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Universidade Federal de São Paulo

Alicia Macena Moreira - Matrícula: 170990


Antropologia Visual

Fez escuro, mas não se fez o canto: Desvelando Narrativas na Obra de


Jaider Esbell através do Filme

Este trabalho buscou analisar a obra de Jaider Esbell no contexto do governo


Bolsonaro, tendo como instrumento principal narrativo o uso do filme, enquanto testemunha
silenciosa do manifesto militante indígena do renomado ativista e seu progressivo desgaste
ante a luta contra as estruturas colonialistas do governo vigente. Diante disso, buscou-se
compreender o lugar do suicídio de Jaider, entendido nesse trabalho não como um fenômeno
acidental e psicológico do indivíduo, mas enquanto remanescente cultural e manifesto de
resistência indígena.
Jaider Esbell originário da etnia Makuxi foi escritor, artista e produtor cultural,
expoente entre as causas indígenas, nascido em 1979 em Normandia (RR), localizado na
região da terra indígena Raposa Serra do Sol, emergindo como uma figura central nesse
cenário. Sua história é um testemunho de resiliência e resistência, imersa nas dinâmicas
complexas da luta indígena, Esbell não apenas carrega consigo as tradições de seu povo, mas
também as transmuta em uma forma de expressão artística que transcende o local, dialogando
com questões globais de injustiça e identidade. O ativista foi responsável pela realização do
Encontro de Todos os Povos, reunindo arte tradicional e contemporânea dos povos indígenas,
segundo comentado por ele mesmo "Muitos parentes começaram [na arte contemporânea]
bem antes de mim. Eu venho para organizar, juntar, potencializar isso”.
A 34ª Bienal de Arte de São Paulo, intitulada “Faz escuro, mas eu canto”, faz parte de
um verso de um poema de Thiago de Mello, poeta amazonense reconhecido como um ícone
da literatura regional brasileira, sobretudo durante o período da ditadura militar. O enunciado
busca trazer a ideia do texto para os dias atuais interrogando qual seria o “escuro” e o
“canto”, conforme Jaider contou em entrevista para a Veja São Paulo que o convite para
participação da Bienal chegou em forma de uma participação sua individual, onde rebateu o
convite oferecendo uma proposta coletiva, trazendo assim um panorama da arte indígena.
Para Esbell a Bienal foi uma forma de trazer a pluralidade às questões urgentes para o
movimento como identitárias, ambientais e territoriais. Ganhando notoriedade pela
intitulação como A Bienal dos Indígenas, através da estrutura do Pavilhão Ciccillo Matarazzo
que comportou um coletivo de obras de 9 artistas indígenas, juntamente com o Museu de Arte
Moderna (MAM) que recebeu a exposição por sua curadoria “Moquém_Surarî: arte indígena
contemporânea” reunindo trabalhos de artistas dos povos Baniwa, Guarani Mbya, Huni Kuin,
Krenak, Karipuna, Lakota, Makuxi, Marubo, Pataxó, Patamona, Taurepang, Tapirapé,
Tikmũ'ũn_Maxakali, Tukano, Wapichana, Xakriabá, Xirixana e Yanomami. Exibidos em
desenhos, pinturas, fotografias e esculturas que se referem às transformações visuais do
pensamento cosmológico e narrativo ameríndio. Jaider relatava que o Pavilhão da Bienal e o
MAM de certo modo eram a mesma coisa que o Planalto Central, uma forma de levantar
todas as vozes para o entendimento da pauta indígena, guiando para urgente tarefa de
descolonização, e evidenciando como o indígena sempre fez arte, Jaider buscava trazer o
entendimento da arte fora do conceito do homem branco. Seu ato de defender a arte indígena
Contemporânea (AIC), buscava evidenciar como a arte direcional foi feita para resguardar a
vida e nunca para entendê-la, trazendo a existência da ancestralidade, reescrevendo a história
como resistência, somente com a presença da pluralidade poderia colocar as questões
urgentes do movimento como objeção e rejeição a proposta do marco temporal.
Ao eleger o filme como lente para analisar a obra de Jaider Esbell, destacamos a
capacidade singular desse meio em narrar aspectos que escapam ao domínio narrativo da
prosa. O filme torna-se uma crônica visual, capturando elementos abstratos que, muitas
vezes, resistem à articulação verbal, o enquadramento vertical traz a facilidade que ele
proporcionou por meio das lives em seu Instagram, proporcionando o eco do canto indígena
para todas as etnias e também para os não-indígenas que o acompanhavam trazendo uma
acessibilidade gigantesca para a mostra que encontrávamos no parque Ibirapuera; é uma
busca pela materialização do intangível, uma tentativa de concretizar as nuances emocionais
e culturais imbuídas na obra de Esbell. A narrativa visual do filme que engloba sua militância
e vontade em tornar a Bienal um momento único de representatividade para os povos
originários torna-se um instrumento revelador, descortinando camadas de resistência, força,
nativismo e arte nos traços artísticos. Cada imagem, meticulosamente registrada, não é
apenas um instantâneo no tempo, mas um eco das histórias silenciadas, uma afirmação de
identidade que desafia os estigmas e estereótipos historicamente atribuídos aos povos
originários.
A análise do filme na obra de Jaider Esbell proporciona uma compreensão mais
profunda da riqueza cultural e da resiliência dos povos indígenas. Ao explorar os contornos
visuais, percebemos não apenas a estética singular, mas a profunda conexão entre a arte e a
resistência, entre a criatividade e a afirmação da identidade indígena no cenário
contemporâneo.
Jaider devolveu sua vida para a terra por meio do enforcamento que é uma
manifestação da morte de maneira voluntária em forma metáfora e manifesto, entregando seu
corpo de volta mãe terra, no dia que a cultura colonialista celebra o dia dos mortos
(02/11/2021), em mais um ato de militância indígena na constante busca de reflorestar o
imaginário, o período que destaca sua morte é repleto e reflexo de um governo combativo as
pautas defendidas por Jaider, local onde o representante da população brasileira declarou-se
como inimigo dos povos originários, dando como melhor solução para questão para os
problemas enfrentados pela população indígena era o “suicídio”, esse desgoverno que fazia
parte das suas constantes denúncias, sendo a cultura dos povos originários um contraponto ao
progresso imposto desde 1500 pelos colonizadores, Jaider chegou ao lugar que os brancos
consideram como destaque e foi engolido por esse mundo, “A escola é uma violência. As
igrejas neopentecostais são violentas, as Forças Armadas, as secretarias e os sistemas de
saúde também o são. Por fim, a maior violência talvez esteja disfarçada de partido e de
poder político” 1. Depois da sua partida a grande mídia ainda preferiu silenciar a forma da
causa de seu encanamento, enquanto suas obras subiram o valor de mercado, Denilson
Baniwa descreveu o estado de Jaider, já esgotado e consumido pelo mercado, que exigia dele
muita disponibilidade.
Ao questionar a Bienal de Arte de São Paulo à luz do olhar opositor de Bell Hooks e
da perspectiva crítica de Didi-Huberman sobre as imagens mobilizadoras, surge um ponto
crucial de reflexão sobre a verdadeira natureza desse evento cultural, a aparente celebração da
diversidade artística indígena na Bienal pode se revelar uma ambiguidade intrigante quando
confrontada com a trágica realidade do suicídio de Jaider, a Bienal, que deveria ser um
espaço de visibilidade e oportunidade para as vozes indígenas, é questionada em sua essência.
O evento, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma abertura para que as expressões
indígenas ecoem, é também analisado como uma armadilha, Bell Hooks nos leva a indagar se
essa celebração é genuína ou uma tentativa de assimilação da diversidade em um sistema
cultural predominantemente branco e ocidental. A narrativa visual de Jaider Esbell, capturada
através do filme e das imagens, torna-se um testemunho de resistência, mas também revela as
complexas dinâmicas em jogo. A dualidade entre a liberdade aparente de expressão indígena

