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DA GR A MÁ T I CA F UN C I O N A L
1. Introdução
Já apontei em outra publicação (Neves, 1994) que é mu ito difícil u m estudo glob al
do que vem sendo chamado funcionalismo, especialmente porqu e as abordagens ditas
"fu ncionalistas" não são, em geral, identificáveis por rótulos teóricos, ligando- se,
várias delas, apenas aos nomes dos estudiosos que as desenvolveram. Apontei, ainda,
que, apesar dessas reconhecidas diferenças, admite- se a existência de u m denomi-
nador comu m qu e pode ser rastreado nas diferentes proposições existentes, de ta l
modo qu e é possível a caracterização básica do qu e seja u ma teoria fu ncionalista da
lingu agem. U m b om modo de sintetizar o pensamento básico das teorias funcionalistas
é lembrar Ma rtinet (1978), que aponta, como objeto da verdadeira lingüística, a
determinação do modo como as pessoas conseguem comunicar- se pela língua.
Qualquer abordagem funcionalista de u ma língua natural, na verdade, tem como
questão básica de interesse a verificação de como se obtém a comunicação com essa
língua, isto é, a verificação do modo como os usuários da língua se comu nica m
eficientemente. Todo o tratamento funcionalista de u ma língua natural põe sob exame,
pois, a competênciacomunicativa. Isso implica considerar as estruturas das expres-
sões lingüísticas como configurações de funções, sendo cada u ma das funções vista
como u m diferente modo de significação na oração.
Duas propostas sobre a determinação das "funções" da lingu agem são b astante
divulgadas e já há u m certo tempo pertencem ao domínio comu m dos estudiosos da
lingu agem.
A primeira é a de Karl Bühler, qu e os estudantes brasileiros aprenderam,
geralmente, através da leitura de Mattoso Câmara (1959), e a segunda é a de Roman
Jakobson (1969), qu e também está facilmente disponível aos estudantes brasileiros,
não apenas em tradução portuguesa feita no Brasil, mas ainda nu ma b em arranjada
exposição de E dwa rd Lopes (1976, p. 55-71).
Bühler indica três funções da lingu agem, qu e se apresentam hierarquizadas, nos
diferentes enunciados: a de representaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
(Darstellungsfunktion), a de exteriorização
psíquica {Kundgabefunktion) e a de apelo (Appellfunktion), sendo a função represen-
tativa a qu e caracteriza a lingu agem como atividade tipicamente hu mana. Cada
evento de fala constitu i u m drama, no qu al se reconhecem três elementos: u ma pessoa
(Sender) informa outra pessoa (Empfänger) de algo (Gegenstände und Sachverhalte),
e é nessa atividade que se manifestam as três funções, as quais não são mu tu a mente
exclusivas, mas coexistem no mesmo evento. "Comu nicar" não se põe como "função"
da lingu agem porque a capacidade qu e a lingu agem tem de funcionar comu nicativa-
mente é exatamente o qu e condiciona todo o complexo qu e constitu i o evento de fala.
Jakobson adiciona a essas três funções outras tantas, constitu indo u ma série de
seis funções da lingu agem, cada u ma delas mais diretamente ligada a u m dos fatores
intervenientes no ato de comunicação verbal:
Halliday (1970, 1973a, 1973b, 1977) faz u ma proposição de funções (ou, mais
precisamente, de "metafunções") da lingu agem. Para ele, a lingu agem serve, em
primeiro lugar, à expressão do conteúdo, isto é, tem u ma função "ideacional". Isso
corresponde ao qu e comu mente se denominazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
significado cognitivo, embora, para
Halliday, esse termo seja enganador, já qu e existe elemento cognitivo em todas as
funções lingüísticas. É por meio dessa função qu e o falante e o ou vinte organizam e
incorporam na língua sua experiência dos fenômenos do mu ndo real, o qu e inclu i sua
experiência dos fenômenos do mu ndo interno da própria consciência, ou seja, suas
reações, cognições, percepções, assim como seus atos lingüísticos de falar e de
entender. D entro dessa função ideacional da lingu agem reconhecem-se duas subfun-
ções, a "experiencial" e a "lógica".
