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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3

SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.

A HIPOTAXE ADVERBIAL EM PORTUGUÊS: MATERIALIZAÇÕES E


FUNÇÕES TEXTUAL-DISCURSIVAS

Maria Beatriz Nascimento DECAT1

RESUMO: Neste trabalho pretendo discutir, por um lado, a forma em que se


materializam as orações adverbiais em português, levando em conta as proposições
relacionais que emergem da combinação desse tipo de oração no português, falado ou
escrito; e, por outro, as funções textual-discursivas a que elas servem na organização do
texto, atendendo a objetivos comunicativos do falante/escritor. Numa abordagem
funcionalista de orientação norte-americana, e entendendo a hipotaxe adverbial como
um fenômeno de articulação de cláusulas do tipo “núcleo-satélite”, em que a oração
hipotática adverbial é o satélite dessa relação, preconizo que seu estudo a partir das
proposições relacionais que emergem desse tipo de combinação poderá clarear uma
série de problemas, seja com relação à própria hipotaxe, seja com relação à
subordinação em geral. No que se refere às funções textual-discursivas, tendo em vista
que a combinação não se dá necessariamente entre cláusulas adjacentes, uma cláusula
adverbial pode estar relacionada com outra bem anterior no texto, ou se relacionar com
o discurso subseqüente, à maneira de “guias”; ou ainda poderá servir de “fundo”, de
“moldura” para uma informação contida no co-texto; e, às vezes, como “ponte de
transição”, em função anafórica e catafórica simultaneamente. Além dessas, a cláusula
adverbial poderá estar servindo a uma função tópica, como ponto de partida para a
estruturação da informação. Outras funções que também estão na base do uso das
orações adverbiais são a de avaliação, elaboração, contraste, dentre outras. Quanto à
forma em que se materializam as relações adverbiais, será discutida a questão da
presença ou ausência de uma marca que caracterize, ou explicite, a relação que se
estabelece entre as partes do enunciado. Dentro desse aspecto será também mostrada a
ocorrência isolada de cláusulas adverbiais, como enunciados sintaticamente
independentes e formando uma unidade informacional à parte, a que chamo,
metaforicamente, de estruturas “desgarradas”, por terem sua ocorrência formalmente
independente do enunciado que as antecede ou as segue.

PALAVRAS-CHAVE: hipotaxe adverbial; oração satélite; funções textual-discursivas.

Introdução

A trajetória dos estudos sobre a hipotaxe adverbial em português vem apontando

para a necessidade de se considerar — no uso que o falante faz desse mecanismo de

articulação de orações — a língua em seu real funcionamento, dentro de uma concepção

1
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Estudos
Lingüísticos. Endereço para correspondência: Rua Via Láctea, 94 – aptº 402, Bairro Santa Lúcia, CEP
30360-270, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. bdecat@uol.com.br

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de linguagem como atividade de interação e de língua como um conjunto de usos.

Assim é que, na análise aqui realizada, é levado em consideração o papel do usuário da

língua na organização de seu discurso, sua intenção comunicativa, atribuindo funções

textual-discursivas às escolhas que faz.

A partir de uma abordagem funcionalista de base norte-americana, serão aqui

discutidas não só a forma como se materializam as orações adverbiais em português

mas também algumas funções textual-discursivas mantidas por essas orações,

procurando incorporar a pragmática como um componente da gramática da língua, ao

lado da sintaxe e da semântica.

Será abordada, primeiramente, a caracterização sintático-semântica da hipotaxe

adverbial, considerando essa um mecanismo de articulação de orações do tipo núcleo-

satélite. Essa relação, discutida por Mann & Thompson (1983) e Mann & Thompson

(1988) como integrante da teoria da Estrutura Retórica do Texto (RST – Rhetorical

Structure Theory), evidencia o caráter de satélite assumido pela oração hipotática

adverbial. O exame dessa relação leva em conta as “proposições relacionais” que

emergem desse tipo de combinação, permitindo clarear problemas seja com relação à

própria hipotaxe, seja com relação à subordinação em geral, como apontaram

Matthiessen & Thompson (1988). Tendo como objetivo fundamental o estudo da

organização dos textos, ou seja, da maneira como o usuário da língua organiza seu texto

com vistas a estabelecer a coerência entre as partes que o compõem, a RST é uma teoria

funcionalista descritiva que considera as relações retóricas que se estabelecem entre as

partes do texto desde o nível da sua macroestrutura — isto é, o nível discursivo — até o

nível de sua microestrutura, ou da articulação de orações.

