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Resumo
O texto sintetiza dimensões da trajetória pro-
fissional e da obra de João Roberto Moreira
(1912/1967). Catarinense de origem, este so-
ciólogo da educação, esteve associado à gran-
de empreitada intelectual de Anísio Teixeira à
frente do Inep nos anos 50/início dos anos 60.
Produziu diagnósticos sobre os sistemas de
ensino no Brasil, sobre as mudanças que de-
viam ser operadas na escola primária para que
ela pudesse se constituir em instrumento para
o desenvolvimento e refletiu sobre as relações
entre educação e desenvolvimento, tema que
mobilizava o campo da educação brasileira
naquele período.
Palavras chave
Sociologia da Educação; Moreira, João Roberto
(1912-1967). Educação e Desenvolvimento;
Escola Primária.
Professora da Faculdade de
Educação da Universidade Fe-
deral de Fluminense – UFF
Doutora em Sciences de
l´ Éducation pela Universida-
de de Paris V.
que ele sistematizou análises sobre escola primária (1960a). Minha leitu-
ra contém os vieses da perspectiva da leitora que sou: interesse pela
escola primária brasileira e por abordagens da realidade que contem-
plem articulações entre visões macro e microssociais.
Se a leitura que fiz não me permite analisar as modulações que o
pensamento de Moreira assumiu ao longo de sua trajetória, posso, no
entanto, afirmar que não é possível percorrer a história da Sociologia da
Educação no Brasil sem conhecê-lo. Entretanto, não é fácil o acesso às
suas obras. (nota 1) Por isso, incluí no artigo várias citações retiradas de
textos seus na tentativa de dar voz ao próprio autor.
Aos trinta e dois anos, entrou para o serviço público federal (DASP)
e, como Técnico em Educação, por concurso, esteve à frente da Seção
de Documentação e Intercâmbio do Inep (1949-1951). Gradua-se em
Filosofia (1951) e em Pedagogia (1954) pela PUC/RJ. No período de
1951 a 1953, atuou em dois colégios experimentais de grande prestígio: o
de Cataguazes (MG) e o de Nova Friburgo (RJ), onde assumiu funções
de supervisão, coordenação e direção.
mum e básica de todo o povo [...]. (p. 20) Avalia que o ensino rural
não é capaz de melhorar a vida rural e rejeita o discurso de que se
pode obter fixação do homem no campo via educação e aponta a asso-
ciação entre escolarização e urbanização.
A conclusão a que podemos chegar, portanto, é a de que, nas atuais
condições brasileiras, só a educação escolar não é capaz de melhorar
a vida rural. Talvez que ela seja, em certo sentido, um meio de melhor
urbanização, porque dará às populações que migram para as áreas
urbanas mínimos culturais que contribuirão para a sua melhor adap-
tação ao novo ambiente em que tentam viver. Neste sentido, o que
estamos fazendo é útil e prático, porque, enquanto não forem realiza-
das reformas básicas ou de estrutura, as populações rurais não terão
outro caminho que o êxodo para as cidades. (p. 191)
- O conceito de educação
Moreira refere-se a influências em seu pensamento. Incorpora con-
tribuições de Durkheim, criticando o caráter conservador de sua definição:
E. Durkheim procurou caracterizar a educação como ação exercida
pelas gerações adultas sobre as gerações jovens para adaptá-las à
vida social. Esta definição, embora procure delimitar em sua compre-
ensão o que é processo adaptativo considerado, pode facilmente
levar a um fatalismo ou conservadorismo, que tornaria inútil todo
esforço de progresso e renovação educacionais. (p. 2)
Vale-se de Dewey:
Não há dúvida de que muitas das diretrizes deste nosso trabalho figuram
entre as adotadas e racionalmente justificadas por John Dewey. Algumas
de suas premissas do livro “Democracia e Educação” são: a) a escola não
pode ser uma preparação para a vida social se não reproduzir as condições
típicas da vida social; b) o conteúdo das atividades escolares deve ser
prático, isto é, ativo no sentido de realizar e construir; c) as atividades
tecnológicas de uma era industrial são fatores decisivos na determinação
do pensamento, dos ideais e da organização social dos povos. (p. 54) [...]
