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Sumário
Apresentação
Capítulo 1 – Característicasfundamentais do fenômeno da referenciação
Texto e coerência: a perspectiva sociocognitiva
A referenciação
A referenciação é uma (re)elaboração da realidade
A referenciação resulta de uma negociação
A referenciação é um processo sociocognitivo
Desdobramentos atuais dos estudos de referenciação
Sugestões de atividades
Atividade 1
Atividade 2
Atividade 3
Considerações finais
Glossário
Referências
6
Texto de apresentação
(1)
Viciados em game
Os jogos on-line podem se tornar uma compulsão. Levam a problemas no trabalho, na
escola e de saúde
1
Realçar essa característica é importante se levarmos em conta que, ainda hoje, alguns alunos (e
professores) restringem o estatuto do texto ao que normalmente pode ser amoldado a uma proposta de
redação de vestibular: um texto (escrito) com média de 20 linhas, no formato de narração, descrição e
dissertação, com quatro parágrafos – um de introdução, dois de desenvolvimento e um de conclusão.
2
Neste capítulo, para simplificar, chamamos de intenção o(s) objetivo(s) que o enunciador do texto
pretende atingir e que o interlocutor é capaz de reconhecer. Nos estudos teóricos, a questão dos
“objetivos” de um texto pode ser tratada a partir de diferentes perspectivas. Em um extremo, há a ideia de
que a intenção é resultado do desejo individual do sujeito; em outro, defende-se que qualquer propósito
comunicativo seria resultado das condições sócio-históricas que constrangem a interação dos sujeitos.
Entre essas duas possibilidades, há sugestões intermediárias, como mostra Ingedore Koch, no livro
Desvendando os segredos do texto (2003).
9
(2)
Mais vale chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro.
(Disponível emhttp://www.fraseseproverbios.com/frases-de-humor.php. Acesso em 26 abr. 2010.)
(3)
Rutherford, Bohr
Rutherford, Bohr
Rutherford, Bohr
Modelos atômicos
Rutherford, Bohr
Rutherford, Bohr
Rutherford, Bohr
Modelos atômicos
11
Rutherford, Bohr
Rutherford, Bohr
3
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Q9D_q-pRCus. Acesso em 26 abr. 2010.
12
em que (3) aparece nos permite, ainda, considerar que um texto pode gerar sentidos
diversos, o que depende, entre outras coisas, da situação de interlocução. A partir do
momento em que a música figura na palestra de Suassuna, além dos sentidos percebidos
na interação original, há uma nova interpretação, que diz respeito ao humor que o
escritor quis provocar com a narração de uma cena pitoresca. Evidencia-se, na fala de
Suassuna, o nonsenseda música supostamente inovadora, o que provoca o riso.
A partir do que foi comentado para o exemplo (3), podemos afirmar:
verdadeiro para todo e qualquer texto. Os textos (1) e (2), por exemplo, não têm sua
unidade de sentido garantida porque exprimem informações ou opiniões “lógicas”,
verdadeiras, mas porque ganham unidade de sentido e de comunicação somente dentro
de um contexto situacional.
Em (1), por exemplo, o texto é considerado coerente, entre outros motivos, por
se adequar à situação de interação prevista: uma interlocução no domínio jornalístico,
em que um órgão de comunicação produz uma reportagem para ser lida por seus
interlocutores habituais. É possível até, durante a leitura, não levar em conta,
conscientemente, esse contexto, porque a expectativa sobre isso é, dependendo da
maturidade do leitor, tão “natural” que o conhecimento prévio fornece, facilmente, o
suporte necessário para a produção dos sentidos. Já em (3), uma ocorrência mais
inusitada, a expectativa da situação de interação é menos precisa, o que demanda um
esforço maior para reconhecer os elementos interacionais promotores do sentido.
Do que foi apresentado até aqui, realçamos o seguinte:
4
Para mais informações sobre os tipos de conhecimento prévio, sugerimos a obra Ler e compreender: os
sentidos do texto, de Ingedore Koch e Vanda Elias (ver referência na bibliografia consultada).
14
(4)
A referenciação
conhecida no Brasil por meio do clássico A coesão textual, de Ingedore Koch, no qual a
autora apresenta (reformulando a classificação original) os mecanismos participantes da
coesão referencial: a substituição (por retomada lexical ou pronominal), a repetição e a
elipse. Sem dúvida, muito do que foi (e ainda é) feito no universo escolar sobre coesão
textual gira em torno da proposta de Halliday&Hasan adaptada por Koch.
No cerne dessa proposta, está a explicação sobre como estabelecer cadeias
coesivas – conjuntos de expressões nominais que contribuem para o estabelecimento de
um referente no texto. Veja-se um exemplo de cadeia coesiva, a partir de algumas
expressões sublinhadas e das elipses (indicadas entre colchetes) dessa cadeia no texto a
seguir. Assinalamos somente as retomadas de um mesmo e único referente; em outras
palavras, marcamos o percurso de uma cadeia correferencial:
(5)
Sou aficionado por quadrinhos – e, para ser mais específico, pelos X-Men – há
cerca de 20 anos. Durante este tempo todo, ainda não vi ninguém tomar uma atitude
quanto aos poderes da Vampira. Ultimamente, ela vem se tornando briguenta e
carrancuda (não é para menos, a coitada não pode nem dar um beijinho no seu
namorado sem sugar os poderes dele). Já que ninguém toma uma providência, resolvi
eu tomá-la: o Fera e o Noturno não usavam indutores de imagem para poder sair à rua
sem serem notados? Então, é só criar um inibidor de poder para Vampira! Quando ela
quiser relaxar e dar uns amassos, é só [ø] ligar, e, quando for a hora do pau, [ø] desliga
e [ø] cai na porrada! Se até hoje ninguém teve esta ideia na Marvel, manda minha
ideia para eles e até quem sabe não rola um convite pra roteirista?
Ilídio Tavares de Azevedo Jr – Trindade (GO)
(Carta do leitor publicada na seção de correspondência da revista X-Men Extra, n. 29. Barueri (SP):
PaniniComics, 2004, p. 97.)
Note-se que o enunciador lançou mão de diferentes recursos para construir uma
cadeia em torno do referente Vampira5: o próprio nome da personagem, o pronome
“ela”, a expressão lexical “a coitada”, a repetição do nome da personagem e do pronome
“ela”, e as elipses antes das formas verbais “ligar”, “desliga” e “cai”. Esse tipo de
estudo procura investigar, principalmente, a maneira como a informação sobre uma
entidade pode ser estabelecida e processada, de modo a se perceber como a
continuidade textual é garantida.
5
Trata-se de uma personagem das histórias em quadrinhos dos X-Men, cujo poder é absorver, pelo contato
com a pele, os poderes, as memórias e a força vital de outros mutantes.
18
Ocorre que, com o avançar dos estudos, viu-se que a questão da referência não
poderia se limitar ao tratamento da informação em um texto. A tendência de
compreender o texto e a coerência como instâncias bastante dinâmicas também teve
impactos na maneira como se compreende a referência, já que processos
sociocognitivos altamente complexos e multifacetados apresentam funções e realizações
múltiplas. Daí se passou a falar em referenciação – proposta teórica que salienta o
caráter altamente dinâmico do processo de construção dos referentes em um texto.
O dinamismo dessa proposta se ancora em três princípios fundamentais:
instabilidade do real, negociação dos interlocutores e natureza sociocognitiva da
referência. Nas próximas subseções, apresentaremos informações detalhadas sobre esses
princípios, além de indicações sobre as implicações didáticas de cada um. Antes, porém,
é preciso diferenciar duas definições fundamentais para os estudos em referenciação:
referentee expressão referencial.
6
Veremos, no capítulo 2 desta obra, que alguns pronomes dêiticos, os quais também são responsáveis
pela construção da referência, têm natureza adverbial, e não substantiva.
19
O leitor que escreve para a revista X-Men elipses antes de “sou” e “vi”, “eu”, “minha
Extra [ideia]”, “roteirista”
Os outros personagens do grupo X-Men “o Fera e o Noturno”, elipse antes de
“serem”
A ideia do leitor para resolver o problema “uma providência” “tomá-la”, “esta ideia”
de Vampira
(6)
Rebolation é um single lançado pelo grupo de axé Parangolé no final de 2009 pela
gravadora Universal Music. Já alcançou as paradas da Billboard Brasil na posição 5ª no
Brasil Hot 100 Airplay, entre outras com destaque para a parada de Salvador, Bahia,
que ficou na 4ª posição no Salvador Hot Songs, e em 2º em Porto Alegre que são as
canções mais tocadas nas rádios das cidades.A canção ganhou uma repercussão
nacional, principalmente nas mídias televisivas.
(Disponível emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rebolation_(can%C3%A7%C3%A3o_de_Parangol%C3%A9).
Acesso em4 mai. 2010.)
(7)
Rebolation invade a telinha
7
Mostraremos, nos capítulos 2 e 3, que essas transformações de referentes, ou recategorizações,
promovem a progressão referencial, colaborando fundamentalmente para o desenvolvimento
argumentativo do texto.
20
(Disponível emhttp://www.alagoinhasnoticias.com.br/festas-a-eventos/1820-robolation-invade-a-
telinha.html. Acesso em 4 mai. 2010. Adaptado.
(8)
1 comentários:
Os estrangeiros, que têm a mente mais evoluída que a nossa, sabem muito bem que o
“rebolation” é uma bobagem sem nexo e, mesmo gostando, nunca levam a sério. Para
eles não é cultura nem arte, é uma brincadeira tola mesmo. Por isso que as tentativas
de exportar o popularesco como “cultura séria” fracassam.
(9)
Britney não ficou tão mal na foto
Eis uma notícia edificante sobre Britney Spears: aos 28 anos, a rainha dos vexames e
dos paparazzi resolveu, por iniciativa própria, mostrar as imperfeições de seu cobiçado
corpinho. Ela autorizou a divulgação das fotos sem tratamento que fez para a
campanha de uma grife de moda americana. O.k., as gordurinhas em excesso, a
deselegância do derrière e a profusão de humanas celulites berram na comparação
com as imagens retocadas. Mas não constituem um escândalo estético. Já se viu coisa
muito pior por aí. Não se sabe se o gesto teve por objetivo “expor a pressão que as
mulheres sofrem para ser perfeitas” (como disse a cantora) ou se foi mais uma jogada
para tentar melhorar a imagem da estrela com uma falha que todos já conheciam. De
qualquer forma, as mulheres reais agradecem.
(Época, 19 de abrilde 2010, p. 130.)
Logo depois, o referente é retomado como “a rainha dos vexames e dos paparazzi”, o que
denuncia uma nova caracterização. Posteriormente, as designações “a cantora” e “a
estrela” também propõem novas formas de elaboração do referente, que se somam às já
mencionadas. Além disso, outras expressões que se referem indiretamente a Britney,
como “cobiçado corpinho”, “as gordurinhas em excesso”, “a deselegância do derrière”
e “a profusão de humanas celulites” também contribuem para que esse referente seja
recategorizado.
A partir das análises propostas nesta seção, vemos que os processos de
referenciação, imprescindíveis para a unidade de coerência, desempenham funções
textual-discursivas que vão além da organização do fluxo de informação (falaremos de
algumas dessas funções no capítulo 3 deste livro). Por isso, acreditamos que o estudo
dareferenciação contribua, inclusive, para um alargamento do fenômeno da coesão, pois
o que se costuma ver como a “costura” do texto não engloba apenas a possibilidade de
recuperação de um referente no cotexto, mas implica, também, a construção de uma
representação ligada ao direcionamento argumentativo e expressivo pretendido pelo
enunciador. Tais aspectos, bem como todas as informações contextuais interligadas pela
coesão, fazem parte do fenômeno maior da coerência. Essa abordagem precisa ser
explorada na escola, a fim de que o aprendiz receba instruções sobre a importância de se
utilizar estratégias de referenciação para melhorar sua competência em compreensão e
produção de textos. O papel da linguagem na construção da realidade, por meio da
criação de objetos de discurso, deve ser, portanto, um “conteúdo” trabalhado em sala de
aula.
No que diz respeito ao desenvolvimento da leitura, é importante munir o aluno
de estratégias que lhe permitam reconhecer os posicionamentos de um texto como
tributários de uma perspectiva (entre outras) da realidade. Isso inclui o entendimento de
que, em certas situações, a construção pela linguagem resvala para manipulações que
tentam mostrar, como verdades incontestáveis, ideias contrárias ao que o senso comum
e/ou a convivência social e/ou os mecanismos de regulação elegeram (mesmo que
aparentemente) como as mais pertinentes para as relações culturais. Entram nesse rol,
por exemplo, reflexões sobre o discursodos políticos a respeito de casos de corrupção e Comentado [n11]: vf. cor.
(10)
Cuecas
[...]
— Não sei se você entende — disse Giselda.
— Eu entendo — disse Martô.
— O Júlio usa cueca samba-canção — disse Giselda.
— Eu sei — disse Martô.
— E isso me dava uma certa segurança. Entende?
[...]
— Bobagem, claro — disse Giselda. — Mas, entende?
— Perfeitamente — disse Martô.
25
(VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias da vida privada: 101 crônicas escolhidas. 15. ed. Porto
Alegre: L&PM, 1995, p. 42-43.)
(11)
28
Minha esposa estava dando dicas sobre o que ela queria para seu aniversário,
que estava próximo.
Ela disse: “Quero algo que vá de 0 a 100 em cerca de 3 segundos.”
Eu comprei uma balança para ela.
Aí a briga começou...
(Disponível emhttp://mais.uol.com.br/view/e8h4xmy8lnu8/ai-a-briga-comecou-
0402993670D0899326?types=A&. Acesso em 5 mai. 2010.)
prévios para o uso linguístico. Não basta, portanto, ficar repetindo que os textos dos
alunos carecem de clareza e objetividade. É preciso fazê-los entender que essa suposta
clareza/objetividade se sustenta em um panorama de constante ativação de esquemas
socioculturais e que a superfície do texto é organizável por trilhas de sentido (COSTA,
2007).
Podemos, então, resumir o que foi exposto nas três últimas subseções com o
seguinte conceito de referenciação: construção sociocognitiva de objetos de discurso
reveladores de versões da realidade e estabelecidos mediante processos de
negociação. Pôr em destaque. Comentado [n13]: Arte/diagramação: pôr em destaque, seguindo
padrão da coleção.
Na primeira seção deste capítulo, dissemos que os estudos sobre o texto vêm
destacando a participação de outras linguagens na configuração dos sentidos. Além da
parte verbal, as imagens, os sons e as outras “fontes de percepção” também proveem
conteúdo para a produção e a interpretação. No que diz respeito à referenciação, já
comentamos que as representações sobre um objeto de discurso podem ser construídas a
partir de recursos diversos. A título de ilustração, vejamos o exemplo seguinte:
(12)
30
8
Aqui, mais uma vez, é possível capturar a natureza sociocognitiva do fenômeno. A mulher representada
na cena poderia ser uma esposa, embora isso não precise ser dito. Que pistas são utilizadas para tanto?
