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Um domínio contestado
A natureza dos arquivos e
a orientação da ciência arquivistica
TERRY EASTWOOD
EASTWOOD,201 6 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Desde muito tempo, os arquivistas vêm buscando caracterizar a na-
tureza dos arquivos. Suas ideias e suposições influenciam a forma como
desempenham cada aspecto de seu trabalho e alimentam os discursos em
torno de qualquer assunto de interesse de sua profissão. Caracterizar a
natureza de algo é complicado, seja cultural, seja filosoficamente. Eric
Ketelaar defende que somente quando compreendermès como os con-
ceitos arquivísticos são interpretados em diferentes culturas poderemos
pensar em chegar a "princípios universalmente orientadores e contro-
ladores".' "Com o declínio do positivismo e do essencialismo', observa
Ceoffrey yen, "muitos pesquisadores questionam se a linguagem tem a
capacidade de fornecer um meio confiável para se captar a identidade dos
sentidos das coisas com as quais nos deparamos no mundo"? Apesar
dessas dificuldades, este capítulo busca sistematizar as ideias aplicadas
pelos arquivistas tempo afora em sua tentativa de caracterizar a natureza
dos arquivos. Ele demonstra como o pensamento acerca dessa natureza
está no centro da orientação do corpo arquivistico de conhecimento.
Alguns parâmetros
É útil iniciar com uma pequena limpeza do terreno que permita uma
visão melhor de nosso campo de interesse. Quando falamos da natureza
de uma coisa, estamos falando da combinação específica de qualidades
eritása: ela por sua origem e constituição. Estamos tentando carac- porque os arquivos são constituídos de documentos e os documentos
etiiafotrdescrever as propriedades ou os atributos que ela possui. Para constituem os arquivos. Por essa razão, será necessário examinar o que
.Stabelecer unia dessas suposições é preciso compreender que os argui-
os pensadores da arquivologia já disseram sobre os arquivos, bem como
VOS são criações sociais no sentido de serem um produto da sociedade sobre os documentos, mas nosso objetivo ainda se concentra principal-
humana. Portanto, muitas das ideias a respeito de sua natureza inevita- mente sobre a natureza dos arquivos.
velmente evocam as circunstâncias nas quais eles surgem, são formados Ainda neste capítulo, o termo "ciência arquivística" refere-se ao corpo
e transmitidos no tempo e no espaço, bem como as qnalidades de que de conhecimento relacionado ao entendimento e ao tratamento dos ar-
eles se revestem durante os processos a que se submetem. Essa suposi- quivos. Presume-se que, em seu cerne, o conhecimento arquivístico com-
ção central referente à ciência arquivística faz dela uma ciência social no preende o seguinte: teoria, vista como a elucidação de conceitos funda-
sentido de que constrói conhecimento da produção humana e do cuida- mentais aplicados ao material arquivístico c ao seu tratamento; métodos,
do com arquivos. Chiando os arquivistas tentam caracterizar a natureza vistos como ideias sobre como tratar o material; e pratica, vista como os
dos arquivos, eles costumam identificar as qualidades (ou propriedades e resultados do tratamento de materiais específicos. Outros aspectos desse
atributos) inerentes a todos eles, independentemente da situação de sua conhecimento margeiam esse núcleo, como textos a respeito de conjun-
criação. Enfim, é esse o objeto que eles têm em mente. tos específicos de materiais arquivísticos, a história da prática arquivLstica,
O discurso dos arquivistas a respeito da natureza dos arquivos, dife- as instituições arquivísticas, entre outros.'
rentemente de investigações vindas de outras áreas sobre o mesmo tema,
também parte do princípio de que estamos falando de um conjunto de O ponto de vista tradicional
materiais, como nos arquivos (ou, conforme se tornou comum hoje em
Uma revolução no pensamento sobre. o material arquivístico aconte-
dia, no arquivo) de X ou de Y. Como veremos, porém, não está claro que
ceu no século 19 com o surgimento de arquivos históricos como institui-
os arquivistas sempre estão falando da mesma coisa quando mencionam
ções. O trabalho de classificação e organização desses arquivos, de acordo
a natureza dos arquivos. As vezes, eles usam o termo (como é o caso des-
com sua pertinência cedeu lugar, nas instituições europeias, ao respeito
te texto) para se referirem a totalidade dos documentos' arquivísticos de
pelas origens dos conjuntos documentais e pela estrutura conferida a eles
uma organização, de um órgão público, um escritório, um funcionário,
pelas entidades que os produziam. Ao final daquele século, arquivistas
um indivíduo ou uma família, mas, em outras ocasiões, eles caracterizam
com sólida forintição em história, idiomas antigos, paleografia e diplomá-
os arquivos como a totalidade do acervo de uma instituição arquivísti-
tica tornaram-se necessários para lerem e compreenderem documentos
ca ou mesmo todos os fundos de todas elas em alguma esfera e, dessa
antigos e, após algum tempo, passaram a dominar as principais institui-
forma, tentam lançar luz sobre as qualidades coletivas de todo material
ções arquivísticas públicas da Europa. Em texto de 1860, Sir John Rornilly,
arquivístico. Neáte capitulo, tanto os conjuntos individuais de arquivos
juiz de alta corte na Inglaterra e membro honorífico do Arquivo Nacional
quanto os acervos coletivos sob a guarda de instituições arquivísticas se-
Britânico, observava que o arquivista
rão chamados de "arquivos históricos". No discurso anglófono, o debate
sobre características de arquivos foi deixado de lado em favor de conside-
deve conhecer o francês antigo e o latim medieval. Ele deve ser capaz de
rações sobre as propriedades comuns a todos os documentos. O advento
decifrar toda forma de escrita manual desde os períodos mais remotos até os
dos documentos eletrônicos fez crescer o interesse em investigar essas
períodos atuais (...) Ele deve se tornar completamente familiarizado com a
propriedades. Na realidade, a discussão sobre a natureza dos arquivos
Lei nos termos e nos usos existentes na gestão dos negócios públicos. Ele deve
e a discussão sobre a natureza dos documentos são interdependentes,
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ede r antigo de datação de documentos (...) e utna série de entidade que os produz e de acordo com suas necessidades. Obviamente,
áiffeXLréCirit'os que só podem ser dominados após extensos esforços.' os arquivos não pertencem ao inundo natural, mas são criações sociais.
