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Lemos, Flávia Cristina Silveira; Aquime, Rafaele Habib Souza; Franco, Ana Carolina Farias; Piani, Pedro Paulo
Freire. O extermínio de jovens negros pobres no Brasil: práticas biopolíticas em questão

O extermínio de jovens negros pobres no Brasil: práticas biopolíticas em


questão

The extermination of young poor black in Brazil: practices biopolitics in


question

El exterminio de los jóvenes negros pobres en Brasil: las prácticas


biopolíticas en cuestión

Flávia Cristina Silveira Lemos1

Rafaele Habib Souza Aquime2

Ana Carolina Farias Franco3

Pedro Paulo Freire Piani4

Resumo

Este artigo versa sobre a prática de extermínio de jovens pobres e negros, com baixa escolaridade,
moradores das periferias urbanas brasileiras, em uma análise da biopolítica em Foucault. O crescente e
massivo genocídio desse grupo, somado ao aumento do contingente de aprisionamento dessa
população, assinala que o Brasil optou por duas táticas de segurança em defesa social contra um
suposto inimigo penal: cadeia e caixão. Interrogar essa realidade e colocá-la em questão é uma
inquietação de quem atua com pesquisas em direitos a serem garantidos e protegidos. A crítica à
militarização do cotidiano e às subjetividades baseadas no medo e na insegurança deve ser uma pauta
da Psicologia, na formação, na extensão, na pesquisa e na publicação.

Palavras-chave: jovens, pobres e negros, biopolítica, garantia de direitos, subjetividades.

Abstract

This article deals with the practice of extermination of poor young people and blacks, with low
schooling, residents of suburbs Brazilian, in an analysis biopolitics, in Foucault. The growing and
massive genocide of this group plus the increase in the quota for trapping this population notes that
Brazil has opted for two tactics of security, in social defense against an alleged criminal enemy, chain
and coffin Ask this reality and put it in question is a concern for anyone who works with research
social rights to be guaranteed and protected. The criticism of the militarization of everyday life and the
subjectivities based on fear and insecurity must be an agenda of Psychology in the areas of education
and training, extension, research and publication.

1
Psicóloga; mestre em Psicologia e Sociedade; doutora em História; professora Psicologia Social da
Universidade Federal do Pará – UFPA. E-mail: flavialemos@ufpa.br
2
Psicóloga/UNAMA. Mestre em Psicologia/UFPA.
3
Doutoranda em Educação/UFPA. Mestre em Psicologia Social/UFPA. Psicóloga/UFPA.
4
Universidade Federal do Pará - Professor adjunto IV/UFPA. Doutor e Mestre em Psicologia Social/PUC-SP.
Psicólogo/UFPA.

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Keywords: young people, the poor and blacks, biopolitics, guarantee of rights, subjectivities.

Resumen

En este artículo se refiere a la práctica de la exterminación de los jóvenes pobres y negros, con baja
escolaridad, los residentes de los suburbios brasileños, en un análisis de la biopolítica, en Foucault. La
creciente y genocidio en gran escala de este grupo y el aumento de la cuota de captura esta población
observa que el Brasil ha optado por dos tácticas de seguridad, de defensa social contra un presunto
delincuente enemigo, cadena y ataúd preguntar a esta realidad y se la pone en cuestión es una
preocupación para cualquier persona que trabaja en la investigación que se les garanticen los derechos
y la protección. Las críticas a la militarización de la vida cotidiana y las subjetividades basadas en el
miedo y la inseguridad debe ser un programa de psicología en las áreas de educación y capacitación,
extensión, investigación y publicación.

Keywords: los jóvenes, los pobres y los negros, biopolítica, garantía de los derechos, subjetividades.

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Introdução mesmo o matar em nome da vida é