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Após essa caracterização, serão discutidos aspectos relacionados às funções

textual-discursivas assumidas pelas orações adverbiais e, posteriormente, à forma como

essas estruturas de hipotaxe se materializam em português.

As proposições relacionais e as orações adverbiais

De acordo com Mann & Thompson (1983), entende-se por “proposição

relacional” o significado que emerge da contigüidade de orações ou de seqüências

maiores de texto. Trata-se de uma relação implícita que constitui, por um lado, a

informação transmitida pelo texto (e construída pelo usuário da língua); e, por outro, é

um fenômeno de combinação, definido nas duas partes do texto, permitindo perceber a

relação entre essas partes, qualquer que seja a sua natureza. Assim, em (1)

(1) Leite com manga, morre!

emerge, entre as porções leite com manga e morre, uma proposição relacional de

condição, permitindo uma paráfrase como “Se alguém tomar leite com manga, morre.”

Em (1) não existem duas orações (pelo menos à maneira tradicional de se entender

‘oração’); mesmo assim, a relação de condição está presente entre as duas porções do

enunciado.

O enunciado acima serve para evidenciar que a proposição relacional não

emerge necessariamente entre duas orações, ou mesmo entre orações adjacentes, como

evidencia a ocorrência (2)

(2) no que eu escutei o barulho eu saí... fui até a sala acendi a luz... olhei... né?
a a cortina num tinha ninguém (NDO8F, 30, 1136-1139)

em que a oração destacada mantém uma relação temporal não somente com a oração

adjacente “eu saí” mas com todo o restante do enunciado. Outro fato a destacar — e que

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foi apontado por Mann & Thompson (1988) bem como por Taboada & Mann (2006) —

é que a proposição relacional prescinde de um sinal, uma marca específica que

comprove sua existência, por exemplo, um conectivo, como mostra (3) a seguir, em que

se pode detectar uma relação de tempo (‘quando acabei de estudar’):

(3) aí eu deitei... eh apaguei a luz... acabei de estudar apaguei a luz


(NDO8F, 30, 1144-1145)

A caracterização da proposição relacional será, portanto, muito mais funcional

do que formal, uma vez que ela decorre da competência do usuário da língua para fazer

fluir a informação pertinente ao momento de interação verbal. Conforme postularam

Mann & Thompson (1983), as proposições relacionais se distribuem em vários tipos de

relações, constituindo uma lista de vinte e cinco relações. Essa lista não é, no entanto,

fechada, uma vez que as relações retóricas permeiam todo o texto e, por isso, podem

caracterizar-se para além dessa lista.

Funções textual-discursivas da hipotaxe adverbial

Várias são as funções textual-discursivas que estão na base do uso das orações

adverbiais. Além de exibirem a relação semântica por meio das proposições relacionais

(por exemplo, de tempo, modo, causa/motivo, concessão, condição etc.), as orações

adverbiais exercem funções textual-discursivas que vão propiciar o entendimento da

intenção do usuário da língua ao fazer as combinações entre as orações para a

organização de seu texto.

Uma primeira função a ser destacada — e que pode ser considerada a mais geral

— é a função de fundo, ou ‘moldura’, exibida pela oração adverbial em relação às

partes com que se combina. Nessa função, ela é a informação necessária à compreensão

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do que é relatado no núcleo da relação núcleo-satélite, provendo, na maioria das vezes,

informações que localizam um evento/asserção circunstancialmente. Nos dados

examinados para este trabalho (do português brasileiro, oral e escrito; e do português

europeu escrito), a oração adverbial com função de fundo ocorreu, de modo geral, em

posição final, como exemplificado abaixo:

(4) Me lembro com clareza do caminho p/ o Pronto Socorro e de como eu gritei


ao ser costurado. (NE1M, 1,20-22)

