Podemos pensar racismo como um complexo sistema de dominação,
baseado na ideia de raça, onde prevalessem a discriminação, segregação e hierarquização como principais mecanismos de opressão e manutenção deste sistema. Raça, neste sentido, é uma categoria de análise fundamentada na socioantropologia, que é usualmente destinada a realizar designação de grupos sociais em seus contextos e especificidades. Este nefasto fenômeno social apresenta-se desde na primeira infância, onde, as crianças brasileiras já nascem absortas em uma sociedade historicamente racista, vivenciando a experiência do racismo contra si ou contra indivíduos de suas relações familiares e/ou de seu convívio em comunidade. Imersas em contexto histórico discriminador e violador, crianças pretas brasileiras, muito cedo já se deparam com os efeitos funestos do racismo. Meninas e meninos pretos já em suas comunidades, nas escolas, no limitado acesso a equipamentos públicos, estão expostos a discriminação, injuria racial, em certa parcela da população preta, ao racismo religioso, ao racismo ambiental, ao racismo institucional, ou seja, este mecanismo de segregação e violações de direitos direcionados exclusivamente a certo grupo da sociedade, que se enfatize, representa 55,8 % da população brasileira segundo censo do IBGE- 2022, permeia toda malha social engendrando ações que o consolidam e o perpetuam. Podemos perceber que, apesar de se configurar como maior parte da composição populacional do pais, pessoas pretas, ainda são minoria, entenda-se não em quantitativo , mas sim, nos que diz respeito a representatividade e ocupação e espaços de poder e decisão. O racismo no Brasil, por ser de natureza estrutural, está presente em todas as áreas e aspectos da sociedade,apresentando-se em caráter sistêmico, expondo as fragilidades das politicas públicas no seu enfrentamento, combate e reparação aos danos causados por ele. Deste modo, estudar o racismo numa abordagem interdisciplinar e intersetorial, é fundamental, pois o processo da garantia de direitos de crianças e adolescentes, que primam por ofertar o desenvolvimento pleno a este público, não se concretiza em apenas um aspecto ou setor social. Das Estatísticas Gerais e Educação Segundo dados do IBGE,2022, 55,8 % da população brasileira se autodeclara preto/parda – No que concerne a autoidentificação entre as categorias de raça, pretos e pardos no Brasil designam o grupo de pessoas negras – esse contingente representa mais da metade da população do país, isso nos leva a observar um quadro de desigualdade social extremamente elevado e considerando-se o fator interseccional com os quais pessoas negras lidam diariamente esse número nos expõe uma conjuntura de extrema gravidade. A desigualdade racial no Brasil não está presente somente nos indicadores da violência, mas se alastra também e, preponderantemente, no acesso ao mercado de trabalho, no acesso à saúde, na educação e na distribuição da renda. De acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, os negros representam 70% do grupo abaixo da linha da pobreza, assim, se tomarmos como exemplo a vida de uma mulher negra,mãe solo, periférica e alocada em subemprego ou desempregada, podemos observar aqui diversos recortes sociais que interferem no seu bem estar e exercício de seus direitos fundamentais, sendo possível afirmar que o fator “raça” é determinante de sua posição na pirâmide social. Com base nos dados supracitados observamos que o racismo, discriminação racial, injuria racial ou quaisquer demais violências deste gênero causam impactos negativos emocionais, psicológicos e sociais, principalmente na vida de crianças e adolescentes negros no Brasil, pois estes têm contato com os mais diversos tipos de violências desde a infância. Em relação a educação, essa disparidade se acentua, de acordo com dados levantados pelo IBGE 71,7% dos jovens fora da escola são negros, o mesmo estudo ainda demostra a desigualdade de acesso à educação nos números referentes