agenciado em uma prática biopolítica. Os
Este artigo apresenta e analisa o estudos de Foucault (1999; 2008) auxiliam
tema do extermínio de jovens, pobres, a analisar a relação entre o governo da vida
negros e com baixa escolaridade. Efetua e o racismo e pode oferecer algumas pistas
uma crítica à prática genocida contra esses interessantes para a problematização desse
jovens e explicita um quadro de certa processo de subjetivação, baseado na
indiferença em relação ao acontecimento. segurança da sociedade.
Destaca alguns aspectos que atravessam A visão de uma política de defesa
essa situação no Brasil atual e descreve da sociedade sustenta, no Estado
algumas práticas que a Psicologia vem Democrático de Direito, práticas de
realizando para dar visibilidade a esse encarceramento e de extermínio dos
acontecimento. O artigo ainda apresenta a grupos considerados indignos de viver, em
criação de estratégias na formação e função de estigmas e racionalidades
acompanhamento profissional para o racistas. Assim, neste ensaio, nos baseando
trabalho ético, politicamente posicionado e em experiências de estudos na Psicologia
com o objetivo de inquietar a sociedade em Social sobre direitos de jovens, propomos
face dos processos de discriminação social uma interrogação do extermínio de jovens
e econômica. negros e pobres, com baixa escolaridade
Há intolerância na sociedade, e o no Brasil nos últimos anos. Vale ressaltar
estigma contra a juventude negra, que as análises realizadas fazem parte de
moradora de periferias urbanas, pobre e um recorte conceitual das pesquisas
com baixa escolaridade é uma delas. empíricas que realizamos sobre os direitos
Organismos internacionais e agências de das crianças e juventude, de cunho
direitos vêm apontando os efeitos nefastos documental, baseadas na história nova.
da produção desse estigma, tais como a
prática de extermínio dos jovens negros Biopolítica: fazer viver e deixar morrer
pobres ou aprisionamento massivo destes. os jovens negros
Nesse sentido, um lugar criado para esse
grupo social recorrente é a cadeia ou o As altas taxas de homicídio da
caixão, infelizmente. As pesquisas e a juventude negra nos alertam sobre a
atuação em Psicologia com equipes importância de imediatas ações de
multiprofissionais são extremamente enfrentamento e estratégias de proteção e
relevantes para a criação de políticas de garantia de direitos desse grupo social. A
intervenção nas forças que fabricam esse partir dos dados do Sistema de
acontecimento. Informações sobre Mortalidade (SIM/MS)
Efetuar a análise das taxas de e do Censo Demográfico do IBGE, de
homicídio praticados contra jovens, 2010, o comparativo entre as taxas de
negros, pobres e com baixa escolaridade é homicídio entre negros e não negros expõe
importante e aponta para uma questão a ser a alta ocorrência e discrepância racial no
alvo de publicações e pesquisas no Brasil, Brasil. Para negros, a proporção é de 36
em especial na Psicologia, em termos dos mortes por 100 mil negros, enquanto para
processos de subjetivação racistas, de não negros a taxa é de 15,2. Entre as
classe, escolaridade e faixa etária. Um Unidades Federativas, essa diferença é
aspecto analítico neste texto é a acentuada, principalmente as situadas nas
preocupação em oferecer ao leitor uma regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
perspectiva de como o deixar morrer e (Waiselfisz, 2014).

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Dos 194 milhões de habitantes, um viés de gênero: quem morre são os


contabilizados em 2012, 26,9% da jovens, inequivocamente, assassinados
população brasileira era jovem, entre 15 e (Waiselfisz, 2011).
29 anos, representando um total de 52,2 E continuando sobre os números no
milhões nessa faixa etária. Na década de Pará, verifica-se que, no período de 2002 a
1980, todavia, esse contingente era maior: 2012, as taxas de homicídio de brancos
34,5 milhões para uma população total de passaram de 19,5% para 22,0%, enquanto,
119,0 milhões de habitantes, ou seja, para negros, saltaram de 37 para 160,0%.
29,0%. Essa redução se deve à diminuição Esse quadro traz explicitamente o racismo
nas taxas de fertilidade por conta da e a classe social perpassando o número de
urbanização e modernização da sociedade assassinatos de negros no Pará. O aumento
brasileira. De todo modo, a expectativa de significativo apontado não pode ficar
vida dos brasileiros aumentou da década de silenciado na estatística, apenas, e ser
1980 até 2012 devido à redução das taxas naturalizado, muito menos banalizado.
de mortalidade (de 631 para 100 mil Numa lista com 100 municípios
habitantes, em 1980, para 608, em 2012). com as maiores taxas de homicídio por 100
Porém, a taxa de mortalidade dos mil habitantes, entre os anos de 2010, 2011
jovens permaneceu estagnada e até e 2012, apareceram alguns municípios
aumentou um pouco nesse período. Em paraenses: Redenção, Paragominas, Novo
1980, eram 146 mortes a cada 100 mil Repartimento, Tomé-Açu, Ananindeua,
jovens, em 2012, o número alcançou 149 Marituba, Marabá, Altamira e
mortes. A partir desses resultados, é Parauapebas. Destacam-se as taxas do
fundamental debater sobre esses números e município de Ananindeua, em que o
pensar a formulação de políticas públicas homicídio de brancos nesse período
direcionadas ao enfrentamento da chegou a 37,3%, ficando para os negros
mortalidade juvenil, que, de fato, em 349,1%; Marituba: 26,7% para brancos
envolvem muitos atravessamentos. O e 202,8% para negros; Marabá, 39,8% para
Instituto Sangari e o Ministério da Justiça brancos e 188,2% para negros (Brasil,
apontam que os jovens representam 18% 2014).
da população, mas o número de homicídios Segundo os dados do SIM/Datasus,
nessa faixa etária se encontra em 36% do em 53,37% do total de homicídios
total de casos. No Pará, especificamente, ocorridos no Brasil (56.337), as vítimas
de 2001 a 2011, houve um aumento de foram os jovens (30.072); destes, 77,0%
232,1% de homicídios contra a população eram pretos e pardos, sendo 93,30% do
juvenil, sobretudo negra e pobre sexo masculino. Esse dado deve receber
(Waiselfisz, 2013). um tratamento analítico pelo viés de
O estado do Pará subiu da 16ª raça/etnia e de faixa etária para que não
posição em 1998, com taxa de 24,1% (em fique apenas nos arquivos da Secretaria e
100 mil habitantes, na população de 15-24 possa ser apropriado na criação de políticas
anos), para a 8ª posição em 2008, com afirmativas de igualdade racial e de críticas
71,3% (Waiselfisz, 2011). No que se refere à seletividade penal (Brasil, 2014).
à raça e cor, verifica-se que, de 2002 a Paralelamente, e na contramão
2008, houve um aumento nas taxas de dessa naturalização, há resistência e
homicídio de 13,4% na população branca e reconhecimento gradual da sociedade civil
de 44,9% na população negra. Quanto ao e da figura do Estado pela significativa
sexo, no ano de 2008, 93,8% dos casos de expansão dos casos de homicídio
homicídio vitimaram o sexo masculino e endereçados em maior grau aos jovens
6,2% o sexo feminino. Esse número traz negros. O efeito dessa resistência está na