(5) agradecemos a breve estadia e saímos a tecer comentários sobre os últimos


fatos assim que a tempestade passou. (NE6F, 1,23-25)

Mesmo quando emergia uma proposição relacional de natureza contrastiva — a

exemplo da concessão —, que deveria levar à anteposição, a ocorrência no final é usual,

como mostra (6),

(6) então eh eh...aí nós começamos a trabalhar formamos dois grupos [...]
embora a minha ambição no projeto inicial...era de fazer todo um
trabalho...das das áreas [...] que integrasse todas as disciplinas de
formação específica (NDO6F,6, 220-226)

tendo em vista sua função primeira de fornecer uma moldura para a informação que

precedia.

A oração adverbial muitas vezes constitui também uma forma de avaliação por

parte do usuário da língua sobre o que vem expresso na porção núcleo, em especial

quando vem em posição final em relação a esse núcleo, como pode ser visto em (7)

abaixo:

(7) Já estou mais bem-humorado, pode ficar tranqüila. E deixe de ser chata, pois
você escreveu apenas quatro palavras no último e-mail. EMBORA
ESTIVESSEM EM DESTAQUE!!!! (GF, e-mail de 13/01/08)

Essa função de avaliação serve à argumentação, sustentada pela relação de tese-

antítese que caracteriza uma estrutura concessiva.

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Uma outra função textual-discursiva frequentemente exibida pela oração

adverbial é a de guia para o interlocutor, função a que Chafe (1988) chamou de

guidepost. Orações que expressam a proposição relacional de tempo são comuns nessa

função (o que não quer dizer que não ocorram orações que materializam outras relações

adverbiais). Nesse caso, por serem ‘guias’, esse tipo de oração tende a ocorrer no início,

remetendo, assim, para o discurso subseqüente e delimitando a sua interpretação, como

em

(8) então quando eu fui falar eu já tinha... já tava empregado


(NDO3M,12,428-430)

Mesmo sendo ‘guia’ — ou por isso também —, a oração satélite do exemplo

acima exerce também a função mais geral de fundo, de ‘moldura’, de ‘enquadramento’

do fato no contexto.

A oração adverbial em português apresenta também uma função anafórica,

ocorrendo em posição inicial, melhor dizendo, à esquerda do núcleo, na materialização

satélite-núcleo. Nesse caso, ela remete para o discurso precedente, servindo

pragmaticamente de ponte-de-transição de uma porção a outra do texto. Mesmo assim,

ela ainda mantém a função de guia para o interlocutor, o que permite dizer que essa

função discursiva de ‘ponte’ é anafórica e catafórica simultaneamente, uma vez que a

oração pode também projetar para o discurso subseqüente. O exemplo a seguir ilustra

bem essa dupla função.

(9) fui até a delegacia...mais próxima quando eu cheguei na delegacia mais


próxima era uma fila de gente pra reclamar da mesma coisa...
(NDO2F,15,567-570)

Essa mesma função de transição é observada em ocorrências da oração adverbial

em que essa se mostra ao mesmo tempo ‘guiadora’ e ‘reparadora’ — ou ‘reformuladora’

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— do discurso antecedente, o que comprova sua função discursiva. Apresenta-se ela,

então, com uma função de reparo (repair). No exemplo (19) dado acima, mesmo

estando anteposta ao núcleo com o qual materializa a relação núcleo-satélite (no

formato satélite-núcleo) — ou por estar anteposta — a oração se repete, nem sempre

com a mesma forma, mas mantendo a mesma inferência (o significado, a proposição

relacional) emergente entre as duas porções.

Exercendo a função de ‘ponte’, a oração adverbial constitui, muitas vezes, uma

retomada da informação, estabelecendo, portanto, um elo entre o discurso precedente e

o subseqüente. Essa função constitui uma evidência da inadequação de análises que

costumam se ater ao nível sentencial e a sentenças isoladas. É o discurso maior que

permitirá que se perceba essa função da oração adverbial, que mantém, por isso mesmo,

uma função de coesão discursiva, de elemento importante na organização do discurso,

função essa exercida pelo satélite adverbial em anteposição ao núcleo. Uma vez mais

pode-se tomar o exemplo (9) para ilustrar esse comportamento da oração adverbial.

