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A.

GRIVET

NOVA

GRAMMATICA ANALYTICA
DA

LINGUA PORTUGUEZA

-♦

mo DE JANEIRO
'J ' y P . DE p . p E U Z IN G E F ^ ^ p IL H O S , p u V ID O I^ 3 1

1881
ALGUMAS PALAVRAS

SOliRE O PRÜI-ESSOK GRIVET.

Charles Adrien Olivier Grivct nasceu no anno de 1810 em Villars-


le-Terx'oir, ^^if-antão de Vaud, na Suissa. Era, porém, originário de
Atlalons e cidadão de Fribur<ro.
Oescendente de pais honestos e laboriosos, de quem recebera os
melhores exemplos de todas as virtudes, e, creado na fé da religião
catholica romana, o joven Grivet foi, no lar domestico um íilho irre-
prehensivel, o, nas aulas que cursára, um estudante de não vulgar
merecimento.
Desde 1827 até 1836, cm Friburgo, estudou as linguas franceza,
latina e grega; historia, geographia, rethorica, philosophia, mathe-
mathicas, physica, chímica, e, flnalmente, o direito.
Dispondo de todos estes elementos, de variados conhecimentos
litterarios e dos mqlhores methodos de pedagogia, então em voga,
Grivet, ao mesmo tempo arrastado por sua vocação natural, por entre
as differentes veredas, que o podião conduzir a uma posição proemi­
nente, escolheu a carreira do magistério.
A notoriedade de suas habilitações grangeou-lhe, de prompto, al­
gumas propostas, de dentro e fora do paiz. Elle preferio a que lhe
vinha da Russia, para onde partio em 1837, afim de encarregar-se da
educação dos filhos do general Jouroíf, governador civil de Tscher-
nigoíf.
No exercido de seu primeiro emprego, quando apenas contava
22 annos de idade, o novel professor não desmentio a fama que o
precedia. Exacto cumpridor dos seus deveres, guardando todas as
conveniências exigidas pela sociedade, Grivet, soube captar a sympa-
thia e o respeito de todos que com elle tratavão. ü proprio general,
partilhando estes sentimentos, não duvidou entregar-lhe exclusiva­
mente a direcção dos estudos dos seus dous filhos mais velhos na
universidade de Moscow.
A estadia nesta cidade, em companhia de seus discipulos, até
completarem o curso de sciencias a que se destinavão, foi utilisada
pelo professor no aperfeiçoamento das linguas russa e allemã.
Concluida a sua missão na Eussia, Grivet regressou á Suissa,
para onde o impellia o amor filial. Seus pais, alquebrados pelos annos
e pelas enfermidades, esperavão-no com anciedade.
O habitante das montanhas respirou de novo os ares puros da
patria; o filho querido pôde ainda receber o osculo abençoado dos
entes que lhe erão mais caros na terra. Porém, a dôr e o pranto
succedêrão ás alegrias!... Pouco tempo depois, um após outro, seu
pai e sua mãi separavão-se delle para sempre!
Algum tempo depois da sua chegada á Suissa, em 1843, Grivet
foi chamado a occupar uma cadeira de professor na Escola-Média de
Friburgo.
Foi também nesta época que o illustrado professor teve a felici­
dade de unir á sua sorte a virtuosa senhora, que tanto o amou em
vida quanto depois da sua morte, e, á cuja iniciativa e perseve­
rantes esforços vai esta obra ser publicada.
Que sublime exemplo !
Os acontecimentos politicos que tiverão lugar em Friburgo em
1851-1852, forão fataes ao professor, bem como a vários de seus an­
tigos condiscipulos, sendo elle, por isso, obrigado a pedir a sua
eliminação da Escola, com quanto pertencesse ao partido liberal-
moderado. Entretanto, cumpre dizer, Grivet foi um dos dous depu­
tados escolhidos pelo governo radical de 1848 para assistir em Aarau
á conferencia geral dos cantões interessados na questão da divida, de
Sonderbund. Foi, sem duvida, esta distineção que lhe valeu o lugar
na Escola Industrial de Bâle, onde leccionou a lingua latina e um
curso regular de litteratura.
A elevação do partido contrario, em 1856 e 1857, proporcionava
uma reparação a Grivet, porém, o sabio professor, fiel aos seus prin­
cípios, absteve-se de qualque; pretenção, decidido, como estava, a
emmigrar para o Brazil.

O professor Grivet desembarcou no Kio de Janeiro no dia l.° de


abril de 1856, depois de uma viagem cheia de perigos, que foi como
que o prelúdio das grandes tormentas que agitarão todo o resto da
sua vida.
Em busca das plagas brazileiras, era intenção do professor fundar
no Kio um collegio de meninos, de sociedade com um seu amigo,
homem experimentado nestes commettimentos; porém, a sua má es-
trclla fez abortar esta primeira tentativa, mudando deste modo todos
os seus planos.
Grivet não podia refrear os impetos de sua actividade natural;
e, por isso, fechada aquella porta, quiz immediatamente lançar mão
VII

dos recursos de que dispunha, sendo-lhe necessário, primeiro que tudo,


habilitar-se na lingua portugueza, afim de obter o seu diploma de
capacidade professional, o que conseguio com extraordinária felicidade
e grande admiração das pessoas que assistirão ás suas provas perante
o conselho de instrucção.
Dahi por diante, Grivet atirou-se com ardor ao trabalho. Ora,
ensinando em casas particulares, ora em collegios, alguns fundados
por elle, como em Vassouras, durante 4 annos, o infeliz professor
nunca deixou de arcar com as maiores diíRculdades! Entretanto, a
sua reputação achava-se solidamente firmada na opinião da sociedade
fluminense, em cujo seio elle era recebido com todas as provas de
sincera estima e alto apreço. Ainda hoje, nesta côrte, encontrão-se
senhoras, illustres mãis de familia, que recebêrão as suas lições e que
fallão a seu respeito com verdadeiro enthusiasmo.
O habil preceptor fôra moldado para a profissão que exercia. De
tracto facil e ameno, de uma locução succinta e clara, possuindo va­
riadíssima instrucção, elle tinha o magico privilegio de captivar a
attenção de seus discípulos por meio de narrativas interessantes e
apropriadas, alargando as suas lições além da matéria obrigada, do
sorte que era raro aquelle dos seus discípulos que não ganhasse com
elle, o conhecimento de muitas cousas uteis, que sómente se adquirem
no correr da vida.
Em 1865 Grivet publicou uma pequena grammatica, que foi a
precursora de outra de maiores proporções, na qual, depois, elle pro-
prio reconheceu alguns defeitos que tratou de corrigir.
Em janeiro de 1869, o conselho communal da cidade de Friburgo
(Suissa), por intermédio de um de seus membros, mandou oflferecer-
Ihe 0 lugar de director de um dos seus estabelecimentos de educação.
O primeiro pensamento do professor foi de recusar a oíferta, como já
havia feito com outras, embora muito honrosas, porém, cedendo ás
instancias de sua familia, principalmente na esperança de restabelecer
a saude de sua unica filha, presa de uma grave moléstia, elle resolveu
partir no mez de agosto seguinte.
Neste intervallo, porém, a doença aggravou-se, e antes que elle
podesse realizar o seu intento, a pobre criança vôou aos céos!
Triste fatalidade, que tão funestas consequências trouxe ao in­
feliz pai !
Decididamente, então, Grivet, não quiz separar-se da terra que
abrigava o corpo de sua idolatrada filha. Dirigindo-se aos seus amigos
e compatriotas, resignou o lugar que lhe de.stinavão, mal cuidando o
pobre professor que naquella missiva ia também o seu ultimo adeus
á patria e aos amigos deinfancia!
ü golpe terrível que o ferio, devia necessariamente deixar traços
profundos no seu fraco organismo, já abalado pelo excesso de tra­
balho e pelas attribulações de todo o genero.
Não obstante os seus padecimentos, em 1874 Grivet tinha con-

A
VIII
cluido a sua grande obra, esperando dá-la á luz da publicidade,
quando o pcrmittisscm os seus recursos.
Era esta a sua ultima ambição, de cujos fructos devia partilhar
a mocidade brazileira.
Porém, um poder superior á sua vontade determinou o contrario.
Aquella era a sua ultima decepção também, porque em 14 de janeiro
de 1870 0 illustre professor deixou de existir!
Com a morte de tão distincto varão, a corporação dos professores
do Brazil perdeu um dos seus mais illustrados representantes, e a
lingua portugueza um dos seus mais infatigáveis cultores.
Depois do passamento do professor, tornára-se mais difíicil a im­
pressão da grammatica, visto como esse manuscripto constituía o unico
patrimônio que o autor legára á sua viuva!
Em taes circumstancias, um coração generoso, o Snr. Conselheiro
Octaviano, tomando a si o patrocinio da grammatica, no interesse de
prestar um valioso serviço ás lettras do seu paiz e dos que fallão o
idioma portuguez, solicitou a attenção do Snr. Ministro do Império
daquclla época, pedindo que, no caso de ser merecedora, fosse aquella
obra impressa na Typograpliia Nacional e adoptada nas escolas publicas.
Na carta, que o festejado litterato brazileiro dirigio ao ministro,
encontramos as seguintes palavras, bastante honrosas ás cinzas do fi­
nado professor. Elias dizem:
« Nunca conbeci quem reunisse tanta illustração a tanta aptidão
« no magistério. Sua morto foi uma perda irreparável. Observava
« eu, quando minhas filhas, á noute, repetião suas lições em casa,
« que o Snr. Grivet lhes facilitava o ensino das linguas portugueza e
« franceza, por meio de um systema grammatical de rara precisão
« nas definições e de feliz gradação na marcha das idéas. »
Em consequência do pedido do Snr. Conselheiro Octaviano, o mi­
nistério do Império encarregou a uma commissão o estudo do autho-
grapbo, a qual deu o luminoso parecer que vai adiante transcripto.
As suas eloquentes e bem pensadas observações darão ao leitor
um juizo seguro e verdadeiro sobre o merecimento desta obra.
E depois...
A preciosa grammatica Grivet teria sido devorada pelos ver­
mes de algum dos arebivos públicos, se M.“® Grivet, confiante na
protecção da população brazileira e em homenagem á memória de seu
esposo, não emprehendesse a sua publicação.

* * *
RELATORIO
do Conselheiro Dr. Prancisco Octaviano de Almeida Kosa
e do Oommendador J. B. Calogeras
sobre a grammatica portugueza de A. GRIVET,

NOVEMBRO DE I 876.

111.“® e Ex.“o Snr.


Cumprindo com as ordens de V. Ex.», temos a honra de sujeitar
á sua illustrada consideração as observações que nos suggerio o exame
da grammatica da lingua portugueza composta pelo professor Grivet.
Esta obra, pela robusteza da lógica e pela vasta erudição que a
rege desde o principio até o fim, destaca-se completamente de todas
as outras de igual natureza até hoje conhecidas. Classificadas as maté­
rias segundo as mais vigorosas exigências da linguagem, cada parte é
tratada com magistral proficiência. As regras, ampla e claramente
expostas, são sempre acompanhadas de valiosissimas reflexões sobre a
sua applicação, sendo estas corroboradas, a cada passo, pelo exemplo c
autoridade dos escriptores clássicos de melhor nota; e assim firmadas,
tanto as regras como a sua genuina applicação, poem naturalmente
em relevo as incorrecções que o uso tem pouco a pouco introduzido
na pratica.
Nem se diga que por ter tão profundamente penetrado nos myste­
riös da bella lingua de Antonio Vieira, a obra do Snr. Grivet é inac-
cessivel aos espiritos menos reflectidos ; visto que, por meio de uma
analyse perfeitamente desenvolvida, tornam-se de facil comprehensão
os assumptos mais abstractos e os mais complicados.
Para formar um juizo seguro ácerca desta obra, seria preciso lôl-a
toda, não havendo nella palavra alguma supérflua. Mas, sendo isto
incompativel com as muitas e importantes incumbências a cargo de
V. Ex.“, apresentamos alguns extractos afim de proporcionar-lhe, pelo
monos, uma idéa geral do merecimento do trabalho do Sr. Grivet.
P R IM E IR A P A R T E .
A L E X IC O L O G IA .
O Verbo é o Facto. E, com eífeito, esta definição na sua genera­
lidade singela, abrange a existência, 0 estado e a acção.
O autor dá cabo do verbo passivo, que não tem existência propria
na lingua portugueza, e que é apenas uma proposição, ou antes um
aggregado de palavras que tomadas separadamente, cada uma por si,
não forma sentido algum.
Divide os verbos em activas, de estado e de neeeesidade, estes últi­
mos assim chamados porque não derivam da acção de um sujeito.
Enganam-se os grammaticos que tomam o pronome il, no verbo im­
pessoal francez ü pleut, ü fait chaud, il neige, como sujeito do verbo.
Quem é este il f Ninguém ; é apenas uma forma grammatical da lin-
gua franceza.
Ás perfeitas definições das diversas especies de verbos, de seus
modos e tempos, accrescenta o autor observações bem cabidas sobre
os complementos, o predicado, a apposição e a ligação, chamando ao
mesmo tempo a attenção para o processo da substituição, que serve
para evitar a confusão do sentido nos verbos que tem a mesma forma,
mas em modos e tempos differentes.
Nos verbos irregulares, distingue as irregularidades apparentes das
reaes ; e, nos defectivos, indica o modo de substituir as formas que
faltam.
Estabelece duas ordens de conjugação nos verbos pronominaes, a
normal e a anormal ; e demonstra que, nos verbos combinados, além
da forma passiva, unica adoptada até agora, cumpre admittir igual­
mente em separado os verbos prepositivos e os gerundiaes.
S ubstantivos. — A definição dos reaes e dos abstractos, dos pró­
prios e dos communs, dos simples, dos compostos e dos collectivos, é
feita com a maior clareza.
Merecem especial attenção as importantes considerações do Snr.
Grivet sobre as causas da determinação do gcnero.
A ujectivos . — Ás diversas especies de adjectivos conveniente­
mente explicadas, faz o autor a devida distincção entre os simples e
os compostos, notando aquelles que parecem synonimos e que entre­
tanto tem valor differente na oração.
Apresenta igualmente não pequeno numero de vocábulos, que,
sendo considerados como adjectivos de uma especie, pertencem também
a outras, ou, segundo o sentido em que são empregados, assumem
também as funcções de pronomes, advérbios, interjeições e conjuncções.
Dá a razão por que alguns adjectivos que tem a forma compara­
tiva não passam de positivos, e indica aquelles que não tem compa­
rativo, nem superlativo ; e finalmente os que, como os participios,
fazem algumas vezes as funcções de substantivos, assim como ba casos
em que os substantivos funccionam como adjectivos.
P ronomes. — Distingue o autor os que se referem a um antece­
dente certo dos que se referem a um pensamento inteiro, ou a um
conjuncto de palavras onde nenhuma se presta a servir-lhe especial-
mente de antecedente.
Mostra quaes os pronomes demonstrativos que são também pes-
soaes ou relativos, e bem assim os casos em que os adjectivos possessivos
funccionam também como pronomes possessivos.
Dando ao vocábulo que a prir/.a :ia sobre todos os pronomes rela­
tivos, indica ao mesmo tempo quando deve ser substituido por quem.
XI

o PARTiciPio. — Salvas as excepçõcs, concorda em genero e numero


com os verbos ser e estar, e não com os verbos ter e haver. Pode
passar pelos diversos gráos de signiflcação, como os adjcctivos, quando
figura na oração como apposição ou jiredicado, e pode igualmente ser
substantivado.
Dá o autor a razão por que os vocábulos acabados em ante, ente
e inte são indevidamente classificados entre os participios.
São apreciáveis as considerações que apresenta sobre a applicação
dos participios regulares ou irregulares.
P reposições. — Divide-as o autor em constantes, accidentaes, a
compostas, mostrando as suas diversas applicações.
Entra em pormenores interessantes sobre as contracções, os ar-
chaismos e as locuções prepositivas.
A dverbio . — Nota o autor o erro de alguns autores que fazem
concordar os advérbios sem incremento com as palavras a que são
juntos. — Em certos advérbios é indifférente usar do incremento ou
da terminação adjectival.
Oíferece algumas considerações sobre alguns advérbios e locuções
adverbiaes.
A coNJUNCçlo. — Salvas raras excepções, não pode ser dislocada,
nem elidida sem alteração do sentido.
Observações sobre varias conjuncções e casos em que a conjuncção
preventiva deixa-se transportar para dentro da proposição que inicia.
As I N T E R J E I Ç Õ E S . — São proprias ou impróprias. São proprias as
que não podem, e impróprias as que podem reverter para outras pala­
vras, e as interpellações.
Interjeições que não passam do estylo familiar.
S E a U N D A P A R T E .
A N ALY SE.
A respeito da Analyse, que divide em lexicologia, syntaxica e
lógica, faz o autor importantes considerações sobre a necessidade de
bem comprehender a funcção que exerce na oração a palavra, para
acertar na sua classificação, e apresenta um bello specimen de analyse
lexicologica.
Á definição e distribuição dos termos da syntaxe, segue-se a dis-
tincção entre pensamento e idea, entre proposição e oração.
E muito interessante a discussão doutrinal do autor contra a theoria
do verbo substantivo propalada pelos grammaticos francezes; e bem
assim as largas observações que offerece sobre a concordância do verbo
impessoal Haver, assignalando os erros de alguns escriptores modernos.
Considerações sobre a collocação das palavras no discurso. — Pro­
priedades do estylo: clareza e euphonia.— Causas das riquezas da lin­
gua portugueza. — São notáveis as variadissimas explicações do autor
sobre as infinitas evoluções das palavras na oração, em que se concilia
perfeitamente a clareza com a elegancia das fôrmas.
XII

Proposições plenas ou figuradas, — definição e emprego das figu­


ras. — Considerações sobre cada um dos modos do verbo, — diíferença
entre o infinitivo e os outros modos, — desenvolvimento sobro o em­
prego do infinitivo no singular ou no plural, no pessoal ou no impes­
soal, como sujeito, complemento directo ou indirecto, ou como predicado-
— Erro de alguns escriptores modernos sobre a concordância do ge­
rúndio com o infinitivo.
S ujeitos do verbo.—Por que razão uma proposição não pode servir
de sujeito de outra, como erradamente praticam alguns escriptore.«
modernos. — 0 sujeito, pronome, é geralniente omisso, — no sujeito
infinitivo a omissão é excepcional. — Sujeitos substantivos no singu­
lar ligados com a conjunção om, ou com nem. — Sujeito composto de
substantivos synonimos. — Sujeito composto summariamente resumido-
— Sujeito designando personalidades difterentes. — Sujeito composto
de infinitivos,— de infinitivos e de substantivos. — Kegras e exemplos-
Complemento directo . — Não exerce influencia sobre o verbo._
Abusos, distincção entre os complementos de substantivos ou prono­
mes, e de infinitivos. — Erros. — Pleonasmo; contribuem, ás vezes»
para a clareza, e até para a elegancia das proposições. — Outras con­
siderações e exemplos.
O C O M P L E M E N T O I N D I R E C T O . — Não é comj)osto quando os seus
differentes termos não se podem ligar por meio de uma conjuncção. _
Um só complemento pode competir simultaneamente a mais de um
verbo, coadunando-se a cada um em separado. — Alem de assignala-
rem-se sempre uma preposição, os complementos indirectos formam-se
também de gerúndios, que são complementos quando podem ser resol­
vidos por uma preposição e seu regime. — Nenhuma das preposições
cr, c?e, em, joor, pode formar contracção com a palavra que se lhe segue,
a não constituir esta o seu regime, ou uma apposição forçosamente
annexa ao seu regime. — Inconveniência dos abusos que se notam
nos escriptores modernos. — Outras observações, regras e exemplos.
Os P R E D IC A D O S . — São simples ou compostos. — Casos em que o
])redicado e não o sujeito rege o verbo — quando o participio 6 predi­
cado. — Predicados empregados como advérbios.
Diíferença entre o predicado e a apposição ; aquelle prende-se
somente ao sujeito, e esta, ao sujeito, complemento, predicado ou outra
apposição.
Ha varias especies de ligações; suas funeções não podem ser sub-
stituidas, e vão sempre antepostas aos verbos a que se referem, salvas
raras excepções.
Definição e uso dos idiotismos.
Observações peculiares sobre diversas especies de palavras.
ir Sobre os verbos ter e haver considerados como auxiliares, ou com
a significação de possuir ou considerar.
Dissertação importante sobre a cc.iicordancia do verbo impessoal
Haver.
XIII
Differença entre ser e estar, sobre os verbos pronominaes (refle­
xivos, recíprocos, ambíguos). — Conveniência de converter os verbos
de forma passiva em pronominaes. Nem sempre apparece o sujeito,
nem o objecto do verbo, como pretendem alguns grammaticos, ^— La-
tinismos. — Abusos do pronome se na phraseologia moderna.
Regras sobre o genero e nuiiiGro de alguns substantivos.
Sobre o emprego, repetição ou omissão dos artigos — suas diver­
sas funcções na proposição. — Deve-se repetir o artigo ante qualifica­
tivos diversos do mesmo substantivo. — Erros frequentes.
A djectivos . — Substituição dos numeros ordinaes pelos cardeaes
de 200 por diante; o uso estabeleceu-o também abaixo de 200.
Casos em que dispensam-se os possessivos. — Seu substituído por
lhe ou lhes.
Máo emprego do indcfinito cujo. Considerações a que dá lugar o
indefinito todo — gallicismo.
Impropriedade do augmento do superlativo, que se nota em alguns
escriptores modernos.
P roxomks p e .ssoaes. — Difterença entre o emprego de si e de
elle.
Differença entre os demonstrativos este, aquelle, esVoutro, aquel-
Voutro, e isto, isso, aquillo.
Casos em que os possessivos prescindem do artigo.
Razão por que os relativos que, qtcem o qual são também inde-
flnitos.
O quem ou quem devem sempre concordar com o sujeito do verbo
anterior. Erros de alguns modernos que, cingindo-se á fórma franceza,
concordam que ou quem com a terceira pessoa do verbo.
Diíferença entre todo e tudo, — porque devem sempre ser seguida
do artigo o, apezar do uso contrario de alguns escriptores.
A dvérbios . — (^uaes as funcções de onde e quando na mesma
l)brase. Não se confunda também com o comparativo adverbial tão bem.
Diíferença entre as conjuneções porque e por que, porquanto e por
quanto.
Nem substitue o sem nas proposições em que sem é repetido.
Especimen de analyse syntaxica.

T E R C E IR A P A R T E .
O R T O G R A P H IA .
As bases da ortographia são a etymologia e a phonicidade ou eupho-
nia. As discordâncias arbitrarias sobre a applicação destas bases, são
as causas da falta de um padrão definitivo acerca de milhares de pala­
vras. — E ’ para notar que são poucas as terminações das seis especies
de palavras variaveis. — Os aecentos devetn-se empregar com parci­
m ônia.— Para discriminar o pretérito do futuro é preferível accentuar
a penúltima syllaba do primeiro do que a ultima do segundo, que é
já accentuada com o til. — A terminação do passado em am não é
XIV

admissível por não conformar-se com os substantivos e outros vocá­


bulos que terminam em ão. Esta terminação passando por um aug-
mento converte-se em an e não se conserva inalterada, como alguns
fazem.
Origem da cedilla.
Eeflexões sobre diversas lettras. — Explicações sobre as cinco
figuras da dicção, a saber : a Synalepha, a Tmesis, a Antithèse, a Pro­
thèse e a Apocope.
Q U A R T A P A R T E .
P R O SO D IA .
Reflexões sobre as syllabas longas ou breves^ e especialmente sobre
a tônica.
Distincção das palavras que recebem ou não a inflexão da tônica
— casos em que se deve supprimil-a.
Difíiculdade de estabelecer regras para todos os casos — suppre-nas
o uso.
Q U IN T A P A R T E .
PONCTUAÇÃO.
Para fazer bom uso da ponctuação é necessário, alem da synta-
xica, a analyse lógica, afim de bem discriminar as proposições. —
Caracteres intrínsecos das très especies de proposições — principal —
complementar — incidente, em que se resume toda a theoria da analyse
lógica, sendo isto sufíiciente para assentar as regras mais importantes
da ponctuação.
Casos em que uma ligação copulativa dispensa a virgula. — Em­
prego deste signal. — Erro dos que pretendem dever a locução o que
ser sempre precedida de uma virgula.
Regras sobre o emprego do ponto e virgula^ os dous pontos e o
ponto final.
Explicações sobre o emprego dos pontos interrogativo — exelama-
tivo e de reticência^ — finalmente sobre a parenthesis e a risca de
separação.
C O N C L U SÃ O .
Como já dissemos, não ha trecho algum nesta obra que não se
baseie na mais clara e vigorosa argumentação, corroborada por nume­
rosas citações dos autores clássicos de melhor nota.
Em nossa opinião, não ha grammatica alguma que melhor do que
esta possa proporcionar aos estudantes o conhecimento consciencioso
da lingua portugueza.
Parece-nos pois que a adopção da grammatica do Snr. Grivet será
de immensa vantagem aos alumnos dos estabelecimentos públicos e
particulares de instrucção secundaria.
PREFACIO

Offerecendo á consideração dos mestres esta nova grammatica,


comprazo-me na esperança de que lhe achem os requisitos que faltavâo
á que publiquei em 1865, para que fosse um bom ^‘vro escolar, e
nella encontrem mórmente, além de um tratad completo sobre a
materia, o methodo mais apropriado para a introdi ção, nas aulas, do
estudo systematico dos clássicos, sem o qual, por iL.ais que se faça, a
regeneração da linguagem não passará de uma aspiração chimerica.
Não quer isso dizer que a linguagem deva ficar estacionaria no
meio deste constante e irresistivel andar de todas as cousas humanas ;
não, muito pelo contrario: a cada século, a cada geração mesmo com­
pete uma phraseologia propria, que, reflexo historico, registre as suas
conquistas no dominio da civilisação, e formule as suas aspirações
para o ideal em que tem fitos os olhos ; porém o valor litterario desta
phraseologia não pode estar em romper ella com as tradições das éras
anteriores, e sim em vasar os pensamentos novos no molde largamente
accommodatécio donde, pela vez primeira, sahiu a lingua no esplendor
da mocidade, do vigor e da louçania, firmando para sempre a sua
autonomia entre as suas irmãas da estirpe greco-latina.
Neste intuito não só extractei, dos mesmos clássicos, a generali­
dade dos exemplos destinados a illustrar e confirmar a minha doutrina
grammatical, senão também procurei tornar intuitiva a utilidade de
soccorrer-se assiduamente a estes mananciaes da boa dicção pela pra­
tica de processsos analyticos pouco intrincados, e por isso mesmo mais
expeditos e intelligiveis. Pois pareceu-me que o meio, senão unico,
ao menos mais adequado para reagir com eíficacia contra a deca­
dência crescente da linguagem, era o de pôr em frequente confron­
tação as loquellas espúrias do tempo presente com as lições dos
benemeritos das lettras, que aecommodando genialmente a arte da
palavra aos dietames do bom senso, isto é, da lógica, buxilárão o
padrão perenne das feições caracteristicas da lingua portugueza.
O autor.
Kio de Janeiro, 4 de Maio de 1874.

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~j{'>ob (I rninoo nioaoilbj iupo aipjaatiTruitJ ob;!iq>i/b)Ji ei/im fcouoia or
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Ir
lO ÏA CRAMMâTICA ANALÏTICA
DA

L IN G U A P O llïU G U E Z A

NOÇÕES PRELIMINARES

1. Grammatica é a arte de fallar e escrever corre­


ctamente : o seu ohjecto é, portanto, a palavra.
2. Falia e escreve correctamente quem se conforma
com as regras sanccionadas pelos dictâmes da boa razão,
c segundo os usos respeitáveis pelo assenso que gran«-cárão
dos doutos. ®
3. Sendo, porém, essas regras, não só numerosas,
como ainda de alcance bastante diverso, entendeu-se que,
para as tornar mais comprehensiveis, convinha distribuí-las
em diffei entes secçoes; dalii a divisão previa da Gramma­
tica em cinco partes: lexicologia, syntaxe, orthographia, pro­
sódia e pontuação.
4. L exicologia é a parte da Grammatica que ensina
a natureza e as formas das palavras.
5. Syntaxe é a parte que assignala as relações que
entre ellas oceorrem na enunciação dos jicnsamentos.
6. Orthographia é a parte que determina o modo
mais acertado de as escrever.
7. P rosódia é a parte que trata de sua pronunciação
métrica.
8. P ontuação é a parte que regula a separação dos
pensamentos escrqitos por meio de signaes marcando as
pausas naturacs da elocução.
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

LEX ICO LO G IA

Das letras
9. Chama-se linguagem ou discurso a enunciaçao
verbal ou escripta dos pensamentos.
10. Todo o pensamento, ou complexo de pensamentos
encerrado por um ponto final denomina-se grammatical-
mente oração.
Exemplos:
O homem é um ente racional.
O homem é o unico dos entes deste mundo — que fica res­
ponsável p)elos seus actos.
11. Uma oração póde constar de uma ou de mais
palavras. Ex. Ouvi. — Que deve procurar o homem em todos
os actos de sua vida?
Uma palavra póde constar de uma ou de mais vozes.
Ex. JNão— respoyideis?
Uma voz póde constar de uma ou de mais letras. Ex.
O — hem.
12. As letras dividem-se em — vogaes c consoantes.
VoGAES são A E I 0 u Y. Assim se chamão por poderem
constituir do per si sós uma voz. Consoantes são todás as
mais letras, por nunca constituírem uma voz sem o con­
curso de ao menos uma vogal.
13. Cada voz representada por uma ou mais letras
denomina-se grammaticalmente syllaba. Assim é que, em­
bora diverso seja o numero das letras de que constão os
vocábulos do seguinte exemplo, cada um dellcs constituo
todavia uma só syllaba, porque cada um delles se enuncia
em um só voz : E' — um — dos — tres — trens...
PRLMEIRA PARTE - LEXIOOLOGIA

As palavras (pie, como estas, abrangem iima só syl-


laba, costumão ser chamadas 'tnonosyUabas, por ojiposição
ás que, abrangendo mais do uma, se cbamão polysyllabas.
14. Assim como, cm referencia ao precedente exemplo,
póde, já uma, já mais de uma consoante concorrer á for­
mação de uma só syllaba, também podem duas e até tres
vogaes encontrar-se n’uma só e mesma syllaba. Sendo
duas, o sou conjuncto chama-se dipiitiiongo; sendo tres
cbama-se tripiithongo.
Os diphthongos íicão, portanto, caracterisados pela cir-
cumstancia de se não deixarem separar as vogaes de que
constão, na emissão pausada das syllabas; assim em ai, ou,
lei, pai, mãi, lãa, mui, vãos, grãos, cães, ruins, deitão {dei—
tão^, cuidou {cui—dou^, etc. Aão se devem, porém, ter em
conta de ^diphthongos vogaes que, embora consêcutivas,
sabem disjunctas na pronunciação pausada, assim em eu,
meu, boa, tio, teus, doer {do-er), fiar {fi-ar), etc.
Os triplithongos ficão, do mesmo modo, caracterisados
pela circumstancia de se não deixarem separar as vogaes
de que constão, na emissão pausada das syllabas; assim
em guai, peão, deão, quão, união {u-nião), regiões {re-giões),
argueiro {ar-guei-ro), etc. Mas também não se terão em
conta de triphtbongos vogaes que, embora consecutivas,
não sabem conjunctamente na pronunciação pausada, assim
em joia {jo-ia), vaias {va-ias), raiar (ra-iar), catraeiro
{ca-tra-ei-ro), etc.
15. O que destas considerações se segue, é (tue, para
em qualquer palavra determinar-se o numero das syllabas,
basta proferí-las eni2:)batica e pausadamente, rej)utando-sc 1
como syllaba toda a voz que se emitte em um unico mo­
vimento dos orgãos da falia, meio este que, j)or exemj)lo,
na palavra pau-sa-da-men-te, denuncia cinco syllabas.

Divisão das palavras


16. Consideradas na sua natureza, as palavras se di­
videm em dez especies, que são: verbo, substantivo, artigo,
adjectivo, pronome, participio, preposição, advérbio, co?ijuncção
e interjeição.
V erbo é uma palavra que enuncia um facto.
Substantivo ou nome é uma palavra que designa entes
ou abstracções.
A rtigo é uma i:)alavra que, anteiiondo-se essencialmente
aos substantivos, e accidentalmente a iironomes ou mesmo
a verbos no infinitivo, confere-lhes um sentido preciso,
NOVA QRAMMATICA ANALYTICA

A djectivo é uma palavra que se accrescenta mediata


ou immediatamente aos substantivos, pronomes ou mesmo
a verbos no infinitivo para os qualificar ou determinar.
P ronome é uma palavra que, dispensando a frequente
reproducção dos substantivos, suppre-os em todas as suas
funeções.
P articipio é uma palavra que, procedendo do verbo,
coadjuva-o na conjugação, ou porta-se como mero adjectivo
junto a substantivos ou j^ronomes.
P reposição é uma palavra que se antepõe essencial-
mente a substantivos, pronomes ou verbos no infinitivo, e
accidentulmente a advérbios, para marcar uma relação.
A dverbio é uma palavra que se ajunta a um verbo,
participio, adjectivo, ou até a outro adverbio, para modi-
íicar-lhes o alcance de significação.
CoNJUNCçÃo é uma palavra que liga partes de uma
oração, ou orações completas, para denunciá-las como con-
nexas ou oppostas.
I nterjeição é uma palavra que implicitamente abrange
todos os elementos de uma proposição ou pensamento.
17. Pestas dez especies de palavras cliamão-se va­
riáveis as seis primeiras, e invariáveis as quatro ultimas.
São VARiAVEis as palavras que, sem sahirem de sua
espccie, passão por uma ou mais alterações de letras c pro­
nuncia. Pesta ordem são as palavras do seguinte exemplo :
« O nosso primeiro pai foi creado feliz »; pois, sem sahir de
sua especie, cada uma delias é alteravel nas suas letras e
pronuncia: « Os nossos primeiros pais forão creados felizes. »
São INVARIÁVEIS RS paUivras que, a não sabirem de
sua especie, não podem passar por nenhuma alteração de
letras nem de pronuncia. Pesta ordem são as palavras do
seguinte exemplo: « Desgraçadamente, porém, não para sempre »;
pois, de todas ellas, a unica passível de uma transformação
é desgraçadamente, que, deixando de ser adverbio, apresenta-
se como verbo em desgraçar, como substantivo em desgraça,
e como participio em desgraçado, mas permanece a mesma
como adverbio.
18. P a distineção das palavras em variaveis e inva­
riáveis torna-se obvio que a mór parte das regras gram-
) maticaes versa sobre as primeiras, visto como, por cífeito
mesmo de sua immutabilidade, as segundas não podem ori­
ginar nenhuma difficuldade de maior alcance.
Observação. Não é inopportuno fazer notar desde já
que, dentre as palavras variaveis, bastante numerosas são
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

as qiic, já o uso, já uma particularidade de conformação


ou de sentido inbibc do assumir as inflexões da variabili­
dade. Assim ó que o substantivo dó, o adjectivo simples o
o pronome que não })assão por nenbuma das alterações
próprias das classes a que pertencem. Taos excepçõos,
porém, por isso mesmo que são oxcepções, não invalidão
a declaração de variaveis que caracterisa as mais palavras
das mesmas classes, por ser este o cargo predominante do
sua Índole.
19. As causas que promovem a variabilidade, são
cinco: os números, os generös, os modos, os tempos e as pes­
soas. Não se entenda, todavia, que todas ellas actuem con-
junctamente em cada uma das diversas especies de palavras:
longo disto. O verbo ó variavel em numero, modos, teni])OS
e pessoas. O substantivo é só variavel em numero, Emfim
o artigo, o adjectivo, o pronome c o participio são variaveis
em numero e genero.
20. As alterações que produz a variabilidade, rocabom
goralmento sobre a idtima ou as ultimas syllabas da ])a-
lavra, que, por este motivo, soem ser designadas pelo ap-
pellido do TERMINAÇÃO, ou, ás vozes, em relação aos verbos,
pelo do INFLEXÃO.
21. N umero é a propriedade que têm todas as pa­
lavras variaveis de aceusar a unidade ou a pluralidade.
Dizem-so, no primeiro caso, do numero singular, o, no se­
gundo, de numero plural. Só dous são, portanto, os números
grammaticaes em portuguoz. Linguas ba, entretanto, como
as cslavonicas e o grego que têm mais.
22. Genero é a propriedade que têm as palavras va­
riaveis do aceusar uma distineção que recorda a differença
dos sexos. De genero masciãino dizem-se portanto, as pa­
lavras que, como varão e leão, adduzem ao espirito a idéa
de um ente macho; e, de genero feminino, todas as que,
como mulher e leôa, adduzem a do um ente fémoa. Quanto
ás palavras cuja significação fica albeia a toda c qualquer
distineção de sexos, o genero que tomão é determinado
por uma inducção do terminação ou do etymologia: assim
é que são masculinos pensamento c sol, c femininos idéa c
lua. Os mesmos verbos, no modo cbamado infinitivo, não
são desamparados desta propriedade; sómente o genero que
aceusão, é um só: o masculino: assim o comer c o beber.
muitas linguas, e entre as antigas o latim e o grego, têm
mais um genero, o neutro, que ficou gcralmentc supprido
em portuguez pelo masculino.
23. Modo é a propriedade que os verbos têm, de de­
nunciar a sua dependencia ou independência reciproca.
íT '^

6 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

24. T empo é a propriedade que os verbos tôm, de de­


clarar uma das tres épocas da duração : o presente, o pas­
sado e 0 futuro.
25. P essoa é a propriedade que os verbos têm, de, ria
maior parte dos casos, accusar, a sua sujeição ás tres per­
sonalidades do discurso, representadas syntlieticameiite pelos
seis pronomes seguintes: eu e nós, — tu e vós, — elle
( ella) e ELLEs (ellas). Na primeira pessoa, o verbo de­
nuncia quem falia; na segunda, a quem se falia; na ter­
ceira, de quem ou o de que se falia.

C A lF I T U L O I

DO VERBO
26. V erbo é uma palavra variavel que enuncia um
facto; ora trabalii.vmos é palavra enunciando um facto;
portanto trabalhamos é verbo.
27. Discrimina-se, alicás, pi*aticamentc um verbo do
outra qualquer es])ocie de palavras por lho competir ex-
clusivamonte a faculdade de se conjugar, isto é, do se mo­
dificar em terminação sob a influencia dos referidos ]iro-
nomes eu, tu, elle ( ella), — nós, vós, elles ( ellas). E x . ;
Eu trabalho Nóstrabalhamos
Tu trabalhas Fos trabalhais
Elle trabalha Elles trabalhão
28. Considerado em si, o facto reverte forçosamento
em uma das tres seguintes categorias: elle é de acção de
ESTADO ou DE NECESSIDADE. ’
Exemplo :
_B asta que sejamos infelizes, para não contarmos ?nuitos
amigos.
Tios são os verbos que ahi concorrem á enunciação
do pensamento: basta, sejamos a contarmos; cada um delfes
porem, pertence a uma categoria diversa: pois contarmos
(de contar) e verbo de acção; sejamos (de ser), verbo de
estado , e basta (de bastar), verbo de necessidade.
. fundamentos em que se baseia esta triplice divisão,
virao opportiinamcnto declarados, bem como as importantes
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

deducções que delia se tirão, mórmente na parte syntaxica.


Todavia, sendo possivel tornar desde já saliente o mais at-
tendivel dos caracteristicos que os distinguem, convem
tanto mais já agora expô-lo, pois que constitue um ponto de
doutrina diversamente explicado, embora só se compadeça
com uma unica solução.
Eeassumindo-se, como termos de experimentação, os
tres verbos acima referidos, vê-se que dous delles; contar e
ser, se prestão no exemplo adduzido, a formar sentido com
um dos pronomes distinctivos da conjugação: Basta que
NÓS SEJAMOS infelizes, para nós não contarmos muitos amigos.
Vê-se mais, que os dous mesmos verbos se não recusão a
formular o, mesmo pensamento com outros pronomes da
mesma classe: Basta que tu sejas infeliz, para tu não con­
tares muitos amigos. Porém, seja qual fôr a modificação
introduzida na expressão deste pensamento, nunca será
possivel sujeitar o verbo basta á influencia do pronome
que sua terminação parece avocar; elle ( ella), e menos
ainda á de outro qualquer.
Portanto o que se póde e deve concluir desta expo­
sição, é que os verbos de acção e de estado se deixão
coadunar em sentido com os pronomes conjugativos; porém
os verbos de necessidade, nunca. Estes só se assemelhão
aos precedentes pela faculdade de apparecerem, nas evo­
luções da conjugação, com a terminação propria da terceira
pessoa do singular (B asta. — Elle {ellai) trabalha.
29. Junto á significação que a cada um é peculiar, os
verbos despertão ainda, na enunciação dos pensamentos,
quatro idéas accessorias, que lhes constituem outras tantas
feições : ellas são de modo, de tempo, de numero e de
PESSOA. As duas primeiras são inbcrentes a todas as ma­
nifestações do verbo; as duas ultimas, nem sempre.
Tendo geralmente os grammaticos confundido íis/eições
coni as fôrmas do verbo, não será fóra de proposito extremar
o sentido que a cada um destes termos compete.
As fôrmas do verbo são a sua mera manifestação^ pela
elocução ou pela escripta. Na elocução, ellas constão de
vozes; na escripta, de letras. Assim é que « Trabalho »
é uma só e unica fórma do verbo trabalhar; nao é, porém,
uma feição. _ ^
As feições são os diversos conceitos que dimanao con-
junctamente de uma só e mesma fórma. Assim é que, em
« T rabalho », depara-se com uma feição de modo, que é a
do indicativo; com uma feição de tempo, que é a do pre­
sente ; com uma feição de numero, que é a do singular;
emfim com uma feição de pessoa, que é a da primeira: em
summa, quatro feições jorrando de uma só fórma.
y rJ t ' --
8 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Fiija-se, portanto, da definição dos modos, tempos, nu­


meros e^ pessoas por esto teor, que, embora soja o da tra-
diçHO, nao deixa do ser perfeitamente illo^ico: « O modo é
a forma que toma o verbo... w— «O tempo é a fôrma que
toma 0 verbo... » — « O numero é a fôrma que toma o verbo... »
— n A pessoa e a fôrma que toma o verbo... »

Dos modos
30. Não é possivel emittir um pensamento sem que
nelle occorra, expressa ou tacitamente, ao menos um verbo,
lodos os outros tempos podem fiilbar; elle, não. Bx. Chove.
31. O verbo preside, portanto, a todo o qualquer pen­
samento, e, em virtude desta funcção, serve-lhe analytica-
mente do representante. A sua mesma denominarão é a
declaraçao concisa de sua primazia, pois verbo sie-nifica
etvmologicamente palavra por excellencia.
32. Mas 08 pensamentos apparecem, no discurso já
SOLTOS ja CONNEXOS, conformo se desamparão ou se ajudão
os verbos que os dominão.
Os pensamentos apresentão-se soltos quando de tal
modo se deixao aiiartar, que cada um pódc subsistir de
per 81 so sem obscuridade nem falseamento de sentido.
X. ^eos CMOU 0 eéo e a terra. — Tudo proclama a omni­
' \,
potência de Deos.
Os pensamentos apresontão-se connexos quando de tal
modo se prendem pelos verbos que os representão, que
nao se deixao apartar sem obscuridade ou falseamento de
sentido, Bx Injelizmente não poucos sÃo 05 homens — que
DENEGAO a Deos 0 culto — que se lhe deve, — como se assim
se SUBTRAIIISSEM a seu poder.
Ninguém ha que, applicando a estas duas ordens de
pensamentos os critérios expendidos, deixo do reconhecer
na primeira, dous pensamentos soltos ou independentes, e
uL^ta^outros^^^^'*^ pensamentos connexos ou dependentes
^33. Como, porém, sob esta dupla influencia de colli-
gaçao ou de apartamento dos pensamentos, os verbos os-
tentao series de formas^ bastante variadas, indagou-se à L
ausas que as origmavão, e achou-se que erão cinco, con­
tei indo cada uma ao tacto uma feição especial. A estas
cinco series ou grujios de formas deu-se a Lnominação cíe
MODOS 0 a coordenação geralmcnte adoptada na sua^expo­
sição foi a seguinte: o indicativo, o condicional, o ijupe-
RATIVO, o SUBJUNCTIVO e O INFINItÍv O.
o piimeiio apresenta o facto como eefectivo ; 0 so-
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 9
gundo, como condicional ; o terceiro, como mandado ; o
quarto, como iiypotiietico ; o quinto, como indeterminado.
Porém as relações mutuas dos modos jogão com tantos
outros quesitos grammaticaes, que não podem ser devida­
mente aquilatados senão na parte syntaxica.
34. Todavia, pela sua summa importância, cumpro
ter como desde já estabelecido nm principio quo domina
toda a theoria dos verbos, e vem a ser o seguinte; O verbo
só se torna representante de nm pensamento em um dos
quatro primeiros modos; no quinto, ou infinitivo, 2uinca o
é, porque, neste ultimo caso, suas principaes funeçoes são
sempre as de um mero substantivo. Por isso é, por exem­
plo, que « Chove » enuncia do })cr si só um pensmnento, ao
passo que « Chover » enuncia apenas uma idéa, isto é, nm
dos elementos de um pensamento, mas não um pensa­
mento.
Dos tempos
35. Todo e qualquer facto, humanamente fallando,
rcalisa-se no tempo. Fóra desta condição, o homem não
concebe nada directa e affirmativamentc; pois, para elle, a
eternidade é uma idéa indirecta e negativa : « O que não
qwincipia nem acaba. O tempo é assim a succcssão das
cousas. A successão das cousas abrange, sem mais nem
menos, tres épocas, chamadas épocas da duração: o pre­
sente, 0 passado e o futuro. A recordação de temi)0 é,
portanto, inseparável da enunciação de facto.
36. Por associação do idéas, todo o qualquer conjuncto
de fôrmas verbaes recordando uma mesma época da du­
ração veiu a ser chamado em Grammatica tempo do
VERBO.
Os tempos são assim as feições mediante as quacs os
verbos indicão, dentro dos modos, as tres épocas da du­
ração.
37. A’ vista desta consideração, talvez deduza-se an­
tecipadamente a consequência que, em cada modo, devão
ser sómente tres, e sempre tres os tempos verbaes, a saber :
um conjuncto de fôrmas para o presente, outro para o pas­
sado, e outro, emfim, para o futuro. Na realidade não é
assim, e em nenhuma lingua existe tão systematica dispo­
sição. Em portuguez, notavelmente, os tempos são oito
no indicativo, quatro no condicional, um no imperativo,
OITO no subjunctivo, e seis no infinitivo.
38. As razões donde dimana tal desigualdade, são
duas. A primeira consisto cm que, n’um mesmo modo,
10 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

dous ou mais tempos alludem iterativamente a uma mesma


época, ao passado, por exemplo: E stive hontem incommo-
dado, — como já o estivera antes de hontem, — como o tenho
ESTADO todos os ãnnos nesta mesma estação. A segunda con­
siste em que, pelo contrario, um só e mesmo tempo pódc
alludir a duas, ou até ás très épocaB da duração, sendo em
tal .caso determinada a época precisa por meio de um
termo accessorio, como agora, hontem, amanhã, etc. Ex. Eu
desejâra que Vm. estivesse agora e?n sua casa, — estivesse
HONTEM em sua casa, — estivesse amanhãa em sua casa —
■para providenciar âcerca deste assumpto.
39. Para ter, aliás, dos tempos do verbo, uma noção
exacta, importa considerá-los sob o triplice aspecto do seu
alcance, da sua fôrma e da sua procedência.
40. Em relação ao seu alcance, os tempos podem
aventar, ou uma só, ou duas, ou até as très épocas da du­
ração Os dous referidos exemplos verificárão antecipada­
mente esta allegação.
41. Em relação á sua fórma, os tempos são simples
m ou COMPOSTOS. São simples quando constão de uma só pa­
lavra, assim em 1er, leio, lí, léra, lerei, etc. São compostos
quando constão do mais de uma palavra, assim cm ter lido,
tenho lido, tenho sido lido, hei de 1er, estou lendo, etc.
42. Em relação á sua procedência, todos os tempos,
salvas poucas cxccpções, se deduzem da de suas fôrmas
simples cuja significação é a mais indeterminada, e con­
stituo por si só, na ordem das series conjugativas, o pri­
meiro tempo do infinitivo, cabendo-lhe por isso a denominação
de TEMPO PRIMORDIAL. O SOU caractcristico é acabar for-
çosamente em ar, er ou ir, com excepção tão sómente do
verbo pôr, e dos que dclle se derivão, como compor, depor,
propôr, etc.
Todavia, tendo-sC observado, em um certo numero de
verbos, que alguns tempos simples se deixão deduzir, por
uma filiação mais natural, de outros tempos que não do
primordial, — assim em caber, os tempos coubera, coubesse,
couber de coube ; — em poder, os tempos pudera, pudesse,
puder de pude ; — julgou-se de algum proveito o substabe-
lecimento de uma divisão dos tempos em primitivos e em
derivados, para sujeitar á lei da regularidade até as fôrmas
anormaes de alguns verbos cxcepcionaes. Desta divisão
trata-se cm lugar opportune.
43. Sendo as vozes ar, er, ir do tempo primordial a
unica porção da palavra que, na mór parte dos verbos,
soífrc as alterações denunciando as feições de modo, tempo.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 11

numero c pessoa, assentou-se em designá-la pelo nome de


TERMINAÇÃO, poi* opposíção á popção geralmente inflexível,
que ficou denominada radical (de raiz). Assim é que em
amar, render^ punir, o radical consta de am, rend, pun ; ao
passo que a terminação se entende, não só de ar, er, ir,
senão também de todas as transformações por que passão
estas vozes no correr da conjugação.