Que associações se fazem? Por que se ri da charge? Lembramo-nos de situação semelhante? Todas essas
perguntas revelam o processamento – sociocognitivo – ativado para produzir sentidos.
31
(13)
Atentemos para o homem descrito pela Radical Chic. A rigor, há apenas duas
expressões genuinamente referenciais que o (re)categorizam: o pronome “ele” (repetido
várias vezes) e o sintagma nominal “o homem da minha vida”. É óbvio que, quando
construímos a representação para esse referente, quando o recategorizamos de acordo
com a progressão textual, não foram apenas essas duas formas referenciais as
desencadeadoras do processo. Várias outras pistas interferiram nas decisões: os
“adjetivos” (“totalmente diferente de mim”, “fumante”) e as diversas proposições (“Ele
gostava de música”, “Ele gostava de ir logo para os finalmentes” etc.), contemplados à
luz da comparação com a Radical.
Vemos, assim, que a representação de um referente não se pauta apenas pelas
expressões referenciais. Claro que estas são elementos importantíssimos para indicar a
32
posição dos sujeitos sobre os objetos textualizados, mas um processo tão complexo
como a construção dos objetos essenciais para a coerência não pode se limitar a
especificidades formais. As perspectivas atuais dos estudos (destaque-se, por exemplo,
o deCOSTA, 2007; de Leite, 2007; e de LIMA, 2009) enfatizam, portanto, o caráter
complexo do fenômeno da referenciação. A transposição didática dessa complexidade
deve ser estimulada, pois é isso que está em jogo nas interações sociais.
Com o intuito de contribuir de forma mais concreta para essa transposição
didática, sugerimos três atividades, descritas a seguir.
Sugestões de atividades
Atividade 1
Objetivo:mostrar a importância da negociação para a construção dos referentes e para o
estabelecimento da coerência.
Descrição9
Essa atividade consistirá da organização e apresentação de debates em sala de aula. O
trabalho terá quatro etapas:
1) Informações iniciais
Informe aos alunos que será realizada uma rodada de debates nas próximas
aulas. Junto com a turma, escolha os temas a serem debatidos. Para cada tema, deve
haver dois grupos de debatedores (de três ou quatro alunos), que defenderão posições
contrárias. Os temas devem ser escolhidos de acordo com os interesses e necessidades
dos alunos.
9
Na descrição desta atividade, optamos por falar diretamente com o professor, utilizando, para tanto, o
modo imperativo e o vocativo.
33
2)Preparação do debate
3)Apresentação do debate
As equipes farão suas apresentações de acordo com as orientações estabelecidas
previamente. Durante as falas dos alunos, você fará o papel de secretário, registrando as
principais divergências entre as opiniões, bem como a forma como um grupo se deixa
afetar pela fala do outro grupo.
Comentário
Com a realização do debate, o aluno é estimulado a propor “negociações
referenciais” que determinam a configuração dos objetos de discurso. Isso é válido tanto
para a interlocução em que os participantes partilham da mesma opinião (como na
preparação do debate) quanto para a interlocução em que os sujeitos têm perspectivas
distintas sobre os tópicos discutidos (como na apresentação do debate). A explicitação
dessa “troca negociada” após a realização da tarefa é uma condição necessária para que
o aluno sistematize os procedimentos aprendidos.
Sugerimos que, antes da execução dos passos aqui descritos, o professor forneça
informações prévias sobre o gênero debate, apresentando sua estrutura composicional e
mostrando modelos do gênero.
35
Atividade 2
Objetivo:construir a coesão textual com base na recategorização referencial e no
desenvolvimento argumentativo de um ponto de vista.
Descrição10
Considere a seguinte situação: estão ocorrendo eleições para os líderes de sala de
sua escola, e você é responsável pela campanha de um(a) colega. Uma das exigências
para os candidatos é a produção de um texto argumentativo em que é apresentado o seu
perfil. Você foi designado(a) para produzir esse texto. A fim de lhe ajudar, o(a) colega
candidato(a) mencionou alguns termos que gostaria que aparecessem no texto:
amigo(a) de toda a turma;
defensor(a) das causas justas;
queridinho(a) dos professores;
fonte confiável para guardar segredos;
o(a) mais apto(a) para exercer o cargo.
Escreva o perfil do(a) colega incluindo as expressões mencionadas. Para tanto,
lembre-se de que elas devem: 1) refletir uma organização coerente (você não precisa
seguir a ordem colocada aqui), e 2) ser justificadas com argumentos convincentes.
Comentário
A produção do texto, ao mesmo tempo em que coloca uma situação socialmente
pertinente e interessante para o aluno, obriga-o a refletir sobre a construção da coesão
textual, já que deve incluir, em sua produção, as expressões referenciais mencionadas.
10
Professor, nesta e na próxima atividade, a descrição consiste na apresentação de orientações dadas
diretamente ao aluno.
36
Atividade 3
Objetivo
Reconhecer a junção entre recursos linguísticos e recursos multimodais como
desencadeadora da referenciação e da coerência.
Descrição
Questão 1
Leia os textos a seguir e responda ao que se pede.
Texto 1
Disponível emhttp://dedemontalvao.blogspot.com.br/2012/03/ana-carolinamensagem-aos-
politicos.html. Acesso em 4 abr. 2012.
Texto 2
37
(Disponível em http://www.essaseoutras.com.br/charges-engracadas-de-educacao-ensino-critica-
alunos-e-professores/. Acesso em 4 abr. 2012.)[sic: acento grave da crase usado inadequadamente na
imagem.]
Questão 2
Observe o texto a seguir e faça o que se pede.
38
Considere que você foi convidado(a) para produzir um artigo de opinião a ser
publicado num suplemento voltado para o público adolescente. O título do artigo é “A
educação em 1969... e em 2009”. Produza o texto, tomando como base a charge
apresentada. Sua tese e seus argumentos devem incluir uma qualificação dos alunos, dos
pais e dos professores, de acordo com o papel que cada um exerce na charge.
Comentário
A realização da atividade permite que o aluno reflita sobre as relações entre
texto verbal e imagem para a produção dos sentidos. As perguntas feitas relacionam-se
diretamente com a construção da coerência e com a participação dos referentes (verbais
e visuais) nessa construção. Dessa forma, o aluno toma consciência de que a
comunicação se efetiva a partir da utilização de diferentes recursos, todos voltados para
a construção de objetos que garantam a pertinência das ideias.
39
Introdução referencial
40
(14)
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
Nada impede, pois, que uma introdução referencial possa constituir também um
dêitico. Mas é bom deixar claro que nem todo dêitico será uma introdução referencial . Se o mesmo Comentado [n15]: bold = sugestão.
referente “tu” do poema tivesse sido retomado depois, certamente ele seria, agora,
anafórico, como de resto o são todos os processos de retomada.
A sobreposição de dêiticos e de introduções referenciais/anafóricospode ocorrer
porque a dêixis se define por critérios distintos daqueles que restringem a conceituação
de introduções e de anáforas. Assim, se uma dada expressão ao mesmo tempo introduzir
um referente e essa entidade for ou o locutor, ou o interlocutor, ou o tempo, ou o local
em que se situam, haverá simultaneamente introdução referencial e dêixis. As duas
possibilidades são independentes, portanto, e isso permite a coocorrência.
Outro modo de introduzir referentes se dá ainda pela utilização de informações
visuais. Em textos verbo-visuais, não nos parece adequado afirmar, categoricamente,
que um referente é introduzido primeiro pela imagem e que só depois é retomado por
uma expressão referencial. Não se pode assegurar como cada sujeito acessa um dado
referente em textos multimodais: como garantir que, primeiro, ele processa a imagem e,
só em seguida, as expressões referenciais numa situação como a da charge seguinte?
(15)
42
Disponível emhttp://porquinhodoido.blogspot.com.br/2013/01/as-melhores-charges-de-ano-
novo.html.Acesso em04/01/2012.
Como garantir que, ao se deparar com esse texto, um dado leitor, numa
circunstância específica e única, acessou primeiro o referente da imagem de Iemanjá, a
Rainha do Mar, e não de “oferenda”, no canto superior esquerdo da charge? Ou de
“Mantenga”, em cima, ou de “PIB”, embaixo? São fatores fortuitos, pois dependem de
uma série de possibilidades, como a circunstância dêitica de a charge ter sido publicada
logo após a passagem do ano em 2013; como o conhecimento enciclopédico de que a
festa de Iemanjá é comemorada,no Rio de Janeiro, no Ano Novo, quando milhares de
pessoas depositam no mar oferendas a essa divindade; como o conhecimento político-
cultural de que essa charge alude ao fato de a presidente Dilma ter-se queixado bastante
ao Ministro da Fazenda, Guido Mantega, contra o fraco desempenho do produto interno
bruto, ao final de 2012. O que teria chamado mais a atenção de um determinado leitor,
em um determinado momento? Impossível precisar.
Um estudo de Silva (2013) revela que, em textos verbo-visuais, o mais sensato
seria apenas afirmar que os referentes podem ser introduzidos pela imagem ou pela
expressão referencial, ou por indícios de uma e de outra modalidade. A interveniência
de fatores contextuais é que vai decidir se o coenunciador constrói o objeto de discurso
por um meio ou por outro em textos verbo-visuais. O que importa é considerar que, uma
vez instaurado no texto/discurso, o objeto será retomado, ou não, por processos
chamados anafóricos.
Ao introduzirmos um referente no texto/discurso, devemos contar com o fato de
o coenunciador se valer simultaneamente de muitos indícios (mesmo aqueles nem
43
cogitados pelo enunciador) para representar essa entidade em sua mente. Tais indícios
podem envolver, assim, outras modalidades de linguagem, que não apenas a verbal.
Desse modo, uma imagem, os sons, os gestos, os links, qualquer pista contextual
colabora tanto para a introdução referencial quanto para as anáforas.
(16)
Em (16), não é somente a modalidade verbal (as frases) nos balões que ajuda a
fazer emergirem certos objetos de discurso, mesmo não tendo sido nomeados, tais como
“poluição no mar”, “vazamento de óleo”, “desastre ambiental” etc., mas também a
imagem do peixinho preto, opondo-se à imagem do peixe vermelho, que não sofreu esse
tipo de contaminação. Tudo é relevante nessa elaboração conjunta, sobretudo o
44
(17)
Ideias rosas
sintetiza a própria tese que será devidamente explicitada ao longo do texto. “As ‘ideias
rosas’ de que fala o enunciador são todas as ações beneficentes realizadas pela
sociedade, comparadas ao ato solidário praticado pelo ‘beija-flor’ citado logo no início
do texto” (cf. p. 46).
Veremos, no item seguinte, que, ao contrário da introdução referencial, cuja
função intrínseca, mas não única, é inserir no texto/discurso uma entidade nova, a
anáfora diz respeito a um processo de retomada, que promove a continuidade
referencial. As retomadas de um referente, em geral (mas não sempre), são realizadas
por meio de outras expressões referenciais.
Anáforas
Comecemos por entender que existe mais de um tipo de anáfora, mas, qualquer
que seja a espécie, todas têm em comum a propriedade de continuar uma referência, de
modo direto ou indireto.
As expressões que retomam o mesmo referente que já tiver sido introduzido no
texto/discurso são chamadas de anafóricas diretas ou correferenciais.
Na tirinha da Mafalda, abaixo, um mesmo elemento é destacado de várias
formas, isto é, o mesmo referente é retomado por expressões referenciais anafóricas
responsáveis pela manutenção (continuidade) e pela progressão da referência no texto.
(18)
(19)
48
Soneto do amigo
(20)
Natal na barca
Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só
sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na
embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos
iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.
O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira
palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre
nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e
pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma
figura antiga.
Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no
fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem
combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de
um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada,
apenas olhar o sulco que a embarcação ia fazendo no rio.
Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos
os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na
escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.[...]
(TELLES, Lygia Fagundes. Natal na barca. In:____. Antes do baile verde. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986, p. 135-141.)
Anáforas indiretas
51
11
Este drama romântico foi dirigido pelo cineasta Victor Fleming; os protagonistas do filme foram
interpretados por Clark Gable e Vivien Leigh, representados na imagem.
12
O détournement é um tipo de paródia cuja característica peculiar é restringir-se, em geral, a textos mais
curtos, como provérbios, frases feitas, ditos populares, títulos de obra etc. Com claro valor subversivo,
como acontece no exemplo em destaque, o objetivo de um détournement é levar o interlocutor a ativar o
enunciado original, com o intuito de orientá-lo para um outro sentido, diferente do sentido do texto-fonte,
adaptando-o a novas situações. (KOCH, BENTES& CAVALCANTE, 2007).
52
(Disponível emhttp://www.historiasdecinema.com/2010/06/e-o-vento-levou-o-filme-mais-famoso-de-
todos-os-tempos-2/. Acesso em 4 abr. 2012.)
constituem “as coisas mais leves... que o vento não conseguiu levar”, por isso não
podemos dizer que são introduções referenciais, uma vez que já povoam o universo de
discurso criado pelo texto. Diferem da entidade “o vento” que figura no título, pois são
objetos de discurso que poderiam ser previstos a partir daquilo que o tempo não apagou.
Uma vez que essas entidades, de maneira indireta, dão continuidade a um
referente já introduzido, devem ser integradas à categoria das anáforas, e não das
introduções referenciais. Até “o próprio vento”, mencionado ao final do poema, não é o
mesmo referente do vento de que o texto fala como uma metáfora do tempo. O terceiro
“vento”, que aparece dentro da expressão “o cheiro que tinha um dia o próprio vento”
corresponde mesmo ao ar atmosférico que sopra, e só indiretamente se associa ao outro
vento que o texto tematiza.
É imprescindível demonstrar para o aluno as funções que os processos
referenciais podem desempenhar em diversos textos de variados gêneros. Neste
exemplo, chamamos atenção, principalmente, para funções intertextuais. Pouco vale
falar da coerência de um texto por meio de processos referenciais se o propósito do
professor (de qualquer nível de ensino) se limitar ao mero exercício de identificação e
classificação de formas.
Podemos evidenciar, no próximo exemplo, as anáforas indiretas que o leitor
pode reconstruir a partir das expressões sublinhadas:
(21)
08/01/2011 –10h19|Efe|Caracas
Cinco pessoas de uma mesma família morreram nesta sexta-feira (07/01) após
a aterrissagem de emergência de um pequeno avião que ia da ilha caribenha de
Margarita a Caracas, informaram as autoridades.
Viajavam no bimotor, cujas razões do acidente ainda não foram determinadas,
“uma família inteira, da qual faleceram cinco pessoas adultas, sendo três mulheres e
dois homens, e sobreviveu uma menina de 13 anos que apresenta traumatismo
toráxico e lesões em todo o corpo”, contou aos jornalistas Amílcar Mercado, da Defesa
Civil.
A aeronave, que aterrissou bruscamente em uma região rural despovoada,
havia retornado à ilha de Margarita “por apresentar problemas técnicos, mas depois
decolou de novo”, revelou a diretora da Junta de Investigações de Acidentes de
Aviação Civil (JIAAC), Lorllys Ramos.