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organização e maior articulação dos jurídicos, sociais, psicológicos, culturais,


movimentos sociais, afinal de contas, essa econômicos e históricos. Selecionar
situação alarmante da juventude negra penalmente é repartir por segmentos e por
brasileira exemplifica as desigualdades características os grupos sociais e
raciais presentes no Brasil e intoleráveis hierarquizá-los em escalas de merecimento
para um quadro de sociabilidade da vida e da garantia de direitos
democrática (Brasil, 2014). (Wacquant, 2003).
Há coletivos que se organizam em Esse processo é uma biopolítica, na
prol do enfrentamento ao genocídio e medida em que faz um juízo racista de
extermínio dos jovens negros, como foi o valor dos corpos da população. Essa
caso da campanha coordenada pelo Fórum tecnologia de saber e de poder surgiu na
Nacional da Juventude – “Reaja ou será segunda metade do século XIX e se
morto, será morta” – e também pelo Plano expande em nome do governo da vida, pela
Juventude Viva, elaborado pelo Governo entrada na história da política do corpo
Federal e lançado em 2012, a fim de espécie da população (Foucault, 1988). A
implementar estratégias contra a violência, regulação seletiva e racista da vida de
articulando-se aos representantes da alguns em detrimento de outros é um efeito
sociedade civil e aos conselhos de políticas dos mecanismos de segurança e das
públicas (Brasil, 2014). práticas biopolíticas.
A respeito das políticas de O fazer viver e o deixar morrer
segurança pública, tramita o PL nº alguns grupos sociais implica em defender
4.471/2012, que prevê, de forma geral, a determinados segmentos da população, no
obrigatoriedade na investigação dos interior do Estado Democrático de Direito.
homicídios protagonizados pelos agentes O extermínio de pessoas, avaliadas como
de segurança do Estado. No processo de supostamente indignas de viver é um efeito
mobilização, estão envolvidas em torno de do racismo de sociedade e do Estado,
40 mil pessoas, que representam centenas sendo os corpos hierarquizados em escalas
de entidades. Além disso, a Secretaria de valor, segundo critérios morais,
Geral, juntamente com o Conselho normalizantes e da política criminal do
Nacional do Ministério Público (CNMP), o direito penal do inimigo (Batista, 2003;
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Foucault, 2008).
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Regular coletivamente os corpos,
Conselho Nacional de Defensores Públicos utilizando o método de separação de
Gerais (Condege), o Ministério da Justiça e segmentos, implica organizar a
a Secretaria de Políticas de Promoção da multiplicidade humana por traços e
Igualdade Racial assinaram o Protocolo comportamentos, por olhares e exames,
para a Redução de Barreiras de Acesso à por local de moradia e escolaridade, por
Justiça para a Juventude Negra em profissão e cor da pele, por pertencimento
Situação de Violência. Essa iniciativa tem a uma cultura e a um tipo de família, pela
como objetivo promover mais acesso à comunidade onde está e pela faixa etária.
justiça a jovens negros em situação de Batista (2003) ressalta que o olhar
violência (Brasil, 2014). que seleciona não é neutro; ao contrário, é
O genocídio de jovens negros racista, moralista, segrega, discrimina,
pobres é um dos efeitos da seletividade torna subalterno, desvaloriza e controla. A
penal realizada para a prática de seletividade penal opera liberdade, morte e
aprisionamento destes, agenciando uma detenção. Olhar o jovem pelo lugar
triagem de que povo será privado de negativo, pela suspeita de que ele irá
liberdade e por meio de quais mecanismos roubar, matar, traficar, usar drogas, vagar