Entretanto, ao descrevê-los como sendo produzidos naturalmente como
NeSSe período, os arquivistas estavam trabalhando principalmente com consequência das atividades de seu produtor, os arquivistas estão tentan-
l'ClOcumentos textuais escritos e produzidos por setores da administração do descrever a característica crucial que eles acreditam inerente a todos
'civil de séculos anteriores. A totalidade dos documentos originários des- O
s arquivos: que eles são o resultado de quando os seres humanos reali-
ses setores apresentava aos arquivistas entidades cujas características eles zam ações, cuinprem missões ou finalizam tarefas no inundo e, portanto,
começaram a descrever. A metáfora mais comum usada para descrever revelam fatos, ainda de que de forma relativamente circunscrita, sobre
os arquivos foi retirada do mundo natural. O famoso manual holandês essas ações, missões ou tarefas e os acontecimentos e experiências mais
sobre o arranjo e a descrição de arquivos —publicado em 1898 e traduzido amplas das quais eles fazem parte. Foi essa utilidade dos documentos de
para o alemão (1905), italiano (1908) e francês (1910) — descrevia uma arquivo — a de falarem de ações, missões e tarefas passadas — que levou
"coleção' de arquivo [como] um todo orgânico, um organismo vivo, que ao surgimento de instituições modernas voltadas para preservá-los e eles
cresce, torna forma e passa por transformações em consonância com leis passaram, no século 19, a ter o status de principais fontes primárias para
fixas". Em nota de rodapé, os autores do manual admitem que estão se re- os estudos históricos.9 Como afirmou, na década de 1860, o fundador do
ferindo a "um organismo que não vive mais, já que o arquivista geralmente Arquivo do Estado de Florença, Francesco Bonaini, onde, anteriormente,
recebe o conjunto documental quando ele está morto, ou, de qualquer os arquivos eram preservados para comprovar direitos e privilégios, eles
forma, apenas as suas partes que devem ser consideradas fechadas". De deveriam, agora, ser preservados em "reais instituições cientificas (...)
modo geral, portanto, os arquivistas daquela época se encontravam diante primordialmente dedicadas a beneficiar disciplinas históricas".'9 Na Ale-
de fundos de arquivo, aos quais, há muito tempo, novos documentos não manha, teorizar de acordo com imagens orgânicas "corresponde ao 'pen-
eram adicionados, ou deles retirados, nem sua composição vinha sendo samento histórico' de uma geração que viera ate os arquivos a partir dos
reorganizada. Aqueles fundos haviam chegado a um estado fixo e era ta- cursos ministrados por Ranke, Droysen, Sybel, e outros luminares de um
refa do arquivista descobrir e preservar sua estrutura e ordem quando se período grandioso da historiografia alemã" e que acreditava que sua fun-
ocupava deles.' É verdade que alguns, dentre eles, não chegaram até os ção era revelar a realidade passada."
arquivistas no estado fixo ideal que haviam atingido em algum momento, Os autores de literatura arquivistica frequentemente comparam a na-
quando ainda sob os cuidados da entidade ou do indivíduo que os havia turalidade dos arquivos com a artificialidade das coleções de documentos
produzido. Na verdade, eles foram reorganizados, em alguma medida, por originais ou cópias destes reunidas a partir de fontes diversas e de acordo
terceiros antes de chegarem as mãos dos arquivistas, daí o longo debate com os interesses do colecionador, ou seguindo um determinado tema
em relação à própria noção de ordem original e ao valor de restaurá-la, ou, ainda, servindo a algum claro propósito histórico. Os autores do ma-
caso ela tivesse sido modificada. nual holandês citam o caso de uma coleção artificial de cópias de docu-
. A metáfora orgânica tinha como alvo enfatizar que os fundos argui- mentos de diferentes procedências reunidos a partir de várias instituições
vísticos vieram a existir, conforme diz o manual, "como resultado das arquivisticas e alocada no Arquivo do Estado-Maior Geral de Haia, sob o
atividades" da entidade que os produzia e sempre refletiam as funções argumento de que ali aquela coleção oferecia possibilidades de pesquisa
desse produtor." As definições tradicionais de arquivo, embora variem os sobre ações e eventos passados de interesse na condução de missões mili-
termos empregados, reforçam que os documentos de arquivo, de certa tares!' O contraste entre a "naturalidade" dos arquivos e a "artificialidade"
forma, surgem naturalmente no processo da realização das atividades da das coleções não significa que estas últimas sejam indignas de preservação
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corpo de arquivo, as quais determinam sua estrutura em doeliMento de arquivo era uma falsificação e, portanto, se ele dava, de
, agrupanientos identificáveis de documentos, enquanto a descrição argui- Orna forma, testemunho confiável dos fatos, haviam estabelecido que
StiCa busca elucidar essas relações e esses agrupamentos. oëliMentOs autênticos eram aqueles que seguiam a prática da época e
A unicidade dos documentos de arquivo é uma qualidade associada erâni 'devidamente reconhecidos por quem tinha a competência neces-
intimamente à interconectividade. Aldeia é que o lugar de cada documen- :.iá para:produzi-los. A percepção mais comum de autenticidade argui-
to no todo é determinado por suas relações. Uni trecho de uni artigo de viSticwera que os arquivos não houvessem sido manipulados de forma a
Duchein capta como a naturalidade, a interconectividade e a unicidade &ater:interesses em algum tipo de conluio. A autenticidade equivale a
são fortemente relacionadas: comprovar que a coisa em questão é o que afirma ser. Jenkinson relacio-zyxwv
iu autenticidade dos arquivos com sua capacidade contínua e respon-
O documento de arquivo está presente no cerne de um processo funcional, sâVelAé.custódta. Uma vez que as entidades que produzem arquivos têm
do qual ele é um elemento, por menor que seja. Ele nunca é concebido, inicial- Mt4i,áe em protegê-los da corrupção de forma a poderem confiar em
mente, como um elemento isolado. Ele sempre tem um caráter utilitário, que tal- seus:arquivos como memória artificial efetiva, a guarda permanente pela
vez só se manifeste claramente se ele mantiver seu lugar no todo dos demais do- entidade produtora — ejenkinson acrescenta, "por seus sucessores legíti-
cumentos que o acompanham. Theodore li. Schellenberg cita um caso exemplar :•;.;:::.'[
inqs confere aos arquivos uma qualidade de autenticidade prima facie,
de um mapa geográfico que figura em meio aos arquivos de uma expedição de bique Significa que todo documento estaria aberto a testes específicos de
exploração. O fato de que o mapa esta ali constitui, por si só, um detalhe históri- edácidade.