Embora do ponto de vista da abordagem instru mental da lingu agem essas duas
funções pareçam suficientes, existe u ma terceira função, qu e é, por sua vez, ins tru -
mental para as outras duas. Trata-se da função "textu a l", qu e diz respeito à criação
do texto; por ela, a lingu agem contextu aliza as u nidades lingüísticas, fazendo-as
operar no cotexto e na situação: o discurso se torna possível porqu e o emissor pode
produzir u m texto, e o ou vinte ou leitor pode reconhecê-lo. As s im como a sentença
é u ma u nidade sintática, o texto é a u nidade operacional, e a função textu a l não se
limita simplesmente ao estabelecimento de relações entre as frases, referindo-se,
antes, à organização interna da frase, ao seu significado como mensagem, tanto em
si mesma como na sua relação com o contexto.
Diz Halliday (1973a) que, sendo interna à lingu agem, a função textu a l não é
comu mente levada em conta quando o objeto de investigação é extrínseco. Ela se
associa especificamente, entretanto, ao que se diz "fu ncional" nos trabalhos dos
Alfa, Sã o Pa u lo . 3 8 : 1 0 9 -1 2 7 , 1 9 9 4 113
5. A s d uas g rande s c o rre nt e s do p e n sam e n t o lingüíst ico: zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
funcionalismo e formalismo
Quadro 2
G ra má tica f o r m a l G ra má tica f u n c i o n a l
Orientação prima ria mente sintagmática Orientação prima ria mente paradigmática
Ênfase nos traços u niversais da língua (sintaxe Ênfase nas variações entre línguas diferentes
como base: organização em torno da frase) (semântica como base: organização
em torno do texto ou discu rso)
6. O f unc i o nal i sm o de M i c h ae l A . K . H al l i d ay
7. O f unc i o nal i sm o de Si m o n Di k
• da intenção do falante;
• da sua informação pragmática;
• da antecipação qu e ele faz da interpretação do ou vinte.
• da expressão lingüística;
• da sua informação pragmática;
• de sua conjetura sobre a intenção qu e o falante tenha tido.
Para D ik (op. cit., p. 16), u ma teoria de gramática pode falhar de dois diferentes
modos: ela pode ser fraca demais (concreta demais), de ta l modo qu e se torne incapaz
de produzir descrições adequadas de gramáticas de línguas particulares, ou ser forte
demais (abstrata demais), de tal modo qu e defina u ma classe de gramática qu e exceda
amplamente a classe das línguas humanas reais. Para evitar este último perigo, o
poder descritivo permitido pela teoria deve ser restringido ao máximo, e isso é ob tido,
na gramática funcional, de três maneiras:
Entidades 1 2 3
Papel semântico agente ob jeto receb edor
Constitu intes como (Pedro), [o livro) e (à menina), que são exigidos pela
semântica do predicado, são denominados argumentos, enquanto constitu intes como
[na rua), que apenas trazem informação suplementar, são denominados satélites.
U ma predicação pode, por ou tro lado, aparecer como especificação de u m ou tro
estado-de-coisas, isto é, como argu mento de ou tro predicado:
Pass {ver(João)(e)]
e = Pass Hentregar (Pedro) (o livro) (à menina)] (na rua)]
{
Pass [acreditar(João)(x)]
Xj = Pass [[entregar(Pedro)(o livro)(à menina)](na rua)]
DECL(xJ
Xj = Pass [[entrega(Pedro)(o livro)(à menina)](na rua)]
1 predicação nuclearzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(nuclearpredicaüorí): predicado e seus argu mentos;
2 predicação central (core predicauon) : predicação nuclear estendida pelos operado-
res de predicado e satélites de nível 1;
3. predicação estendida (extended predication): predicação central estendida pelos
operadores de predicação e satélites de nível 2.
8. Considerações f i nai s
• ABSTRACT: The paper presents a general view of what is called fu nctiona lis m in linguistics. The
formalist and the functionalist paradigms are compared, and the models proposed by C. S. Dik and by
M. A. K. Halhday for a functional grammar are especially examined.
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