Nele, a oração hipotática “quando eu cheguei na delegacia” retoma a informação (não a

forma) veiculada na porção imediatamente anterior a ela e constitui, ao mesmo tempo,

um elo com a porção subseqüente. Da mesma forma, a ocorrência da oração destacada

em (10), do português brasileiro escrito, retoma anaforicamente uma informação e

remete para o discurso subseqüente, fazendo-se, portanto, de ‘ponte-de-transição’.

(10) Foi necessário que a categoria, ao longo desses anos, buscasse sua
afirmação profissional, determinando seu lugar no sistema educacional
brasileiro a partir desse confronto, o que a obrigou a explicitar e reorientar o
seu trabalho. Ao fazer esse movimento, a categoria retoma, em alguns
momentos, os pressupostos teóricos que a sustentam, e explicita as
possibilidades da superação de sua própria história profissional. (DE4F, 25)

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Essa função de retomada corresponde ao que Thompson & Longacre (1985)

consideram como um mecanismo de ligação entre parágrafos, em que a primeira oração

de um parágrafo de certa forma recapitula, ou resume, o que foi referido no parágrafo

anterior, estabelecendo uma relação hipotática num nível macro da estruturação do

texto.

Também é de se destacar a natureza ‘tópica’ da oração adverbial. Ocorrendo à

esquerda do núcleo a que se refere, por força da própria função lógico-discursiva de

tópico, a oração adverbial, nesse caso, constitui o ponto de partida para a estruturação

da informação, caracterizando-se, pois, como uma opção organizacional do discurso, à

maneira apontada por Matthiessen & Thompson (1988). Como ‘tópico’, a oração

adverbial terá uma função contrastiva, o que explica a ocorrência preferencialmente

anteposta de orações condicionais, como se vê abaixo:

(11) Se este movimento de reafirmação for considerado como uma reação


em defesa do já conseguido, é possível contextualizar esses dois eventos.
(DE4F, 25)

(12) então se a educação...né?...é alguma coisa neutra...né? e se ciência é


alguma coisa neutra eu posso importar por exemplo uma parafernália
tecnológica...né? eh eh dos Estados Unidos por exemplo...né?
(NDO8F,17,619-624)

Além da relação condicional, outros tipos de proposição relacional vão

determinar a ocorrência das orações adverbiais no início e com função de tópico. Dentre

elas estão as relações de motivo (causa, justificativa, razão) e tempo, como pode ser

visto nos exemplos (13) e (14), respectivamente:

(13) tinha que ter um assunto qualquer e eu peguei esse(NDO7M,19,692-696)

(14) e a gente às vezes quando ia corrigir prova de vestibular...a gente notava

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que muitas vezes o aluno...ele...(...) normalmente ele respondia com uma


linguagem...com... (NDO1M, 3, 80-89)

Ao lado da função pragmática de tópico, as orações hipotáticas adverbiais vão

servir também à função de foco, materializada como realce, avaliação, ênfase,

argumentação, etc. São razões pragmáticas que levam o usuário a atribuir foco a uma

determinada parte do enunciado, dando-a como a informação mais saliente num dado

contexto comunicativo. Nesse caso, não importa o posicionamento da oração. Melhor

dizendo, a posição inicial ou final será uma decorrência da maneira como se quer dar

foco, realçar, enfatizar. Os exemplos a seguir exibem essa maleabilidade de

posicionamento da oração adverbial, a serviço da função focal:

(15) Mineiro só deixa de acender uma vela pra Deus e outra pro diabo, quando
acendem quatro pra ele. (Dirceu)

(16) Quando o orador tira uma papelada do bolso, a platéia é que dorme de
improviso. (Dirceu)

(17) Para ilustrar a aula sobre poluição, o professor abriu a janela. (Dirceu)

(18) Apesar de pareceres contrários da Ordem dos Advogados do Brasil


(OAB), o governo federal liberou a criação de novos cursos jurídicos no
Brasil. (Raimundo Cândido Junior, Vocação e Advocacia,ESTADO DE
MINAS, Opinião, 22/04/07, p.19)

(19) e tinha o parto...que era outro risco...porque eu tenho uma queda de


pressão::violentíssima né? (NDO4F, 15, 277-280)

Ainda uma outra função textual-discursiva comumente exercida através da

hipotaxe adverbial é a de adendo (afterthought), função essa que serve à

complementação da informação dada no núcleo da relação núcleo-satélite, ou mesmo à

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adição de alguma outra informação. Sobre essa e também outras funções haverá

oportunidade de se discorrer na próxima seção.