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ocioso, furtar, é uma maneira de forjar uma ampliada com mais incidência a partir de
posição subjetiva, um lugar social e 1950 até o presente. Essa ideia de combate
institucional para ele e criar subjetividades às drogas passou a ser organizada pela
como modos de ser pela visão vingativa de prisão em massa e pela matança dos que
que esses grupos devem receber punições foram forjados como monstros sociais, os
variadas, de sorte que a morte deles não classificados juridicamente como
causará revolta nem choro; apenas gerará traficantes na lógica penal (Carvalho,
indiferença, já que eles foram privados, em 2013).
primeiro lugar, de reconhecimento positivo Em especial, os jovens pobres e
para, depois, serem enclausurados e/ou negros, na ponta do tráfico de drogas,
mortos, muitas vezes antes de qualquer foram alvos mais vulneráveis e
julgamento baseado na Constituição de desprotegidos no bojo da visão de guerra
1988. declarada e de uma decisão de manter e até
Coimbra e Nascimento (2003) mesmo aumentar as penas para o crime de
questionam essa produção da tráfico na maioria dos países do globo. A
periculosidade de jovem pobre e negro por elasticidade liberal das penas praticamente
meio de vieses de desigualdades sociais e não operou nesse caso do tráfico. E, em
econômicas. Wieviorka (2010) salienta tempos de desemprego, trabalho informal
como o racismo institucional organiza uma crescente, aumento das desigualdades
racionalidade de iniquidade étnica/racial, sociais e econômicas com a mundialização,
nos equipamentos de escolarização, de os jovens negros, pobres e de baixa
assistência social, de saúde, de justiça e de escolaridade passaram a ser aliciados nesse
isolamento. trabalho ilegal e informal, pagando um
Conforme Passetti (1985), essa preço alto com suas vidas (Batista, 2003).
seleção que visa a criar uma justificativa O racismo de sociedade é
que supostamente ofereça um direito de institucionalizado e se materializa em
matar é recortada na família chamada de práticas variadas, nos mais diferentes
desestruturada e disfuncional; do equipamentos e organizações, em saberes
preconceito; da história do assujeitamento e, até mesmo, em opressões e dominações
escravocrata; da banalização da violência e que fazem parte do que Foucault (1995)
da desigualdade; de uma economia política denominou de governamentalidades,
do descarte; da gestão de exceção à lei no baseadas em processos de dominação
interior do Estado Democrático de Direito, social, cultural e econômica. No caso da
de acordo com Foucault (2008). O dominação racial, voltada diretamente
paradoxo da biopolítica é que nunca se contra os negros, é possível delimitar o
matou tanto em nome da vida e do deixar quanto a margem de liberdade e acessos
morrer. As maiores guerras e massacres se está restrita nas denominadas democracias
deram no momento em que o Estado atuais.
decidiu preservar a saúde e governar a vida Wieviorka (2010) ressalta os
(Foucault, 1988). aspectos institucionais do racismo, nas
Os massacres na política últimas décadas, em que ocorre uma
denominada defesa da sociedade operam naturalização das práticas de discriminação
pela racionalidade da lei e da ordem, em étnico-racial, sobretudo contra os negros e
encomendas de controle da liberdade na as negras nos estabelecimentos, relações e
relação com a segurança, em especial, discursos, recorrentemente. Bento (2002)
articuladamente ao direito da propriedade e chega a declarar o quanto há efeitos
à política chamada de guerra às drogas atrozes da hierarquia proposta pela
realizada, durante todo o século XX, mas construção de escalas de branquitude,