T ABELL A SYA^OPTICA DOS TEMPOS DO VEPBO


INDICATIVO
1. ® tempoPresente.
2. ®TEMPOPassado imperfeito.
3. ® TEMPOPassado perfeito.
4. ®TEMPO Passado perfeito composto.
5. ® TEMPOPassado mais que perfeito.
6.® TEMPO Passado mais que perfeito composto.
7. ®TEMPO Futuro.
8. ® TEMPOFuturo composto.
CONDICIONAL
1. ® TEMPO
Presente-passado-futuro proprio.
2. ®TEMPOPassado proprio.
3. ®TEMPOPresente-passado-futuro supplementär.
4. Passado supplementär.
® TEMPO
IMPERATIVO
T empo unico: Futuro.
SUBJUNCTIVO
1. ®TEMPOPresente-futuro.
2. ®TEMPOPresente-passado-futuro jiroprio.
3. ®TEMPOPresente-passado-futuro supplementär.
4. Preterito perfeito.
® TEMPO
5. ®TEMPOPassado mais que perfeito proprio.
6. ®TEMPOPassado mais que perfeito supplementär.
7. ®TEMPOFuturo.
8. ®TEMPOFuturo composto.
IN FIN IT IV O
1. Presente-passado-futuro impessoal.
®TEMPO;
2. Presente-passado-futuro
®TEMPO : pessoal.
3. Passado impessoal.
®TEMPO :
4. ®TEMPO ;
Passado pessoal.
5. Gerúndio
® tem po : simples.
6. Gerúndio
® TEMPO : composto.
12 NOVA GRAMMAÏICA ANALYTICA

A dvertencia. ISJ’iio se compadecendo bem, jDor mais


de uma consideração, o estiramento inevitável de algumas
denominações de tempos com a concisão reclamada pelas
evoluções dos processos analyticos, preferível é designar
cada tempo por sua ordem numérica. Em vez de Passado
mais que perfeito eomposto do indicativo, diga-se, portanto,
simplesmente: Sexto tempo do i?idicativo, e assim dos de­
mais.
44. Pela inspecção desta tabella deve-se notar que,
com excepção do im])erativo, todos os mais modos são sus­
ceptíveis de indicar, por um ou mais tempos, as tres épocas
da duração. A razão que faz com que o imperativo só
tenha um tempo, e com que este unico tempo soja sempre
um futuro, funda-se na consideração de ser a sua funcção
especial a enunciação de um mando ou rogo, de um con­
selho ou de uma concessão. Ora, não sendo nenhum destes
actos concebível em relação a um facto já perpetrado, ou
em via de perpetrar-se, claro é que um verbo no impera­
tivo forçosamente allude ao futuro, mas nunca, como alguns
pretendem, ao presente, e menos ainda ao passado. Pois,
dizendo alguém: « Sake ou Saht! » por mais depressa quo
se cumpra a ordem, o facto nunca deixará de se dar pos­
teriormente ao mando. Desta observação originão-se, em
outras partes da Grammatica, varias considerações de inte­
resse pratico. Ex. L ançai os olhos por todo o mundo, e
VEREIS (não: vÊDEsj que todo eile vem a resolver-se em buscar
pão p>ara a boea. (P. Ant. Vieira).

Das pessoas e dos numeros no verbo


45. Quem attende á significação e ao emprego dos
pronomes conjugativos já rei)etidamonte mencionados, nota
que quatro delles : eu c tu, — nós e vós, — só se prestão
a re])resentar pessoas. Pois eu e tu podem ser JoÃo ou
Maria ; nós e vós, JoÃo o Maria ; ])oréni, em todo e qual­
quer caso, não se entendem senão de homens, ou, quando
muito, de entes accidentalmente afigurados como homens.
Os outros pronomes da mesma classe: elle ( ella), e elles
( ellas), dotados de alcance mais amplo, tanto podem re­
presentar pessoas como também cousas, ou mesmo abs-
TRACÇÕES. Assim é, com eífeito, que elle o ella , não só
se podem substituir ’^a JoÃo o Maria, que são jiessoas,
\ I como a cÉo e terra, que são cousas, como cm fim a vicio
e virtude, que são abstracções. Do mesmo modo podem
r- elles e ELLAS substituii', tanto a JoÃo e P edro, a J oanna
e Maria, como a céos e terras, a vicios c virtudes, Da
‘-C.{
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 13

circiimstancia de assim competirem todos estes pronomes


a pessoas, e a mór parte cxcliisivamente a pessoas, ori­
ginou-se a sua denominação generica do pronomes pessoaes.
46. Além da idéa de personalidade, os mesmos pro­
nomes aventão duas outras: uma de numero, manifesta cm
ew, tu, elle {ella) para o singular, em nós. vós, elles (ellas)
para o plural ; e outra de genero, occulta em eu e tu, —
nós o vós, e manifesta cm elle e ella, — elles e ellas.
47. Ora indagando-se qual seja a relação que entre
os referidos pronomes se estabelece, o o verbo adduzido
para com elles formar sentido, depara-se que o verbo, como
por deferencia aos mesmos pronomes, muda de terminação
a medida que passa de uma pessoa para outra, c de um
numero para outro.
SINGULAR PLURAL
1 P. Eu folio (o) Nós falíamos (amos)
2. “ P. Tu fa lla s ( as) V ós fallais ( ais)
3. ^ P. Elle (ella) falia ( a) Elles (ellas) fallão (Ão)
Porquanto, nos dous únicos tempos em que todos os
verbos disponsão o concurso dos mesmos pronomes, isto é,
no 1.® c no 3.° do infinitivo, nenhuma semelhante mudança
se dá, a forma permanece uma só, o esta forma não des­
perta idéa alguma de pessoa nem de numero. Ex.
Amar. Render. Punir.
Ter amado. Ter rendido. Ter punido.
Portanto as idéas de numero e do pessoa não pre­
existem no verbo, não lhe são necessariamente inherentes
; como as de modo e de tempo, mas vão-lhe impostas pelos
í pronomes conjugativos.
'Z- Assim se explica também porque os verbos de necessi­
dade não ostentão em cada tempo senão uma unica fórma,
a da terceira pessoa do singular: « Chove, choveu, choverá... «,
fórma essa tão despida da feição de numero, como da do
pessoa, pelo simples motivo que não lhe vai imposta, nem
por ELLE ou ELLA, ncm por outra qualquer palavra.
Numero e pessoa no verbo são assim um mero reflexo
da pessoa c do numero dos pronomes conjugativos.
48. Entretanto, urgidos pela necessidade de designar
por uma expressão peculiar a acção destes pronomes sobre
o verbo, os antigos grammaticos assentarão em attribuir-
Ihes neste particular a funeção de sujeitos do verbo. Ora,
como, em vez de se sujeitarem ao verbo, o verbo é quo^a
elles se sujeita, impossivel era escolher uma denominação
NOVA QRAMMATICA ANALYTICA

mais desacertada. Porém, vindo reproduzida desde séculos


em todas as grammaticas, enraizou-se ella de tal modo na
nomenclatura litteraria, que não é já licito substitui-la pela
de regentes que fôra entretanto mais adequada.
Observação. Destas considerações sobre as pessoas
verbaes decorre naturalmente que, assim como não cabe ao
IMPERATIVO senão um unico tempo, também não lhe cabe
senão uma unicajiessoa: a segunda do singular, e a segunda
do plural; porque não se concebe, em these geral, um acto
de mando, rogo, conselho ou concessão senão como dirigido
a quem é representado por tu ou vós, isto é, á pessoa ou
ás pessoas a quem se fall a.
E’, porém, particularidade da lingua portugueza que
nao se compadeção as mesmas fôrmas do imperativo com
nenhum vocábulo implicando negação, como não, nunca,
etc,, sendo, em tal caso, substituídas pelas fôrmas corres­
pondentes de 1.® tempo do subjunctivo. Ex. « O’ nieu amado
Senhor! fallai-me por vós mesmo; não me falleis pelas
vossas c?eaturas I » (P. Man, Bernardesj.— « Comei vós outros^
pohies estrangeiros^ e não vos desconsoleis por vos verdes
dessa maneira. » (Eernão Mendes Pinto).

Do sujeito
V 49. S ujeito é a palavra ou conjuncto do palavras que
rege ao verbo em numero e j^essoa.
50. Conforme a significação do verbo, o sujeito se
apresenta, ou como o autor do facto, assim em julga,
ou como o objecto do facto, assim em E lle é julgado.
Porém, neste, como naquelle caso, ó distinctivo delle que
imponha ao verbo a concordância em pessoa e numero:
portanto rege-o. Basta, com effeito, para verificar a exa-
ctidao deste principio, mudar o numero do sujeito, para
que, da mesma feita, lhe corresponda no verbo uma modi­
ficação adequada. Ex. E lles julgão. — E lles são julgados.
51. O sujeito pôde constar de uma ou de mais pa­
lavras; porém, seja qual fôr .o seu numero, ellas pertencem
restrictamente, ou á classe dos substantivos, ou á dos pro­
nomes, ou á dos verbos em um dos quatro primeiros
tempos do Jnfinitivo. Cumpre attender, além disso, que
coni excepção dos pronomes eu e tu, nós e vós, todas as
mais palavras avocão necessariamente no verbo a terceira
m ■- pessoa do singular ou a terceira do plural.
hh
l';k I
52. Discrimina-se, aliás, praticamente o sujeito fa-
gendo-se com o verbo a pergunta: « Quem é que..,f » para
C-

íi'
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 15

as pessoas, e: « Que é o que...? para as cousas ou as


abstracções. A palavra ou conjuncto de palavras que acóde
naturalmente em resposta, abrango o sujeito.
Exemplos :
D eòs disse : — « Faça-se a luz !» — e a luz foi feita. —
Quem é que disse? D eos. — Que é o que se havia de fazer?
A LUZ ! — Que é que foi feito ? A luz. {Sujeitos de substan­
tivos).
Não só NÓS passamos, — como tudo passa. — Q u e m ó
q u e passa? N ó s . — Q u e é o q u e passa? T u d o . {Sujeitos de
pronomes).
O DAR e 0 PREMIAR são cousas muito differentes. (P. Ant.
Yieira). — Que é o que são cousas muito diferentes? O dar
e 0 PREMIAR. {Sujeitos de infinitivos).
Não se FAZEREM MERCÊS é faltar com o prêmio á vir­
tude. (P. Ant. Vieira). — Que é o que se deve fazer ? Mercês.
— Que é faltar com o prêmio ã virtude ? Não se fazerem
mercês.
N ota. O que ha de mais attendivel neste ultimo
exemplo, é que o infinitivo pessoal fazerem, por isso mesmo
que é pessoal, tem um sujeito no substantivo mercês, ao
passo que o infinitivo faltar, por ser impessoal, não tem
nenhum. Porém o mesmo infinitivo fazerem, actuando
por sua vez sobre o verbo É, constitue-lhe o sujeito. f
53. Constando o sujeito de um pronome pessoal, não
é só licito, como até preferivel omittí-lo todas as vezes que
da sua suppressão não fica prejudicada, nem a clareza do
pensamento, nem a euphonia da dicção. Assim é que^se t
depara com uma hem justificada omissão dos referidos pro­
nomes no seguinte exemplo :
(( A ma o teu inimigo, porque, se o não queres amar por­
que É teu inimigo, déve-?o amar porque É homem. » (P.- Ant.
Vieira). Com o restabelecimento dos pronomes, tornar-sc-
hia a dicção insoífrivel : « Ama tu teu inimigo, porque, se
o

TU 0 não queres amar porque elle é teu inimigo, tu deveso

amar porque elle é homem. »


Nest’outro exemplo, porém, torna-se obvia, pelo motivo
contrario, a conveniência da enunciação dos mesmos pro­
nomes: i(. Fsse mesmo inimigo é mais verdadeiro amigo teu
que os teus amigos: elle estranha e condemna os teus defeitos,
e elles o s adulão e lisonjeião. » (P. Ant. Vieira).
Outrosim serve esta ultima oração para demonstrar
ainda que um só e mesmo sujeito póde actuar sobre dous
ou mais verbos ( elle estranha e condemna... elles adu­
lão e lisonjeião...).
16 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Dos complementos
54. Se todos os verbos de acção o de estado são ca-
racterisados j:)ela regencia de um sujeito expresso ou occulto,
0 os verbos de necessidade, pela deficiência de todo e qual-
qiiei ^ sujeito, quer expresso, quer occulto, uns e outros
adquirem, da assistência ou da falta de um complemento,
novos distinetivos para uma classificação que, embora di­
versa, torna-se, na pratica, tão indispensável como a an­
terior.
55. Complemento é a palavra ou conjuncto do palavras
que^ junto a um verbo, inteira-lhe o sentido. Exemplo :
(( iLmcnda-T^. »
56. Inteirando-lhe o sentido sem proposição, o com-
p emento ó directo : (Ama teu proximo) ; inteirando-lh’o
com preposição, o complemento é indirecto (Ama de co- ^
ração).

57. O complemento directo consta de substantivos,


de pronomes, ou de verbos em um dos quatro primeiros
tempos do infinitivo; o complemento indirecto consta de
substantivos, de pronomes, de verbos em seja qual fôr o
tempo do infinitivo, e emfim de advérbios ou de locuções
adverbiaes. ^
58. Os complementos directos de substantivos ou pro-
nomes competem só e unicamente a certas classes de verbos
e poi isso constituem um distinctivo; os complementos di-
lectos de infinitivo competem a todas as classes de verbos
e por ISSO não constituem nenhum distinctivo didactico. ’
Os complementos indirectos, de alcance mais amplo que
08 diiectos, coni])etem, não só a todos os verbos, como
amda aos substantivos, adjectivos, pronomes, participios, e
ate aos advérbios; delles não tira, portanto, a theoria do
verbo nenhuma mducção particular. Q_seu característico
resume-se, alias, no seguinte aphorismo grammatical: E'
COMPLEMENTO INDIRECTO toda a polavra regida de uma pre­
posição expressa, occulta ou implícita.
59. Sendo assim complementos directos de substan­
tivos ou PRONOMES os unicos de cuja noção não póde
lirescindir a lexicologia, importa saber que se discriminão
jiraticamente accrescentando-se ao verbo, sob fórma de per­
gunta, as palavras: «Q ue pessoa? » ou « Que cousa? » Os
substantivos _ ou pronomes prestando-se a uma resposta
idonea constituem o referido complemento. Ex. Teu ini­
migo estranha os teus defeitos, e teus amigos os adulão, _
r■
PKIMEIHA PARTE - LEXICOLOGIA 17

Teu inimigo estranha que c o u s a O s teus defeitos ? — Teus


amigos adulão que cousa f Os (os teus defeitos).
00. Os complementos podem, aliás, constar, junto a
um mesmo verbo, do uma ou de mais palavras: Ex. A
usura DESTROE as casas e famílias. E, por correlação, um
só 0 mesmo complemento póde competir a dous ou mais
verbos successivos. Ex. A usura destroe as casas e fa-
müias, — e AS empobrece, despeja e affronta. (P. Man.
Bernardos). — Este mesmo exemplo proporciona ainda o
ensejo de verificar que, ao contrario dos sujeitos, os comple­
mentos têm por característico de nunca influir sobro o nu­
mero dos verbos aos quaos se ajuntão; pois, ao passo que,
alii, todos os mesmos complementos accusão o plural {casas
e familias, —as), todos os verbos denuncião a feição sin­
gular do seu sujeito usura {destroe, — empobrece, despeja e
affronta).
Gl. Os complementos directos de substantivos ou pro­
nomes competem a grande numero de verbos de acção, e
mesmo a verbos de necessidade; nunca, porém, aos verbos
de estado.
Do predicado
G2. O PREDICADO, a que a maior parte dos gramma-
ticos cliamão attributo, é a palavra ou conjuncto de ])ala-
vras que enuncia uma qualidade, propriedade ou situação
do sujeito mediante um verbo de estado. Ex. O maior ty-
RANNO foi Herodes; mas os seus aduladores ainda forão
maiores tyrannos, porque o rei foi tyranno dos vassallos, e
os aduladores forão tyrannos dos reis. (P. Ant. Vieira).
63. A feição característica do predicado, feição que
terminantemente o discrimina do complemento directo, é uma
constante tendencia a concordar em genero e numero com
o sujeito ao qual se refere. Ex. Os pobres são os ban­
queiros de Teos. (P. Ant. Vieira). — Um homem antes da
união é UM. (P. Ant. Vieira). —■Não fazerem mercês os reis
seria não serem reis. (P. Ant. Vieira).— Nenhuma seme­
lhante tendencia de accôrdo existe entre o com])lemento
directo e o sujeito; e, quando ambos se encontrão n’um
mesmo genero c numero, não ó pela reciproca influencia, e
sim por mero acaso. Pois indifferento é dizer: « Teu amigo
lisonjeia teus defeitos, w ou Teus amigos lisonjeião teus de­
feitos. ))
64. Apezar de, os tres predicados serem, nos tres
exemplos acima adduzidos, um substantivo (banqueiros),
um pronome ( um), e um verbo no infinitivo ( serem), são
2
I;»

18 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

estas as especies de palavras as menos idôneas, para con­


stituir 0 termo de que se trata. As que mais especialmente
se prestuo a esta funcção, são os adjectivos e os parti-
cipios, porque, pela sua flexibilidade cm genero e nurnero,
melhor se accommodão á concordância solicitada pelo sujeito.
Ex. Se os homens vos são ingratos, não sejais vós ingratos
a Deos. (P. Ant. Vieira). — Os aduladores são parecidos
aos quatro animaes do Apocalypse. (P. Ant. Vieira).
65. Assim como os sujeitos c os complementos, também
póde 0 predicado constar de uma ou de mais palavras.
Ex. Doeg disse a Saul que David era prudente, guerreiro,
ESFORÇADO, gentil-homem, VIRTUOSO, c DOTADO dc outras
tantas boas partes! (P. Ant. Vieira).
66. Sendo os predicados incompativeis por indole com
os verbos acompanhados de um complemento directo de
substantivo ou dc pronome, a sua assistência junto a um
verbo dcnuncia-o como verbo de estado. Ex. Um È apfei-
çoADO á caça; c, quando os cães andão luzidios e anafados,
ver-lhe-heis os criados pallidos, e mortos a fome. (P. Ant.
Vieira).
Da apposição
67. Embora seja a apposição uma funcção que nenhuma
influencia exerce sobre o verbo, nem tão pouco dclle ne­
nhuma recebe, não deixa de haver opportunidade em ^de-
finí-la desde já, ainda que não fosse senão para a discriminar
da de sujeito, de complemento ou de predicado, e prevenir
assim toda e qualquer confusão no jogo reciproco das pa­
lavras dentro da oração.
68. A pposição é a palavra ou conjuncto de pa­
lavras variaveis que se associa a um sujeito, complemento,
predicado ou até a outra apposição para a determinar ou
qualificar. Assim é que, no ultimo trecho do precedente
exemplo: «. . . e ver-lhe-heis os criados pallidos, e mortos a
I '!■
fome, » — apparecem tres apposiçõos: a do artigo os, a do
adjectivo pallidos, e a do participio mortos, que todas,
por uma referencia visivel ao complemento directo criados,
se<ruem-lhe servilmente a sorte.
69. E ’ distinctive das apposições o concordarem, ou,
pelo menos, o tenderem a concordar em genero e numero
com a palavra por ellas amparada. Por isso é que as es­
pecies de palavras essencialmente idôneas a exercer esta
funcção são os artigos, os adjectivos c os participios. ^ s
artigos até jqão têm nem podem ter outra funcção.
Poréin" está mesma fulficÇítÔ lião fica alheia, nem aos
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

substantivos, nem aos pronomes, nem aos verbos no infini-


tivo, justificando-se assim a allegação de ser propria de
todas as espeeies de palavras variaveis, Ex. Ontros com-
jparão os aduladores ao espelho, retrato natural e reciproco
de quem nelle se vê. (P. Ant. Vieira). Ahi é o substantivo
retrato apposição do complemento indirecto ao espelho,
como, outrosim, são apposições da mesma apposição os ad-
jectivos NATURAL e reciproco, que a ella se referem, e com
ella concordão. — Os nossos ministros, ainda quando vos
despachão bem, fazem-vos os mesmos tres damnos: o do di­
nheiro, porque o gastais; o do tempo, porque o perdeis; o das
passadas, porque as multiplicais. (P. Ant. Vieira). Abi é o
pronome — o — tres vezes a apposição do complemento di­
recto DAMNOS, ao qual se refere com toda a evidencia, mas
com 0 qual só é-llie licito concordar em genero. — El rei
Dario, sendo ainda homem particular, recebêra de um grego
uma capa de grãa. (P. Man. Pernardes. Ahi é o gerúndio
SENDO, que constitue uma das formas do infinitivo de ser,
a apposição do sujeito D ario, porque a elle tende por uma
referencia tão exclusiva, que elimina qualquer possibilidade
de equivoco, embora não possa, por falta de variabilidade,
patentear a sua annexação pela concordância.
Da ligação
70. L igação é a palavra ou conjuncto de palavras
servindo a consociar, por interposição, palavras ou pensa­
mentos. Ex. Ouida a providencia politica que os reinos se
conservão com ferro e com bronze, e sobretudo com ouro e
com prata; mas é engano. (P. Ant. Vieira). Ahi consocia
a conjuneção que o pensamento representado pelo facto
CUIDA com o pensamento representado pelo facto conservão ;
a primeira conjuneção e consocia dous substantivos formando
um complemento indirecto (com ferro e com bronze); a se­
gunda conjuneção e consocia, com o pensamento anterior,
um pensamento representado pelo facto occulto se con­
servão ( e que se conservão sobretudo...); o terceiro e
consocia novamente dous substantivos formando um com­
plemento indirecto (pom ouro e com prata)', emfim a con­
juneção mas consocia, por opposição, o ultimo pensamento
rejiresentado pelo facto É, com todos os anteriores.
71. As palavras essencialmente idóneas para constituir
uma ligação não são tão sómente as conjuneções, senão
também todos os adjectivos, pronomes e advérbios abran­
gendo aberta ou disfarçadamente que. Porém, neste ultimo
caso, os mesmos adjectivos, pronomes e advérbios cumulão
sempre com a funeção de ligação uma das outras funeções
20 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

que são proprias da cspecic de palavras a que pertencem,


isto é, formão outrosim outros tantos sujeitos, complementos,
predicados ou apposiçõcs.
72. As ligações exercem nos verbos uma notável in­
fluencia pelas relações que entre elles estabelecem; mas,
por isso mesmo, subtrahem-se a um exame mais detido
nesta parte da grammatica, que só trata da natureza e das
formas das palavras. A exposição doutrinal das conside­
I I
rações a que se prestão, constitue, conjunctamente com a
theoria das outras funcções, o thcma especial da syntaxe,
sendo estas aqui tão sómente esboçadas porque, da sua
noção previa, não é possivel abstrahir para firmar cate­
goricamente numerosas e importantes innovações de. classi­
ficação lexicologica.

Classificação dos verbos


73. Considerados no seu alcance, isto é, no modo por
que se prendem ás outras especies de palavras, todos os
verbos são factos de acção, de estado ou de necessidade.
Considerados no seu desenvolvimento, isto é, na variação
de suas fôrmas, os verbos recebem outra classificação, di-
vidindo-sc primariamente em elementares e em combi­
nados.
Verbos elementares são os que, no decurso da conju­
gação, têm TEMPOS SIMPLES c TEMPOS coMPOSTOjí. Vcrbos
combinados são os que, no decurso da conjugação, só têm
TEMPOS COMPOSTOS.
Por CONJUGAÇÃO ciitendc-sc a coordenação metbodica
de todas as modificações do verbo.
74. Os verbos elementares não diíferem originaria-
mente dos combinados, porquanto, em uns e outros, o
RADICAL é o mesmo. Mas, na ordem da procedência, os
primeiros servem a formar os segundos, e esta é a razão
de sua denominação de elementares. Assim ó que os verbos
AMAR, RENDER e PUNIR, que, sem sabirem do mesmo desen­
volvimento conjugativo, fazem ter ou haver amado, ter
ou HAVER RENDIDO e TER OU HAVER PUNIDO, COnstitllCm
verbos elementares; porquanto, em um tempo, patenteião
uma fórma simples, e, em outro, uma fórma composta.
Porém os verbos ser ou estar amado, — ter ou haver
DE RENDER, — ESTAR PARA RENDER, — ESTa R .^UNINDO, quO
também, sem sabirem do mesmo desenvolvimeiAo conjuga­
tivo, fazem ter ou haver sido ou estado amado, — ter ou
HAVER TIDO OU HAVIDO DE RENDER, — TER OU HAVER ESTADO
PARA RENDER, — TER OU HAVER ESTADO PUNINDO, COllStituem
PllIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

vci’büs combinados ; porquanto, nestes dons tempos, eomo


cm todos os mais, não patenteião senão formas compostas.
75. Assim como consta dos referidos exemplos, as
formas compostas constituem-se, nos verbos elementares,
]mlo concurso dos verbos teu ou haver; nos verbos com­
binados, pelo concurso, não só de ter ou tiaver, como
também do ser ou estar. A esta eircumstancia deverão
todos estes quatro verbos o appellido signiíicativo do verros
AUXILIARES, sondo este todavia restricto aos casos cm que
se confundem cm sentido com o verbo auxiliado ; pois, fora
da combinação, são elementos eomo outros quaesquer.

Dos verbos elementares


76. Os verbos elementares snbdividcm-sc cm activos,
neutros, pronominaes e impessoaes.
77. O VERBO ACTIVO tcm um complemento directo dc
substantivo ou pronome, e é convertivel em ]iassivo, um
dos verbos combinados. Ex. Teu inimigo estranha e cos-
DEMNA os teus defeítos, e teus amigos os adulão e lisonjeião.
— Teus defeitos sÃo estranhados e condemnados por teu
inimigo, e sÃo adulados e lisonjeados ]wr teus amigos.
O que ha de mais notável nesta conversão, é que, fi­
cando illcso o pensamento apezar do transtorno dasfuneções
e das fôrmas, o complemento directo do verbo activo torna-
se sujeito do verbo passivo, e o sujeito do verbo activo,
complemento indirecto do verbo passivo.
78. O VERBO neutro não tem complemento directo dc
substantivo ou pronome, e assim, falto do termo que só
j)ódc formar um sujeito por inversão do funeções, não ó
convertivel em passivo. Ex. A preguiça do Brazil anda
devagar, mas anda; a de Portugal e seus ministros a cada
passo PÁRA e DORME. (P. Man. Bernardes).
Dahi SC deduz a consequência que, achando-se ])or
acaso falto dc complemento directo de substantivo ou pro­
nome, um verbo, embora activo por natureza, deve ser
capitulado do accidentalmente neutro, porque fallece-lhe
a possibilidade de se transmudar em passivo. Ex. « A me­
mos 0 PROXiMO espiritual e santamente; não amemos de pa­
lavra e de mostras, senão com verdadeiro coração e obras. »
(1). Erci Bartholomeo dos Martyres). Abi ó o primeiro
AMEMOS um verbo activo, por ter um complemento (lirccto
cm PROXIMO, e ser assim convertivel cm passivo (S eja o
proxirno amado de nós...')\ é, porém, accidentalmente neutro
o segundo, pelo motivo opposto.
h

22 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

Por contraposição, deve ser tido como accidental-


MENTE ACTIVO todo 6 qualqucr verbo que, embora neutro
2>or natureza, appareça occasionalmente acompanhado do
um complemento directo de substantivo ou pronome. Ex.
V iver vida folgada — D ormir o somno da indolência. —
Os llesyanMes navegão a prata, e os estrangeiros a logrão.
(P. Ant. Vieira). Assiin viveu Duarte Pacheco vida indi­
gente. (Hist. de D. Manoel).
79. O VERBO pronominal tem por distinctivo o con­
jugar-se com dous pronomes da mesma pessoa.
Exemplo : Queixar-se.
Eu me queixo Nós nos queixamos
Tu te queixas Vós vos queixais
Elle (ella) se queixa Elles (ellas) se queixão.
Servindo-lhe de sujeito, o primeiro pronome póde ser
eliminado por amor da brevidade ou da euphonia; não o
póde, porém, o segundo, porque serve-lhe indispensavel-
mente de complemento.
Queixo-me Queixamo-nos
Queixas-to Queixais-vos
Queixa-se Queixão-se.
Geralmonte é directo o complemento formado polo
segundo pronome. Mas, dando-se o caso, como se dá, de
ser indirecto, encontra-se, em outra palavra, um comple­
mento directo ; pois dolle não póde prescindir este verbo.
Ex. Quem se vinga, arroga-se um direito de Deos. — Quem
vinga sua pessoa (compl. dir.), arroga Á sua pessoa (compl.
ind.) um direito de Deos (compl. dir.). Todavia, nesta
como naquella hypothèse, não é o verbo pronominal con-
verüvel em passivo.
Aliás são pouco numerosos os verbos que, conjugando-
se exclusivamente por esta fórma (como suicidar-se, atrever-se,
esvair-se, etc.), lográrão por isso o appellido de essencial­
mente pronominaes. a mór parte, procedentes de verbos
activos, como gabar-se de gabar, e alguns de verbos neutros,
como succeder-se de succéder, são tidos como accidental-
MENTE pronominaes. E x . O infante D. Henrique foi-se
viver entre o ruido das ondas, nas praias mais remotas do
reino. (P. Ant. Vieira). — ( foi-se — ir-se)
80. O verbo impessoal tem por distinctivo o ser uni­
camente conjugavel sob a fórma propria da terceira pessoa
do singular. Ex. Chove.
Muito diminuto é o numero dos verbos essencialmente
PllIM EIllA PARTE - LEXICOLOGIA 23

iM PE ssoA E s, p o r q u a n t o lim it a - s e á c m in c ia ç ã o d e a lg u n s
p h c n o m c n o s n a t u r a e s c u jo a g e n t e o u in o t o r e s c a p a a t o d a
e q u a lq u e r d e s i g n a ç ã o ; relaynpeja, troveja, 7ieva, graniza, e t c .
P o r é m e x t e n s i s s i m o é o n u m e r o d o s accidentalmente im-
PESSOAES, v i s t o q u e n c l l e s e a lis t a o , t a n t o d e n t r o o s o u t r o s
e le m e n t a r e s , c o m o d e n t r o o s c o m b in a d o s , t o d o s o s v e r b o s
q u e , f u g in d o á r e s p o n s a b ilid a d e , a p r e s e n t ã o o f a c t o s o b a
capa do anon ym o. E x . ( D o a c t iv o fazei'): F a z / n o . Q u e m
faz...? — ( D o n e u t r o ca ro cer) : Carece andar. Q u e m carece...?
— ( D o p r o n o m in a l seguir-se) : S egue-se que fará frio. Q u e m é,
o u q u e é o q u e se segue que...?— ( D o s p a s s i v o s ser s o ò id o ,—
estar visto): E’ sabido que... — E stá visto que... e t c .
Dabi decorre que, conforme a sua procedência, os ac­
cidentalmente impessoacs, apparecem, já com ou sem com­
plemento directo de substantivo ou pronome, já com ou
sem predicado ; porém o que a todos absolutamente fallecc,
é um sujeito, quer expresso, quer occulto. Ex. Se, no outro
mundo, não houvera inferno, e, neste mundo, não houvera
JUSTIÇA, ERA muito BOM. (P. Ant. Vieira). Ahi tem o pri­
meiro houvera um complemento directo no substantivo
inferno, e o segundo, um igual complemento cm justiça,
como era tem um predicado no adjectivo . bom; porém a
nenhum dclles é possivel assignai’ um sujeito.
Por todas estas considerações vê-se que a expressão
de verbos impessoaes allude meramente á conjugação trim- j
cada dos verbos de necessidade, e que uns c outros são »^Na-J
ctamente os mesmos.
Entretanto os essencialmente impessoaes não são estremes
de uma anomalia já assignalada nas anteriores classes de
verbos, vindo ella a ser que, por assumirem occasionalmente
um sujeito, tornão-se accidentalmente neutros ou mesmo
activos, conforme se dá nelles deficiência ou assistência de
um complemento directo de substantivo ou pronome. ^ Ex.
« T roveje em vão Mavorte sobre a serra! » tJanuario da
Cunha Darbosa). — As nuvens choverão por
uma consequência natural de gozarem, ainda que mui ex­
cepcionalmente, da faculdade de se tornar activos, os
mesmos verbos não íicão inhibidos de assumir a forma
passiva. Ex. Os penedos daquella serrania, parece que estão
ameaçando ruína, e que forÃo chovidos, ou feitos á mão por
industria humana. (Duarte ISTunos de Leão).

Dos verbos combinados


81. Os verbos combinados subdividem-se cm passivos,
prépositives c gerundiaes.
82. Os VERBOS PASSIVOS ficão constituídos pela reunião
do uni dos dous auxiliares ser ou estar com o jiarticipio
variavcl de um verbo activo. Ex. Por mais cercado que
esti:ja de guardas o palacio dos reis, a adulação se sabe in­
troduzir subtüissimamente, sem ser sentida. (P. Ant. Vieira).
Chamão-so passivos porque o facto 2^01’ olles enunciado
a])rcsenta-se, não como perpetrado jielo sujeito, e sim como
rccahindo nelle. Ex. Muitas graças sejÃo dadas a Deos,
que, para remedio deste grande mal, não só temos justiça na
terra, senão justiça de sol, como diz Malachias. (P. Ant.
Vieira). — 0 triste que anda em juizo, ainda não está
executado nejii sentenciado está comido. (P. Ant.

Convém notar embora sentido bastante di­


verso, SER e estar não deixão do constituir jiromiscuamcnte
verbos passivos, jior originarem relações idênticas, c, entre
ellas, a da concordância em genero e numero do seu jiar-
ticii)io com o sujeito {Muitas graças sejáo dadas... — O
triste não está executado nem sentenciado, e já está
comido).
83. Os VERBOS PREPOSiTivos ficão coiistituidos, na pri­
meira categoria, reunião do ter ou haver, mediante
a proposição de ; o, na segunda categoria, pela reunião de
ESTAR, mediante a proposição para, com 0 tcrnjio jirimordial
(1.“ do infinitivo) de qualquer verbo elementar ou mesmo
jiassivo.
Exemjilos da ]ii‘inioira categoria:
(V. ACTIVO) ; Eu 0 tenho ou hei de chamar.
(V. neutro): PJu tenho ou hei de sahir.
(V. pronominal): Eu tenho ou hei de me queixar.
(V. impessoal): Tem ou ha de chover.
(V. passivo): Eu tenho ou hei de ser chamado.
Excmjilos da segunda categoria:
(V. activo): E u estou para 0 chamar.
(V. neutro): E u estou para sahir.
(V. pronominal): PJu estou para me queixar.
( V. IMPESSOAL) : Está para chover.
(V. passivo): E u estou para ser chamado.

N ota. O s jirepositivos da segunda categoria não ad-


mittem, ])or causa da redundância, os infinitivos jiassivos
constituidos com estar. Pois insoífrivcl seria dizer: Eu
estou para estar chamado.
84. Os VERBOS GERUNDIAES ficão coiistituidos pela
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

reunião de estar com o gcriindio simples de qualquer


verbo elementar ou mesmo passivo com ser.
Exemplos:
(V. activo): Eu 0 estou chamando.
(V. neutro) : Eu estou sahindo.
(V. PRONOMINAL): Eu me estou queixando.
(V. IMPESSOAL): Está chovendo.
(V. passivo): Eu estou sendo chamado.

Dos verbos auxiliares


85. Dos quatro auxiliares, ter c haver são por na­
tureza A C T ivos, pois são convertiveis em passivos (^Eu sou
tido ou havido por...)-, ser e estar, pelo motivo opposto,
são por natureza neutros. E assim é também que devem
ser analyticamente capitulados todas as vezes que não
formão, por colligação com outros verbo^y um teinpo com­
posto.
Como AUXILIARES ílcão caracterisados por se confun­
direm indissoluvelmente em sentido com o verbo auxiliado.
Porém, esta mesma propriedade, compartem-na com
cllcs occasionalmcnte alguns outros verbos, a que, por tal
motivo, compete merecidamente o appellido de auxiliares
SUPPLEMENTÄRES. Os quc occoiTcm deiitrc os activos, são:
deixar, dever e levar; assim: O que deixo {hei) escripto...
— O que levo {tenho) dito... — « Logo, se os aduladores
não são os que sómente vêm de fóra as paredes do palacio,
DEVEM DE SER {têm de ser) sem duvida os que as frequentão
de dentro. » (P. Ant. Vieira). — Os que oceorrem dentre os
neutros, são: andar, ficar, ir, sahir e vir; assim: A ndo
{estou) AGASTADO... — FiCO {cStOU) SABENDO... — VoU {estOU)
EXPERIMENTANDO... -- SAHIU {f OÍ ) FERIDO... -- V e IU {f OÍ )
TRASLADO... — « Qucrcis ver um Job destes? Vêde um
homem desses que andão {estão) perseguidos de pleitos, ou
AceusADOs de crimes, e olhai quantos o estão comendo. » (P.
Ant. Vieira). — A formosura é um hem frágil, e, quanto mais
SE Vx\i {se está.) chegando aos annos, tanto mais vai {está)
DIMINUINDO e desfazendo cm si, e fazendo-se menor. (P.
Ant. Vieira.
Das conjugações
86. Da circumstancia de todos os verbos, com excepção
de pôr e seus congeneres, acabarem, na sua fórma primor­
dial em AR, ER ou IR, originou-sc a sua distribuição c m

1
PRIMEIRA para os
os verbos cm ar, de segunda para os verbos em er, e
TERCEIRA para os verbos em ir .
Cliamão-se paradigmas os verbos
conjugação, servem de norma ou modelo para as succcssivas
Os escolhidos nesta grammatica,
RENDER e PUNIR.
88. Considerados cm relação aos seus paradigmas, os
verbos se distinguem em regulares, irregulares c defe-
CTIVOS.
Regulares são os que, em todos os seus modos, tempos,
números e pessoas, se conjugão conforme o seu paradigma.
Irregulares são os que, em algum modo, tempo, nu­
mero ou pessoa, divergem de seu paradigma.
Refectivos são os em que se dá uma deficiência de
modo, tempo, numero ou pessoa.
Todos os verbos que não vierem adiante assignalados
como irregulares ou defectivos, devem ser tidos como re­
gulares.
89. Todavia as conjugações dos quatro auxiliares an-
tccipão-se naturalmentc a todas as outras, porque em todas
é indispensável o concurso de uns ou outros destes verbos
para a formação dos tempos compostos. A esta conside­
ração accrescc a de suas numerosas anomalias, que, tor­
nando-os summamente irregulares, fazem do seu completo
desenvolvimento conjugativo uma necessidade indeclinável.

TABELLA CONJUGATIVA DOS VERBOS


TER e HAVER
INDICATIVO
1.® T E M PO
( Presente)
Eu hei
Tu has
Elle ha
Nós havemos
Vós haveis
EUcs hão
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

2.® TE M PO

(Pass, irnperf.)
Eu tinha Eu havia
Tu tinhas Tu havias
Ello tinha Elle havia
Nós tinhamos Nós haviamos
Vós tinhcis Vós haveis
Ellcs tinhão Elles havião
3.® T E M PO

(Pass, per/.)
Eu tive Eu houve
Tu tiveste Tu houveste
Elle teve Elle houve
Nós tivemos Nós houvemos
Vós tivestes Vós houvestes
Elles tiverão Elles houverão
4.® TE M PO

(Pass. perf. comp.)


Eu tenho ou hei
Tu tens » has
Elle tem » ha tido ou havido
Nós temos » havemos
Vós tendes » haveis
Elles têm » hão
5.® TE M PO

(Pass. m. q. perf.)
Eu tivera Eu houvera
Tu tiveras Tu houveras
Elle tivera Elle houvera
Nós tivêramos Nós houvêramos
Vós tivereis Vós houvereis
Elles tiverão Elles houverão
6.® T E M PO

(Pass. m. q. perf. comp.)


Eu tinha OU havia
Tu tinhas havias
Elle tinha havia tido ou havido
Nós tinhamos haviamos
Vós tinheis havieis
Elles tinhão havião
28 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

TEM PO

Futuro
Eu terei Eu haverei
'J'ii terás Tu haverás
Elle terá Elle haverá
iVós teremos Xós haveremos
Vós tereis Vós havereis
Elles terão Elles haverão
8 .° TEM PO

(Fut. comjt.)
Eu terei OU haverei
Tu terás )) haverás
Elle terá » haverá
Nós teremos » haveremos tido ou havido
Vós tereis » havereis
Elles terão w haverão
CONDICIONAL
l.° TEM PO

( Pres.-]mss.-ftU. prop.)
Eu teria Eu haveria
Tu terias Tu haverias
Elle teria Elle haveria
Nós teriamos Nós haveriamos
Vós terieis Vós haverieis
Elles terião Elles haverião
2.0 T E M P O

(Pass, prop.)
Eu teria I haveria
Tu terias ' haverias
I' I Elle teria ' haveria
Nós teriamos • haveriamos tido ou havido
Vós terieis I haverieis
Elles terião ' haverião
3.® T E M P O

( Pres.-pass.-fut. suppl.)
Eu tivera Eu houvera
Tu tiveras Tu houveras
Elle tivera Elle houvera
Nós tivêramos Nós houvêramos
Vós ti vereis Vós houvereis
Elles tiverão Elles houverão

<í. -.
PRIMEIRA p a r t i: - LEXICOLOGIA 29

4 .0 TEM PO

(P a s s , s u p p l.)

1^1u tivera ou houvera


Tu tiveras » houveras
Elle tivera » houvera
Nós tivêramos » houvêramos tido ou havido
Vós tivereis )) houvêreis
Elles tiverão )) houverão
IMPERATIVO
T E M PO U N ICO

(F u tu ro )

Tem (tu) Ila rtii)


Tende (vós) Havei (vós)
SUBJUNCTIVO
1.0 T EM PO

( P r è s .- f u t . )

En tenha Eu haja
Tu tenhas Tu hajas
Elle tenha Elle haja
Nós tenhamos Nós hajamos
Vos tenhais Vós hajais
Elles tenhão Elles hajão
2 .0 TEM PO

( P r e s .- p a s s .- fu t .)

Eu tivesse Eu houvesse
Tu tivesses Tu houvesses
Elle tivesse Elle houvesse
Nós tivéssemos Nós houvéssemos
Vós tivesseis Vós houvésseis
Elles tivessem Elles houvessem
3.0 T EM PO

( P r e s .- p a s s .- fu t.- s u p p l.)

Eu tivera Eu houvera
Tu tiveras Tu houveras
Elle tivera Elle houvera
Nós tivêramos Nós houvêramos
Vós tivereis' Vós houvereis
Elles tiverão Elles houverão

i
30 NOVA ORAMMATICA ANALYTICA

4 .0 TEM PO

( P a ss, p e r f .)

Eu tenha OU haja
Tu tenhas M hajas
Elle tenha » haja
Nós tenhamos » hajamos ) tido ou havido
Vós tenhais » hajais
Elles tenhão » hajão
5 .« T EM PO

( P a ss. m. q. p e r f .)

Eu tivesse ou houvesse
Tu tivesses houvesses
Elle tivesse » houvesse
Nós tivéssemos » houvessemosf tido ou havido
Vos tivesseis » houvésseis
Elles tivessem » houvessem
6.0 TEM PO
i'. (P a s s . m . q. p e r f. s u p p l.)
Eu tivera OU houvera
Tu tiveras houveras
Elle tivera houvera
Nós tivêramos houvêramos | tido ou havido
Vós tivereis houvereis
Elles tiverão houverão
/ .* TEM PO

(F u tu ro )
Eu tiver Eu houver
h Tu tiveres Tu houveres
Elle tiver Elle houver
Nós tivermos Nós houvermos
Vós tiverdes Vós houverdes
Elles tiverem Elles houverem
8.0 TEM PO

(F u t. eom p.)
Eu tiver OU houver
Tu tiveres » houveres
Elle tiver >) houver
Nós tivermos » houvermos tido ou havido
Vós tiverdes » houverdes
Elles tiverem » houverem
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 31

IN FIN IT IV O

1. ° TEM PO

( P r e s .-p a ss.- fu t . im p e ss.)

Ter Haver
2. “ TEM PO

( P r e s .-p a ss.- fu t. p e s s .)

Eu ter Eu baver
Tu teres Tu b avérés
Elle ter Elle baver
H 6s termes Nos bavermos
Vos terdes Vos baverdes
Elles terem Elles baverem
3 .° TEM PO

(P a s s , im p e ss.)

Ter ou baver tide Ter ou bavcr bavido


4.0 TEM PO

( P a ss. p e s s .)

Eu ter ou baver
Tu teres » b avérés
Elle ter » baver tide ou bavido
NÓS termos » bavermos
Vós terdes )) baverdes
Elles terem » baverem
5.0 TEM PO

(O eru n d io s im p .)

eu, nos Çeu, nos


Tendo ■<tu, vós H a v e n d o tu, vós
elle, elles (^elle, elles
6.0 TEM PO

(O eru n d io comp. )

Tendo ( ou. nos Tendo eu, nos


ou ^ tu, vós tido ou <tu, VÓS ^ bavido
Havendo ( elle, elles Havendo (elle, elles
32 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

PAKTICIPIOS

P A R T . IN V A R IA V E L

Ilavido
P A R T . V A R IA V E L

Tido, a, os, as. Havido, a, os, as.


N ota. Polo verbo ter conjugao-se os derivados abster-
se, ater-se, conter, deter, entreter, manter, obter, reter e suster.
Por HAVER conjuga-se o derivado rehaver.

TABELLA CONJUGATIVA DOS VEEBÜS


SER e ESTA R
INDICATIVO
l.° TEM PO

( P rese n te)
Eu soil Eu estou
Tn és Tu estás
Elle é Elle está
Nós somos Nós estamos
Vós sois Vós estais
Elles são Elles estão
2.0 TEM PO

( P a ss, im pe?'/.)
Eu era Eu estava
Tu eras Tu estavas
Elle era Elle estava
Nos eramos Nós estavamos
Vos ereis Vós estáveis
Elles erào Elles estavão
1 1 “ 3.0 TEM PO

M (P a s s , p e r / .)
Eu fui Eu estive
Tu foste Tu estiveste
Elle foi Elle esteve
Nós fomos Nós estivemos
Vós fostes Vós estivestes
Elles forão Elles estiverão
idp'i
íi
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 33
4.° T E M rO

( P a ss. p e r f. com ]).)

Eu tenho ou hei
Tu tens » has
Elle tem » ha
Nós temos » havemos sido ou estado
Vós tendes » haveis
Elles têm )) hão
5.® TEMPO

( P a ss. m. q. ] ) e r f.)

Eli lôra Eu estivera


Tu foras Tu estiveras
Ello fôra Elle estivera
Nós foramos Nós estivéramos
Vós fôreis Vós estivereis
Elles forão Elles estiverão
<5.0 TEM PO

(P a s s m . q. ])e rf. com p.)

Eu tiulia ou havia
d’u tiulias » havias
Elle tinha » havia
Nós tinhamos » haviam os sido ou estado
Vós tinheis « havieis
Elles tiuhão w liavião
7.0 TEM PO

(F u tu ro )

Eu serei Eu estarei
Tu serás Tu estarás
Elle será Elle estará
Nós seremos Nós estaremos
Vós sereis Vós estareis
Elles serão Elles estarão
8.0 TEM PO

( F u t. comp. )

Eu terei ou haverei
Tu terás )) haverás
Elle terá w haverá sido ou estado
Nós teremos )) haveremos
Vós tereis » havereis
Elles terão w haverão
31 NOVA GRAMMATTCA AXALYTICA

CONDICIONAL
1.® TEM PO

( P re s.-p a ss.~ fu t. p r o p .) 1
•i
Eu seria Eu estaria
Tu serias Tu estarias •ij
hlle seria Elle estaria í
N()s seriamos Nós estariamos
A'^ós serieis Yós estarieis
Klles serião Elles estarião il
2.0 TEM PO

(P a s s . 2^'>'op.)

Ihi teria ou haveria


d’Il terias )) haverias
Elle teria » haveria
Nós teriamos » haveriamos , sido 0Í/ estado
Yós terieis )) haverieis
]'hles terião » haverião
3.0 TEMPO

( P r e s - p a s s .- fu t. s u p p l.)

Ell fora Ell estivera


Tu foras Til estiveras
Elle fora Elle estivera
Xos foramos ISTós estivéramos
Yds foreis Yós estivereis
Elies foriTo Elles estiverão
4 .0 TEMPO

( P ass, s u p p l.)

Eu tivera OU houvera
Tu tiveras » houveras
Elle tivera » houvera
Nós tivêramos » houvêramos sido ou estado
Yós ti vereis » houvereis
Elles tiverão w houverão
IMPEKATIVO
TEMPO UNICO
(F u tu ro )

Sê (tu) Está (tu)


Sêde (vós) Estai (vós)
PETMEIRA PARTE - EEXTCOEOGIA 35
SUP,.TTTXCT1V()
1." TEM PO

( P r e s .- fu t. )
sejii Eu esteja
3'u sejas Tu estejas
I'illo SO)a Elle esteja
Xos sejarnos Xós estejamos
A"os sejais Vós estejais
Elies sejão Ellcs estejíío
2 .“ TEM PO

( P re s.-2 m n s.-fu t.)


Eu íbsse Mu estivesse
^''u fosses 'fu estivesses
Elle fosse Elle estivesse
Xós fossemos Nós estivessemos
Vós fosseis Vós estivesseis
Elles fossem Miles estivessem
3 .“ TEM PO

( P re s.-2 m ss.-fu t. su2)2>l.)


Mu fòpa Mu estivei'a
3'u fôras Tu estiveras
I^^lle fòra hlllc estivera
Xós foram os Xós estivéramos
Vós fôreis Vós estivereis
lollies forào Elles estiveríío
4.« TEM PO

( Pass. 2^ e r f . )
Mu tenha OU haja
dhi tenhas » hajas
Mlle tenha )) haja sido ou estado
Xós tenhamos )) hajamos
Vós tenhais » hajais
Mlles tenhão )) hajão
0 .“ TEMPO

( P a s s . m . q. 2><^i'f-)

Mu tivesse OU houvesse
Tu tivesses » houvesses
Elle tivesse )) houvesse sido ou estado
X()s tivéssemos )) houvéssemos
V(')s tivésseis )) houvésseis
Mlles tivessem » houvessem
G.® TKMPO
( P a ss. m. q. 2^crf. s iip p l.)
Eu tivera OU houvera \
Tu tiveras houveras
Elle tivera houvei*a
Nós tivêramos houvêramos sido ou estado
Vós tivereis houvereis
Elles tiverão houverão
t.° TEM PO

(F u tu ro )
Jvi íór Eu estiver
Tu fôres Tu estiveres
Elle íór Elle estiver
Nós formos Nós estivermos
Vós fordes V^ós estiverdes
Elles forem Elles estiverem
8.® T E M PO

( F u t . com p.)
Eu tiver ou liouver
Tu tiveres » houveres
Elle tiver » houver
Nós tivermos » houvermos ; sido ou estado
Vós tiverdes » houverdes
Elles tiverem )) houverem
IN F IN IT IV O
1.® TEM PO

( P r e s .- p a s s .- fu t . im p e ss.)
Ser Estar
2.0 TEM PO

( P r e s .- p a s s .- fu t . p e s s .)
ser Eu estar
Tu seres Tu estares
Elle ser Elle estar
Nós sermos Nós estarmos
Vós serdes Vós estardes
Elles serem Elles estarem
3 .0 TEM PO

(P a s s , im p e ss.)
Ter ou haver sido Ter ou haver estado
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 37
é .o T E M PO

(P a s s , p e s s .)
Eu ter ou haver
Tu teres » haveres
Elle ter » haver
Nós termos » havermos sido ou estudo
Vós terdes » haverdes
Elles terem » haverem
5.® TEMPO

(O e ru n d io s b n p .)
( eu, iiós r eu, nos
Sendo ^ tu, vós J
Estundo < tu, vós
vus
(^elle, elles (elle, elles
6.® T E M PO

(G e ru n d io com p.)
Tendo ( eu, nós Tendo ( eu, nós
ou tu, vós Uido ou tu, vós [-estado
Havendo (elle, elles ) Havendo (elle, elles )
PARTICIPIOS
PAHT. IN V A R IA V E L

Estado
P A R T . V A R I A VE L

(Falta).
N ota. Por estar conjuga-se o derivado sohrcestar.

