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Resumo
As primeiras décadas do século XIX em Pernambuco foram marcadas por uma sequência de
movimentos influenciados pelas ideias libertárias do Iluminismo e pelo contexto de desagregação dos
impérios coloniais no Novo Mundo. A junção do ideário radical francês com a herança histórica de uma
capitania que muitas vezes se confrontou com os poderes centrais resultou numa mistura explosiva.
Por outro lado, a presença arraigada da escravidão e dos interesses a ela ligados serviu como um
elemento de contrabalanço impedindo a concretização dos projetos de nação mais vanguardistas.
Percorremos aqui alguns dos momentos mais relevantes da história da capitania no tempo em que o
Estado nacional brasileiro começava a se formar. Destacamos alguns dos principais desdobramentos
da Revolução Pernambucana de 1817, dos movimentos políticos e militares imediatamente anteriores
à Independência e da Confederação do Equador, em 1824, a segunda insurgência republicana em
Pernambuco nas primeiras décadas do século XIX.
Resistência
Nesse momento, outro
participante de 1817 também
passou a ter destaque: Frei
“A Execução de Frei Caneca”, de Murillo la Greca. Reprodução Joaquim do Amor Divino Caneca.
Em 25 de dezembro de 1823 saiu
Figura 2. Frei Caneca foi líder e mártir da Confederação do Equador o primeiro número do seu jornal,
o Typhis Pernambucano. Seu
principal objetivo era formular
a escravidão, o comércio inclinando a balança para o Rio por escrito e publicamente
atlântico de escravizados e a de Janeiro. a resposta para a traição do
ordeira submissão das classes Mas as inclinações despó- juramento de D. Pedro com sua
populares. Temia-se um novo ticas do imperador não tarda- guinada absolutista e veicular
Haiti. O segundo foi o juramento ram em se manifestar. Em 12 de uma proposta de construção do
de Pedro de Alcântara como novembro de 1823, a Assem- Estado brasileiro pautada pela
defensor do Brasil e da ordem bleia Constituinte foi fechada e ordem constitucional.
constitucional e a convocação os parlamentares devolvidos às Após o fechamento
de uma Assembleia Constituinte suas províncias. A notícia teve da Constituinte, D. Pedro
brasileira. Em paralelo, as um grande impacto no Recife. encarregou um punhado
desordens estimuladas pelos O clima político já era de total de áulicos de elaborar uma
correligionários do jovem agitação. A junta que sucedera a Constituição. O texto produzido
príncipe no Recife surtiram efeito, Gervásio, denominada “Gover- previa um quarto poder, o
derrubando, em setembro de no dos Matutos” e liderada pelo Moderador, que dava ao
1822, a junta de Gervásio e senhor de engenho Francisco monarca atribuições muito mais
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amplas do que qualquer regime propôs a liderar um projeto visitou mais uma vez o inferno
verdadeiramente constitucional alternativo de nação brasileira. dos calabouços da tirania.
podia tolerar. O documento foi A 2 de julho, Paes de Andrade Formou-se uma Comissão
enviado às câmaras municipais proclamou a formação da Militar para realizar o julgamento
de todo o Brasil para ser Confederação do Equador, e mesmo sabendo que o jogo
aprovado e jurado. Reunidas em conclamando os brasileiros era de cartas marcadas, Caneca
conselho, as câmaras do Recife e a se unirem em torno de elaborou sua defesa, deixando o
de Olinda solicitaram o voto de um projeto republicano, registro da bestialidade de seus
Caneca. O carmelita atacou o constitucional e federativo, tal acusadores. A 26 de dezembro
quarto poder e a carta outorgada como fora implementado nos de 1824 foi proferida sua
por D. Pedro, classificando-os Estados Unidos. O governo sentença de morte. A execução,
como contrários às liberdades da Confederação do Equador entretanto, somente se deu no
cidadãs, à independência e aos convocou uma Assembleia dia 13 de janeiro de 1825. Nesse
direitos do Brasil. Constituinte e assumiu dia, foi levado em cortejo pelas
A resistência de provisoriamente a carta da ruas do Recife. Não havendo
Pernambuco e a manutenção Colômbia como lei geral. carrasco que se dispusesse
de Paes de Andrade como Entretanto, a decisão de abolir o a enforcá-lo, teve sua pena
presidente da província levaram tráfico de escravizados, custou a modificada para arcabuzamento.