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prática banalizadora do racismo de trabalho para negros. Se, do ponto de vista


sociedade e de Estado. da demanda por trabalho, o racismo bloqueia
o acesso a oportunidades e interdita o
Ora, Bento (2002) assinala que o crescimento profissional, efeitos igualmente
racismo não é criado sem um processo de maléficos podem ocorrer pelo lado da oferta
subjetivação, o qual traz atravessamentos de trabalho. (Cerqueira & Moura, 2013, p.
de individualização e totalização de 13)
racionalidades de existências e atos
subsidiados por essas racionalidades, Comparando também as taxas de
correlatos por um conjunto amplo e homicídio entre os brancos e negros, é
diverso de forças, múltiplas e diferentes. possível chegar à conclusão de que, no
Assim, o racismo não é irracional e fruto Brasil, o homicídio tem cor. Entre os
de ausência de conhecimento, na medida brancos, da década de 1980 para 2012, os
em que é exercido em espaços intelectuais índices de vítimas se reduziram: era de
e em publicações correlatas que ainda 19.846 e foi para 14.846, com uma queda
trazem enquadres racistas para a escrita e de 24,8%. Em contrapartida, entre os
conversação pública, entre pares. negros, elevaram-se essas taxas, que eram
de 29.656 e passaram para 41.127, com um
A produção da juventude negra pobre crescimento de 38,7%. Por 100 mil negros,
como perigo urbano a exterminar a taxa de homicídio era de 37,5% e saltou
para 73% em 2002, e para 146,5% em
De acordo com Cerqueira e Moura 2012. No período de 10 anos (2002-2012),
(2013) e com informações do Censo ocorreu um aumento de 100,7% (Brasil,
Demográfico do IBGE de 2010 e do SIM, 2014).
vinculado ao Ministério da Saúde, no A Secretaria Nacional de Juventude
comparativo das violências letais (2014) expõe, a partir dos dados expostos,
(homicídios, suicídios e acidentes), os que as ações de segurança pública no País
homens de cor negra são aqueles que se distribuem de forma desigual. Assim,
perdem em expectativa de vida: 3,5 anos em áreas mais abastadas, ocupadas pela
contra 2,57 anos dos homens de outra cor. população em sua maioria branca, há uma
A perda é bem maior se considerado presença maciça tanto da segurança
apenas o homicídio, o que pode se explicar privada quanto da pública, as quais se
pelo fato de que o negro, no Brasil, é encontram em menor escala nas áreas
discriminado por dois fatores principais: periféricas. O órgão enfatiza ainda uma
sua condição socioeconômica e a cor de naturalização da sociedade em considerar
sua pele. Essa questão assinala claramente que uma dose de violência destinada a
a seletividade racista em jogo em um grupos específicos é necessária,
sistema de repartição política, social e principalmente aqueles em situação de
econômica: pobreza. Sublinha, em acréscimo, a reação
da mídia em situações de violência, pois
O racismo faz aumentar a vitimização seu discurso depende do status social da
violenta das populações negras por dois vítima.
canais, um indireto e o outro direto. O canal A grande mídia vem propagando a
indireto está associado à pior condição
socioeconômica dos afrodescendentes, que
menoridade de jovens pobres, negros e
deriva não apenas de um processo de com baixa escolaridade, criando um
persistência na transmissão intergeracional estereótipo do inimigo da sociedade a ser
do baixo nível capital humano, que seguiu exterminado, aderindo, sem nenhuma
como um legado da escravidão, mas por ética, ao genocídio desse segmento da
consequência dos efeitos culturais da
ideologia do racismo no mercado de
população como uma prática de gestão da
miséria (Wacquant, 2003; Batista, 2003).

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Na perspectiva de Caldeira (2000), a externas. A militarização do cotidiano das


