complementares
ína básica principal e neurotoxina derivada do
eosinófilo) estão presentes em maior quantidade • Testes in vivo: Hipersensibilidade cutânea
que aqueles derivados de neutrófilos (elastase) imediata presente para vários antígenos ina-
na SFA quando comparado a outras sinusites láveis, inclusive aqueles do fungo envolvido;
crônicas, e os níveis de proteína catiônica
• Testes/exames in vitro: Geralmente há
eosinofílica na mucina alérgica da SFA são sig-
eosinofilia no sangue periférico, os níveis
nificativamente maiores que seus níveis séricos
séricos de IgE total são usualmente superio-
1,12
, corroborando e reforçando o conceito de
res a 1000 UI/ml e a pesquisa de anticorpos
inflamação predominantemente alérgica na
precipitantes (precipitinas) para o fungo
patogênese da doença.
envolvido pode ser positiva. A IgG específi-
3.3. Quadro Clínico ca sanguínea para o fungo está aumentada,
mas a IgE específica pode ou não estar.
Os pacientes são usualmente jovens, com
Assim como na ABPA e outras micoses
história pregressa e/ou familiar de doença ató-
broncopulmonares alérgicas, a dosagem de
pica, asma e pólipos nasais. Frequentemente
IgE total tem sido utilizada como marcador
relatam a eliminação de secreção muito espessa,
de atividade da doença1;
de cor verde-escura ou marrom pelas narinas
(relatada na literatura de língua inglesa como • Tomografia Computadorizada: É muito
semelhante a “manteiga de amendoim”)1. Pode útil ao demonstrar alterações característi-
haver história de múltiplas cirurgias e de uso cas, que devem sugerir a suspeição diagnós-
prévio de antibióticos e esteroides sistêmicos tica:
ou tópicos para tratamento de uma sinusite • em mais da metade dos casos o acometi-
recorrente. mento é bilateral, e em quase 80% destes, é
Pacientes com SFA em geral referem obs- assimétrico;
trução nasal, sintomas de rinite alérgica e/ou de
• extenso espessamento da mucosa dos
sinusite crônica, como congestão nasal, rinorreia
seios acometidos;
purulenta, drenagem nasal posterior e cefaleia.
Devido a progressão lenta da doença, muitas • imagem hiperatenuada que representa a
vezes a obstrução nasal e a dismorfia facial, se mucina alérgica (aspecto de céu estrelado
presente, não são percebidas pelo paciente ou ou imagem em vidro fosco) ocupando
seus familiares. grande ou toda a extensão da cavidade pa-
Os achados ao exame físico podem variar ranasal. O elevado teor de ferro, magnésio
desde a obstrução nasal por hipertrofia de e cálcio2 pode conferir ao material fúngico,
cornetos e pólipos até alterações faciais e orbi- áreas de densidade óssea (Fig. 8), permitin-
tárias grosseiras. Nos mais jovens, nos quais as do a diferenciação com exsudato bacteriano
estruturas sinusais não estão completamente e pólipos nasais;

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• erosão óssea, remodelamento e extensão velocidade de movimento macromolecular)
para cavidades adjacentes decorrentes da e pouca água na mucina alérgica, associada
compressão (efeito de massa) e da ação de a grande quantidade de água na mucosa
mediadores inflamatórios no local estão sinusal edematosa circunjacente, observa-
presentes em 20% dos casos (Fig.8). se redução de sinal em T1 e T2 nas áreas
preenchidas pelo material fúngico circun-
• A ressonância magnética nuclear (RMN) dado por áreas de sinal aumentado, que
também pode fornecer informações úteis representam a mucosa edemaciada.
na identificação pré-operatória da mucina
alérgica, mas geralmente não é necessária 3.5. Achados Histopatológicos
como rotina para o diagnóstico, sendo útil Observa-se mucosa hipertrofiada com
apenas quando há extensão intracraniana denso infiltrado inflamatório de plasmócitos,
ou dúvidas quanto ao diagnóstico. Devido pequenos linfócitos e eosinófilos, indistinguível
a grande concentração de proteínas (baixa do infiltrado encontrado na asma. As glândulas

Figura 8. TC de seios da face em caso grave - áreas de densidade óssea no interior do material fún-
gico e grandes deformidades faciais (Meltzer et al. J allergy Clin Immunol, 2004).