PEIMEIEA CONJUGAÇÃO
nos VERBOS ELEMENTARES REGULARES
Paradigma dos verbos em ar
AMAR
INDICATIVO
1.® TE M PO
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

TKM PO

(P u t. covip.)
Eu terei ou haverei \
Tu terás )) haverás 1
Elle terá w haverá ( amado
Nós teremos )) haveremos ^
Vós tereis » havereis \
Elles terão » haverão /

^CONDICIONAL

1 .° TEM PO

( P re s.-p a ss.-fu t. p r o p .)

Eu amaria JSTós amariamos


Tu amarias Vós amarieis
Ellc amaria Elles amarião
2,0 TEM PO

(P a s s . p 7'o p .)

Eu teria ou haveria
Tu terias » haverias
Elle teria » haveria amado
Nós teriamos » haveriamos
Vós terieis » haverieis
Elles terião )) haverião
3.0 T E M PO

(P r e s .- p a s s .- fu t. su p p l.)

Eu amára Nós amáramos


Tu amaras Vós amáreis
Elle amára Elles amárão
4.0 T E M PO

(P a .ss. su p p l.)

Eu tivera OU houvera
Tu tiveras )) houveras
Elle tivera » houvera amado
Nós tivêramos » houvêramos
Vós tivereis n houvereis
Ellcs tiverão » houverão
1 í

40 NOVA GRAxMMATICA ANALYTICA

IMPERATIVO
TEM PO U N IC O

(F u tu ro )

Ama (tu) Amai (vós)


SUBJUNCTIVO

1.0 T E M PO

( P r es.- fu t. )

Üu amo Xós amemos


Tu ames Vós ameis
Elle ame Elles amem
2 .0 TEMPO

( P rè s , - p a s s .- fu t .)

Eu amasso Nós amassemos


Tu amasses Vós amasseis
Elle amasse Elles amassem
3 .0 TEMPO

(P r e s .- p a s s .- fu t . s u p p l.)

Eu amára Nós amáramos


Tu amaras Vós amáreis
Elle amára Elles amárão
4 .0 TEM PO

(P a s s . p e r f .)

Eu tenha i haja
Tu tenhas hajas
Elle tenha haja
Nós tenhamos hajamos amado
Vós tenhais hajais
Elles tenhão hajão
5.0 TEMPO

( P a ss. m . q. p e r f .)

Eu tivesse ou houvesse
Tu tivesses houvesses
Elle tivesse » houvesse
Nós tivéssemos » houvossemosf amado
Vós tivesseis » houvossois
Elles tivessem » houvessem
P R IM E IR A PARTE - L E X IC O L O G IA 41
6.0 TEMPO
( P a ss. m . q. p e r f. s u p p l.)

Eu tivera ou houvera \
Tu tiveras w houveras )
Elle tivera » houvera f
Nós tivêramos » houvêramos i
Vós tivereis » houvereis \
Elles tiverão » houverão /
7.0 TEMPO
(F u tu ro )

Eu amar Nós amarmos


Tu amares Vós amardes
Elle amar Elles amarem
8.0 TEMPO
(F u t. com p.)

Eu tiver ou houver
Tu tiveres )) houveres
Elle tiver » houver
Nós tivermos )) houvermos amado
Vós tiverdes )) houverdes
Elles tiverem » houverem

IN FINITIVO

1.0 TEMPO
( P re s .- j)a s s .- fu t. im p e ss.)

Amar
2.0 TEMPO
(P r e s .- p a s s .- fu t. p e s s .)

Ell amar Nós amarmos


Tu amares Vós amardes
Elle amar Elles amarem
3.0 tempo

(P a s s , im p e ss.)

Ter ou haver amado


,■1

42 NOVA G15AM 3IAT1CA A X A L Y T IC A

P 4.° TEM PO

(P a s s , p e ss.)

Eu ter ou haver
Tu leres )) haveres
Elle ter )) haver
Nós termos )) havermos amado
Vós lerdes )) haverdcs
Ellcs terem )) haverem
5.® TEM PO

(G e rú n d io s im p l.)

Ccu, nós
Amando ^ tu, vós
(ellc, dies
G.° TEM PO

(G e rú n d io com p.)
( CU, nós 4
Tendo ou ha vendot u, vós Camado
(ellc, dies j
r A R T ic ir io s
PA K T. IX V A R IA V E L

Amado
K*'; PART. V A R ÍA V E L

Amado, a, os, as.

SEGUNDA CONJUGAÇÃO
DOS VElinOS ELEMENTARES REGULARES
l\íradi(/nu( dos verbos em er
}M': RENDER
IfiV' INDICATIVO
1.® TEM PO
lí* l!
( Presente)
Eu rendo Nós rendemos
ï ■<:■ Tu rendes Vós rendeis
Elle rende Elles rendem
rillMEIRA TARTE - LEXICOLÜGIA 43
2.0 T E M l’Ü

(P a s s . im p e r f.)

Eu reiidiii XÓS rendiamos


Tu rciidias A'os rendieis
Elle rendia Elles rendiào
3.0 TEM PO

(P a s s , p e r f .)

Pui rendí Nos rendêinos


Tu rendeste Vos rendestes
Elle rendeu Elles rendèrào
4.0 TEM PO

(P a s s . p e r f. co m p .)

Eu tenho ou hei
Tu tons » has
Elle tem » ha
XÓS temos » havemos rendido
Vós tendes » haveis
Elles têm )) hão
5.0 TEM PO

(P a s s . m . q. p e r f .)

Eu rendera XÓS rendêramos


Tu renderas Vós rendêreis
Elle rendera Elles rcndêriïo
(5.0 TEM PO

(P a s s . m. q. p e r f. comp>.)

Eu tinha ou luivui
Tu tinhas )) havias
Elle tinha )) havia rendido
XÓS tinhamos » haviamos
Vós tinheis » havieis
Elles tinhão » h avião
7.0 TEM PO

( F u tu ro )

Eu renderei XÓS renderemos


Tu renderás A'’ós rendereis
Elle renderá Elles renderão

I
( P r e s .- p a s s .- fu t . j>r<yp.)

Eu renderia Nós renderiamos


Tu renderias Vós renderieis.
Elle renderia Elles rcnderião
2.0 TEM PO

(P a s s , p r o p . )

Eu teria ou ha veria
Tu terias )) haverias
Elle teria )) haveria
Nós teriamos » haveriamos rendido
Vós terieis » haverieis
Elles terião » haverião
3.0 TEMPO

( P r e s .- p a s s .- fu t. s u p p l.)

Eu rendera Nós rendêramos


Tu renderas Vós rendêreis
Elle rendêi-a Elles rendêrão
4.0 TEM PO

( P a ss, s u p p l.)

Eu tivera OU houvera
Tu tiveras )) houveras
Elle tivera w houvera
Nós tivêramos » houvêramos i rendido
Vós tivereis » hou vereis
-Elles ti verão » houverão
IM P E R A T IV O

T E M P O U N ICO

( F a tu r o )

Jícndc (tu) Eendei (vós)

S U B J U N C T IV Ü

1.“ TE M PO
( Pres.-fut. )
Eu ronda Kós rondamos
Tu rendas Vós rendais
Ella renda Elles rendão
2 .° TEM PO

( P r cs.-p a ss.- f u t .)

Eu rendesse Nós rendessem os


Tu rendesses Vós rondesseis
Elle rendesse Elles rondesse7u
3.0 TEM PO

( P r e s .- p a s s .- fu t .- s u p p l.)

líu rendera Nós rendêramos


Tu rendêras Vós rendêreis
Elle rendêra Elles rendêrão
4.0 TEM PO

(P a s s . p e r f .)

Eu tenha ou haja
Tu tenhas » hajas
Elle tenha » haja rendido
Nós tenhamos » hajamos
Vós tenhais w hajais
Elles tenhão » hajão
5.0 TEM PO

(P a s s . m . q, p e r f .)

Eu tivesse OU houvesse
Tu tivesses » houvesses
Elle tivesse » houvesse
Nós tivéssemos » houvéssemos rendido
Vós tivesseis » houvésseis
Elles tivessem » houvessem .
40 NOVA gea :\imattca axalytica

G." TE^r^o
( P ass. m. q. q^erf. s u jtp l.)

Eu tivera ou houvera
4hi tiveras )) houveras
Elle tivera » houvera
Xós tivêramos )> houvêramos rendido
\Ys tivereis )) houvereis
Elies tiverão )) houverão
7.0 ÏE .M P O

( F u tu ro )

Eu ]-ondor Xós rendermos


4^1 renderes Vós renderdes
Klle render hdles renderem
8.0 TEM PO

(F u t. com p.)

Eu tiver ou houver
4'u tiveres » houveres
Elle tiver )) houver
JSTós tivermos » houvermos rendido
Vós tiverdes » houverdes
Elles tiverem )) houverem

IX FIN IT IY O

1.0 TEM PO
íi ^
( P re s .- p a s s .- fu t. im p e ss.)

Eender
2.0 TEM PO

( P r e s .- p a s s .- fu t. /;ess.^

Eu render JSTos rendermos


Til renderes Yds renderdes
Elle render Elles renderem
3.0 TEM PO

( P a ss, im p e ss.)

Ter ou haver rendido

t M
P R IM E IR A PARTE - L E X IC O L O C JA

4 .° TEM PO

( P a ss. )

Eu ter ou haver
Tu teres )) havei’es
Elle ter » haver
Nos termos » havennos rendido
Vos terdes » haverdes
Elles terem )) haverem
Õ.° TICMPO

( G e r ú n d io s h n p .)

í ClI, 11<)S
J^endendo -j tu, vós
o lle s
0 .° T E M P O

( G erú ndio com p.)

í CU, nós 4
Tendo ou havendot u, vós [-rendido
(_elle, elles )
P A R T IC IP IO S

P A R T . IN V A R IA V E L

Eendido
P A R T . V A R IA V E L

Eendido, a, os, as.

TEECEIEA CONJUGAÇÃO
nos VERBOS ELEMENTARES REGULARES
Paradigma dos verbos em m
P U N IR
INDICATIVO
l . ° TEM PO

(P r e s e n te )

Eu puno NÓS punimos


Tu punes Vós punis
Elle pune Elles punem
48 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

2 .° TEM PO

(P a SS. im p e rf.)
Eu punia jSTós p u n ia m o s
Tu punias Vós punieis
Elle punia Elles punião
fI 3 .° TEM PO

( Pass, p e r f .)

Eu puní ]N"ós punímos


Tu puniste Vós punistes
Elle puniu Elles punirão
4 .° TEM PO

( P a ss. p e r f. com p.)

Eu tenho ou hei
Tu tens )) has
Elle tem )) ha
Nós temos » havemos punido
Vós tendes » haveis
Elles têm )) hão
5.® TEM PO

( P a ss. m . q. p e r f .)

Eu punira I^ós puníramos


Tu puniras Vós puníreis
Elle punira Elles punirão
G.® TEM PO

( P a ss. m. q. p>^'i'f. co m p .)

"I ■ Eu tinha OU h a v ia
Tu tinhas » h a v ia s
Elle tinha
Nós tinhamos i h â íia m o s
Vós tinheis ' havieis
Elles tinhão ' h avião
7.® TEM PO
It ' .i"
F u tu ro

Eu punirei Nós 2)uniremos


Tu punirás Vós punireis
Elle punirá Elles punirão
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 49
8.0 T E M PO

( F u t . com i).)
Eu terei ou haverei
Tu terás w haverás
Elle terá » haverá
Nós teremos )) haveremos punido
Vós tereis )) havereis
Elles terão )) haverão
CONDICIONAL
1.0 TEM PO

( P i -CS.- p a s s . - f u t . p r o p .)
Eu puniria Xós puniriamos
Tu punirias Yós punirieis
Elle puniria Elles punirião
2.0 T E M PO

( P a s s . P r o p .)
Eu teria ou haveria
Tu terias » haverias
Elle teria )> haveria
Nós teriamos )) haveriamos punido
Vós terieis » haverieis
Elles terião )) haverião
3.0 T E M PO

( P r es.-pa SS.- fu t . s u p p l.)


Eu punira Eés puníramos
Tu puniras Vos puníreis
Elle punira Elles punirão
4.0 T E M PO

(P a ss, s u p p l.)
Eu tivera ou houvera
Tu tiveras )) houveras
Elle tivera » houvera
Nós tivêramos )) houvêramos
Vós tivereis )) houvereis
Elles tiverão )) houverão
IMPERATIVO
T E M PO U K ICO

F u tu ro
Pune (tu) Puni (vós)
50 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

SUBJUÍÍCT1VÜ
1. ° TKM PO

( P r 'e s .- f u t .)
Ell j:)una Xos punamos
Tu punas Vós punais
Elle puna Elles puniïo
2. ° TEM PO

( P 7 'e s .- p a s s .- fu i.)
Eu punisse Nós puníssemos
Tu punisses Vós j:)unisseis
Elle punisse Elles punissem
3.0 TEM PO

P r è s .- p a s s .- f lit . s u p p l.)
Eu punira Nós j^uniramos
Tu puniras Vós punireis
Elle punira Elles punirão
4.0 TEM PO

(P a ss, p e rJ . )
Eu tenba OU b a ja
Tu tenbas )) bajas
Elle tenlia M baja
NÓS tenbamos » bajamos punido
VÓS tenbais » bajais
Elles tenbao )> bajão
5.0 TEMPO

( P a s s . m. q. p e r f .)
Eu tivesse OU bouvesse
Tu tivesses » houvesses
Elle tivesse » bouvesse \ .,
Nós tivéssemos )) bouvessemos',
Vós tivesseis » bouvesse is |
Elles tivessem )) bouvessem /
I f .’ .
G.o TEMPO

( P a s s . m . q. p e r f . s u p p l.)
Eu tivera OU bouvera
Tu tiveras )) bouveras
3i Elle tivera » bouvera \ .,
Nós tivêramos houvêramos /
Vós tivereis bouvereis
R I,
Elles tiverão bouverão
ft

>. - , -- -
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

TEMPO

(F u tu ro )

Eu punir Nós punirmos


Tu punires Vós punirdes
Elle punir Elles punirem
8.® T E M P O

(Fut. comp.)

Eu tiver ou houver
Tu tiveres » houveres
Elle tiver )) houver
Nós tivermos )) houvermos punido
Vós tiverdes » houverdes
Elles tiverem » houverem

IN F IN IT IV O

1.® T E M PO

(Pres.-pass.-fut. impess.)

Punir
2.® T E M PO

Eu punir Nós punirmos


Tu punires Vós punirdes
Elle punir Elles punirem
3. ® T E M PO

(Pass, impess.)

Ter ou haver punido


4. ® TEMPO

(Pass, pess.)
Eu ter ou haver
Tu teres » haveres
Elle ter » haver punido
Nós termos )) havermos
Vós terdes )) haverdes
Elles terem )) haverem

I
52 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

5. ° TEM PO

( Gerundio simp.)
( eu, nós
Punindo tu, vós
(^elle, elles
6. ° TEM PO

( Gerundio comp.)
eu, nos
Tendo ou havendo -j tn, vós [• punido
( elle, elles

P A K T IC IP IÜ S

P A R T . T N V A R IA V E L

Punido
PART. V A R IA V EL

Punido, a, os, as.

TABELLA SYNOPTICA
DAS INFLEXÕES NORMAES DAS TRES CONJUGAÇÕES NOS
TEMPOS SIMPLES

l'erminaçao primordial

AR ER IR
IN D IC A T IV O

l.° TEM PO

(Presente)

0 0 0
'r ; I as es es
i a e e
a?nos einos imos
• .0 ais eis ís
I ão em em
\

'íH''
r »,'!l í
'1
PRLMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 53
2.® TEMPO

( Pass, imperf.)
ava ia ia
avas ia s ia s
ava ia ia
avam os ia m o s ia m c
a v e is ie is ie is
avão iã o iã o
3.® TEMPO

(Pass, perf.)
ei F r
1 1
a s te e s te is te
ou eu iu
ám os êm os im o s
a s te s e s te s is te s
á rã o ê rã o irã o
5.® T E M PO

(Pass. m. q. perf.)
a ra ê ra ira
á ra s ê ra s ira s
á ra ê ra ira
á ra m o s é ra m o s ir a m o s
á re is é r e is ir e is
á rã o ê rã o irã o
7.® TE M PO

( Futuro)
a re i e re i ir e i
a rá s e ra s irá s
a rá e rá irá
a re m o s e re m o s ir e m o s
a re is e r e is ir e is
a rã o e rã o irã o
CONDICIONAL
1.® T E M PO

(Pres.-pass.-fut. prop.)
a ria e ria iria
a ria s e ria s i r ia s
a ria e r ia iria
a ria m o s e r ia m o s ir ia m o s
a r i e is e r ie is ir ie is
a riã o e r iã o i r iã o
u NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

3.® T E M PO

( Pres.-pass.-fut. suppl.)
á ra ê ra ira
á ra s ê ra s ira s
á ra ê ra ira
á ra m o s é ra m o s ir a m c
á re is é r e is ire is
á rã o ê rã o irã o

IM P E R A T IV O
T E M P O UNICO

(Futuro)
a 0 c
I ' ai ei 1
r

S U B J U N C T IV O

1.® TEMPO

(P res.-fut.)
e a a
es as as
e a a
em os am os am os
e is a is a is
em ão ão
2. ® TEMPO

(Pres.-pass.-fut.)
asse esse is s e
asses esses is s e s
asse esse is s e
assem o s essem os is s e m o s
a s s e is e s s e is is s e is
assem essem is s e m
3. ® TEMPO

(Pres.-pass.-fut. suppl.)
a ra ê ra ira
á ra s ê ra s ira s
á ra ê ra ira
áraim?§„ia.. é ra m o s íra m o s
a re is híuítí é re is íre is
l, ■ á rã o oÍ 5Í‘[i ê rã o irã o
ar cr ir
a rc s e re s ir e s
ar er ir
a rm o s e rm o s ir m o s
a rd e s c rd e s ir d e s
a rc in c re m ire m

IN FIN IT IV O

l.° T E M PO

(Pres.-pass.-fut. impess.)
ar er ir
2.° TEMPO

(Pres.-pass.-fut. pess.)
ar er ir
a re s e re s ir e s
ar ' er ir
a rm o s c rm o s ir m o s
a rd e s e r d es ir d e s
a rc m e re m ir e m
5.° T E M PO

(Gerundio simp.)
an do endo in d o

FA K T IC iriO S

PAKT. IN V A U IA V E L

ado id o id o
PAKT. V A R IA V E L

a d o , a , os, as. id o , a, OS, as. id o , a .

Dos tempos primitivos, e dos tempos


derivados
90. S e to d o s o s v e r b o s fo s s e m r e g u l a r e s , n e n h u m a
o p p o r t u n i d a d e b a v e r i a e m d i s c r im i n a r - l h e s o s te m p o s e m
'primitivos ç derivados; p o r q u a n t o , a o c o n t r a r i o d o q u e su ç -
56 NOVA GllAMxMATICA ANALYTICA

cede era outras rauitas linguas, da forma 'primordial de cada


conjugação deduzera-se era portuguez, com bastante facili­
dade, todas as raais inflexões: haja vista a tabella synoj^ítica
de todos os tempos simples.
Porém os verbos irregulares perturbão este harmonico
desenvolvimento de modificações, já porque nelles altera-se
a terminação, já porque nelles altera-se o radical, já porque
nelles, emfim, altera-se conjiinctamente o radical e a ter­
minação : assim em Eu houve, de haver, que regularmente
faria E u haví (Eu rendí), e em que, portanto, se manifesta
alteração, tanto no radical, como na terminação.
Todavia essas mesmas anomalias, que fazem dos verbos
irregulares o que são, não deixão de originar, pela sua vez,
uma regularidade relativa, por meio da filiação constante
de certos tempos a outros tempos. Assim é que, do mesmo
HOUVE se deduzem por filiação, com toda a propriedade,
08 tempos HOUVERA, HOUVESSE e HOUVER, COmO de ESTIVE
se deduzem estivera, estivesse, estiver, etc.
Portanto a distincção dos tempos em primitivos e deri­
vados é um mero artificio de methodo para systemar fôrmas
anormaes, porém artificio util, porque fornece o meio do re­
solver logicamente mais de uma dissidência entre os gram-
maticos. Assim é que, por exemplo, sem sahir dos casos
de derivação já alludidos, não se compreliende como os ir­
regulares poder e PÔR appareção, na mór parte das gram-
maticas, sob as formas poderá, podesse, poder, e pozera,
pozesse, pozer, quando procedendo do pude e puz, pela lei
que se verifica em todos os outros irregulares, têm forço­
samente a sua expressão correcta em pudera, pudesse,
PUDER e puzERA, puzESSE, puzER. Haja vista, além dos
quatro auxiliares, os irregulares caber, dizer, fazer, querer,
TRAZER, VER, otc., de quo mais adiante se trata, e em que
a mesma lei se verifica.
91. Salvas algumas excepções isoladas, os verbos mais
irregulares não ostentão mais de quatro fôrmas diíferentes
I ■! de radical, das quaes deduzem-se todas as derivações, quer
normaes, quer anormaes: quatro são, portanto, os tempos
primitivos, a saber:
A. O 1.® tempo do infinitivo (tempo primordial),
B. O 1.® tempo do indicativo,
c. O3.® tempo do indicativo,
. V’ D. Oparticipio invariavcl.
92. JDo 1.® TEMPO DO INFINITIVO dcrivão-so os cinco
seguintes:
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 57
1.“ — O 2.“ tempo do infinitivo. Ex. Eu ter. — Eu
HAVER. — Eu SER. — Eu ESTAR. — Eu PÔR. EtC .
2° — o 5.° tempo do infinitivo (gerundio simples). Ex*
T endo. — H avendo. — Sendo. — E stando. — P ondo. Etc-
3. ®— O 2.” tempo do indicativo. Ex. E stava. — H avia .
Etc. As exccpções são: punha (de ^dr), — era (de ser),—
TINHA (de ter)., — e vinha (de vir).
4. ®— O 7.“ tempo do indicativo. TEx. e r e i. — H a -
verei. — Serei. — E starei. — P orei. Etc. As excepções
são: direi (de dizer), — farei (de fazer), c TRAREI (de
trazer).
5. ®— O 1.® tempo do condicional. TEx. e r ix í . — IIA -
veria . — Seria. — E staria. — P oria. Etc. As exccpções
são: diría (de dizer, — faria (de fazer) — e traria (de
trazer).
93. Ha primeira pessoa do singular do 1.® tempo do
INDICATIVO deriva-se:
1. ®— O primeiro tempo do subjunctivo. Ex. T enho , r
TENHA (de ter). — C aibo , caiba (de caber). — P onho, ponha
(de p>ôr). — S irvo , sirva (de sérvir). Etc. As exccpções
são: hei, h a ja (de haver), — sou, seJ xV (do ser), — estou,
ESTEJA (d,c estar), — quero, queira (de querer), — sei, SxÍ iba
(de saber), — e vou, vÁ (de ir).
E das segundas pessoas do mesmo 1.® tempo do in d i ­
cativo , derivão-se:
2. ®— As mesmas pessoas do imperativo, pela sup-
pressão do s final. Bx. Has, haveis; iixV., h av ei (de haver).
— Estás, estais; está , estai (de estar). — Pões, p>ondes;
PÕE, PONDE (de pôr). — Lês, lêdes; lê , lêde (do ler). Etc.
As excepções são: tu tens, tem (tu), de ter; — tu vens,
VEM (tu), de vir; — tu és, vós sois; sê (tu), sêde ( v ó s ),

de ser.
94. Ha primeira, ou mais exactamente ainda, da se­
gunda pessoa do 3.® tempo do indicativo derivão-se, sem
excepção:
1. ®— O 5.® tempo do indicativo. Ex. Eu tive, tu ti­
veste; EU TIVERA. — Eu houve, tu houveste; eu houvera.—
Eu fui, tu foste; eu fôRxV. — Eu estive, tu estiveste; eu es­
tivera. — Eu puz, tu puzeste; eu puzera. — Eu pude, tu
pudeste; eu pudeRxV. Etc.
2. ®— O 3.® tempo do condicional, idêntico de íbrmas
com o precedente.
3. ®— O 3.® tempo do subjunctivo, igualmentc idêntico
de fôrmas com o anterior.

à
'I )
58 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA
I'
H' 4° — 0 2.® temj^o do subjunetivo. Ex. Eu tive, tu ti­
veste; EU TIVESSE. — Eu houve, tu houveste ; eü houvesse .__
Eu fui, tu foste ; eu fosse . — Eu estive, tu estiveste; eu es ­
tiv esse . — Eu puz, tu imzeste; eu puzesse . Etc.
5.® — O 7.® tempo do subjunetivo. Ex. Eu tive, tu ti­
veste; EU TIVER. — Eu^ houve, tu houveste; eu houver . __
Eu fui, tu foste; eu fôr. — Eu estive, tu estiveste; eu es­
tiv er . — Eu puz, tu puzeste; eu puzer . Etc.

95. O PARTiciPio INVARIÁVEL, indissoluvelm ente unido


a TER ou HAVER em todas as suas m anifestações, constitue
com um ou outro destes dous auxiliares, os tem pos com ­
K' postos dos verbos elem entares.
O bservação . O participio variavel é geralmente idên­
tico de forma com o invariável. Todavia um e outro
apresentão algumas irregularidades, que vêm mencionadas
no ca]ntulo: Do participio .

Do processo da substituição
96. ^Dentre as difficuldades que se podem originar da
ap2:)licação das tabellas conjugativas aos exercicios analy-
ticos, nenhuma se ostenta mais saliente do que a determi­
nação dos tempos que o acaso fez perfeitamente idênticos
ae íojmas, embora, por pertencerem a modos differentes
tenhao assim necessariamente um alcance diverso de sen­
tido. Depara-se, com effeito, que em todos os verbos, quer
regulares, quer irregulares, o 5.® tempo do indicativo, o 3.®
do condicional, e o 3.® do subjunetivo não apresentão dis­
crepância alguma por onde possão ser discriminados. O
mesmo succédé em todos os verbos regulares, e em grande
numero dos irregulares, com relação ao 7.® tempo do sub-
junctivo, e ao 2.® do infinitivo; pois ahi também produz-se
uma semelhança perfeita. Entretanto, na declaração de
uma forma verbal, é condição rigorosa, não só assignar-lhe
o competente modo, como ainda basear esta selecção em
um motivo terminante. O critério que tão azada quão se-
suSitu^ção ^ necessidade, é o processo da

97. Se se attende a que toda o qualquer palavra


preenche necessariamente uma funeção na enunciação do
pensamento (jiorquanto, a não ser assim, nenhum seria o
seu préstimo); se se attende, outrosim, que todas as mesmas
hf tuneçoes, com excepção tão sómcntc da que compete á in­
terjeição, se reduzem ás de facto, de sujeito, de complor
li «'

. ■-ji
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 59

monto, de predicado, de apposiçuo e do ligação, forçoso ó


admittir: l.°, que duas palavras prestando-se, em identidade
de circumstancias, a collocar-se uma em logar da outra;
ou, 2.®, a unir-se por uma das trcs conjuncções copulativas
E, NEM, ou, para constituir uma mesma funcção, devem
pertencer a uma mesma especie, c ter exactamente igual
alcance de significação.
Pois nisto cifra-se o processo da substituição.
A uma palavra de classificação duvidosa, veja-se que
outra de classificação determinada, se lhe ageita, quer por
substituição, quer por anncxão; e, se não se desavirom
neste acto de aferição, prova é que são da mesma cspecie,
ou que têm, em significação, ura alcance idêntico.
üs seguintes exemplos applicados á duvida que sus­
citou esta exposição, demonstrão plenamente uma das faces
desta these.
Os apostolos só RECEBÊRÃO CÍ71C0 pãeS se QUIZERÃO
comer os seus cinco pães, sahíra menos de meio p>ào a cada n
um. (P. Ant. Vieira).
Obvio é que os trcs verbos: i'ecehêrão, quizerão e sahíra
pódem caber por suas fôrmas, no 5.® tempo do indicativo,
no 3.® do condicional, ou no 3.® do subjunctivo; ])orém, cm
qual delles é que realmente cabem? IJma simples substi­
tuição de tempos, que deixa illeso o pensamento, o dá a
conhecer.
Os apostolos só T iN H Ã o RECEBIDO cinco pães; se qui-
ZESSEM eomer os cinco pães, sahiria menos de meio pão a
cada um.
Evidencía-se assim que receberão pertence ao 5.® temjio
do indicativo, por ser supprivel pelo 6.® do mesmo modo;
que quizerão pertence ao 3.® do subjunctivo, por ser sup­
privel pelo 2.® do mesmo modo ; emfim que sahíra pertence
ao 3.® do condicional, por ser supprivel pelo 1.® do mesmo
modo.
Para discriminar o 7.® tempo do subjunctivo, do 2.®do
infinitivo, modifica-se o expediente, porém sem violação do
principio; e eis-ahi em que se baseia o processo.
E’ notável que, em todos os verbos auxiliares, o 7.®
tempo do subjunctivo, ao contrario do que succede cm
todos os regulares, discrepa formalmentc do 2.® tempo do
infinitivo. Pois aproveita-se esta circumstancia para de
prompto chegar á determinação de um tempo destes ; basta
converter o verbo duvidoso em verbo combinado, para ver
appareccr no auxiliar o tempo procurado.
60 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

Exemplos ;
jSe CONSIDERARMOS j^^rtícularmente as cousas, qual haverá
que, sem letras divinas ou humanas, se possa fazer f (João de
Barros).
Se TIVERMOS de considerar... (JSTão: se termos,..). Por­
tanto está considerarmos no 7.° tempo do subjunctivo.
Para verificarmos isto, faremos uma parabola. (João
de Barros).
Para isto ser verificado... (JSTão: para isto fôr...). Por­
tanto está verificarynos no 2,® tempo do infinitivo.
Analoga é a duvida que póde occorrer em relação á
terceira pessoa do plural do 3.® tempo do indicativo, e á
mesma pessoa do 5.® tempo do mesmo modo, que, em todos
os verbos, são exactamente iguaes. Abi basta mentalmente
transmudar o plural em singular, dando-se ao verbo um
sujeito adequado, para ver appareeer uma das duas fôrmas
denotando, ou o 3.®, ou o 5.® tempo do indicativo.
Exemjilo;
P. Luiz e D. Affonso se sahírão já de noite com tochas,
e, do meio da sala onde primeiro se vÍRÃo, se despediu el rei
de França. (Duarte Nunes de Leão).
P. Affonso se saiiiu... da sala onde se víra com o rei...
Portanto está se sahírão no 3.® tempo do indicativo, e se
VÍRÃO no 5.® do mesmo modo.
98. Não é sem estranheza que se nota como o prin­
cipio da substituição, um dos mais valiosos promotores
hodiernos do progresso nas sciencias physicas, adapta-se
coin o mesmo acerto e proficiência aos estudos philologicos,
verificando-se assim novamente a superioridade do methodo
experimental sobre o dogmático. Apenas empregado, nos
casos alludidos, a desfazer duvidas de importância secun­
I daria, elle se torna dahi em diante um auxiliar indispen­
sável em todas as questões intrincadas, não deixando
diíRculdade alguma sem solução satisfactoria.

Dos verbos irregulares


99. As irregularidades nos verbos são de duas es-
pecies: umas, apparentes; outras, reaes.
A pparentemente irregulares são os verbos em que
só se dá unm troca de signaes graphicos, nenhuma, porém,
de pronuncia; assim em fujo, de fugir; o em careço, de
carecer.
it’ll

i,'
í?
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 61

E ealmente irregulares são OS verbos cm que, junto


a uma troca de siguaes grapliicos, dá-se também uma dif-
fercnça de pronuncia; assim em digo, por dizo^ de dizer ;
e cm PERCO, por perdo, de perder.
Obvio é que todas estas irregularidades só affcctão os
tempos simples dos verbos ; porquanto as que podem inte­
ressar aos tempos compostos, têm a sua exposição natural
no capitulo : I)o partícipio.

Dos verbos apparentemente irregulares


100. As irregularidades desta especie procedem todas
de quatro series de sonoridades, em que certas consoantes
não conservão, ante a e o, a mesma articulação como ante
E c i.
Destas sonoridades, duas são rudes, e duas, brandas.
Ahi vão ellas exaradas em uma tabella synoptica que
torna de mais facil apreciação o modo porque se effectua
a respectiva troca de signaes graphicos.
1. '' serie (sonoridade rude) CA QUE QUI CO
2.°- SERIE (sonoridade branda) ÇA CE Cl ÇO
S.'' SERIE (sonoridade rude) GA GUE GUI GO
4.“ SERIE (sonoridade branda) JA GE GI JO
101. A regra que d’abi se deduz, é que, conforme se
apresenta rude ou branda a sonoridade terminativa de um
verbo no seu tempo primordial, branda ou rude deve ella
igualmente ficar em todo o decurso da conjugação. Sirvão
os seguintes verbos de outros tantos paradj^gmas em cada
uma das tres conjugações.
1.“ CONJUG. 2.^ CONJUG. 3.“ CONJUG.
CAR : Ficar. CER : Torcer. c ir : Ecsarcir.
ÇAR : Caçar. guer; Erguer. guir: Distinguir.
GAii: Pagar. GER : Ecger. GIR Fingir.

APPLICAÇÃO
PRIMEIRA CONJUGAÇÃO
102. Kos verbos em car troca-se o c por qu todas as
vezes que a inflexão adduz-lhc cm seguida e , caso este que
se verifica na primeira pessoa do singular do 3.° tenqio do
indicativo, c em todas as pessoas do l.° tempo do subjun-
ctivo;

í
G2 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

hx. iMcar. Eu fiquei. Eu fique, etc.


Nos \ erbos cin ç a r troca-se o ç por c nos niesTnos
casos.C3
Ex. Caçar. Eu cacei. Eu cace, etc.
N os \ crbos cm gar troca-se o g 2)oi’ o u nos mesmos
casos
Ex. Pagar. Eu paguei. Eu pague, etc.
SEGUNDA CONJUGAÇÃO

103. Nos verbos em c e r troca-se o c por ç todas as


\ czes (juc a inflexão adduz-llie em seguida a ou o, caso
este que se \erifica na ])rimeira [oessoa do singular do
1." tempo do indicativo, e em todas as loessoas do 1.“ tempo
do subjunctivo. ^
Ex. Porcer. Eu torço. Eu torça, etc.
Nos verbos em guer troca-se gu por g nos mesmos
casos.
Ex. Erguer. Eu ergo. Eu erga, etc.
Nos \ erbos em ger troca-se o g i^or j nos mesmos
casos.
Ex. Reger. Eu rejo. Eu reja, etc.
t e r c e ir a c o n ju g a ç ã o

104. Nos verbos em c ir troca-se o c por ç todas as


vezes que a inflexão adduz-lbe cm seguida a ou o, caso
este que se \ erifica na primeira jiessoa do singular do 1.®
tempo do indicativo, e em todas as pessoas do 1.® tempo
subjunctivo ^
') Ex. Resarcir. Eu resarço. Eu resarça, etc.
Nos verbos em g u ir troca-se gu por g nos mesmos
casos.
Ex. Distinguir. Eu distingo. Eu distinga, etc.
Nos verbos em g ir troca-se o g por j nos mesmos
casos.
Ex. Finirir. Eu finjo. Eu fiinja, etc.
O bservação. Dentro os verbos em g u i r , os em que
esta terminação consta de duas syllabas ( g u - i r ), são reo-u-
larcs; assim a r g u ir e r e d a r g u ir .

'I !l
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA G3

Dos verbos realmente irregulares


105. As irregularidades reaes são, ou próprias do um
só 0 unico verbo, como em dar, caber, poder, querer, etc.;
ou eommuns a dous ou mais verbos, como em pedir, pelo
qual se conjugão despedir, expedir, impedir, medir e remedir.
Neste ultimo caso, um (los mesmos veríjos preenche, em
relação aos demais, o officio de paradigma.
Aliás ter-se-ha por assentado que os tempos omissos
nas seguintes tabellas, são de conjugação regular.

lEEEGULARES DA PEIMEIEA CONJUGAÇÃO

DAR
INDICATIVO

1.® T E M P O 3 .° T E M P O 5.® T E M P O

Eu dou dei déra


Tu dás déste déras
Elle dá deu déra
Nós damos dêmos dêramos
Vós dais déstes dêreis
Elles dão dérão dérão

IMPERATIVO

Dá (tu) Dai (vós)

SUBJIINCTIVO

1.0 T E M P O 2.0 T E M PO 7.0 TEM

Eu dê désse der
Tu dês désses deres
Elle dê désse der
Nós dêmos dessem os dermos
Vós deis desseis derdes
Elles dêm dessem derem

i
64 NOVA GRAIMMATICA ANALŸTICA

CEAR

INDICATIVO IMPERATIVO SUBJUNCTIVO

l . ° TEMPO T E M P O UNICO 1.® T E M P O


Eu ceio Eu ceie
Tu ceias Ceia (tu) Tu ceies
Elle ceia Elle ceie
í^ós ceamos Nós ceemos
Vós ceais Ceai (vós) Vós ceeis
Elles ceião Elles ceiem
Assim se conjugão os verbos em ear, como pear, apea?',
ladear, lisonjear, nomear, etc.

N E G O C IA R

INDICATIVO IMPERATIVO SUBJUNCTIVO

1.®T E M P O T E M P O U N ICO 1.® T E M P O


Eu negoceio Eu negoceie
Tu negoceias Negoceia (tu) Tu negoceies
Elle negoceia Elle negoceie
Nós negociamos Nós negociemos
Vós negociais Negociai (vós) Vós negocieis
Elles negoceião Elles negoceiem
Assim se conjugão mediar, odiar, premiar e remediar’
talvez j)or tei*-lhes sido antigamente dada a terminação
EAR, ou simplesmente para prevenir uma possivel ambigui­
dade com os substantivos odio, prêmio e remedio, e com o
adjectivo medio, media.
Porém os demais verbos em i a r , como chiar, criar’
fiar, piar, adiar, arripiar, etc. conjugão-se regularmente.
N o t a . Com os referidos verbos não se devem con­
fundir o^s que, ]3rocedentes de um substantivo em eio,
api esentao-se no seu tempo primordial com a terminação
eiar ; assim, de passeio, passeiar; de receio, receiar, etc.
Estes são de conjugação regular.
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 05

IRREGULAllES DA SEGUA^DA CONJUGAÇÃO

CABER

INDICATIVO
l . ° T E M PO 3.0 T E M PO 5.0 TE M PO
Eu caibo coube coubera
Tu cabes coubeste couberas
Elle cabe coube coubera
Nós cabemos coubemos coubéramos
Vós cabeis coubestes coubereis
Elles cabem couberão couberão
IMPERATIVO

(Falta)
SUBJUNCTIVO
1.0 T E M PO 2.0 T E M PO 7 .° T E M PO
Eu cáiba coubesse couber
Tu caibas coubesses couberes
Elle cáiba coubesse couber
Nós caibamos coubéssemos coubermos
Vós caibais coubésseis couberdes
Elles cáibão coubessem couberem

C O M P R A Z E R -SE
INDICATIVO
1.0 TE M PO 3.0 T E M PO Õ.® T E M PO

Eu me comprazo comprouve comprouvera


Tu te comprazes comj)rouvcste comprouveras
Elle se compraz comprouve comprouvera
Nós nos comjDrazemos comprouvemos comprouvéramos
Vós vos comprazeis comprouvestes comppou vereis
Elles se comprazem comjjrouverão comprouverão
IMPERATIVO

(Falta)

I
66 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

SUBJUNCTIVO

1.0 T E M PO 2.0 T E M P O 7.0 T E M P O

Eu me compraza comprouvesse comprouver


Tu te comprazas comprouvesses comprouveres
Elle se compraza comprouvesse comprouver
ísós nos comprazamos comprouvéssemos comprouvermos
Yós vos comprazeis comprouvésseis comprouverdes
Elles se comprazão comprouvessem comprouverem
Assim se conjugão prazer, aprazer e desprazer, porém
só na terceira pessoa do singular, por serem impessoaes.

CRER

INDICATIVO

1.0 T E M P O 3.0 T E M P O Õ.o T E M

Eu creio crí crêra


Tu crês creste crêras
Elle crê creu crêra
Nós cremos crémos crêramos
Vós credes crestes crêreis
Elles crêm crêrão crêrão

IMPERATIVO

Crê (tu) Crede (vós)

SUBJUNCTIVO

1.0 t e m p o 2.0 T E M P O 7.0 T E M P O

Eu creia cresse crer


Tu creias cresses creres
Elle creia cresse crer
Xós creiamos cressemos crermos
Vós creiais cresseis crerdes
Elles creião cressem crerem
Assim se conjugão 1er, reler e tresler.
l . ° TEM PO


k*.
Eu diffo
O disse dissera direi
l u dizes disseste disseras dirás
Elle diz disse dissera dirá
Nós dizemos dissemos dissêramos diremos
Vós dizeis dissestes dissereis direis
Elles dizem disserão disserão dirão
CONDICIONAL

1." TEM PO

Eu diria Nós diriainos


Tu diri rs Vós dirieis
Elle diria Elles dirião
SITBJUNCTIVO
TEM PO 2.0 TEM PO 7.0 T E M PO
Eu diga dissesse disser
Tu digas dissesses disseres
Elle diga dissesse disser
Nós digamos disséssemos dissermos
"ós digais
Vós dissésseis disserdes
Elles digrío dissessem disserem
PAKTICIPIOS

I nvar. Dito. V ariav. Dito, a, os, as


Assim se coujugão bemdizer, condizer, contradizer, des­
dizer, interdizer, maldizer e jmedizer.

FAZER
INDICATIVO
1.0 T E M PO 8.0 T E M PO 5 .0 TEM PO 7.“ T E
Eu faço az fizera farei
Tu fazes fizeste fizeras faróis
Elle faz fez fizera fará
Nós fazemos fizemos fizêramos faremos
Vós fazeis fizestes fizereis fareis
Elles fazem fizerão fizerão farão
()8 NOVA GRAMMAÏlCA ANALYTICA

C O N D IC IO N A L

1.0 T E M PO

Eu faria Nos fariamos


Tu farias Vos farieis
Elle faria Elles fariào
SUBJUNCTIVO

1.0 T E M PO 2.0 tem po 3.0 T E M P O

Eu faça fizesse fizer


h Tu faças fizesses fizeres
Elle faça fizesse fizer
Nós façamos fizéssemos fizermos
Vós façais fizesseis fizerdes
Elles fação fizessem fizerem
PARTICIPIOS
I nvar. Feito. V a r i a v . Feito, a, os, as.
Assim se Q,on]ng^o afazer, contrafazer, desafazer, desfazer,
malfazer, perfazer, rarefazer, refazer e satisfazer.

JA Z E R
INDICATIVO
1.0 TEM PO

Eu jazo Nós jazemos


Tu jazes Vós jazeis
Elle jaz Elles jazem.
A fórma antiquada jouve, do 3.° tempo do indicativo,
cahiu em desuso, a não ser no estylo poético.

PERDER
INDICATIVO SUBJUNCTIVO
1 .0 TEMPO 1.0 TEM PO

Eu perco Nós perdemos Eu perca Nós percamos


Tu perdes Nós perdeis Tu percas Vos percais
Elle perde Elles perdem Elle perca Elles percão
1.® T E M P O 3.® T E M P O 5.® T E M P O

Eu posso pude pudera


Tu podes pudeste puderas
Elle póde pôde pudera
Nós podemos pudemos pudêramos
Vós podeis pudestes pudereis
Elles podem puderão puderão

IMPEKATIVO

(Falta)

SUBJUNCTIVO

1.® T E M P O 2.® T E M P O 7.® T E M P O

Eu possa pudesse puder


Tu possas pudesses puderes
Elle possa pudesse puder
Nós possamos pudéssemos pudermos
Vós possais pudesseis puderdes
Elles possão pudessem puderem

INDICATIVO

TEM PO 3.® T E M P O 5.® T E M P O

Eu quero quiz quizera


Tu queres quizeste quizeras
Elle quer quiz quizera
Nós queremos quizemos quizeramos
Vós quereis quizestes quizereis
Elles querem quizerão quizerão

IMPEKATIVO

(Falta)
70 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

SUBJUNCTIVO

1.“ T E M P O 2.0 T E M P O 7.0 T E M P O

Eu queira quizesse quizer


Tu queiras quizesses quizeres
Elle queira quizesse quizer
Nós queiramos quizessemos quizermos
Vós queirais quizesseis quizerdes
Elles queirãio quizessem quizerem
PAKTICIPIOS

I nvar. Querido. V a r i a v. Querido, a, os, as.


Esto verbo conta mais um jiarticipio variavel: quisto,
a, os, as, que não sóe ser empregado senão junto a um
dos clous advérbios bem ou mal. Ex. Quem a ninguém quer
hem, de todos é mal quisto.

REQUERER
INDICATIVO SUBJUNCTIVO

1.0 T E M P O 1.0 T E M PO

Eu requeiro Eu requeira
Tu requeres Tu requeiras
Elle requer Elle requeira
Nós requeremos Nós requeiramos
Vós requereis Vós requeirais
Elles requerem Elles roqueirão

SABER
INDICATIVO
1.0 TE.MPO 3.0 T E M P O 0
TEM PO

Eu sei soube soubera


Tu sabes soubeste souberas
Elle sabe soube soubera
Nós sabemos soubemos soubêramos
Vós sabeis soubestes soubereis
Elles sabem souberão souberão
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 71

SUBJUNCTIVO

l.° TK M PO 2 .° T E M P O 7 .° T E M P O

Eu sáiba soubesse souber


Tu sáibas soubesses souberes
Elle sáiba soubesse souber
Nós saibamos soubéssemos soubermos
Vós saibais soubésseis souberdes
Elles sáibão soubessem souberem

TRAZER

INDICATIVO

l.° TEM PO 3 .° T E M P O 5 .° T E M P O 7 ° TEM

Eu trago trouxe trouxera trarei


Tu trazes trouxeste trouxeras trarás
Elle traz trouxe trouxera trará
Nós trazemos trouxemos trouxêramos traremos
Vós trazeis trouxestes trouxêreis trareis
Elles trazem trouxerão trouxerão trarão

CONDICIONAL

1.« TEM PO

Eu traria Nós trariamos


l
Tu trarias Vós trarieis
Elle traria Elles trarião

SUBJUNCTIVO

l . ° TEM PO 2 .° T E M P O 7 .° T EM P O

Eu traga trouxesse trouxer


Tu tragas trouxesses trouxeres
Elle traga trouxesse trouxer
Nós tragamos trouxéssemos trouxermos
Vós tragais trouxésseis trouxerdes
Elles tragão trouxessem trouxerem
72 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

VALER
INDICATIVO IMPERATIVO SUBJUNCTIVO
l . ° TE M PO
1.® T E M PO
E ll valho ( F a lt a ) E u v a lh a
T u vales T u v a lh a s
E lle vale E lle v a lh a
N os valem os N ós valham os
V ó s vale is V ó s v a lh a is
E lle s valem E lle s valhão

VER
INDICATIVO
1.® T E M PO 3.® T E M PO 5.® T E
E u vejo vi v ir a
T u vês viste v ira s
E lle vê v iu v ir a
Nós vemos vím os víram o s
Vós vedes viste s v íre is
E lle s vêm virão virão

IMPERATIVO

T E M P O Ú N IC O
V ê (t u ) Vêde (vó s)

SUBJUNCTIVO
1.® T E M P O 2.® T E M PO 7.® T E M P O
E u veja visse v ír
T u vejas visses v ire s
E lle veja visse v ír
N ós vejam os vissem os virm o s
Vós vejais visseis vird e s
E lle s vejão vissem vire m

PARTICIPIOS
I n v a r . V isto . V a r i a V. V is to , a, os, as.
A ssim se conjugão a n te v e r, en trever, p re v e r, p r o v e r e
com rcso rva, to d avia, que, em ambos o“
p a itic ip io s sao refçularo s; — p r o v id o , o, os, a s.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 73

lEEEGULARBS DA TEECEIEA CONJUGAÇÃO

C O B R IR
INDICATIVO SUBJUNCTIVO

1.0 TEM PO 1.0 T E M P O

Eu cubro Nós cobrimos Eu cubra Nós cubramos


Tu cobres Vós cobris Tu cubras Vós cubrais
Elle cobre Elles cobrem Elle cubra Elles cubrão
Assim se conjugão descobrir^ encobrir o dormir.

F R IG IR
INDICATIVO

1.0 T E M PO

Eu frijo Nós frigimos


Tu freges Vós frigis
Elle frege Elles fregem

IMPERATIVO
Frege (tu) Frigi (vós)

IR

INDICATIVO

1.0 TE M PO 3.0 T E M PO 5.0 T E

Eu V O U fui fôra
Tu vais foste fôras
Elle vai foi fôra
Nós vamos fomos fôramos
Vós ides fostes fôreis
Elles vão forão fôrão
IM PERATIVO

Vai (tu) Ide (vós)

I
l.° TEMPO 2 . “ T E M PO 7.® T

Eu vá fosse fôr
Tu vás fosses fôres
Elle vá fosse fôr
Nós vámos fossem formos
Vós vades fosseis fordes
Elles vão fossem fôrem
O b s e r v a ç ã o . Para de prompto discriminar, nos oxer-
cicios analyticos,^ os tempos de i r , que, por identidade de
formas, podcm vir a scr confundidos com alguns de s e r ,
basta, soccorrendo-se ao proceaso da substituição, trocá-los
por outros em que os doiis verbos tenhão fôrmas diver­
gentes. Ex. Em Hespanha, os Romanos não f o r Ão conquistar
os homens, senão as minas; porque as minas f o r ã o o motivo
da guerra. (P. Ant. Vieira). — Em Hespanha, os Romanos
não TiNHÃo IDO conquistar os homens, senão as minas; porque
as 7)iinas t i n i i ã o s id o o motivo da guerra. — Portanto o pri­
meiro FORÃO ó de IR, e o segundo de s e r .