co importante a respeito da expedição. O mesmo mapa, se retirado desse arqui- imparcialidade é uma qualidade familiar tanto aos historiadores
vo e colocado numa coleção de mapas, perderia grande parte de seu interessed 7 unto aos arquivistas, mas raramente é nomeada dessa forma. Jenkinson
msou:o termo "imparcialidade" para denotar uma "marca" dos arquivos re-
As qualidades da naturalidade, da interconectividade e da unicidade 14fonada à natureza da intenção por trás de sua produção. Em sua fotmu-
juntas constituem o núcleo do conceito orgânico tradicional do arquivo. lâçãO.Mais sucinta da ideia de imparcialidade, Jenkinson afirmou que os
Foram essas qualidades que sofreram abalos quando os documentos de uivos são, por sua origem, livres da suspeita de preconceito diante dos
arquivo passaram a ser classificados e reorganizados com base na noção fp:esses com os quais hoje nós os utilizamos". Urna vez que Jenkinson
de pertinência por se acreditar, erroneamente, que isso facilitaria seu uso também disse que "portanto, caso o estudante compreenda a importância
enquanto fontes históricas. rnirristrativa dos arquivos, estes somente podem lhe dizer a verdade",
O teórico inglês Hilary Jenkinson discute duas outras qualidades fre- itos de seus leitores interpretaram que ele queria dizer simplesmente
n
quentemente associadas a essa visão tradicional: autenticidade c impar- rie os arquivos dizem a verdade de uma forma direta e não mediada sobre
cialidade. O conceito de autenticidade foi repetidamente mencionado em .opaásado.19 O historiador francês Marc Bloch usou termos mais claros ao
textos europeus escritos no século 19, mas seu significado raramente foi escrever que
explicado em detalhe em textos sobre arquivos. O teórico italiano Giorgio
Cencetti observa que um corpo de arquivo, "devido a sua proveniência, não é que esse tipo de documento [o documento de arquivo] seja menos
deveria ser considerado autêntico em relação à entidade que o produziu". sujeito a erros ou inverdades do que os demais (.4; nem todos os relatos de
A autenticidade de um arquivo, diferentemente da autenticidade de qual- mensageiros ou embaixadores, nem todas as cartas comerciais dizem a verdade.
quer documento incluído nele, refere-se a determinada relação sua com Mas esse tipo de maquinação, se é que existe, ao menos não foi planejada espe-
seu criador? Os profissionais da diplomática, interessados em definir se eialmente para enganar- a posteridade."
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EriírtibSsa época mareada pela consciência histórica, quando alguns os métodos do arranjo e da descrição. Questionamentos sobre
Mores de documentos — talvez aqueles que ocupam cargos de alto esca- enticid4, e imparcialidade dos arquivos passaram a ser conside-
lão no governo — possivelmente se sentem tentados a criar documentos ft Jely;1 4esse primordial dos intérpretes do material arquivístico.