(Disponível em:
54
http://operamundi.uol.com.br/noticias/MENINA+DE+13+ANOS+SOBREVIVE+APOS+QUEDA+DE+AVIAO+
BIMOTOR+NA+VENEZUELA_8704.shtml. Acesso em: 4 abr. 2012.)
(22)
55
(23)
A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-
me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até
mergulhar as pontas dos dedos na água.
— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.
— Mas de manhã é quente.
Voltei-me para a mulher, que embalava a criança e me observava com um meio
sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente
brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter,
revestidas de uma certa dignidade.
— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.
— Quente?
— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de
roupa, pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas
bandas?
Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra
pergunta.
— Mas a senhora mora aqui por perto?
57
— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que
justamente hoje...
A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito.
Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de
cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o
rosto era sereno.
— Seu filho?
— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu
devia ver o médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente.
Uma febre, só febre... Mas Deus não vai me abandonar.
— É o caçula?
Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a
expressão doce.
— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava
brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi
grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito... Tinha pouco mais de quatro anos.
Atirei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando
aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era
preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.
— E esse? Que idade tem?
— Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro:
— Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía
nada, mas era muito engraçado... A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! —
disse abrindo os braços. E voou. [...]
(TELLES, Lygia Fagundes. Natal na barca. In:____. Antes do baile verde. 9. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986, p. 135-141.)
O conto ainda não termina neste ponto, mas paremos para refletir sobre as
associações que se dão entre referentes distintos, fato que caracteriza as anáforas
indiretas. A relação indireta entre uma expressão referencial pode acontecer de diversas
maneiras. Ela pode, por exemplo, ancorar em pistas que não sejam outras expressões
referenciais, mas que colaborem para a representação de um objeto de discurso. Uma
ilustração disso está na seguinte passagem: “Desviei o olhar para o chão de largas
tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta”. O que engatilha a anáfora indireta
“uma outra pergunta” é o verbo responder que a antecede, não uma outra expressão
referencial. Assim se verifica também na relação entre “atirou-se” e “a queda”: “E
atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito...”.
Evidentemente, não podem ser menosprezados os demais elementos que amparam a
elaboração de “a queda”, como “o muro não era alto”, “caiu” etc.
A associação mais prototípica das anáforas indiretas é a que se instaura pela
correspondência que existe nas relações metonímicas, sobretudo nas correlações de
58
pois o afastamento do tronco para frente e para trás de quem nina um bebê simula o de
uma cadeira de balanço.
Encadear os laços que costuram as relações indiretas entre entidades explícitas e
implícitas, com certeza, dará ao aluno a dimensão do que é a articulação textual, na
coesão/coerência, de que tanto se fala nas aulas de compreensão e produção de textos,
principalmente as preparatórias para os concursos vestibulares e para o Exame Nacional
do Ensino Médio.
Uma atividade interessante seria solicitar aos alunos que identificassem algumas
dessas anáforas indiretas e tentassem debater em que informações elas ancoram, para
discutir, em conjunto, que conhecimentos são mobilizados para o estabelecimento
dessas relações. É essencial que o texto selecionado para atividades assim povoe a
realidade da turma a que elas se aplicam.
Após as explicações dadas até agora, queremos postular que outras anáforas
indiretas não citadas no cotexto possam advir da cenografia construída pela narrativa.
Para tanto, repetimos parte do trecho mencionado no exemplo (22). Recordemos que, no
início, a narradora-personagem enceta um diálogo com a mãe da criança sobre a
temperatura da água do rio:
(24)
60
Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer
alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale
novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para
dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo,
apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.
Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse
mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim.
— Estamos chegando — anunciou.
Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela
descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma
larga curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que
dormia:
— Chegamos!...Ei! chegamos!
Aproximei-me, evitando encará-la.
— Acho melhor nos despedirmos aqui — eu disse atropeladamente,
estendendo a mão.
Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se
fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas, ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi,
antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que cobria a cabeça do filho.
— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.
— Acordou?!
Ela sorriu.
— Veja...
Inclinei-me. A criança abrira os olhos – aqueles olhos que eu vira cerrados tão
definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando
sem conseguir falar.
— Então, bom Natal! — disse ela, enfiando a sacola no braço.
Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto
resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que
desapareceu na noite.
Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso
diálogo com o vizinho invisível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda
para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e
quente.
(TELLES, Lygia Fagundes. Natal na barca. In:____. Antes do baile verde. 9. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986, p. 135-141.)
Anáforas encapsuladoras
(25)
— Seu filho?
[...] Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver.
Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.
— Seu marido está a sua espera?
— Meu marido me abandonou.
Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira
pergunta.
(26)
Ia contando as sucessivas desgraças.
(27)
O importante agora era sair, fugir antes que ela descobrisse, correr para longe
daquele horror.
(28)
Tiago Cardoso deixa o Leão (era: Goleiro THIAGO, será que sou o único errado?)
ROBERTO CARVALHO
Será que sou o único errado ao afirmar que o
nosso goleiro THIAGO erra muito? Posso até
receber aqui uma enxurrada de críticas, mas
não abrirei mão de minha opinião. Ele faz
13
Recomendamos a leitura de Hyland (2005), sobre estratégias metadiscursivas.
64
belas defesas? Sim faz, mas defesas PLENAMENTE DEFENSÁVEIS, bolas que quase
sempre vem em cima dele e quando não, ele enfeita e dá um pulo desnecessário. Mas
o pior não está aí, na minha opinião, o pior é sempre sua posição adiantada dentro da
área, onde já levou vários gols por cobertura, só no campeonato cearense foram mais
de 7, sua saída quase sempre equivocada do gol, e sua péssima condição de repor a
bola em jogo com rapidez e precisão. No ultimo jogo contra o Kanal, ele, na minha
opinião, falhou no seu posicionamento dentro do gol, na demora ao cair, ajudado em
muito pelo SIMÃO, que saiu da barreira. No segundo gol, foi uma lastima, pareceu o
gol que levou do Túlio, a bola bem devagar batendo em sua mão de queijo derretido e
entrando devagar. Mas sabem qual o seu pior erro em todos os jogos? Essa, terão que
concordar, se não concordarem com todo o resto: Como um goleiro arruma uma
barreira, achando com toda “CERTEZA” que o batedor será um determinado jogador, e
esquece que tem outros jogadores e que a trave tem mais de 7m? Foi o que aconteceu
na barreira que ele arrumou toda para o lado direito, tentando adivinhar que o
batedor seria o SOUZA (ex-Conrinthias) e um outro jogador, vendo a barreira toda
cobrindo um lado só e o goleiro também, todo torto para o mesmo lado, bateu bem
devagar, e o Thiago nem se mexeu...VERGONHOSO...Como um goleiro da altura e
envergadura dele não ganha uma bola sequer na pequena área por cima e todas as
bolas alçadas na pequena área ele não sai.....Inseguro, mão de manteiga e não grita
com a zaga avisando absolutamente nada...UMA ÚNICA VIRTUDE: DEFENDER
PENALIDADES MÁXIMAS. Aí, sim, ele é o maior... NADA MAIS...Roberto (Disponível em:
http://www.fortaleza.net/forum/xmb/viewthread.php?fid=5&tid=4357&action. Acesso em 4 abr. 2012.)
(Figura disponível em: http://www.offside.blog.br/blog/?tag=goleiros. Acesso em 27 mar. 2011.)
(29)
Precaução
Os autores da pesquisa lembram que esse é o primeiro estudo do tipo e que é
necessário pesquisar mais o assunto para estabelecer se a causa dos problemas
comportamentais foi, de fato, o uso do celular.
Os pesquisadores afirmam, por exemplo, que os problemas comportamentais
podem não ser resultado da radiação emitida pelo aparelho, mas, sim, estarem
associados à pouca atenção dada à criança pela mãe que usa o celular com muita
frequência.
Se isso for comprovado, dizem os especialistas, “o assunto será uma questão de
preocupação em termos de saúde pública devido ao uso generalizado da tecnologia”.
O estudo será publicado em julho na revista especializada Epidemiology.
como de porções maiores. Saber quando utilizá-lo e ser capaz de fazer a escolha
linguística adequada são habilidades importantes a serem desenvolvidas nos alunos.
Na verdade, a capacidade de propor encapsulamentos adequados é complexa,
pois exige do produtor, ao mesmo tempo, a percepção apurada de como a expressão
escolhida para encapsular se refere ao cotexto precedente e o vislumbre de como ela
pode contribuir para a progressão textual. Dessa forma, com essa estratégia, o
enunciador promove um movimento duplo, para trás e para frente, estabelecendo
relações de continuidade e progressão.
Um exercício recomendável aos alunos seria eleger anáforas encapsuladoras de
textos de natureza opinativa e lacunar algumas ou substituir outras por expressões de
nomes genéricos, a fim de solicitar à turma que sugira possibilidades adequadas de
preenchimento a cada ponto da argumentação.
Quanto à natureza metadiscursiva do fenômeno, em verdade, chamar a atenção
do coenunciadornão é um procedimento específico de nenhum processo referencial, mas
frequentemente as expressões referenciais introdutórias ou anafóricas são usadas com
finalidade metadiscursiva de posicionamento ou de engajamento.
Chamar a atenção do interlocutor é uma função mais peculiar a um outro tipo de
processo referencial: a dêixis. Como veremos no item seguinte, a dêixis é um fenômeno
referencial que se pauta por um critério distinto daquele que orienta as anáforas e as
introduções referenciais. Um elemento dêitico só se configura como tal se se tomar
como ponto de origem quem é o falante e onde ele se localiza, quer seja no
tempo/espaço real da enunciação, quer seja no tempo/espaço de sua fala no cotexto.
Podemos, com isso, constatar que todo dêitico já cumpre, por definição, uma
função metadiscursiva de tentar engajar o coenunciador.
A dêixis
(30)
Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra
pergunta.
— Mas a senhora mora aqui por perto?
— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que
justamente hoje...
Uma conclusão relevante: nenhum desses critérios coincide com o das anáforas,
e é por isso que, em vários casos, os dois processos (de dêixis e de anáfora) podem
perfeitamente se superpor. Destacar.
Tipos de dêixis
68
a) Dêixis pessoal
Nenhuma outra forma da língua é mais prototípica da dêixis de pessoa do que os
pronomes pessoais. Como já o afirmara Benveniste (1988), os pronomes de primeira e
de segunda pessoa são os verdadeiramente “pessoais”, aqueles que representam os
participantes efetivos de um ato de comunicação: quem fala e com quem se fala. A
canção abaixo exemplifica bem a categoria discursiva de pessoa marcada nas formas
que sublinhamos, todas elas remetendo ora ao locutor, ora ao interlocutor:
(31)
De janeiro a janeiro
Não consigo olhar no fundo dos seus olhos
E enxergar as coisas que me deixam no ar, medeixam no ar
As várias fases, estações que me levam com o vento
E o pensamento bem devagar
Por isso mesmo é que a referência dêitica, para ser plenamente compreendida,
depende, sempre, do conhecimento da situação de interlocução. Se considerarmos o
exemplo (31), podemos dizer que os referentes de “eu” e “você” podem mudar a
depender da situação. O “eu” se refere, inicialmente, ao eu lírico da canção – um
referente, digamos, bastante genérico –, que se dirige à pessoa amada (o “você”).
Contudo, imaginemos uma situação em que, por exemplo, um aluno resolve postar um
vídeo no YouTube, no qual “envia” essa canção a uma colega de sala. Nesse caso, o
“eu” e o “você” assumem uma nova referência – passam a ser o garoto e sua
pretendente.
Outro exemplo: num tempo em que a identificação do número de chamada de
telefone não era usual, havia, algumas vezes, certa confusão decorrente da falta de
“mapeamento dêitico”. Alguém que ligasse para a casa de uma pessoa e dissesse algo
do tipo “Sou eu, cara”, poderia gerar dúvida no interlocutor: “Eu quem?”. Só depois de
o outro se identificar (ou, por exemplo, falar mais um pouco, para que sua voz fosse
reconhecida) é que a referência se estabeleceria, e a interação poderia progredir.Isso
mostra que a “identidade” dos pronomes de primeira e segunda pessoa está atrelada ao
reconhecimento da situação de comunicação, e a elaboração desses referentes é um
elemento importante para a compreensão textual.
Sugerimos que se pergunte aos alunos se eles se lembram de alguma situação
real em que a comunicação foi comprometida pela ambiguidade na hora de identificar o
eu ou o você da enunciação. O objetivo é fazê-los compreender a necessidade das
coordenadas dêiticas para o reconhecimento dos referentes nesses casos.
Um tipo de dêixis muito semelhante à pessoal é a dêixis social.
b) Dêixis social
Os dêiticos sociais são como que uma particularização dos dêiticos pessoais.
Distinguem-se destes por revelarem “os relacionamentos sociais por parte dos
participantes da conversação, que determinam, por exemplo, a escolha dos níveis
discursivos honoríficos ou polidos, ou íntimos ou insultantes” (FILLMORE, 1971, p.
39). Assim como a dêixis pessoal, a social também remete diretamente aos
interlocutores, mas as formas que a codificam refletem relacionamentos em sociedade
que condicionam a escolha dos níveis de maior ou menor formalidade.
70
14
Aconselhamos a leitura de Kerbrat-Orecchioni (2006).
71
Dêixis espacial
Os dêiticos espaciais marcam as noções de proximidade/distância do locutor em
relação a um dado referente. Eles apontam para um lugar situado e referido com relação
a quem fala, como no exemplo seguinte:
(32)
Piadas de bêbados
O fato de o bêbado ter respondido ao guarda que tinha visto o veículo “aqui
mesmo, na pontinha desta chave” indica (ou, para usar um termo técnico, ostenta) que o
referente carro se localiza próximo a ele, que está falando; do contrário, ele não teria
utilizado nem o advérbio “aqui”, nem o demonstrativo “esta”, ambos relativos à
primeira pessoa do discurso.
Vale ter em mente que nem toda expressão que indique lugar será considerada
dêitica. Só o será se, para identificar o referente, for necessário ter o falante como ponto
de origem. Quando, no exemplo acima, o guarda pergunta: “Onde foi que você viu o
carro pela última vez?”, o advérbio onde não se investe de valor dêitico nessa situação,
porque remete a possibilidades vagas de localização, que independem do lugar em que
se situe o locutor. Por isso, neste exemplo, o uso do “aqui” é classificado como dêitico,
mas o uso do “onde”, não.
Como veremos, o mesmo raciocínio vale para a definição de dêixis temporal.
c) Dêixis temporal
Assim como os dêiticos espaciais, os dêiticos temporais são também indicadores
de ostensão, porque apontam para um “lugar” e fixam uma fronteira de tempo que toma
72
(33)
21/01/2011 11:39
(34)
09/03/2011 - 07h58
Em São Paulo
O carro atingiu três pessoas, matando uma delas. Uma garota de 14 anos, que
estava em frente ao portão de casa, morreu na hora. Dois meninos, de 8 e 13 anos,
ficaram feridos e foram levados para o pronto-socorro do Hospital Regional.