L U Z IR

INDICATIVO

l.° T E M PO

Eu luzo Nós luzimos


Tu luzes Vós luzís
Elle luz Elles luzem

Assim se conjugão todos os verbos em u z ir :


Wh
.' í adduzir. eduzir, produzir. reluzir.
fi'‘
conduzir. induzir. reconduzir. reproduzir.
4 1 *' deduzir. introduzir. reduzir. seduzir.
traduzir, transluzir.

iÿlr,.“
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLüGIA ÍD

O U V IR

INDICATIVO SUBJUNCTIVÜ

1.0 TEMPO 1.0 T E M PO

E u OUÇO Nós ouvimos Eu ouça Nós ouçamos


Tu ouves Vós ouvis Tu ouças Vós ouçais
Elle ouve Elles ouvem Elle ouça Elles oução

P E D IR

INDICATIVO SUBJUNCTIVO

1.0 T E M P O 1 . “ T E M PO

Eu peço Nós pedimos Eu peça Nós peçamos


Tu pedes Vós pedis Tu peças Vós peçais
Elle pede Elles pedem Elle peça Elles peção
Assim se conjugão despedir, expedir, impedir, medir.
remedir e descomedir-se.

P R E V E N IR

INDICATIVO IMPERATIVO SUBJUNCTIVO

1.0 T E M P O T E M P O UKICO 1.0 T E M PO

Eu previno Eu previna
Tu prevines Previne (tu) Tu previnas
Elle previne Elle previna
Nós prevenimos Nós previnamos
Vós prevenis Preveni (vós) Vós previnais
Elles previnem Elles previnão

Assim se conjugão denegrir e redemir.


R IR

IM PEKATIVü SUBJUNCTIVO

T E M P O UNICO 1.- TEM PO

Eu rio Eu ria
Tu rÍ8 Rí (tu) Tu rias
Elle rí Elle ria
]STÓ8 rimos líós riamos
Vó8 ride8 Ride (vós) Yós riais
Elles riem Elles rião
Assim se conjuga sorrir-se.

INDICATIVO SUBJUNCTIVO
1.® T E M P O 1.® T E M P O
Eu saio Nós sahimos Eu sáia Nós saiamos
Tu sahes Vós sahís Tu sáias Vós saiais
Elle sahe Elles sabem Elle sáia Elles sáião
Assim se conjugão:
abstrahir, decahir, emhahir, retrotrahir,
attrahír, descahir, extrahir, sobresahir,
cahir, detrahir, recahir, subtrahir,
contrahir, distrahir, retrahir, trahir.

S E R V IR
INDICATIVO SUBJUNCTIVO
1.'’ TEMPO 1.« T E M P O
Eu sirvo Nós servimos Eu sirva Nós sirvamos
Tu serves Vós servis Tu sirvas Vós sirvais
Elle serve Elles servem Elle sirva Elles sirvão
•1
> >'■ Assim se conjugão:
[, .V advertir. desferir. impellir. proseguir.
aferir. desinvestir, indeferir, referir.
agredir. desmentir. inferir^ reflectir.
assentir. despir. iíiserir. repellir.
auferir. desservir. investir. repetir.
compellir. diferir. mentir. revestir.
competir. digerir. perseguir. seguir.
confei'ir. dissentir. preferir. sentir.
conseguir. divertir. presentir. subseguir-se.
consentir. expellir. proferir. transferir.
deferir. ferir. progredir. vestir.

S O R T IR

INDICATIVO IMPERATIVO SUBJUNCTIVO

l . ° TEMPO T E M P O UNICO 1.® TE M PO

Eu surto Eu surta
Tu surtes Surte (tu) Tu surtas
Elle surte Elle surta
Nós sortimos Nós surtamos
Vós sortis Sortí (vós) Vós surtais
Elles surtem Elles surtão
Assim se conjugão cortir, embotir, ordir e sordir.

S U B IR

INDICATIVO

1.® T E M PO

Eu subo Nós subimos


Tu sobes Vós subis
Elle sobe Elles sobem
Assim se conjugão cicudi)', buliv, construi?', cuspir, des­
entupir, destruir, engulir, entupir, fugir, sacudir, tussir e
sumir, com excepção, todavia, de assumir, consumir o re­
sumir, que são regulares.
I.
78 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

V IR

INDICATIVO
1.0 TKMPO 3.0 T E M PO 5.0 T E M PO

Eu venho vim viera


Tu vens vieste vieras
Elle vem veiu viera
Nós vimos viemos viêramos
Vós vindes viestes viereis
Elles vêm vieráo vierão
IMPERATIVO

T E M P O U N ICO

Vem (tu) Vinde (vós)

SITBJUNCTIVO

1.0 T E M P O 2 .0 T E M PO 7.0 T E M P O

Eu venlia viesse vier


Tu venhas viesses vieres
Elle venha viesse vier
Nós venhamos viessemos viermos
Vós venhais viesseis vierdes
Elles venhão viessem vierem

PARTICIPIOS

I nvar. Vindo. V a r i a v. Vindo, a, os, as.


Assim se conjugão avir, contravir, convir, desavir, des-
convir, intervir, provir, reconvir e sobrevir.

POR
O bservação. A terminação excepcional deste verbo
íii-lo-hia, com bastante propriedade, o jiaradigma de uma
quarta conjugação, e com esto predicamento inscrevêmo-lo
na primeira edição desta obra. Porém, considerando que,
além de se desenvolver em modificações pouco harmônicas,
só serve do norma a verbos que delle procedem, preferimos
apresentá-lo como irregular avulso.
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA

IN D IC A T IV O

1.0 T E M PO 2.0 T E M PO

Eu ponho Nós pomos Eu punha Nós púnhamos


Tu pões Vós pondes Tu punhas Vós punheis
Elle põe Elles põem Elle punha Elles punhão
3.0 T E M P O 5.0 T E M P O

Eu puz Nós puzemos E lipuzera Nós piizeramos


Tu puzeste Vos puzestes Tu puzeras Vós puzereis
Elle pôz Elles puzerão Elle puzera Elles puzerão
7.0 TEMPO

Eu porei Nós poremos


Tu porás Vós poreis
Elle porá Elles porão

CONDICIONAL

1.0 TEMPO

Eu poria Nós poriamos


Tu porias Vós porieis
Elle poria Elles porião

IMPERATIVO

T E M P O Ú N ICO

Põe (tu) Ponde (vós)

SITBJUNCTTVO

2.0 T E M PO 7.0 T E M P O
1.0 tem po

Eu ponha puzosse puzer


Tu ponhas puzesses puzeres
Elle ponha puzesse puzer
Nós ponhamos puzessemos puzermos
Vós ponhais puzesseis puzerdes
Elles ponhão puzesse m puzerem

IN FIN IT IV O

1.0 tem po

Pôr
80 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

2.0 TKMPO

Eu pôr Nós pormos


Tu porcs Vós pordes
Elle pôr Ellos pôrem
5.0 TEMPO

Pondo
'I
PARTICIPIOS

I nvar. Posto. V a r ia v . Posto, a, os, as.


Assim se conjuga o :
appor, decompor. indispor, recompor
antepor, descompor, interpor, repôr,
compôr, dispôr, oppôr, superpor,
contrapor, expor, pospôr, suppó r,
depôr. impôr. propôr. transpor.

Verbos defect!vos
K)6. Além dos verbos cuja significação obsta a que
recebão todo o seu desenvolvimento conjugativo, como
caber, poder, (puerer, valer, etc., aos quaes falta o imperativo
por ser contrario á razão mandar a alguém que cáiba,
possa, queira, valha, etc., são defectivos os seguintes:
1. ° Na segunda conjugação, feder qprecaver, porque não
se sóe dar-lhes as inflexões adduzindo immediatamente após
0 radical as vogaes a ou o: ^
2. " Na terceira conjugação, os infrascrip tos, porque
também não se sóe dar-lhes as inflexões que não adduzem
immediatamente após o radical a vogal i:
abolir, carpir, exhaurir, munir,
adherir, colorir, exinanir, polir,
banir, demolir, inherir, remir,
brandir. discernir. latir. submergir.
O b s e r v a ç ã o . Para supprir as fôrmas que a estes de-
lectivos fallecem, costuma-se usar de synonymos ou de cir-
cumloquios.
S ynonymos são os vocábulos do mesmo sentido. Assim
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 81

é que, sendo vedado dizer : Eu bano, nada obsta a que se


diga por substituição: Eu desterro.
CiRCUMLOQUios são complexos de palavras equivalendo
a uma só. Assim é que, sendo vedado dizer : O navio se
submerge, diz-se com toda a propriedade: O navio vai a
'pique.

Da conjugação dos verbos pronominaes


O systema conjiigativo dos verbos pronominaes abrange
duas ordens parallelas de inodificaçoes : a primeira normal;
a segunda, anormal. Na pratica, indiflperente ó usar, quer
de^ uma, quer de outra : escolhe-se a que com mais pro­
priedade acóde aos requisitos do estylo ; em sentido, porém,
não ha divergência.
N ormal é a conjugação cm que ambos os pronomes
pessoaes vão antepostos aos verbos. Ex. Eu me queixo.
A normal é a conjugação cm que, por omissão do pro­
nome sujeito, o pronome complemento passa para depois
do verbo. Ex. Queixo-me. Chama-se anormal porque, em
quatro dos seus tempos : o 7.” e o 8.° do indicativo, c o 1.“
e o 2.” do condicional, dá-se o caso da tmesis, uma das fi­
guras de dicção, por interpolação dos pronomes comple­
mentos dentro da terminação. Ex. Queixar-me-hei, — ter-
me-hei queixado. — Queixar-me-hia, — ter-me-hia queixado. —
Dá-se nelle ainda outra anomalia, a da apocope, igualmcnte
uma das figuras de dicção, por suppressão da consoante
final s na primeira pessoa do plural. Ex. Queixamo-nos.
Entretanto, não sendo possivel apresentar, como con­
viria, ambas estas ordens de conjugação em parallélisme,
por causa do nimio estiramento das fôrmas, ahi vão ellas
cm duas tabellas separadas.

Q U E IX A R -S E

ORDEM NORMA.L

1.0 TEM PO

Eu me queixo Nós nos queixamos


Tu te queixas Vós vos queixais
Elle se queixa Elles se queixão
Nós nos queixavamos
Vós vos queixáveis
Elles se queixavão
TE M PO

Eu me queixei Nós nos queixámos


Tu te queixaste Vós vos queixastes
Elle se queixou Elles se queixárão
4.0 T E M PO

Eu me tenho ou hei
Tu te tens » has
Elle se tem ha
Nos nos temos havemos queixado
Vós vos tendes haveis
Elles se têm hão
T E M PO

Eu me queixára Nos nos queixáramos


Tu te queixáras Vós vos queixáreis
Elle se queixára Elles se queixárão
TEMPO

Eu me tinha havia
Tu te tinhas havias
Elle se tinha havia queixado
Nós nos tínhamos haviamos
Vós vos tinheis havieis
Elles se tinhão havião
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 83

CONDICIONAL

1.® T E M PO

Eu mc queixaria Nós nos queixariamos


Tu to queixarias Vós vos queixarieis
Elle se queixaria Elles se queixarião
2.® T E M PO

Eu me teria ou haveria
Tu te terias » haverias
Elle se teria » haveria i . ,
Nós nos teriamos » haveriamos ' ^
Vós vos terieis » haverieis
Ellos se terião » haverião
3.® TE M PO

Eu mo queixára Nós nos queixáramos


Tu te queixáras Vós vos queixáreis
Elle se queixára Elles se queixárão
4.® TE M PO
if
Eu me tivera ou houvera
Tu te tiveras » houveras
Ello se tivera » houvera
1
[\ queixado
. ,
Nós nos tivêramos » houvêramos / ^
Vós vos tivereis » houvereis
Elles se tiverão » houverão
â

IMPERATIVO

TE M PO UNICO

Queixa-te (tuque...) Queixai-vos (vós que...)

SUBJUNCTIVO

1.® TEM PO

Eu me queixe Nós nos queixemos


Tu te queixes Vós vos queixeis
Elle se queixe Elles se queixem
2.® TE M PO

Eu me queixasse Nós nos queixássemos


Tu te queixasses Vós vos queixásseis
Elle se queixasse Elles se queixassem
84 NOVA GRAMiMATICA ANALYTICA

3.° TE M PO

Eu me queixára Nós nos queixáramos


Tu te queixáras Vós vos queixáreis
Elle se queixára Elles se queixárão
TE M PO

Eu me tenha ou h aja
Tu te tenhas hajas
Elle se tenha haja
Nós nos tenhamos hajamos queixado
Vós vos tenhais hajais
Elles se tenhão hajão
TEMPO

Eu me tivesse ou houvesse
Tu te tivesses houvesses
Elle se tivesse houvesse ( . ,
Nós nos tivéssemos houvéssemos/
Vós vos tivesseis houvésseis
Elles se tivessem » houvessem

6.® TEMPO

Eu me tivera ou houvera
Tu te tiveras » houveras
Elle se tivera j) houvera i . ,
Nós nos tivêramos » houvêramos f
Vós vos ti vereis » houvereis
Elles se tiverão « houverão
7.® TEMPO

Eu me queixar Nós nos queixarmos


Tu te queixares Vós vos queixardes
Elle se queixar Elles se queixarem
8.® TEMPO

Eu me tiver ou houver
Tu te tiveres )) houveres
Elle se tiver )> houver
Nós nos tivermos » houvermos queixado
Vós vos tiverdes » houverdes
Elles se tiverem » houverem
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLÜGIA 85

IN F IN IT IV O

1.0 T E M PO

me, nos
Queixar- ■<tc, vos
SC, SC
2.0 TE M PO

Eu me queixar Nós nos queixarmos


Tu to queixares Vós vos queixardes
Elle SC queixar Elles SC queixarem
3.0 TE M PO

me nos
Ter- ou Ilaver- vos queixado
so
4.0 TE M PO

Eu me ter ou haver
Tu te teres » haveres
Elle SC ter » haver queixado
Nós nos termos » havermos
Vós vos terdes » haverdes
Ellcs so terem » haverem li
TE M PO

Cme, nos
-l te.
(.se,
vos
se 1
TE M PO
:
r mo. nos
-} te. vos
(.80, so
PA R TIC IPIO S

I nvar. Queixado. V a r ia v . (Falta).

o r d e m : a -n o r m í a d

IN D IC A T IV O

1.0 tem po

Queixo-mo Queixamo-nos
Queixas-tc Queixais-vos
Queixa-se Queixão-se
86 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

2.0 TEM PO

Queixava-me Queixavamo-nos
Queixavas-te Queixaveis-vos
Queixava-se Queixavão-se
3.0 TEM PO

Queixei-me Queixámo-nos
Queixaste-te Queixastes-vos
Queixou-se Queixárão-se
4 .0 TEM PO

Tenho ou hei-me \
Tens has-te )
Tem » ha-se f
Temos )) havemo-nos / queixado
Tendes )) haveis-vos \
Têm » hão-se /
5.0 TEM PO

Qucixára-me Queixáramo-nos
Qiieixáras-tc Queixáreis-vos
Queixára-se Queixárão-se
6.0 TE M PO
i,'
Tinha ou havia-me
Tinhas » havias-te
Tinha havia-se
Tinhamos » haviamo-nos queixado
Tinheis » havieis-vos
Tin hão )) havião-se

' I 7.0 TE M PO

Queixar-me-hei Queixar-nos-hemos
Queixar-te-has Queixar-vos-heis
Queixar-se-ha Queixar-se-hão
8.0 TEMPO

Ter ou haver-me-hei
Ter » haver-te-has
Ter » haver-se-ha
Ter » haver-nos-hemos queixado
Ter » haver-vos-heis
Ter )) haver-se-hão
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 87

C O N D IC I O N A L

l.° TE M PO

(^ueixar-mc-hia Queixar-nos-hiamos
Qucixar-tc-hias Queixar-vos-hieis
Queixar-se-hia Queixar-se-hião
2.® TE M PO

Ter ou haver-me-bia
Ter )) haver-te-bias
Ter » baver-se-bia queixado
Ter » baver-nos-biamos
Ter » baver-vos-bieis
Ter » baver-se-bião
3.° TE M PO

Queixára-mc Queixáramo-nos
Queixáras-te Queixáraveis-vos
Qucixára-se Queixárão-se
TE M PO

Tivera ou bouvera-me
Tiveras )) bouveras-te
Tivera » bouvera-se queixado
Tivêramos )) bouveramo-nos
Ti vereis » bouvercis-vos
Tiverão )) b ouverão-se

IM P E R A T IV O

T E M PO UNICO

Queixa-te Queixai-vos

SU B JU N CTIV O

1.» TEM PO

Queixe-me
Queixes-te
Queixe-se
88 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

3.® TKMPO

Queixára-me Queixáramo-nos
(^ueixáras-te (Queixáreis-vos
Queixára-sc Queixárão-so
4.® TEM PO
Tenha ou haja-me
Tenhas )) hajas-te
Tenha )) haja-se
Tenhamos » hajamo-nos queixado
Tenhais » hajais-vos
Tenhão )) hajão-se
5.® TE M PO
Tivesse ou houvesse
Tivesses » houvesses
Tivesse » houvesse
Tivéssemos » houvéssemos queixado
Tivesseis » houvésseis
Tivessem » houvessem
6.® TE M PO
Tivera ou houvera-me
Tiveras )) houveras-to
Tivera » houvera-mo
Tivêramos » houveramo-nos queixado
Tivereis » houvereis-vos
Tiverão )) houverão-se
7. ® TE M PO

Queixar-me Queixarmo-nos
(Queixares-te Queixardes-vos
Queixar-se Queixarem-se
8. ® TE M PO
Tiver houver-me
Tiveres houveres-tc
Tiver houver-se
Tivermos houvermo-nos queixado
Tiverdes houverdes-vos
Tiverem houverem-sc
IN F IN IT IV O
1.® T E M PO

me, nos
Queixar-^ te, vos
se, 80
Queixar-mc
Qucixarcs-to
Qucixar-sc

Ter- ou Haver- ■] te, vos

4.® TE M PO

Ter-me ou haver-me
Tcres-tc » haveres-te
Ter-se havcr-sc
Termo-nos » havermo-nos
Terdes-vos » haverdes-vos
Terem-sc » haverem-se
5.® T E M PO
r me, nos
Queixando- < te, vos
(_se, se
6.® T E M PO

me, nos
Tendo- ou Havendo- ■{ te, vos [ queixado
se,

PA R TIC IPIÜ S

I nvar. Queixado V a r ia v . (Falta).

Por estas duas tabellas eonjugão-se todos os verbos


quer esseneial, quer aeeidentalmente pronominaes, resguar­
dadas as fôrmas peeiiliares de cada conjugação, tanto re­
gular, como irregular.
E’ de notar, outrosim, que o emprego da tmesis não
lhes cabe exclusivamentc, mas é commum a todos os verbos
logo que se intenta transferir, de diante para depois de um
d’elles, um pronome pessoal qualquer, fazendo funeção de
complemento sem preposição expressa. Ex. Dir-te-hei. — Ter-
nos-ha visto. — Mandar-lhe-hiamos. — Ter-me-hião approvado. —
Confessar-vo-lo-1iemos.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 91

IN F IN IT IV O
1. “ TEM PO 4. ® TE M PO
Ventar (Falta)
2. ® T E M PO 5. ® TE M PO

(Falta) Yentando
3. ® TE M PO 6 . ® TEM PO

Ter ou haver ventado Tendo ou havciido ventado

P A R T IC IP IO

I nvar. Ventado

Dos verbos combinados


108. Entre as très especies de verbos combinados (os
passivos, os prepositivos e os gerundiaes), os primeiros sómente
é que inerecêrào aos grammaticos uma menção especial,
porque déliés também tratão as grammaticas latinas, e as
francezas. Porém, dos prepositivos e dos gerundiaes, que,
por enunciarem tão expedita quão ingenuamente o que,
era outros idiomas, só se consegue formular mediante cir-
cumloquios mais ou menos entesados, constituem uma das
bellezas da lingua portugueza, apenas aventárão-se algumas
das suas fôrmas, para serem cunhadas á viva força dentro
dos verbos elementares, e produzirem assim uma confusão
summamente prejudicial aos estudos philologicos.
Pois, quando se considera que o systema conjugativo,
quer de uns, quer de outros, se desenvolve, em modos,
tempos, numeros e pessoas, por um teor de frisante ana­
logia com o dos verbos elementares, repugna desconhecer-
lhes 0 predicamento de verbos independentes, só porque a
Índole que lhes é propria, desconcerta preconceitos mal ca­
bidos. Assim é que, por exemplo, parece inadmissível a
alguns que, nos verbos prepositivos da primeira categoria,
a fórma « Hei de sahir » constitua o l.° tempo do indica­
tivo, quando a sua feição, por ser de futuro, de modo algum
condiz com a feição de presente que caractérisa o mesmo
tempo nos verbos elementares : « Sáio ». Porém quem at-
tonder ao muito que ha de relativo nas denominações dos
tempos, como aliás demonstrar-se-ha na parte syntaxica,
não prestará a semelhante observação senão o valor que
merece ; pois o mesmo « Sáio », posto que capitulado por
todos os grammaticos do presente, não deixa do em mais
I 92 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

1 ^ de um caso alludir com toda a propriedade ao futuro :


« S á io àmanhãa p a r a fora da cidade. »
Em relação aos prépositives e aos gerúndios, outros al-
legão, como motivo de repulsa, a omissão dos tempos em
que o auxiliar teria de apparecer composto.
Porém torna-se até intuitivo que tal suppressão tem a
sua causa, menos n’uma impropriedade original dos mesmos
verbos, no que no estiramento demasiado das fôrmas em
que 0 auxiliar sahiria composto, fôrmas essas, outrosim,
sempre suppriveis pelas em que o auxiliar apresenta-se
simples.
Outros emfim notão, com o mesmo intento, a falta do
um modo ; o imperativo, não sô nos mesmos prépositives,
como ainda nos gerundiaes. Mas esta deficiência, por pro­
ceder igualmente da indole dos mesmos verbos, em que o
facto não pôde ser mandado, constitue um simples accidente
de significação, como em caher, poder, querer, etc., aos quaes,
por igual motivo, fallece também o mesmo modo.
Os verbos combinados justificão assim de sua entidade
pela conjugação, e do seu appellido pela indissolubilidade
de sentido que caractérisa suas fôrmas sempre compostas.

Conjugação dos verbos passivos


109. A conjugação dos verbos passivos consta mera-
mento da conjugação integral de um dos auxiliares ser ou
ESTAR junto a um participio variavel, o qual concorda
constantemente em genero e numero com o sujeito.
Porém o emprego de um ou de outro destes dous au­
xiliares não é facultativo como o é o de ter c haver, c
sim adstricto a dous modos distinctos de intuição. Ser
apresenta o facto como perenne ; estar o apresenta como
transitório. Assim é que um homem de idade É alquebrado
pelos annos ; ao passo que um homem, depois de vehementes
esforços, está alquebrado de cansaço.
110. Segue-se d’ahi que, se muitos verbos passivos
podem, em virtude de uma significação ampla, conjugar-se,
já com SER, já com estar, a outros fica negada esta facul­
dade por uma significação que se restringe unicamente a
SER, ou unicamente a estar, sendo, aliás, a selecção geral-
mente determinada pelo uso, antes do que por qualquer
indagação mais intrinseca.
^ Na seguinte tabella, a conjugação do paradigma fica
limitada, por amor da brevidade, ao concurso de ser, po­
dendo-se-lhe substituir ESTAR sem outra alteração.


PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 93

S E R AM ADO

IN D IC A T IV O

1.0 T E M PO

Eu 80U
Tu cs amado ou amada
Elle (a) é
Nós somos
Vós sois amados ou amadas
Elles (as) são
2.0 T E M PO

Eu era
Tu eras amado ou amada
Elle (a) era
Nós éramos
Vós ereis amados ou amadas
Elles (as) erão
3.0 TE M PO

Eu fui
Tu foste amado ou amada
Elle (a) foi
Nós fomos
Vós fostes amados oti amadas
Elles (as) forão
4.0 TE M PO

Eu tenho ou hei sido


Tu tens » has sido amado ou amada
Elle (a) tem )) ha sido
Nós temos » havemos sido
Vós tendes )) haveis sido amados ou amadas
Elles (as) têm w hão sido
5.0 TE M PO

Eu fôra
Tu fôras ^ amado ou amada
Elle (a) fôra
Nós foramos
Vós fôreis gamados ou amadas
Elles (as) forão
I , 94 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

L'
1' ' 6.0 TEM PO

Eu tinha ou havia sido


Tu tinhas » havias sido |- amado ou amada
u Elle (a) tinha » havia sido
Nós tínhamos )) havíamos sido
Vós tinheis » havieis sido |- amados ou amadas
Elles (as) tinhão » havião sido
7.0 TE M PO
u
Eu serei
Tu serás I amado ou amada
Elle (a) será
Nós seremos
Vós sereis I amados ou amadas
Elles (as) serão
8.0 TE M PO

Í Eu terei haverei sido


Tu terás haverás sido amado ou amada
Elle (a) terá haverá sido
Nós teremos haveremos sido
Vós tereis havereis sido amados ou amadas
Elles (as) terão haverão sido

C O N D IC I O N A L

1.0 TE M PO

Eu seria
Tu serias amado ou amada
Elle (a) seria
Nós seriamos
Vós serieis amados ou amadas
Elles (as) serião
Vi ■>'
/. t. 2.0 TEM PO

Eu teria ou haveria sido


Tu terias » haverias sido I amado ou amada
Elle (a) teria » haveria sido
Nós teríamos » haveriamos sido
Vós terieis » haverieis sido I amados ou amadas
Elles (as) terião )) haverião sido
I! ^ '

li'fir/
V- ’4
P R IM E IR A PARTE - L E X IC O L O G IA 95

3.0 T E M PO

Eu fôra
Tu fôras amado ou amada
Elle (a) fôra
Nós foramos
Vós fôreis amados ou amadas
Elles (as) fôrão
4 .0 TEM PO

Eu tivera ou houvera sido


Tu tiveras )) houveras sido amado ou amada
Elle (a) tivera » houvera sido
Nós tivêramos 1 » houvêramos sido
Vós tivoreis )) houvereis sido amados ou amadas
Elles (as) tiverão )) houverão sido

IMPERATIVO - íi
T E M PO U N IC O

Sê (tu) amado ou amada


Sêde (vós) amados ou amadas

SUBJUNCTIVO

1.0 T EM PO

Eu seja
Tu sejas amado ou amada
Elle (a) seja
Nós sejamos
Vós sejais [-amados ou amadas
Elles (as) sejão
2 .0 TEM PO

Eu fosse
Tu fosses [-amado ou amada
Elle (a) fosso
Nós fossemos
Vós fosseis [-amados ou amadas
Elles (as) fossem
amado ou amada

amados ou amadas

4.0 TEMPO

Eu tenha ou haja sido


Tu tenhas » hajas sido amado ou amada
Elle (a) tenha )) haja sido
Nós tenhamos » hajamos sido
Vós tenhais » hajais sido amados ou amadas
Elles (as) tenhão )) hajão sido

5.0 TEMPO
r 'It t'
Eu tivesse ou houvesse sido
Tu tivesses y> houvesses sido amado ou amada
Elle (a) tivesse )) houvesse sido
hI is ■ Nós tivéssemos )) houvéssemos sido
fc• 1 i Vós tivesseis » houvésseis sido amados oxi amadas
í' ' ' * Elles (as) tivessem » houvessem sido

‘J . ♦'
P R IM E IR A PARTE - L E X IC O L O G IA 97

8 .“ T E M PO

Eu tiver ou houver sido


Tu tiveres w houveres sido amado ou amada
Elle (a) tiver » houver sido
Nós tivermos » houvermos sido
Vós tiverdes » houverdes sido amados ou amadas
Elles (as) tiverem » houverem sido

IN FIN IT IV O

1. ® T E M PO

Ser amado, a, os, as


2. ® T E M PO

Eu scr
Tu seres amado ou amada
Elle (a) ser
Nós sermos
Vós serdes amados ou amadas
Elles (as) serem )
3.® TEM PO

Ter sido amado, a.


4.® TEMPO

Eu ter ou haver sido


Tu teres » haveres sido amado ou amada
Elle (a) ter )) haver sido
Nós termos » havermos sido
Vós terdes » haverdes sido amados ou amadas
Elles (as) terem » haverem sido
5.® TE M PO

eu
tu amado ou amada
Sendo} nos
vós amados ou amadas
elles (as)
98 N OVA G R A iM M A T IC A A N A L Y T IC A

6.0 T E M PO

OU
tu y sido amado ou amada
Tendo ou liavendo }
nos
vós y sido amados ou amadas
elles (as)

Conjugações dos verbos prepositivos


111. Assim como já vein declarado, os verbos desta
classe se dividem em duas categorias. Da primeira são
todos os verbos que, permanecendo no seu tempo primor­
dial, assoeião-se á conjugação de ter ou iiàver mediante
a preposição de. Da segunda são todos os verbos que,
permanecendo também no mesmo tempo primordial, associão-
se á conjugação de estar mediante a preposição para. Da
assistência destas duas preposições veiu-lhes o appellido de
PREPOSITIVOS.
Justifica-se a conveniência desta classificação nova em
grammatica, pela mui valiosa consideração que, sem embargo
da sua complexidade em palavras, os referidos verbos de-
nuncião unidade de sentido, mostrando-se absolutamente
refractarios a toda e qualquer decomposição analytica. Pois,
em « Tenho ou hei de ir », como em « Estou para sahir »,
quer íe?’ ou havei\ do um lado; quer estar, de outro lado,
perderão a significação que lhes é propria quando soltos,
if para apenas assumir o valor accessorio de feição, assim
que lhes acontece todas as vezes que passão a ser meros
auxiliares {Tenho ou hei amado. — Estou cansado.) Ora, se,
tanto naquelle como neste caso, o seu officio é de auxiliares,
■) por concorrerem á formação de tempos compostos; e se se
desenvolvem, de outra parte, junto ao infinitivo colligido,
em um systema completo de conjugação, nada obsta a que
os prepositivos se encostem aos passivos na fileira dos
verbos combinados; pois a uns e outros assistem os mesmos
rdó. predicamentos geraes.
Mas, por isso mesmo que ella é fundada em principio,
tal classificação torna-se summamente proveitosa na pra­
tica, já porque elimina na analyse difficuldades insolúveis,
já porque fundamenta em syntaxe regras importantes.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 99

PARADIGMA
DOS DREPOSITIVOS DA PRIMEIRA CATEGORIA

T E R c u H A V E R D E IR
INDICATIVO
1.0 T E M PO

Eu tenho o u hei
Tu tens » has
Elle tem ;) ha
Nós temos » havemos do ir
Vós tendes » haveis
Elles têm » hão
2.0 T E M PO

Eu tinha OU havia
Tu tinhas » havias
Elle tinha » havia
Nós tinhamos )) haviamos do ir
Vós tinhois )) havieis
Elles tinhão n havião
3.0 TEMPO

Eu tive oii houve


Tu tiveste w houveste
Elle teve » houve dle ir
Nós tivemos » houvemos
Vós tivestes » houvestes
EHes ti verão » houverão
5.0 TE M PO

Eu tivera o uhouvera
Tu tiveras » houveras
Elle tivera » houvera
Nós tivêramos » houvêramos de ir
Vós ti vereis » h ouvereis
Elles ti verão » houverão
7.0 TE M PO

Eu terei ou haverei
Tu terás » haverás
Elle terá » haverá de ir
Nós teremos » haveremos
Vós tereis » havereis
Elles terão » haverão
100 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

CONDICIONAL

1.® TEMPO

Eu teria ou haveria
Tu terias » haverias
Elle teria » haveria dc ir
Nós teriamos » haveriamos
Vós terieis )) haverieis
Elles terião » haverião
3.® TEM PO

Eu tivera ou houvera
Tu tiveras » houveras
Elle tivera » houvera
de ir
Nós tivéramos » houvéramos
Vós ti vereis » houvereis
Elles tiverão » houverão

IM PERATIVO
(Falta).
SUBJUNCTIVO

1.® TEM PO

Eu tenha ou haja
Tu tenhas » hajas
Elle tenha » haja de ir
Nós tenhamos » hajamos
Vós tenhais » hajais
Elles tenhão » hajão
2.® TEMPO

Eu tivesse ou houvesse
Tu tivesses » houvesses
Elle tivesse » houvesse
Nós tivéssemos » houvéssemos de ir
Vós tivesseis » houvésseis
Elles tivessem » houvessem
3.® TEM PO

Eu tivera ou houvera
Tu tiveras » houveras
Elle tivera » houvera
Nós tivêramos » houvêramos de ir
Vós tivereis )) houvereis
Elles tiverão » houverão
I'.! ■ '

Mi ' HI r;

liM '
PRI^fEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 101

7.® TEM PO

Eu tiver ou houver
Tu tiveres » houveres
Elle tiver » houver .do ir
Nós tivermos » houvermos
Vós tiverdes » houverdes
Elles tiverem » houverem

IN FIN IT IV O

1. ° TEM PO

Ter ou baver de ir
2. ® TEM PO

Eu ter ou haver
Tu teres » haveres
Elle ter » haver de ir
Nós termos » havermos
Vós terdes )) haverdes
Elles terem » haverem
Õ.® TEM PO í.
Í eu, nos
Tendo ou havendo } tu, vos ^ de ir
(elle, elles

PAKADIGMA
DOS PREPOSIT1VOS DA SEGUNDA CATEGORIA

E S T A R P A R A S A H IR

INDICATIVO

1.® T E M P O

Eu estou Nós estamos


Tu estás para sahir Vós estais para sahir
Elle esta Elles estão
2.® TEM PO

Eu estava Nós estavamos


Tu estavas para sahir Vós estáveis para sahir
Elle estava Elles estavão
102 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

3.° T E M PO

Eu estive Nós estivemos


Tu estiveste para sabir Vós estivestes para sahir
Elle esteve Elles estiverão
5.° TEMPO

Eu estivera Nós estivéramos


Tu estiveras 2)ara sahir Vós estivereis para sahir
Elle estivera Elles estiverão
7 .° T E M PO

Eu estarei Nós estaremos


Tu estarás ^ para sahir Vós estareis para sahir
Elle estará j Elles estarão

CONDICIONAL

l.° TEMPO

Eu estaria Nós estariamos


Tu estarias para sahir Vós estarieis para sahir
Elle estaria Elles estarião
3.® TEMPO

Eu estivera Nós estivéramos


Tu estiveras para sahir Vós estivereis para sahir
Elle estivera Elles estiverão

IM PERATIVO

(Falta)

SUBJUNCTIVO

1. ® TEMPO

Eu esteja Nós estejamos


Tu estejas para sahir Vós estejais para sahir
Elle esteja Elles estejão
2. ® TEM PO

Eu estivesse I
--- Nós estivessemos
Thi estivesses Vpara sahir Vós estivesseis (-para sahir
Elle estivesse) Elles estivessem \
PHIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 103
3.0 TKMPO

Eu estivera I^ós estivéramos


Tu estiveras ^ para saliir Yós estivereis j-para sabir
Elle estivera J Elles estiverão
TE M PO
Eu estiver Nós estivermos
Tu estiveres para saliir Vós estiverdes ^ para
iinr sabir
Elle estiver j Elles estiverem

IN FIN IT IV O

1.0 T E M PO

Estar para sabir


2.0 tempo
Eu estar Nós estarmos
Tu estares para sabir Vós estardes para sabir
Elle estar Elles estarem
5.0 T E M PO

nós
Estando vós I, para sabir
elles 3
Observações. O que, de ambas as tabellas dos prepo-
sitivos, ressumbra como mais digno de reparo, é que, seja
qual fôr o infinitivo entrando na combinação, cm caso
algum pódc elle abandonar a fórma impessoal para assumir
a PESSOAL. Entretanto, por uma falsa apreciação das re­
lações syntaxicas, não é raro encontrar, nos cscriptores
modernos, flagrantes violações desta regra, jiorém quasi
exclusivamente relativas aos infinitivos de verbos prono-
minaes ou passivos, e mais habitual mento ao emprego da
primeira pessoa do plural.
Portanto, para firmar esta doutrina em um assento
que se preste iiltoriormente á dissertação, ahi vão exemplos
de prepositivos constituídos por verbos pronominaes c
verbos passivos.
1.® CATEGORIA
Eu tenho ou hei de me
Tu tens )) bas do to
Elle tem )) ha de se
Nós tomos » havemos do nos QUEIXAR
Vós tendes » haveis do vos
Elles têm » hão de se
104 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Eu tenho ou h e i nom eado


Tu tens »« h a s do SER ou
Elle (a) tem »» h a nom eada
Nós temos »» havem os nom eados
Vós tendes »» h a v e is de SER ou
Elles (as) têm » hão nom eadas

2.“ CATEGORIA
Eu estou p a ra me
Tu estás p a ra te
Elle está p a ra se
Nós estamos p a ra nos
QUEIXAR
Vós estais p a ra vos
Elles estão p a ra se
Eu estou nom eado
Tu estás p a ra ser ou
Elle (a) está nom eada
Nós estamos nom eados
Vós estais p a ra s e r ou
Elles (as) estão nom eadas

Q u a n t o a o s p r e p o s i ti v o s , e m c u ja c o n s t it u i ç ã o e n t r ã o
v e r b o s im p e s s o a e s , t o r n a - s e o b v io q u e , c o m e lle s , n ã o p o d e m
o s a u x i l i a r e s f o r m a r lig a , s e n ã o s o b a c o n d iç ã o d e a b d i ­
c a re m ta m b é m to d a e q u a lq u e r p e rs o n a lid a d e .

1. ^ CATEGORIA
T em o u ha de ch o v er o u d e t e r c h o v id o .

2. ^ CATEGORIA
E stá p a ra ch o v er.

CONJUGAÇÃO DOS VEEBOS GERUNDIAES


PARADIGMA :
ESTA R TRATANDO
INDICATIVO
1.0 TEMPO
Eu estou Nós estamos
Tu estás tratando Vós estais tra ta n d o
Elle está Elles estão
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 105

2.0 T E M PO

Eu estava Nós estavamos


Tu estavas tratando Vós estáveis ^ tratando
Elle estava Elles estavão
3.0 TE M PO

Eu estive Nós estivemos


Tu estiveste tratando Vós estivestes ^tratando
Elle esteve Elles estiverão
5.0 T E M PO

Eu estivera Nós estivéramos


Tu estiveras tratando Vós estivereis ^tratando
Elle estivera Elles estiverão
7.0 T E M PO

Eu estarei Nós estaremos


Tu estarás tratando Vós estareis ^tratando
Elle estará Elles estarão

CONDICIONAL

1.0 tem po
I
1
Eu estaria Nós estaríamos
Tu estarias tratando Vós estarieis tratando
Elle estaria Elles estarião
3.0 T E M PO

Eu estivera Nós estivéramos


Tu estiveras tratando Vós estivereis !>■tratando
Elle estivera Elles estiverão

IMPERATIVO

(Falta)

SUBJUNCTIVO

1.0 TE M PO

Eu esteja Nós estejamos


Tu estejas tratando Vós estejais tratando
Elle esteja Elles estejão

ü-
IN FIN IT IV O

1.® TEM PO

Estar tratando
2.0 TEM PO

Eu estar Nós estarmos


Tu estares tratando Vós estardes tratando
Elle estar Elles estarem
5.0 TEM PO

eu, nos
Estando tu, vós \ tratando
elle, elles

O^P^ITXJLO II
DO SUBSTANTIVO
112. Substantivo ou nome é uma palavra variavel que
designa os entes e as abstraeções.
E nte é tudo o que tom uma oxistoncia real, quer fóra
da natureza, eomo D e o s , a n j o , a l m a , d e m o n i o , ote., quer
dentro da natureza, como h o m e m , f e r a , c é o , t e r r a , r o c h e d o ,
p la n ta , a r, a g u a , etc.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 107

A bstracção é uma mera concepção de nossa intelli-


gencia, sem existência real, quer dentro, quer fora da na­
tureza, como vicio, virtude, sofrimento, alegria, comprimento,
qualidade, numero, quantidade, etc.
Os entes da natureza oceupão um espaço; as abstrac-
ções, nenhum. Os mesmos entes são aceessiveis aos sentidos
pela extensão, pelo peso, pela côr, pelo sabor ou pelo cheiro ;
as abstraeções não o são.
113. Os substantivos são proprios ou communs. São
PROPRios quando designão um ente segregadamente dos da
mesma especie. São communs quando designão um ente
promiscuamente com os da mesma especie, ou quando de­
signão um ente que não constitue especie, ou einíim quando
designão uma abstracção.
Sendo proprios, inicião-se com uma letra maiuscula ;
sendo communs, com uma minúscula, a não ser que en­
cetem uma oração, caso em que toda e qualquer i)rimcira
letra deve ser uma maiuscula.
114. São assim substantivos proprios:
1. ° O nome de Deos, por ser o do Ente Supremo, e bem
assim todas as denominações que o substituem, como o
Senhor, o Omnipotente, o Eterno, a Providencia, etc.;
2. ° Os nomes individuaes de entes sobrenaturaes, como
Gabriel, Raphael, — Lucifer, Belzebuth; — de divindades ou
seres fabulosos, como Jupiter, Juno, — o Cerbero, a Chi­
mera ;
3. ®Os nomes individuaes de homens, com os prenomes
c cognomes que por ventura se lhes accrescentem, como
Adão, Eva, Christovão Colombo, Scipião o Africano;
4. ®Os appellidos individuaes de animaes, como Buce-
phalo (cavallo de Alexandre Magno), Apis (boi adorado
pelos Ègypcios);
5. ®As denominações peculiares de monumentos o arte­
factos, como 0 Colyséo (amphitheatro de Eoma), a Alhambra
(palacio mourisco em Granada), o Bucentauro (navio de
gala em Veneza), a Lurindana (espada legendária de Or­
lando), a náo Bartholomeo Dias, a corveta Bahiana;
6. ®As denominações peculiares de localidades geogra-
phicas, como a Europa, o Brazil, Portugal, os Alpes, os
Andes, o Tejo, o Amazonas, o Rcconcavo, Pindamonhangaba ;
7. ®As denominações peculiares de constellaçõcs, como
0 Cruzeiro, a Virgem, o Sagitario, a Loba;
8. ®Os nomes dos mezes o dos dias festivos, embora
108 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

sejao abstractos, como Janeiro, Fevereiro, — o Fatal, a


Paschoa,
115. São, pelo contrario, substantivos communs:
1.° Os nomes de entes múltiplos de sua especie, como
O a n jo , a a im a , o h o m em , a m u lh e r , o a n im a l, a p la n ta , o p a -

la c io , a c h o u p a n a , o r e in o , a r e p u b lic a , o r io , a m o n ta n h a ;

2. ° Os nomes de entes ou substancias unicas de sua


especie, como o universo, a luz, o céo, a terra, o sol, a lua,
0 ar, à agua, o ouro, a prata, o calorico, a electricidade ;
3. ° Os nomes de abstracçôes, como a fé, a esperança, a
caridade, a prudência, a justiça, a fortaleza, a ttmperança, —
a não ser, todavia, que, vindo a ser personificadas, passem
para a classe dos substantivos proprios, caso em que as­
sumem a maiuscula ; assim no seguinte exemplo : « Vião-se
naquelle quadro, sob as figuras de très santas mxdheres, a Fé,
a Esperança e a Caridade; w— (fVariamente pintarão os an­
tigos 0 a que elles chamarão F o r t u n a . — P. Ant. Vieira).
4. ° Os nomes proprios empregados por antonomasia,
isto é, como appellidos comparativos, caso cm que con-
servão, todavia, a maiuscula originaria. Ex. E' necessário
que haja S a u e s liberaes para que haja D a v id s animosos. (P.
Ant. Vieira). — Vejo dous prelados santos e religiosos, con­
vertidos hoje em P l a t õ e s e T u l l io s , formando republicas gen­
tílicas. (Fr. Luiz de Souza).
116. Considerados na sua forma, os substantivos, quer
proprios, quer communs, são simples ou compostos.
São S IM P L E S quando constão de uma só palavra, assim
em Cesar, Marcos, Maria, — Poma, Constantinopla, Lisboa,
— rei, guarda, arco, pimenta, laqns, turba, prima.
São COMPOSTOS quando constão de mais de uma palavra,
assim em Cesar Augusto, Alarco Aurélio, Alaria Theresa, —
Ouro Preto, Rio de Janeiro, S. Salvador da Bahia de Todos
os Santos, — vice-rei, guarda-mór, areo-iris, hortelãa-pimenta,
lapis-lazuli, turba-multa, prima-co-irmãa.
117. Dentre os substantivos simples, não poucos ha
que, mediante accrescimos determinados pelo uso, prestão-
so a significar, nos entes designados, proporções, já maiores,
já menores do que as ordinárias : os primeiros chamão-se
AUGMENTATivos ; OS segundos, DIMINUTIVOS. Assim é que,
de homem, mulher, moço, moça, procedem os augmentativos
homemzarrão, mulherona, mocetão, mocetona ; e os diminutivos
homemzinho, mulherzinha, mocinho, mocinha. Ex. Aman era aquelle
grande valido e primeiro mtnlstraço de él rei Assuero. (P.

P!
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 109

Ant. Yieira). Os mesmos substantivos proprios não so


negão a semelhantes alterações. Ex. Foi o mestre de campo
Francisco Rebello facilmente igual aos famosos capitães do seu
tempo em valor e em prudência. Chamavão-lhe, como por an-
tonomasia, o E ebelliniio, por ser de menos avultada esta­
tura. (Fr. Franc, de S. Maria).
118. Duas propriedades, porém, a todos os substan­
tivos inherentos são as de genero e do numero; pois que
nenhum ha cuja enunciação deixe de juntamente avocar
uma feição de masculino ou de feminino, e outra de singular
ou de plural.
119. E m a lg u n s , t o d a v i a , d á -s e c e r t a c o m p l e x i d a d e d e
n u m e r o b a s t a n t e n o t á v e l p o la d i v e r s id a d e d e r e la ç õ e s s y n -
t a x i c a s q u e d e lia d i m a n ã o ; p o r q u a n t o , m e s m o s o b a m a n i ­
f e s t a ç ã o d o s i n g u l a r , im p lic ã o u m a p l u r a l i d a d e d e e n te s o u
d e c o n c e p ç õ e s d e i g u a l n a t u r e z a . D á -s e -lh e s a d e n o m in a ç ã o
d e coLL EC T ivos. D e s t a e s p e c ie s ã o p o r e x e m p l o : multidão,
infinidade, tropa, rebanho, enxame, selva, e tc . — Uma multidão
de pensamentos. — Uma infinidade de supposições. — Uma
tropa de cavalleiros. — Um rebanho de carneiros. — Um en­
xame de invejosos. — Uma selva de lanças.

Do genero nos substantivos


120. Embora o substantivo não appareça necessaria­
mente precedido de um artigo em todas as suas manifes­
tações, basta, para determinar-lhe praticamente a especie,
que se lhe possa antepor um artigo. Em tal caso _será
masculino quando admittir o, os ou um, uns, e feminino
quando admittir a, as o u uma, umas. E x . O João, o pai,
os Andes, os annaes, um Alexandre, um filho, uns andurnaes;
— a Alaria, a mãi, as Antilhas, as trevas, uma Cleopatra,
uma filha, umas préces.
121. N os substantivos de entes animados cuja dis-
tincção sexual importava á propriedade da linguagem, o
genero ficou determinado pelo sentido, vindo assim a ser
masculinos os nomes de machos, c femininos os de femeas.
E x . o pai, a mãi; — o avô, a avô; — o rei, a rainha; — o
leão, a leôa; — o cavallo, a egua; — o carneiro, a ovelha.
122. D e s a p p a r e c e n d o , p o r é m , a o p p o r t u n i d a d o d a d is-
t i n c ç ã o s e x u a l, c a s o q u e se d á c o m a m a i o r p a r t e d o s
a n im a e s , u m u n ic o s u b s t a n t i v o , j á m a s c u lin o , j á f e m in in o ,
a b r a n g e u o m a c h o e a fe m e a d e c a d a e s p e c ie , e e n t ã o o
g e n c ro ficou fix a d o p e la te r m in a ç ã o . Ex. O elephante, a
girafa; — o condor, a aguia; — o tubarão, a balêa; — o ga­
fanhoto, a formiga.
A e s te s e s e m e lh a n te s su b s ta n tiv o s co stu m a-so d a r o
d is tiu c tiv o de e p ic e n o s , p o rq u e, no ca so d c to rn a r-s e n e ­
c e ss á ria a d e sig n a ç ã o se x u a l, c a r e c e a c c r e s c c r -lh e s um ou
o u tro dos v o c á b u lo s macho, macha, — ou femea (sen d o r e ­
p u d iad o o m a scu lin o femeo). E x . Um elephante macho, uma
girafa macha; — um condor femea, uma aguia femea.
O b s e r v a ç ã o . Tendo os naturalistas ampliado a dis-
tincção sexual mesmo aos vegetaes, muitos nomes de
plantas vierão assim a ser também epicenos. Ex. O cá-
nhamo macho ou femea; — a mangueira macha ou femea.
1^23. Aos substantivos dc entes inanimados ou de abs-
tracçücs, o genero veiu-lbcs communicado pela terminação
ou pela etymologia.
E t y m o l o g ia é a d e c la ra ç ã o da p r o c e d ê n c ia ou da
c o n s titu iç ã o c o m p le x a do u m a p a la v ra .
P e la e ty r a o lo g ia ó qu e, p o r e x e m p lo , e s ta b e le c e -se a
o n g e m la tin a dos v o cá b u lo s Deos, sol, terra, agua, p o rq u a n to
são em la tim D e u s , so l , t e r r a , a q u a . D o m esm o m odo
d e m o n stra -se a o rig e m e c o n s titu iç ã o da p a la v r a e t y m o -
LOGiA, p o rq u a n to p ro c e d e dos dous v o c á b u lo s b e lle n ic o s
ETYMos (verdadeira), logos (palavra).
Sendo assim um processo de indagação esseneialmentc
applicavel a cada palavra em particular, a etymologia não
c do dominio da Grammatica, sciencia de generalisação •
pertence exclusivamentc á l e x ic o g r a p iiia , que é a arte de
compôr 08 diccionarios. Ahi é que a etymologia deve ser
consultada, quer para perserutar a significação mais ge­
nuína das expressões, quer para verificar a propriedade
das letras c signaes com que se devão escrever. Quanto
aos dados que ella fornece em referencia ao caso vertente
reduzem-se ás duas seguintes observações:
1. ®Quando um substantivo não tira o seu genero do
sentido ou da terminação, tira-o da etymologia. Sendo
assim, por exemplo, os substantivos chá e pò masculinos
em virtude de sua^ terminação, como logo se verá, pá e
mo, quo^ com elles têm toda a analogia, acbão-se femininos
pela unica^razão de provirem de duas palavras que em
latim tinbão este genero: pala, 7iiola;
2. ®Faltando ao portuguez o genero neutro do grego o
o latim, o masculino ó que foi geralmonte incumbido de
suppri-lo nas palavras d’alli extrabidas. Por isso são raaS'
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLüGIA 111

culinos, por exemplo, os substantivos nectar e dogma, que,


tanto em latim como em grego, erão neutros.
O que, portanto, destas considerações rcssumbra como
summario, ó que o genero dos substantivos fica regular­
mente fixado pelo sentido ou pela terminação, o irrcgular-
mente pela etymologia.
124. As terminações que, por avultarem em quantidade
nos substantivos, podem ser tidas como as normaes, são o
e A. Todos os substantivos da primeira são masculinos ;
assim: corpo. A maxima parto dos da segunda são femi­
ninos; assim: a l m a . O s exemplos desta ultima classe são
os que em latim ou em grego erão masculinos ou neutros;
assim: anagramma, anáthema, cometa, dia, diaphragma, di­
lemma, diorama, dogma, drama, gramma, lemma, maj^pa,
panorama, j)laneta, programma, sophisma, systhema, thema,
theorema, e mais analogos.
125. São outrosim masculinos em virtude de sua ter­
minação os substantivos que aeabão:
1° Em á, é, í, ó, ú, y, como cará, rapé, siri, cipó, bahú
tilbury, com excepção de pá, — chaminé, fé, libré, maré, ralé,
ré, sé, — avó, enxó, filhó, ilhó, mó ;
2. “ Em ai, do, éo, eu, oi, como ai, p>ào, chapéo, breu,
comboi ;
3. ®Em al, el, il, ol, xd, como fanal, papel, funil, lençol,
paÀil, com excepção de cal, capital (cidade principal) c
vestal;
4. ®Em em, im, om, um, como bem, fim, som, jejum, com
excepção de adem, xiuvem, ordem e da maior parte dos
substantivos cm gem {coragem, homenagem, imagem, lin­
guagem, linhagem, origem, viagem, etc.);
5. ®Em an, en, in, on, como iman, germen, grxiin, colon;
G.® Em ar, er, ir, or, ur, como altar, prazer, porvir, calor,
catur, com excepção de colher, — côr, dôr, flôr;
7.®Em az, ez, iz, oz, uz, como ananaz, arnez, nariz,
arroz, arcabuz, com excepção de paz, —fez, rez, tez, vez, —
cerviz, cicatriz, codorniz, matriz, perdiz, raiz, sobrepelliz, —foz,
noz, voz, — cruz, luz;
8. ®Em is, us, como lapis, virus, com excepção de bilis,
cutis e oasis.
9. ®Em ão quando augmentativos, como caixão (do
caixa), casarão (de casa), portão (de porta), etc. (Quanto
aos outros substantivos em ão, são masculinos ou femininos
112 NOVA GRAMMAÏICA ANALYTICA

conforme a etymologia; assim o coração (do lat. cor, noutro),


a multidão (do lat. multitudo, feminino).
Os substantivos que acabão em e, são igual mente mas­
culinos ou femininos conforme a etymologia; assim o cár­
cere'(áo lat. career, masculino), a virtude (do lat. virtus,
feminino).
126. São outrosim femininos em virtude de sua termi­
nação os substantivos que acabão:
Em ãa, áu, ê, ei, como lãa, náu, mercê, lei.
O substantivo trihu encontra-se, já como masculino, já
como feminino; parece, todavia, que este ultimo genero
deveria prevalecer. Ex.
Não querendo Rohoão condescender no que tão justamente
pedião os povos, nos doze tribus de que constava todo o reino,
os dez lhe negarão obediência. (P. Ant. Vieira).
Mas, como Rohoão não désse ouvidos a uma tão justifi­
cada queixa, rebellados, os mesmos vassallos lhe negarão obe­
diência, e, de doze tribus de eque constava o reino, perdeu em um
i^y- V.
dia As dez, as quaes, nem nos dias do mesmo Rohoão, nem
nos de todos os seus descendentes se unirão ou sujeitárão á
mesma coroa. (P. Ant. Vieira).
127. Todavia um certo numero de substantivos, por
serem dotados do accepções bastante diversas, mudão de
genero, mudando de accepção: são os ambíguos. Assim ó
que conjuge e consorte vêm a ser, já masculinos, já femi­
ninos, conforme designão o marido ou a mulher. — O caixa
é, n’uma casa de negocio, o empregado responsável pela
caixa. — Um capital ó uma quantia de dinheiro posta a
prêmio, ao passo que uma capital é a metropolo de uma
nação, ou a principal cidade de uma provincia. — O lente
ensina em uma academia, o a lente é um mero vidro de
augmentar. — O lingua é um interprete encarregado do
verter do prompto o que se dizem dous interlocutores que
não fallão a mesma lingua.— O corneta, o fiauta, o trombeta
são outros tantos tocadores dos instrumentos chamados a
trombeta, a fiauta, a corneta. Etc., etc.