cidade tem muros e divide quem pode cidades e, em especial, das periferias
transitar por ela e quem não pode, de urbanas tem sido uma prática recorrente,
maneira que, se ousar ultrapassar os na atualidade, em uma intensa repressão
limites, poderá ser eliminado como refugo tanto à venda quanto ao transporte de
social, sem a mínima culpa e inquietação drogas, criminalizando os moradores das
por grande parte da população, a qual tem periferias e fomentando uma guerra
uma opinião estereotipada constituída sangrenta (Carvalho, 2013).
pelas mídias oligárquicas e não A crítica ao proibicionismo na
democráticas. política sobre drogas tem ocorrido por
Nesse sentido, Bauman (1999; movimentos sociais variados e com
2005) identifica as vidas desperdiçadas na impacto na demanda de descriminalização
sociedade atual e de que modo são do uso e da venda de drogas. A Law
colocadas nesse lugar de pária a ser Enforcement Against Prohibition (Leap),
trancado, internado, lixado, morto e preso. criada em 2002, tem um escritório no
De acordo com Garland (2008), a cultura Brasil e é formada por policiais e juristas
do controle efetiva pela mídia que fazem crítica à criminalização ao uso,
antidemocrática uma mediação da ao porte e à venda de drogas. Não se trata
produção da vítima como coitada e de uma apologia ao uso, mas a entidade
injustiçada e o algoz, criminoso a ser opera interrogando as mazelas da política
punido e castigado. Cria-se uma criminal de drogas em seus efeitos nefastos
legitimidade e justificativa para o a toda a sociedade, sobretudo aos jovens
extermínio, baseadas em uma meritocracia pobres, negros e com baixa escolaridade.
e na prática de uma guerra civil não É imperioso pensar como a morte e
declarada, mas altamente letal. A nomeada a dor, a falta de acesso às oportunidades e
política de guerra às drogas cada vez mais às políticas sociais, a falta de
gera um efeito perverso do massacre de reconhecimento social como cidadão e ao
pobres, negros, jovens e moradores de respeito, em face das possibilidades
periferias urbanas. diversas de vida, vêm sustentando parte do
Nessa linha de pensamento, em extermínio de jovens, pobres, negros e com
pesquisa sobre jovens e drogas, no Rio de baixa escolaridade. O trabalho cuidadoso
Janeiro, Batista (2003) ressalta que a de enfrentamento ao racismo é igualmente
guerra às drogas mata e prende a ponta do uma frente de atenção presente na
tráfico, jovens que são aliciados a Psicologia Social brasileira. O
participar desse negócio em redes de fortalecimento de posições políticas
exploração do trabalho pela ilegalidade e críticas ao propósito das mídias de
rentabilidade do contrabando de drogas, forjarem preconceitos e discriminações
agravado pela política proibicionista e de negativas contra os jovens, pobres e negros
defesa da sociedade contra seus inimigos fomenta a detenção e o extermínio desses
constituídos, quais sejam, os que jovens (Batista, 2003).
comercializam e transportam as drogas Outro acontecimento que tem
classificadas como ilegais. alertado os ativistas do movimento negro
Hobsbawm declara, em seu livro brasileiro são as execuções sumárias
Globalização, democracia e terrorismo perpetradas por agentes do Estado, sob a
(2008), que cada vez mais os exércitos são justificativa dos chamados “autos de
convocados a atuar no interior dos Estados, resistência” ou “resistência seguida de
em nome da segurança e não mais morte”. Esse é o ato administrativo
diretamente e prioritariamente nas guerras concernente ao inquérito policial de

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homicídios cometidos por policiais a civis. caracterizar se a vítima tinha envolvimento


De acordo com o art. 121 do Código Penal com algum tipo de crime ou não. Caso
Brasileiro, para que seja registrado como positivo, esse é o argumento que serve de
“auto de resistência”, o homicídio deve ter justificativa para a ação policial
acontecido em suposta situação de (Nascimento, Grillo e Neri, 2009).
confronto armado e em suposta legítima Na prática, esses homicídios só
defesa, no cumprimento do dever policial. seguem para apuração por parte do
Ocorre que no momento em que o policial Ministério Público quando ganham
civil ou militar declara o homicídio como visibilidade midiática e contam com a
em decorrência de um confronto, no geral, pressão popular, se não são arquivados.
a apuração do crime tende a ser dispensada Em anos anteriores, os trágicos
e o caso é arquivado. acontecimentos ocorridos no Rio de
O movimento negro, em especial Janeiro, envolvendo Amarildo Dias de
aquele que tem acampado a luta pelo fim Souza e Cláudia Silva Ferreira,
do genocídio contra jovens e negros, mobilizaram o debate acerca do abuso e da
denuncia esse instrumento jurídico arcaico, violência policial.
herança da Ditadura Civil-Militar, por Em 2013, Amarildo desapareceu
legitimar a execução de jovens pobres e após ter sido conduzido por policiais
negros pelo Estado. Nessa luta, a ação militares à sede da Unidade de Polícia
estratégica tem sido a mobilização do Pacificadora (UPP), na favela da Rocinha.
legislativo e da sociedade brasileira como Nas redes sociais, com apoio de
um todo para a aprovação do Projeto de movimentos sociais, a campanha “Onde
Lei nº 4.471, que propõe a alteração do está o Amarildo?” chamou a atenção para
Código Penal Brasileiro, afim que este os desaparecimentos não esclarecidos pelas
determine a apuração de lesões corporais e forças policiais. Em 2014, no Morro da
homicídios impetrados por policiais e Congonha, em Madureira, Cláudia Ferreira
determine critérios para coleta de provas, foi baleada por polícias militares e teve o
perícia e instauração de inquérito. corpo arrastado por uma viatura policial.
De acordo com Nascimento, Grillo Em homenagem à auxiliar de serviços
e Neri (2009), no ano de 2008, no estado gerais e para denunciar o racismo que mata
do Rio de Janeiro, o número de vítimas de alguns, atos políticos e mobilizações foram
“auto de resistência” foi de 1.137, feitas, no País, com a palavra de ordem
enquanto o número de homicídios contra “Somos todas Cláudia”.
policiais contabilizaram 26. Para cada Ao acessarmos o site da Câmara
policial morto ocorreram 43,7 mortes de Federal dos Deputados, em página
civis em confrontos policiais. A destinada a consulta popular do Projeto de
discrepância entre o número de mortes põe Lei nº 4.471, é possível notar que o que
em questionamento o que está sendo está em jogo é um racismo de estado e
definido como resistência ou confronto também de sociedade. Na avaliação de
policial. grande parte daqueles que acessaram essa
Nas delegacias, as fichas de plataforma, o direito de um policial matar
inquérito policial preenchidas após os aquele que considera um “bandido” se faz
casos de homicídio identificados como justificado em nome da proteção da
“autos de resistência” contam apenas com sociedade. Os clamores por uma política
a versão dos policiais e com lacunas na securitária mais enrijecida não parte,
identificação dos casos. Em muitas vezes, exclusivamente, dos agentes do Estado,
outras testemunhas são chamadas para mas também dos mais diversos setores
depor com o objetivo apenas de