Segundo a PM, o motorista foi preso em flagrante, após teste de dosagem
alcoólica, por lesão corporal culposa e homicídio culposo.
(35)
Adorei a revista de ontem e os conselhos que dava. Um deles era: quando o
marido chegar em casa, faça com que a noite seja dele. Nunca reclame que demorou a
chegar ou foi jantar fora ou saiu para se divertir sem você. Em vez disso, tente
entender seu mundo de tensão e pressão.
74
d) Dêixis textual
Para se pensar numa dêixis textual, é necessário que se considere o espaço em
que o texto se materializa. Essa estratégia ocorre quando se muda do campo dêitico da
situação real de comunicação para o ambiente do cotexto. O começo, o meio e o fim, o
antes e o depois, o acima e o abaixo são tomados linearmente, à medida que o locutor
vai fazendo uso de enunciados no espaço/tempo do cotexto. Sob esse prisma de
ordenação, qualquer ponto no cotexto pode ser considerado como ocorrendo antes,
durante ou depois do último momento em que o falante enunciou alguma coisa.
Expressões típicas desse fenômeno são: “como mostramos no exemplo anterior”, “a
seguir”, “na ilustração abaixo”, dentre tantas outras, tomadas diretamente da semântica
de espaço/tempo: acima, aqui, agora etc.
Nessa metaforização do espaço/tempo da situação comunicativa, costumam ser
usadas as mesmas expressões dêiticas de tempo ou de espaço empregadas para situarem
um dado referente dentro da organização linear das unidades gráficas no texto. Estão
fartamente presentes em gêneros do discurso acadêmico, como no seguinte trecho de
uma dissertação:
(36)
Para exemplificar esse tipo de estruturação do desenvolvimento argumentativo
e sua relação com o tópico discursivo, apresentamos a seguir a análise do artigo.
75
(ALENCAR, E. N. de. O tópico discursivo nas dissertações de alunos do ensino médio. Dissertação
[Mestrado em Linguística] – Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2009.)
“A seguir” se refere ao próprio local do texto produzido pelo locutor e tem como
ponto de referência o último enunciado do falante e a arrumação vertical do texto, por
isso tem um traço dêitico. Logo, quando se empregam dêiticos textuais desta natureza, a
distância avaliada no tempo/espaço textual não perde de vista a noção de proximidade
em relação ao enunciador e, por isso mesmo, mantém o subjetivismo próprio da dêixis.
O que chamaremos de dêixis textual é sempre um processo híbrido, que mistura
uma função anafórica (ou de introdução referencial) com uma função dêitica. É dêitico
porque considera o ponto de origem do locutor; é anafórico (ou introdutório) porque
sempre vai estabelecer uma cadeia com outro referente do texto.
Quando são utilizados dêiticos textuais do tipo “o parágrafo anterior”, por
exemplo, dá-se um processo de retomada anafórica do referente que representa esse
parágrafo. Especificamente neste caso, estamos diante de uma anáfora encapsuladora
que desempenha também a função de dêitico textual, simultaneamente.
Os dêiticos textuais, de acordo com Apothéloz (2005), exercem, por isso, uma
função metatextual (e, poderíamos dizer mais amplamente, metadiscursiva), pois
permitem a organização do espaço do texto e facilitam, assim, a orientação do receptor
dentro dele.
Não se deve concluir, apressadamente, que todo dêitico textual só ocorre,
concomitantemente, com anáforas encapsuladoras. O objeto de discurso retomado pelo
dêitico textual pode estar bem pontualizado, como em qualquer anáfora correferencial.
Isso acontece sempre que nos deparamos, por exemplo, com expressões como “a
palavra seguinte”, “o termo que acabei de citar” etc. Uma situação ilustrativa é a do
exemplo a seguir:
(37)
Acreditamos que a expressão “O impaciente francês”, como parte de um outdoor,
deve vir associada a uma imagem do carro que é tema da propaganda. Logo, uma
análise dessa expressão, dentro de uma perspectiva de estudo dos textos em uso, não
pode esquecer isso, de modo que a aludida expressão atua não como uma introdução
referencial (no sentido mais clássico desse termo, em que uma expressão é
mencionada pela primeira vez no cotexto), mas como uma anáfora que recategoriza,
linguisticamente, o carro apresentado na imagem.
(CUSTÓDIO FILHO, V. Múltiplos fatores, distintas interações: esmiuçando o caráter heterogêneo
da referenciação. Tese [Doutorado em Linguística] – Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2011.)
76
e) Dêixis de memória
Concluiremos essas reflexões sobre a dêixis descrevendo um último tipo desse
processo referencial intersubjetivo. Alguns autores, dentre eles destacamos Apothéloz
(1995), postulam a existência de uma espécie de dêixis que tem por função dar indícios
ao coenunciador de que ele precisa buscar o objeto referido em conhecimentos que os
participantes da comunicação compartilham. Apothéloz nomeia esse processo de “dêixis
de memória”, explicando que o referente evocado é tão evidente para o enunciador que
é como se já tivesse sido mencionado no contexto. O destinatário tem a impressão de
que a informação lhe é imediatamente acessível, não obstante se tratar de um processo
referencial in absentia.
Há uma série de exemplos corriqueiros para esse fenômeno, como na seguinte
postagem na rede social Facebook:
(38)
“E aquela hora que vc pensa em comer algo e descobre: “Só terá comida se vc
fizer....”ahaaaahaaaaaa...... :P
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2 pessoas curtiram isto.”
Comentado [n18]: arte/diagramação: se possível, reproduzir
página Facebook = status
Observe-se que, ao formalizar o referente como “aquela hora em que você pensa
em comer algo...”, o locutor convoca o leitor a procurar, na memória discursiva que o texto
recria, objetos de discurso que ambos compartilham e dos quais deve se lembrar. A
presença dos demonstrativos, sobretudo o de terceira pessoa, aquele(a,s), é fundamental
para esse indício.
Como esses dêiticos textuais são muito frequentes nas conversações ordinárias,
uma atividade dinâmica que sugerimos é provocar situações em que os alunos sejam
77
instados a realizar uma pequena encenação em sala de aula na qual tenham que
empregar um dêitico de memória. Nessa ocasião, convém discutir com o resto da turma
que tipos de conhecimento são requeridos para a recuperação do objeto referido.
O quadro a seguir esquematiza os processos referenciais apresentados neste
capítulo.
Deve ficar claro que somente os grupos 1 e 2 se opõem, ou seja, são mutuamente
excludentes, pois ou se tem introdução de referente novo no texto, ou se tem a retomada
de algum. Por isso o grupo 3, dos dêiticos, pode coocorrer com as introduções e com as
anáforas.
Também se deve salientar que o fenômeno da recategorização pode ser
disparado por qualquer processo anafórico, quer dêitico, quer não.
Com a dêixis, finalizamos a apresentação dos processos referenciais. Antes de
passarmos para a sugestão de exercícios, julgamos relevante reforçar algumas
observações sobre a recategorização, que antecipam as funções discursivas dos
processos de referenciação, a serem discutidas no capítulo final deste livro.
Embora possa parecer, a transformação de um referente não se limita aos casos
mais prototípicos de anáfora direta (como nos exemplos 39 e 40). Como se trata de um
fenômeno difuso e não linear, a recategorização ocorre sempre que é possível perceber a
perspectiva avaliativa imprimida pelos locutores, não importando o processo referencial
que a manifesta. Isso quer dizer que a recategorização é um processo fundamental a
guiar a argumentação no texto.
(39)
A top quer samba
De passagem pelo país para promover o baile da revista Vogue, a top Adriana
Lima, de 29 anos, mostrou uma silhueta que passa longe das esquálidas colegas de
trabalho.
(Época, 7 de março de 2011, p. 93.)
78
(40)
Glamour, sim. Shortinho, não!
Na guerra das rainhas de bateria, Sabrina Sato já começa levando a melhor no
quesito luxo. Parece ser dela a fantasia mais cara do carnaval. “No mínimo, R$ 60 mil”,
diz uma porta-voz da Vila Isabel, escola pela qual a apresentadora de 30 anos desfila.
(Época, 7 de março de 2011, p. 93.)
(41)
Depois de mais de três séculos e meio de escravidão, os negros tornaram-se
“livres” através de leis que visavam, antes de tudo, beneficiar os proprietários de
escravos. A “bondosa” princesa Isabel e os “doutores” abolicionistas esqueceram-se da
integração social dos ex-escravos.
(Disponível em:www.expo500anos.com.br. Acesso em: 14 mar. 11.)
(42)
Só existe uma maneira legal e ética de aumentar o número de sócios nos
grandes jogos dentro do estádio do Inter: permitir que o associado venda o seu lugar
quando não for. Não se pode obrigar 40 mil pessoas a comunicar com antecedência se
vão ou não exercer um direito desse tipo. Alguns exemplos hipotéticos, mas que
certamente virarão realidade se a absurda medida prosperar: [...]
(Disponível em:
http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp/default.jsp?source=DYNAMIC,blog.BlogDataServer,getBlog
&uf=1&local=1&template=3948.dwt§ion=Blogs&post=192914&blog=534&coldir=1&topo=3994.dwt
. Acesso em: 4 abr. 2012.)
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80
Atividade 1
Objetivos:reconhecer a importância das relações anafóricas (diretas e indiretas) para a
“eficiência” da progressão textual; preencher os implícitos textuais a partir do
reconhecimento de relações anafóricas diretas e indiretas.
Descrição
Leia o texto a seguir e responda ao que se pede nas questões 1 e 2.
Só alegria
“A riqueza”, diz Rabeder, “não traz a felicidade. Durante 25 anos, trabalhei feito
escravo por coisas que não queria nem de que precisava. Agora, o meu sonho é não
ter nada.”
O escritório sereno e todo branco da mansão de Karl Rabeder, que fica no alto
dos Alpes do Tirol, no qual Rabeder consulta o computador que pertence a ele e que
fica no escritório de sua mansão, que não para de apitar, é pobre segundo o padrão
dos milionários, embora a mobília do escritório de sua mansão feita à mão reflita o
bom gosto de um conhecedor. Mas Karl Rabeder, milionário dos utensílios domésticos
que tem uma mansão, que tem um escritório sereno e branco, onde fica o computador
de Karl Rabeder, não sente orgulho quando examina o produto de uma vida de
trabalho. “Tudo, até a cadeira onde estamos sentados, vai junto com a casa, que é uma
mansão com lago paisagístico, sauna e uma vista espetacular das montanhas onde fica
a mansão, quando for vendida”, explica o magnata dos utensílios domésticos que tem
um computador, com evidente satisfação. Para a nova vida nas montanhas, separou
uma muda de roupa que pertence a Karl Rabeder, duas caixas de livros que pertencem
a Karl Rabeder e um computador portátil que pertence a Karl Rabeder. Viverá com
uma pensão mensal de uns 1.300 dólares e acredita que não precisará nem da metade
de 1.300 dólares. [...]
(DICKSON, E. Jane. Seleções Reader’sDigest. Fev. 2011, p. 78. Texto adaptado.)
Questão 1
O texto “Só alegria”, da maneira como foi organizado, apresenta quebras de
coerência, em virtude de desobedecer a uma regra fundamental de articulação das
informações. Assinale a alternativa que apresenta essa regra.
a) Um texto será coerente de acordo com o grau de detalhamento. Quanto mais
detalhes puder fornecer, mais coerente o texto será.
b) Um texto deve apresentar informações completamente novas. Informações
que já apareceram em textos anteriores devem ser descartadas.
c) Em um texto escrito, é esperado que o produtor construa parágrafos de
tamanho equivalente. Do contrário, a harmonia textual estará prejudicada.
d) Em um texto, nem tudo precisa ser explicitado. A partir do momento em que
algumas informações são fornecidas, elas podem gerar relações implícitas entre os
elementos textuais, as quais garantem a coerência.
Questão 2
Considerando a regra assinalada na questão anterior, sublinhe os trechos que
você considerou incoerentes no texto “Só alegria” e proponha reformulações que os
82
Questão 3
Preencha as lacunas dos enunciados a seguir com expressões nominais que
garantam a coerência. Atenda à solicitação a respeito da estrutura de cada expressão.
Estou com um problemão pra resolver no____________ (pronome possessivo +
substantivo). A chave não quer entrar de jeito nenhum.
Amanhã haverá uma grande comemoração na ____________ (substantivo).
Todos os alunos deverão vestir traje social.
Roberto Carlos foi o grande homenageado do Carnaval carioca em 2011.
____________ (artigo + substantivo) foi o tema da escola campeã.
Procure comer cenoura frequentemente, pois ____________ (pronome
demonstrativo + substantivo) é rica em betacaroteno, um poderoso antioxidante.
Comentário
As questões tratam, basicamente, do papel das expressões anafóricas quanto ao
fluxo da informação. Sobre as questões 1 e 2, é necessário que, inicialmente, o aluno
reconheça o importante princípio que rege as relações textuais: as relações entre os
referentes estabelecem implícitos recuperáveis (alternativa D). Por isso é que é possível
reconhecer as inadequações do texto adaptado: uma vez que alguns referentes tenham
sido estabelecidos, as relações sociocognitivas garantem a rede de relações pertinentes,
de modo que a retomada de certas informações é desnecessária. Isso é verdadeiro tanto
para as relações anafóricas diretas quanto para as indiretas (aliás, os trechos
modificados do texto 1 incidem principalmente sobre esse último tipo de relação).
Sugerimos que o professor, na questão 1, suscite uma reflexão sobre a
incorreção dos demais itens. Isso servirá para que o aluno obtenha informações menos
taxativas sobre os princípios de textualidade. Por exemplo, embora a construção de
parágrafos seja um fator fundamental da construção de textos bem elaborados, a
recomendação sobre uniformidade de tamanho não é uma regra infalível (nem é esse o
problema observado no texto analisado).
15
O texto original encontra-se no final deste capítulo.
83
Atividade 2
Objetivo:utilizar os processos referenciais para construir argumentação.
Descrição
Leia o texto a seguir para responder às questões 1 e 2.
Menor apanha no serviço porque não levou café da manhã para o chefe
Um trabalho que já era ilegal ficou ainda pior em Pedro Juan Caballero, no
Paraguai, fronteira com Ponta Porã. Um jovem de 16 anos que trabalhava de forma
irregular em um frigorífico foi agredido por um homem de nome Edgar, porque não
estava levando o café da manhã para o homem quando ele pedia.
O frigorífico seria de um político paraguaio que não teve o nome divulgado e
Edgar, que com um soco derrubou o jovem, fugiu quando viu que poderia ser preso. A
mãe e o pai do menino denunciaram __________ na delegacia da cidade, mas tiveram
dificuldades para fazê-lo, uma vez que os agentes não queriam aceitar a denúncia,
mesmo o jovem tendo na face um curativo causado pelo golpe que levou.