A materialização das estruturas hipotáticas adverbiais

No início deste trabalho foi evidenciada a caracterização da proposição

relacional como uma relação implícita, que prescinde de qualquer marca no texto para

sua identificação. Isso explica a capacidade do usuário da língua em detectar a relação

adverbial mantida entre as orações mesmo sem a presença de um conectivo. Assim é

que se tem, em português, além das orações adverbiais iniciadas por um conectivo

subordinativo, a materialização por justaposição hipotática, ou seja, casos em que o

conectivo não está presente e, mesmo assim, é possível detectar-se a relação existente

entre a combinação de orações. Os exemplos abaixo, todos de língua oral, mostram esse

aspecto:

(20) casamos... faz quatro anos e MEIO (NDO3M, 13, 499)

(21) há sempre um pressuposto...ta/esteja ou não consciente quem está


interagindo no processo... né? (NDO6F, 9, 335-337)

(22) e o Buscopan é o seguinte se você toma ele... eh::...a dor é aliviada quase
que imediatamente aTÉ a drágea...pode ter até uma dor forte ela é
aliviada (NDO7M, 6, 212-216)
(23) a minha impressão a respeito do trabalho é que foi bom pra mim pra minha
formação me obrigou a escrever que é uma coisa muito difícil...né? me
fez ler muita coisa...me fez engolir muito sapo (NDO9M, 12, 429-433)

Em (20) emerge uma proposição relacional de tempo; em (21), a relação é de

condição, da mesma forma que em (22), em que há um sintagma nominal tópico (“aTÉ

a drágea”) dentro da oração adverbial. Finalmente, em (23) tem-se uma relação de

motivo (causa, razão, justificativa).

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Também na língua escrita tais ocorrências não só são comuns como muito

freqüentes em textos propagandísticos, como mostra o exemplo a seguir — retirado de

texto impresso nas embalagens do correio brasileiro,

(24) SEDEX
Mandou, chegou.

ou, ainda, numa forma oralizada de propaganda semelhante veiculada em rádio e

televisão, como mostra (25):

(25) parece mágica...mas é SEDEX... mandou...chegou

Ocorrências como essas propiciam uma explicação para as “falsas

coordenações”, como poderiam vir a ser considerados os casos vistos em (24) e (25),

quando seria simplesmente atribuída às duas orações “mandou” e “chegou” a análise

como coordenadas assindéticas, sem se atentar para a relação hipotática adverbial que

emerge entre as duas orações.

Na justaposição hipotática adverbial é de se destacar o papel do modo verbal

(dentre outros aspectos) na identificação do tipo de proposição relacional que emerge da

combinação das orações em português. No exemplo (21) dado acima, a forma

subjuntiva do verbo da oração destacada contribui para a identificação da relação

condicional. Todavia, é preciso deixar claro que o modo verbal, tomado isoladamente, é

insuficiente para apontar a relação semântica ali existente; ele apenas a sugere.

Observando-se uma outra ocorrência com o verbo também no modo subjuntivo, como

(26),

(26) Enfim, não tenho dúvidas, quero este filho custe o que custar.
(NE4F,2,41-42)

percebe-se que a proposição relacional ali emergida difere da que foi detectada em (21),

exibindo uma relação de concessão.

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Mesmo em estruturas com a presença de conectivos o modo verbal pode tornar-

se instrumento relevante na caracterização das relações adverbiais. Esse, no entanto, não

é o objetivo da presente análise, motivo pelo qual maiores considerações a esse respeito

não foram aqui trazidas.