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Freire. O extermínio de jovens negros pobres no Brasil: práticas biopolíticas em questão

sociais que repetem a velha ladainha “do contra jovens negros e pobres nesse
bandido bom é bandido morto”. cenário. Por fim, coloca a vida de todo esse
Os autos de resistência são efeitos segmento da população como os
de uma política criminal orientada pela “suspeitos” na lógica da exceção do Estado
metáfora da guerra, cujos discursos de de Direito.
segurança pública produzem o inimigo
interno da sociedade que deverá ser Considerações finais
eliminado em nome da segurança. Essa
política criminal se materializa em práticas Na biopolítica, uma posição da
que vão desde a militarização de territórios sociedade, a qual busca a majoração da
considerados perigosos, do endurecimento vida, saúde riqueza da população,
das leis penais, do crescimento da paradoxalmente, emerge o racismo que
segurança privada até a formação de permite a reativação do direito de matar
milícias para a limpeza urbana (Pedrinha & (Foucault, 1999b). Os denominados
Pereira, 2011). matáveis incluem todos aqueles que são
Desde o fim da Guerra Fria, no considerados perigosos, que de algum
século XX, a figura do comunista foi modo se desviam dos processos de
substituída pela do traficante como novo normalização social e quebram leis,
inimigo público. A existência de um grupo efetuadas sob a égide do direito penal do
social que ocupe esse lugar é fundamental inimigo (Bauman, 1999; Foucault, 1988).
para a manutenção das engrenagens dos Em suma, diante de um cenário tão
dispositivos de poder (Coimbra & alarmante, é de extrema relevância debater
Pedrinha, 2005). Wacquant (2001) salienta sobre as ferramentas de enfrentamento ao
que a chamada “guerra antidroga” foi o genocídio perpetuado contra a juventude
estopim para as políticas de tolerância negra. As justificativas dessa prática
zero, que só têm criminalizado os setores muitas vezes são inseridas em
mais pauperizados da população. Os altos naturalizações e criminalizações em torno
índices de autos de resistência fazem com do jovem, negro e pobre. As violações de
que o mecanismo jurídico, que em tese direitos, em função de sua condição
deveria ser utilizado como exceção, socioeconômica e cor de sua pele, são por
transforme-se numa regra jurídica, que vezes omitidas. Veicula-se, na realidade, a
suspende os direitos daqueles que foram necessidade de medidas punitivas e
mortos. coercitivas em nome da segurança da
Agamben (2015) afirma que no sociedade, por considerar esse jovem um
Estado de Exceção algumas vidas são perigo em potência. Isso intensifica a
postas fora da proteção legal, do que se produção do medo e reduz a
constituiu como Direito Constitucional ou responsabilidade do Estado e da sociedade
daquilo que definimos como Direitos em garantir os direitos juvenis,
Humanos, isto porque são vidas preconizados no Estatuto da Criança e do
consideradas matáveis, fora da jurisdição Adolescente e no Estatuto da Juventude
Constitucional e dos pactos internacionais, (Santos, Oliveira, Paiva & Yamamoto,
nas organizações multilaterais. Tiveram, 2012).
assim, seus lugares de cidadania Não é possível tolerar que os jovens
suspensos, na lógica biopolítica do racismo pobres negros continuem sendo autóctones
de Estado e de sociedade. O contexto da da República brasileira. Como afirma
alardeada guerra contra o tráfico de drogas Castel (2008), há inúmeros grupos sociais
é, em muitas situações, usado para excluídos da cidadania na atualidade. São
justificar o alto índice de letalidade policial corpos destituídos da condição de vida