não significa que aceitemos as idéias de Dewey em seus fundamentos
filosóficos; julgamos mesmo que elas são susceptíveis de crítica profunda
e racionalmente experimental, em virtude de alguns preconceitos determi-
nados por condições especiais da cultura norte-americana [...]. (p. 54)
- O processo de avaliação
Moreira considerava que o processo de avaliação na escola pri-
mária vinha gerando altas taxas de evasão e de repetência e impedia
a generalização desse nível de ensino entre nós. Justifica seu raciocí-
nio a partir de estudos elaborados por Kessel (1954), que mostravam
- Isolacionismo e segregacionismo
Moreira criticava a escola primária por não estabelecer relações
vitais com a sociedade, com a comunidade na qual está inserida e com
os atores que dela participam. A escola estava isolada e atuava de for-
ma a segregar gerações que nela conviviam, a separar a vida escolar da
vida espontânea da criança, as aprendizagens escolares da vida social.
É interessante, para aquela época, a análise que faz de estereótipos
e preconceitos com que a professora atua e que têm como explicação
central valores, atitudes de sua experiência social de origem – classe
média urbana. Entre os estereótipos e preconceitos manifestados por
professores, cita a tendência de eles considerarem alunos de bom apro-
veitamento aqueles que revelam [...] capacidade de usar com relativa
facilidade os símbolos ou sinais verbais da linguagem falada e da
linguagem escrita. (p. 149). A valorização da riqueza.
A estrutura geral da obra mostra uma variedade de temas e
uma ousada pretensão de dar conta de discussões teóricas de fun-
do que se desdobram em orientações sobre a organização do ensino
em vários níveis: do sistema (critérios de aprovação, currículos), do
estabelecimento (direção), do ambiente escolar geral (relações en-
tre alunos, relações entre iguais) e da sala de aula (ensino de disci-
plinas, relações na sala de aula). Não é possível, além de constatar
o fôlego que tal empreitada exige, discutir a coerência e a pertinência
das articulações que fundamentam tal movimento. Isso supõe o tra-
balho de diferentes especialistas. Mas é interessante observar a
tentativa de pensar a prática pedagógica articulada a finalidades
que o sistema escolar deveria perseguir no contexto social dos anos
50 e início da década de 1960.
Compromissos internacionais
Em maio de 1961, Moreira foi chamado a dirigir o Departamen-
to Nacional de Educação, mas em decorrência de alterações no qua-
dro político – Jânio Quadros renunciara – essa experiência foi inter-
rompida em setembro e ele foi coordenar um projeto de pesquisa
sobre educação e desenvolvimento no Centro Latino-Americano de
Pesquisas Sociais (1961/1962).
Esteve no Chile coordenando um projeto que visava à generaliza-
ção e à melhoria do ensino primário na América Latina, o Projeto Princi-
pal do Escritório Regional da Unesco para a América Latina. Em 1963,
assumiu a direção da representação da Unesco na América Latina.
Nesse período, elaborou um documento básico para discussão no
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), que estava empenhado
em formular propostas de reformas sociais associando capitalismo e
democracia que pudessem ser contrapostas aos projetos da esquerda
brasileira (MOREIRA, 1964).
Em 1964, pensou em aceitar um cargo que lhe fora oferecido no
Brasil, mas aqui chegando encontrou uma situação delicada que o fez
sofrer – seu filho mais velho fora preso por motivos políticos. Buscou
mobilizar a rede de amigos. Não assumiu o cargo e retornou ao Chile,
onde permaneceu até 1965, quando reassumiu seu cargo no Inep. Mas
não encontrou ali as condições favoráveis de trabalho. Ao mesmo tem-
po, lecionava Sociologia Política no curso de mesmo nome na PUC/RJ.