Ainda no que se refere à materialização da hipotaxe adverbial, foi mencionada

aqui a questão da posição da oração satélite em relação a seu núcleo, quando da

discussão do papel da posição na identificação (ou atribuição) da função textual-

discursiva a que a oração adverbial serve. Assim, as funções textual-discursivas vão

determinar o posicionamento das orações, dependendo dos objetivos comunicativos do

usuário da língua para a organização de seu discurso. Isso vem corroborar a idéia de que

forma e função têm de ser vistas conjuntamente, uma vez que não só pressões internas

(da sintaxe ou da semântica) governam as estruturas mas também as pressões externas,

de ordem comunicativa, as determinações discursivas na sintaxe da língua, o que

decorre da postulação de que os usos é que dão forma ao sistema. Dentro da perspectiva

funcionalista, é costume postular-se que a estrutura sintática se ‘reajusta’ por força da

função pragmático-discursiva, ou seja, por força das pressões de uso.

Ao se falar em pressões de uso, em determinações discursivas ou mesmo em

objetivos comunicativos, não se pode deixar de registrar uma forma de materialização

hipotática (mas não só hipotática) em que a oração adverbial se realiza solta, isolada,

como um enunciado sintaticamente independente, e que vem sendo chamado, desde

Decat (1999), de estruturas “desgarradas”, por terem sua ocorrência formalmente

independente do enunciado que as antecede ou as segue. Esse tipo de estrutura constitui

uma “unidade de informação” por si mesma. Em outras palavras, trata-se da

materialização de orações que, tidas como subordinadas, ocorrem sem a oração matriz

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(ou sem o núcleo da relação núcleo-satélite), como um enunciado independente. Na

língua escrita, essas estruturas sucedem geralmente a uma pontuação de final de

enunciado; e, na língua oral, caracterizam-se por possuírem um único contorno

entonacional, à semelhança de um enunciado completo, ou seja, possuindo uma curva

entonacional de início e fim de enunciado, ocorrendo depois de uma pausa.2

Essa ocorrência “desgarrada” das orações adverbiais vai estar a serviço de várias

funções textual-discursivas (como as vistas acima). Dentre essas funções, a mais geral, e

que mais se destaca, é a função de foco, dado o seu alto poder na construção da

argumentação, manifestada por essas estruturas “desgarradas”.

Na língua escrita, as orações adverbiais que mais ocorrem de forma “desgarrada”

(não sendo, porém, as únicas) são as que exibem relações concessivas (exemplos 27 e

28) e causais (29 e 30), como mostram os dados abaixo, do português brasileiro (PB)

oral e escrito:

(27) mas realmente então está encerrado...mas gostaríamos demais de mais


filhos...embora eu fique quase biruta... (NURC/SP, D2, 360:9094)

(28) E o governador do DF demitiu mesmo o gerúndio. Sendo que o problema


de Brasília não é o gerúndio, é o passado. E não é questão de verbo, mas
de verba! (José Simão, Buemba! O Congreço é um suceço!, FOLHA DE
SÃO PAULO – Ilustrada, 04/10/07 – On line)

(29) você já imaginou que para fazer a peça Hair quanta gente que não foi...éh
éh:: não foi éh:: preparada ali... porque o grupo que trabalha em Hair é
enorme né? (DID-SP-234:246-249)

(30) Estar entre as melhores empresas para se trabalhar [...] é motivo de orgulho
para qualquer empresa. Para nós, da AmBev, é um motivo de comemoração.
Porque comemorar é nossa especialidade.
(Revista ÉPOCA, 27/08/07, p. 84)
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Cumpre esclarecer que, no presente trabalho, está-se considerando somente o reconhecimento auditivo,
para o caso das estruturas de língua oral. A análise dos dados orais com o auxílio de um programa mais
apurado, como o PRAAT, já está sendo realizada mas não será discutida aqui. De qualquer forma, os
dados submetidos até agora a esse tipo de ferramenta de análise já confirmam muito do que se percebeu
apenas auditivamente.