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mucosas estão hipertrofiadas. O epitélio respira- O manejo clínico requer, como medida
tório pode estar descamado, com a membrana inicial pós-cirúrgica, a corticoterapia sistêmi-
basal espessada. Não há necrose de células epite- ca. Até o momento não está estabelecido qual
liais, nem células gigantes ou granulomas, o que a melhor dose e duração do tratamento, mas
caracteriza o padrão não invasivo da doença. alguns centros utilizam esquema semelhante ao
A mucina alérgica extramucosa caracteriza- preconizado para ABPA, ou seja, prednisona 0,5
se pela presença de eosinófilos degenerados mg/kg/dia por 14 dias, seguido pela mesma dose
com cristais de Charcot-Leyden sobre um em dias alternados, se possível com redução
fundo de mucina eosinofílica na coloração por progressiva até a suspensão ou a menor dose
hematoxilina-eosina. Este aspecto é semelhante eficaz de manutenção16.
aos tampões mucosos encontrados na ABPA. Drogas antifúngicas por via sistêmica não
As técnicas de coloração com prata evidenciam são efetivas como tratamento primário, pois não
a presença de hifas fúngicas1,4,15 e devem ser há invasão tecidual, e a relação risco/benefício,
sempre realizadas (Fig.5). considerando os potenciais efeitos adversos da
anfotericina B, não é adequada. Outros anti-
3.6. Critérios Diagnósticos fúngicos, como cetoconazol e itraconazol, não
Os critérios para o diagnóstico propostos apresentam boa eficácia contra a maioria dos
por DeShazo2 são: sinusite comprovada por mé- fungos envolvidos.
todo de imagem, identificação da mucina alérgi- A lavagem nasal com solução de anfoteri-
ca durante rinoscopia ou cirurgia, demonstração cina B sim, contribui para a redução da carga
de componentes fúngicos na secreção nasal ou antigênica fúngica na mucosa naso-sinusal
no material obtido em cirurgia (por cultura ou 10,12,14,16
, favorecendo melhor evolução clínica e
coloração), ausência de diabetes, imunodefici- menor taxa de recidivas e reoperações1, como
ência ou uso de imunosupressores, ausência de parece ter acontecido no caso relatado.
doença fúngica invasiva (osso ou mucosa). No A imunoterapia com alérgenos, incluindo
caso relatado, todos os critérios acima estavam os fúngicos, foi inicialmente contraindicada,
presentes. assim como na ABPA1,4, por acreditar-se que a
administração de alérgenos poderia aumentar
3.7. Tratamento a resposta inflamatória por imunocomplexos na
Os objetivos do tratamento são eliminar mucosa sinusal. Entretanto, ela é a única forma
os fungos presentes na cavidade, prevenir no- disponível de modulação da resposta imune
vas colonizações, e modular a resposta imune local, e vem sendo recomendada por alguns
local. Para isso é requerido o manejo cirúrgico autores nos últimos anos sempre após a retirada
e clínico, numa abordagem interdisciplinar que cirúrgica do material inflamatório e rico em
envolve o otorrinolaringologista e o alergista- antígenos fúngicos, pois provoca redução no
imunologista. acúmulo de mucina e na formação de crostas
O manejo cirúrgico inclui a cirurgia endos- dentro das cavidades sinusais1,12,15.
cópica dos seios paranasais com completa remo- Estudos prospectivos e comparativos ava-
ção dos debris fúngicos e ventilação (retirada do liando a imunoterapia com antígenos inaláveis
material necrótico e da mucina alérgica). Uma (fúngicos e não fúngicos) após o procedimento
incompleta remoção pode causar recolonização cirúrgico, demonstraram que após um ano, os
e recidiva do quadro. Alguns autores sugerem a pacientes no grupo tratado não tiveram piora
lavagem das cavidades paranasais com antifún- de sintomas, não necessitaram corticosteroides
gicos durante o ato cirúrgico1,10,12, além do uso de sistêmicos, a maioria conseguiu parar os cor-
corticosteroide sistêmico e de antibioticoterapia ticosteroides tópicos e a taxa de recidivas foi
na semana anterior ao procedimento1. menor. E todos estes desfechos persistiram nas

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reavaliações após 2 e 3 anos de imunoterapia3,6, Alerg. Imunopatol, vol. 21, n.4, p.105 –11, 1998.
7,8,9
. 2. DESHAZO R.D., SWAIN R.E. Diagnostic
Apesar de não haver estudos avaliando criteria for allergic fungal sinusitis. J Allergy
Clin Immunol, vol. 96, n.1, p.24-35, Jul 1995.
medidas profiláticas ambientais específicas para
SFA, assim como na ABPA, deve-se orientar o 3. FOLKER R.J., MARPLE B.F., MABRY R.L.,
et al. Treatment of allergic fungal sinusitis:
paciente a evitar ambientes com altas concen- a c o m p a r i s o n t r i a l o f p o s t o p e r a t i ve
trações de fungos, tais como locais com grandes immunotherapy with specific fungal antigens.
quantidades de adubo químico, matéria orgâni- Laryngoscope, vol.108, n.11, Pt 1, p.1623-7, 1998.