ao analfabetismo. Em 2019, 3,6% das pessoas brancas de 15 anos ou mais eram analfabetas, enquanto que entre a população negra esse percentual chega a mais que o dobro 8,9%. O combate a desigualdade racial na educação é indispensável, assim como em qualquer outra área, todavia, para que ocorram mudanças significativa nesta estrutura é necessário investir robustamente em uma educação de qualidade, efetivamente antirracista e equitativa. Alguns pequenos avanços podem ser notados, a exemplo da lei 10.639/03 que versa sobre a obrigatoriedade da inclusão de história e cultura afro-brasileira e africana na grade curricular de escolas públicas e privadas, de ensino fundamental e médio no Brasil. Toda via, a aplicação e efetivação desta politica pública ainda encontra- se bem distante do almejado, devido à resistência das instituições de ensino em cumprir com o que a estabelece a lei, movidos única e exclusivamente pelo racismo. Saúde, Violências e Violações O Núcleo Ciência Pela Infância, lançou um estudo sobre os impactos do racismo no desenvolvimento das crianças. Segundo a pesquisa, página 11, 2021, as crianças vítimas de racismo enfrentam problemas como rejeição da própria imagem, baixa autoestima, dificuldade para desenvolver autoconfiança, problemas de socialização e inibição comportamental, restrições para desenvolver sua capacidade intelectual; estresse tóxico e até doenças crônicas. Para além das questões psicoemocionais causadas pelo racismo, em termos patológicos, em artigo publicado na edição de outubro de 2022 do, The Lancet Global Health, o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde, constata que as crianças negras possuem 72% mais chances de morrer de diarreia, 78% de pneumonia e 2 vezes mais de má-nutrição em relação a crianças brancas da mesma idade. Em se tratando de mortes por causas acidentais, as crianças pretas têm 37% mais riscos de morrerem do que as brancas, diz o mesmo artigo. Esses números revelam a imensa fragilidade e ineficácia da politica pública de saúde na atenção e acesso da população negra. Ao abordamos estudos sobre questões de violência na infância é crucial destacar que conforme o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (2018), crianças do sexo feminino são significativamente mais violentadas do que as do sexo masculino. Dados sobre violências, apontam que, no período de 2011 a 2017 constavam 184.524 casos notificados de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes, totalizando 76,5% dos casos notificados nesses dois cursos de vida. Comparando-se os anos de 2011 e 2017, observa-se um aumento de 64,6% e 83,2% nas notificações de violência sexual contra crianças, destaca-se que, entre as meninas na faixa etária de 0 á 06 anos, 46% eram negras. No Brasil, de acordo com dados do Atlas da Violência (2019), 71% das vítimas de homicídio são pessoas negras, e os homens negros com idades entre 15 e 29 anos estão entre as principais vítimas. De acordo com números apresentados pela “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, divulgada pelo IBGE, 2020, a taxa de homicídios entre jovens negros era de 94 a cada 100 mil habitantes e entre os pardos esse número chega a 136 a cada 100 mil habitantes, isso representa 2,3 e 3,3 vezes, respectivamente, a taxa consideradas entre jovens, que chega a 41,6 a cada 100 mil habitantes na mesma faixa etária. Com base nos dados expostos percebemos que a violência ocorre de maneira diferente, variando de acordo com a idade da vítima, por exemplo, crianças morrem com mais frequência, em decorrência da violência doméstica, cometida por um agressor conhecido. A a violência sexual contra elas, segue o mesmo padrão, na maioria dos casos a violência ocorre dentro de suas próprias casas, e é cometida por pessoas de seu convívio mais próximo, sendo que em sua maioria as vítimas são meninas negras. Já os adolescentes do sexo masculino e negros em sua grande maioria, fora de casa, e são vítimas da violência armada urbana e do racismo.