para seus contemporâneos com os olhos voltados para a opinião das futu- Igird:tài;a:.:.fiCou clara: em meados do século 20, a ciência arquivística
ras gerações, podemos ver que a imparcialidade é uma qualidade relativa erslaVateiliteiramente enraizada nessa concepção tradicional da natureza
:
dos arquivos associada ao uso destes como fontes históricas e, portanto, ciair~Shistóricos, com ênfase sobre o desenvolvimento de meto-
explorada a fundo 110 território dos métodos históricos de avaliação de - SieU:;tratamento, muitas vezes chamado de método histórico, o
provas. Não por acaso, Jenlcinson discutiu tanto a imparcialidade quinto 1•St..Nisner descreve bem como "a aplicação do respeito pelo
a autenticidade sob a rubrica "Qualidade arquivistica e crítica histórica eserrválViMento histórico as fontes de pesquisa histórica"»
dos arquivos". Nem todos aceitam que a imparcialidade seja uma qua-
lidade dos arquivos que merece a atenção dos arquivistas. Por exemplo, ,,xf$,-tolior um novo pensamento acerca
Schellenberg resistiu a fazer esse tipo de consideração em seus textos!' a
. ttireza dos arquivos
No entanto, como veremos, alguns autores modernos criticaram a noção hT:2'sgoilda metade do século 20 e início do atual, profundos e com-
de imparcialidade em termos severos, o que faz dela um conceito para là44:;aVaiiços no ensino e na pesquisa, na administração e nas tecnolo-
permanente discussão arquivística. 4Je informação e da comunicação, bem como na sociedade como um
Esse pensamento tradicional sobre a natureza dos arquivos passou, gra- id;1causaram grande impacto sobre as instituições arquivísticas, no seu
dualmente, a permear os métodos arquivísticos e a sua prática. No início ernassOciedades contemporâneas e nas expectativas depositadas so-
w,;,:i ,
do século 20, essas ideias de extração europeia eram amplamente aceitas .relaS:'"Esses avanços também levaram a um repensar de muitos concei-
dentro dos princípios do respeito à gênese documental e à ordem original, WÁt4dos e práticas arquivísticas tradicionais. Como defendem Terry
à exceção do tratamento dos arquivos privados nos Estados Unidos (as- ooleelpan Schwartz, os textos clássicos sobre arquivos deram o formato
sim como em outros lugares também) não resta dMiida), especialmente p,atiãaiquivistica, mas a evolução da tecnologia de comunicação e seu
os arquivos pessoais, naquilo que Richard Berner chamou de tradição dos npàitõ?S'obre os arquivos e sua organização, a reformulação dos concei-
manuscritos históricos?' É verdade que a justificativa teórica veio depois, ts-ii;& 'natureza e usos da memória, e a mudança nas noções de autoridade,
mais enfatizou do que se antecipou a esses princípios metodológicos, que '4;MT-1 '2 é de verdade reduzem dramaticamente a relevância desses ma-
eram inicialmente justificados por argumentos práticos?-' Também é ver- Imaisfnaatualidade.26
dade que as complicações das mudanças jurídicas e administrativas, bem 'EM:primeiro lugar, o estudo histórico evoluiu. Seus métodos, as fontes
como a guarda e transferência de arquivos, impuseram dificuldades às ini- mie utiliza e a maneira com que se volta para essas fontes e as interpreta
ciativas de compreensão do conceito abstrato de um todo orgânico, cujo agàãrain por profunda transformação. Onde antes a produção historio-
valor até mesmo os autores do manual holandês passaram a questionar.24 ': iihuscava principalmente investigar as origens, o desenvolvimento
Foi esse o caso, de modo particular, quando foi preciso definir o corpo és relações dos estados nacionais e empregava quase exclusivamente
especifico de arquivos a serem tratados com o propósito do arranjo e da 4 f4i.íf-413 . olíticas e diplomáticas, na segunda metade do século 20 os insto-
descrição. Ainda mais, conforme revelou a recepção do manual holandês ' ¥,.i;eS expandiram o âmbito de seus estudos a fim de incluírem diversos
por toda a Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos, a teoria orgâ- eàos dos empreendimentos humanos, o que significa que passaram
nica dos arquivos c as qualidades da naturalidade, interconectividade e eccirrer a uma variedade muito maior de fontes arquivisticas do que
unicidade foram aceitas, explícita ou implicitamente, como fundamentos ;.-eStãàin acostumados a fazer. Simultaneamente, a noção das instituições
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Basrwonn
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;ar_ úãsábas, coirM laboratório da história estava sendo alterada. A noção ulfuraiSkvaram as burocracias públicas a novos territórios. Empresas e
:de'lâ4.di'aterial de arquivo é um importante componente do patrimônio rikaeáTéM geral, com ou sem fins lucrativos, também se expandiram
Coltúral hacional e local e de que sua preservação e disponibilidade podem siterntórios e viram aumentar a complexidade de suas operações.
COntribuir para a percepção de identidade de nações, comunidades, insti- 'atittgd:organização hierárquica cedeu lugar a arranjos administrativos
afições e indivíduos modificou a forma como estes últimos e as socieda- 1 ,i'Âleg: iam inovações na produção e na prestação de serviços. O rit-
des enxergam e apreciam o material de arquivo. No passado, arquivistas Wintidanças administrativas tornou-se quase insustentável à medi-
e historiadores tinham interesses comuns, uma origem cultural comum e ii:JnoVas - e, em alguns casos, mais livres - unidades administrati-
;,v„
a mesma abordagem das fontes arquivísticas. Atualmente, os arquivistas feirará:doadas, regularmente transformadas ou eliminadas na busca
se descobrem desempenhando um papel complexo enquanto mediado- Forprocessos de trabalho mais eficazes e eficientes. Na esteira dessas
res entre os arquivos e as diferentes categorias de usuários com origens e modificações, o ritmo de produção de documentos aumentou significa-
necessidades diversificadas. Além do mais, os artefatos culturais de toda va/Reide, e sua gestão bem como a avaliação e a designação daqueles
espécie, desde os textos literários até as obras de arte - incluindo o patri- Considerados importantes para preservação permanente passaram a ser
mônio arquitetõnico -, passaram a ser vistos pela ótica de várias formas '1Wdavez mais complexas. O processamento técnico arquivIstico
de pensamento construtivista e relativista "convenientemente rotuladas -ita(til'n fragmentado e desregulamentado em alguns contextos que
de 'pós-modernas'"." eartik.dificil manter um regime de documentos confiáveis, o que tent
A segunda transformação refere-se à relação entre os documentos on.sequências óbvias para a qualidade dos arquivos. A tecnologia digital
ativos ou correntes e os documentos históricos. Como observa Luciana Sem influenciou a organização de documentos. "Em diversas áreas de
„
Duranti,28 com o surgimento da instituição do arquivo histórico, "fez-se Maçaõ profissional , observa Yeo,” "o lançamento de dados em bancos
uma distinção material e teórica entre arquivos administrativos e histó- dados sObstituiu a forma de produzir documentos". Nesse ambiente,
ricos", ou seja, entre documentos ativos e inativos. As relações entre as urgem qneStionamentos sobre se os preceitos arquivIsticos são capazes
administrações ativas e as instituições arquivisticas eram normalmente ataii‘e'seS armazenamentos de dados.
