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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO

ESCOLA DE GOVERNO PAULO NEVES DE CARVALHO


TURMA XLVI DO CURSO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO

LUÍZA JALLES ROMAGNOLLO

RESENHA DE ARTIGO CIENTÍFICO

MELO, Victor Andrade de. Lazer, modernidade, capitalismo: um olhar a partir da obra de
Edward Palmer Thompson. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 23, n. 45, p. 5-26,
jan./jul. 2010. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-21862010000100001>. Acesso
em: 26, mar. 2024.

O artigo “Lazer, modernidade, capitalismo: um olhar a partir da obra de


Edward Palmer Thompson” trata-se de um estudo acerca da interpretação de
Thompson no que tange a dinâmica pós-industrial relacionada à percepção do
tempo, mais especificamente a diferenciação concreta que surge entre “jornada de
trabalho” e “tempo livre”, e a constituição de “um novo conjunto de comportamentos”,
como definido por MELO, que serão diferenciados em adequados ou não.
Em primeira instância, o autor prioriza a explicitação da relevância do lazer na
consolidação da sociedade capitalista e a profundidade de sua proeminência na luta
de classes. Não há, segundo ele, espaço para uma óptica de passividade na
socialização do que é o lazer, e sim uma “subjetivação, ressignificação, resistência” -
a cultura e o lazer não são configurados como escapismos, nem como “ópio do
povo”, nem como um direito exclusivamente burguês, mas sim como uma resposta
tanto às estratégias de coesão quanto às de subversão. Ou seja, encontra-se no
cotidiano espaço para a consolidação verdadeira das lutas, evidenciando uma
desvinculação com a teorização acadêmica e uma proposta de perspectiva empírica
de como o conflito entre classes se deu durante a construção do capitalismo
industrial na Inglaterra. Assim, a incorporação ou não de determinados padrões
culturais e econômicos e sua relação com a prática política propõe um novo
entendimento dos estudos antropológicos, interseccionados à ciência e à filosofia
política, como um mecanismo realmente ativo de transformação da sociedade.
Além disso, MELO apresenta as análises históricas de Thompson de modo a
ressignificar o papel do ócio na luta de classes e realocar o proletário como
protagonista fundamental do processo. Após as revoluções inglesas, observa-se
uma nova conformação do espaço urbano e público, além de uma redefinição do
entretenimento, acessibilidade do consumo e exibição da riqueza, transformando o
recém delimitado “tempo de lazer” em indústria e status. O lazer público, relacionado
ou não à religiosidade, toma para si a função de “oferecer emprego e espetáculo aos
pobres” (MELO apud Thompson, 1998b: 55) e recebe, entretanto, um apoio limitado
da burguesia, devido ao fato da organização e solidariedade popular serem
intrínsecas às atividades recreativas. Essa restrição aprofunda-se após a revolução
francesa em virtude do pânico contra-revolucionário e gera como consequência um
aumento do rigor das normas sociais - especialmente no que tange a substituição do
“ócio” pela “prece” e a “higienização” do lazer. Apesar da repressão, a recreação
popular persiste, tratando-se de “uma resistência consciente ao desaparecimento de
um antigo modo de vida, frequentemente associada ao radicalismo político” (MELO
apud Thompson, 987a, v. 2: 300).
A partir dessa apresentação temporal, observa-se uma preocupação da elite
em relação ao lazer sob uma percepção de que ele ameaça o sistema - ou seja,
realmente o ócio, a convivência e o tempo para pensar acerca dos problemas
substanciais do capitalismo afetam diretamente o status quo. Ao mesmo tempo que
há uma tentativa de imposição de mudança comportamental do “como” o lazer se dá
- e não mais “se” ele ocorre, especialmente após uma série de conquistas sindicais
sobre direitos trabalhistas -, há um aumento da consciência do preço e da relevância
do ócio. Dessa forma, observa-se “uma cultura tradicional que é, ao mesmo tempo,
rebelde” (MELO apud Thompson, 1998a: 19) e que “o ‘costume’ era elemento
fundamental na resistência à implementação da nova disciplina fabril, às
interferências nos comportamentos, inclusive nas dinâmicas de diversão” (MELO,
2010).
É válido, por fim, repensar o modo como a imposição de hábitos
configurou-se (e configura-se) enquanto meio de repressão à luta de classes
ocidental. Ademais, como argumenta MELO, é essencial associar a discussão sobre
“o problema do lazer” à exatamente quem - lê-se que grupo e em qual contexto
histórico - definiu que o ócio como o é na sociedade é, de fato, uma problemática.
Afinal, quem torna o lazer uma indústria e define que a automatização não gera mais
lazer, ao invés de, exclusivamente, mais produtividade? Quem ganha com a
“higienização” e coerção do ócio?

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