Essa situação desconfortável levou-o de volta ao exterior, como
professor visitante e consultor da Universidade de Porto Rico. Estava
organizando um centro internacional de Educação Comparada quando
veio a falecer, em 21 de maio de 1967.
Notas
1 Em um texto em que explora a “recepção” da obra de Michel Foucault,
Bourdieu (1997, p. 19-20) escreve nas linhas derradeiras o seguinte:
“frente a todas as ameaças que envolvem a recepção, pode-se per-
guntar muito seriamente se um pensador consciente não tem interes-
se, às vezes, em fazer-se ilegível, não no sentido da grande obscuri-
dade carismática heideggeriana e holderlinniana; quero dizer, a fa-
zer-se difícil de ler para ter alguns verdadeiros leitores, no lugar de
muitos desses terríveis não leitores que parece que lêem”.
2 Miceli (2001, p. 114), ao comentar as aulas inaugurais de Michel
Foucault, Roland Barthes e Pierre Bourdieu no Collège de France,
escreve que elas podem ser vistas “como exemplares seqüenciais
de uma espécie em diálogo. Todavia, quando examinamos umas
em relação às outras, elas surtem esse efeito que acaba vindo à
tona na fala de todos: cada um deles se sente desafiado a ser
melhor, mais brilhante e audacioso, do que seus antecessores. Tudo
se passa como se Bourdieu redigisse sua aula com aquela profe-
rida por Barthes na cabeça, fazendo com que algo da prosa límpida
e encantada do colega passasse a pontuar o texto de um craque
no enlace de condicionantes. Seja como for, percebe-se um capri-
cho rematado na redação da aula, destoante de outros trabalhos
de Bourdieu, dono de uma prosa imagética e de rigor conceptual”.
3 Referir-se aos capitais dos agentes não é proferir julgamentos de quais-
quer espécies, afirmar algo sobre as características morais individuais
ou sobre o valor das pessoas, mas descrever um estado relativo das
posições no espaço das posições sociais. Capital, portanto, é uma pro-
priedade relacional, só podendo ser identificada em relação a outras.
Os capitais podem ser de diversos tipos (econômico, político, cultural,
lingüístico, de relações sociais), podem existir em vários estados (incor-
porado, objetivado, institucionalizado) e podem converter-se uns nos
outros (por exemplo, os integrantes do campo do poder, em particular
os políticos profissionais, são pessoas que, em geral, conseguiram com
sucesso converter capital econômico em capital político). Além disso,
os capitais possuem “leis” (por exemplo, a que afirma a atração
tendencial do capital ao capital – “capital atrai capital”). O capital
Referências
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Abstract Resumen
The text summarizes dimensions of E presente texto aborda las
João Roberto Moreira’s work and dimensiones de la obra de Joao
his professional career (1912/1967). Roberto Moreira (1912-1967), y su
Born in the state of Santa Catarina, trayectoria profesional. Moreira nació
this sociologist of education was en Santa Catarina, Brasil, y como so-
associated to the intellectual ciólogo de la educación participó del
framework of Anísio Teixeira who movimiento intelectual de Anisio
was the head of INEP in the 50’s Teixeira, quien en la década de los
and early 60’s. He has conducted años de 1950 y en los inicios de los
research and diagnosis of the años de 1960, era responsable del
Brazilian educational system, the Instituto Nacional de Estudios y Pes-
changes that should take place in quisas en educación – Inep.
primary school so that it would be También, escribió diagnósticos en
an instrument for development and relación con el sistema de enseñanza
he established the links between brasilero y sobre los posibles
education and development, theme cambios que debían ser realizados
which mobilized the Brazilian en la escuela primaria para que ella
educational field in that period. pudiese ser un instrumento de
desarrollo. También, se preocupó con
Key words la relación entre desarrollo y
Sociology of education; Moreira, educación, tema de vital importancia
João Roberto (1912-1967); en la educación brasilera en ese mo-
Education and Development; mento histórico.
Primary School. Palabras claves
Sociología de la Educación;
Moreira, Joao Roberto (1912 –
1967); Educación y Desarrollo;
Escuela Primária.