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A EVASÃO DE ESTUDANTES NEGROS DO ENSINO MÉDIO EM

CONSEQUÊNCIA DO RACISMO INSTITUCIONAL1

Cleynara Feitosa de Macedo Morais2


Universidade Federal do Norte do Tocantins – UFNT
Cleynara.morais@mail.uft.edu.br

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo discutir a evasão de estudantes negros do ensino
médio em consequência do racismo institucional, buscando refletir sobre o racismo
e o privilégio racial como impedimento para a permanência estudantil; e apresentar
os mecanismos de reprodução do racismo, além de sugerir estratégias e possíveis
caminhos para o enfrentamento do problema. A metodologia consistiu em pesquisa
bibliográfica e análise de dados através do IBGE, ano de 2019. Alcançou como
resultado a compreensão acerca da evasão escolar de alunos negros do ensino
médio, da influência do racismo institucional e seu funcionamento no âmbito escolar,
possibilitando a reflexão acerca de possíveis caminhos para o enfrentamento do
problema.

Palavras-chave: Evasão Escolar; Racismo Institucional; Estudantes Negros;


Privilégio Racial.

INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, vê-se que o Brasil pouco avançou em relação a uma
amenização do racismo. Desse modo, fica claro que resquícios do passado ainda
assolam a realidade atual. Este fato tende tornar-se normal práticas de racismo no
cotidiano, não sendo, muitas vezes, discutido como um problema estrutural.
Quando se levanta a discussão costuma-se dizer, conforme Lélia evidência:

1 Trabalho produzido na disciplina Política, Legislação e Organização da Educação Básica, semestre


2022.2.
2 Graduanda em Ciências Sociais pela UFNT – Universidade Federal do Norte do Tocantins.
Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui
não tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a
Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem.
Tanto é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um.
Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com umas
feições tão finas... Nem parece preto. (GONZALEZ, 1984, p. 226).

As pessoas se calam diante de um problema que tem afetado


consequentemente a população jovem negra, diminuindo suas chances de acesso a
uma Educação de qualidade.
De acordo com pesquisas realizadas em 2019 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE,

Dos 10 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos que deixaram de


frequentar a escola sem ter completado a educação básica, mais de 70%
são pretos e pardos (PNAD Educação 2019). O dado alarmante não é
pontual. Historicamente, a evasão escolar de jovens negros tem sido um
dos maiores entraves para a garantia do direito à educação. 3

Como se nota, as consequências de um governo e sociedade racistas são


cada vez mais prejudiciais à formação acadêmica de jovens negros, além de
diminuir seu acesso à Educação.
Diante do exposto sobre o racismo institucional, podemos compreender os
desafios de permanência da juventude negra na escola.

METODOLOGIA

Para a construção deste trabalho recorreu-se à revisão bibliográfica de títulos


de autores como Libâneo, Lélia Gonzalez, Silvio Almeida e Tagliavani; também foi
realizado levantamento de dados por meio do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística) de 2019; além da análise de alguns artigos.

A EVASÃO ESCOLAR DE JOVENS NEGROS DO ENSINO MÉDIO, VÍTIMAS DO


RACISMO INSTITUCIONAL E PRIVILÉGIO RACIAL

Assegurada pela lei, a Educação tornou-se um direito para todos. De acordo


com a Constituição Federal de 1988
3 Ver em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/28285-pnad-educacao-2019-mais-da-metade-das-pessoas-de-25-anos-ou-mais-
nao-completaram-o-ensino-medio>. Acesso em: 10 dez. 2022.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2016).