Do numero dos substantivos


128. A formação do plural nos substantivos é regular
quando se effectua pelo simples accroscimo do s á termi­
nação do singular; ó irregular quando se effectua do outro
qualquer modo.
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 113

129. Com excepção dos substantivos que acabão pelo


dipbthongo^ Ão, a formação do plural é regular em todos
aquelles cuja ultima letra é uma vogal ou a consoante n .
Ex. Rosa, rosas; — bote, botes; — siri, siris;— vento, ventos;
tribu, tribus; — tilbury, tilburys; — gruin, gruins. Todavia
canon (lei ecclesiastica) faz cânones, c ademan, ademanes.
130. Nos demais substantivos, a formação do plural
effectua-se como se segue:
1. ° Os terminados cm s não mudão passando para o
plural. Ex. O pires, os pires; o lapis, os lapis. Todavia
deos (na accepção gentilica) faz deoses, — simples (herva me­
dicinal), simplices, — e gurupés, gurupeses;
2. ° Os terminados em r o u z tomão mais e s . E x . O
licor, os licores; o nariz, os narizes;
3. ° Os terminados em m trocão esta letra por n s . E x .
O bem, os bens; o jardim, os jardins;
4. " Os terminados em a l , o l , u l trocão l por e s . E x .
O canal, os canaes; o lençol, os lençóes; o paul, os paúes.
Todavia conswZ, proconsul, vice-consul, mal e real (unidade
monetaria) fazem coyisules, proconsules, vice-consules, males e
reis;
5. ° Os terminados em e l trocão esta terminação pela
de EIS. Ex. O papel, os papéis;
^ 6 .” Os terminados em i l trocão esta terminação jiela
de ís. Ex. O funil, os funis;
7. “ Os terminados cm x, que são apenas calix (também
caliz), appendix (também appendice) e index (também indice'),
fazem cálices, appendices e indices;
8. ° Os terminados em Ão, seja qual fôr o seu genero,
trocão geralmente esta terminação pela de õ e s . E x . O co­
ração, os corações; a nação, as nações.
Alguns todavia, formão o seu plural regularmente em
Ãos, e outros irregularmente cm ã e s .
E m à os: Em ães:

acórdão, acórdãos. allemão, allemães.


aldeão, aldeãos. alão, alães.
anão, anãos. cão, cães.
ancião, anciãos. capellão, capellães.
benção, bênçãos. capitão, capitães.
castellão, castellãos. catalão, catalães.
christão, christãos. charlatão, charlatães.
çidadão, cidadãos. deão, deães.
%
114 NOVA GRAMMATICA ANALÍTICA

cortezão, cortezãos. ermitão. ermitães.


grão, grãos. escrivão. escrivães.
irmão, irmãos. guardião. guardiães.
mão. mãos. massapão. massapães.
órgão. órgãos. pão. pães.
órphão. órphãos. rufião. rufiães.
pagão. pagãos. saebristão. saebristães.
rábão. rábãos. sol dão. soldães.
sótão. sótãos. tabellião. tabelliães. »
vão. vãos. truão. truães.
villão. villãos. volcão. volcães
zangão. zangãos. ou volcões.

131. Em alguns substantivos, o uso; em outros a si­


gnificação tolhe-lhes a faculdade de variar em numero.
Assim é que não passão do singular afnn^ dó, esmero, es­
tima, ganancia, mocidade, socego, etc. como não revertem do
plural alviçaras, ambages, annaes, entranhas, exequias, trevas,
viveres, etc.
132. Outros substantivos, emfim, têm, no plural, duas
accepções, uma das quacs não se compadece com o sin­
gular; assim arma, prenda, dote, etc.
Exemplos :
(( Para um homem destemido, qualquer arma serve, —
quaesquer armas servem. — As a r m a s do Brazil são i n a
esphera armillar; as de Portugal, as quinas. »
« O retrato do pai é a melhor prenda, — os retratos
dos pais são as melhores prendas para um bom filho. —
Para o goloso, porém, nenhumas p r e n d a s prevalecem sobre
as de um bom cozinheiro. »
« Quanta moça por ahi anda que, tendo dinheiro, mas
nenhuma educação, casar-se-ha graças ao dote, mas não aos
DOTES. »

CAPUTULO III
DO ARTIGO
133. Artigo é uma palavra variavel que, antépondo-so
esseneialmentc aos substantivos, e aecidentalmento a pro-
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 115

nomes, ou mesmo a verbos no infinitivo, lorna-lhes o sentido


mais preciso.
134. Os artigos são só doiis:
O definito: o, a , os, a s ;
O in d e fin ito : ü m , u m a , u n s , u m a s.

135. Que o artigo vai anteposto a substantivos, a


pronomes, e até a verbos no infinitivo, demonstra-se pelos
tres seguintes exemplos:
Que meio se pôde dar para um h o m em , em toda a sua
VIDA ter o PÃO certo? (P. Ant. Vieira).
Quem póde o m a is , pôde o m en o s. (Aphorismo).
A natureza fez o co m er para o v i v e r ; e a gula fez o
COMER muito para o v i v e r pouco. (P. Ant. Vieira).
136. Que a propriedade essencial do artigo é a do
conferir maior precisão ao sentido, deprehende-se facilmente
desta exposição comparativa: em comer o p ã o , ha uma de­
signação geral; em comer um p ã o , ha uma designação
parcial; emfim, em comer pã o , já não ha senão uma desi-
signação do substancia, mas nenhuma de quantidade, quer
absoluta, quer relativa.
137. Porém muito mais aprociavel é, na pratica, a fa­
culdade inherente a ambos os artigos de previamente de­
terminar, por suas formas características, o gencro e numero
das palavras a que se prendem pela concordância. Pois o
e UM com A e u m a assignalão com toda a clareza, no sin­
gular, os generös que os e u n s com a s e u m a s dcnuncião
no plural, obviando, deste modo, a numerosos equivocos.
O b s e r v a ç ã o . Prescinde-se assaz geralmente do artigo
indefinito no plural (uns, umas), a não ser que o substan­
tivo seja falto de singular, como neste exemplo: Caminhava
a turca mettida em u m a s ondas douradas por dentro e por
fóra. (Pantaleão de Aveiro). — Não raras vezes fica mero
substitutivo do adjectivo indefinito algum. Ex. Ponde os
olhos em uma açucena, e vede a sua brancura, e do modo que
0 talo vestido de u m a s pequenas folhas sóbe ao alto, que
depois vem rematar-se, na summidade, em uma feição de taça
ou cópo, dentro do qual tem un s grãos como de ouro, de tal
maneira cercados e defendidos, que de ninguém podem receber
damno. (Fr. Luiz de Granada).
116 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Da contracçao dos artigos


138. A contracçao designa cm Graramatica dons acci­
dentes de linguagem, que são ás vezes facultativos, outras
vezes obrigatorios. O iDrimeiro consiste no encurtamento
de uma palavra, assim em iie m o s e mór por havemos e
maior; o segundo na juncção de duas palavras em uma só,
em V ocê e comnosco por Vossa Mercê e com nós.
Ambos os artigos são sujeitos a contracções da ultima
especie, porém não em casos absolutamento idênticos.
139. O a r tig o d efin ito , qu an d o re g id o d as p re p o siçõ e s
A, DE, EM e POR, com e lla s se c o n tr a h e dos se g u in te s
m odos :

AO por A 0 A por A A
(ao vento) (á chuva).
AOS por A os Ás por A AS
(aos ventos). (ás chuvas).

DO por de 0 DA por DE A
(do vento). (da chuva).
DOS por DE os DAS por DE AS
(dos ventos). (das chuvas).

no por EM 0 NA por EM A
(no vento). (na chuva).
NOS por EM os NAS- por EM AS
(nos ventos). (nas chuvas).
t!
PELO por per 0 PELA por PER A
(pelo vento). (pela chuva).
PELOS por PER os PELAS por PER AS
(pelos ventos). (pelas chuvas).

1. “ O b s e r v a ç ã o . A contracção no , n a , n o s , n a s é fa­
cultativa; pois, tanto se póde dizer: Kos primeiros dias do
mez..., como E m os primeiros dias do mez... As demais são
obrigatórias.
'J
2. “ O b s e r v a ç ã o . A contracção p e l o , p e l a , p e l o s , p e l a s ,
originou-se da circumstancia 'de em2)regarem os antigos in-
diíferentemente as preposições p e r e p o r , o que os íevava
I Α
a usar também indiíferentemente da contracção referida,
como da do po lo , p o l a , p o lo s , p o l a s . E x. M o hei medo^

, 'Í '> '

le !
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 117

mas receio, e não tanto pola sua pelle, como pola minha.
(Yasconcellos. Da com. Euphrosinà).
Succedendo, porém, que cabisse per em desuso como
substitutivo de por, nem por isso deixou de sobreestar a
sua contracção. Mas, por uma compensação singular, per­
manecendo POR, dosappareceu a sua contracção {polo, pola,
polos, polas).
3.“ Observação. Dentre os erros de orthographia que
mais a miudo occorrem, sobreleva-se o que diz respeito ao
emprego do accento sobre a ou as ; porquanto encontra-se
com a mesma frequência indevidamente apposto, como in­
devidamente omisso. Entretanto o processo da substituição
resolvo tão azada quão expeditamente o caso. Cumpre,
porém, para que a solução seja completa, antecipar, ainda
que perfunctoriamento, sobro ulteriores desenvolvimentos.
O vocábulo A tem ingresso em quatro classes de pa­
lavras; é preposição, artigo, pronome pessoal, ou pronome
demonstrativo. O vocábulo as só tem ingresso nas tres
ultimas.
Porém a condição que unicamente legitima nellcs o
emprego do accento, é a de haver contracção. Ora este
caso só se dá quando ambos os vocábulos, sendo artigos ou
pronomes demonstrativos, cabem sob a regencia da prepo­
sição A, que, para si mesma, repelle o accento, coiitraria-
mente ao que se pratica em francez. Como pronomes
pessoaes, nunca jDodem a e as formar contracção.
Sendo assim a apposição do accento limitada á unica
circumstancia em que à e Ãs correspondem exactamente a
seus congeneres masculinos ao e aos, percebe-se que, em
qualquer caso duvidoso, basta mentalmento substituir, por
um masculino, o substantivo feminino do texto, para veri­
ficar se avoca simplesmente o ou os, ou se avoca a con­
tracção AO ou AOS, em que cabe o accento. Ex. Quão bem
comparou o propheta Isaias as traças d.os mãos Á armação
de teias de aranha! (Fr. João de Ceuta).— P or substi­
tuição : Quão hem comparou o propheta Isaias os inventos
dos máos ao laço de teias de aranha! {... as traças... Ã
armação).
Outro meio, igualmento corto e expedito, consiste em
associar um substantivo masculino, por via de uma conju­
gação C02)ulativa {e, nem, ou), ao feminino que origina a
duvida ; porque a identidade de relação lhes communica ou
tira igualmente a ambos a contracção. Ex. A lepra pega-
se AOS VESTIDOS c ÃS CASAS. (P. Man. Dernardes). — P or
ASSOCIAÇÃO : A LEPRA C OS MIASMAS pCgãO-SC AOS VESTIDOS
e Ãs CASAS. — Ás GALAS dc Salomão, o mesmo Christo lhes

I
118 KOVA GRAMMATICA ANALYTICA
_ #
chamou gloria. (P. Ant. Yieira). — P or associação : As
GALAS e AOS ESPLENDORES dc Salomão, ...
O mesmo processo dá a conhecer que, no seguinte ex-
cerpto, equivocou-se o revisor do livro na collocação de
um accento: Outros dirão que, para ter muito, o melhor re~
medio é tê-lo, guardar, poupar, não gastar, morrer de fome, e
matar Á fome. (P. Ant. Vieira). Pois o sentido em que o
P. Ant. Yieira ahi usou da locução matar a fome equivale
ao de matar a ferro, a fogo, a cutiladas, a pedradas, etc.,
em que a se ostenta como uma preposição. Eeproduz-se a
mesma equivocação nest’outro excerpto: Um é affeiçoado á
caça; e, quando os cães andão luzidios e anafados, ver-lhe-heis
os criados palUdos, e mortos Á fome. (P. Ant. Yieira). —
(Correctamente: mortos a fome).
140. O artigo indefinito só se contrahe com a prepo­
sição em :
NUM por EM UM NUMA por EM UMA
(num caso). (numa casa).
NUNS por EM UNS NUMAS por EM UMAS
(nuns casos). (numas casas).
Porém a mesma contracção é outra vez meramente fa­
cultativa; pois igualmente licito é dizer em um caso, como
num caso; — em uma casa, como numa casa.
O bservação . Embora ninguém cuide em assignalar
pelo apostropho a contracção correlativa (n'o, n'a, n'os,
n'as), nem tão pouco nenhuma das outras que se formão
com o artigo definito, muitos grammaticos não hesitão em
adoptar a intervenção do apostropho em relação ao inde­
finito, escrevendo n'um, n'uma, n'uns, n'umas. Ora, não se
baseando tal discrepância em motivo algum plausivel, pa­
rece ser mais acertado sujeitar todas as contracções desta
especie a uma só e mesma feição orthographica; pois a
conformidade, quando iguaes são as circumstancias, é um
dos requisitos da lógica.

OA.P»ITULO IV
DO ADJECTIVO
141. Adjectivo é uma palavra variavel que se accres-
centa mediata ou immediatamento aos substantivos, aos
P-

PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIÀ 119

pronomes, e até aos verbos no infinitivo, para os qualificar


ou determinar. Ex. A maior pensão com que Deos creou o
homem é o comer. Lançai os olhos por todo mundo, e vereis
o

que TODO ELLE ve7ii a resolver-se em buscar pão para a hocca.


(P. Ant. Vieira). — O prégador que não possuir um a rtifi ­
cioso DIZER, que espera conseguir? (Fr. João Pacheco).

142. Assim como o artigo, o adjectivo não tem de


per si genero nem numero, mas toma um e outro á palavra
ou palavras a que se prende pelo sentido. Ex. Tirai o
pensamento dos homens, e lançai-o por todas as outras cousas
DESTE mundo, achareis que todas ellas estão servindo a este
fim ou pensão do sustento humano. (P. Ant. Vieira). —
Vêdes vós todo aquelle bulir? Vêdes todo aquelle
— E, que se segue deste tão desordenado querer? (P. Ant.
Vieira).
143. Actuando, porém, diversamente sobre as palavras,
os adjectivos dividem-se em duas especies: os determinativos
e os qualificativos.
Os determinativos denuncião uma idéa de numeração,
de situação, de pertença, ou de quantidade indecisa. Ex. Um,
dous, tres... — Este, esse, aquelle. — Meu, teu seu. — Algum,
muito, pouco, todo.
Os QUALIFICATIVOS dcspcrtão absoluta ou relativamento
uma idéa de agrado ou de desagrado, conformo enuncião
uma qualidade ou um defeito, quer moral, quer physico.
Ex. Bom, máo; — formoso, feio; — grande, pequeno; — ama-
rello, roxo; — respeitável, desprezível; — fresco, quente; —
util, inútil.
144. Discriminão-se theoricamente os primeiros dos
segundos por isso que, vindo uns e outros a actuar simul­
taneamente sobre uma mesma palavra, os determinativos
vão necessariamente, até em numero crescido, antepostos
aos qualificativos. Ex. D ez valentes soldados. — Nossos dez
valentes soldados. — E stes nossos dez valentes soldados. —
T odos estes nossos dez valentes soldados. — (Não, porém;
Valentes dez soldados, etc.).
Achando-se, outrosim, todos os determinativos ahi
adiante expressamente declarados, ter-se-hão como qualifi­
cativos os demais.
145. Uns e outros são, aliás, simples quando, como os
anteriormente relatados, constão de uma só palavra; e
compostos quando, como os seguintes, constão de mais do
um a: outro tanto, todo e qualquer, — surdo-mudo, auri-verde,
recem-maduro, etc,
120 NOVA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

Dos adjectivos determinativos


146. Os adjectivos determinativos, assim chamados
por uma frisante analogia de funcção com os artigos, di­
videm-se, conforme a sua respectiva significação em numerães
demonstrativos, possessivos e indefinitos. ’
1. ADJECTIVOS NUMEEAES
147. Adjectivo numeral é todo aquclle que enuncia ou
recorda um numero certo. Abrange tres classes principacs:
05 cardeães, os ordinaes e os multiplicativos.
^ 148, Os CAiiDEAEs são: um, dous, tres, quatro, cinco
seis, sete, oito, nove, dez... até o indefinitoj porquanto não é
concebível numero algum ao qual se não possa accrescer
mais um. Chamão-se cardeaes de uma palavra etymologi-
oamente latina que, equivalendo a principacs, os denuncia
assim como os vocábulos donde se originão todos os outros
numerães.
' 149. Os cardeaes são simples quando constão de uma
so^ palavra, ainda que nesta, constituida por contracção
sejão mui pereeptiveis os elementos de sua formação, assim
em dezaseis, dezasete, dezoito e dezanove. São compostos
quando, constando de mais de uma palavra, apresentão
ílí '' uma quantidade agrupada, assim em vinte e um, trinta e
dous, quarenta e tres, quinhentos e sessenta e nove mil oito­
í\r<: ■'!’ centos e cincoenta e seis, etc.
150. Os únicos cardeaes variaveis em genero (pois
que, como ó obvio, ficão inabalaveis em numero) são um
( lma) e DOUS ( duas), com os múltiplos de cem ( duzentos
;:í^ ri! TREZENTOS, QUATROCENTOS, QUINHENTOS, SEISCENTOS, SETE­
CENTOS, OITOCENTOS, novecentos).
I-
: 1." Observação. Um (uma,) é tido como adjectivo nu­
meral cardeal quando, compadecendo-se com a adiuncção
de 50 ou unico, avoca intencionalmente uma idéa de nume­
ração precisa, e tem, por plural, dous, tres ou qualquer
■yk( outro cardeal. Ex. Digo que menos mal será um ladrão que
DOUS, (P. Ant. Vieira). — (.., um só, um unico ladrão). —
be QUATRO zwipmos com UMA só desunião se arruinão e aca-
oão,^ UM reino, e não muito grande, dividido em muitas des­
uniões, que se pode temer delle ? (P. Ant. Vieira). — E ’ tido
como artigo indefinito quando, implicando o sentido de
tem por plural, «KS, «mas. Bx. & víssemos que
DM mercante de Lisboa, embarcando-se a commerciar, para
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 121

Angola carregasse de marfim, para a Índia, de canella, e para


0 Brazil, de assucar, não o teríamos por louco f (P. Ant.
Vieira). — {Se víssemos que uns mercantes...).
2,“ Observação. l!íão obstante entrarem na comj^utação
por eardeaes, os vocábulos um milhão, um conto, um bilhão,
etc. são, assim como uma duzia, um cento, um milheiro, etc.,
meros substantivos, já porque admittem o artigo, já porque
são variaveis em numero como a generalidade dos substan­
tivos.
151. Os ORDiNAEs são: primeiro, segundo, terceiro, quarto,
quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, decimo, undécimo, duodé­
cimo... até centesimo nonagésimo nono (199°); porquanto, dei­
xando de haver dahi em diante expressões adequadas,
forçoso é soccorrer-se á numeração por eardeaes. Ex. Leia-se
desde a pagina centesima nonagésima nona até á pagina
DUZENTOS E UM. — Cliamão-se aliás, ordinaes por designarem
um lugar determinado em uma ordem ou serie numérica.
152. Assim como os eardeaes, os ordinaes são simples
quando constão de uma só palavra {primeiro, vigésimo, cen­
tesimo), e compostos quando constão de mais de uma {decimo
terceiro, trigésimo quinto, centesimo quinquagésimo quarto).
Dotados, porém, da variabilidade, não só em genero, como
também em numero, assemelhão-se, nas suas relações syn-
taxicas, aos adjectivos qualificativos.
Observação. Com a substituição de meio a segundo,
e de TERÇO a terceiro, os ordinaes, quando simples, constituem
as expressões idôneas para a enunciação das fracções ou
quebrados. Ex. Y2 hilog. (meio kilogramma); — Ys ^ (duas
terças partes de uma libra); — 7io (oito décimos); — ^7zo
(dezaseis vigésimos). — Sendo, porém, compostos, força é
supprí-los pelos eardeaes correspondentes, com o aceres-
cimo avos. Ex. ^7z2 (çLuinze vinte e dousavos); — ®7« (trinta
e tres quarenta e quatravos).
153. Os multiplicativos são; singelo, duplo, triplo,
quadruplo, quíntuplo, sextuplo, septuplo, octuplo, nonuplo, decuplo
e cêntuplo, todos variaveis em genero e numero. Ex. A quanti­
dade DECUPLA de oito é oitenta (8 X 10 = 80). Tirão o seu
appellido da circumstancia de constituirem os multiplica­
dores de numeros pouco complexos.
Observação. Os quatro primeiros multijilicativos ficão
frequentemente substituidos por simples, dupliee, triplice e
quadruplice. Ex. As pétalas daquella fiór são simples ou sin­
gelas. Mas, fóra de sua aceepção numerativa, simples e
V
t. I 1.^ 122 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA
h!
Singelo rocahem na classe dos qualificativos. Ex. Um ves­
tido SIMPLES. Uma alma singela.
Quanto ás expressões numéricas dobro e tresdohro, são
meros substantivos. Ex. O dobro de seis equivale ao tres-
DOBRO de quatro, isto é: a doze ( 6 x 2 = 4 x 3 = 12).
154. ^ Em accrescentamento a estas tres classes de nu-
meraes, ainda cumpre mencionar os adjectivosde senilidade,
que designão por decennios, a idade das pessoas desde cin-
( I coenta até cem annos {quinquagenario, sexagenário, septuage­
nário, octogenário, nonageriu e centenário) ; — e os distribu-
cada e ambos {ambas), com os adventicios binário,
trinario, quaternário e quinario;— primário, secundário; —
uno, trino, etc.

2. ADJECTIVOS DEMONSTEATIYOS

I: Í ^ -Demonstrativos são os adjcctivos cuja significação


implica um aceno. São tres simples, e tres compostos, todos
característicos de genero e numero.
[IP i
DEMONSTRATIVOS SIMPLES
S IN G U L A R PLURAL
Este, esta Estes, estas
Esse, essa Esses, essas
Aquelle, aquella Aquelles, aquellas.

DEMONSTRATIVOS COMPOSTOS
SIN G U L A R PLURAL
Est’outro, est’outra Est’outros, est’outras
Ess’outro, ess’outra Ess’outros, ess’outras
Aquell’outro, aquell’outra Aquell’outros, aquell’outras.
^ 156. XJns e outros, do mesmo modo e nas mesmas
circumstancias que os artigos, contrahem-se com as prepo­
sições DE e EM. ^
Deste, a, es, as Neste, a, es, as
Desse, a, es, as Nesse, a, es, as
Daquelle, a, es, as Naquelle, a, es, as.
Desfoutro... Nesfoutro...
Dess'outro... Ness’outro...
■ I DaquelPoutro... Naquell’outro...

Porém, assim como nos artigos, facultativa é a con-


tracção com em {em este,,, em esse,,, em aquelle,,,).

n
PRIM EIEA PARTE - LEXICOLOGIA 123

157. Todavia os demonstrativos aqueîle e aquelVoutro


ficão sujeitos a mais uma contracção, a quai, por se cons­
tituir com a preposição a, só se manifesta pela superpo­
sição do accento agudo ao Á.
SINGULAR PLURAL
Àquclle (por a aquelle) Àquelles (por a aquelles)
Àquella (por a aquella) Àquellas (por a aquellas)
ÁquelPoutro, a, os, as (por a aquell’outro, a, os, as).

Dando-se o caso de alguma duvida sobre se se deve


applicar ou omittir o accento, basta, para de prompto re­
solvê-la, substituir aquelle por este ou esse; porquanto não
póde então o sentido da oração deixar de avocar expres­
samente, ou de excluir a preposição contractiva. Ex. Vêdes
AQUELLES Uvros e AQUELLAS estãmpos: pois hão de se dar
em prêmio aquelle menino ou áquella menina que mais
correctamente escrever o dictado.— {Vêdes estes Zíyros e estas
estampas: pois hão de se dar a esse menino ou a essa ?ne-
nina que...).
Outro exemplo. E a este Judas, e aquelle Pedro
será justo, Senhor, que vós trateis com a mesma igualdade f
(íris clássico, pag. 225). — (... a esse Pedro...).
3. ADJECTIVOS POSSESSIVOS
158. Possessivos são os adjectivos que, simultanea­
mente com uma idéa de pertença, aventão uma de pessoa,
por virem derivados dos pronomes me, te, se, nos, vos, se,
sendo, aliás, todos caracteristicos do genero e numero.
SINGULAR PLURAL
Meu, minha Meus, minhas
Teu, tua Teus, tuas
Seu, sua Seus, suas.
Nosso, nossa Nossos, nossas
Vosso, vossa Vossos, vossas
Seu, sua Seus suas.

4. ADJECTIVOS INDEFINITOS
159. Indefinitos são os adjectivos que, por enunciarem
uma quantidade gcralmente indecisa, ou até negativa, não
se deixão rubricar com mais precisão. Pela maior parte,
são caracteristicos de numero e genero, como muito, muita,
muitos, muitas. Alguns só o são do numero, como qual,
124 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

quae8. Outros, emfim, como que, não o são, nem dc nu­


mero, nem de genero.
TABELLA DOS ADJECTIVOS INDEFINITOS

SINGULAR PLURAL
Masc. Fem. Masc. Fem.
1. Algum, alguma. alguns. algumas.
2. Bastante, bastante. bastantes. bastantes.
3. Certo, certa. certos. certas.
4. Cujo, cuja. cujos. cujas.
5.......................
demais. demais.
6. Pulano, fulana. fulanos. fulanas.
7. Mais, mais. mais. mais.
8. Menos, menos. menos. menos.
9. 3Iesmo, mesma. mesmos. mesmas.
10. Muito, muita. muitos. muitas.
11. líenhum, nenhuma. nenhuns. nenhumas.
12. Outro, outra. outros. outras.
13. Pouco, pouca. poucos. poucas.
14. Qual, qual. quaes. quaes.
15. Qualquer, qualquer. quaesquer. quaesquer.
16. Quanto, quanta. quantos. quantas.
17. Que, que. que. que.
18. Quejando, quejanda. quejandos. quejandas.
19. Sicrano, sicrana. sicranos. sicranas.
20. Só, só. sós. sós.
21. Tal, tal. taes. taes.
22. Tanto, tanta. tantos. tantas.
23. Todo, toda. todos. todas.

on ^^^bi^ação de alguns destes adjectivos entre si,


ou com outros determinativos formão-se adjectivos indefi-
nitos COMPOSTOS, taes como outro tanto, qual um, qual outro
taes e quejandos, todo e qualquer, um e outro, etc. Ex. Se
xinol faz com a sua garganta, que Plinio por tanta o u t r a

diversidade de palavras explicou, acharemos que todas as


proporçoes da musica estão encerradas no papo de um tão pe­
queno animal como é este passarinho. (João dc Barros> ^
o bser v aç õ es
SOBRE os ADJECTIVOS DETERMINATIVOS

formalmente earacterisa os determinativos


como adjectivos, e a sua referencia, na qualidade de appo-
Pr im e ir a pa rte - l e x ic o l o g ia 125

siçücs ou do predicados, a um substantivo, pronome ou in­


finitivo da mesma proposição. Porém, logo que, desligados
de uma ou outra destas tres especios de palavras, constituem
de ]:>er si mesmos um sujeito ou um complemento, ou ainda
quando, constituindo um predicado, appareccm precedidos
de um artigo, signal é que deixarão de ser adjectivos, e
passarão a pronomes.
Exceptuão-se tão sómente, dentre os numeraes os que
não são cardeaes; porque, conchegados por feitura e indole
aos qualificativos, com estes transmigrão para a classe dos
substantivos quando deixão do sor adjectivos.
A conveniência de discriminar tão terminantemente os
casos em que uma mesma palavra passa de uma classe
para outra, não é nenhuma superfluidade apparatosa de
subtilezas analyticas; é sim uma consequência indecli­
nável da incumbência que tem a Grammatica de explicar,
pelos meios mais consentâneos com a lógica, anomalias ou
divergências que, sem taes distineções, ficarião incompre-
hensiveis. Haja vista, como prova desta allogação, o que
se deduz do um exame comparativo instituido sobre os
dous seguintes trechos.
(c JE’ certo q u e todos desejais descanço; é certo que
o

TODOS 0 BUSCAIS COM grande trabalho. » (P. Ant. Vieira).


(( Sejão ouvidos nesta causa todos, q)ois toca a todos.
Que é que dizem'? T odos repugnão; todos reclamão; todos
se ALTERÃo; TODOS se UNEM 6 coNJURÃo em odio e ruina do
inimigo. » (P. Ant. Vieira).
A anomalia que alii resalta á primeira intuição, é que.
sob a rogcncia do mesmo vocábulo todos, os verbos do
primeiro excerpto estão na segunda q>essoa do plural, e os
do segundo na terceira, o que não pode deixar de parecer
inconciliável.
Entretanto, se se attende que, por ser geralmente fa­
cultativa a enunciação dos pronomes eu e tu, nós e vós,
este ultimo, embora omisso, é o sujeito eífectivo dos verbos
do primeiro exemplo {E' eerto que todos [vós] desejais...),
basta ver em todos uma mera apposição de vós para que
o espirito não relucte em considera-lo ahi como adjectivo
indefinito. Vindo, porém, todos, no segundo exemplo, a
constituir de per si mesmo o sujeito dos verbos em que
actúa, força é attribuir-lhe o caracter de uma das tres es-
pecies de palavras a que só compete formular sujeitos: , o
substantivo, o pronome e o infinitivo; e tudo concorro
para que a unica qualificação que desta vez lho cáiba, seja
a de pronome indefinito.
126 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

161. Sendo assim demonstrado que, nas palavras


menos e a forma do que a funcção o que serve a deter-
mmar-lhes a natureza, esta indicação sobreleva-se em im­
portância para com os indefinitos; porquanto, não se
limitando muitos dentre elles a ser adjectives ou pronomes
mas tendo ainda ingpsso em outras classes, e nomeada­
mente na do adverbio, só a funcção que eventualmente
exercem, pode regular a sua classificação. Ora, como, em
alguns, a circumstancia de não serem característicos, nem
ae genero, nem de numero, augmenta-lhes as causas de
ambiguidade, o processo da substituição apresenta-se como o
unico proprio para deslindar todas as incertezas.
Assim é que um indefinito desta ultima especie será
tido como adjectivo quando supprivel por um adjectivo
como pronome quando supprivel por um substantivo, como
adverbio quando supprivel por um adverbio ou um com­
plemento indirecto, etc.

ALGUM. NENHUM

162. A lgum e nenhum são adjectivos ou pronomes.


(A dj .) Sabeis porque vos querem mal vossos inimiqos?
Ordinariamente e porque vêm em vós algum bem que elles
quizerão ter, e lhes falta. (P. Ant. Vieira). ^
K eniiuns serviços paga Sua Majestade hoje com mais
liberal mao que os do Brazil (P. A nt Vieira).
(P ron.) A lguns cuidão que estes são os meios de ter
pao, mas enganão-se. (P. Ant. Vieira).
Se Deos vos fez estas mercês, fazei pouco caso das outras,
que nenhuma vai o que custa. (P. A nt Vieira).
(Lob^)^^^^ com todos estou bem, nenhum me faz mal.

posposto ao substantivo, algum toma o


sentido negativo de nenhum. ^
Ex. Em nenhuma fiôr podem os maiores sábios do mundo
emendar cousa alguma. (P. Man. Bernardes). — (Em flôr
ALGUMA... — cousa NENIIUMA).
A lgum tanto constitue uma locução adverbial. Ex.
Annibal teve a barba sobre loura, e algum tanto crespa. rF r
Bernardo de Brito). — (... g levemente crespa). ^
rn os olhos algum tanto molles.
(Dualto Nunes de Leao). — (... levemente molles).
N enhum e nem um, embora de constituição apparente-
mente idêntica, nao sao todavia exactamente equivalentes
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 127

cm sentido. O primeiro corresponde a algum, e o segundo,


ao cardeal um ; pois este tolera a assoeiação de 5Ó e unico,
que aqiielle rejeita, e leva-lbe assim vantagem em energia
de negação. Èx. Para derribar um reino, e 7nuitos reinos
onde falta união, não são necessários exercitos, não são neces­
sárias batalhas, não são necessários caoallos, não são necessá­
rios homens, nem um homem, nem um braço, nem uma mão:
lápis sine manibus. (P. Ant. Vieira). — (... nenx um só
homem, nem um só braço, nem uma só mão...). Porém abso­
lutamente imprópria seria ahi a substituição de nem um
por nenhum.
BASTANTE

163. B astante ó adjectivo com o sentido de sufficiente,


pronome com o de porção sujficiente, advérbio com o de
sufficientemente ou assaz.
( A d j .) Não ha thesouros bastantes para prover ás ex-
travagancias do pródigo. — (... thesouros supficientes...).
Que artifice fôra bastante para crear tanta variedade
de cousas tão formosas, senão Elle? (Fr. Luiz de Granada).
( P r o n .) Havemos de tudo bastante para não invejarmos
nada a ninguém. — ( . . . porção sufficiente de tudo...).
( A d v .) E' sempre bastante caro o que custa tempo, e
nada aproveita. — (... sufficientemente, — assaz caro...).
CERTO

164. Certo é, já adjectivo indefinito, já adjectivo qua­


lificativo.
Como indefinito, vai, não só sempre junto, senão tam­
bém impreterivelmente anteposto a um substantivo, sendo
então o seu sentido insupprivel por qualquer outra ex­
pressão. Ex. De certos homens da casta daquelles de quem
dizia Sócrates que não comião para viver, mas só vivião para
comer, diz a Sagrada Escriptura que, exhortando-se de commum
consentimento, dizião: Comamos^ e bebamos porque amanhãa
havemos de morrer. (P. Ant. Vieira).
Como qualificativo, implica o sentido de seguro e fica
então sujeito a todas as leis que regem os adjectivos desta
especie. Ex. Que meio vos parece que se póde dar para um
homem, em toda a sua vida, ter o pão certo, sem nunca lhe
haver de faltar f (P. Ant. Vieira). — Dar por amor de Deos,
não ha mais certa negociação, não ha mais certo meio de
ajuntar fazenda. (P. Ant. Vieira). — Estai certos que só a
128 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

vossa desunião pôde matar o reino. (P. Ant. VieiraV —


{Estai (vós) CERTOS...). ^
CUJO

165. C u jo é se m p re a d je c tiv o , p o r se r e f e r ir c o n s ta n ­
t e m e n te , com o a p p o siçã o ou p red ica d o , a um su b s ta n tiv o
ou p ro n o m e da m e sm a p ro p o siçã o , e com e lle c o n c o rd a r
cm g e n e ro e n u m ero .
ExemjDlo :
Donde sahiu tanta variedade, senão de vós, Senhor, cujo
SER encerra com eminencia infinitos seres! (P. Man Ber-
nardes).
C u ja s são tantas t e r r a s conquistadas no Oriente? C u ja s
as ARMADAS quc uavcgão e cobrem aquelles mares? C u jo s os
PORTOS c^e se enriquecem com os commercios e tributos que o
Indo e Ganges só pagavão ao Tejo? (P. Ant. Vieira).
p . João de Castro viu á porta de um alfaiate um qibão
riquíssimo, e percjuntou cujo era. (P. Man. Bernardos') —
( ... CUJO era e l l e ). ^

DEMAIS

166. D e m a is é a d je c tiv o ou p r o n o m e ; p o ré m , em um
co m o n o o u tro caso , n ã o c o m p o rta a fe içã o do sin g u la r.
Entre todas as excellencias eque Christo teve como
( A d j .)
mestre e doutor, uma foi singular, porque os d e m a is d o u to res
podem propor a verdade, e ensinar por fóra, mas não podem
interiormente allumiar o entendimento. (João Franco Baireto)
— ( . . . o s OUTROS DOUTORES...).
^ ^ ( P r o n .) Era Affranio Burrho homem de grave e maduro
juizo, mepre ou aio que tinha sido, com Seneca, do mesmo
JSero. E, quando todos os outros fazião grandes applausos ás
mudanças, saltos e gestos do imperador citharédo, como se
forao outros tantos triumphos, só Affranio estava triste, mas
também louvava como o s d e m a is . ( P . Ant. Vieira') — ( como
os o u tro s ). ^

FULANO. SICRANO

^ são, j á a d je c tiv o s, j á p ro n o m e s,
c o n fo im e a n d a o ou n ao a n d a o ju n t o s a um su b s ta n tiv o .
(A d j .) Respondeu
mansamente o cordeiro: « Senhor fu la n o
lo ro , como posso euturvar a Vossa Mercê a fonte, se ella
corre de cima, e eu estou cá mais abaixo?» (P Man Ber.
nardes). ^ ’
PKIMEIRA parte - LEXICOLOGIA 129

( P r o n .) Cuja é esta caveira? E' de eulano Viveu rim


e morreu pobre. (P. Ant. Vieira). yiveu nco,

MAIS. MENOS

168. M a is e m enos são a d je c tiv o s , p ro n o m es ou ad-


vorbios.
1.“ São adjectivos quando outro adiectivo os nórlo
Ruppiy, ou a elles associar-se na mesma qualidade d(F nn
posição ou de predicado. piaimaoe üc ap-

idades, a puericia e a adolescência


cstao expostas a mais riscos. (Fr. .Man. Consciência). —
t*». A MAIS E MAIORES RISCOS). ^

Se faltão alguns fructos da Europa a inércia é aue fa-


MENOS a ABUNDANCIA. (Fraiic. dc Brito F re ire A -(^ f ;
f a ^ a ABUNDANCIA MENOR). \ " 1

doutrina,
respondia Christo como Eeos; e, ás mais interrogações
que se calava. (Luiz Torres
ue jjima). — e as outras interrogações...).
Ee outras cidades se lavrão, semeião e plantão os mesmos
lugares, sem jiais vestígios de haverem sido, gue os Z e en-
contiao os arados quando rompem a terra. (p /A n t. Vieira'i
{...sem outros vestígios...). ’

Se os homens se comerão depois de mortos, parece que era


memos HORROR « MENOS MATERIA de sentinielto. ( C m X
Viena). (... menor horror e menor materia...).
Cima ! II E então ficareis com qloria
entre os mais convidados. (P. J, B. de cíistro). - ( mire
os OUTROS CONVIDADOS). ^ y-.-eiuie

nesf/nirie '!■? queixumes cque


esta pãrte ja fazia, e com muita razão, da nossa Europa
Junio Moderato Columella, quando ainda havia menos annto
't í L V t o f f v Gamillos, Curios e Cin-
r o u c o f '.i f o .
POUCOS ANNOS que...^.
Lucena). — (... quando ainda havia

o MAIS CORPO do garracicão é revestido de um vardo


muito gracioso. (P. Balthasar Telles). — (O sobejo corpo...).
Eeixo outros membros de menos nome. (P. Ant. Vieira).
(... de INFERIOR NOMEj — nomeãda^.
Não faz menos representação de grandeza a torre dos
9
láo NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

sinos e relogio. (Fr. Luiz de Souza). — (... menor repre­


sentação...).
2.° São pronomes quando outro pronome ou um sub­
stantivo de quantidade indecisa os póde supprir na mesma
funeção, sendo então frequentemente amparados pelo artigo
definito.
Ex. Quem quer mais do que lhe convem, perde o que
quer, e o que tem. (P. Ant. Vieira). — (... cousa maior...).
O MENOS é que, por quererem o que não podem, venhão
os homens a não p)oder o que podião. (P. Ant. Vieira). — (A
MENOR COUSA é...).
Bem disse S. Ambrosio, que mais valia um dinheiro tirado
do pouco, do que um thesouro tirado do máximo. (P. Man.
Bernardes). — (... maior preço...).
No que toca, a todos, consulte os mais. (P. Ant. Vieira).
— (... os outros).
Nestes dous jogos ou latrocínios da. cobiça, o menos que
se perde, é o dinheiro. (P. Ant. Vieira). — (... o menor
bem...).
Se os Apostolos tiverão doze pães, então não era neces­
sário MAIS. (P. Ant. Vieira).— (... maior quantidade não
era necessária).
Na batalha campal dos Allemães contra, os Hespanhóes
junta a Baverma, matou uma peça, com um só tiro, mais de
cincoenta Allemães. (P. Ant. Vieira). — (... numero superior
a cincoenta...).
Quem ptóde o mais, pôde o menos. (Apliorismo). — {Quem
consegue fazer uma cousa dipficil, faz uma cousa facil).
No mesmo ponto cahiu a estatua, desapparecêrão os rne-
taes, e não ficárão delia e delles, MAis^we o lugar. (P. Ant.
Vieira). — (... e não ficárão outros vestígios delia e
delles...).
Não falta na China muita gente de rostos compridos,).,
que por serem os menos, parecem descendentes dos estrangeiros
que houve no mesmo reino. (P. João de Lucena).
3.“ São advérbios quando, antepostos a um participio,
adjectivo ou outro advérbio, conferem-lhe o‘ grao compara­
tivo ou superlativo; ou ainda quando, modificando em al­
cance a significação de um verbo, deixão-se converter cm
outro advérbio, ou em complemento indirecto.
Í^HIMEIRA pa r te - LEXICOLOGIA 131

(jue TU, ou m e n o s : se e m e n o s p o d e r o s o , perdoa-lhe a elle •


e MAIS p o d e r o s o , perdoa-te a ti. (P. A nt Vieira). '
Como estas são as mercadorias que só têm valor e meco
s Z dlJaZZZê ^ S O B K K c ilL S
M A rP E t oTs-^^ ^ l f V 'r * " pheciosas quanto
vieira) ’ ^ entristecer! (P. Ant.

comas ® «“ «í* i>ara


Liuz do Souza) (^'■•

a m a i S o ’T / eI o M P y ' Z v Z Z ’T ' '


0« a m ú rio c o m e u iI a m e n I b^ '^ ^ “ « ' osa .

estreiteza de tua meza; poraue


remedio so
remedio, só Ítu,T por
Z Vc o m e r ««» »Inhím
m e n o s , chegarás á sepultura m a is

(1p . Ant.
I n f Viena).
Y - > r — (... por comer em m en o r
mÍ ^ os comIÍ o'
pro po rçã o ...).

«5 «Í65m«s frotas voltavão carregadas de ouro e


prata, nada disto era para allivio ou remedio dos povos senão
H
llhs ? p ’V o V v v " ’^ e incharem os que tinhào ,Lndò sobre
u b m a Í a d a m b n t e iZencher^èm

u r^lTZi!;
pultar que viver...).
IZ êüTZXlZZ::
^
p ta união, tudo perde o nome, e, m a i s , ser. tP. o

Ant. Vieira). — (... e, p a r a r e m a t e , ser). o ^


Cousa difficultosa parece que houvessem de bastar poucos
homens fara dentro em sua propria casa destruirem o i nne-
rador, e mais o império. (P. Ant. Vieira). - f... e para des-
ti ui7 em, ALÉM DISSO, 0 impei'io).
Os dez trihus fizerão outro rei, t outro reino que nunca
MAIS se sujeitou nem restituiu aos herdeiros de Salomão. (P.
A iit. V ie ira ). (... que n u n c a j a m a i s se sujeitou...).
mnn ^ Flandres nem Castella,
mas Foi tugal onde reinou quarenta e cinco annos, pouco m a i s
ou m e n o s . (P. líieronymo Ozorio, bispo de Silves).

MESMO

169. M e s m o é a d je c tiv o , p r o n o m e o u a d v é r b io .
132 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

1. ° E’ adjectivo quando apposição.


Ex. Que faz a mesma natureza, toda movida e gover­
nada pelo MESMO D eos? (P. Aiit. Vieira).
Não cabe em si mesmo mundo com quatro vapores in­
o

sensíveis ! (P. Ant. Vieira).


A mentira é filha primogênita do ocio. Vêde como se
forma dentro em vós mesmos este monstruoso parto! (P. Ant.
Vieira).
2. ° E’ pronome, não só quando faz a funcção de su­
jeito ou de complemento, senão também quando faz a de
predicado, porque nunca prescinde então do artigo.
Ex. Quando os prêmios se dão aos que merecem, os
MESMOS que os murmurão com a bocea, os approvão com o
coração. (P. Ant. Vieira).
O MESMO podemos dizer das planícies, valles e montes.
(P. Ant. Vieira).
Os Romanos tornarão a ser vencidos dos mesmos que
tinhão vencido e dominado. (P. Ant. Vieira).
Bem se póde dizer que o juízo é o mesmo que o enten­
dimento, porém é um entendimento solido. (Mathias Ayres da
Silva de Eça).
E ’ particular circumstancia e honra da verdade ser sempre
uniforme e uma mesma sem variedade nem alteração. (Er.
Luiz de Souza). — (... ella ser semqjre uniforme e a
mesma...).
3. ®E’ advérbio quando supprivel por até.
Ex. Aqui MESMO, navegando junto á praia, tive oceasião
de ver um quadro que me encantou o espirito. (D. Fr. Caet.
Brandão).
MUITO. POUCO

170. M u it o e pouco são a d je c tiv o s , p ro n o m es ou ad-


v e rb io s.
1.“ São adjectivos quando apposições ou predicados.
Ex. O coração do homem é mui generoso, e o da mulher,
mui delicado: quer, por pouco bem , muito premio , e, por
MUITO mal, nenhum castigo. (P. Ant. Vieira).
Na côrte, m u ito s são os s ia l s in s , poucos são o s a m ig o s .
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

2.° Suo pronomes quando sujeitos ou complementos.


Pjx. Leinhre-se P ossa Alteza que, nesta sua partida (o
que Deos não permitta), no temporal se ganha pouco, e no
espiritual se perde muito . (D. Hieronymo Ozorio).
M uitos quereiii ensinar com razões j com exemplos poucos
ensinão.
O roubar pouco é culpa; o roubar muito é grandeza!
(P. Ant. Vieira). (... quantia pequena __ quantia
GROSSA...).
Assim como é natureza da união, de muitos fazer unu
assim é milagre da união, de poucos fazer muitos. (P. Ant-
Vieira).
3.° São advérbios quando, modificando cm alcance a
significação de um verbo, participio, adjectivo ou outro
advérbio, resolvem-sc em complemento indirecto, ou cm ad­
vérbio declarado pela terminação mente .
Ex. A natureza fez o comer para o viver; a gula fez o
COMEU MUITO para o v iv e r pouco. (P. Ant. Vieira). —
(... comer em demasiada proporção, — vorazmente ... viver
EM UM CURTO LAPSO DE TEMPO, --- BREVEMENTE...).
Se alguém pensa que, sendo assolado o reino, pôde a sua
casa ficar em pé, engana-se muito enganado. (P. Ant. Vieira).
— (... engana-se excessiva .aiente enganado).
Consideremos primeiro que cousa é nascer, e philosophemos
UM POUCO. (P. Ant. Vieira). — (... e philosophemos por um
instante ).

Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros?


muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os
brancos. (P. Ant. Vieira). — (... consideravelmente 7numr...
DESPROPORCIONADAMENTE lliais...).
Pouco nos DESVANECE O ter juizo, e muito nos lisongeia
o ter entendimento. (Mathias A}’res da Silva de Eça). —
( F racamente 7ios desvanece.... extremamente nos lison­
geia...).
Pouco A POUCO é uma locução adverbial por equivaler
a vagarosamente.
Ex. O grande império que os Portuguezes fundárão na
índia, acabou como o dos Gregos e Romanos, pouco a pouco
e por partes. (P. Ant. Vieira).
134 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

OUTEO
171. Outro é adjectivo ou pronome.
Ex. (A d j .) O s reis ‘podem dar títulos, rendas, estados;
mas, animo, valor, fortaleza, constância, desprezo da vida, e as
OUTRAS VIRTUDES dc qu6 S6 compõc a verdadeira honra, não
podem. (P. Ant. Vieira).
(PiiON.)Se Deos nos fez estas mercês, fazei pouco caso
DAS OUTRAS. (P. Aiit. Vieira).
Como bem disse o outro, as magnetes attrahem o ferro, c
os magnates, o ouro. (P. Ant. Vieira).
U m e outro, nem um nem outro, quer appareção como
adjcctivos, quer como pronomes, devem ser tidos como in-
definitos compostos. Pois, aparciitando-sc, mesmo quando
dissociados, em genero e numero, ainda soem assignalar a
sua correlação por uma mesma funcção syntaxica.
Ex. Este é 0 mundo em que vivemos: antes e depois de
Noé, sempre foi dilúvio: uns para uma parte, outros para
OUTRA, todos cansando-se em buscar o descanso, e todos can­
sados de 0 não achar! (P. Ant. Vieira).
O mesmo ^miemos dizer das planícies, valles e montes
donde se levantavão ás nuvens aquelles vastíssimos corpos de
casas, muralhas e torres: de umas se não sabem os lugares
onde estiverão; de outras se lavrão, semeião e plantão os
mesmos lugares. (P. Ant. Vieira).
Ha dous generös de inimigos: uns que perseguem, outros
que adulão. (P. Ant. Vieii*a).

QUAL

172. Qual é adjectivo indefinito, pronome relativo,


pronome indefinito, ou interjeição.
l.° E’ adjectivo quando, apposição ou predicado, con­
corda em genero e numero com o substantivo ou pronome
da mesma proposição.
Ex. Logo disse 7nissa o P. A)it. Vieira em um altar ri­
camente ornado, á qual missa assistirão os gentios de joelhos,
com grande devoção. (P. Ant. Vieira).
Aqui vereis qual é o fructo das minas... — As causas
iwturaes destes efeitos tão lamentáveis não são ordinariamente
outras senão as mesmas ejue precedêrão o reinado de Salomão.
E, QUAES/orào ESTAS? (P. Ant. Vieira).
PARTE - LEXICOLOGIA

Quereis saber qual é a dureza de um nãof (P. Ant.


Vieira).
Pythagoras e Socrates forão ambos famosissiinos mestres
da republica mais política, qual foi a de Athenas. (P. Ant.
Vieira).
2. ®E’ pronome relativo quando, necessariamente pre­
cedido do artigo indeíinito (o, a, os, as), c fazendo o officio
de sujeito ou de complemento, refere-se declaradamente ao
substantivo ou pronome de uma proposição anterior, com
clle concordando, não só em genero e numero, senão também
cm pessoa.
Ex. A que compararia S. Pedro Pamião os aduladores ?
Comparou-os ás andorinhas de Tobias, — as quaes, fazendo
0 ninho em sua casa, lhe pagárão a hospedagem com lhe tirar
a vista. (P. Ant. Vieira).
Se tantos são os bens que traz comsigo o dia do nasci-
— os QUAES todos funcsta, consome e acaba o^ dia da
morte, que motivo teve o juizo de Salomão para antepor o dia
da morte ao do nascimento? (P. Ant. Vieira).
Affonso de Albuquerque empregou a noite inteira em con­
siderar mui poderosamente nas cousas da eternidade, cujos
suburbios p>arecia que avistava, e Á qual religiosamente passou
ante a manhãa. (Vida de cl rei I). Manoel).
3. ° E’ pronome indeíinito quando, precedido ou não do
artio-o definito, c fazendo, aliás, o officio de sujeito ou de
complemento, resolve-se analyticamentc em que pessoa ou
QUE cousA, ou ainda que pessoas ou que cousas.
Ex Vor isso eu lá dizia que não sei qual lhe fez sempre
maior mal, ao Brazil, se a infermidade, se as trevas. (P. Ant.
Vieira). — (••• não sei que cousa lhe fez...).
Se quizermos particularmente considerar as cousas, Qual
haverá, que, sem letras divinas ou humanas, se possa fazer.
(João de Barros). — (••. QUE cousa haverá que...).
« Julga aqora, continuou Christo, qual destes tres teve
aquelle enfermo por proximo, w (P. J. B. de Castro). — (... que
HOMEM, QUE PESSOA...).
Não sei AO qual de vós eu tenha de responder.
4 “ E’ interjeição, e conseguintemente invariável, quando,
não se referindo 'a nada, prorompe no discurso como cx-
prcssão_de des])eito.
136 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Í1:V Ex. Não ha dia que a morte não nos advirta • mas oual »
nada nos pode demover de contar com o porvir. '
m ' .
C ada qual é pronom e indefinito composto.

<t na prim £^afrdZ ,Z ''‘Z^%^'^ natureza que alqumas aranhas,


toda a teia e e l t l Ã, <^omo fundamento de
âe outros t C e iT à r^ ^ “ “ '

QUALQUER

rlip.wL!^’ é adjectivo quando apposição ou p re­


dicado, pronom e quando sujeito ou com plem ento. ^

camillo <^omparào estes aduladores ao


cameieao, que nao tendo cor certa nem propria se reve<<tP p
li I ^ v h ^ - n l QUAesquer quc^scfão AS do ohkcto
viunho. Outros os comparão á sombra, que não tem outra accão
iu n e l le T Z i T T s ' ’'*^<'^<>>^*0 á luz, do qual
Tv Ant. vfoTra)’. <
>Zque.
•a'' c at o
s^ TZZa Z tTn r TZ'
vossa.(I> Z t . v f e ííf’’ ““ “
outros d
esa-
demonstração
i -. >
..J
TANTO. QUANTO

verbias^' T anto e quanto são adjectivos, pronomes ou ad-

1.“ Sao adjectivos quando apposições ou predicados.

fez
/e ., TANTAS 1‘YRAMIDES dcixou crigidas â posteridade uma^t Hp
laseima, outras de vaidaele, fez qíe o se Z Z le o M t Z Z v e t
casse por sua mão peixes fritos. (P . Man. B ernarde8> ^

.. V nm, e ser inimigo do outro, provado fica sem replica aue q u a n t o s


forem nos palaeios os amigos de seus m Z Z Z Z Z o s S n
OS INIMIGOS dos reis. (P. Ant. Vieira). ’ tantos sao

h ,H :'r
;s".rs;; r;;; a
: Q uantos príncipes dão a alma, e tantas almas ao * .
}E ái.»
É
Wi

PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 137

monio por uma cidade, por uma fortaleza ! quantos títulos,


por uma villa. ! quantos nobres, por uma quinta, por uma
vinha, por uma casa ! (P. Ant. Yicira).
2. ®São pronomes quando sujeitos ou complementos.
Ex. Quantos fôrão mais venturosos com seus erros, que
outros com seus acertos! (P. Ant. Vieira).
Outro discreto, fazendo conta aos bens que possuia, dizia :
« Tenho tanto em raizes, tanto em moveis, tanto em escra­
vos, e TANTO em amigos, » achando, e com razão, que esta ul­
tima addição merecia igual ou melhor lugar que as outras.
(P. Man. Bernardes).
Este é 0 primeiro privilegio dos pobres, a quem a Provi­
dencia Divina, quanto nega de abundancia e regalo, tanto
accrescenta de vida. (P. Ànt. Vieira). — (... accrescenta tão
GRANDE PORÇÃO de vida, QUÃO GRANDE PORÇÃO de abuiidancia
e regalo ella negai).
Se em todas as mesas se bebêra por esta taça, não se co­
mera EM TANTAS O pão alheio. E, se, no Brazil, déramos em
desenterrar caveiras, em quantas pudéramos escrever a mesma
letra ! (P. Ant. Vieira).
3. ®São advérbios quando modificativos de um verbo,
participio, adjectivo ou outro adverbio.
Ex. Quanto sobe violentamente o querer para cima, tanto
desce, sem querer, o poder para baixo. (P. Ant. Vieira).
Quanto menos nos resta de vida, tanto mais devemos
procurar seja honesta. (P. Man. Bernardes). — {Devemos pro­
curar que seja a vida tanto mais honesta, quanto menor
PORÇÃO desta mesma vida nos resta).
O mesmo Salomão foi o que destruiu o que tanto enno-
BRECEU e EXALTOU. (P. Ant. Vieira). — (... tão afanosa­
mente...).
Quanto melhor lhe fôra, ao voador, mergiãhar por baixo
da quilha! (P. Ant. Vieira). — B em mais proveitoso...).
T anto que constitue uma locução conjunctiva.
Ex. Todo 0 curioso tomára ser na poesia um Homero;
mas, TANTO QUE se reflecte no trabalho com que se vencem as
fraldas do Parnaso, já se não quer ser poeta. (I^. J). Raphael
Bluseau). — (... mas, logo que, desde que...).
Quanto a constitue uma locução prepositiva.
Ex. Quanto ás minas de ouro, vagamente por todas as
138 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

partes, tirão todos, e tirârão sempre em grão e pó... maior


quantidade do que pareceu. (Franc, de Brito Freire).

QUE

175. Não ha em portuguez vocábulo de determinação


tão complexa como que, porquanto cabe em cinco classes
de 2^alavras, sendo, conforme a sua funcção, adjective inde­
finite, pronome relativo, pronome indefinite, advérbio ou
conjuncção.
l.° E’ adjective indefinite quando, apposição de um
substantivo ou pronome, deixa-se analyticamente resolver
em QUAL, QUAES, ou, por assimilação, em quanto, quanta,
QUANTOS, quantos.
Ex. Vede que segurança pôde ter o merecimento, ou
QUE iMMUNiDADE (2 imiocencia em tal guizol (P. Ant. Yieira).
— {Vede QUAL, quanta segurança... qual, quanta im-
o u

MUNIDADE...).
(( Não sei. Senhor, que tempos, nem que desgraça é
esta nossa! » (P. Ant. Vieira). — (... quaes tempos... qual
desgraça...).

Se^ alguém, pois, colhendo uma flôr destas, a desfolhar,


QUE MÃO de official será tão poderosa, que faça outra que
iguale com ellaf (Fr. Luiz de Granada).— (... qual mão...).
Mas, QUE ALViTRE vos parccc que será este? q u e m e io
vos parece que se pode dar para um homem em toda a sua
vida ter o pão certo? (P. Ant. Yieira). — (... q u a l a l v i -
TRE... QUAL MEIO...).
Se aquellas rumas de façanhas em papel forão conformes
aos seus originaes, que mais queriamos nós ? (P. Ant. Yieira).
— (... qual outra cousa...).

2.® E’ pronome relativo quando, referindo-se declara­


damente ao substantivo ou pronome de uma proposição
anterior, e sendo convertivel em o qual, a qual, os quaes,
AS QUAES, faz O oíficio do sujeito ou de complemento.
Ex. Que HOMEM ha que não busque o descanço ? (P.
Ant. Yieira). — (... Que homem ha— o qual não busque o
descanço ?).
O tempo é o maior t iie s o u r o que a natureza fiou do
homem. (P. Ant. Yieira). — (...o maior t iie s o u r o — o q u a j
a natureza...).
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 139

S. A gostinho, que pregava aos homens, para encarecer


a fealdade deste escandalo, mostrou-lh'o nos peixes; e eu que
PREGO aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é,
quero que o vejais nos homens. (P. Ant. Vieira). — (S. A gos­
tinho, — 0 QUAL pregava... e e u — o qual prego...).

3.® B’ p r o n o m e in d e f in id o q u a n d o , n ã o s e r e f e r i n d o d e ­
c la ra d a m e n te a n e n h u m s u b s ta n tiv o o u p ro n o m e a n te rio r,
e s e n d o c o n v e r t i v e l e m q u e co u sa ou c o u sa q u e , fa z o
o fficio d e s u je ito , d e c o m p le m e n to , o u a t é d e p r e d ic a d o .

Ex. (^UE se segue deste tão desordenado querer f (P. Ant.


Vieira). — (Q u e c o u sa se segue...).
(^UE faz 0 lavrador na terra, cortando-a com o arado f
(P. Ant. Vieira). — (O lavrador faz q u e c o u s a . . . ? ) .
(^UE é 0 nascer senão o remedio de não ser! (P. Ant.
Vieira). — (O nascer é que cousa...).
Ainda falta que ponderar, e é a coroa de tudo. (P. Ant.
Vieira). — {Ainda falta cousa que ponderar...).
Besta traça, dizião elles, não qwde Christo escapar. Alas,
coitados I armârão teias de aranha, q u e vem a dizer : é tudo
nada! (Fr. João de Coita). — (... co u sa q\]-k vem a dizer...).
4.® E’ advérbio quando, actuando como modificativo
cm um participio, adjcctivo ou advérbio, é convertivel em
QUÃO.
Ex. Flinio disse estas notáveis palavras: « Q u e in n o ­
cente, QUE BEMAVENTURADA e QUE DELICIOSA Seiia a vida
dos homens, se elles se contentarão com o que nasce sobre a
terra! (P. Ant. Vieira). — (... f^uà o in n o c e n t e , q u ã o
BEMAVENTURADA 6 QUÃO DELICIOSA...).
Se alguém visse, desde um pôsto eminente, todas as mu­
danças que no mundo succedem em espaço de meia hoia, q u e
ADMIRADO ficára de ver a furia com que esta roda se re­
volve! (P. Man. Bernardos).— (... q u ã o a d m ir a d o . . . ) .
Q u e a l e g r e era o espirito do Creador quando fez rir os
j)rados em tanta variedade de flores ! (^ u e l ib e r a l quando os
coroou de fructos ! (P. Man. Bernardos).— ((,^uÃo a l e g r e ...
(^UÃO LIB E R A L ...).
Note-se q u e a r t if ic io s o , q u e p r u d e n t e , e com que dis­
simulação procede S. Paulo! (Fr. João Pacheco.). {Note-
se QUÃO ARTIFICIOSO, QUÃO PRUDENTE...).
O’ reis, ó monarchas do mundo! que, por^esta causa, e
140 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

(P ^ A n f V ie ir T '" ' f" « '’<>««« su p re m a f o r t u n a !


U - A n t. V ie u .1). _ ( . . . QUAo DiG.VA d e c o m p a ix ã o é . . . ) .

o u o /o iit^ l conjuneção quando, sendo in co n v e rtiv e l em qual-


q ei o u tia exiDressao, ou sendo-o tão sóm ente em ont)-i
“ n í r n T L r ”e?e^ ""“ ’ T loeuçro^^eo^ ^m ctí;:
proposições ’ ’ <>«

d h te ^ Z W E , «ó p o r a m o r d o s in n o cen tes
(p Í S . f e ) ™’ »

0 h u fm ir T o u T Z n u íe \ ^ ? 1 f " " e oerto q u e to d o s


0 não a c h a t . ( p ! ^

OUÍ. com nosco o odio n a rticu ln .r


= / .r ; 7 :* r , & 4 ;;: « " > - ( - i % «

?.Z:fíi'’\TyS-.r-7
í/rapa Do QUE n ão te r u m h o m e m ...). ‘ ‘
T “ *r

5 S r - í “ ' z f v t

" s “ - s , * t K ; ® »
( . . . SENÃO d e a c c r e s c e n ta r ...). ^

iu r a l^ X i^ tttV ^ T , ^ " * " * '* ” “ '-azão n a-

B e r n a r d e s ) ._ ( r s ™ / ; 7 S L . " . V "
<’ 'Casamento n ã o tr o u x e r a ou tro a ln u m bem m ai^

- SENlo W a r ...) ~ C-

de Meno)''-T™jX®^^^^^^^ tó « / (D .F r a n c . M an.
> (... JA QUE— VISTO Q U E^a U v a i . . . ) .

q u e ja n d o
PRIM EIRA PARTE — LEXICOLOGIA 141

177. S ó — é adjective ou advérbio: adjeetivo quando,


sendo relacionado com um substantivo ou pronome na
qualidade de apposição ou de predicado, dcixa-se substituir
por sóziNHO, ou associar a unico ; advérbio quando conver-
tivcl em SÓMENTE.
Ex. Bastou uma só desunião j>ara derribar e desfazer
quatro impérios. (P. Aut. Yicira). — (.•• nma so e unica
desunião...').
For isso, sendo a voz uma só, os rostos são muitos. (P.
Ant. Vieira). — (.•• seiido a voz uma só e unica...).
O’ homens! que só a vossa união vos ha de canservar, e
só a vossa desunião vos pôde perder! (P. Ant. Aleira). —
{...que SÓMENTE a vossa união... e somente a vossa des­
união...).
g 5 s — c o n s t i t u e u m a lo c u ç ã o a d v e r b i a l , c o m a q u a l
o q iiip a r a - s e c m s e n t id o a lo c u ç ã o d e m e s m a o i ig c m c ty m o
lOííica
O A SOLAS.
TAL

178. T a l é a d je e tiv o q u a n d o a p p o s iç ã o o u p r e d ic a d o ,
e p r o n o m e q u a n d o s u je ito o u c o m p le m e n to .
Ex. ( A d j .) a difficulda.de está em achar taes amigos,
porque são mui raros. (P. Man. Bernardes).
Fois, como appeteceis o que não p>odeisf Forque tkl é a
CEGUEIRA de um entendimento ambicioso. (1. Ant. Yicira).
('P r o n .') Amizade procedida de comer e beber e passear
juntos não merece o nome de tal. (P. Man. Bernardes).
Cruzar-me-hei, se tal me mostrarem. (Pr. Luiz de Souza).
Fodem-se estimar estas porcellanas dos maiores princji^s
por delicia e curiosidade, e por tal se tem em Fortugal. (Pi.
Luiz dc Souza).
TODO

179. T odo é a d je e t i v o q u a n d o a p p o s iç ã o c ó p r o n o m e
q u a n d o s u je ito o u c o m p le m e n to .
Ex. (A dj.) Lançai os olhos por todo o mu^ o e vereis
que todo elle vem a resolver-se em buscar pao. (1. Ant.
Vieira).
III I < 142
nova grammatica analytica

ir n o s ^ lT a \! P lZ ] T Z i t j r ^ *
a urn m o r ta l, / rm e m o r r a e J lL ^ P ^ d e c o n ce d e r
V i e i r a ) .- r ’.. erne Ant.
[nós] i? n o s ...). ^ h a v e m o s d e m o rrer, e todos

sã o jid g a d o s co m o reos. (P. Ant Vieira^^ ^ todos

D o s adjectives qualificativos

i)ETERMiNATivos^^api^^^^^^ SO ^siD ecics d e a d je c tiv o s


a d if f e r e n ç a q u e e s e f e X r a
d iv id e m . ’ e m b o i a n u m e r o s ís s im o s , n ã o se s u b -

iificativos, coVo inherentes aos qua-


que Hies proporciona o meio d o sob ’^^ariaveis, avulta a
chamados gráos de sigvificac^o J ^ A^sP^ctos distinctos,
^deas de que são a cxpíessío"^^^^^^ diversamente as
ou e o ? n c o m p a r a ç ã o , o u e m L n f o qW / s i mp l e s me n t e

0 gráo diz-íe P o s i T i ^ / ^ o C u n f / f
CCiro, SUPERLATIVO. « eg U lld o , COMPARATIVO ; no te r-

a p p arece m o d iíic a d a ^ ^ ^ e m '"^ ! s ig n ifi-

Nifliwjidn a™ d ív S o r]'X o ”“,il^s''™“ ‘''^^ qii.mlo. suh a


1‘e la ç ã o a o u t r o t e r m o , u m a V e i c ã o do - em
T io rid a d e o u d e in f e r i o r i d a d e Ex p J ^ 'a a l d a d e , de supe-
:viAIS A LV O ... P ã o MENOS I l v O.
UU’ '
É4 Í St s u b s e q u e n ti^ p o r 'c o 3 i o ^ o te rm o
c t i v o q u a lif ic a tiv o o u u m D a n i c h d n ''^ '' b a m b e m u m a d )c -
ALVO como ou quão saboroso — TÃO
QUAO respeitado. — Se norém n í como ou
outra especie de palavras^ só seusn de
alvo COMO ESTE, L o h a n o L r c a l l ^ p f - ^ ^ ^ : tão
COMO Salomão m m e a h o u v e . ~ ~ A c o n s è m io n o ^ i-’AMOREciDo
^ brvtal como quem . i n f e r l ' l p ^ ^ ^ ^ ^
; à)'
niOKIDAD?S«wJ)" ™™-
termo por q™ em odÒt "?*“ ««S“ <>o
: t' MA., c . „ .« 0 . A.VO « e . „ r t « s J r o t r - S : ; -

0 'r .
M '

i 'i V '
[>'’i' y>
.■' I 'i't
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

MAIS FAVORECIDO 6 MENOS CHORADO QUE OU DO QUE S a LOMÃO,


nunca houve.
E x c e p ç ã o . O s q u a t r o q u a lif ic a tiv o s : g r a n d e , p e q u e n o ,
BOM e MÁo c o n s t i t u e m i r r o g u l a r m c n t e o s e u c o m p a r a t i v o
d e SUPERIORIDADE, p o r o t i r a r e m d i r e c t a m e n t e d a f o r m a
la tin a ;

M A IO R , MELHOR,
MENOR PEIO R.

Todavia o uso legitimou as duas locuções regulares


MAIS PEQUENO O MAIS MAO. Ex. O iiiipevio lusitano—iiidio
está reduzido a tão poucas terras e cidades, que se póde du­
vidar se foi aquellc Estado m a is p e q u e n o no principio do que
se vê no fim. (Man. Clodinho).
O b s e r v a ç ã o . O s adjectivos anterior e posterior, exterior
0 interior, superior e inferior, ulterior e citerior, que se asse-
melhão aos quatro precedentes por identidade de origem, e
paridade de terminação, forão, por isso também, assaz ge-
ralmonte declarados comparativos de superioridade irregulares,
ou de fôrma latina; porém tal apreciação é de todo o ponto
errada.
Não ha duvida que os referidos vocábulos forão com­
parativos de superioridade em latim ; mas, passando para
o qiortuguez, ahi apparecerao como meros p)OSÍtivos. Êuas
considerações o comprovão terminantemente:
1. “ Ao passo que os quatro primeiros adoptão, com
toda a propriedade, como os mais comparativos da mesma
especie, a ligação q u e ou do q u e ante o termo subse­
quente, os oito últimos a rejeitão categoricamente. Pois, se
todos concordão em dizer, por exemplo: Este café é m e l h o r
ou PEIOR q u e ou DO QUE aqucllc, a ninguém oceorrerá dizer,
por assimilação: Este café é s u p e r io r ou i n f e r i o r q u e ou
DO q u e aquelle, e sim: é s u p e r io r ou i n f e r i o r á q u e l l e .
2. ° Se, por uma redundância insoffrivel, é perfeitamente
illicito dizer: tão maior, tão 7nenor ou mais inelhor, menos
peior, não o é, de modo algum, em relação ás locuções
TÃO SUPERIOR, TÃO INFERIOR; — MAIS EXTERIOR, apNOS IN­
TERIOR, etc. Portanto são de per si simples positivos.
Os vocábulos J u n io r c S ê n io r , também etymologic^a-
mente comparativos de superioridade em latim, passárao
para o portuguez com o significado de meros cognomes, e,
nesta qualidade, não desistem da maiuscula inicial, porque
se confundem em um mesmo substantivo composto com os
i .J

144
No v a g e a m m a t ic a a n a l y t ic a

10Q /-I - _T ,.

accrescimo de líaíavrL^^ou ^ quando, por um


declara uma qialificaçao levada ao a u ^ ' ' " " terminativa,
lativo cLamT-srcoMposT^ accrescimo de palavras, o super-
nativa, chama-se d e i N C R E M E l ^ m ''' termi-

posição ao adjectivo de fbrmão-se pela ante-


como MUI, MUITO POUCO F^Kcv^ advérbio de quantidade,
etc., e também, i que meríco ®^^«e^^iamente,
posição dos mesmos advérbios tão^ ^ T a
tutivos dos tres comparativos í ® '''^»'sti-
um segundo term rcom ^e
nondade ou inferioridade on igualdade, supe-
nhados das respectivas lio-ações"^
mente a tão, e^ que on nn nrn:^ correlativa-
a MENOS. ’ correlativamente a mais e
Exemplos ;
( M u i ). 0 coração do hom em ê ^rrrr
mulher, m u i d e l ic a d o . (P . Ant. Vieira). gen ero so , e o da

Ant.^ Vieira)! confesso que é m u it o bom . (P .

que a empreza seja p o u c o ^p r o v a v e i ~^^ guerra; e, ainda


Guerra! guerra! guerra! (P. Ant.

tempo q u e ) ia v i< r n ü s t e f? Ohí^telwo tão^^p? ^ ^


DiDo! ( P . Ant. Vieira). ^ e e e c io s o e tão p e r -

( M a i s ). Vem cá, Lucifer! vem eá ^


MAIS SABio de todos os anos- tv e 0
todos os homens! (P. Ant."^Vieira) ^ ^^
S. Ámhrosio diz que a p e i o r term p k ^
0 MELHOR campo é 0 Que na « r L l ESTERIL, e
f e it a d o com os m a is ^ lu/ tuos 7? mostra m a is en-
fores. ( P . Palthazar Telles). m a is l in d a s

as obras maÏ glomo^ as ^<^ntão if


historiadores quando se mostrão
e quando se Ístentão, á i Z a ^ Z r ^ estrblla d o s,
thazar Telles). ^csplandescentes, (P. Bal-

i
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA
145

«(Ítííaííores ie falado, ainda os de


Vieira) ^ menos corrupto juüo. (P. Ant.

(?aíZo a tempo, os homens lição


Sal (T r r v s r “
-Pois crêde-mel o banco de Veneza pôde quebrar como
esta /io;e MENOS seguro com a guerra do Turco- e o deDeos
nao ha de quebrar nem quebrou nunca. (P. Ant/Vieira).
Observação. Se a determinação dos gráos de siqnifi.
caçao Um certa importância pelos dados que fornece em
pontuação, é mórmente em re-
^ concorrendo este vocábulo a formar
r ^ e U r '^ " " ' ^ ^
por QUÃO OU C03I0, constitue um
comparativo; nao correspondido, constitue um superlativo.
mbos os graos de signiíicação encontrão-se representados
no seguinte exemplo: ^
E possível que uma cousa tão pequena, tão branda
tao leve e tão mudável como a língua, (Comparativo';
tenha poder para vos pôr ás costas um jugo tão pesado^ À
TAO DURO E TAO durador! (Superlativo). — (P. Man. Eer-
HiXl*Cl08)•
Porém ainda fm-ma um superlativo quando vai corres­
pondido por^ que. Ex. Isto de ter inimigos é uma semrazão
honrada que ninguém se deve doer ou offender
fnJín Vieira).— « i^05íe tão mofino, que passaste
íoíía a 5em ter inimigo.. (P. Ant. Vieira).- « Ami/a
nao tenho feito acçao tão generosa e honrada, que me
qrangeasse inimigos! » (P. Ant. Vieira).
, Por ISSO é que o adjectivo tamanho, a, os, as, con-
’ icçao de procedência latina (tam magnus) equivalendo a
GRANDE, constitue sempre um superlativo; pois nunca
rresponde como neni quão. Mas forão meus pec-
'’A3IANHOS, _Que ccrrárão os Ouvidos á clemencia infinita
da z. ■or. (Fernão Mendes Pinto).
E, dado 0 caso que o mesmo se pôde fazer em Castella,
por ven 'ira a necessidade será lá tamanha, e a esmola tão
BEM EMVRio ADA? (D. Hieronjiiio Ozorio).
185. superlativo de incremento se forma normal­
mente pela conversão da syllaba terminal do adjectivo em
issiMO, issi-UA, 18^1AOS, issiMAs. Em significação, equivale
10

Î
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA
146

ao superlativo composto por meio ® mui' Ai vo


Pão ÃLvissiMO. — Frwta saborosíssima. — (J"ae mui aiao.
— Fruta MUI s a b o r o s a ).

O b ser v a ç ã o Sendo o superlativo do


.
mero traslado do latim, succede que sua formaçao apre
senta numerosas anomalias, porque, na lingua ® ^ ^ a ria , o
incremento variava conforme a terminaçao do j >
Z r C e n a s mesmas variedades muitas veses se perpe-
tuáiião tradicionalmcnte em portuguez ao lado da forma
normal (assim em paupérrimo de pauper, por
nobre), ou a supplantárão totalmente (assim em
L wiser, cujo representante em portuguez: miseio, nao se
compadece com a fórma normal).
Assim é que se explicão as fôrmas e e l ic is s im o de
felix felicis (feliz); — l ib é r r im o de liber (livre); n o b il is -
ViMO de nom s (nobre) ; - s a p ie n t ís s im o de s
(sabio) ; — s a c r a t ís s im o de sacratus (sagiado) ,
«íTAfo de dulcis (doce); — a c é r r im o de acer (acre), ama-
b Í l is s im o de amabilis
(c e le b re ) ; — iiu m il l im o de humihs (hum ilde) , c h r is t ia
NissiMO de christianus (c h ris tã o ) ; — in t e g e r r im o de integer
(in te g ro ); etc.
A contece até que os dous su p e rlativo s u b e k e is io e
{mui ferti[) carecem um e o utro de p o sitivo
p e k a o is s im o
em portuguez.
Os quatro positivos grande, pequeno, _bom e mâo são
cada um dotados de dous superlativos de incremento; um
de formação normal, e outro, de procedência
DISSIMO, MAXIMO ; — PEQUENÍSSIMO, MÍNIMO; — BONISSI3m,
OPTIMO; — m a l í s s i m o , p é s s i m o . — Nao se soe, tod ^ ia, em­
pregar indiíferentemente uma forma P^r outra. L/wi
b o n ís s im o nmewíe. — íN ot o p t i m o resultado. — ahi so
póde a pratica dos bons autores, por via de assíduos excr-
cios de analyse, servir de inducção na escolha.
A mesma pratica dá igualmente a conhecer que um
numero assaz avultado de adjectives sc negão a constituir
superlativos de incremento, embora se prestem a ícima
superlativos compostos. Assim e que o uso nao tolera
exiguissimo, embora admitta m u i e x í g u o .
Vi M
186. Porém cumpre notar que todo e qualquer adje­
M i ctive cuia significação é tão absoluta, que foge a uma
feição de diminuição ou de augmento, não passa do grao
positivo. Deste genero são os adjectives eterno, injinito, in-
commensuravel, immenso, omnipotente, exsangue, etc., como
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA I47

ta m b c m to d o s os n u m e ra c s o rd in a e s, qu e a o u tro s resn eito a


podem eer equiparados aos qualifleativos. Enou p S t o
m e s c iip to r , a lia s bom c o n c e itu a d o , q u a n d o disse
p ra ç a s h a via in m v ie ra v e is munições de guerra e mais inntt
M ^RAvm s ^a re c h o s de arm ada. „ P o is , p a ^ . m
MAIS INNUMERAVEL do quo OUtl'0 inuum eravel forpnan
seria que fosse numerável! innum eratel, íoiçoso

Q u a n d r i i k s e T B»>-rcto
quando disse . « O Senhor q m z que sua doutrina fosse acom
i i q r e T ^ P o i r ' l S o ^ T ^ '^ 'f • e gravissim os mi-
lagres. » l o i s nao se deixou induzir, p e la c o llicracão doa
superlativos p r o v e it o s ís s im o s e g r a v ís s im o s a forn m v
s u p e r la tiv o illo g ic o de in n u m e r a b il is s im o s .

de se íjiHoco aos a d je c tiv o s a p ro p rie d a d e


em s o X ^ A m l
em SOBERBAÇO de soberbo, em v e l ii a q u e t e de velhaco a ssim
e tc

tav / mu, ! “ - Quem d irá que um bichinho


iiANiiiEO, que quasi escapa d a vista perspicaz e attenta
q u a l e o cham ado acari, que se cria n l c e m c o r m Z L
lu g a r p a r a a organisaçao de tantos membros, de q u e ^ é força
confessar a razao que se compõe? (P . iMan. B e r ila r d e s ) —
l o d a v i a e ste re cu rso litte r a r io ro ç a tã o de p e rto a affec-
f S i a ? ''^ ''''''''''''' so c co rre r-se a e lle fo ra do e s ty lo

F O R M A Ç Ã O DO F E M IN IX 'O

NOS A D J E C T I V OS QUALI FI CATI VOS

modo^^-^* ^ fem in in o dos a d je c tiv o s fórm a-se dos s e g u in te s

..m . Y
p o i A.
a d je c tiv o s te rm in a d o s em — 0 — tro c ã o e s ta le tr a
hx. Alvo, alva; asperrimo, asperrima.— Sfio exee-
p ü ia d o s mao, ilheo, judéo e sandéo qu e fiizem má, ilhôa
judia^ sandia. — Jao, n ao te n d o fem in in o p ro p rio , p ód e se r
s u b s titu íd o n e ste re q u is ito p o r javanez, javaneza.
• 2-“ O s a d je c tiv o s te rm in a d o s em ez, ol, or e u to m ã o
m a is A. h x . Portuguez, p o rtu g u e za ; hespanhol, hespanhola :
vivificador, vivificadora; cru, crua. — S ã o e x c e p tu a d o s cortez,
montez, — m aior, menor, melhor, peior, — exterior, interior, su­
perior, inferior, anterior, posterior, ulterior, citerior, — bicolor
tricolor, m ulticulor e semsabor, qu e n ão m u d ão p a ssa n d o
p a r a o fem in in o . *
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA
148
Observação. C u m p r e n ã o c o n f u n d i r c o m o a d jc c t i v o
melhor o s u b s t a n t i v o melhora, m a is h a b i t u a l m e n t e ^_sado n o
p l u r a l (O doente tem tido algumas melhoras)-, n e m t a o p o u c o
c o m 0 a d je c t i v o superior o s u b s t a n t i v o superior {de con­
vento), c u jo f e m in in o é superiora {de convento).
3. ° O s a d ie c t i v o s t e r m i n a d o s e m e, al, el, il, ul, ar,
ER AZ IZ o z , M, N e s iiã o m u d ã o p a s s a n d o p a r a o te m i-
n iiío . E x .’ Assumpto o u cousa grave. — Caso o u questão
aeral. — Criado o u criada fiel. — Recurso o u intervenção uUl.
— P a n n o ou s e d a a z u l . — Q u a r t o ou c a s a p a r t i c u l a i . s io -

m e m ou m u l h e r e s m o le r . — R s p i r i t o ou i n t e l l i g e n c i a P e r s p i c a z .
— Acaso o u circumstancia feliz. — Leão o u leoa jero.^. i
qocio o u especulação ruim.— Alfaiate o u costureira ~~
Menino o u menina simples. — P o r é m bom f a z boa. Q u a n to
a o s a d ie c t i v o s cabrum, ovelhum, vaccum, e m a i s a l g u n s a n a -
lo g o s , n ã o t ê m f e m in in o d e t e r m i n a d o , p o r a n d a r e m e x c lu -
s i v a i n e n t e a p p o s t o s a o s u b s t a n t i v o gado.
4. ° D o s a d je c t i v o s t e r m i n a d o s e m Ão, u n s t r o c ã o e s t e
d i p h t b o n g o p e lo d e ãa, c o m o são,sãa; chão,chãaj chnstao,
christãa; o u t r o s p e l a t e r m i n a ç ã o ona, c o m o respingao, res-
pingona; chorão, chorona; valentão, valentona; o u t r o s e m liin ,
p e l a t e r m i n a ç ã o ôa, c o m o velhação, velhacôa, e tc .

A PPEN D IC E
SOBRE A FORMAÇÃO DO FEMININO NOS SUBSTANTIVOS

189. U m c e r t o n u m e r o d e s u b s t a n t i v o s t ê m c o m o s
a d ie c t i v o s a n o t á v e l a n a l o g i a d e v a r i a v e i s , n ã o só e m n u ­
m e ro , se n ã o ta m b é m em g e n e ro , o q u e m a is d e u m a v e z
fê -lo s c o n f u n d i r , c o m s u m m a i m p r o p r i e d a d e p a r a a d e t e r ­
m in a ç ã o d a s f u n c ç õ e s s y n t a x i c a s , c o m o s g e n u ín o s a d j e c t i ­
vos H a i a v i s t a , a t a l r e s p e i t o , a t ã o e lo g i a d a g r a m m a t i c a
f r a n c e z a d e N o ë l e C h a p s a l, e o u t r a s d e i g u a l j a e z , q u e
c i t ã o in o - c n u a m e n te c o m o adjectivos qualificativos : am­
bassadeur {embaixador), gouverneur {governador), serviteur
(servidor), auteur {autor), pirofesseur {professor), etc., etc., eic.
S ó f a l t a v a a c c r e s c e n t a r : père {pai), empereur {imperador),
roi {rei)... e q u a n t o s u b s t a n t i v o m a s c u l in o t e m c o r r e l a t i v o
f e m in in o T a e s s u b s t a n t i v o s s ã o g e r a l i n e n t e o s q u e d e s i-
ffn ã o a s p e s s o a s p e lo s e u e s t a d o s o c ia l, e o s a n im a e s p e lo
s e u g e n e r o d e n t r o d a e s p e c ie . E x . Benedicto, Benedicta; —
0 esposo, a esposa; — o irmão, a irmãa; — o marquez, a
marqueza; — o professor, a professora; — o cozinheiro, a cozi-
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 149

nheira ; — o gato, a gata ; — o coelho, a coelha ; — o leão, a


leoa, etc.
190. Nesta assimilação de variabilidade entre substan­
tivos e adjcctivos dá-se, todavia, uma excepção que merece
reparo ; pois, ao passo que os adjectivos terminados em e,
como leve, grave, etc., não mudão passando do masculino
para o feminino, os substantivos, no mesmo caso, trocão
geralmente e por a . E x. O 'parente, a parenta ; — o mestre,
a mestra; — 0 infante, a infanta; — o hospede, a hospeda]
— 0 freire, a freira, etc.
191. Alguns outros substantivos da mesma categoria
formão o seu feminino por modos notavelmente irregu­
lares; os principaes são: O autocrata, a autocratiz; — o%n-
perador, a imperatriz; o rei, a rainha; — o sultão, a sultana ;
— 0 principe, a princeza ; — o duque, a duqueza ; — o conde,
a condessa; — o visconde, a viscondessa; — o barão, a haro-
neza; — o embaixador, a embaixatriz; — o abbade, a abbadessa;
— 0 prior, a prioreza ; — o propheta, a prophetiza ; — o sa­
cerdote, a sacerdotiza ; — o diacono, a diaconiza; — o poeta,
a p)oetiza; — o actor, a actriz ; — o q^atrão, a qmtróa ; — o
ladrão,-a ladra, ladrôa ou ladrona.

DA FORMAÇÃO DO PLURAL r&à


NOS A D JE C T IV O S Q U A L IF IC A T IV O S

192. Os adjectivos qualificativos formão o seu plural


como os substantivos de terminação correspondente. São
exceptuados:
1.“ Os adjectivos em il, dos quaes só os do terminação
forte, como^ vil, hostil, pueril, infantil, ote., formão o seu
plural cm ís, — vís, hostis, pueris, infantis, etc., ao passo
que os do terminação fraca, como debil, fértil, futil, habil,
etc., o formão cm e i s , — debeis, ferteis, futeis, hábeis, ei(\
2° Os seguintes adjectivos cm Ão que se desenvolvem
nas suas quatro formas pelo modo que se segue:
SINGULAR PLURAL
Masc. Fern. Masc. Fern
alie mão, allemãa. allemães. allemãas ;
catalão, catalãa. catalãos. catalãas;
chão, cliãa. chãos. cbãas ;
rabão. rabo na. rabãos. rabonas;
são, sãa. sãos. sãas ;
temporão, temporãa. temporãos. tem])orãas
vão. vãa. vãos. vãas.
M
'

150 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

OBSERVAÇÕES

SOBRE OS ADJECTIVOS QUALIFICATIVOS


193. Assim como os determinativos deixando de ser
adjectivos passão a ser pronomes, assim também os quali­
ficativos deixando de exercer as funeções de apposição ou
de predicado para assumirem directamente as de sujeito
ou de complemento tornão-se substantivos. O seguinte
exemplo, tanto melhor se presta á demonstração do caso,
que, junto a dous adjectivos determinativos passados a
pronomes, adduz dous adjectivos qualificativos passados a
substantivos.
« O Senhor obrava os seus milagres em presença de
MUITOS e de poucos (j^ron.), de sábios e de ignorantes
(subst.). — (João Franco Barreto).
Com os qualificativos compartem a mesma propriedade
os partieipios variaveis. Ex. Vejão os odiados o u pensio­
nados do odio se se devem prezar ou offender de ter inimigos!
(P. Ant. Vieira).
Estes substantivos adventicios aceitão, aliás, o amparo
de outro qualificativo ou participio como apposição, ou o
do complemento indirecto proprio dos substantivos ge-
nuinos (com a prepos. de). E x . Não ha veliia tão carre­
gada de annos, nem velho de tão podres ' i^mbros e/ue
não tenha o coração são jmra cuidar ruindades, e a lingua
inteira para dizer mentiras. (P. Ant. Vieira). — « Oh! Se­
nhor I como tudo isto me está, com mudas vozes, significando
o ACERTADO DE VOSSAS DISPOSIÇÕES, O ROBUSTO DE VOSSO
BRAÇO, e O IMMOVEL DE VOSSO THRONO! (P. Man. Ber­
nard cs).
Entretanto, mesmo neste novo estado, não perdem
elles a faculdade inlierente á sua qualidade originaria ou
adjectival de assumirem os diversos gráos de significação.
Ex. E todos os MAIS RICOS e abundantes do mundo,
para onde vão? (P. Ant. Vieira).
Frei Thomaz da Costa fazia derreter em lagrimas até os
MAIS DESCOMPOSTOS na vida. (Fr. Luiz de Souza).
194. Por uma compensação natural, os mais genuinos
substantivos podem vir a ser accidentalmente adjectivos
qualificativos. O caso se dá todas as vezes que, deixando
de designar um ente, passão a exprimir uma qualificação.
Ex. « Oh! soldado mais valente, mais guerreiro, mais gene­
roso, mais prudente e mais soldado que eu ! (P. Ant. Vieira).
— Com mulheres não sabe o homem como ha de haver-se... se
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 151

as frequenta, é mais que louco; se não as frequenta, é menos


que HOMEM. (P. Ant. Vieira). — Tudo isto sahe do sangue e
do suor dos tristes índios, aos quaes trata como tÃo escravos
SEUS, que nenhum tem liberdade, nem qmra deixar de servir a
eile, nem para poder servir a outrem. (P. Ant. Vieira). —
Os sujeitos de que falíamos, são mais declamadores que
MINISTROS. (Duarte Ribeiro de Maeedo). — Que tendes, que
possuis, que lavrais, que trabalhais que não houvesse de ser
necessário para o serviço de el rei, ou dos que se fazem mais
que REIS com este especioso pretexto! No mesmo dia havieis
de começar a ser feitores, e não senhores de toda a vossa
fazenda. (P. Ant. Vieira).

C A .I > I T U L O V

DO PRONOME
195. Pronome é uma palavra variavel que, substi­
tuindo-se aos substantivos, e até a pronomes de esjiecie
diversa, faz todas as funcções próprias do substantivo, eom
a dupla vantagem de aclarar a dicção pela simplificação
das formas, o de siiavisá-la pela eliminação de repetições
fastidiosas. Pois, a não haver pronomes, em vez de dizer-
se, por exemplo; « Horrorisado de si mesmo, o Iscariotes se
matou )), forçoso seria dizer: « Horrorisado do mesmo Isca­
riotes, 0 Iscariotes matou ao p>roprio Iscariotes », formula essa
que a usança dos pronomes torna simplesmente intolerável.
196. Porém a substituição dos substantivos pelos pro­
nomes verifica-se de dous modos bem diversos: em uns
casos, determinadamente; em outros, indeterminadamente.
Dahi duas especies de pronomes; os instáveis e os es­
táveis.
1.® A substituição é determinada quando o pronome
alliide claramente a um substantivo ou outro pronome an­
terior, ou ainda a um pronome ou substantivo apenas sub­
entendido. Tres exemplos bastão para a demonstração
destas varias hypotheses.
Primeiro exemplo :
E houve algum homem tão mimoso da fortuna neste
mundo, que, em alguma ou em todas as cousas delle, achasse
152 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Odescanso que buscava? N enhum. (P. Ant. Vieira). — Cada


um dos quatro pronomes ahi assignalados tem uma refe­
rencia innegavel a algum substantivo anterior : pois o pri­
meiro QUE allude evidentemente ao substantivo homem ( o
qual homem) ; — delle allude ao substantivo mundo (as
cousas do mundo) ; — o segundo que allude ao substantivo
DESCANSO (o quoil descanso) ; — emfim nenhuji allude não
menos claramente ao substantivo já uma vez substituido :
homem (Nenhum homem). — Os substantivos ou pronomes
assim representados por um pronome posterior cbamão-se
antecedentes.

Segundo exemplo ;
U ns para uma parte, outros para outra, todos estão
cansando-se em buscar o descanso, e todos estão cansados de
0 não achar. (P. Ant. Vieira). — Embora os quatro pro­
nomes ahi particularmente assignalados : uns, outros, todos
e todos, não se reíirão a nenhum substantivo ou pronome
anteriormente expresso, o espirito não vacilla, á vista do
teor da oração, cm assignar-lhes, como antecedente, o sub­
stantivo subentendido homens. Portanto, neste caso também,
póde-se considerar a substituição como determinada.
Terceiro exemplo :
Todos os QUE andais cansados, vinde a mim, diz Christo,
e eu vos alliviarei. (P. Ant. Vieira). — Eestabelecidos na sua
ordem lógica, os diversos pensamentos desta oração se suc-
cedem como se segue: « Christo diz: Vinde (vós) a mim
todos os QUE andais cansados, e eu vos alliviarei » — Embora
o trecho assim disposto não lucre nada em lucidez de ex­
pressão, todavia presta-se melhor a demonstrar que o ante­
cedente de QUE é o subentendido pronome vós, sujeito
occulto de VINDE (vós os QUAES andais cansados...).
Ora, por uma lei que lhes é a todos commum, os pro­
nomes desta especie, isto é, os instáveis, concordão com
0 seu antecedente, não só em genero e numero, senão tam­
bém em pessoa, para, por este modo, assignalar com mais
certeza a palavra por elles substituída.
Todavia esta concordância só se patenteia irrecusavel­
mente nos j^ronornes característicos de genero e numero
como o são DELLE e NENHUM no primeiro exemplo, e uns’
OUTROS e TODOS uo seguiido. (guando, ])oi’éra, como que,
nao sao característicos, nem de numero, nem de genero,
forçoso é, j)ara destrinçar nelles a concordância, soccorrer-
se ao processo da substituição (o qual, a qual, os quaes, as
quaes), ou a outras considerações não menos concludentes.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 153

Assim é quo o relativo que do terceiro exemplo não é só


masculino plural por ser convertivel em os quaes, mas ainda
porque o seu predicado cansados, que com elle necessaria­
mente concorda, ostenta o mesmo genero e numero. Além
disso deduz-se facilmente que o mesmo pronome assumiu a
segunda pessoa do plural por substituição a — vós, — pela
regencia que, como sujeito, exerce em andais, do mesmo
numero e pessoa. E assim se acha verificado o aphorismo:
Que todos os instáveis concordão com o seu antecedente
expresso ou subentendido, não só em genero c numero,
senão também em pessoa.
2.° O mesmo não se dá com os estáveis. Por falta
de um antecedente, quer expresso, quer subentendido, ao
qual se possão referir, ficão sendo tidos como substituindo
um substantivo indeterminado que em si mesmos cnccrrão;
mas, por isso mesmo, incapazes de concordância, perma­
necem impreterivelmente addidos a um só genero e numero,
que, fóra dos pronomes numeraes, é sempre o masculino
singular.
Exemplo:
Quem trabalha, trata da sua vida; quem O CIO SO ,

trata das alheias. (P. Ant. Vieira).


T udo é vaidade, excepto amar e servir a
Ant. Vieira).
Vestiu-se o sol de sangue, e o ar de luto; e quem diz
eque viu mais não viu nada. (Luiz Torres de Lima).
Alli NINGUÉM se queixa, nem da pobreza, nem dos acha­
ques, nem das paixões da alma, nem das misérias do mundo.
(P. Man. Consciência).
I sto de ter inimigos é uma semrazão ou injuria tão hon­
rada, que NINGUÉM se deve doer ou offender della. (P. Ant.
Vieira).
197. Considerados, porém, cm relação á sua signifi­
cação, os pronomes, quer instáveis, quer estáveis, repartem-
se cm seis classes: ospessoaes, os numeraes, os demonstrativos,
os possessivos, os relativos e os indefinites.

Dos pronomes pessoaes


198. São pessoaes os pronomes que, como sujeitos, con­
stituem as tres pessoas da dicção, quer no singular, quer no
plural, e que, como complementos ou predicados, as estão
recordando.
154 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

SINGULAR PLURAL
* pes. 2.“ pes. ‘
3.® pes. 1.“ pes. 2.®pes. 3.® pes.
eu. tu. elle (ella); nós. vós, elles (ellas). i
me. te. se ; nos. vos. se. !
mim. ti, si; nós. vós. si.
í

:! Ii
0 (a); os (as) 1(
Ibe ; lhes. i
elle (ella); elles (ellas). 1
0 [estav.)

199. A primeira linha abrange os referidos pronomes


no estado do sujeito, havendo tão sómente de notar-se que
NOS e vós, em tal caso, não prescindem do accento agudo.
Jiixemplo: °
Eu amo Nõ,‘i amamos
Tu amas Vós amais
Elle (ella) ama Elles (ellas) amão.

200. A segunda linha abrange pronomes no estado de


comidemento directo ou indirecto, porém, nesta segunda
hypothèse, com occultação da preposição a, sendo, aliás,
em um como no outro caso, obrigatória a eliminação do
accento agudo em nos e vos. E x.