Saúde, Violência e Orfandade, um recorte inexistente
Ainda no âmbito da saúde, no período de sindemia da Covid-19 no Brasil, constatou-se que pelo menos, 12.211 crianças de até 06 anos de idade ficaram órfãs de um dos pais por conta da Covid-19.De acordo com dados colhidos pela Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais-Arpen-Brasil, cerca de 25,6% das crianças que perderam um dos pais na pandemia ainda não haviam completado 01 ano de idade. Já 18,2% tinham um ano de idade completos, 18,2% tinham dois anos de idade, 14,5% três anos, cerca de 11,4% quatro anos, 7,8% tinham cinco anos, enquanto que, 2,5% tinham seis anos de idade. Através dos dados expostos, observa-se que não há um recorte de raça no que diz respeito as crianças que ficaram órfãs em decorrência da Covid-19.Deste modo, se faz necessário que o marcador social raça/etnia deixe de ser apenas um recorte e passe a ocupar o lugar de natureza da pesquisa, para que assim, seja possível diagnosticar a situação da criança negra na sociedade brasileira, para que, desta forma, com as informações coletadas se possa subsidiar a elaboração de políticas públicas eficazes para garantir o acesso aos direitos fundamentais e efetiva isonomia racial para estas crianças. Outro dado extremamente alarmante, no contexto das violências, que se apresenta de maneira ascendente é a orfandade materna por meio do feminicídio. Um estudo feito com base nos dados das taxas de fecundidade o Brasil, aponta uma estimativa de que o feminicídio deixou cerca de 2.300 órfãos no país, no ano de 2021. Ainda, segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP, em 2021 o Brasil perdeu mais de mil e trezentas mulheres por crimes de feminicídio. Com base na pesquisa se faz uma estimativa de que corram cerca de 25 casos por semana, onde pelo menos uma mulher é morta a cada 8 horas. Destes casos apontados, 97,8% das mulheres vítimas foram mortas por um companheiro atual, antigo ou outro parente, o marcador social raça é predominante neste cenário onde 66,7% das vítimas são mulheres negras, outro dado de suma relevância é o que traz a informação de que mais de 70% das mulheres mortas tinham entre 18 e 44 anos, estando ainda em idade reprodutiva. Com base nas informações expostas neste estudo, podemos perceber que apesar de trazer um dado importantíssimo de raça/etnia das mulheres vítimas de feminicídio, tal estudo não demarca raça/etnia das crianças que se tornaram órfãs em decorrência de de tal crime. A presente observação, nos traz a questão da fragilidade e limitação da abrangência na condição das pesquisas, onde muitas vezes marcadores importantes não são levados em consideração, a exemplo de temas transversais, como raça/etnia e gênero, o que leva uma deficiência na informação, pois sendo a pesquisa item fundamental na formulação de politicas públicas, projetos e programas, a inexistência de determinados dados fragiliza e segrega o processo. Conclusão Observa-se, conforme os números expostos, que crianças negras do sexo feminino estão muito mais expostas as diversas tipificações de violência, sobretudo a sexual, em relação a crianças brancas da mesma faixa etária. É notória também a interseccionalidade das violações, pois, se analisarmos tais dados a luz deste fator, o marcador racial nos eventos da violência sexual infantil surge de forma insuspeita. Desta forma, é indiscutível que, o racismo, as desigualdades socioeconômicas e o machismo tutelam e potencializam as violências, ocorridas na infância, principalmente em se tratando de meninas negras de baixa renda. As questões de raça apontam para uma direta relação com a desigualdade socioeconômica enquanto um dos fenômenos de maior gravidade no Brasil. No que concerne a produção de indicadores que evidenciem o panorama social, Indicando a necessidade do fomento e adoção de ações antirracistas, ao passo que valorizem a produção de conhecimentos científicos, tais como o estudo de agendas antirracistas, além da pesquisa, dentre outros, demostram sua necessidade enquanto lastro na construção de ferramentas de políticas sociais mais eficazes para a população negra brasileira. Após análise dos estudos e dados estatísticos apresentados, é perceptível a inerente necessidade de atenção, fomento e potencialização de ações, programas e projetos que a priore visem enfrentar e combater o racismo e a posterior reparar os danos nefastos causados por ele contra crianças e adolescentes. Bibliografia