fracas e problemáticas, particularmente no processo de avaliação e de Dikaidé:;S`século 20, a natureza dos recolhimentos arquivísticos mo-
eliminação de documentos. No inundo todo, os arquivistas sofreram itóigtatMo efeito dessas mudanças na sociedade. A medida que se
com o problema de articular meios sistemáticos de eliminação e de re- iheraliiáva.o acesso aos arquivos e se aperfeiçoavam as tabelas de tem-
colhimento de documentos que ajudassem a identificar aqueles com dadóipá documentos passaram a ser transferidos e recolhidos para
valor permanente e que, portanto, teriam como atender as diversas de- açqr;14:Pá.2Mais rapidamente do que no passado. Os arquivistas que tra-
mandas da sociedade por acesso ao registro de seu passado. Essa neces- liWaãók:iin documentos relativamente recentes, a maioria dos quais
sidade de eliminação sistemática, ou, de acordo com a perspectiva das einporâneos a eles, não tinham as mesmas necessidades de conhe-
instituições arquivísticas, de recolhimento sistemático, voltou a atenção• W clahiente épocas remotas, línguas antigas e velhos tipos de do-
dos arquivistas para as formas como os indivíduos e as instituições con- --en-tOá?e de escrita, como no caso de seus ancestrais profissionais na
temporâneas produzem e cuidam de seus arquivos. uroira:i.'4'á'éCulo 19. Eles precisavam de conhecimentos sobre entida-
A terceira mudança ocorreu no setor da gestão documental. O adven- 144 róprio tempo, bem como sobre como estas produziam seus
to do estado de bem-estar social (ao menos em algumas sociedades) e tit2' 4ái'jkii. contrário de seus antecessores, eles raramente recebiam a
a intervenção ativa de todos os níveis de governo no sentido de se re, otgdycl-JãPS documentos remanescentes de alguma entidade distante
guiar uma variedade cada vez maior de questões econômicas, sociais élesitteMPo, mas partes de um todo articuladas conforme processos
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warláliSanériânica (de um objeto em determinado momento) e a análi- Mr.,espatit documentos identificados conto de valor permanente. Não se
se (de um objeto durante um período mais ou menos longo) trataipenas de que não se poderia nem se deveria enxergar um conjunto zyxwvutsrqponmlk
P. ; a ãplicar os processos que influenciavam a formação dos arquivos." 10 de cIncumentos fora do desenrolar contínuo de sua existência. Na ver
:EIS encararam de frente os velhos problemas relativos à identificação e 'de, se poderia nem se deveria enxergar o arquivista fora desse pro-
à descrição de arquivos nas condições cada vez mais fluidas em que se c atomo afirmou Scott, é impossível fixar no tempo e no espaço algo
dá a administração hoje em dia. Eles defendiam, essencialmente, que a qiãï é'iiiiitável. Arquivos realmente são conto as línguas nesse quesito, ou
proveniência é mutável e multifacetada e não deve ser fixada no tempo e 'Seja, estão sempre em formação. Ricos filões presentes na literatura ar-
no espaço. A solução encontrada foi documentar todos os atores que par- cjári. ;ti:Ca recente giram em torno desse tema Essa percepção modificou
ticipavam da formação da série de arquivo (ou seja, um corpo específico .pfiiiiciamente a ciência arquivistica, mesmo que seja possível detectar
e organizado de documentos) em todos os períodos da série, de forma a sua nova roupagem um claro reflexo da noção de desenvolvimento
poderem identificar todas as relações de proveniência, guarda e controle, histórico que se encontrava no cerne do conceito orgânico tradicional.
bem como a composição da série, o que permitia uma visão completa dos Dd'fató, é possível pôr em dúvida se nossos antepassados realmente não
documentos de grandes organizações, como os governos, onde quer que percebiam as contradições inerentes a seus esforços de fixarem o estatuto
tais documentos se encontrassem. Seguindo a percepção de Madean de tirdOciimentos como supõem os autores contemporâneos. Entretanto,
que a gestão dos arquivos modernos exigia uma abordagem holistica de e- entermos conceituais, os arquivistas já avançaram significativamente no .
todo o espectro dos documentos e não apenas daqueles que se encon- seritido'de caracterizarem "a maneira como uma teia relacional de clocu-
travam no arquivo histórico, os sucessores dessa tradição iriam teorizar inentosé formada e reformada com o passar do tempo'.35
sobre a natureza contínua de todos os processos de produção, manuten-
ção, uso, transmissão e preservação permanente de documentos — todos aturalidade e intencionalidade
estes, conforme defendiam os autores discutidos, dentro do campo de rtrilk Upward argumenta que as ideias de Maclean podem ser
ação da ciência arquivística.