Percebe-se que na prática, o direito à Educação não está sendo exercido à


maneira da lei, pois se vê uma discriminação enraizada no ensino referente à
população negra, uma vez que ela é minoria nas escolas se comparada à de
brancos que se matriculam no ensino médio. De acordo com a análise da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua sobre a Educação no ano de
2019:

Levando-se em consideração todo o quantitativo de jovens de 14 a 29 anos


do País, equivalente a quase 50 milhões de pessoas, 20,2% não
completaram o ensino médio, seja por terem abandonado a escola antes do
término desta etapa, seja por nunca tê-la frequentado. Nesta situação,
portanto, havia 10,1 milhões de jovens, dentre os quais, 58,3% homens e
41,7% mulheres. Considerando-se cor ou raça, 27,3% eram brancos e
71,7% pretos ou pardos. (PNAD, 2019, p. 10).

O racismo institucional se caracteriza pela presença de grupos racistas que


se apropriam do poder através das instituições, discriminando e oprimindo grupos a
partir das suas características físicas como cor da pele, etnia, entre outras,
dificultando a participação dos indivíduos nos espaços institucionais. Sobre isso,
Almeida (2019, p. 27) diz que “[...] as instituições moldam o comportamento
humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos
sentimentos e preferências”. Isso vai se tornando uma barreira juntamente com o
privilégio racial, sendo necessária a discussão dos mesmos para a compreensão
dos dados expostos e para entendermos que por causa destes problemas a
permanência fica comprometida.
De acordo com Libâneo,

A igualdade de acesso tem sido perseguida em todos os graus e


modalidades de ensino. [...] acreditavam que, por meio da universalização
do ensino, seria possível estabelecer as condições de instituição da
sociedade democrática, moderna, científica, industrial e plenamente
desenvolvida. A ampliação quantitativa do acesso à educação garantiria a
igualdade de oportunidades, o máximo do desenvolvimento individual e a
adaptação social de cada um conforme sua inteligência e capacidade.
Desse modo, havendo uma base social que tornasse a sociedade mais
homogênea e democratizasse igualmente todas as oportunidades, a
seleção dos indivíduos e seu julgamento social ocorreriam naturalmente.
(LIBÂNEO, 2012, p. 53).

Conforme as mudanças na Educação aconteciam, as desigualdades foram


aumentando e o racismo institucional foi sendo reproduzido através de professores,
do material didático, da convivência de alunos, etc. Segundo Lélia Gonzalez

O racismo cria subjetividades negra subalternas, intensificando


subjetividades brancas narcisistas e manipuladoras, dando ao branco uma
falsa noção de poder a partir da sua racionalidade branca e isso faz com
que o mesmo se sinta psicologicamente ou psicanaliticamente no direito,
dever, no gozo da opressão, da segregação, criando a partir da ideia de
neurose cultural uma estrutura social psíquica que classifica o lugar das
pessoas na sociedade.4

Com isso, observamos que o sistema sempre tenta fazer com que o negro
saiba o seu lugar. Com essa atitude podemos perceber outro fator que contribui
para essas atitudes, que é o privilegio racial, traduzido por um competidor branco
beneficiado historicamente da exploração da população negra no Brasil
(GONZALEZ, 2020).

Como observado anteriormente, os dados nos mostram que esse privilégio é


evidente, tanto em permanência escolar, quanto em evasão.
De acordo com os dados do IBGE de 2019

A taxa de escolarização das pessoas de 15 a 17 anos subiu 1,0 p.p. em


2019, chegando a 89,2%. A taxa de frequência líquida foi de 71,4%, um
crescimento de 2,1 p.p. em relação a 2018. Por sexo, 76,4% das mulheres
de 15 a 17 anos estavam frequentando o ensino médio, etapa adequada
para a idade, porém, entre os homens, a taxa foi de 66,7%, uma diferença
de 9,7 p.p. Por cor ou raça, a diferença é ainda maior: 12,9 p.p., sendo
79,6% para pessoas brancas e 66,7% para pessoas pretas ou pardas.
(IBGE, 2019).