PRIMEIRA HYPOTHESE
Eu me gabo (analyticamente) Gabo minha pessoa
Tu te gabas ” Gabas tua pessoa
Elle (ella) se gaba ” Gaba sua pessoa
Nós nos gabamos » Gabamos nossas pessoas
Vós vos gabais » Gabais vossas pessoas
Elles (ellas) se gabão ” Gabão suas pessoas.

SEGUNDA HYPOTHESE

Eu me attribuo um direito... (analyt.) á minha pessoa


Tu te attribues um direito... » á tua pessoa
Elle (ella) se attribue um direito... )) á sua pessoa
Nós nos attribuimos um direito... » ás nossas pessoas
Vós vos attribuís um direito... ás Amssas pessoas
Elles (ellas) se attribuem um direito.. ás suas pessoas

^ terceira linha abrange pronomes no estado de


complemento indirecto de preposição expressa, sondo que.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 155

cm ta l caso, nós c c vós não prescindem de accento agudo.


Ex.
Fallo em mim Falíamos enti’e nós
Fallas de ti Fallals contra vós
Falia por si Fallão de per si.

Observação.Achando-sc sob a regencia da preposição


COM, os mesmos pronomes contraliem-sc como se segue:
commigo^ comtigo, comsigo,
comnoseo, comvosco, comsígo.
202. O pronome da quarta linha (o, a , os, as), cara-
eterisado pela faculdade de se deixar antepor ou pos])ôr ao
verbo, não exerce senão uma unica fuiicção, a de comple­
mento directo, sendo por isso siiramamcnte proprio para a
discriminação dos verbos activos; pois basta que possa ser
adduzido, em sentido complementario, junto a um verbo,
para valer-lhe esta qualificação. Ex.
Ama 0 teu inimigo; porque, se o não queres amar porque
é inimigo, déve-j.o amar porque é homem. (P. Ant. Vieira).—
(... porque, se não queres amá-lo porque é inimigo, deves
AMÁ-LO porque é homem).
Com mulheres não sabe o homem como ha de haver-se;
se não as ama, ím-NO j)or néscio; se as ama, por leviano;
se AS deixa, por coharde; se as segue, por perdido; se as
serve, 7ião o estimão; se as não serve, o aborrecem; se as
quer, não o querem; se as não quer, o perseguem. (P. Ant.
Vieira).
N ota. E’ peculiar deste pronome, não só ligar-se ao
verbo immcdiatamente anterior pela risca de união Ç/i’ teu
inimigo, porém ama-o), senão também apparecer em certos
c determinados casos, de que em outra jiarte tratar-sc-ha,
sob as fôrmas lo, la, los, las (... déve-i.o amar...), c no,
NA, NOS, nas (... ím-No poi' nescio...), cm virtude de duas
figuras de dicção chamadas anthitese e próthese.
203. O pronome da quinta linha (lhe, liies), corres­
pondendo analyticamente ás locuções a elle, a ella, a
ELLES, A ELLAS, não ó nem póde ser senão complemento
indirecto de preposição occulta. Ex.
Sabeis porque vos querem mal vossos inimigos 9 Ordina­
riamente é porque vêm em vós algum bem que elles quizerão
ter e liies falta ( a elles).
A quem não tem bens, ninguém liie quer mal ( a elle).
— (P. Ant. Vieira).
156 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

204. O pronome da sexta linha ( elle, ella, — elles


ELLAS) ahi apparece segregado para significar que, sendo
também passivel da regencia de uma prei)osição, torna-se
neste estado, complemento indirecto. Ex.
Oh! quanta verdade é que a figura deste mundo sempre
esta passando, e nós co3i ella. (P. Man. Eernardes).
Sendo de ou em as preposições que o regem, o mesmo
jíronome com cilas se contrahe como se segue:
delle, delia, delles, delias:
nelle, nella, nelles, nellas.
Exemj)los :
Taes são os be?is da fortuna, que carecer DELLES é mi-
seria, e possuí-los, perigo. (P. Ant. Vieira).
Cabe ira n'uma formiga; e basta que a natureza vtva
„..ccc.c viva
naquelles átomos, para que n e l l e s ofendida se dóa, n e l l e s
satisfação de sua injuria. (P.

205.^ O p e sso a l iso lad o da s é tim a lin h a (o e s t á v e l ')


c a r a c te r is a d o , com o o seu h o m o n y m o — o — p e la
ía c u ld a d e de ir a n te p o s to ou p o sp o sto ao v e rb o , c n e s te
u ltim o caso , de lig a r-se a elle p e la r is c a de u n iã o , em fim
de p r e s ta r-s e ig u a lm e n te á antithese c á próthese, d iffere
to d a v ia do instável, n ão só p e la su a p e r m a n ê n c ia n o m a s ­
cu lin o sin g u la r, com o a in d a p o r c o n s titu ir , a lé m do um
co m p le m e n to d ir e c to ju n t o a um v e rb o do a c çã o , ta m b é m
um p re d ic a d o ju n t o a um v e rb o de esta d o . Ex.

^(CoMPLEM. DIR.) Com estas abonações do juizo de Deos


emtiou ^ n o juizo dos homens: e, como vos parece aue
sahiria delle f 1 ) i s s e -o Christo no capitulo terceiro de S João-

T iê iS r
( P r e d ic a d o ). Oh! que boa lembrança para a mesa do<^
pnnetpes, e dos que o não sÃo! (P. Ant. Vieira).
differcnça fundamental que separa o pessoal instável
0 — do seu homonymo estável, deve ser procurada no
modo por que cada um delles procede na substituição
])i‘oj)ria de todos os pronomes. ^
O instável — o — sempre e necessariamente recorda um
i mibstantivo ou outro pronome claramcntc determinado.

Finalmente, o memo Deos condemna o meu inim igo por-

i'. . .1 i
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 157

que é meu inimigo: pois, se Deos o condemna e ahoirece,


Iorque o hei de Jm areu? (P. Ant. Vieira) - (Jue ambos
OS instáveis deste exemplo igmilmente alludem ao substan­
tivo anterior « o meu inimigo », e com elle concordao cm
P-enero e numero, torna-o evidente o processo da substi­
tuição: Finalmente, o mesmo Deos condemna os meus ini­
migos porgue são meus inimigos: pois, se Deos os condemna
e aborrece, porgue os hei de amar eu ? »
O estável— o —, pelo contrario, quer seja complemento
directo, quer seja predicado, porta-se de modo muito di­
verso.
Como complemento directo, nunca se dirige pela reíe-
rcncia a um substantivo ou pronome determinado e sim a
u m pensamento todo, ou ao menos a um conjnncto de pa­
lavras onde nenhuma se presta a servir-lhe particiilarmcntc
de antecedente, sendo o mesmo pronome
supprivel em tal caso, com bastante propriedade pelo de­
monstrativo também estável isto, como mais adiante pro\ai-
se-ha. Ex.
Accende e provoca esta batalha a trombeta da fama
dizendo e bradando gue é honra. Doe-se da parte do odio e
da vinqança o mundo todo, gue assim o manda, gue assim o
fulaa qTe a^^^^^^ o applaude, que assim o tem estabelecido por
fV^ Aut Vieira\ — (••. assim manda isto, gue assim
julga isto, que assim applaude isto, gue assim tem
*is'/o vor lei\ — E tanto se verifica a nenhuma_leíeiencia
do m^smo pronome a algum substantivo determinado, que,
sendo todos os mencionados substantivos transferidos ^ i a
o nlural com nenhum delles vem a concordar o estável o.
« Doem se da parte dos odios e das vinganças os homens todos,
q £ Z ! m ônandão, que assim o julqão, que assm o applau-
dem, gue assm o têm estabelecido por lei. »
Sendo predicado, a condição em que se acha o mesmo
“sur“ir xxrx “nrxri.a
S S ne
’riavòl, ou quando muito um substantivo adjoctivaclo. Ex.
No P. Antonio Vieira, tudo é oabto «us
na phrase. (D. Franc. Alexandre Lobo). — (.•• tudo
na phrase'). ,
Autores ha que se persuadem não - - f
de semelhantes recreações; mas, “ ^ 0100-
sabemos que tem outras muitas e mawres. Ç . hían. Lonscien
cia)._(... mas, quando esteja riuvAno destas...).
w

158
nova GRAx
AIMATICA a n a ly tic a

desse uma satisfaçào publica mandasse que se me


(P. Aiit. Vieira).^— ^ ® a affronta,
fronta). publica tinha sido a af-

Vieira falk ïo s oração, em que o P. Ant.


anteriormeute aventada nní ^ confirmar a allegação
o pessoal e s t a v d - o í ^ S s^o^rl" di?eeto,
de ISTO. « a ; se isto wL , - equivalente
porque é tal o docTvenZ r lT L cs reis, é
vidos, lhes cega também es 1 /7, -g^f’ entrando pelos ou-
quo se dissesse elm n n - l^ois nada obstaría a
clarament:toZ V^opnodaéo : « PJ, se o não

Dos pronomes numeraes

cardeaes, e^mai^^l^distribl^f^^^^^^;^® adjectives numeraes


Pgados de todo e qulllue, Z ^^s-
exercem de per si^ mesmos P^’onome,
complemento. Ex. íancçoes de sujeito ou de

àiz assim : « Tal


com que armarei vJsos b r L t oxT v IÍ ««/«'fo
. . o . a í ’J z p i
cequir e ?“« soubeste
dado, que soubeste eyisinar a ^ ^ ^ sabio sol-
tocárão a recolher a tenwo e Z v ^ ^^^íbos
tona, porque fizerão a A / oA ,S L 2 “ (7 X n r

n o m e ^ M m e r A 'l l r a m b ï î u o f * ^ ^ ^ oa p ro -
ío m e 0 caao, já a esta, já ^ á q je íír c a te p ii^ ^ ^ “ “ ” ’

a D e n Z m m Z lS te ° ’ ^ abstraeto, não alludem

DOUS, V «/são‘^da “ /wtier união; em


Vieira). Joi pode haver união. (P. Ant.

pondem Porma^hnenTe^a^lun^°rÍ^\”^ concreto, corres-


qual recebem o genero e numelo. Ex."'' do

ouecefeJZ rT ão ^Z Z o Z Z
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 159

dividido. Mas, se não houver mais que um, veriha que


governe tudo, e trate do serviço de Vossa Majestade, ( i .
Vieira).
^6 UM só destes poderosos tendes experimentado tantas
vezes, que bastou para assolar o Estado, que fariao tantos.
(P. Ant. Vieira).

Dos pronomes demonstrativos


208. São pronomes demonstrativos, não só os mesmos
adjectivos demonstrativos quando desligados de todo e qual­
quer substantivo ou outro pronome, senão
alguns vocábulos que com elles se aparentao pelo scntid ,
ou delles procedem por derivação. Uns sao instáveis,
outros estáveis.
209. Os instáveis são:
1."
este, a, es, as; est'outro, a, os, as.
esse, a, es, as; ess'outro, a, os, as.
aquelle, a, es, as; aquelVoutro, a, os, as.

Exemplos ;
Tudo está fervendo em movimentos que acabão e come-
ção-... aquelle; eantão, e dalli a pouco chorão; est’outros
Ihorão, e dalli a pouco eantão. (P. Man. Bernardes).
De que serve opprimir e afogar ao miserável qy^cind^ por
mais aue 0 apertem, não paga porque nao tem?...
tura, a fome ^do pobre é prato do rico ^ ou o padecei aquel ,
e arrecadar este? (P. Man. Bernardes).

Oj Ctj OS) dS»


Este vocábulo é pronome demonstrativo quando sen^^^

indirecto, predicado ou apposiçao. Ex.


Quantos forão mais venturosos com seus erros, que outros
160
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Z,'ZeZXptaS:ZeZZ- orr^
trabalhou, o w i suUu h acertou, o qüe

z z z F J l S i
ainda r,ue eejào Z Z Z l Ï Z y S Z ' ""
ÿiÿante... AQui:r,i,E âa estaiwa ) ~ ‘^ - -^«uelle *
Bo o i i 'o t r : r °
pessoal instável, ofterecc o meivf^^ ^ tomonymo
mente exercitar-se a discriminar nm

gastais; o do tempo, porque Zerdei^ ■ Parque o


AS multiplicaes. (P . init.^YieiiS^ Z r porque
porque gastai-iuo: aquelle dotpmrnn ^'" dinheiro,
das passadas, porque multiplicaZm)
0 - verbo,

BC P..sta . i .„oSifloaçbori: S a^

mepaZZTdiZl7ZfaVcf-VZlT-
que podeim \^, Ant.^Tieü-a)^^ poder os que querem mais do

de verdade, d e ^ q u Z ^ iT u Z ^ Z ^ Z '
(P. Ant. Vieira). senhores de tudo.

mesmas contracçõ^es l^qií*S íãr'suterte Passíveis das


qualidade de adiectHmrdemnLf '^r pnmeiros, na
de artigo definito demonstrativos, e o segundo na

deste, a, es, as;


desfoutro, a, os, as.
desse, a, es, as;
dess’outro, a, os, as.
daquelle, a, es, as;
daquell’outro, a, os, as.
neste, a, es, as;
nesVoutro, a, os, as.
nesse, a, es, as;
ness'outro, a, os, as.
naquelle, a, es, as;
naqueWoutro, a, os, as.
àquelle, a, es, as ;
dqueWoutro, a, os, as.

i. ~
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 161

Ex. O que eu poupo, e o que não gasto, não é meu : é


DAQUELLEs a quem eu o hei de deixar, e depois o hão de
gastar muito alegremente. (P. Ant. Vieira).
Destes dous mandamentos nascem todos os outros, porque
NESTES estão todos encerrados. (D. Er. Bartholomeu dos Mar­
tyres).
Entre todas as idades, como a puericia e a adolescência
estão expostas a mais riscos, tamhem são as que mais neces-
sitão de documentos. Importa summamente áquella ter vir­ o

tuosos exordios. (P. M. Conseiencia).


2 .»
ao. á. aos. ás.
do. da. dos, das.
no. na. nos. nas.
pelo. pela. pelos, pelas.

Ex. A quem attribuir tudo isso ? Aos lisoyijeiros e adula­


dores de dentro ; aos que têm as ejitradas francas, e as chaves
tão douradas como as linguas; aos que participão os segredos
e arcanos da monarchia. (P. Ant. Vieira).
O cornaca tinha um laço que mettia em uma das mãos ao
elephante bravo, e o enleiava Á do mesmo Ortelâ, ficando
ambos presos. (João Ei beiro).
Que diz Pythagoras ? « Gosta antes dos que te argúem,
que DOS que te adulâo. » (P. Ant. Vieira).
« Não me admiro tanto. Senhor, de que hajais de consentir
semelhantes aggravas e affrontas nas vossas imagens, pois já
as permittistes em vosso sacratíssimo corpo; mas, nas de
Maria, nas de vossa santíssima Mãi, não sei como isto póde
estar com a piedade e amor de filho! » (P. Ant. Vieira).
Estes jogos e estes desenfiados, sim ; e o das cartas troque-
se PELO da carta. (P. Ant. Vieira).
211. Os estáveis são :
1."
isto. isso, aquillo.
Ex. Pois ISTO por que todos trabalhão, hei de ensinar
hoje 0 modo com que se possa alcançar sem trabalho. (P. Ant.
Vieira).
Se 0 rei está benigno e humano, para isso tem rosto de
homem. (P. Ant. Vieira).
Í6á iíOVA GRAMMATÍCA a Ma l YTÍCA

A qüillo que amaveis e admiráveis, não era o eorpò, era


a alma. (P. Ant. Vieira).

2.“ 0.

Este vocábulo é pronome demonstrativo estável quando,


sendo analyticamente convertivel em aquillo, apparece
seguido do relativo que, ou de um complemento indirecto.
Diífere do seu bomonymo pessoal, que só póde constituir
um complemento directo ou um predicado, pela faculdade
de exercer, não só estas, como todas as mais funcções
proprias dos pronomes em geral.
Ex. O QUE sustenta e conserva os reinos, é a união. (P.
Ant. Vieira). — (... A quillo que...).
N o dia do nascimento, ninguém póde saber o para que
nasce. (P. Ant. Vieira). — (... aquillo para que...).
Os seguintes trechos, em que juntamente occorre o re"
ferido pronome com o estável pessoal, oífereec o meio pra'
tico de discriminar um do outro.
O que eu poupo, e o que eu não gasto, não é meu: é
daquelles a quem eu o hei de deixar, e depois o hão de gastar
muito alegremente. ( P . A n t . Vieira).— ( A q u il l o que eu poupo,
e AQUILLO que eu não gasto, não é meu: é daquelles a quem
hei de deixa-ijO, e depois hão de gastâ-1.0 mui alegremente).
O que desigualou 0 poder, póde-o supprir a arte; o que
errou a mesma arte, póde-o emendar a fortuna; mas 0 que se
intentou sem conselho, ainda que o favoreça 0 acaso, nunca é
victoria. (P. Ant. Vieira).— (A quillo que desigualou o poder,
póde suppri-^LO a arte; aquillo que errou a mesma arte, póde
emendá-1.0 a fortu n a ; mas aquillo que se intentou sem con­
selho, ainda que favoreça-o 0 acaso, nunca é victoria).
Aliás reverte também a este pronome, como ao de­
monstrativo instável, a interdicção de se ligar ao verbo
anterior pela risca de união, assim como de se prestar á
antithese ou á próthese. Ex.
(A o pretendente), se lhe não podeis dar o que lhe negais,
quem lhe ha de restituir o que lhe perdeis? (P. Ant.
Vieira).
Estes são os aduladores, que louvão o que não deverão
louvar, e applaudem o que não devêrão applaudir, e ajudão
o que devêrão estorvar. (P. Ant. Vieira).
212. Todos estes estáveis se contrahem do mesmo
modo e nas mesmas circumstancias como os instáveis com
que ficão aparentados pela procedência;

I
l^RÜÍÊIRA ^ARTÈ - tíXlCotOGÍÀ

disto, disso, d a q u illo ;


n isto , nisso, naqu illo ;
áquitlo.

Ex. Não reparo agora em que o Senhor offirme que mais


erão aquelles dous ceitis do que aquelVoutras offertas maiores;
porque logo elle mesmo deu a razão dissq,. co7nparando o que
ficava aos ricos, que era muito, com o que ficava áquella pobre,
que era nada.
No que reparo, é que o Senhor convocasse a seus discí­
pulos para que nisso mesmo reparassem, e levassem doutrina.
(P. Man. Bcrnardes).
Com os dissbnulados, não é tanto áquillo que dizem,
como ÁQUILLO que calão, que convém dar apreço.

do, 710, pelo.

Ex. Se, no nascimento de Judas e Dbnas, se levantasse


figura certa ao que cada um havia de ser em sua vida, a do
primeiro diria que havia de ser apostolo, e a do segundo, que
havia de ser ladrão. (P. Ant. Vieira).
A dilação são dous males; o desengano sem dilação é um
mal temperado com um bem, porque, se me não dais o que
peço, ao menos livrais-me do que padeço. (P. Ant. Vieira).
Não nos enganára o demonio com o mundo, se nós ví­
ramos e conhecêramos bem o que é a alma. Mas, já que não
a pudemos ver em si, vejamo-la em nós; no que o corpo ha de
ser, vejamos o que ella é. (P. Ant. Vieira).
Bc7n disse S. Ambrosio que mais valia um dinheiro tirado
do pouco, que um thesouro tirado do máximo; porque se ha
de fazer o computo não pelo que se dá, senão pelo que re­
manesce. (P. Man. Bernardcs).

Dos pronomes possessivos


213. São pronomes possessivos os mesmos adjectivos
possessivos quando, desligados de todo e qualquer substan­
tivo ou pronome, exercem de per si mesmos as funcções
de sujeito ou de complemento, já com anteposição do artigo
definito, já sem elle.
Assim é que, no seguinte exemplo, onde se agglomerão
nada menos de seis possessivos, um só, por constituir o su-
164 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

jeito de um verbo elidido, pode ser qualificado de pronome;


08 outros cinco são meros adjectivos, um como apposição,
08 demais como predicados.

(No jogo) perde-se a amizade, porque, quando jogamos


com um amigo, a nossa tenção é que o que é seu, seja nosso;
e A SUA, que o que é nosso, seja seu. (P. Ant. Vieira). —
(... a NOSSA tenção é — que aquillo seja nosso, — que é seu;
e A SUA (e ) — que aquillo seja seu, — que é nosso).
214. Em relação á instabilidade ou estabilidade, os pro­
nomes possessivos são ambiguos, visto como pertencem ]á
á primeira, já á segunda destas categorias conforme al-
ludem ou não alludem a um antecedente expresso ou sub­
entendido.
Exemplos:
(P osses, estav.) N oprincipio do mundo, como grave­
mente pondera Seneca, porque não houve guerras? Porque
usavão os homens da terra como do céo. 0 sol, a lua, as es-
trellas, e o uso da sua luz é commum a todos; e assim era a
teira no principio. Porém, depois que a terra se dividiu em
differentes senhores, logo houve guerras e batalhas, e se acabou
a paz porque houve 3ieu e teu. Que direi dos meios e dos
remedies, das industrias, das artes e instrumentos que os ho­
mens têm inventado para que cada um podesse possuir e lograr
0 SEU, segura e quietamente, mas sem proveito? (P. Ant.
Vieira).
(P osses, instav.) Para guardar os reinos e os impérios,
inventarão as armadas por mar, e os exercitos por terra:
tantos mil soldados a pé, tantos mil a cavallo, com tanta
ordem e discipliria, com tanta variedade de armas, com tantos
artificies e machinas bellicas. Mas nenhum destes apparatos
tão estrondosos e formidáveis tem bastado, nem para que os
Assyrios guardassem o seu império dos Persas, nem os Persas ■
0 SEU dos Gregos, nem os Gregos o seu dos Romanos, nem
os Romanos finalmente o seu daquelles a quem o tinhão to­
mado, tornando a ser vencidos dos mesmos que tinhão vencido
e dominado. (P. Ant. Vieira).
I Nós contámos então â honrada dona tudo o como se pas-
sára, mas que não conhecêramos que gente era a que nos fizera
aquillo, nem sabiamos a razão por que no-lo fizera. A isto
respondêrão os seus que aquelle junco grande que diziamos,
I' era de um mouro guzarate. (Fernão Mendes Pinto).
tv ■

V■
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 165

Dos pronomes relativos


215. Os pronomes relativos são só tres: que, quem, e
o QUAL, A QUAL, OS QUAES, AS QUAES.
Ex. Os ladrões que mais própria e dignamente merecem
este titulo, são aquelles a quem o s reis encommendão os exér­
citos e legiões, ou o governo das provincias, ou a administração
das cidades, os quaes, já com manha, já com força, roubão e
despojão os povos. (P. Ant. Vieira).
216. Assim como o declara o seu appellido de relativos,
estes pronomes ficão terminantemente caracterisados por
uma imprescindível referencia a um antecedente expresso
ou apenas subentendido, sendo este necessariamente, ou um
substantivo, ou um pronome de especie diversa, ao qual
tomão, não só o genero g numero, senão também a pessoa.
Exemplo:
Donde tantos prestimos e utilidades, senão de vós. Senhor,
que não OBRAIS cousa dehalde, e vazia de virtude! (P. Man.
Bernardes). — (... de vós que não obrais cousa dehalde..,').
217. São, portanto, instáveis por natureza, embora
só o ultimo seja característico de numero c genero, graças
á adjuncção constante do artigo definito. Todavia mesmo
os dous primeiros não se negão a ser praticamente discri­
minados de seus homonymos pelo processo da substituição:
pois, sendo analyticamente convertiveis em uma das quatro
fôrmas do seu ultimo congenere (o qual, a qual, os quaes,
as quaes), signal é que são relativos, (üs ladrões os quaes
mais própria e dignamente merecem este titulo, são aquelles
os QUAES os reis encommendão...).
O seguinte exemplo completa a demonstração, apre­
sentando o caso de um antecedente apenas subentendido.
« Senhores meus, que tão desvelados andais todos, e tão
esfaimados por ter de comer, e por deixar de comer a vossos
filhos, seguí e serví a Christo, e eu vos asseguro da sua parte
que, nem a vós, nem a elles, lhes faltará pão. » (P. Ant.
Vieira).
Ahi avoca tão claramente a interpellação « Senhores
meus », a idéa que o discurso subsequente vai dirigido a
umas segundas pessoas do plural, que o espirito não hesita
em ajuntar mentalmente á mesma interpellação o pronome
— vós — , sujeito eífectivo de dous imperativos « seguí o
serví », e, da mesma feita, antecedente de que, ao qual
confere assim as propriedades de vocábulo masculino, da
segunda pessoa do plural, o que tudo ressumbra da concor-

st, A- ?V
166 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

dancia, com o mesmo que, do verbo andais, e do predicado


DESVELADOS (« Seukores meus, vós — (os quaes) que andais
tão desvelados... — segui e servi... »).
218. Dos tres referidos pronomes é que propriamente
0 relativo por excellencia, pois tanto se presta a substituir
entes como abstracções, pessoas como cousas. Deve ser,
portanto, preferido todas as vezes que, do seu uso, não
póde resultar falta de lucidez ou de euphonia.
219. O relativo que cede do seu direito, para tras­
passá-lo a QUEM, só e unicamente quando, tendo de repre­
sentar uma pessoa ou um ente personificado, haveria de
apparocer regido de uma preposição.
Exemplos:
Assim fazem os impios e maliciosos, a quem não ha in-
nocencia que satisfaça, nem desculpa que contente. (P. Man.
Bernardes). — (... aos quaes não ha innocencia...').
Forão inventores destes jogos Hercules, Pijtho, Thesêo e
outros heroes, de quem o s tomarão os Gregos e Romanos.
(P. Ant. Vieira). — (... dos quaes o s tomárão...).
Se um terceiro filho de el rei D. João o Primeiro foi o
que lançou a primeira pedra no edifício já tão levantado da
Igreja Oriental, o filho quarto de el rei D. Pedro o Segundo,
do mesmo sangue real, e de pais tão zelosos da propagação da
fé e piedade christãa, porque não será aquelle para quem
Deos tenha guardado o fechar as abobadas do mesmo edificio ?
(P. Ant. Vieira). — (... porque não será aquelle para o
QUAL Deos tenha guardado...').
Fóra destas tres condições: 1.“ scr convertivel em o
qual, a qual, os quaes, as quaes / — 2.° estar sob a regencia
de uma preposição; — 3." emfim ter um antecedente ex­
presso, quem não é mais j)i’onome relativo, e sim pronome
indefinito.
220. O relativo o qual se substitue a que ou quem
em seja qual fôr a funeção.
Exemplos :
Tal era aquelle rico avarento do Evangelho, o qual,
banqueteando-se todos os dias esplendidamente, nem se lembrava
de Deos, nem do pobre Lazar o que tinha diante de si. (Fr
Luiz de Granada).
Quizerão, diz a Sagrada Escriptura, as arvores fazer um
rei que as governasse, e forão offerecer o governo â oliveira, a
QUAL se excusou^ dizendo que não queria deixav 0 $eu oleo.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

com que se ungem os homens, e


Ant. Vieira).
Tudo isto salie do sangue e do suor dos tristes índios,
AOS QUAES trata como tão escravos seus, que nenhum tem li­
berdade, nem para deixar de servir a eile, nem para poder
servir a outrem. (P. Ant. Vieira).

Dos pronomes indefinites


221. São pronomes indefinites accidentaes:
l.° Os adjectives de mesmo appellido quando desligados
do todo e qualquer substantivo ou pronome (V. § 159 o
observações subsequentes), rosumindo-so o seu numero nos
seguintes :
Algum Mesmo Qualquer
Bastante Muito Quanto
Demais Nenhum Que
Fulano Outro Sicrano
Mais Pouco Tal
Menos Qual Tanto
Todos, todas.

2. '* O vocábulo um, uma quando, desligado de todo c


qualquer substantivo ou pronome, o quando, repugnando á
associação do só ou unico, não se recusa á feição do plural
( uns, umas).
Exemplos:
U m é affeiçoado á caça; e, quando os cães andão luzidios
e anafados, ver-lhe-heis os criados pallidos e mortos a fome.
(P. Ànt. Vieira).
Oh! que ponto este para os cubiçosos e para os ava­
rentos! Se eu os consultasse, a dies, do remedio para aecres-
centar pão, para multiplicar fazenda, uns havião de dizer que
negociar, e, melhor que tudo, negociar para o d\Taranhão. (P.
Ant. Vieira).
3. ° Os já referidos que, quem, qual.
(1 ) pronome indefinilo quando se deixa con­
Q ue é
verter em QUE cousA ou cousa que... ; e, em tal occurrcncia,
ó sempre estável.
Exemplos:
Q u e são as pérolas 'e os diamantes, senão uns vidros mais
duros f Que cousa são as galas, senão um engano de muitas
168 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

cores ? (P. Ant. Vieira). — (As perolas e os diamantes são


QUE COUSA...?).
Que tendes, quepossuis, que lavrais, que trabalhais que
não houvesse de ser necessário para serviço de el rei, ou dos
que se fazem mais do que reis com este especioso pretexto?
(P. Ant. Vieira). — ( Vós tendes, possuis, lavrais, trabalhais
QUE COUSA — A QUAL não houvesse de ser necessária...?).
E ' prognostico certo, confirmado pela experiencia, que não
virão a ter que comer os que frequentarem o diabolico invento
do jogo. (P. Ant. Vieira). — (... cousa que comer...).
Conta Plutarco que, passando um egypcio por uma rua
de Athenas, não sei com que debaixo da capa, lhe perguntara
um atheniense que era o que levava. (Diogo do Couto). —
(... QUE COUSA...).
Nascemos sem saber para que nascemos. (P. Ant. Vieira).
— (... para que cousa nascemos).
Lucullo, cidadão romano, homem riquissimo, mas muito
vanglorioso, gastava' em cada cêa, com os seus convidados,
cinco mil philippéos, que era um certo dobrão de ouro que
bateu Philippe, rei de Macedonia. (P. Man. Bernardes). —
(... COUSA QUE era um certo dobrão...).
E’ muito de notar que, alludindo por uma referencia
siimmaria a um pensamento anterior, o mesmo pronome
assume o artigo definito (o que), reproduzindo assim a
feição de um pronome demonstrativo seguido do seu rela­
tivo. Porém facil é desfazer qualquer duvida a tal respeito :
pois, sendo o que resoluvel em aquelle que ou aquillo que,
signal é que a locução abrange os dous pronomes mencio­
nados no § 209, ou no § 211; sendo resoluvel em cousa
que ou que cousa, signal é que a mesma locução não é
outra cousa senão o indefinito que precedido do artigo.
Exemplos :
A turca ia foliando com um mouro pobre, roto, esfarra­
pado e descalço, sem alguma cousa na cabeça, mas uma grande
grenha e cabelleira; o que a turca fazia por mostrar religião
6 santidade. (Pantaleão de Aveiro). — (... cousa que a
turca fazia...).
Encontrárão-me dous mancebos mouros bem valentes, a
cavallo, e, porque me virão só, mui asperamente me mandárão
que me apeasse por lhes fazer reverencia; o que eu não que­
rendo fazer, seforão a mim indignados. (Pantaleão de Aveiro).
— (... COUSA que eu não querendo fazer...). ^
PllIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA 16Í)

Chegárão uns criados do tw'co a quern vinhamos encom-


mcndados, e, juntamente com outros seus amigos, levando dos
alfanges, ferirão mui mal o turco e a seus companheiros;
PELO QUE acudiu logo gente da caravana pelos seus e por nós.
(Pantaleão do Aveiro).— (... p>or que cousa acudiu logo
gente...)
Além do artificio e regras de hem foliar, era el rei D.
Duarte naturalmente eloquente, pelo que eom sua humanidade
junta á eloqueneia, attrahia a si os eorações dos homens.
(Duarte Nunes de Leão). — (... por que cousa attrahia
a si...).
N ota. (^ue esta explicação não é nenhum expediente
de circumstancia, e sim a exposição de um })rincipio fun­
dado, domonstra-o de sobejo o seguinte exemplo :
(( O infante D. Luiz rendia profundas obediências e ve­
nerações a el rei seu irmão, causa por que este o amou
sempre muito. » (Fr. Franc, de S. Maria). — Pois nada obs-
taria a que a locução ahi assignalada fosse substituída ])elo
pronome indefinite que precedido do artigo: « ... pelo que
este 0 amou sempre muito. »
(2) Quem é pronome indefinite quando se deixa con­
verter analyticamente, ou em que homem, ou em homem
QUE, ou em AQUELLE QUE.
Exemplos:
Se alcança mais este com o seu engano que o outro com
a sua verdade, quem haverá que trabalhe f quem haverá que
se arrisque f quem haverá que peleje f (P. Ant. Vieira). —
(... QUE HOMEM hoverá...).
Quando David quiz sahir a pelejar com o gigante,... já
então não havia no mundo quem quizesse ser valente de graça.
(P. Ant. Vieira). — (... já então não havia no mundo homem
QUE quizesse...).
(^UEM não quer ser lobo, não lhe veste a pelle. (Pro­
vérbio). — (... A quelle QUE não quer ser lobo...).
Ao contrario do seu homonymo relativo, o indefinite
QUEM não está adstricto á unica condição de regime de
uma preposição, mas exerce, e até duplamente pela de­
composição syntaxica, todas as funeções próprias dos pro­
nomes em geral, porque é vocábulo contracto.
Exemplos:
A QUEM não tem bens, ninguém lhe quer mal. (P. Ant.
170 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Vieira). — {Ninguem quer mol ao iiomem — que não tem


hens).
Q uem ha de governor hem, deixa as suas raizes; quem
governa mal, arranca as dos suhditos, e só trata das suas.
(P. Ant. Vieira). — (A quelle deixa as suas raizes, — que
ha de governar hem; — aquelle arranca as dos suhditos, —
QUE governa mal...).
(3) Q ual , como pronome indefinito, é mero substan­
tivo dos mesmos pronomes indefinites que e quem todas
as vezes qiie o sentido destes, por nimiamente vago, dei­
xaria duvidoso 0 pensamento. Segue-se dahi que é elle
instável.
Exemplos;
(Por substituição a que ). Por isso eu lá dizia cque não
sei QUAL lhe fez sempre maior mal, ao Brazil, se a enfermi­
dade, se as trevas. (P. Aiit. Vieira). — (... não sei que
COUSA DE DUAS cousAs lhe fez...).
Se as cousas são pelos effeitos conhecidas, e elles teste-
munhão a excellencia ou maldade dellas, Ah o foi de maiores
males e damnos na redondeza, e mettendo os homens em mais
perigosos trabalhos que o ouro ? (Franc. Rodrigues Lobo). —
(... QUE COUSA 0 foi de maiores males...).
(Por substituição a quem). Folgai, Antiocho, de terdes
expei imentado os revezes da fortuna, e não julgueis ninguem
pelo que exteriormente parece. Q uaes, se por ahi fordes, os
maiores servos ^ de Peos, e os que com ejfusão de generoso
sangue, glorifica,rão seu unigenito Filho, vos parecerão mais
felizes f (I). l-'r. Amador Arraes).— (Q uem , — que homens ...
vos parecerão mais felizes?).
222. Sao pronomes indefinitos essenciaes, e conseguin­
temente sempre estáveis; alguém , ninguem , outrem , tudo
NADA. ’
Ex. Houve ALGUÉM que dissesse á oliveira que havia de
deixar as suas azeitonas, nem á figueira os seus figos, nem á
vide as suas uvas? N inguem . (P. Ant. Vieira).
Sómente lhes disserão e propuzerão que quizessem aceitar
0 goveino. Pois, se isso foi só o que lhes disserão e offerecerão,
e NINGUEM lhes fallou em haverem de deixar os seus fruetos,
poique^se excusão todas com os não quererem deixar? (P.

Saihamos agora, e não de outrem, senão das mesmas


ãvvores, se este hom governo, do modo que ellas o entendêrão,
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 171

se pôde conseguir e exercitar com as raizes na terra. (P. Ant.


Vieira).
« O que üi, disse Salomão, e achei em tudo, é que tudo
é vaidade, e afflicção de animo. » (P. Aiit. Vieira).
Despede-se o mundo sem dizer-nos nada. (P. Ant. Vieira).

Observações sobre tudo e nada.


223. T udo passa a ser mero adjectivo indefinito todas
as vezes que, junto a um pronome estável, vem a exercer
simplesmente a fimcção de apposição, o que se averigua
pela circumstancia de se deixar então eliminar da oração
sem estorvo do pensamento.
Exemplos :
T udo o que nasce na terra, o sol ou a chuva o cria.
(P. Ant. Vieira).— (O que nasce na terra...).
T udo isto que vemos com os olhos, é aquelle espirito su­
blime, ardente, grande, immenso: a alma. (P. Ant. Vieira).—
(I sto que vemos...).
T udo quanto houve, passou ; e tudo quanto é, jmssa.
(P. Ant. Vieira). — (Quanto houve, passou; e quanto é,
passa).
E assim se compõe aquella teia e casa, de aranha de oi­
tenta fios, o QUE TUDO é para que nada lhe escape. (Pr. João
de Ceita).— (...o que é para que nada lhe escape.
Verifica-se, aliás, do modo mais frisante, a allegação
adduzida, pelo seguinte exemplo ;
E ’ 0 alheio pontualmente como o vomitorio. Receita-vos^ o
medico um vomitorio, e, que vos acontece depois que o tomais'?^
Dançai-lo, a elle, e tudo o mais que tinhas dentro. Assun é
0 alheio. Guardai-vos de o metter no estomago, porque, pri-
meiramente, não vo-lo ha de lograr, e ha-vos de puxar, e levar
comsigo o mais que tiverdes nelle. (P. Ant. Vieira).
Pois, trocando-se um caso por outro, dir-sc-bia com
mesma propriedade :
« ... Lançai-lo, a elle, e o mais que Unheis dentro... e
ha-vos de puxar, e levar comsigo tudo o mais que tiverdes
nelle. »
Portanto é realmente tudo, nesta condição, não um
pronome, isto é, o representante de um substantivo, mas
um mero adjectivo, isto é, uma palavra até certo ponto
dispensável,

S5. -• .y
172 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

224.N ada, que lexicographos capituläo de substan-


advérbio, é por essencia jDronome
indennito, pela razão obvia que enuncia, em sentido nega­
tivo, a mesma idéa que tudo enuncia em sentido affir-
mativo.
Exemplos :
T udo me agrada. N ada me agrada. — Queremos tudo.
JSão queremos nada. — Fallão de tudo. Não folião de
NADA.
Apenas passa este vocábulo a assumir, mas excepcio­
nalmente, a accepção substantivai quando, precedido de um
artigo, designa cousa de pouca monta.
Ex. Quantos homens que se têm em conta de sérios, podem
divertir-se, como crianças, com uns nadas!
Ha também um caso em que, por sua referencia a um
participio, adjectivo ou advérbio, nada arremeda asfuncções
adverbiaes. ^

Mas ahi reproduz-se uma das mais frequentes ellipses


que e a da suppressão de uma preposição. Diz-se: nada
inferior, poi em nada inferior, como se sóe dizer ; Dormir
toda a noite, por durante toda a noite. E’, portanto, abi
simplesmente complemento indirecto de preposição occulta.
O mesmo se dá com tudo no seguinte exemplo :
T abóbadas, pilares e paredes são tudo cantaria. (Fr.
-Luiz de Souza). — (... são em tudo cantaria).
225. Além dos referidos pronomes indefinites, que
por constarem de uma só palavra, são simples, notão-se
ainda alguns que, por constarem de mais de uma, são
compostos. Deste numero são cada qual, cada um, quem
QUER QUE SEJA, O QUER QUE SEJA, CtC.
Exemplos:
Em qualquer palmo de terra que consideres attentamente,
TnnL e differentes naturezas, cada qual dotada de sua
ta d a ) ^ ■ “ ■ - (••• Qd a l é do-

Se os Apostolos form de animo avarento e acanhado e


quizerao comer os seus cinco pães, sahira menos de meio pão
a CADA um ; mas porque cada um deu o seu pedaço de pão
ficou com uma alcofa cheia. (P. Ant. Vieira) ^
226. Participio é uma palavra, já variavel, já inva­
riável, que, procedendo do verbo, a elle reverte muitas
vezes para a formação de tempos compostos, ou porta-se
em tudo como um mero adjectivo qualiíicativo.
Exemplos:
1.» Eu tenho ou hei
Tu tens » has
Elle (ella) tem » ha
hTós temos » havemos
Vós tendes )) haveis
Elles (ellas) têm » hão
Eu sou ou estou
Tu es » estás AMAUO, A ; RENDIDO, A ;
PUNIDO, A.
Elle (ella) é » está
Nós somos » estamos
AMADOS, AS; RENDIDOS, AS;
Vós sois )) estais PUNIDOS, AS.
Elles (ellas) são » estão
3.® que faz a mesma natureza, toda movida e go­
vernada mesmo Deos? Basta que viva naquelles átomos
para que, nelles offendida, se doa, nelles a g g r a v a d a , morda.
(P. Ant. Vieira).
227. N a realidade são só dous os p a rtic ip io s : o inva ­
riável e 0 VARIAVEL.
A dvertência. Por uma apreciação menos reflectida,
os gerúndios vierão, na primeira edição desta obra, incluidos
no numero dos participios; porém, mais detidamente exa­
minados nas suas relações syntaxicas, de tal modo se mos-
trárão aparentados com as diversas fôrmas do infinitivo,
como, aliás, opportunamente se verificará, que constituem-
lhe, nesta nova obra, o seu 5.® e 6.® tempo.
228. O participio é invariável junto a ter ou haver
(V. a exemplificação anterior sob n.° 1).
O participio é variavel junto a s e r o u esta r (V. a
174 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

exemplificação anterior sob o n,° 2), ou quando solto,


isto é, desprendido de todo e qualquer auxiliar (V. a exem­
plificação anterior sob n.° 3.
229. J unto a ser ou estar, o participio variavel con­
corda sempre em genero e numero com o sujeito dos
mesmos verbos, ou com o sujeito do verbo de que ser ou
ESTAR dependem como complementos, embora nem sempre
em tal occurrencia venbão os mesmos parlicipios a con­
stituir um predicado, como infundadameiite se pretende.
(V. a synlaxe do predicado).
Os lisongeiros e aduladores de dentro, os que só são
ADMiTTiuos a dizer e a ser ouvidos, estes são os que mais
se devêrão temer. (P. Aiit. Vieira).
A maior fatalidade dos reis é nascerem todos em signo
DE SER LOUVADOS (P. Ant. Vieira).
230. (guando apposições ou predicados, os participios
variaveis são, corno os adjectivos qualificativos, susceptiveis
de passar pelos diversos gráos de significação.
Exemplos :
Quantos vierão a servir porque quizerão ser mais servidos,
ou servidos de mais do que podião manter! (P. Ant. Vieira).
Subí do céo acima até ao mesmo Deos, e achareis que
elle é 0 que mais occupado está que todos em nosso sustento.
(P. Ant. Vieira).
£!, que maiores injurias da razão, da lei e da fé, que os
gentios convertidos a ella, por nos ficarem jiais sujeitos,
serem mais desprezados, mais opprimidos, mais captivos'
e talvez vendidos aos mesmos mouros! (P. Ant. Vieira). ’
Por uma^ consequência natural dessa assimilação
aos adjectivos qualificativos, os particijiios variaveis devem
também ser analyticarnente tidos como substantivados logo
que passão a exercer de per si mesmos as funeções próprias
dos substantivos. ^
Exemplos:
Vejão os ODIADOS, ou pensionados do odio se se devem
prezar ou offender de ter inimigos. (P. Ant. Vieira).
Seja a cólera do príncipe esperança dos opprimidos tP
Ant. Vieira). ‘
Oh! Creador amahilissimo! como tudo isto me está, com
vozes, significando o acertado de vossas disposições!
( i . JVlan. Bernardes).
í a»c»
M im é ir a RARTÉ - LRÍCICOLOGIA 1^0

XJma das cousas que mais assegurar podem a futura, feli­


cidade DOS CASADOS, 6 a proporção do casamento. (D. Franc.
Manoel de Mello).
232. Considerados na sua fórma, os participios, quer
variaveis, quer invariáveis, são regulares quando, na ordem
das tres conjugações normaes, acabão em ado, ido, ido
( amado, rendido, punido); acabando, porém, de outro
qualquer modo, são irregulares ( dito, feito, posto).
Quanto aos vocábulos de terminação ante, ente ou
inte, como estudante, exigente, ouvinte, que muitos gramma-
ticos não hesitárão incluir, sob vários appellidos, no nu­
mero dos participios, de nenhum modo pertencem a esta
especie de palavras; são meros substantivos ou adjectivos,
conforme os seus predicamentos ])articulares ou de funcção
lhes assignão esta ou aquella classe.
Porquanto a allegação que, por procederem de verbos,
devão os mesmos vocábulos ser tidos como ]iartici])ios, é
tão pouco concludente, que abrangeria por indueção um
sem numero de palavras reconhecidamente avessas a uma
tal classificação, como estudioso, exigivel, ouvidor, etc.
O que terminantemente caracterisa o participio, e o
discrimina de semelhantes palavras, é a propriedade de
formar, quando invariável, um sentido analyticamento in­
dissolúvel com os auxiliares ter ou iiaver {tenho ou hei
amado, — rendido, — punido'), e a do apresentar frequente­
mente a mesma indissolubilidade junto a ser ou estar,
isto é, do cada vez que, apezar de variavel, o participio
não constituo um predicado (somos havidos, fomos no­
meados, etc.). — V. a syntaxc do predicado.

233. A todos os verbos elementares competo necessa­


riamente o participio invariavcl, porque todos os seus
tempos compostos se formão com o concurso de ter ou
IIAVER.
O participio variavel, porém, só compete normalmente
aos activos, porque só delles é que sabem os combinados
passivos, em que, no decurso todo da conjugação, o au­
xiliar proeminente é ser ou estar (S omos amados, —
Temos sido amados, — E stão rendidos, — Têm estado ren­
didos).
Aos neutros, portanto, como viver; aos pronominaes
como queixar-se; e aos impessoaes como trovejar fallece de
todo a fórma variavel vivido, a, os, as, — queixado, a, os,
as, — trovejado, a, os, as, — porque, nem combinada com
SER ou ESTAR, ncm solta como apposição de um substan-
17G NOVA GRAMMATICA ANALYnCA

tivo ou pronome, tal forma acharia palavra com que travar


sentido. .
Entretanto, por uma consequência da volubilidade de
accepções a que se prestão muitos verbos, este principio
não^ é tão absoluto, que não tenha numerosas excepções.
Assim é que neutros como eiitrar, sahir, ir, vir, decahir,
nascer, etc., ou pronominaes como arrepender-se, sentar-se,
etc., ou mesmo imjDessoaes como chover, etc., não excluem
peremptoriamente o participio variavel.
Exemplos:
Embarcações 'entradas ou sahidas.... Tempos idos....
Noticias VINDAS... Nação decaiiida...
E stamos arrependidos... E stavão sentados...
Papeis chovidos das janellas.
Quando a vida humana, pela demasiada idade, torna á
fraqueza da infanda; quando a lingua enfastiada não sente
m já sabor nem gosto; os dentes, ou sÃo caiiidos o u nadão na
bocca... ninguém pòdx culpar que seja alliviado dos pesos
communs. (Fr. Luiz de Souza).
Os penedos d.aquella serrania parece que- estão a?neaçando
ruina, e cque forão chovidos ou feitos á mão e por industria
humana. (D. N. de Leão).
Mas, escajiando a toda e qualquer formula tbeorica
que as enfeixe sob uma consideração commum, estas e se­
melhantes excepções ficão do dominio exclusivo dos lexi-
co^raphos, a quem compete notificá-las nos diccionarios.
234. Outra difficuldade cuja solução, por accarretar
pormenoies tao peculiares quao variados, só tem também
natural cabimento nas exemplificações da Lexicoíçrapbia, é
a que diz respeito aos verbos dotados de duas fôrmas de
participio, uma regular, e outra irregular.
Poi quanto, em alguns verbos como pagar, a fórma re­
gular pagado, embora menos usada do que a irregular
pcigo, tanto se presta a constituir o participio variavel
como o invariável. ’
Em outros, porém, como prender, a fórma regular jprew-
dido apresenta-se como exclusivamente jiTopria do participio
invaiiavel (com ter ou haverf e a fórma irregular preso,
como exclusivamente j^Popria do jiarticipio variavel (com
ser ou estar).
Em outros, emfim, como surgir, a fórma regular sur-
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA

gido envolve um sentido bastante arredío do da forma


irregular surto, e pede, portanto referencias diversas.
Porém o que estas mesmas considerações demonstrão,
é a conveniência da discriminação dos participios em va­
riáveis e invariáveis, embora seja, na maior parte dos casos.
sua forma originaria uma mesma.

TABELLA DOS VEEBÜS


QUE TÊM PARTICIPIOS IRREGULARES.

V erbos. P. REOUL. P. IRREGUL.


Abrir, abrido. aberto.
Absolver, absolvido. absolto.
Absorver, absorvido. absorto.
Abstrabir, abstrabido. abstracto.
Accender, accendido. acceso.
Aceitar, aceitado. aceito.
Aífligir, aílligido. afflicto.
Cobrir, cobrido. coberto.
Concluir, concluido. concluso.
Conter, contido. conteúdo.
Contrabir, contrabido. contracto.
Contundir, contundido. contuso.
Convencer, convencido. convicto.
Corrigir, corrigido. correcto.
Corromper, corrompido. corrupto.
Dizer, (Falta), dito.
Eleger, eligido, eleito.
Entregar, entregado. entregue.
Envolver, envolvido. envolto.
Enxugar, enxugado. enxuto.
Erigir, erigido. erecto.
Escrever, escrevido. escripto.
Espargir, espargido. esparso.
Exceptuar, exceptuado. excepto.
Excluir, excluido. excluso.
Exliaurir, exbaurido. exbausto.
Expellir, expellido. expulso.
Extinguir, extinguido. extincto.
Fartar, fartado. farto. ,
Fazer, (Falta), feito.
Frigir, frigido, frito.
12
178 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

V erbos. P. REQL'L. P. IRREQUL


Gastar, gastado. gasto.
Imprimir, imprimido. impresso.
Incluir, incluido. incluso.
Incorrer, incorrido. incurso.
Infundir, infundido. infuso.
Interromper, interrompido. interrupto.
Introduzir, introduzido. introducto.
Juntar, juntado. junto.
Manter, mantido. manteúdo.
Matar, matado. morto.
Morrer, morrido. morto.
Pagar, pagado. pago.
Pôr, (Falta), posto.
Prender, prendido, preso.
Querer, querido. quisto.
Revolver, revolvido, revolto.
Romper, rompido. rôto.
Salvar, salvado. salvo.
Submergir, submergido. submerso.
Sujeitar, sujeitado. sujeito.
Supprimir, supprimido. suppresso.
Surgir, surgido. SUl’tO.
Suspender, suspendido. suspenso.
Tingir, tingido, tinto.
Ver, (Falta), visto.
Vir, (Falta), vindo.