o imperador a enviar duas Paes de Andrade a animosidade A narrativa da história
fragatas de guerra para o Recife de comerciantes negreiros e oficial brasileira negou a Frei
sob o comando do mercenário grandes proprietários rurais. Mais Caneca o reconhecimento no
inglês John Taylor. Apesar disso, uma vez as questões ligadas à panteão dos heróis nacionais,
Paes de Andrade foi mantido escravidão tiveram grande peso. escolhendo em seu lugar uma
como presidente da província. A 18 de agosto de 1824 figura inexpressiva para o papel
D. Pedro nomeou então José a frota imperial comandada de mártir da independência do
Carlos da Silva Ferrão Mayrink por Lord Cochrane retornou. Brasil. Mas a memória deste
como uma terceira via para Por terra atacaram forças notável pernambucano não se
dirimir o conflito, mas a solução comandadas por Francisco de extinguiu. Não conhecemos
foi rejeitada pelas lideranças Lima e Silva. A chegada das seu rosto real, mas seus escritos
pernambucanas. A tensão tropas imperiais desatou uma sobreviveram como testemunho
aumentava a cada dia e, diante encarniçada luta nas ruas do do arrojo de suas ideias.
da briga, brancos, negros e Recife e nos seus arredores. Várias das questões em
pardos também se mobilizavam Forçada pela situação, as tropas debate naqueles momentos
guiados por líderes radicais pernambucanas recuaram para críticos em Pernambuco entre
como o Major Emiliano Felipe o interior e o presidente Paes 1817 e 1824 continuam sem
Mundurucu. de Andrade buscou asilo numa resolução em nosso país até os
No dia 11 de junho embarcação inglesa. As tropas nossos dias, razão pela qual o
de 1824, D. Pedro enviou confederadas empreenderam estudo desses fatos é, mais do
proclamações para as províncias então uma marcha para o sertão que nunca, muito necessário.
do norte alertando sobre uma para se unir aos contingentes
possível invasão de tropas cearenses e manter a resistência.
portuguesas para recolonizar Enfrentando condições * George F. Cabral de Souza é doutor
o Brasil. As fragatas que duríssimas e renhidos combates, em História pela Universidade de
bloqueavam o porto do Recife acabaram se rendendo em 29 Salamanca, professor da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE),
foram convocadas de volta ao de novembro de 1824, contra
pesquisador do Conselho Nacional
Rio de Janeiro e zarparam para a opinião de Frei Caneca. de Desenvolvimento Científico e
o sul. Aos brasileiros do norte O carmelita jamais confiou Tecnológico (CNPq), sócio do Instituto
restou a sugestão do imperador: nas garantias dadas pelos Arqueológico, Histórico e Geográfico
fazer “terra arrasada” no litoral e repressores. Ele estava certo: Pernambucano, membro da Academia
buscar refúgio no interior. todas as promessas de clemência Pernambucana de Letras e sócio
Diante daquela situação, foram esquecidas e Caneca correspondente do Instituto Histórico
Pernambuco novamente se e Geográfico Brasileiro.
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Referências
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1822. São Paulo: Hucitec, 2006. Paulo: Editora 34, 2004. Podcast. Temporada Bicentenário da
3. Carvalho, Marcus. Cavalcantis e 5. Siqueira, Antônio Jorge de. Os Independência, episódio 4.
cavalgados: a formação das alianças padres e a Teologia da Ilustração. 9. https://norecreiopodcast.wordpress.
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