Para não aceitar a denúncia, os agentes diziam que a família tinha que ter um
advogado para representar contra os acusados, porém, quando jornalistas paraguaios
chegaram para cobrir o caso, eles resolveram aceitar a denúncia. Jornalistas do lado de
lá da fronteira acreditam que o fato de a empresa pertencer a um político local pesou
na questão.
(MS Já – Portal de Notícias. Disponível emhttp://www.msja.com.br/noticias/cidades/paraguai-menor-
apanha-no-servico-porque-nao-levou-cafe-da-manha-para-o-chefe. Acesso em 27 mar. 2011.)
84
Questão 1
Selecione, dentre as possibilidades listadas a seguir, uma que preenche
coerentemente a lacuna do texto e outra que não preenche coerentemente a lacuna.
Justifique suas escolhas.
Questão 2
Considere que um jornal paraguaio produziu um editorial sobre o fato, cujos
parágrafos iniciais se encontram reproduzidos a seguir. Complete as duas lacunas do
texto com expressões nominais constituídas de artigo + substantivo + adjetivo ou
pronome demonstrativo + substantivo + adjetivo coerentes com o direcionamento
argumentativo do texto. Atenção: as lacunas fazem referência aos fatos relatados no
mesmo parágrafo em que aparecem.
Questão 3
O texto “Só alegria”16 fala sobre um homem que tomou uma atitude bastante
diferente das demais pessoas: em vez de juntar dinheiro, ele resolveu distribuí-lo entre
os mais pobres. A partir das informações do texto (e de outras informações que você
possa recolher em pesquisas), produza um artigo de opinião para participar do debate
“Karl Rabeder: iludido ou otimista?”. Escolha uma das duas posições para organizar
16
O texto encontra-se no final do capítulo.
85
Comentário
Nas três questões da atividade, o foco é o viés argumentativo que pode ser
estabelecido a partir dos processos referenciais. Nas questões 1 e 2, o foco recai sobre
os encapsulamentos; o aluno deve ser capaz de perceber/sugerir expressões adequadas
que resumam uma porção anterior do cotexto ao mesmo tempo em que promovem a
progressão, por meio da argumentação.
Na questão 3, uma tarefa de produção textual, não há um processo referencial
específico que responda, sozinho, pela construção da argumentação. Contudo, o
comando da questão permite que o aluno reflita sobre a argumentação que incide sobre
as anáforas diretas.
Sugerimos que, antes da produção dos alunos, o professor discuta outros artigos de
opinião semelhantes, que versem sobre as ações de um indivíduo. Devem ser
focalizadas as expressões referenciais utilizadas sobre o indivíduo em questão. Essa
reflexão é útil para que os alunos entendam a argumentação como um fenômeno amplo:
além de resultar de um plano sobre a tese e os argumentos (normalmente, esse é o foco
dos manuais didáticos), ela também emerge das escolhas linguísticas efetuadas pelos
locutores.
Atividade 3
Objetivo:reconhecer o papel de expressões dêiticas na obtenção de efeitos de humor,
com consequente encaminhamento para a compreensão crítica.
Descrição
Questão 1
Leia o texto a seguir e responda ao que se pede.
86
Questão 2
(Disponível em:http://www.essaseoutras.com.br/charges-engracadas-de-educacao-ensino-critica-
alunos-e-professores/. Acesso em: 4 abr. 2012.)
a) Identifique a que se referem, no texto, os pronomes “eu”, “tu” e “eles”. Indique que
pistas textuais colaboraram para essa identificação.
b) Se o enunciador optasse por usar o pronome “ele”, em vez de “eles”, o sentido
permaneceria o mesmo? Justifique sua resposta.
87
Comentário
Essa atividade explora os diferentes sentidos que as expressões dêiticas podem
assumir nos textos. Na questão 1, o aluno deve reconhecer os sentidos metonímico e
literal (este, ligado diretamente à situação espaço-temporal em que se encontram os
personagens) atribuídos à expressão “neste bolso”; a partir desse reconhecimento, é
possível construir o humor e perceber a crítica da charge.
Na questão 2, o aluno deve ser capaz de reconhecer a referência dos dêiticos
com base na predicação. Espera-se que ele reconheça o aluno (“eu”) como enunciador
que se dirige ao professor (“tu”) e que fala dos políticos (“eles”). Cabe, ainda, uma
reflexão sobre o uso do pronome “eles”. Uma vez que tanto o “eu” quanto o “tu” se
referem não a indivíduos específicos, mas a uma classe (respectivamente, a classe de
alunos e a classe de professores), o pronome “ele” também poderia ser usado para fazer
a referência a uma classe. Contudo, essa não foi a escolha, talvez porque, na cenografia
construída, isto é, na cena de que participam mais imediatamente os interlocutores,
pretende-se individualizar a ambos, tanto o locutor quanto o interlocutor. A
individuação não tem o mesmo efeito com o político, pois o uso do plural reforça a
responsabilidade de muitos quanto ao descaso com a educação.
Temos, então, que a construção da referência (nesses casos, estabelecida com a
colaboração de expressões dêiticas) é fundamental para a formação do espírito crítico do
leitor. A leitura plena pressupõe, portanto, a mobilização de estratégias textual-
discursivas que garantam a interpretação dos implícitos e encaminhe para a reflexão
crítica sobre o estado de coisas manifesto nesses contextos.
Anexo – texto original utilizado para a adaptação da atividade 1 Comentado [n19]: arte/diagramação: se possível, dar tratamento
de página de revista.
Só alegria
O milionário austríaco Karl Rabeder entregou todas as suas posses materiais
para ajudar os outros – e a si mesmo
No alto dos Alpes do Tirol, o ar se enche com o canto dos pássaros, e um
homem de meia-idade pula na ponta dos pés. “É difícil exprimir”, diz ele, “essa
sensação de liberdade, de leveza absoluta”.
88
Karl Rabeder espera se sentir ainda mais leve com vários milhões de dólares a
menos. O magnata dos utensílios domésticos, que mora há 13 anos na cidade de Telfs,
na Áustria, saiu nas manchetes do mundo inteiro quando anunciou que venderia tudo o
que tinha para ajudar os pobres das Américas Central e do Sul. Uma fazenda belíssima
no sul da França já fora a leilão, junto das empresas,dos carros (entre eles, um Audi de
68 mil dólares) e a pequena frota de planadores.
A sua casa – uma mansão que vale mais de 2 milhões de dólares, perto de
Innsbruck, com lago paisagístico, sauna e uma vista espetacular das montanhas – é o
último patrimônio que lhe resta. Logo, Rabeder, 48 anos, entregará as chaves dessa casa
dos sonhos ao feliz vencedor de uma loteria pan-europeia e se mudará para uma
cabaninha de madeira nos Alpes. Ele mal pode esperar. Para Rabeder, o fato de o seu
dinheiro – uma fortuna pessoal de quase 5 milhões de dólares – ir do rico para os pobres
é muito mais compensador do que se viesse no sentido contrário.
“A riqueza”, diz Rabeder, “não traz a felicidade. Durante 25 anos, trabalhei feito
escravo por coisas que não queria nem de que precisava. Agora, o meu sonho é não ter
nada.”
O escritório sereno e todo branco, no qual Rabader consulta o computador que
não para de apitar, é pobre segundo o padrão dos milionários, embora a mobília feita à
mão reflita o bom gosto de um conhecedor. Mas ele não sente orgulho quando examina
o produto de uma vida de trabalho. “Tudo, até a cadeira onde estamos sentados, vai
junto com a casa quando for vendida”, explica ele com evidente satisfação. Para a nova
vida nas montanhas, separou uma muda de roupa, duas caixas de livros e um
computador portátil. Viverá com uma pensão mensal de uns 1.300 dólares e acredita
que não precisará nem da metade. [...]
(DICKSON, E. Jane. Seleções Reader’sDigest. Fev. 2011, p. 78.)
89
rgumentação–substantivo feminino
1Arte, ato ou efeito de argumentar.
2Derivação: por extensão de sentidotroca de palavras em controvérsia, disputa;
discussão.
3Rubrica: termo jurídico –conjunto de ideias, fatos que constituem os argumentos
que levam ao convencimento ou conclusão de (algo ou alguém).
4Rubrica: literatura, estilísticano desenvolvimento do discurso, corresponde aos
recursos lógicos, como silogismos, paradoxos etc. geralmente acompanhados de
exemplos, que induzem à aceitação de uma tese e à conclusão geral e final. Comentado [n20]: Arte/diagramação: se possível, reproduzir
/diagramar como verbete Houaiss versão eletrônica. As alterações
feitas correspondem à “diagramação” mais próxima do original.
Os sentidos com que o termo argumentação está sendo empregado nesta obra
não se afastam muito das acepções acima. Vamos definir a argumentação como uma
troca de ideias que o sujeito utiliza para defender um ponto de vista, com argumentos
fundamentados e/ou com fins manipulatórios.
Neste capítulo, conheceremos mais sobre a argumentação e veremos como essa
dimensão da linguagem se apresenta nos processos referenciais. Nosso objetivo, então,
é mostrar, principalmente, porém não exclusivamente, a argumentatividade dos
processos referenciais, trazendo à nossa discussão alguns exemplos de argumentação
17
Parte do conteúdo deste capítulo contou com a colaboração colega Lívia Mesquita, a quem expressamos
nosso agradecimento.
90
(43)
(44)
Polônia inaugura maior estátua de Jesus Cristo no mundo (21/11/2010)
Todas essas afirmações que fazemos no nosso dia a dia, muitas vezes sem
grandes propósitos estratégicos, ou sem planos mirabolantes, exprimem as relações que
estabelecemos entre as palavras e o mundo, que só se torna mundo quando o colocamos
no discurso. Assim, quando a filha se dirige ao pai como “paizão”, ela está se
colocando, no discurso, como alguém que tenta convencer o pai. O simples fato de
utilizar essa expressão já demonstra as intenções da filha de fazer com que o pai
empreste o carro, ou seja, a filha está tentando manipular o pai para conseguir o seu
objetivo.
Vejamos, a título de ilustração, a notícia a seguir:
(45)
Católicos irlandeses encontram um pouco de conforto nas desculpas do Papa
Católicos irlandeses que assistiram às missas nas igrejas do país nesta manhã de
domingo receberam com resignação a carta do Papa Bento XVI com desculpas pelos
abusos de padres, esperando que ela permita virar a página de um passado
traumatizante.
93
A notícia trata de uma carta do Papa da Igreja Católica, em que o pontífice pede
desculpas pelos inúmeros casos de pedofilia dentro daquela instituição. A maioria dos
meios de comunicação ressaltou a decepção com o conteúdo da carta do Papa,
enquanto, na notícia acima, o redator preferiu ser-lhe simpático, mas sem manifestar-lhe
simpatia declarada, numa tentativa um pouco forçada de isenção. Algumas pistas nos
levam a essa interpretação: ao dizer que os católicos irlandeses encontraram um pouco
de conforto nas desculpas do Papa, o redator eximiu-se de falar da decepção, e, no lugar
disso, usou a expressão referencial “resignação”. Chamou à notícia o depoimento de
umpadre, de umpontífice, de umsacerdote, mas não dos fiéis, que foram apresentados
como seres passivos, que assistiram às missas, esperando, ouvindo. É a seleção dessas
palavras, desse jeito de dizer que vai se costurando no desenrolar do texto, que define
uma orientação argumentativa (DUCROT, 1987).
Então, se nos déssemos a tarefa de mudar essa orientação, como poderia ficar a
notícia? Vejamos a seguinte possibilidade de manipular a língua com o simples
conhecimento dos efeitos das expressões referenciais para mudar a orientação
argumentativa do texto/discurso:
(46)
*Católicos irlandeses encontram pouco conforto nas desculpas do Papa
Católicos irlandeses que assistiram às missas nas igrejas do país nesta manhã de
domingo reagiram com decepção à carta do Papa Bento XVI com pálidas desculpas
pelos abusos de padres, pois reivindicavam que ela permitisse virar a página de um
passado revoltante.
Na igreja de Nossa Senhora do Rosário de Harold’s Cross, no sul de Dublin, fiéis,
a quem a Igreja deve a garantia de punição aos culpados, acompanhados dos filhos
jovens, ouviram o padre Gerry Kane falar sobre a carta, na qual o “Santo Padre”
expressa “vergonha” e “remorso” com os atos de pedofilia cometidos por religiosos
94
irlandeses das altas e baixas hierarquias da Igreja, mas sem entrar em detalhes, para
não chocar as crianças que foram sexualmente abusadas por essa escória.
“Há muito sofrimento entre essas pessoas”, disse o sacerdote à AFP, logo que
terminou a missa. [...]
(47)
18
A polifonia será abordada aqui em sua vertente mais caracteristicamente discursiva, conforme se vê com
mais frequência nos trabalhos da Análise do Discurso Francesa. Na Teoria da Argumentação na Língua
(TAL), a noção de polifonia ganha contornos diferentes do que aqui será esboçado.
96
(48)
(49)
Colar as respostas na prova da escola é feio. É exatamente disso que o Google
acusa o sistema de buscas Bing, da Microsoft. O Google afirma que o concorrente
instalou um robô para espionar os resultados de suas buscas e copiar as respostas, de
modo a melhorar a precisão das pesquisas no Bing. [...]
Por enquanto, o Google não tem como provar sua acusação. Mesmo que
pudesse, uma eventual “cola” do Bing não poderia ser considerada ilegal na internet –
embora possa ser julgada como antiética.
(Época, 7 fev. 2011, p. 59.)
As aspas, aliás, são um recurso eficaz de polifonia, com funções diversas, como
atesta Jaqueline Authier-Revuz (1992). O simples ato de pôr entre aspas uma palavra
desencadeia estratégias polifônicas e referenciais diversas. A escolha das formas de
manifestação da anáfora também é muito importante na progressão da argumentação em
um texto, na medida em que pode oferecer uma pista para a avaliação daquilo que está
sendo objeto de referência.
Vale salientar, contudo, que uma palavra pode ser polifônica mesmo quando não
vier aspeada, como em (50):
(50)
fazer nada, só torcer, como sempre fez. E ele não fez mais do que acompanhar seu
time nos tempos de vitórias e nos tempos – bem mais frequentes – de derrotas.
(HOLDER, Felipe. Igual papai. In: LOUREIRO JÚNIOR, Eduardo (Org.). Acaba não, mundo e outras
do cronicadodia.com.br. Fortaleza: Pátio, 2011, p. 161-163.)
(Imagem disponível em: http://baudabya.blogspot.com/2011_08_01_archive.html. Acesso em: 4 abr.
2012.)
(51)
(52)
Nada é de graça!
Sabe quanto a Globo “paga” para associação de moradores do Morro Dona
Marta, cada vez que grava Viver a Vida? R$ 2.000! Mas o valor é doação, e não
cobrança.
(O Povo, 27/03/2010, p. 7.)
100
que respalda o ponto de vista da nota: o locutor não aceita a voz do enunciador que
defende a empresa.
Vemos, assim, que o simples ato de pôr entre aspas uma palavra desencadeia
estratégias polifônicas e referenciais diversas e que a escolha da forma de manifestação
da anáfora também é muito importante na progressão da argumentação em um texto, na
medida em que pode oferecer uma avaliação daquilo que está sendo objeto de
referência.