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valorizada e construídos como inimigos da resolução é resultado da articulação de


sociedade, bloqueados em face das psicólogos negros e psicólogas negras,
oportunidades sociais e econômicas em além de outros atores sociais da Psicologia
diversas situações de garantias e promoção Social e Educacional, ligados ao Sistema
dos direitos. Conselhos de Psicologia e aos movimentos
Esses grupos são recolhidos, sociais negros. A luta contra a miséria, a
neutralizados, bloqueados e mortos, de erradicação da pobreza e contra o racismo
forma que ninguém praticamente se devem estar presentes na agenda da
preocupa com o processo de extermínio e Psicologia brasileira e de seus órgãos,
aprisionamento massivo sofrido por eles. entidades, associações e espaços de
Essa indiferença inquieta e deve ser controle social da política pública.
tomada como acontecimento a ser alvo de Pesquisar e intervir na redução e
pesquisas e resistências no âmbito da erradicação da miséria, do racismo e da
Psicologia. pobreza é uma importante contribuição da
Desde a promulgação do Estatuto Psicologia em um país intensamente
de Criança e do Adolescente, em 1990, a marcado pelas desigualdades sociais e
Psicologia e suas entidades, conselhos, econômicas como o Brasil (Oliveira &
associações, pesquisadores, estudantes e Yamamoto, 2010).
profissionais vêm se articulando aos A presença protagonista da
conselhos de direitos, ao fórum nacional de Psicologia é cada vez mais forte nessa
defesa dos direitos das crianças e dos pauta, de sorte que essa prática é relevante,
adolescentes, às conferências nacionais e no âmbito da oferta de uma atenção ética e
estaduais de direitos, em publicações e crítica, politicamente posicionada contra o
campanhas, em congressos e audiências racismo, contra a violência, contra os
públicas, em jornais e revistas, em debates extermínios e de questionamento do
e manifestações, visitas e cárcere e da segregação das internações
acompanhamentos das políticas de (Vicentin, 2005). Os jovens negros não
atendimento que visam a buscar a podem mais ser o bode expiatório da
efetivação do ECA e a proteção integral, política proibicionista criminal de drogas,
como paradigma de cuidado e atenção nem do mercado letal da segurança e muito
integral à saúde de crianças, adolescentes e menos de uma polícia militarizada e focada
jovens. Por meio de diversas iniciativas no direito penal do inimigo a combater,
políticas e educativas, a Psicologia inseriu localizada em periferias urbanas. Romper
a pauta de direitos e políticas públicas na com os estigmas e preconceitos contra
formação brasileira e na atuação esses grupos e espaços, contra seus valores
profissional da área. O próprio Código de e modos de vida é uma ação difícil, mas
Ética Profissional da Psicologia trouxe fundamental para a ruptura com o ciclo de
artigos sobre o dever dos psicólogos em genocídio contra os jovens negros e pobres
agir contra preconceitos, dominações, (Coimbra, Bocco & Nascimento, 2005).
opressões, violências e violações de Outro aspecto a ressaltar é que os
direitos, nas suas atividades profissionais, jovens devem ser potencializados e
onde estiverem trabalhando. reconhecidos socialmente, tendo garantido
Um importante avanço, aprovado o direito de acessar as oportunidades
pelo Sistema Conselhos de Psicologia foi a educativas, de cultura, de lazer, de esporte,
resolução de nº 018, de 2002, que a cidade e seus equipamentos públicos, a
estabelece parâmetros éticos, no que tange saúde e as políticas sociais. A crítica aos
ao trabalho do psicólogo, diante do discursos que operam a juventude pelo
preconceito e da discriminação racial. Essa negativo precisa ser instigante e intensa,

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Lemos, Flávia Cristina Silveira; Aquime, Rafaele Habib Souza; Franco, Ana Carolina Farias; Piani, Pedro Paulo
Freire. O extermínio de jovens negros pobres no Brasil: práticas biopolíticas em questão

pois o homicídio contra jovens tem relação Castel, R. (2008). A discriminação


igualmente com o estigma que marca a negativa. Autóctones da República.
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