1
Entrevista com Jaider Esbell, artista e ativista indígena: “Nós somos essencialmente guerreiros, Tantas-Folhas: Partenon
Cultural da Palavra, acesso em 26/11/2023
e as amarras do mercado artístico emerge como um ponto de tensão, especialmente quando
consideramos o desfecho trágico do suicídio de Esbell. Essa dualidade lança dúvidas sobre a
eficácia real da Bienal como um espaço que promove a autonomia e a genuína
representatividade dos artistas indígenas. Didi-Huberman nos convida a enxergar as imagens
não apenas como representações visuais, mas como agentes capazes de evocar emoções,
estimular reflexões e mobilizar ações. Ao aplicar esse olhar à Bienal, questionamos como as
imagens presentes neste evento, desde as obras de Jaider Esbell até às demais expressões
artísticas indígenas, atuam na construção de narrativas visuais que transcendem a superfície
estética. A obra de Jaider Esbell, especialmente quando demonstrada através de imagens em
movimento, como no filme que se torna uma crônica visual de sua militância, ganha uma
dimensão mais profunda, as imagens capturam não apenas a estética singular, mas também
uma profunda conexão entre a arte e a resistência indígena contemporânea, essas imagens não
são meramente instantâneas no tempo; são testemunhas visuais de uma manifestação de
resistência cultural.
O questionamento sobre o propósito essencial da Bienal de Arte de São Paulo se torna
inevitável, a análise crítica de Bell Hooks e Didi-Huberman levanta a questão: a Bienal é, de
fato, um espaço de celebração e liberdade para os artistas indígenas, ou é uma plataforma
que, de alguma forma, contribui para o desgaste emocional e para eventos tão trágicos como
o suicídio de Jaider Esbell? A obra de Esbell, comprovada à luz do governo Bolsonaro e do
olhar crítico de Bell Hooks, revela-se como um testemunho vigoroso da resistência indígena.
No entanto, uma questão persiste: até que ponto a Bienal representa uma verdadeira abertura
para a expressão indígena, e em que medida essa abertura é moldada pelas dinâmicas
mercadológicas que podem contribuir para o desgaste emocional e, em casos extremos, para
decisões trágicas? O questionamento sobre a verdadeira essência da Bienal ganha força ao
considerarmos as estruturas que permeiam esse evento cultural, a dualidade de oferecer
visibilidade enquanto ambientes ambientais submetem as manifestações indígenas às
demandas do mercado levantando inquietações sobre as desvantagens desse espaço, a Bienal,
que se propõe a ser um ambiente de diversidade, pode paradoxalmente contribuir para a
simplificação e apropriação da arte indígena, exacerbando o custo e contribuindo para a
percepção equivocada da natureza intrinsecamente coletiva da expressão cultural indígena.
Nesse contexto, a necessidade de uma compreensão mais profunda das estruturas
subjacentes da Bienal, da influência do mercado e do papel das imagens se intensifica, a
Bienal, ao mesmo tempo em que oferece visibilidade, parece carregar consigo uma falácia,
um paradoxo entre a aparente abertura cultural e as realidades menos evidentes que podem
contribuir para a vulnerabilidade dos artistas indígenas. Essa análise crítica não apenas
desvela as contradições presentes nesse espaço cultural, mas também enfatiza a urgência de
uma abordagem mais autêntica e respeitosa em relação às narrativas indígenas, que vão além
das demandas mercadológicas e das expectativas superficiais.
Assim, ao desvendar a narrativa visual de Jaider Esbell através do filme, somos
convidados a contemplar não apenas uma obra de arte, mas um testemunho vigoroso de uma
população que, apesar das adversidades, tece sua própria história, resistindo à assimilação
cultural e reafirmando sua existência no tecido diversificado da sociedade contemporânea,
que afirma sempre como os povos originários são essencialmente guerreiros. É uma ode à
resiliência, uma celebração da identidade indígena que ecoa para além das galerias,
alimentando a chama da compreensão e respeito pela riqueza da diversidade humana, sem
Jaider Esbell a bienal não teria sido o que foi, ele foi a reformulação de todo o conceito
inicial proposto para o artista indígena em 2021, afirmando sempre como os povos
originários são essencialmente guerreiros.