A quem enuncia, é facultada uma série de recursos para estabelecer a articulação
entre as vozes, necessária ao seu projeto de dizer. Entre estes, os processos referenciais
são bastante relevantes.
Apresentamos acima conceitos que podem ser trabalhados em sala de aula no
âmbito da referenciação e da argumentação. Essas duas áreas de estudo apresentam um
campo muito profícuo, sobretudo quando unidas. Os exemplos que analisamos, em
alguns gêneros, mostram as relações que se estabelecem na construção dos objetos de
discurso no texto e nas nuances do que é dito (e do que não é também!).
É importante frisar que consideramos a língua uma matéria primeiramente
argumentativa e que somente em ato o discurso constrói as suas argumentações. É a
atividade linguageira que nos diferencia como pessoas que tomam posições diferentes,
que argumentam, colocando-nos no mundo. Por isso, a argumentação está em todas as
esferas da comunicação.
Mostramos, neste capítulo, que as funções referenciais podem se apresentar
sobrepostas umas às outras, ou seja, o processo referencial pode assumir mais de uma
função. No capítulo 2, analisamos a estreita ligação entre processos de referenciação e
certos fenômenos de intertextualidade. Também vimos como uma expressão dêitica é
capaz de orientar a localização de um referente, levando à ativação de uma busca na
memória discursiva dos interlocutores. Por fim, mostramos como os dêiticos podem
instruir o interlocutor a localizar um referente, no espaço/tempo, que pode ser o do
próprio cotexto, além do espaço e/ou do tempo de quem enuncia.
Além dessas funções, muitas das quais atreladas à própria definição dos
processos anafóricos e dêiticos, outras funções discursivas podem ser identificadas,
dentre elas a de organizar a tessitura textual, articulando (sub)tópicos.
Articulação de (sub)tópicos
102
Como dissemos em outros pontos deste livro, o tópico é tomado aqui como o
tema de um texto, ou seja, o assunto que permitirá estabelecer uma unidade de coerência
textual, uma vez que em torno deste centro girarão todos os demais subtópicos, ou
subtemas.
Façamos uma análise do texto a seguir.
(53)
Beijo na boca
Uma vez a atriz e cineasta Carla
Camuratti declarou, numa entrevista,
que um bom beijo é melhor do que
uma transa insossa. Quando a escutei
dizendo isso, pensei: então, não sou só
eu; estou com Carla: o beijo é a parte
mais importante da relação física entre
duas pessoas, e, se ele não funcionar,
pode desistir do resto.
[...] Todo mundo sonha com
aquele beijo made in Hollywood, que
tira o fôlego e dá início a um romance
incandescente. Pena que nem sempre isso aconteça na vida real. O primeiro beijo
entre um casal costuma ser suave, investigativo, decente. E, aos pouquinhos, no
entanto, acende-se a labareda e as bocas dizem a que vieram. Existe um prazo para
isso acontecer: entre cinco minutos depois do primeiro roçar de lábios até, no máximo,
cinco dias. Neste espaço de tempo, ainda se compreende que os beijos sejam
vacilantes: trata-se de duas pessoas criando um vínculo e testando suas reações. Mas,
se a decência persistir, não espere ver estrelinhas na etapa seguinte. A química não
aconteceu.
Beijo é maravilhoso porque você interage com o corpo do outro sem deixar
vestígios, é um mergulho no escuro, uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de
compartilhar intimidades, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas em
silêncio. Beijo é gostoso porque não cansa, não engravida, não transmite o HIV. Beijo é
prático porque não precisa tirar a roupa, não precisa sair da festa, não precisa ligar no
dia seguinte. E sem essa de que beijo é insalubre porque se troca até 9 miligramas de
água, 0,7 grama de albumina, 0,18 de substâncias orgânicas, 0,711 miligrama de
matérias gordurosas e 0,45 miligrama de sais, sem contar os vírus e as bactérias. Quem
está preocupado com isso? Insalubre é não amar, é não beijar.
(MEDEIROS, Martha. Disponível em http://www.artedavida.net/beijo-na-boca-martha-
medeiros/. Acesso em 4 abr. 2012.)
(Imagem disponível em: http://malluzinhaaa.blogspot.com/2011_04_13_archive.html. Acesso
em 4 abr. 2012.)
Vemos neste exemplo que o tema, o tópico central, é o beijo na boca (nem
sempre o tópico central está expresso no próprio título, como agora) e em torno dele
103
(54)
Lixo 15/10/2011 - 13h14
A descoberta de que os EUA enviam para o Brasil toneladas de lixo hospitalar é
de arrepiar e de matar qualquer um de vergonha.
De arrepiar pelo simples e óbvio fato de que lixo hospitalar é uma ameaça à
saúde de centenas ou até milhares de pessoas – como sempre, as mais vulneráveis e
desamparadas. Um crime.
De matar de vergonha porque é o império despejando lixo num país emergente
que vive cantando de galo no terreiro internacional. São os EUA tratando o Brasil como
uma republiqueta de bananas – e de inescrupulosos e venais.
104
Neste exemplo, temos como tópico central o “lixo hospitalar enviado ao Brasil”.
A partir dele podemos identificar a argumentação, traçada pelo autor do texto, em dois
subtópicos principais: crime e vergonha. Esses dois subtópicos, representados por essas
duas expressões referenciais, estão, em termos de organicidade, subordinados ao tópico
central. Por sua vez, os subtópicos “crime” e “vergonha” estão numa relação paralela
entre si, como se pode representar numa simplificação do quadro tópico:
Crime Vergonha
(55)
Loiras
O psiquiatra pergunta pra loira:
— Costuma escutar vozes sem saber quem está falando ou de onde vêm?
— Sim... Costumo!
— E quando isso acontece?
— Quando atendo o telefone!
(Disponível em: http://br.haha-haha.com/joke-51334.shtml. Acesso em: 4 abr. 2012.)
(56)
O que acontece no meio
(Martha Medeiros)
No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do banco, mas a
que nos revela a nós mesmos
106
Desambiguação de referentes
Esta função já não é tão fundamental para a coerência global do texto quanto a
de organização tópica. Utilizar uma expressão referencial que desambiguize um dado
trecho resolve, geralmente, um problema de coerência local. Como demonstra Ciulla e
Silva (2008), isso ocorre quando uma expressão anafórica é escolhida para evitar a
possibilidade de escolha de dois candidatos a antecedente, comprometendo, assim, a
clareza do segmento textual e, por vezes até, a constituição da própria unidade de
coerência. Analisemos este exemplo:
(57)
Para os pais, falar sobre sexo com seus filhos muitas vezes é complicado, mas
cabe a eles iniciar esse diálogo mostrando os riscos que eles correm e como podem se
prevenir.
(Excerto de um texto produzido por aluno pré-universitário.)
(58)
O português odiava o gato da esposa e resolve dar um fim no coitado.
Coloca o bichinho dentro de um saco, joga no porta-malas do carro e o
abandona a 20 quadras de sua casa.
Quando retorna, lá está o gato em frente ao portão. Nervoso, o português
repete a operação e abandona o bichinho a 40 quadras de sua casa.
Quando retorna, novamente encontra o gato em frente ao portão.
Mais nervoso ainda, pega o gato e anda 10 quadras para a direita, 20 para a
esquerda, 30 para baixo e diz:
— Agora quero ver!
Cinco minutos depois liga para a esposa:
— Maria, o gato está por aí?
— Ele está chegando. Por quê?
— Põe o *...... no telefone, que eu estou perdido!
(Disponível em: http://www.piadasweb.com/Matando-o-gato-da-maria.html.
Acesso em: 4 abr. 2012.)
(59)
Amores não têm passado
Não se fale de amores passados.
Amores não têm passado.
Um amor que se diz pretérito
Já não é mais amor.
O amor necessita do tempo presente
E de estar presente.
Porque o amor é exigente.
O amor é egoísta.
O amor é impaciente.
Note-se que o referente amor vai se recategorizando, aos poucos, desde o início
do poema, quando, ao mencionar “amores passados”, o eu lírico alerta: “Amores não
têm passado”. O grau de generalização da expressão repetida “amores” é bem maior,
portanto não se trata mais do mesmo referente. O mesmo se dá nos dois versos
seguintes. Logo depois, a repetição da expressão referencial “o amor” engendra um
processo intertextual de alusão à epístola de São Paulo aos Coríntios, que reproduzimos
abaixo, para favorecer a recuperação dos referentes aludidos:
(60)
Capítulo 13
1. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria
como o metal que soa ou como o sino que tine.
2. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e
não tivesse amor, nada seria.
3. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que
entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me
aproveitaria.
4. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com
leviandade, não se ensoberbece.
5. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não
suspeita mal.
6. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade.
7. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8.O amor nunca falha; mas, havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas,
cessarão; havendo ciência, desaparecerá.
9. Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos.
10. Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como
menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
110
12. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face;
agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior
destes é o amor.
(Disponível em: http://www.di.ubi.pt/~jpaulo/biblia/1Corintios.htm. Acesso em: 4 abr. 2012.)
opinativa, uma vez que o recurso de manter dados em suspenso são muito eficientes na
preparação da tese a ser defendida, como no artigo de opinião a seguir.
(61)
Educação em áreas conflagradas
A ciência tomou corpo quando descobriu ser mais fácil entender o mundo
classificando o que se quer estudar. Aristóteles deu a partida. Muito depois, Lineu pôs
ordem na biologia, separando os bichos e as plantas (“Esse de seis perninhas vivia com
o outro, também com seis”). Assim agrupados, fica mais fácil estudá-los e encontrar-
lhes outros traços comuns. Para E. Junger, a razão encontra a sua suprema metáfora
na classificação das espécies da flora. Classificamos até em um campo desconjuntado
como a educação. Para entender os avanços e atoleiros do nosso ensino, proponho
repensar as classificações costumeiras. Consideremos as escolas como pertencendo a
três categorias. Há as escolas dos grotões, há as escolas das cidades médias e
pequenas e, finalmente, há as escolas conflagradas das periferias urbanas e favelas.
[...]
(CASTRO, Cláudio de Moura. Veja, 21/01/2009. Disponível em
http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/C_autores/castro_claudio_moura_educacao_areas_confla
gradas.htm. Acesso em: 4 abr. 2012.)
(62)
Um bêbado entra na igreja e vê o padre no altar falando para os fiéis, que
estavam todos de pé.
— O álcool é a desgraça do homem, todos aqueles que querem ficar livres dele,
sentem-se.
Todos os fiéis sentaram.
Então, o bêbado lá na porta grita para o padre:
— Só nós dois mesmo, né, padre?
(Disponível em: http://sorisomail.com/partilha/182910.html.Acesso em: 4 abr. 2012.)
Marcação da interdiscursividade
19
É importante saber que Authier-Revuz (1982) formula dois grandes tipos de heterogeneidade:
112
para estabelecer diferentes graus de mescla e separação das vozes entre narrador e
personagem nos discursos direto e indireto livre, como também para denunciar um
embate de vozes, por vezes, assinalando diferentes discursos (CIULLA E SILVA,
2008). Sobre isso, observemos o exemplo a seguir.
(63)
No ônibus
ila do ônibus. Na frente, uma mulher gostosa, com roupa justíssima. O ônibus
chega e ela tenta subir, não deu, tava justo demais. Ela leva sua mão para trás e desce
o zíper, pra desapertar um pouco. Tenta subir de novo, mas ela não consegue. Ela leva
a mão pra trás, meio desajeitada, o zíper está fechado de novo. Desce novamente e
tenta subir. Não dá. Quando ela vai descer o zíper pela terceira vez, o cara que está
atrás dela a pega pela bunda, a levanta e coloca a moça no ônibus.
A mocinha vira pra trás, p#@* da vida e grita:
— Que intimidade é essa?
E ele:
— Depois que você abriu o zíper da minha calça duas vezes, pensei que não ia
se incomodar!
(Disponível em: http://www.piadasdodia.com.br/mostrapiada.asp?id_piada=1671. Acesso em:
4 abr. 2012.)
Sugestões de atividades
Atividade 1
Objetivo:reconhecer a participação dos referentes na construção de relações entre
tópicos e subtópicos.
Descrição
Leia o texto a seguir e faça o que se pede.
Saiba quais são os __________ mais praticados na Holanda!
b) Você deve ter percebido que o texto, em alguns trechos, não faz sentido. Isso ocorre
porque algumas palavras/expressões foram trocadas de posição. Sublinhe essas
palavras/expressões e indique qual a posição original delas no texto. Discuta com seus
colegas sobre as pistas que utilizou para reconhecer a posição correta de cada termo.
Atente para as seguintes recomendações:
• ao todo, foram trocados seis termos;
•os termos não necessariamente foram trocados em pares. Ou seja, não é
obrigatória a relação seguinte: o termo X foi trocado pelo termo Y e o termo Y foi
trocado pelo termo X;
• nas trocas, considerou-se a necessidade, em alguns casos, de fazer adaptações
de concordância (de gênero e de número).
Comentário
Nessa atividade, o foco é a relação entre referenciação e articulação tópica.
Espera-se que o aluno reconheça a expressão que materializa o referente responsável
pelo tópico central: “esportes (na Holanda)”. Além dessa interpretação, é preciso
perceber as “incoerências” do texto modificado, o que se dá pelo reconhecimento da
pertinência dos subtópicos. Uma vez que o texto trata de esportes na Holanda, os
subtópicos são organizados, primeiramente, para referir esportes bastante importantes,
como o futebol (praticado por meio de partidas) e a patinação (praticada em
maratonas). Depois, há uma descrição de outros esportes, e aqui temos novos
subtópicos: os esportes praticados em ambiente fechado (entre os quais se inclui o
basquete) e os praticados em ambiente aberto (entre os quais se inclui a natação). A
115
partir desse exercício, é possível perceber a relevância dos referentes para a construção
das relações hierárquicas entre tópicos.
As respostas da questão são as seguintes:
• no lugar de “a patinação”, deve ser “o futebol”;
• no lugar de “maratonas de patinação”, deve ser “partidas”;
• no lugar de “natação”, deve ser “a patinação”;
• no lugar de “partida”, deve ser “maratona de patinação”;
• no lugar de “futebol”, deve ser “basquete”;
• no lugar de “basquete”, deve ser “natação”.
Atividade 2
Objetivo:estabelecer efeitos de humor a partir do uso de estratégias de referenciação.
Descrição
Observe algumas definições de “trabalho” e “prisão”, segundo o Dicionário
Houaiss eletrônico.
Trabalho
1. Conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir
determinado fim. Exs.:trabalho manual; trabalho intelectual.
2. Atividade profissional regular, remunerada ou assalariada. Exs.:trabalho de tempo
integral; trabalho de meio expediente.
NA PRISÃO: Você passa a maior parte do seu tempo numa cela 10×10.
NO TRABALHO: Você passa a maior parte do seu tempo num cubículo de 8×8.
NA PRISÃO: Você gasta a maior parte do seu tempo atrás de barras querendo
sair.