ca em decomposição ou grãos estocados. 4. REZA D., FRANÇA A.T. Sinusite alérgica por
Aspergillus. In: FRANÇA AT. Aspergilose
No caso apresentado, devido a persistência
broncopulmonar alérgica, 1ª ed. Rio de Janeiro,
de sintomas agudos associados com exposição a Ed. Studio Alfa, 1996, p.96-106.
poeiras apesar do uso de medicação tópica con- 5 . K AT Z E N S T E I N A . A . , S A L E S . R . ,
tínua, a presença de sensibilização IgE-mediada GREENBERGER P.A. Allergic aspergillus
aos ácaros e ainda a controvérsia existente na sinusitis: a newly recognized form of sinusitis.
J Allergy Clin Immunol, vol. 72, p.89-93, 1983.
ocasião em relação a utilização de antígenos
fúngicos, optamos por fazer a imunoterapia 6. MABRY R.L., MABRY C.S. Immunotherapy
for allergic fungal sinusitis: the second year.
específica com ácaros, que parece ter colabora- Otolaryngol Head Neck Surg, vol.117, n.4,
do para a evolução favorável da paciente, com p.367-71, 1997.
remissão dos sintomas típicos de rinite alérgica, 7. MABRY R.L., MANNING S.C., MABRY C.S.
e sem ocorrência de recidivas e necessidade de Immunotherapy in the treatment of allergic
fungal sinusitis. Otolaryngol Head Neck Surg,
novas cirurgias após 8 anos de diagnóstico e vol.116, n.1, p.31-5, 1997.
acompanhamento, e 7 anos da última interven-
8. MABRY R.L., MARPLE B.F., FOLKER R.J., et
ção cirúrgica. al. Immunotherapy for allergic fungal sinusitis:
three years’ experience. Otolaryngol Head Neck
4. Conclusão Surg, vol.119, n.6, p.648-51, 1998.

9. MABRY R.L., MARPLE B.F., MABRY C.S.


A sinusite fúngica alérgica deve ser lembra-
Outcomes after discontinuing immunotherapy
da em todos os pacientes atópicos com sinusopa- for allergic fungal sinusitis. Otolaryngol Head
tia crônica, e deve ser pesquisada especialmente Neck Surg, vol.122, n.1, p.104-106, 2000.
nos que relatarem a eliminação de tampões de 10. MANNING S.C., HOLMAN M. Further
muco espesso e escuro, e/ou quando houver al- evidence for allergic pathophysiology in
allergic fungal sinusitis. Laryngoscope, vol.108,
terações tomográficas extensas e características. n.10, p.1485-96, Oct 1998.
Seu tratamento requer uma abordagem
11. MANNING S.C., MABRY R.L., SCHAEFER S.D.,
clínico-cirúrgica com acompanhamento inter- et al. Evidence of IgE-mediated hypersensitivity
disciplinar, envolvendo o otorrinolaringolo- in allergic fungal sinusitis. Laryngoscope,
vol.103, n.7, p.717-21, 1993.
gista e o alergista-imunologista. Assim como
a corticoterapia sistêmica, a lavagem pré e 12. MCCLAY J.E., MARPLE B. Allergic fungal
sinusitis. E-Medicine 2008. Disponível em
pós-operatória dos seios paranasais com anfo- http://emedicine.medscape.com/article/834401-
tericina B, e a imunoterapia com aeroalérgenos overview.
pós-operatória, ao reduzirem, respectivamente, 13. MILLAR J.W., JOHNTON A., LAMB D..
a carga fúngica e a resposta imunológica local, Allergic aspergillosis of the maxillary sinuses
[Abstract]. Thorax, vol. 36, p.710, 1981.
parecem reduzir a sintomatologia e a taxa de
recidivas da doença. 14. MORPETH J.F., RUPP N.T., DOLEN W.K., et al.
Fungal sinusitis: an update. Annals of Allergy,
Asthma, & Immunol, vol.76, p. 128-40, 1996.
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16. SCHUBERT M.S. Allergic fungal sinusitis: published in PubMed/MEDLINE, E-medicine
pathogenesis and management strategies.
Drugs, vol.64, n.4, p. 363-74, 2004. and textbooks of specialties), standing out the
main aspects of this disease.
Abstract The authors point out the importance of
Allergic fungal sinusitis (AFS) was des- investigating AFS in cases of chronic sinusitis in
cribed for the first time in 1981, and in 1997 atopic individuals, because it can cause severe
its diagnostic criteria had been defined. It is a and extensive anatomical alterations in para-
clinical entity of recent identification, which
nasal sinus, and requires an interdisciplinary
represents 5% of chronic sinusitis.
therapeutical approach, wich includes surgical
This article is a clinical case of AFS of the
Allergy and Immunology Service/Internal treatment, pharmacotherapy and, probably,
Medicine Service of University Hospital Pedro immunotherapy.
Ernesto, of the State University of Rio de Ja- KEYWORDS: Atopy; Chronic sinusitis;
neiro, followed by a literature revision (articles Allergic fungal sinusitis.