Bibliografia:

HOOKS, Bell. The Oppositional Gaze: Black Female Spectator. IN:Race and Representation
Boston: South End Press, 1992.
DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tocam o real. PÓS: Revista do Programa de Pós-
graduação em Artes da EBA/UFMG, Belo Horizonte, p. 206–219, 2012.
Nós somos essencialmente guerreiros, Tantas-Folhas: Partenon Cultural da Palavra,
disponível em https://tantasfolhas.com/entrevista/. Acesso em 26/11/2023.

Partida precoce: a arte, as exposições e a saudade de Jaider Esbell, Veja São Paulo, Por
Tatiane de Assis, disponível em
https://vejasp.abril.com.br/coluna/memoria/partida-precoce-a-arte-as-exposicoes-e-a-
saudade-de-jaider-esbell?
utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=eda_vejasp_audiencia_institucional
&gad_source=1&gclid=CjwKCAiA9ourBhAVEiwA3L5RFlKyGn7mRVP9CaOv8ZLosCvT
UfIsB2zVuCVgoEUZfvXVRThbX5c0KhoCcx4QAvD_BwE. Acesso em 26/11/2023.
Os territórios, sendo corpos, precisam ser livres para serem vivos, Brasil de Fato, disponivel
em https://www.brasildefators.com.br/2021/11/09/os-territorios-sendo-corpos-precisam-ser-
livres-para-serem-vivos. Acesso 26/11/2023.
A "armadilha psicodélica" de Jaider Esbell, João Pedro Soares, Made for Minds, disponível
em https://www.dw.com/pt-br/a-armadilha-psicod%C3%A9lica-de-jaider-esbell/a-59717656.
Acesso dia 26/11/2023.
Jaider Esbell, A Terra é Redonda, disponível em https://aterraeredonda.com.br/jaider-esbell/.
Acesso 26/11/2023.

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