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Também o português europeu (PE), pelo menos na modalidade escrita — tal

como já mostrado por Decat (2001) e Decat (2004) para orações relativas apositivas —,

apresenta estruturas “desgarradas”, como comprova a ocorrência a seguir, que exibe

uma proposição relacional concessiva:

(31) Levantar cedo, acordar os filhos, seguir para o trabalho, fazer compras, ir
buscar os filhos, fazer o jantar, sorrir ao marido. Sempre com boa
disposição. Mesmo sabendo que, amanhã, vai ser tudo igual, igual,
igual... (VISÃO, nº. 343, 7-13/10/99, p. 79 – Português europeu)

Vale lembrar que o fator posição é básico para o entendimento da ocorrência de

uma oração “desgarrada” na língua falada. No caso das orações causais e concessivas,

por exemplo, quando ocorrem pospostas já são, acredita-se, um indício de

“desgarramento”. A posposição dessas orações na oral e a sua ocorrência desgarrada

(independente) na escrita mostram que orações como essas têm a função de adendo,

servindo aos objetivos comunicativos do usuário da língua com a finalidade de trazer

conteúdos novos, ou mesmo novos argumentos para o que está dito no núcleo da relação

núcleo-satélite. Em (29) acima, por exemplo, a oração causal — “porque o grupo que

trabalha em Hair é enorme” — ocorre posposta, equivalendo a um final de enunciado, e

precedida de uma pausa, a exemplo do que ocorre na língua escrita, como evidencia o

exemplo 30, em que a oração causal também vem depois de uma pausa marcada pelo

ponto final. Pode-se dizer que essa possibilidade de constituir ‘adendo’ seja decorrente

do caráter remático que tanto as concessivas quanto as causais têm. Em outras palavras,

o fato de propiciar uma informação nova faz com que a oração constitua um ‘adendo’ e

possa, por isso, vir “desgarrada”. E aí também se revela a função focal dada a essas

orações, uma vez que nelas se destaca algo de novo, reforçando, assim, sua natureza

argumentativa.

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Um aspecto interessante da ocorrência “desgarrada” de orações hipotáticas

adverbiais é o fato de a oração “desgarrada” propiciar uma retomada do assunto que

vinha sendo desenvolvido, uma retomada do ‘fio da meada’, do ‘fio temático’. E isso

ocorre, em muitos casos, após a pausa no final da oração “desgarrada” e a sua curva

entonacional descendente (no caso da língua oral). Nos exemplos a seguir — de orações

causais e de orações concessivas — a mudança de tópico comprova a ocorrência

“desgarrada” da oração anterior:

(32) Apesar de eu ter um certo receio da X, já que lá há muitas cartas marcadas,


vou tentar também. Especialmente porque a área é a sintaxe e muito me
interessa. Quanto ao de Y, não vou me inscrever... (SC, e-mail, 07/05/08)

(33) o que tem ajudado muito...é a novela...embora isso pó/possa ser...e eu


concordo que seja largamente contestado... por outro lado também (...) a
televisão está servindo para o aprimoramento do cinema...
(D2-SP-333:919-924)

Observe-se que, tanto em (32) quanto em (33), após a ocorrência “desgarrada”

da oração em destaque, houve uma mudança de tópico, o que indica que a oração

“desgarrada” estava finalizando alguma informação.

A função de foco a que serve uma oração hipotática adverbial, “desgarrada” ou

não, é exibida também por orações adverbiais que veiculam vários outros tipos de

proposições relacionais. O exemplo abaixo, do português europeu, ilustra a ocorrência

de orações de finalidade, dentre as quais uma é “desgarrada”:

(34) [...] Existem cidades actuais, modernas... e cidades que se adiantaram no


tempo. Desenhadas para serem percorridas. Para nelas mergulharmos.
(VISÃO, nº. 342, 7 a 13 de outubro de 1999, p. 29 – Português europeu)

O trecho acima é parte de um texto de propaganda exibida em uma revista

publicada em Portugal. Observe-se que nesse trecho há duas orações de finalidade,

ambas com função de foco. A diferença entre elas é que a primeira — “para serem

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preenchidas” — está materializada como satélite justaposto ao núcleo “Desenhadas”. Já

a segunda oração de finalidade ocorre de forma “desgarrada”, embora se relacione

semanticamente com o mesmo núcleo da primeira. É possível aventar-se que a segunda

oração de finalidade tem uma função focal mais forte que a da primeira, e que isso

decorre do fato de ela estar “desgarrada”. Essa mesma força de foco não existiria numa

paráfrase como ‘Desenhadas para serem percorridas e para nelas mergulharmos’, em

que uma simples coordenação colocaria as duas orações no mesmo nível com relação à

natureza focal de cada uma.