Ano 7, Julho / Dezembro de 2008 83


TITULAÇÃO DOS AUTORES

Editorial Roberto Campos Meirelles


Mestre em ORL pela UFRJ
Eduardo Costa de Freitas Silva
Doutor em ORL pela USP
Mestre em Imunologia Clínica pela UFRJ Livre -Docente em ORL pela UERJ e pela UNIRIO
Chefe da Divisão de Atenção à Saúde da Diretoria Professor Associado de ORL da FCM/UERJ
Geral de Saúde do CBMERJ
Endereço para correspondência:
Chefe do Setor e Coordenador do Curso de
Unidade Docente-assistencial de ORL – HU Pedro
Aperfeiçoamento em Alergia e Imunologia Clínica Ernesto.
do HU Pedro Ernesto/UERJ. Av. 28 de Setembro, 77/5º andar, Vila Isabel.
Endereço para correspondência: Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Setor de Alergia e Imunologia – HU Pedro Ernesto. Telefones.: (21) 2587-6220, (21) 2587-6210
E-mail: rcmeirelles@gmail.com
Av. 28 de setembro, 77/3º andar, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Telefones: (21) 2587-6631, (21) 2587-6414 - Artigo 3: Asma Brônquica
E-mail: eduardocostamd@hotmail.com
Eduardo Costa de Freitas Silva
Artigo 1: Rinite Alérgica e (Vide Editorial)
Comorbidades
Artigo 4: Diagnóstico e
Eduardo Costa de Freitas Silva Acompanhamento Funcional
(Vide Editorial) da Asma Brônquica
Agnaldo José Lopes
Artigo 2: Exame da Cavidade Doutor em Medicina pela FM/UERJ
Nasal e Tratamento Cirúrgi- Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia
da FCM/UERJ.
co da Obstrução Nasal Chefe do Setor de Provas de Função Pulmonar do

Ano 7, Julho / Dezembro de 2008 9


HU Pedro Ernesto/UERJ Artigo 6: Sinusite Fúngica
Endereço para correspondência:
Unidade Docente-assistencial de Pneumologia –
Alérgica - Relato de Caso e
HU Pedro Ernesto. Revisão da Literatura
Av. 28 de Setembro, 77 /2º andar, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030 Eduardo Costa de Freitas Silva
Telefone: (21) 2587-6537
E-mail: phel.lop@uol.com.br (Vide Editorial)

José Manoel Jansen Artigo 7: Imunoterapia


Professor Titular da Disciplina de Pneumologia da
FCM/UERJ.
Específica em Alergia
Endereço para correspondência:
Respiratória
Unidade Docente-assistencial de Pneumologia –
HU Pedro Ernesto. Eduardo Costa de Freitas Silva
Av. 28 de Setembro, 77/2º andar, Vila Isabel.
(Vide Editorial)
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Telefone: (21) 2587-6537
Artigo 8: Terapia Anti-Ige em
Artigo 5: Aspergilose Alergia Respiratória
Broncopulmonar Alérgica: Nelson Guilherme Cordeiro
Médico da Clínica de Alergia da Policlínica Geral
Panorama Atual do Rio de Janeiro
Solange O. R. Valle Endereço para correspondência:
Mestre em Imunologia pela UFRJ Av. Nilo Peçanha, n. 38 / sobreloja, Centro
Médica do Serviço de Imunologia do Hospital Rio de Janeiro - RJ. CEP 20020-100
Telefone: (21) 2517 4200
Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ
E-mail: nelsongbc@uol.com.br
Médica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro.
Eduardo Costa de Freitas Silva
Endereço para correnpondência:
Rua Miguel Lemos, 44 / sala 1002, Copacabana. (Vide Editorial)
Rio de Janeiro - RJ. CEP: 22071-000
Telefone: (21) 2521- 2649 Artigo 9: : Educação
E-mail: rodriquesvalle@terra.com.br
Integrada no Manejo das
Alfeu T. França Alergias Respiratórias
Livre-docente em Imunologia pela FM/UFRJ Fátima Emerson
Chefe do Serviço de Alergia do Hospital São
Médica da Clínica de Alergia da Policlínica Geral
Zacharias
do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Endereço de correnpondência:
Av. Carlos Peixoto, 124, Botafogo. Av. Nilo Peçanha, n. 38 – sobreloja – Centro – Rio
Rio de Janeiro - RJ. CEP: 22290-090 de Janeiro - RJ. CEP 20020-100
Telelefone: (21) 2295 4848 Telefone: (21) 2517 4200
E-mail: alfeu@hucff.ufrj.br E-mail: femerson@gmail.com

10 Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ

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