Desse modo, constata-se que a taxa de escolarização de jovens negros


comparada aos brancos ainda é menor, levando em consideração os recursos
financeiros aos quais o branco possui para permanecer na escola, algo que o jovem
negro muitas vezes não possui, tendo que escolher entre estudar ou trabalhar.
Para mudar essa reprodução, é necessário que a escola promova ações que
venham diminuir as práticas hegemônicas e as desigualdades raciais no âmbito

4 Ver em: <https://youtu.be/X2ruqJntOWc>. Acesso em: 10 dez. 2022.


educacional, com formação inicial e continuada para o corpo docente sobre
questões étnico-raciais, promovendo dentro da sala de aula um ensino antirracista,
para que a escola, segundo Gomes

[...] Consiga avançar na relação entre saberes escolares/realidade


social/diversidade étnico cultural é preciso que os(as) educadores(as)
compreendam que o processo educacional também é formado por
dimensões como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a
sexualidade, a cultura, as relações raciais, entre outras. (GOMES, 2005, p.
147).

Com isso, a instituição se torna influente na vida educacional. Na fase do


ensino médio, segundo Tagliavini (2016, p. 91), “é fundamental, nessa etapa da
escolaridade, a formação para a cidadania, a formação política [...]”.
É evidente que para essa formação, é necessário desconstruir o pensamento
ideológico racista e rever os privilégios raciais e de classe, para que a escola se
torne um lugar de liberdade e igualdade. Além de contribuir para a discussão e
desenvolvimento de políticas públicas que garantam a permanência do aluno,
diminuindo assim o índice de evasão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho possibilitou refletir e analisar o contexto atual, o qual o jovem


negro enfrenta até hoje, considerando que o problema abordado é algo antigo e que
exige uma atenção maior para que o mesmo possa ser resolvido. Ademais, pode-se
considerar que os objetivos que se pretendia alcançar na construção do texto foram
atingidos parcialmente, uma vez que necessitam de estudos mais aprofundados que
levem a entender ao menos minimamente o fenômeno em questão.
Ademais, consideramos que este trabalho contribuiu para entender
mecanismos de reprodução do racismo e como as instituições são influentes
mantenedoras dele na sociedade, dificultando o seu combate e exclusão.
Neste cenário, se urge uma formação inicial e continuada do corpo docente
sobre questões étnico-raciais, e da formação da sociedade de classe, para a melhor
abordagem de um ensino antirracista dentro da sala de aula, atuando como um
agente transformador, tornando a escola, e posteriormente a universidade, lugares
de liberdade, igualdade e diversidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.

CASA DO SABER. Lélia Gonzalez: O Racismo Estrutural | Jaqueline Conceição.


Youtube, 28 maio 2020. Disponível em: <https://youtu.be/X2ruqJntOWc>. Acesso
em: 10 dez. 2022.

DE OLIVEIRA, João Ferreira; LIBÂNEO, José Carlos; TOSCHI, Mirza Seabra.


Educação escolar: políticas, estrutura e organização. Cortez editora, 2012.

GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais. Refletindo sobre algumas


estratégias de atuação. In.: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo
na escola, p. 143 -154, 2005.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Editora Schwarcz-


Companhia das Letras, 2020.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje,


v. 2, n. 1, p. 223-244, 1984.

PNAD Educação 2019: Mais da metade das pessoas de 25 anos ou mais não
completaram o ensino médio. Agencia IBGE Notícias, 2020. Disponível em:
<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/28285-pnad-educacao-2019-mais-da-metade-das-pessoas-de-25-
anos-ou-mais-nao-completaram-o-ensino-medio>. Acesso em: 10 dez. 2022.

RODRIGUES, João Batista. Racismo e Evasão Escolar. Monografia, Licenciatura


em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, p.
49. 2014.

TAGLIAVINI, João Virgílio; TAGLIAVINI, Maria Cristina Braga. Estrutura e


funcionamento da educação básica: constituição, leis e diretrizes. São Carlos:
Editora do Autor, 2016.

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