Uma outra estratégia para colocar em destaque, dar ênfase a uma oração de

finalidade é colocá-la anteposta a seu núcleo, estando ela desgarrada ou não, como

mostra (35), também do português europeu e também retirada de um texto

propagandístico:

(35) Para em caso de emergência só ter que carregar numa única tecla. O
Sistema de Protecção Activa da Prosegur é muito mais do que um
sofisticado sistema de alarme para a sua casa ou estabelecimento. (VISÃO,
nº. 342, 30/09/99, p.115 – Português europeu)

Ao contrário, quando em posição final, mas não “desgarrada”, a oração de

finalidade serve mais à função textual-discursiva de fundo do que de foco, como mostra

(36):

(36) Alguma coisa em mim sempre lutou para que fosse vida e não morte
(NE4F, 2, 53-54)

Nesse sentido, compare-se a oração destacada em (36) com a primeira apontada em

(34), que, tendo um nível de focalização mais fraco que o da segunda oração, serve mais

à função de fundo, de ‘moldura’.

Uma proposição relacional que parece favorecer a ocorrência de uma estrutura

“desgarrada” é a de antítese, na relação tese-antítese. Tal como proposto por Mann &

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Thompson (1983) e (1988), nos estudos da RST, nessa relação, além de núcleo e satélite

estarem em contraste, é possível que se instaure, nesse último, uma atitude não positiva

por parte do falante/escritor, levando-o a evidenciar a incompatibilidade entre o núcleo

e o satélite através de uma focalização nesse, propiciando sua ocorrência “desgarrada”.

Em outras palavras, o falante focaliza e destaca aquilo que ele não aceita tanto — que é

o que está no satélite, a antítese. Uma das formas de materializar esse foco na antítese é

a ocorrência “desgarrada” de orações iniciadas com a forma verbal no gerúndio, como

mostra (37) a seguir, em que a oração “desgarrada” vem iniciando um outro parágrafo,

mas mantendo uma relação semântica com o que foi dito no parágrafo anterior:

(37) É possível definir a existência de uma gradação de referencialidade na


seguinte escala: [...]
Sendo que a definitude será determinada no contrato comunicativo
entre falante e ouvinte, o qual assume conhecimentos por meio de
pressuposições. (J.Ferreira – Dissertação de Mestrado, UFJF,2009, p.29)

Por outro lado, a idéia de contraste muitas vezes trazida pela presença da forma

verbal no gerúndio se encontra materializada também por uma relação de condição,

como evidenciado a seguir através de uma ocorrência “desgarrada”.

(38) [...] Pode-se dizer que enunciações como vá na boa hora, vá embora, vá
muito embora, (sic) são formulações feitas da posição de um senso comum
que mantinha, ainda, traços da instituição dos oráculos. Estando o locutor
determinado por esta posição. (E. Guimarães, Enunciação, língua,
memória, REVISTA DA ANPOLL, nº. 2, p. 27-33, 1996)

O contraste envolvido na antítese também pode realizar-se através de estruturas

sem verbo em sua forma nominal (gerúndio), mas com a presença de conectores

contrastivos, mesmo estando essas estruturas “desgarradas”, como em (39):

(39) Nem na goleada de 8 a 0 sobre a Arábia vi a habilidade individual


necessária a quem quer ser campeão. Enquanto nós tínhamos talento de
sobra. (Zagallo – O craque da Copa – Jornal ZERO HORA, Porto Alegre,
encarte Jornal da Copa, 1º/07/02, p. 18)

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Considerações finais

Muito se poderia ainda dizer a respeito da forma como a hipotaxe adverbial se

materializa em português, oral ou escrito, bem como sobre as diversas funções textual-

discursivas a que as estruturas hipotáticas servem na organização do discurso. As

observações aqui trazidas tiveram como intuito não só descrever alguns

comportamentos dessas estruturas como também instigar a discussão e reforçar a

necessidade de estudos mais freqüentes sobre a língua em seu funcionamento real,

principalmente no que se refere ao mecanismo de subordinação e sua relação com a

organização textual.

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