De diversas formas, esse rico filão do pensamento arquivístico reforçou daá:como indicações de que a criação de documentos não é um processo
o conceito orgânico tradicional, mas sem as conotações metafóricas. Des- natural, mas envolve unia decisão consciente de preservá-los (.,.) A intenção
de o momento em que os documentos são criados e passando por todos eisemanter o documento presente no momento de sua criação é importante
os processos de sua existência, sempre acontecem coisas que interferem de:certa maneira, nega a naturalidade do processo .36
sobre sua formação. Pensar sobre essas ações voltadas para os documen-
tos e sobre como devem ser compreendidas e documentadas dentro dos possível imaginar que Upward não deseja se indispor com a ideia de
múltiplos interesses dos produtores de documentos e dos usuários mu- os documentos são inextrincavelmente conectados com atividade.
dou a orientação da ciência arquivistica e, ao final, trouxe novas questões verdade que nem todas as ações são memorializadas neles. É verdade
acerca da posição do arquivista. Não é que os arquivos se desenvolviam que,todos os processos de sua criação, manutenção, uso e transmissão
.•
nas mãos de seus criadores até chegarem a urn momento no tempo em :61iSej a, toda sua formação) estão inegavelmente ligados à intenciona-
que, numa data fixa, eles iam parar nas mãos do arquivista. Eles estavam dá& humana. Aqueles que criam e controlam arquivos são orientados
constantemente sujeitos à mudança. Os próprios arquivistas se envol- apts-ips próprias necessidades c circunstâncias na organização e gestão
viam de forma inevitável nesses processos, especialmente, como é de se 'dáctirriental e eles frequentemente as utilizam por razões ideológicas.
esperar, em suas próprias atuações ao fazerem seguir adiante no tempo e
Entretanto, uma distinção tênue, porém importante, deve ser feita en-
a r grau de acordo com o caso, eles acabam por obscurecer a conexão
'àilinento-atividade. Documentos podem ser naturais (no sentido da
tre o contexto intencional dos arquivos e sua naturalidade. A ampla aná- alaVin adotada neste capítulo), mas os processos pelos quais eles passam
lise empreendida por Yeo dos esforços por se definirem os documentos saotsociais por natureza. Não basta compreender a natureza dos argui-
estabelece muito bem essa distinção. Sua analise o leva a caracterizar os
documentos como 'representações persistentes de atividades criadas por
4. Para podermos compreender seu caráter. Esse entendimento deve ser
~ementado por uma análise criteriosa do contexto social da forma-
participantes ou observadores ou ainda por seus representantes autoriza- ção (te arquivos. Em artigo de 1984 sobre "ecologia de informação", liugh
dos"." Ele faz uma intensa defesa de que, ao se definirem os documen- taYleir, sempre presciente, caracterizou o alcance de seu pensamento:
tos, não é necessário nem especificar as razoes para criá-los ou mantê-los
nem mencionar sua capacidade de fornecer provas, informações ou dados ecisamos nos preparar para abandonarmos o conceito de arquivo [perma-
de memória. Na realidade, ele afirma que vale a pena não pensar sobre o
neriti tomo um corpo de documentos "históricos" em contraposição aos cila-
que ele denomina potencialidades dos documentos de arquivo quando se 'MAS documentos ativos que são postos para dormir durante seu período de
tenta caracterizar o traço fundamental e universal de sua natureza que os hteritia anterior i salvação ou â extinção. Os documentos são ativos na propor
distingue de outros materiais documentais (ou seja, sua conexão com a direta com as informações relevantes que podem ser obtidas a partir deles, e
atividade e a sua representação). kãn cia está intimamente associada à incapacidade dose obter informação (...)
Outra corrente de pensamento enxerga a formação dos arquivos a par- Da,elrhos, assim, pela natureza de nossa formação, estar inteiramente equipados
tir da perspectiva funcionalista tradicional, mas nos termos da gestão de ó, tanto com conhecimento da história acadêmica, mas com conhecimento
informação nas instituições. David Beannan e Richard Lytle "defendem 3t5i fe. autoniação, teoria da comunicação, gestão de documentos, diplomática
uni papel de liderança muito mais agressivo para os arquivistas no con- étiiio de documentos na administração — um campo intelectual vasto e pouco
texto mais amplo da gestão de recursos de informação"." Eles creern que, eirplorado com dimensões históricas de grande importância.40
a fim de que essa posição seja atingida, "é preciso se obter um entendi-
mento prático das organizações enquanto culturas ou organismos vivos
Como seria de esperar, o jogo entre naturalidade e utilidade ocorre de
que criam e usam informação. Sobre essa base sólida, pode-se desenvolver
fornia destacada; na verdade, incomoda o pensamento sobre a avaliação
uma gestão sólida de informação." Eles argumentam que a aceitação, por
..anliiivistica com fins de prazos de retenção, de eliminação e de recolhi-
parte dos arquivistas, da "visão novecentista das entidades" estruturadas
:ffierito. Sob a premissa de que os arquivos são mantidos ou destruídos
hierarquicamente por meio de relações do tipo superior-subordinado dei- ar:alguma razão determinada por decisões humanas, os processos de
xa de perceber "as significativas relações formais e informais numa organi-
avaliação (em todos os estágios do continuum, se preferirem) constituem
zação, as quais, quando reunidas, explicam sua missão, sua estrutura e suas
flift elemento vital do contexto em que os arquivos históricos são forma-
atividades". Reconhecendo o mesmo problema enfrentado por Scott, eles cíáv.iPortanto, muito do pensamento arquivístico recente afirma que as zyxwvutsrqpo