NO TRABALHO: Você passa maior parte do seu tempo querendo sair e entrar
em bares.
(Disponível em:http://bobagento.com/as-10-maiores-diferencas-entre-a-prisao-e-o-trabalho/.
Acesso em: 29 set. 2011.)
Comentário
117
Atividade 3
Objetivo:reconhecer a importância das expressões recategorizadoras na construção
argumentativa do texto.
Descrição
Leia o texto a seguir:
Vai
Quer ir? Vai. Eu não vou segurar. Uma coisa que não dá certo é segurar uma
pessoa contra a vontade, apelar pro lado emocional. De um jeito ou de outro isso vira
contra a gente mais tarde: não fui porque você não deixou, ou: não fui porque você
chorou. Sabe, existem umas harmonias em que é bom a gente não mexer. Estraga a
música. Tem a hora dos violinos e tem a hora dos tambores.
Eu compreendo, compreendo perfeitamente. Olha, e até admito: você muda
pra melhor. Fora de brincadeira, acho mesmo. Eu sei das minhas limitações, pensei
muito nisso quando tava tentando te entender. É, é um defeito meu, considerar as
pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não tem jeito, eu sou assim. Paciência.
Sabe por que eu digo que você muda pra melhor? Ele faz tanta coisa melhor do
que eu! Verdade. Tanta coisa que eu não aprendi por falta de tempo, de oportunidade
– ora, pra que ficar me justificando? Não aprendi por falta de jeito, de talento, essa é
que é a verdade. Eu sei ver as qualidades de uma pessoa, mesmo quando é um homem
que vai roubar minha namorada. Roubar não: ganhar.
Compara. Ele dança muito bem, até chama a atenção. Campeão de natação,
anda de bicicleta como um acrobata de circo, é bom de moto, sabe atirar, é fera no
volante, caça e acha, monta a cavalo, mete o braço, pesca, veleja, mergulha... Não tem
companhia melhor.
Eu danço mal, você sabe. Não consegui ultrapassar aquela fronteira larga entre
a timidez e ousadia, entre a discrição e o exibicionismo, que separa o mau e o bom
bailarino. Nunca fui muito além daquela fase em que uma amiga compadecida
precisava sussurrar no meu ouvido: dois pra lá, dois pra cá.
Atravessar uma piscina, eu atravesso, uma vez, duas talvez, mas três? Menino
de cidade, e modesto, não tive córrego nem piscina. É com olhos invejosos que eu o
vejo na água, afiado como se tivesse escamas.
Moto? Meu Deus, quem sou eu, pra ser bom nisso é preciso ter aquele ar de
quem vai passar roncando na frente ou por cima de todo mundo – e esse ar ele tem.
118
Montar? É preciso ter essa certeza, que ele tem, de que cavalo foi feito pra ser
domado, arreado, freado, ferrado e montado. Eu não tenho. Não tá em mim. Eu ia
montar como se pedisse desculpas ao cavalo pelo incômodo, e isso não dá, não pode
dar um bom cavaleiro.
O jeito como ele dirige um carro é humilhante. Já viajei com ele, encolhido e
maravilhado. Você conhece o jeitão, essa coisa de velocidade. Não vou ter nunca
aquela noção de tempo, a decisão, o domínio que ele tem. Cada um na sua. Eu troquei
a volúpia de chegar rapidinho pelo prazer de estar a caminho. No amor também.
Caçar... Dar um tiro num bicho... Ele tem isso, a certeza de que o homem é o
senhor do universo, tudo tá aí pra ele. Quem me dera. Quando penso naquela pelota
quente de aço entrando no corpo do bicho, rasgando carne, quebrando ossos... Não,
não tenho coragem.
Aí é que tou perdido mesmo, no capítulo da coragem. Ele faz e acontece, já vi.
Mas eu? Quantas vezes já levei desaforo pra casa. Levei e levo. Se um cachorro late pra
mim na rua, vou lá e mordo ele? Eu não. Mudo de calçada.
Outra coisa: ele é mais engraçado do que eu. Fala mais alto, ri mais à vontade,
às vezes chama até um pouco a atenção mas... é da idade. Lembra aquela vez que ele
levou um urubu e soltou na igreja no casamento do Carlinhos? E aquela vez que ele
sujou de cocô de cachorro as maçanetas dos carros estacionados na porta da boate?
Lembra que sucesso? Os jornais falaram por dias naquilo. Não consigo ser engraçado
assim. Não tá em mim. Por isso que eu não tenho mágoa. Ele é muito mais divertido. E
mais bonito também.
Vai.
Olha, não quero dizer que o que eu vou falar agora tenha importância pra você,
que possa ter influído na sua decisão, mas ele tem mais dinheiro também, você sabe.
Ele tem até, sabe?,aquele ar corajoso dos ricos, aquela confiança de entrar nos
lugares. Eu não. Muito cristal me intimida. Os meus lugares são uns escondidos onde o
garçom é amigo, o dono me confessa segredos, o cozinheiro acena lá do quadradinho
e me reserva o melhor naco. É mais caloroso, mas não compensa o brilho, de jeito
nenhum.
Ele é moderno, decidido. Num restaurante não te oferece primeiro a cadeira,
não observa se você tá servida, não oferece mais vinho. Combina, não é?,com um tipo
de feminismo. A mulher que se sente, peça o que quiser, sirva-se, chame o garçom
quando precisar. Também não procura saber se você tá satisfeita. Eu sei que é assim
que se usa agora. Até no amor. Já eu sou meio antigo, ultrapassado, gosto de umas
cortesias.
Também não vou dizer que ele é melhor do que eu em tudo. Isso não. Eu sei
por exemplo uns poemas de cor. Li alguns livros, sei fazer papagaio de papel, posso
cozinhar uns dois ou três pratos com categoria, tenho certa paciência pra ouvir, sei
uma ótima massagem pra dor nas costas, mastigo de boca fechada, levo jeito com
crianças, conheço umas orquídeas, tenho facilidade pra descobrir onde colocar umas
carícias, minhas camisas são lindas, sei umas coisas de cinema, não bato em mulher.
E não sou rancoroso. Leva a chave para caso de querer voltar.
(ÂNGELO, Ivan. O ladrão de sonhos e outras histórias. São Paulo: Ática, 1994, p.12-14.)
Na crônica lida, o locutor apresenta vários motivos (com os quais diz concordar)
que a companheira tem para preferir o adversário a ele. Contudo, essa explanação de
119
Trechos em que as qualidades do locutor devem ser explicitamente ressaltadas (o primeiro já está feito)
“Eu sei das minhas limitações, pensei muito nisso quando tava tentando te entender”.
Reformulação: “Eu sei das minhas qualidades, pensei muito nisso quando tava
tentando te entender”.
“É, é um defeito meu, considerar as pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não
tem jeito, eu sou assim. Paciência”.
“Quando penso naquela pelota quente de aço entrando no corpo do bicho, rasgando
carne, quebrando ossos... Não, não tenho coragem”.
“é preciso ter aquele ar de quem vai passar roncando na frente ou por cima de todo
mundo”.
Reformulação: “é preciso ter a arrogância típica de quem vai passar roncando na frente
ou por cima de todo mundo”.
“É preciso ter essa certeza, que ele tem, de que cavalo foi feito pra ser domado,
arreado, freado, ferrado e montado”.
120
“E aquela vez que ele sujou de cocô de cachorro as maçanetas dos carros
estacionados na porta da boate? Lembra que sucesso?”.
Comentário
Com essa atividade, o aluno exercitará sua habilidade em promover mudanças
no texto de acordo com uma orientação argumentativa diferente da proposta pelo texto
original. Dessa forma, investe-se na noção de que a argumentação não resulta apenas de
decisões sobre amacro-organização do texto (que, dizem respeito, por exemplo, à
eleição de uma tese e seus argumentos). As escolhas “miúdas”, referentes às expressões
linguísticas, também são fundamentais e, em alguns casos, até mais “eficientes” para a
organização retórica.
Atividade 4
Objetivo:levar o aluno a identificar os indícios cotextuais que possam ancorar o
reconhecimento de um referente não claramente nomeado.
Descrição
Leia, a seguir, o início da crônica “Ela”, de Luis Fernando Verissimo:
Ainda me lembro do dia em que ela chegou lá em casa. Tão pequenininha! Foi
uma festa. Botamos ela num quartinho dos fundos. Nosso filho – naquele tempo só
tinha o mais velho – ficou maravilhado com ela. Era um custo tirá-lo da frente dela
para ir dormir.
Combinamos que ele só poderia ir para o quarto dos fundos depois de fazer
todas as lições.
— Certo, certo.
Eu não ligava muito para ela. [...]
121
a) Ao ler este trecho, não podemos informar precisamente quem chegou, mas o
narrador nos dá algumas pistas. Responda: com base nas pistas do texto, o que nos
autoriza a dizer de que se trata o referente de ela?
b) Discuta as respostas com seus colegas e tentem justificar por que alguns
referentes que eles atribuíram a ela não seriam autorizados pelo texto.
c) Qual é o sentido que a repetição dessa palavra traz para o texto?
d) Em sua opinião, qual seria o motivo das mudanças ocorridas no cotidiano
desta família?
e) Dê continuidade à narrativa dessa crônica, de acordo com o referente que
escolheu para corresponder a ela.
Comentário
Com tarefas assim, duas habilidades estão sendo desenvolvidas ao mesmo
tempo: a de compreensão e a de produção textual. Em ambassedeverá relacionar a
expressão referencial ela a várias âncoras que respaldem a identificação do referente
introduzido sob a forma pronominal. Na atividade de escrita, porém, compete ao aluno
manter o suspense criado pelo enunciador quando, propositadamente, não nomeou o
referente com uma expressão plena.
Atividade 5
Objetivo: reconhecer efeitos de polifonia no gênero notícia.
Descrição
Leia o texto a seguir e responda ao que se pede.
Delegacia de Furtos e Roubos, onde está preso com sete bandidos, acusados de assalto
a mão armada.
O pedreiro ganhava R$ 50 por semana. Estava reformando uma residência e
quando acabasse o serviço ficaria desempregado. Ele contou que naquele dia havia
recebido o salário e, ao sair do emprego, foi tirar o título de eleitor. Passou cinco horas
na fila e ainda pagou R$ 12 de multa. Comprou sete bananas, para matar a fome
enquanto esperava. Comeu cinco e as outras duas levaria para a filha, de dois anos.
Com R$ 38 que sobraram, João caminhava para pegar um ônibus. Iria para casa,
no bairro do Alto Alegre, onde mora com a namorada, a filha, a mãe e cinco irmãos
menores de idade. Ele contou que no meio do caminho foi assaltado por dois homens
armados, que levaram todo o dinheiro.
Desesperado, entrou no mercadinho e, ao ver a quantia em cima do balcão,
não pensou duas vezes. “Como ia ficar sem o dinheiro da semana?”, pensou. E agiu
rápido, pegou o dinheiro e correu, quando foi abordado pela polícia. João negou que
tenha usado a banana como arma, mas a dona do mercadinho afirmou o contrário em
depoimento.
Com R$ 50 incertos que recebia, sustentava nove pessoas. Ele também fazia o
supletivo do primeiro grau. “Como vão ficar meus estudos?”, perguntou ao titular da
DRF, Paulo André Cavalcante.
Apesar da história que contou e da própria história de vida, João permanecerá
preso, até que a Justiça resolva o destino dele. “O fato é que ele roubou. Quem vai
decidir é a Justiça”, disse o delegado.
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/CE)
entrou, ontem, no caso, e vai pedir relaxamento de prisão. Se a decisão for favorável,
ele será solto. Caso contrário, a Comissão vai pedir liberdade provisória e o pedreiro
terá que responder a processo.
Para o delegado, ele pode ser solto rápido, já que a OAB entrou no caso. “Mas
rápido demora quanto?”, pergunta João ao delegado, chorando e com as mãos
algemadas.
(O Povo, 10 mai. 2002, p. 22.)
a) Ao ler apenas o título da notícia acima, alguém poderia pensar que o fato noticiado
seria diferente do que foi realmente relatado. Imagine uma outra possibilidade de fato
que pudesse ter esse mesmo título.
b) Normalmente uma notícia apresenta depoimentos de pessoas envolvidas direta ou
indiretamente no caso relatado. Qual seria a importância desses depoimentos?
c) Quando se quer mostrar a fala dessas pessoas exatamente como foram proferidas (o
que se chama de discurso direto), usa-se o travessão. Mas há uma outra maneira de se
mostrar o discurso direto sem se utilizar o travessão. Que outra maneira, bastante
utilizada na notícia e nos textos jornalísticos em geral, seria essa?
d) Considera-se que uma boa notícia deve ser imparcial, ou seja, não deve apresentar o
ponto de vista do jornalista a respeito do fato que está narrando ou a respeito dos
123
indivíduos que participam desse fato. Na notícia acima, embora o jornalista não deixe
completamente explícito o seu ponto de vista, a impressão que se tem é a de que ele fez
um texto que procura tomar partido em favor do pedreiro. Transcreva pelo menos duas
passagens do texto que possam justificar essa impressão.
Comentário
A abordagem do texto chama a atenção para dois tipos de polifonia: uma que
regular as vozes de outrem, relacionada aos discursos direto e indireto; e outra que dá
conta das duas “vozes” do enunciador. Ao mesmo tempo em que esse enunciador sabe
que a notícia não deve conter a opinião do seu produtor, ele deixa escapar o seu
posicionamento, nas muitas vezes em que apresenta o referente pedreiro João Paulo
como rapaz humilde, trabalhador, estudioso e injustiçado. Além disso, ele faz a
distinção entre João Paulo e os “sete bandidos, acusados de assalto àmão armada”, e
ainda questiona a versão dos acusadores do pedreiro, ao utilizar a expressão “suposta
‘arma’”. Vemos, portanto, o embate de duas vozes, que transitam entre a parcialidade e
a imparcialidade.
Essa abordagem pode ser enriquecida se o professor levar para os alunos a
discussão sobre a neutralidade do texto jornalístico. Com isso, ele contribui para a
formação do sujeito crítico, capaz de analisar as informações que recebe com cuidado, a
fim de identificar tentativas de manipulação.
124
Considerações finais
Em qualquer discussão sobre o redimensionamento da instituição escolar
(temática que ganha cada vez mais espaço num mundo que se modifica e se reconstrói
de forma espantosamente rápida), ganha destaque, sempre, o papel e a ação do
professor. Todos já conhecemos o discurso: não caberia mais, no quadro atual, o
professor transmissor de conhecimentos, aquele cuja função se limita a repassar os
conteúdos e verificar se os alunos foram suficientemente treinados para mostrar o
domínio desses conteúdos em avaliações. Mais que isso, o professor deve ser o agente
transformador, que, com sua experiência e planejamento, cria as situações de
aprendizagem, nas quais os aprendizes mobilizam conhecimentos com vistas ao
domínio de habilidades.
