Resenha do texto: África: trinta anos do processo de independência
As perspectivas individuais africanas cerceiam uma índole colonial, pois se
pressupõe à África uma generalização, uma ideia fomentada pelas elites coloniais européias, que antes de estimularem uma unidade, encobrem uma originalidade própria. Esse entendimento se compõe por uma série de caricaturas, que diminuem uma pluriculturalidade sob um retrato total. Dessa forma se torna comum ressignificar o continente como uma grande massa de personagens submissos à uma mesma forma de viver: junto a miséria, a fome, ao atraso e ao vazio primitivo das formas de pensar. As camadas que permeiam esse fenômeno vão para além do universo exterior ao continente, se internalizando no próprio diagnóstico íntimo dos panoramas de desenvolvimento. A ilusão de um atraso geral, pela população, constitui um certo complexo de inferioridade que interfere no estabelecimento do progresso geral. Se nega a apropriação de uma África própria em cima de um olhar colonial; assim, se edifica perspectivas identitárias em cima de uma degradação sistêmica européia. A visão universalista ocidental transpõe o seu berço europeu para atingir o imaginário africano substanciando a experiência administrativa políticocultural às amarras coloniais: Não se ressignifica, através dos elementos terrenos e ancestrais, uma direção própria, mas se reduz a capacidade construtiva à imitação; e o pensamento, pós independência, das nações ali presentes é incapaz de contemplar as massas individuais africanas - essa ocorrência não é simplesmente africana, tendo influenciado a constituição da maioria das nações coloniais. Essa desordem interna se evidencia nos trinta anos, e naqueles que seguem, do processo de independência do continente. A emancipação africana levou em conta desde Gana em 1957 até Namíbia em 1990, e tinha em seu âmago, antes uma troca de posições, entre o colonizador e o colonizado - que soava como se apossar de uma poderosa patente de luxo e qualidade de vida reservados à poucos - do que um rememoramento de tempos anteriores à justaposição de algo novo. Queria-se gozar dos privilégios dos brancos e para isso não podia-se regressar aos tempos passados ou reinventar o modo de se viver, havia-se que estagnar o pensamento administrativo em uma noção colonial, e por isso, unitária. A ideologia consolidada de uma identidade rígida, pressuposta sob a razão econômica do sistema colonial, se formou além das fronteiras de pensamento, mas, principalmente, físicas. A ideia de nação se consolida por linhas européias. É a partir da conferência de Berlim que ao mesmo tempo, paradoxalmente, se desdobra os meios culturais vigentes para se unir e ressignificar os novos meios. E isso, não foi negado pelo processo pós independência; pelo contrário, os movimentos de insurgência das identidades abaladas pelo regime colonial, são logo abafadas pelos sistemas africanos sob uma perspectiva unitária. A questão que se coloca para essas nações emergentes é: de como se sobrepor as identidades ancestrais, canalizando-as em favor de uma consciência nacional. Disso, se apaga um pensar identitário para se sobrepor uma máscara colonial mórbida. Expandindo a experiência do texto para uma análise para além do artigo; trago comigo um exemplo cinematográfico do assunto. Ousmane Sembene, um dos maiores diretores senegaleses de todos os tempos, faz em 1975, período de grande êxtase do cinema senegalês, "Xala", uma grande sátira da condição política Africana no pós independência. Nela El Hadji, um empresário e político em Dakar, é amaldiçoado por uma disfunção erétil no dia do seu casamento com sua terceira mulher, impossibilitado sua noite nupcial. Simplesmente com essa pequena sinopse já somos transportados para um universo que se solidifica em uma tradição folclórica em decadência por uma influência estrangeira junto ao momento do pós independência. Ao mesmo tempo em que se preserva, em favor do interesse de uma elite, algumas tradições, não se inova no modo de governar, e no íntimo da regência se consolida a corrupção política e moral. A impotência seria esse ressentimento da hostilidade do aterramento da tradição, e a consequente camuflagem das condições ancestrais. Hadji tenta constantemente se curar da sua maldição com efetivos folclóricos, por outro lado supre uma ideologia colonial, independente do seu conteúdo, na administração do país. Nesse processo ele gasta todo o dinheiro em vão, pois só consegue se render dessa condição, quando aceita essa melindre oriunda do âmago europeu e que foi inserido a força ao espaço de política senegalesa.