36 TERRY EASTWOOD
Una domínio contestado 37
decisões avaliativas tomadas pelos arquivistas afetam drasticamente a ciéticikaatiuivistica e o arquivisia torna-se um participante na construção de
%iiüb histórico.45
vfá'a.ção dos arquivos históricos e, consequentemente, comprometem
Siia naturalidade. "À medida que estabelecem determinações relativas ao
.. 7
Valor arquivístico ou histórico", nos diz Brien Brothinan, "os arquivistas, alvez seja o caso, como observou Duchein, de que os documentos de
na prática, criam, iniciam ou perpetuam um compromisso axiológico que arquá;4ernpre têm um caráter utilitário em virtude de sua conexão vital
se manifesta na ordem que emerge disso"» Guiados pelos valores de sua .-crçiidà.4W), mas permanece a dúvida sobre até que ponto a formação dos
sociedade, os arquivistas acham-se implicados na formação dos arquivos ' ;:c7di4:s7..fiistóricos é utilitária por natureza. Em meio a seu trabalho no la-
que nossa época legará ao futuro, os quais são qualquer coisa, menos "o 6SiiiOetnológico urbano da Universidade Laval na cidade de Quebec,
registro objetivo e inadulterado do passado" no qual, como se pensa, a Cardin desenvolveu "um método de base contextuai (...) para caracterizar
ciência arquivística tradicional espelhou sua prática» ariftdvát;:. Ela argumenta que estes podem ser vistos como objetos dota-
Embora não seja sempre reconhecida, a crítica à ciência arquivística s4e.;unia realidade concreta, como ferramentas que servem a propósi-
tradicional feita nesses termos parte do princípio de que todas as razões tâkrminados. Ou, então, eles podem ser entendidos como aparências,
pelas quais se tomam decisões quanto à preservação ou destruição de do- riMiâiÀe palavra melhor, vistas filosoficamente em termos de valores e
cumentos não passam de afirmações —diretas ou indiretas — a respeito de firdiolágidS. "Entretanto", diz a autora, "a soma de todas as dimensões de
sua utilidade. Muitas vezes, tais afirmações tomam-se mais complexas na
medida em que fazem referências ao resultado que serve a algum objetivo
S jeto jamais consegue produzir deste uma leitura global. Em lugar
r`iãkU41,.:à soma das várias dimensões, um objeto é um todo emergente
concebido em termos genéricos, como, por exemplo, revelar o processo i'?:4;doPêia. interseção destas?" Tal leitura global é uma meta valiosa para
de tomada de decisões" ou deixar traços da imagem da sociedade." Ou- a 7aneciaÁrquivística. O trabalho de Cardin, que recorre intensamente às
tros estudiosos tentam limitar a atuação do raciocínio utilitário subjetivo 'tgiá*O,'Sociólogo Edgar Marin, ilustra um aspecto importante da mem-
nos processos de avaliação e, para tanto, elaboram o método apropriado kin.V4tigação sobre a natureza dos arquivos. Os teóricos da arquivologia
de análise empregado na avaliação, como, por exemplo, o estudo das es- ;:lit:fáãiii suas próprias ideias pelo prisma de outras disciplinas a fim de
truturas e/ou funções da entidade produtora em lugar dos documentos e Igà'M :as complexidades da natureza e do contexto dos arquivos, este
seu conteúdo. Por trás desse pensamento, encontra-se a premissa de que •eír4:dida sendo parte daquela, se aceitarmos, como esse trabalho defen-
os documentos são posteriores às atividades e refletem-nas bem como dNàrbsamente que seus diversos contextos influenciam na formação
seu contexto, além de urna segunda premissa de que o fundo total dos t$144iVos e, desse modo, tornam-se parte de sua natureza.
arquivos que uma sociedade preserva reflete seus modos de ser e agir. A Wo5:iiiirocar outras perspectivas disciplinares, os arquivistas fortalece-
despeito de todas as objeções ao positivismo e essencialismo dos auto- sua teoria, seus métodos e suas práticas com ideias que, embora não
res tradicionais, há uma dose de continuidade entre os antigos arquivistas '‘i'1:'sido criadas por eles, não são, de modo algum, estranhas à sua
de orientação histórica e seus críticos pós-modernos. Quando a ciência ira de pensar. Em certos casos, tais ideias são surpreendentes. Os ar-
arquivística é concebida como complemento à ciência histórica, escreve rpa4 reconhecem há tempos que os documentos são uma forma de
Martine Cardin, 6144o de contas de ações. Mas a aceitação cada vez maior de que os
4prios tas precisam prestar contas mais adequadas de suas ações
os documentos de arquivo tornam-se traços do passado, dando testemu- OltadaS para os arquivos só se tornou mais clara para eles por intermédio
nho de seus produtores e da sociedade habitada por estes, a preservação e a 4 1it:re:Aura sobre o pensamento construtivista em relação à memória so-
ÊEX'Aàrecimentos semelhantes os levaram a investigar seus próprios
valorização dessas representações do passado passam a constituir os fins da zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
quer traço de Prova relacionada aos Documentos colocados sob sua responsabi- asperamente a noção de que os arquivos/documentos refletem a realida-
lidade; sua Meta, fornecer, sem prejulgamento e sem improvisação, as condições argumenta que os arquivistas devem ser mais modestos em relação
para todos os que desejam os Meios de. Conhecimento.49 capacidade dos arquivos de se comunicar com o passado e tornarem-se
más úteis por meio de "uma contextualização mais rica do que é preserva-
; 53 Ele acredita também que a orientação protetora tradicional dos ar-
Os críticos dessas tradições racionalistas e positivistas argumentam
que não existe um conhecimento preciso da verdade; ambas são sempre invistas não se encaixa no inundo organizacional fluido e no tratamento
contingentes em relação a quem a procura. Os pesquisadores duvidam do .arquivístico do documento eletrônico que caracterizam os tempos atuais.