Esse novo perfil de professor exige do profissional o estudo constante. A sólida
formação teórica (claro que continuamente cotejada com a prática) é a chave que
“liberta”, que possibilita ao docente agir com autonomia. Falando especificamente da
área de língua portuguesa, não se trata de conhecer a teoria para despejá-la nas aulas,
como se, na educação básica, os estudantes precisassem dominar termos técnicos tais
comoanáfora,recategorização, encapsulamento etc. Interessa, contudo, compreender a
natureza funcional dos fenômenos da linguagem, para, a partir daí, munir o aluno de um
conhecimento ativo sobre as formas de dizer e compreender.
Intentamos, com este livro, mostrar uma das múltiplas possibilidades de
abordagem funcional da linguagem. O domínio das estratégias de referenciação – e,
quando falamos de domínio, estamos tratando da capacidade de mobilizar tais
estratégias para a ação de produzir e compreender textos – possibilita ao aluno ter em
suas mãos o poder para interagir e, com isso, ir em busca de conquistas pessoais e
coletivas. Cremos ter apresentado muitas possibilidades de integração entre a teoria e a
prática e, com isso, não apenas demos “receitas de exercícios”, mas, principalmente,
contribuímos para o fortalecimento do olhar crítico, capaz de questionar e mudar o
“jeito” da sala de aula, indo além das possibilidades (muitas vezes limitantes) dos
materiais didáticos disponíveis.
Além da contribuição teórica, pretendemos instigar os professores, para que
acreditem no seu papel transformador e possam fazer da sala de aula o local do
verdadeiro aprendizado, em que a curiosidade e o prazer sejam o mapaque guia a eterna
busca pelos sentidos.
125
Discurso –
O discurso é um modo de posicionamento ideológico sustentado por
determinado grupo social. Os discursos são constituídos, pois, de processos
socioculturais e não podem estar desvinculados de suas condições de produção. As
condições de produção não se restringem às circunstâncias da comunicação imediata
(enunciador, enunciatário, lugar e tempo em que se passa a enunciação), mas incluem
todo o contexto sócio-histórico, influenciado por posicionamentos ideológicos em
conflito.
Interdiscursividade–
Todo discurso é atravessado pela interdiscursividade, tem a propriedade de
estar em relação multiforme com outros discursos, de entrar no interdiscurso. O
“interdiscurso” é o conjunto das unidades discursivas com as quais um discurso
particular entra em relação implícita ou explícita. Esse interdiscurso pode dizer respeito
a unidades discursivas de dimensões muito variáveis: uma definição de dicionário, uma
estrofe de um poema, um romance, nenhum enunciado pode ser identificado de maneira
pontual, já que pertencer a relações interdiscursivas é constitutivo da linguagem.
Polifonia –
Em cada ato de fala, em cada texto, há um eco de muitas vozes, de muitos
dizeres, de outros discursos, afetando aquilo que é dito no momento de uma enunciação.
A interação viva entre dois sujeitos não é uma interação entre eles apenas, mas um
diálogo com suas histórias individuais, com as histórias dos grupos de que fazem parte,
com as histórias que permeiam a mente de cada indivíduo falante e que constituem o
patrimônio linguístico-cultural da coletividade. A essas outras vozes presentes na voz
que enuncia,que são assinaladas por algum tipo de marcação, dá-se o nome de
polifonia.
126
Gênero do discurso–
Os gêneros do discurso são padrões textuais socialmente reconhecidos e
convencionados, de que os sujeitos se utilizam para interagir de forma plena, como por
meio de requerimentos, entrevistas de emprego, palestras, notícias on-line, mensagens nas
redes sociais etc. Os gêneros se diversificam de acordo com a situação de comunicação
e com inúmeros fatores socioculturais, como as necessidades específicas solicitadas por
certas condições associadas à modalidade (oralidade ou escrita), o grau de formalismo, a
exigência de participação simultânea dos interlocutores, entre outros aspectos. Por isso é
que se diz que eles são oriundos das ações dos sujeitos e que são determinados,
portanto, pelas circunstâncias socioculturais a que os grupos humanos estão expostos.
Texto –
No momento atual da Linguística Textual, de forte tendência sociocognitivista,
uma conceituação adequada de texto implica qualquer uso da(s) linguagem(ns) com
vistas à realização de um determinado efeito no(s) interlocutor(es). Os textos são
sempre o resultado de um diálogo (real ou virtual) entre os sujeitos, que, sabedores da
“presença” do outro, formulam seus enunciados considerando que eles não suficientes
em si mesmos – sempre demandam a ação sociocognitiva dos parceiros.
Coerência –
Princípio maior da configuração textual. Diz respeito à unidade de sentido de um
texto. Durante certo tempo, alguns teóricos trabalharam considerando que haveria um
conjunto de fatores responsáveis pela construção da coerência. O entendimento mais
atual da questão diz que nem sempre a obediência a esses fatores é o elemento
fundamental para o reconhecimento da unidade de sentido. Há dinamismo quanto ao
conjunto de elementos que determinam a coerência textual. . Os sentidos de um texto
não são dados apenas pelo significado das palavras, mas se encontram na incessante
interação entre locutor-cotexto-interlocutor e conhecimentos partilhados de várias
naturezas Tudo depende, sempre, das particularidades de cada situação de interação.
Coesão –
127
A coesão diz respeito à articulação entre as ideais de um texto, por isso não pode
ser vista isoladamente da coerência. A articulação se refere à maneira como os fatos e
conceitos apresentados no texto se encadeiam e se organizam, ou seja, como se
relacionam uns com os outros. Portanto, para que um texto seja articulado, é preciso que
suas ideias tenham a ver umas com as outras; é preciso estabelecer tipos específicos de
relação entre elas. Para manter a articulação textual, é necessário, muitas vezes, utilizar
conectivos adequados, mas é possível também não usar conectivo algum, deixando
apenas implícita a relação de sentido que o conector explicitaria.
Intertextualidade –
Intertextualidade é o processo em que um texto remete a outro(s), de maneira
mais explicitamente marcada ou não. A manifestação desse diálogo entre textos forma o
que se chama de intertexto. Sendo sempre identificável por algum tipo de marca, a
intertextualidade pode ser verificada nas seguintes situações:
a) quando se insere parte de um texto em outro:
- ou por menção explícita, incluindo as conversões de um trecho para outro
modo de dizer; o exemplo mais prototípico é o das citações tipograficamente marcadas
e com indicação do autor;
- ou por indicação de pistas que se referem, indiretamente, a outros textos,
mesmo sem mencioná-lo.
b) quando um texto deriva outro tomando por base o texto-fonte:
- ou porque o transforma, operando-lhe modificações de forma e de conteúdo;
- ou porque o imita quanto ao estilo do autor, ou quanto ao gênero do discurso
em que o texto-fonte se enquadra.
Multimodalidade –
Característica dos textos cujos significados são realizados por meio de mais de
um código semiótico. O texto é multimodal sempre que, para a configuração dos
sentidos, houver o entrecruzamento de linguagens – verbal (oral e/ou escrita), visual,
sonora. Alguns teóricos consideram ser possível falar em multimodalidade, inclusive,
quando há apenas linguagem escrita, nos casos em que a tipologia da fonte das letras é
diferente do usual;por exemplo, se, num romance, o autor, para apresentar uma carta
128
escrita por um personagem, usar uma letra mais próxima da letra cursiva, pode-se
considerar tal estratégia como um recurso multimodal.
Argumentação –
Argumentar é levar o interlocutor a acreditar em algo que se está defendendo.
Exige que a produção textual leve em conta as condições sociais nas quais a
argumentação estará inserida, por isso é um ato sociocognitivo complexo. O ato de
argumentar é essencialmente o de buscar convencer o outro, num processo em que a
validade das ideias defendidas é testada, ao passo que se tenta persuadir o interlocutor a
aceitar a tese proposta. Desse modo, a argumentação é uma estratégia de interação, por
estabelecer um contato intelectual entre um locutor, seu interlocutor e os ecos dos
discursos que circulam no meio social. O ato argumentativo leva o locutor a adaptar-se
a seus possíveis interlocutores. Adaptar-se também se refere a escolhas linguísticas e às
dimensões socioculturais do auditório.
Sociocognição –
Perspectiva de compreensão da teoria sobre a produção, armazenamento e
utilização do conhecimento que investe na inter-relação constitutiva dos processos
mentais com os aspectos socioculturais. No que interessa à referenciação, tem-se, por
um lado, que a elaboração de objetos de discurso é um procedimento discursivo-social,
pois não se dá alheia à situação de comunicação e ao contexto sócio-histórico mais
amplo; por outro lado, a atividade é também cognitiva, visto que a interação linguística
só ocorre porque os sujeitos são capazes de processar intelectivamente os textos que
produzem e compreendem. Trata-se, portanto, de um fenômeno inerentemente
sociocognitivo.
Memória discursiva –
A memória discursiva é um conjunto de representações que os interlocutores
constroem de si mesmos, dos temas, de conhecimentos socioculturais compartilhados,
de suas finalidades argumentativas quando interagem por meio de um texto. Todo texto
constrói um universo de representação que se impõe como uma memória partilhada,
alimentada pelo discurso, por afirmações ditas e implícitas, por percepções advindas do
contexto enunciativo e pelas inferências decorrentes de tudo isso. As sucessivas etapas
129
Metadiscurso–
O metadiscurso consiste de várias ocorrências textuais que guiam ou direcionam
os leitores para o modo como eles devem compreender, avaliar e responder ao conteúdo
informacional. Os locutores usam a linguagem para expressar um posicionamento e para
se reportarem a seus interlocutores, de modo a conquistar sua adesão, engajando-os. O
metadiscurso é, assim, um conjunto de estratégias pelas quais os locutores se projetam
no texto assinalando suas intenções comunicativas, posicionando-se tanto em relação ao
seu conteúdo quanto em relação ao seu leitor.
Tópico discursivo –
O tópico discursivo, ou textual, diz respeito a um tema central em torno do qual
giram subtemas dentro de um dado texto. O tópico está presente, portanto, em qualquer
texto, falado ou escrito, e se constitui a partir de enunciados criados pelos sujeitos
envolvidos na situação comunicativa por meio de um conjunto de informações, que vão
se mantendo e progredindo no texto. A identificação dos tópicos é indispensável para a
compreensão dos textos, pois eles condicionam a interpretação de cada bloco
subtemático.
Referente–
Entidades construídas a partir de representações mentais elaboradas pelos
sujeitos (durante as interações pela linguagem), sobre as quais recai a significação
substancial dos textos/discursos. Os referentes não equivalem a objetos do mundo
representados objetivamente, mas aos objetos de discurso que garantem a coerência
textual, os quais são “fabricados” a partir de um trabalho sociocognitivo de negociação
dos interlocutores. Podem ser construídos a partir do acionamento de expressões
referenciais, mas também se manifestam por outros meios, de modo que os fatores
materiais diferentes da linguagem verbal e os aspectos contextuais mais amplos também
têm papel fundamental nesse processo.
Expressão referencial
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Introdução referencial –
O processo de introdução referencial ocorre quando uma entidade for
considerada nova no texto e, portanto, não tiver sido engatilhada por nenhuma outra
entidade, atributo ou evento. A ação de introduzir um referente no texto pode não ter o
propósito apenas de colocar em cena uma entidade que passará por transformações, mas
também de marcar um ponto de vista. Os referentes não precisam necessariamente ser
introduzidos por expressões referenciais no cotexto. Qualquer pista verbal ou não verbal
pode levar o interlocutor a construir referentes novos no texto.
Anáfora –
A anáfora diz respeito à continuidade referencial, ou seja, à retomada de um
referente, quer seja o mesmo referente (num processo correferencial ou direto,
portanto), quer seja um referente diferente ao qual esteja associado de alguma maneira
(num processo não correferencial, ou indireto). Em outras palavras, a anáfora reativa um
referente, ou objeto de discurso, cuja interpretação é dependente de dados já
introduzidos no texto.
Anáfora encapsuladora –
Trata-se de um tipo de referência difusa, na qual uma expressão referencial
anafórica resume um conteúdo textual inteiro e os contextos com os quais esteja
relacionado. É muito comum o uso dos pronomes demonstrativos para encapsular
porções textuais, mas é também frequente o emprego de sintagmas nominais
resumidores, como “o assunto”, “esta pergunta”, “os fatos relatados” etc.
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Dêitico –
Os dêiticos são expressões referenciais que criam um vínculo entre o enunciado
e a situação enunciativa estabelecida pelos interlocutores no momento da interação. Os
dêiticos são indicadores de ostensão, isto é, indicam os limites do objeto referido no
tempo e no espaço, tomando como base o posicionamento do falante no momento do
ato de linguagem. As expressões dêiticas só podem ser plenamente depreendidas se o
interlocutor souber algumas “coordenadas” do enunciador: quem fala, para quem fala,
de onde fala ou quando fala, como no enunciado “A nota foi divulgada, hoje, no Diário
Oficial da União”.
Recategorização–
A recategorização é um contínuo processo cognitivo-discursivo de
transformação dos referentes ao longo de um texto. As modificações por que passa o
objeto referido se revelam em variados índices cotextuais. A transformação não se dá
pontualmente, mas vai acontecendo à medida que as inúmeras pistas dadas por
expressões referenciais, ou não, ajudam o leitor a compor novos sentidos e novas
referências. Em todo texto, o enunciador constrói a referência com base numa
interpretação do mundo real, recategorizando a informação precedente ao acrescentar
novas predicações, disponíveis, em diferentes medidas, no conhecimento das pessoas, à
medida que transcorre a interação. Por esse aporte de informação nova, o enunciador
conduz o destinatário (que coparticipa dessa construção, sendo, por isso, um
coenunciador) a uma reinterpretação ou refocalização do elemento referido. Pelas
estratégias de recategorização, a imagem do referente que o coenunciador constrói em
sua memória vai evoluindo à medida que se desenvolve o discurso.
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Sugestões de leitura
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2003.
O livro apresenta uma introdução aos principais conceitos da Linguística
Textual: concepções de linguagem, texto e contexto; sociocognição; gêneros do
discurso; referenciação e tópico discursivo; articuladores do discurso.
Referências
CONTE, M-E. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of Linguistics,n. 10, 1996, p. 1-10.Tradução
KOCH, Ingedore G. V. A coesão textual. 11. ed. São Paulo: Contexto, 1999.
KOCH, I. G. V.; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2006.
Exs. 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 31, 38. Natal na barca
TELLES, Lygia Fagundes. Natal na barca. In:____. Antes do baile verde. 9. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 135-141.
Ex. 44. Fígado sai intacto de acidente aéreo e salva vida de paciente
Disponível em http://noticias.br.msn.com/bem-bizarro/?Page=1. Acesso em: 27 mar.
2011.
Ex. 45. Polônia inaugura maior estátua de Jesus Cristo no mundo (21/11/2010)
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/833949-polonia-inaugura-maior-
estatua-de-jesus-cristo-no-mundo.shtm. Acesso em: 27 mar. 2011.
Exs. 46, 47. Católicos irlandeses encontram um pouco de conforto nas desculpas do
Papa
Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1538789-5598,00.html.
Acesso em: 4 abr. 2012.