equacionamento simplista entre documentos e provas. Articulando algu- 'Elé deseja que o trabalho dos arquivistas seja orientado não estreitamente
mas expressões empregadas por Brothman, os arquivos não são fontes da rias termos de "Modelar o documento como portador de memória'', mas
verdade, mas, isto sim, traços de pensamento, expressão c atividade que Lamplamente, nos termos de sua 'participação nos processos de formação
precisam ser interpretados antes de servirem a interesses ou propósitos e memória". A experiência da África do Sul, seu país de origem, leva-o a
específicos. Documentos não refletem a realidade passada; são parte de .tetomendar a preservação de uma variedade maior de arquivos, de for-
nossa concepção desta. Podemos tão somente chegar a unia concepção ma a contribuir com um processo mais justo e inclusivo de formação da
do passado com fins predeterminados, não, recuperar sua realidade." memória." Seguindo a linha de Harris, Cook e Schwartz conclamam os
Embora ele acredite integralmente que esse tipo de raciocínio tem efeitos quivistas a 'celebrarem sua historicidade" e, ao reconhecê-la, realizarem
Um domínio contestado 41
40 TERRY EAS zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
00t)
dáumentos gráficos, audio, documeni os visuais e digitais. Neto a forma nem o suporte de
suas tardas de forma aberta e perscrutável a fim de que as demais pessoas,
, ;à:documento determinam sua natureza :irquivistica.
que participam do discurso histórico comum, possam minar as maneiras
átno os arquivos se ligam e prestam serviços ao exercício do poder." fitiándescrição necessariamente curta do conhecimento atquivistico deve muito à explicação
liffibitamente mais detalhada que se encontra no capitulo 2 de Livelton.(T. Livelton,Archivai
Essa crítica pede pela reorientação da empreitada arquivistica em vez ¡. Rêlny, Recorda and lhe Public, Lanham, Society ofAmericanArchivists and Scarecrow Press,
do abandono total da visão tradicional sobre a natureza dos arquivos. Ela B:96, p. 25-58).
se refere mais ao papel que os arquivistas e as instituições arquivísticas ,evine, History in theArchives: The PuNic Record Office andIts Stalf, 18384886, English
deveriam desempenhar na sociedade do que â elaboração de teorias e mé- Niitorical Review,si. 101, p. 23,1986.
todos que direcionem a prática. Ela reflete as tendências da história inte- ÁPesar de a tradução ter escolhido o termo "coleção arquivística" para a palavra holandesa
lectual recente que claramente nos alertaram que nossa visão dos arquivos -árchief, está claro que os autores estão falando de arquivos e não de uma coleção artificial de
depende de uma série de fatores de sua produção, uso e transmissão. É tincinnentos de arquivo, como se explica em seguida.
certo dizer que quase nada do que está ligado aos arquivos é simples, está- Felth,lt Pruin e S. Midler, Manual/ar the Arrangetne;nt and Description of Archives, 2. ed.,
; rad. Arthur H. Leavitt,NewYork, N.W.Wilson Company, 1968, p. 19.
vel e inconteste. Podemos afirmar de antemão que todas as partes envol-
vidas nos debates sobre a orientação da arquivologia e do trabalho com Pildem
arquivos concordam que a humanidade realmente depende dos arquivos Rara uma discussão completa do status dos arquivos enquanto fontes históricas, ver capitulo
3, "Trusting Records as Nistorical Evidence: Modern I3istorical Methods", de MacNeil
de diversas maneiras. Eles lubrificam as engrenagens da administração e
MacNeil Trading Records: Legal, flistorical, and Diplomatic Perspectives, Dordrecht,
da economia; eles ajudam na prestação de contas da realização de tarefas; iuuwerAcadensicPublishers, 2000, 57-85).
eles fornecem um acesso essencial e inigualável ao que foi feito no pas- Rapporto susli Ar chiai tOSCatli fatio a sua eccellenza ii Barone Giuseppe Natolh
sado, mesmo que nossa visão do passado seja mediada pelos propósitos 'rente, Cellini, :1866, p. vii, ix,
daquele que observa e limitada pelas circunstâncias em que os arquivos :Posner,Max Leln»ann and lhe Genesis of the Principie of Provenance, em K. Munden
são produzidos e transmitidos com o passar do tempo. Archives and lhe Public Inferes!: Selected Essays by Ernst Posner, Washington D.C.,
iubllc Affairs Press, 1967, p. 4.1.
(Gostaria de dar crédito à contribuição de Stefano Vitali a àth, Fruin e Muller, Manual for the Arrangement and Description of Arc,Jiivrs, p. 19, nota de
este ensaio. A ideia original, a estrutura que aos poucos o áiadapé n. 7.
texto assumiu e seu ponto de vista acerca de diversos temas
G,Yeo, Concepts ofRecord (2): Prolotypes and Boundary Objects, American Archivist, n.71,
foram moldados em diversas trocas que ele e eu tivemos em •133,2008.
relação ao desenvolvimento da ciência arquivistica durante
M. Duchein, Theoretical Principies and Practical Problems of Respect des Forais in Archival
os dois últimos séculos.)
;Science, Archivaria, n. 16, p.67, 1983.
..Ifeith, Twain e Muller, Mar:na/for lhe Arrangement and Description of Ardsivrs, p. 20,22.
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3 G. Cencetti, Scritti archivistici, Roma, 11 Centro di Ricerca Editore, 1965, p. 49, Si.
Os termos "documento de arquivo" (are/aval document) e "do9umento" ou "registro"
(record) têm o mesmo sentido neste texto e devem ser entendidos de forma a induirem Jenkinson, A Manual ofArchive Administration Including 1/se Prohlents aí War Archives and
não sé os documentos textuais com os quais estamos familiarizados, mas também ArchiveMabing, Oxford, The Clarendon Press, 1922, p. 12,
42 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
TALOU( EASTWOOD
Um domínio contestado 43
Mãeidelet rilXit Sij Rccords, p. 58. Bearm an e R. H. Lyt le, The Power of t he Principie cif Provenance, Archivaria, n. 21,
,Por eit eliaplo, em bora Schellenberg t enha discut ido a aut ent icidade, ele não se volt ou para
innigrcialidade no capit ulo sobre a nat ureza dos arquivos ( "The Nat ure ofArchives") em seu zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
185
y17Or][9
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44 TERRY EASTW
. 000 Um dom ínio cont est ado 45