Os verbos que destes procedem por augmento, assumem


as mesmas formas de participios como seus primitivos;
assim contrafazer (de fazer), contrafeito; predizer (de dizer),
predito; suppór (de pór), supposto; etc.

OA.I>ITULO V II
DA PREPOSIÇÃO
234. Preposição é uma palavra invariável que se in­
terpõe entre outras de especie diversa para marcar uma
relação.

ill
^ii
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 179

Perscrutada no seu sentido etymologico {palavra ante­


posta), a preposição designa fielmente a sua propriedade
mais caracteristiea, que é a de não apresentar de per si
mesma uma idéa apreciável, e sim tão somente com a ad-
juncção de uma palavra posterior, á qual se dá o appellido
de REGIME, e com a qual ella constitue um complemento
INDIRECTO.
Exemplo ;
Sò 0 saher do ( de o) iiomem é livre destes ( de estes)
PERIGOS, porque nem o tempo o gasta, ou a morte o senhorêa;
e, COM ELLE, mediante a GRAÇA (livina, fazemos o caminho
PARA a GLORIA. (João dc PaiTos).
Dabi o aphorismo grammatical : « Não ha preposição
sem regime, nem complemento indirecto sem preposição. »
235. As palavras essencialmente proprias p ara servir
de regim e a um a preposição são: o substantivo , o pro ­
nome ou UM VERBO NO INFINITIVO.
Exemplos :
Não ha homem se :u coração, nem coração sem dese.tos.
(P. Ant. Vieira).
A cousa mais facil do mundo é dar conselho a outrem,
e a mais ardua é tomá-lo para si . (P. Ant. Vieira). ^
Despede-se o mundo sem dizer -wos nada, e saltêa-nos a
morte sem chamar primeiro á porta. (P. Ant. Vieira).
236. A preposição ostenta-se tam bém an tep o sta a um
ADVERBIO ou a UMA coNJUNCçÃo ; poróm assentou-se geral-
m ente, p a ra to rn a r m ais expeditos os processos de analyse,
em cham ar a taes conjunctos de palavras locuções adverbiaes
ou locuções conjunctivas.
Exemplos :
Que são as honras e dignidades? Eça real: por póra ,
hrazões e telas e luzes; por dentro, ?ipas de pinho, e lixo.
(P. Man. Bernardes).— {... p>or fóra e por dentro, locuç.
adv.).
Ame-vos eu. Senhor, para que despreze o mundo! Ame-
vos eu, Senhor, de todo o coração, para que me sujeite rí vossa
vontade! (P. Man. Bernardos). — (... para que, locuç. conj.).
237. As preposições dividem-se em constantes o em
accidentaes.
São proposições constantes os vocábulos que, a não for­
marem uma locução com outra palavra invariável, em caso
180 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

algum prescindem de um regime. Níío excedem de vinte


uma:
a, dentre. para.
afora. des. per.
ante. desde. perante.
após. durante. por.
com. em. sem.
contra. entre. sob.
de. mediante. sobre.
preposições accidentaes os vocábulos que, deixando
0
de actuar em um regime, revertem para uma especie de
palavras outra que a preposição. Seu numero é de oito:
até, salvo,
conforme, segundo,
excepto, supposto,
não obstante. visto.
238. Vindo duas preposições a actuar conjunctamente
em um mesmo regime, ellas formão uma p'eposiçao com­
posta.
Exemplos :
Mostremos no gesto modo grato e affavel p a r a c o m t o d o s ,
sem tristeza, porém sem puerilidade ou chocarrice. (P. Man.
Bernard es).
Nas entranhas dos montes onde nasce o ouro, até as aguas
que POR E N T R E AS V E IA S descem, sahem cruas. (Franc. Eo-
drigues Lobo).
O bservação Alguns escrevem a f ó r a em lugar de
.
; esta ultima forma, porém, é mais consentânea com
A FO R A
as leis da lexicograpbia.
Ex. Não ha anno que, (alli) não naveguem de mil juncos
para cima, a f o r a outros navios pequenos. (Fernão Mendes
Pinto).

OBSERVAÇÕES SOBRE AS PREPOSIÇÕES

239. A preposição c o m , seguida de uma palavra prin­


cipiando por vogal, com ella se deixa facultativamente
contrahir por archaismo, porém só no estylo poético.
Exemplo:
O homem co'a a invenção supera o bruto,
O impulso das paixões co'a razão doma.
(Borges de Barros).
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 181

K ota. Chamão-se archaismos, não só palavras ou


dicções antiquadas, como também certas reminiscencias do
latim ou do grego na construcção das orações.
Exemplo:
Venturoso tanibem [inda que as musas
Não te hajão esmaltado o nome e a fama),
Cabral, que a vez primeira os mares cruzas
Recém-sulcados pelo illustre Gama!
(... INDA — ainda ).
Outra não pode competir com ella,
Região fértil, rica e deleitosa;
Té lhe cedem a palma as celebradas
Media, Ophir, Tempe e as Ilhas Fortunadas.
(A nt. J . Viale).
(. . . T é = A té ).

Supposto, pois, que todos havemos de morrer (e todos imos


para a sepultura), o maior favor que Deos pôde conceder a
um mortal, é que morra e chegue lá mais tarde. (P. Ant.
Vieira). — (... imos = vamos...).
Os archaismos, quando escolhidos com tino, e empre­
gados com sobriedade, não são, nem erros, nem descuidos,
e sim antes realce do estylo.
Ora arehaismo é a alteração assignalada em refereneia
a COM, porquanto é mera reminiscencia da elisão que pra-
ticavão os latinos na recitação dos versos, quando uma
palavra, acabando por vogal ou por m, vinha a topar com
outra principiando por vogal ou h .
Exemplo:
« Monstrum horrendum, informe, ingens, cui lumen ademptum. »
Pronunciado:
« Monst’ horrend’, inform’, ingens, cui lumen ademptum. »

240. D es , idêntico de sentido com desde , m al se en­


co n tra fóra do estylo poético, p o r te r cahido em desuso.
Ex. Ninguém pôde culpar que seja alliviado dos pesos
communs quem desde ( ou des) a mocidade aturou o jugo
com constância. (Fr. Luiz de Souza).
241. P er , que em épocas não mui rem otas, com partia
com POR o officio de exprim ir um a m esm a relação ( per
terras e mares, — por terras e mares), acabou por sor quasi
182 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

totalmcnte supplantado pelo ultimo, a não ser nas locuções


em que, pospondo-se de, forma com elle uma proposição
composta {Faça cada um de per si o que não 'pòde fiar dos
outros). Entretanto o P. Ant. Vieira ainda disso: « Oh!
caso estupendo e inaudito! ninguém póz a mão na pedra;
cila PER SI se despegou, cahiu e rodou do monte! ».
242. Sobre assume um alcance adverbial quando, an­
teposto a um adjectivo ou participio com o qual forma
locução indivisível, significa excesso. E’ preposição quando
exerce regencia.
Ex. Fste mesmo pardo salie como sobre dourado, enri­
quecido com mil esmaltes e retoques de encarnado, que avultão
mais SOB A cÔR parda do vestido. (P. Balthazar Telles).
243. A t é é p re p o siç ã o com um re g im e .
Ex. O ferro, do joelho até os pés, significava o império
dos Romanos. (P. Ant. Vieira).
Não consentia o infante JD. Duarte que eu estivesse espe­
rando para entrarmos á lição, mas ordenou que eu não viesse
da minha pousada até não ser chamado. (André de Ke-
zonde).
E’ advérbio com o sentido de mes3io.
Ex. Apoderou-se o ouro tanto de tudo o que na terra
havia, eque veiu a ser preço até da liberdade dos homens,
contra o direito natural em que vivião. (Franc. Podrigues
Lobo). — (... que mesmo veiu a ser preço da liberdade...).
244. Conforme e segundo são adjectivos, e conseguin­
temente variaveis, quando nada têm de commum em sen­
tido.
Ex. Se aquellas rumas de façanhas em papel forão
CONFORMES aos seus originaes, que mais queriamos nós? já
não houvera Hollanda, nem França, nem Turquia: todo o
mundo fôra nosso. (P. Ant. Vieira).
São preposições, e conseguintemente invariáveis, quando
idênticos em sentido, e por tanto suppriveis um por outro,
pedem um regime.
Ex. O reino e a primeira benção, segundo o uso dos
patriarchas, e conforme a lei natural que ainda hoje se ob­
serva, pertencia ao primogênito, que era Rubem. (P. Ant.
Vieira).
Devemos dar correcção com espirito de brandura, e se­
gundo AS REGRAS da prudcncia. (P, Man. Bernardes). —
(.,, conforme as regras...)
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 183

C onforme a é preposição com posta.


Ex. C onforme, jpois, a isto, em que predicamento po­
remos a muitos homens 'í (P'r. Luiz de Granada).
S)ò faltarei com Vossa Alteza, conforme á razão, pois
sei que delia nunca fugiu. (D. Ilieronymo Ozorio, bispo de
Silves). — (... SEGUNDO A RAZÃO...).
245. Os quatro partieipios excepto , salvo, supposto
e VISTO passão a ser preposições, e eonseguintemente in­
variáveis, quando, deixando de constituir uma apposição
ou um predicado, vêm a exercer uma regencia.
Ex. Não devemos porfiar com alguém, nem contradizê-lo
directamente com empenho, excepto os casos em que assim
importa em razão da mesma caridade. (P. Man. Bernardes).
(... SALVO os CASOS em que...).
Sobre os moimentos a.pparecem dous corpos deitados,... um
de el rei, que está armado de todas as armas, salvo as da
cabeça. (P'r. Luiz de Souza).
S upposto haver homens na lua, como contarão os dias,
mezes e ajinos?
O Amazonas é o maior dos rios, visto exceder a todos
em comprimento e largura.
246. N ão obstante é preposição quando exerce um a
regencia.
Ex. Em que predicamento poremos a muitos homens ricos
e poderosos que, sentando-se cada dia. á mesa, nem ainda lhes
passa pelo p>cnsamento o lembrarem-se de tão liberal e magni­
fico bemfeitor e provisor, nÃo obstante verem cada dia a
mesa cheia de seus benefícios f (Fr. Luiz de Granada).
Com a pronunciação foi tão unico Pisistrato em Athenas,
que, NÃO OBSTANTE TER por contrario a Solon, varão singular-
mente douto, foi eleito á summa dignidade do império. (Fr.
João Pacheco).
■ E’ adverbio quando não exerce regencia nenhuma.
Ex. O teimosoi embora convencido de erro, persiste não
OBSTANTE, no seu proposito ; o cabeçudo nem presta sequer ou­
vidos á persuasão. O primeiro pecea por orgulho; o segundo,
por falta de juizo.
EIS

247. O vocábulo eis apenas por analogia póde ser


capitulado de preposição, porquanto, na realidade, não cabe
184 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

cxactamente em nenhuma das especies de palavras, taes


como são declaradas.
Tem, como todas as preposições, a propriedade de
exercer uma regencia (Eis a verdade ) ; e, como a mór
parte das preposições, a faculdade de formar, com uma ou
mais conjuncções posteriores, locuções conjunctivas ( eis que ...
EIS COMO... EIS SENÃO QUANDO...), como são as que formão
outras preposições: ( a que ... co3i que ... em que ... para
QUANDO...), etc.
E x . E i s -a q u i COMO se desterra o temor e o pejo. ( P .
Man. Bernardes).
Différé, ])orém, de todas as preposições por dous pre­
dicamentos terminantes, que vêm a ser: 1." o regime de
EIS nunca póde ser qualificado de complemento ind irecto ;
porquanto, vindo a ser constituido por um pronome pessoal,
este recusa-se a assumir as formas proprias do mesmo com­
plemento {mim, ti, si, elle, ella, — nós, vós, si, elles, ellas),
para avocar impreterivelmente as do complemento directo
(eis-me,^ eis-te, ei-lo, ei-la, — ex-nos, eis-vos, ei-los, el-las'), sendo
que a intercalação da risca de união, tanto como da anti­
thèse, contribue para completar a demonstração; 2.“ ao
passo que nenhum complemento indirecto póde de per si só
enunciar um pensamento, visto como, exprimindo uma mera
relação, forçosamente carece de um facto expresso ou occulto
para chegar a um sentido attendivel, o vocábulo eis póde
formar, e forma com o seu regime um pensamento com­
pleto, qualificado até de proposição prin cipa l em analyse
lógica ; « E is a verdade ».
Ora todas estas anomalias encontrão uma explicação
natural na consideração que eis é simplesmente a termi­
nação do facto HAVEIS, ao qual assim sobrou, em compen­
sação do sujeito, que lá se foi com o cabeçalho, quanto
bastava para acarretar um complemento : « E í -lo ».
O P. Man. Bernardes disse: n Aqui tendes mil e qui­
nhentos marcos de prata ». Diria com a mesma proiiriedade:
« 'Eiís-aqui mil e quinhentos marcos de prata ».
^ Por todos estes motivos, a designação analytica que
mais propriamente parece caber-lhe é a de p r e p o s iç ã o
VERBAL. ^
Ex. Começa a sahir e a crescer o sol ; eis o gesto aqra-
davel do mundo, e a composição da mesma natureza toda
mudada. (P. Ant. Vieira).
Outrosim reforça eis frequentemente a sua significarão
por meio de um dos très advérbios aqui, a h i , a lli , quando
não vai seguido de um pronome pessoal.
Ex. E is ouvir os aduladores, mas
a q u i o m eio t e r m o :
não se mover por elles. (P. Ant. Vieira).
E is a q u i o que vem a não poder os que querem mais do
que p>odem. (P. Ant. Vieira).
248. A par das preposições andão as locuções prej:)0-
sitivas.
L ocução p r e p o s it iv a é todo o conjnncto de palavras
fazendo o officio de uma preposição. Tem por distinctivo
o ser a ultima das mesmas palavras uma preposição.

LISTA DAS LOCUÇÕES PKEPOSITIVAS MAIS USADAS

abaixo de... até a... em pró de...


acerca de... atraz de... em relação a...
acima de... a troco de... fora de...
á custa de... á vista de... junto a...
adiante de... cerca de... junto de...
a favor de... debaixo de... longe de...
á frente de... defronte de... perto de...
além de... dentro de... por amor de...
ao contrario de... de ordem de... por baixo de...
ao envez de... de parceria com... ])Or cima de...
a par de... depois de... por detraz de...
ao redor de... detraz de... por meio de...
apezar de... em beneficio de... por via de...
aquém de... em consequência do... sem embargo de.
a respeito de... em conta de... etc., etc. ■

C^FITXJLO V III
DO ADVERBIO
249. Adverbio é uma palavra invariavcd que, ajun­
tando-se a um verbo, participio, adjectivo, ou até a outro
adverbio, modifica-lhes o alcance de significação.
Se se attende ao seu sentido etymologico, apenas dC'
clara elle que mais habitualmente actúa nos verbos,
186 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

250. Que o advérbio não modifica as palavras, cvi-


dencía-sc pela consideração que, nem lhes altera a fórma,
nem lhes transtorna o sentido. Pois tanto canta o actor
que canta bem , como canta o actor que canta mal. Porém
o alcance de sentido que ao verbo confere o primeiro ad­
vérbio, justifica os applausos que um grangeia, como o al­
cance que lhe confere o segundo advérbio, motiva a pateada
fkí' que o outro venha por acaso a soffrer.
251. Seja, porém, qual fôr a palavra em que ellc
actúa, o advérbio nunca deixa de ser analyticamcnte reso-
luvel cm um complemento indirecto amparado ou desam­
parado de apj^osições. Esta é a sua feição caraetcristica.
f Ex. N unca chega o cubiçoso a ficar satisfeito. S empre
AGUiLiioADO por uovos dcscjos, vai desprezando como mui so-
MENOs, togo que os alcançou, os mesmos bens que mais arden -
TEMENTE almejára.
O primeiro advérbio deste exemplo actúa cm um verbo
( nunca chega), e resolvc-sc cm o complemento indirecto
(( EM TEMPO ALGUM )).
O segundo, que actúa em um participio ( s e m p r e agui-
Ihoado), resolve-se cm o complemento indirecto « a todo o
TEMPO )).
o terceiro, que a c tú a em um adjectivo ( mui somenos),
rcsolvc-se cm o com plem ento indirecto « em subido gráo w.
O quarto, emfim, que actúa em outro advérbio ( mais
ardentemente), resolve-se em complemento indirecto « com a
MAIOR VEHEMENCiA — de ai'dor ».
252. Sendo assim na essencia o equivalente de um
complemento indirecto, sem todavia ostentar cm caso
algum a preposição, o advérbio parece merecer com toda
a propriedade a designação analytica de complemento in ­
directo implícito , por opposição ao em que a preposição
é EXPRESSA {Faltai a vosso servo . Senhor!), ou simples­
mente oceuLTA {Fallai-'si'E., — isto é, — a mim ). — (P. Man.
Bernardes).
253. Considerados na sua fórma, os advérbios são de
INCREMENTO quaudo terminados cm mente , c sem incre ­
mento quando terminados de outro qualquer modo.

254. Todos os advérbios de incremento ficão consti-


tuidos de um adjectivo ou de um participio variavel, com
o simples accrcscimo de mente á fórma feminina do sin­
gular.
PKIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 187

Exemplos:
sabia. sabiam ente. audaz, audazmente.
eoi’tez, eortezmente. feliz. felizm en te.
exterior, e x te rio r mente. feroz, ferozm ente.
leve, levemente. conimum, commummente.
gei-al. geralm ente. ])rimeira, prim eira m en te.
liei, fielm e n te. dupla, duglamente.
util. utilm ente. só. sómente.
particular. ‘p a rtie u la rm e n te . niór. mórmente.
declarada, declaradam ente. aberta, abertamente.

Ficão unicamente exceptuados os advérbios que se


formão dos adjectivos cujo feminino é ã a , porque, quando
deixa de ser terminativa, a mesma voz escreve-sc an :
christãa, c iir is t a n m e n t e , — c iir ist a n d a d e .
Ex. « Digo ciiANMENTE, 6 (leclaro que, se os meus pre­
bendados desejão ouvir alvoradas de charamélas, e os fidalgos
de Braga querem ver passeios de ginetes formosos, e mídas
gordas e anafadas, e nuvens de pagens enfeitados e rugindo
sedas, desenganem-se, que nunca me verão tão desatinado, que
despenda com ociosos aquillo com que posso dar vida a muitos
p)ohres ». (Fr. Luiz de Souza).
255. Os advérbios sem incremento costumão ser re­
partidos em diíferentes categorias, cujo numero é mais ou
monos arbitrário, sem que de alguma divergência a tal
respeito possa provir inconveniente algum; porquanto tal
classificação é antes um recurso mnemonico, do que uma
disposição indispensável para servir de assento a conside­
rações theoricas de importância, tanto mais que alguns
advérbios, pela variedade de suas accepções, caberião repe­
tidamente em categorias diversas, e outros ficarião avulsos.

1.“ ADVÉRBIOS DE LUGAR

abaixo, algures, atraz, donde,


acima, alli. avante. fóru,
acolá, aonde, cá. lú,
adiante. aquém. defronte. longe,
abi. aqui. dentro. nenliures,
além, arriba, detraz. onde.
perto, retro, etc.
11.
188 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

f '■ 2° ADVÉRBIOS DE TEMPO

agora. depois. já, ora.


' li amanhãa. então. jámais. presto.
antes. hoje. logo. sempre.
cedo. hontem. nunca, tarde, etc.

3.® ADVÉRBIOS DE QUANTIDADE

ainda. bastante. muito. só,


apenas, demais. outrosim. sobretudo.
assaz. mais. pouco. tanto.
até. maxime. quanto. tão, etc.
menos. quasi.

4.® ADVÉRBIOS DE MODO

adrede. bem. devagar. recta.


alerta. debalde. mal. rente.
assim. depressa. mesmo. etc.

5.° ADVÉRBIOS DE AFFIRMAÇÃO E DE NEGAÇÃO

deveras. não. nem. sequer.


sim, etc.

6.® ADV. DE INTERROGAÇÃO OU DE EXCLAMAÇÃt

como?! porque?! quando?! quão ?!


que ? !

7.° ADVÉRBIOS DE DUVIDA


-ít
quiçá, talvez.

OBSERVAÇÕES SOBRE OS ADVÉRBIOS

256. O mesmo uso que a muitos adjectivos e parti-


cipios conferiu a faculdade de se converterem em advérbios
de incremento^ denegou-a terminantemente a outros muitos,
sem que se possa atinar com a causa de semelhante des­
igualdade. Assim é, por exemplo, que dos adjectivos branco,
azul, francez, encantador, etc., c dos participios contado, fal-
lado, escrípto, etc., vedado ó deduzir os advérbios branca­
mente, azulmente, francezamente, encantadora mente, — contada-
mente, falladamente, escriptamrntc. Porém, com isso, nada
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 189

perde a Grammatica : pelo contrario, ganha ella uma nova


demonstração do principio que faz de todos os advérbios
outros tantos complementos indirectos, visto como as ex­
pressões por que costuma ser supprida a falta dos referidos
advérbios, reduzem-se, ou podem sempre ser reduzidas a
uma locução adverbial, ou a um circumloquio onde a as­
sistência constante de uma preposição é declaração de com­
plemento.
Ex. Pagina deixada e m b r a n c o . — Sala alcatifada d e
A Z U L . — Trajar Á f r a n c e z a . — Fallar d e m o d o a e n c a n t a r .
— Pagar a dinheiro d e c o n t a d o . — Enunciar-se e m p a l a ­
v r a s . — Declarar p o r e s c r i p t o . . .

257. Desta consideração decorre outra consequência


não menos digna de reparo, e vem a ser que, podendo um
adverbio actuar sobre outro adverbio, isto é, em um com­
plemento indirecto implicito, nada obsta a que o possa
igualmente fazer em um explicito, isto é, de preposição ex­
pressa, pela simples razão que tanto vale um quanto vale
o outro.
Ex. (( Se V. S., no que houver lugar, fôr servido de
apadrinhar o merecimento do vigario-geral, além de ser obra
muito grata a Deos, e m u it o d o s e u spviço, me fará V. S.
muito particidar mercê. » (P. Ant. Vieira).
Se a equidade ha de estar t a n t o n a m e n t e do juiz,
porque ha de estar t ã o p o u c o n o c o r a ç ã o do credor? (P.
Man. Bernardes).
Todo 0 universo não qiarece viu especies, nem m a i s e :m
n u m e r o , nem mais formosas. (P. Simão de Vasconcellos).

O Condestaxel não comeu senão algumas viandas mal co­


zinhadas, sem pão, e disse com satisfação : « Nunca cojni gui-
zado 3 IA IS DO M EU GOSTO ». (Oliron. do Condestavel).
O padre ficou como homem tomado de accidente de apo­
plexia, que está vivo, e não sabe se vive, tão atalhado e t ã o
SEM CONSELHO, que não sabia formar uma só palavra, (h r.
Luiz de Souza).
Tomar o seu rumo m a i s p a r a o s u l , — m e n o s p a r a o
N O RTE.

258. Um numero diminuto de adjectivos qualificativos,


como caro, barato, etc., têm exccpcionalnientc a propriedade
inherente a muito, pouco, tanto, quanto, bastante, de converter-
se em advérbios sem assumir a terminação característica
do incremento, o que dá frequentemente lugar a que e_s-
criptores pouco afeitos aos hábitos da analyse commettão
190 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

o equivoco de sujeitá-los, quando advérbios, a uma concor­


dância que só lhes compete quando adjectivos. Assim é
que raros são os periódicos onde não occorra: « Querc/tido
fulano iiender c a r a a sua vida... ou vender a sua, vida
C A R A ... )), quando só seria legitima tal concordância, se
houvera quem estivesse disposto a vender a s u a c a r a vida.
Porém, no caso vertente, sendo c a r o o mero equivalente
do complemento indirecto « por alto preço », claro é que
passou a ser advérbio, e, por isso, palavra invariável:
Vender c a r o a sua vida, — vender a sua vida c a r o , — visto
não ser admissivel dizer caramente.
Com um corto numero de advérbios de igual proce­
dência, indiíferente é usar da terminação adjectival, ou
da de incremento.
Ex. Seguir o contrario disto era (se se havia de fallar
CLARO [claramente'], e como entre amigos) um querer resuscitar
velhices. (Fr. Luiz de Souza).
259. Outros adjectivos apresentão, na sua conversão
cm advérbios, a singularidade de rejeitarem ou de acei­
tarem o incremento segundo as palavras em que actúão,
se accommodão desta ou daquella fórma. Assim é que se
diz; Cantar a l t o ; — estar a l t a m e n t e collocado. — Fallar
B A I X O ; — ser b a i x a m e n t e cruel. — Escrever f i n o ; — ser
f i n a m e n t e educado.

Porém estas e outras que tacs locuções, por despro­


vidas de um nexo synthetico, escapão ao regimento da
Grammatica, e só têm cabimento nas indicações da Lexi-
cographia, isto é, nos diccionarios.
260. Vindo dous ou mais advérbios de incremento a
actual- conjunctamente cm uma mesma palavra, só ao ul­
timo é que, por amor da euphonia, se confere o incremento.
Ex. Que direi dos meios e dos remedios, das industrias,
das artes e instrumentos eque os homens têm inventado jqara
que cada um pudesse possuir e lograr o seu s e g u r a e q u i e ­
t a m e n t e , mas sem proveito? (P. Ant. Vieira).

Conquistar a terra das tres partes do mundo a nações es-


tianhas foi emqireza que os reis de Portugal conseguirão m u i t o
FA C i L E m u i t o F E L IZ M E N T E ; mas repartir tres palmos de terra
em Portugal aos vassallos com satisfação delles foi impossível.
(P. Ant. Vieira).
Pois, que remedio qmra accrescentar a fazenda, util , d is ­
creta E MUITO SEGURAMENTE ? (P. Ant. Vieira).
' I

PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 191

261. A ssim co m o os a d je c tiv o s d o n d e p ro c e d e m , os


a d v é r b io s p o d e m g e r a lm e n t e a s s u m ir os m e sm o s tr e s g rá o s
de sig n ificação , q u e são o p o s itiv o , o c o m p a r a ti v o e o s u ­
p e r l a t i v o ; c, a n ã o s e r e m o s a d v é r b i o s u e m c 3i a l , d e r i ­
v a d o s d e BOM c MÁo, n e n l i i i i n a o b s e r v a ç ã o p e c u l i a r s e Ori­
g in a ria d e sta p ro p rie d a d e . P o ré m am bos a p re se n tã o no
seu c o m p a r a tiv o d e s u p e r io rid a d e (q u e, co m o o de bo m c de
MÁO, é t a m b é m m e l h o r e p e i o r ) , u m c a s o d e a n o m a l i a t ã o
s in g u la r, q u e n ã o p ó d e fic a r sem re p a ro .
Tendo de actuar, como comparativos de superioridade,
em um verbo, b e m e m a l convortem-sc em m e l h o r o p e i o r .
Ex. Que motivo teve o juizo de Salomão para antepor o
dia da. morte ao dia do nascimento f E n t e n d e u -o m e l h o r
todos, 0 maior interprete das Escripturas. (P. Ant. Vieira).
. Fizestes mal; porém quem vos aconselhou, e e z p e i o r .
Tendo de actuar, nas mesmas condições, sobre um
participio variavel, b e m e m a l dispensão a contracção la­
tina, para adoptar a formação regular m a i s b e m e :m a is
M A L.
Ex. Nesta singular ahundancia. é Lisboa, não só a m a i s
bem p r o v i d a , mas também a mais deliciosa terra do mundo.
(P. Ant. Vieira).
Bastou uma sò desunião para derribar e desfazer quatro
impérios dos mais valentes, dos mais jyoderosos, dos mais sábios
e dos m a i s b e m g o v e r n a d o s homens do mundo. (P. Ant.
Vieira).
Pois, se, com um desengano dado a tempo, os homens
ficão menos queixosos, o governo mais reputado, o rei mais
amado, e o reino m a i s b e m s e r v i d o , porque se ha de entreter,
porque se ha de dilatar, porque não se ha de desenganar o
pobre pretendente'? (P. Ant. Vieira).
Póde haver resolução m a i s m a l e n t e n d i d a que lançar a
pique 0 navio em que sou embarcado, só para que meu inimigo
se afogue! (P. Ant. Vieira).
E só nesta oceasião sahem estes passaros com sua musica,
que parece m a i s b e m e m p r e g a d a em festejar a saude alheia
que a do eysne, que também só a. exercita em adivinhar a
morte prop)ria. (P. Balthazar Telles).
Thcoricamentc, a explicação mais plausivcl desta ano­
malia parece ser a seguinte. Junto a um verbo, os advér­
bios bem c mal, c conseguintemente os seus comparativos
melhor c peior, não têm lugar predeterminado, neste sentido
192 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

que tanto podem ir antepostos como pospostos ao mesmo


verbo.
Ex. M elhor mereceis vós o u tro s to d o s a m o rte, q ue
». (Garcia de Rezende).
este 'pobre h o m e m
O governador me respondeu em vozes altas que tinha me­
lhor eonscieneia que os padres da Companhia, e cria melhor
em Deus que eu. (P. Ant. Vieira).
E assim, naquelle desamparo e tormento, se apartou sua
alma santa daquelle atribulado e martyrisado corpo, que o
mesmo infante, eom vigãias e jejuns, ainda tratava peio r .
(Duarte jSíunes de Leão).
Poréni, junto a um jDarticipio variavel, os mesmos ad-
veibios não jirescindem da condição de lhe irem ante-
liostos.
-Ex. Seja este meu trabalho de vós favorecido, e eu o ha­
verei por BEM EMPREGADO. (J^ão: emprcqado bemi). — (Franc
Rodrig. Lobo).
ííeste casOj por uma frisante analogia com o que se
da com querer bem , querer mal, e bem quisto, mal quisto;
ferir mal, e^ mal ferido, etc., os supracitados advérbios, do
tal modo vêm a 2)POHdor-se em sentido com o participio
subsequente, que dello não se deixão desagregai’ con-
stituii as contraeçoes melhor o peior, vindo assim a ser
equiparados jios adjectivos bemdizente, maldizente, que sem
rebuço acoitão a modificação comparativa mais bemdizente,
MAIS maldizente.
Accresce, para confirmar esta supposição, que, vindo
por acaso o 2^articÍ23Ío a deixar de topar com um ou outro
dos referidos advérbios, ou achando-se occasionalmente eli­
dido, as fôrmas m e lh o r o p e io r tornão a a2>parecer.
Ex. OlÇ. saibamos fazer da necessidade, não digo já vir­
tude, mas ainda conveniência; que assaz conveniência é es­
cusar-se a demandas; poupar despezas de dinheiro e de tempo,
que são mais consideráveis; conservar amigos e obrigados, e
íer melhor e mais seguramente arjiada a conta para com
Deos, quando a pedir do epue devemos. (P. Man. Bernardes).
(Não: ... MAIS bem e mais seguramente armada ...).
N ota. Com o referido advérbio mal não se deve con-
íundir outro, idêntico de sentido com apenas, e, 2^or isso
lalto dos diversos grãos de significação. ^
Ex. Com estes fios tão finos, que ao principio mal
[apenas') se divisão,^ a aranha, lança suas linhas, arma seus
teares, e toda a fabrica se vem a rematar em uma rede para
pescar e comer. (P. Ant. Vieira).
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 193

262.O vocábulo a s s a z , do sentido pouco desseme­


lhante do de bastante, encontra-se nos clássicos com os
mesmos predicamentos que fazem de bastante, já um ad­
jective indefinite, já um pronome indefinito, já um adver­
bio. (V. § 1 6 4 ). Hoje, porém, mal apparece senão como
adverbio.
Ex. Oh! saibamos fazer da necessidade, não digo jávirtude,
mas ainda conveniência; que a s s a z c o n v e n i ê n c i a é escusar-
se a demandas... (P. Man. Bernardos). — ( . . . a s s a z , — b a s ­
tan te , — S U F F IC IE N T E C O N V E N IÊ N C IA ...).

Neste estylo escondeu Salomão os mysteriös de nossa fé,


que estão nos cantares da esposa, escolhendo, para uma em-
preza tão alta, e para uma poesia tão divina, uma semelhança
tão humilde, cujo exemplo era a s s a z b a s t a n t e para acreditar
estas artes com os homens de nossa idade. (Franc. Kodrig.
Lobo).
Puderão ser de exemplo aos demais os vassallos honrados,
poderosos, e de autoridade e valor, que são os desta familia,
A SSA Z C A S T IG A D A coiii O muito puc tcin padccido e dispendido.
(P. Ant. Yieira).
2 6 3 . L ogo é a d v e rb io com o se n tid o de em breve, já
já ou immediatamente; é c o n ju n e ç ã o com o de portanto.
Ex. A usura é vicio que l o g o se faz publico. (P. Man.
Bernardos). — (... que e m b r e v e se faz publico).
Christo diz que, na sua lei, e só na sua lei, se acha o
descanso: l o g o , se não buscais o descanso na lei de Christo,
é certo que não credes a Christo. (P. Ant. Vieira). — (... p o r ­
t a n t o , se não buscais...).

2 6 4 . S im e n ão , só são a d v é rb io s q u an d o a c tu ã o di-
r e c ta m e n te so b re u m v e rb o , p a rtic ip io , a d je c tiv e ou o u tro
a d v e rb io .
Ex. Se 0 homem timido n ã o t e m coração, o teimoso n ã o
T EM cabeça, porque n ã o c o n h e c e que, sendo o errar um só
defeito, o sustentar o erro são dous. (P. Ant. Vieira).
Vê, voador, como correu pela posta teu castigo... K ã o
c o n t e n t e com ser peixe, quizeste ser ave; e já não és ave
nem peixe. (P. Ant. Vieira).
Toda a creatura dotada de vontade livre, n ã o só appeteee
sempre ser mais do que é, senão também quer mais do que
póde. (P. Ant. Vieira). — (... n ã o s ó m e n t e . . . ) .
A gora s im , disse então aquella cotovia astuta, a g o ra
194 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

SIM, irmcias, levantemos o vôo, e mudemos a casa, que vem


quem lhe dôe a fazenda. (P. Man. Bernardes).
Appareeendo, porém, soltos, sim e não são interjeições.
(V. o eapit. da interjeição).
265. N em deve ser capitulado de advérbio quando se
apresenta como mero substitutivo de não.
Bx. Importa, pois, que não roube a, negociação o que se
deve ao merecimento ;... que se qualifiquem papéis, que se exa­
minem certidões, que nem todas são verdadeiras. (P. Ant.
Vieira).— (... visto que não todas...).
O mesmo vocábulo deve ser reputado conjuncção,
quando, ao seu sentido negativo, accresce o da conjunc­
ção E.
Ex. Ve, voador,... já não és ave ne 3i peixe; nem voar
poderás já, nem nadar. (P. Ant. Vieira).
Comprova-se, neste caso, a intervenção occulta de e ,
se, de conformidade com o processo de substituição, sabe
esta conjuncção quando as preposições, de negativas que
são, convertem-se por naera experimentação, em proposições
affirmativas: v. ... Já és ave e peixe; e voar poderás já, e
nadar ». — Esta distincção torna-se necessária por mais de
uma applicação, quer em syntaxe, quer na theoria da
pontuação.
266. Os vocábulos como, porque, quando, quão e que
são meros advérbios, loxicologicamente fallando, quando se
resolvem em um complemento indirecto.
Ex. Pois, F üJm da Virgem Maria, se tanto cuidado ti­
vestes então do respeito e decoro de vossa mãi, como consentis
agora que se lhe fação tantos desacatos ? (P. Ant. Vieira). —
(... POR que razão consentis agora...).
Fóra de tal caso, são conjuncções.
267. A par dos advérbios andão as locuções advcr-
biaes.
EocuçÃo ADVERBIAL é todo O conjuncto de palavras
fazendo o officio de um advérbio. Tem por distinctivo o
ser resoluvel em um advérbio (por ora =. actualmente),
ou figurar um complemento indirecto (dahi em diante = de
futuro ).
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 195

LISTA DE ALGUMAS LOCUÇüES ADVERBIAES

a cavalleiro, de chofre. de tarde.


a cavallo, de cima para baixo. de todo.
a deshoras, de cocaras. de vez em quando.
á direita. de cór, nem sequer.
á esquerda. de corrida. outr’ora.
a torto, de diante para traz, para diante.
algum tanto. de então em diante. para sempre.
ao depois. de graça. para traz,
ao diante. de hoje para amanhãa. por acaso.
ao menos. de improviso. por acinte.
ás avessas, de madrugada. por atacado.
ás cegas. de mais a mais. por fortuna.
ás escancaras. de novo. por ora.
ás escuras, de portas a dentro. por ventura.
ás pressas. de prompto. pouco a pouco.
a varejo. de proposito. quando muito.
dahi a pouco, de repente, tintim por tintim, etc.

CA.I>ITIJI.O IX

DA CONJUNCÇAO

268. Conjuncção é uma palavra invariável que liga


partes de uma oração, ou orações completas, para entre as
idéas ou os pensamentos assignalar, já eonnexão, já oppo-
sição.
E x . Não houve rei tão opulento nem tão venturoso como
Salomão. E n treta n to delle é o juízo que tudo é vaidade ex­
cepte amar e servir a Deus.
Neste exemplo, a primeira conjuneção (neni) assignai a
uma eonnexão entre as duas apposições opulento e ven­
turoso.
A segunda {como') marca igualmente uma eonnexão
entre dous pensamentos, o segundo dos quaes é encur­
tado por uma figura de syntaxe chamada e l l ip s e : Não
houve rei tão opulento nem tão venturoso — como [venturoso e
opulento foi] Salomão.
196 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

A terceira (entretanto), encetando uma nova oração,


predispõe o espirito a uma opposição entre os pensamentos
anteriores, e os qiie lhes succedem, ojíposição que se veri­
fica pelo contraste da felicidade de que gozou o rei israe­
lita, c da desoladora confissão que lhe arranca a sua
afllicção de animo.
A quarta (que) constitue o nexo entre o juízo annun-
ciado, e a matéria deste juizo : a vaidade.
A quinta, emfim (<?) estabelece a connexão que natu­
ralmente existe entre dous actos dirigidos para um mesmo
fim: amar a Deus, e servir a Deus.
269. A unica regencia que compete á conjuneção, é a
de avocar, já um, já outro dos modos de facto nos verbos;
porém, nos outros termos da proposição, não exerce acção
ht nenhuma, porquanto não lhes dá nem lhes tira nada: e
îi nisto é que se différencia essencialmente, quer da prepo­
sição, quer do advérbio.
i''. I^em por isso deixa ella de representar um papel im­
portante na constituição da linguagem, mórmente com re­
ferencia á pontuação, já identificando, já discriminando
termos e proposições. E tão importante ó este papel, que,
de todas as especies de palavras, é a unica que se mostra
avessa a uma remoção do lugar que lhe assigna a lógica.
Apenas algumas dentre as menos significativas são faculta­
tivamente sujeitas a uma leve deslocaçao ; as que, porém,
servem de nexo imprescindível entre as proposições, podem
vir a ser accidentalmente elididas, ou até transferidas com
toda a proposição por ellas encetada ; mas deslocadas, para
detraz do facto, nunca.
270. Consideradas em relação ao modo por que in-
tervêni no discurso, as conjuneções formão as très classes
bem distinctas de copulativas, subordinativas e preventivas.
271. As copuLATivAs são só très: e , nem , ou. Tanto
se encontrão dentro de uma proposição, como entre propo­
sições, e até entre orações.
Collocadas dentro de uma proposição, denuncião termos
compostos, ou ao menos de semelhante natureza.
Ex. O engano vestido de eloquencia e arte attrahe.
(Mathias Ayres da Silva do Eça).
^Ahi constituem eloquencia e arte um unico complemento
indirecto, porém composto, sob a regencia da mesma pre­
posição de. (V. a syntaxe).
Collocadas entre proposições, denuncião-nas como sendo
(jã mesma especie. (V. a theoria da analyse lógica).
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 197

Ex. O engano vestido de eloquência e arte attrahe, e a


verdade mal polida nunca p>ersuade. (Mathias Ayres da Silva
de Eça).
Collocadas entre orações, denuncião-nas como correla­
tivas. (V. a tbcoria da analysc lógica).
Ex. O engano vestido de eloquência e arte attrahe, e a
verdade mal polida nunca persuade. E assim mais nos agrada
0 discorrermos suhtilmente do que o discorrermos com acerto.
(Mathias Ayres da Silva de Eça).
N ota. Neste ultimo exemplo tão somente, fez-se, na
ordem das duas orações, uma transposição que, sem obli­
terar as opiniões do autor, torna a demonstração tbeorica
mais frisante.
272. As suBORDiNATiVAS são QUE O SE, com todas as
mais conjuneções ou locuções conjunctivas implicando os- '
tcnsivel ou occultamcnte que ou se.
No jogo das diversas proposições que costumão con­
correr á formação da mór parte das orações, nenhumas
conjuneções se avantajão ás subordinativas, já pela impor­
tância, já pela simplicidade das indicações tbeoricas que
fornecem a bem da discriminação dos pensamentos com­
plexos, c do sua respectiva avaliação. Pois não ba enca­
recimento em dizer que constituem a chave da aualyse
lógica, como esta constituo a introducção obrigatória a
uma tbeoria racional da pontuação.
As conjuneções implicando ostcnsivel ou occultamcnte
os mesmos vocábulos são as dez seguintes:
como, porque,
conforme, quando,
embora, quão,
emquanto, segundo,
porquanto. senão.

As locuções conjunctivas assemelháveis ás mesmas con­


juneções são todas as que, como as seguintes, constão de
um conjuncto de palavras acabando por uma subordinativa:
afim que... ao passo que. comtanto que.
ainda bem que... assim como... depois que...
ainda que... assim que... desde que...
ainda se... até que... do que...
a não ser que... como que... excepto se...
antes que... como se... já que...
OBSEKVAÇOES

SOBRE AS CONJUNCÇÕES E LOCUÇÕES SUBORDINATIVAS


273. Q u e c c o n ju n c ç ã o q u a n d o re s is te a to d a e q u a l-
q u e i c o n v e rsã o , ou só se d e ix a c o n v e r te r eni o u tr a c o n ­
ju n c ç ã o ou lo cu çã o s u b o r d in a tiv a . ( V , § 175, a rt. 5.“).

_ 2 7 4 . S e , co n ju n c ç ã o , e n c e ta n e c e s s a ria m e n te u m a p r o ­
p o siçã o , e p o r isso, p re c e d e c o n s ta n te m e n te ao v e r b o so b ro
o q u a l a c tú a , sem se p r e s ta r is o la d a m e n te a tra n s p o s iç ã o
a lg u m a , is to é, sem a r r a s t a r c o m s ig o a p ro p o s iç ã o a q u e
se rv o de c a b e ç a lh o .

B x . S e Deos vos fez estas mercês, fazei pouco caso das


outras. (P. Ant. Vieira). — {Fazei pouco caso das outras
merces, se Deos vos fez estas).
S e , pronome pessoal, tanto se encontra anteposto como
posposto ao verbo. Indo-lhe, porém, anteposto, discrimina-
se da conjuncção por se ageitar sempre, com mais ou menos
propriedade de collocação, a uma transposição para traz
do verbo.
_ _ Bx. Se tendes^ posto muito perto ao rei, tudo se vos su­
jeita. (P. Ant. Vieira). — {Se tendes posto muito perto ao
rei, sujeita-sE-vos tudo).
Outros exemplos:
S e o soldado se vê despido (i?e-sE despido), folgue de des­
cobrir as feridas, e de envergonhar a patria, por quem as
recebeu. S e , depois de tantas cavallarias, se vê a pé, {vê-s^ a
pe), tenha essa pela^ mais illustre carroça de seus triumphos.
D, SE, emfirn, se vê morrer a fom e (í;é-SE morrer a fome)
deixe-SE morrer, e vingue-SE. (P. Ant. Vieira).
275. Cumpre, porém, attender, não só em relação á
grammatica geral, senão também porque dahi se deduz uma
notável divergência de pontuação, que são duas as con-
juncções s e : uma condicional, e outra dubitativa.
O SE condicional tem por distinctivo a propriedade de
ser convertivel em caso que, constrangendo então o verbo
PRIM EIRA PARTE - LEXICOLOGIA

sobro o qual elle actúa, a passar para o subjimcti\o, se


por acaso não se acha já neste modo.
Ex. Se tendes posto muito perto ao rei^ tudo se vos su­
jeita. (P. Ant. Vieira). — (C aso que tenhais p>osto muito
perto ao rei,...).
S e cinco mil homens, com mxdheres e filhos, entrassem de
repente em uma grande cidade, não haveria promptamente que
lhes dar de comer. (P. Ant. Vieira). — (C aso que cinco md
homens, com mulheres e filhos, entrasse.m em uma giande ci­
dade,...).
O SE dubitativo é inconvertivel em outra qualquer
expressão.
Ex. Vêde se foi grande favor e providencia do Céo que
se não descobrissem minas! (P. Ant. Vieira).
llavião os phariseos introduzido na casa iim hydropico
para ver se Christ o o sarava em semelhante dia. (1. J. -li­
de Castro).
Em relação á grammatica geral justifica-se a conve­
niência desta distineção por se negarem frequentemente as
mesmas conjuncçõos a ser vertidas em outras línguas por
uma só c niesma conjuneção. Assim é que o s e condicionai
fica reproduzido, em 'latim, por si, — c em allemao, por
• — e 0 SE dubitativo, em latim, por an, — c cm ai-
Icmão’ por ob. — Ambos, outrosim, se encontrão represen­
tados'nos seguintes exemplos;
S e Bioqenes então perguntasse quaes erão os que passavão^
SE os do triumpho, se os que estavão vendo nao ha^ duvida
que a pergunta pareceria digna de riso. ( i . A n t . Vieiia).
(C aso que Diogenes então perguntasse...).
O infante B. Duarte, se algumas vezes queria ir fóra
folgar e caçar, mandava-me recado: « dizer a mesíro
SE mo dá licença para ir. » (André de Resende). - (-.. caso
que quizesse ir...).
276. Como, contracção do vocábulo latino quomodo,
conjuneção, á locução conjuncti'v a
TmoTifpor vindo a palavra « modo a pertencer a
proposição anterior, e «por que» a posterioi.
Ex O’ Senhor, não sei como isto póde estar coin a pie-
dade e amor de filho. (P. Ant, Vieira). - (... nao sei o
MODO — poii QUE isto póde estar...).
Assim como já vein exposto, c mórmente quando o
mesmo vocábulo concorre a formar uma oraçao inteiioga-
í^ r o ii exclamativa, melhor é tê-lo então em conta de ad-
200 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

representa analyticamente um complemento

miP ^2 Virgem Maria, co3io consentis agora


que se lhe façao tantos desacatos? (P. Ant. Vieira') — (
QUE MOTIVO consentis agora...). ^
Nas mesmas circumstancias, os vocábulos p o r o u e
m ente^ ns tambem mais ostensivel-
verbiL. ^ adverbiaes, devem ser tidos por ad-

Ex. Dizei-me, voadores: não vos fez Deos para peixes'^


Pois, PORQUE vos metteis a ser aves? (P. A nt Vienn') -1
(... POR QUE MOTIVO VOS metteis...). "
mmwíro5 o que fazem? E, quando
que

m“ ® p ordenadas são, Senhor, todas


vossas Obras! (P . Man. Bernardos). — (E m que e x t u a o r t ^t
nakia propoeçao magnificas e bem ordenada^são...).
« semelhantes desmanchos
analyticos, de grande importância em svntaxe não são ne
nhuma interpretação forçada das coiij«ncçõÍ s u b ^ l í a '
tivas, yeriflca.se pelo seguinte exemplo em' que T loca cl'^
explicativa dc como póde ser convertida nesta coniunccfe
O vice-versa, sem alteração de sentido. incçao,

vores^‘'se‘^7fe «r-
T s í:

!=^h!zS£=EoBTrs^
“H ? srs -zí/x
?;rv"TrvsF “ = * “ ï- “
ÍROPOE^ÇÃO - EM l u : ^ : l e s 7 a V M : i

por certo gue, alguZ s ÍelTs, os S


PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 201

fortalezas, elle haveria }')or mais harato comprá-las por dinheiro


que por guerra. (Duarte Nunes de Leão). — (^Também lhe
disse el rei de França que elle havia por rnais harato com­
prar fortalezas por dinheiro que por guerra; na suprosiçÃo
— QUE tinha por certa...).
E ' a luz mais benigna que o sol, porque o sol não só
allumia, mas abraza. A razão natural desta differença é por­
que o sol (como dizem os philosophos), ou verdadeiramente é
fogo, ou de natureza mui semelhante ao fogo. (P. Ant. Vieira).
— (E ' a luz mais benigna que o sol, por isso — que o sol...
A razão desta differença é por isso — que o sol...).
Toda a consolação é escusada quando os males são sem
remedio. (P. Ant. Vieira). — (Toda a consolação é escusada
NA occASiÃo — EM QUE OS malcs...).
Todos sabemos quão estreitas e quão limitadas são as
taxas que S. Thomaz pôz á casa, â fam ilia e a todas as mais
despezas dos prelados. (Fr. Luiz de Souza).— (Todos sa­
bemos A PROPORÇÃO — EM VIRTUDE DA QUAL tãO CStrcitaS C
tão limitadas...).
O bservação . Como certas considerações syntaxicas,
de que em outra parte fallar-se-ha, tornão opportuna a
discriminação dos vocábulos como, porque, quando, quão o
QUE, já cm advérbios, já cm conjuncções, cumpre nova­
mente ter presente que a primeira destas qualificações lhes
compete mais babitualmcnte nas orações directamente in­
terrogativas ou exclamativas, c a segunda, nos outros
casos.
Ex. A mãi dá a maçãa ao filhinho, e esconde-lhe a faca.
P o rq u e ? (Adverbio) — P orq u e quer que côma, mas não quer
que se fira. (Conjuneção). — (P. Ant. Vieira).
278. C onforme e segundo passão de preposições a
conjuncções quando, igualmente suppriveis uma por outra,
e deixando de actuar em um regime, servem de mero nexo
a duas proposições, tornando-se em tal caso conjuncções
suhordinativas, por adduzir nellas a decomposição analytica
constantemente que .
Ex. Baquellas figuras, umas erão de maior estatura,
outras de mediana, e outras mais pequenas, conforme se offe-
receu achá-las. (P. Man. Bernardes). — (... segundo se offe-
receu...).
Nesta terra ha de tirar N. do N. mais de cem mil cru­
zados em tres annos, segundo ( conforme) se lhe vão logrando
bem as industrias, (P, Ant, Vieira). — (Nesta terra ha de
202 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

tirar N. do N. mais de cem mil cruzados cm tres annos, do


3IODO — FOR QUE Ihc VãO...').
Quando cuidamos, pelas flores que de uma região conhe­
cemos, que poucas mais haverá nas outras, apparecem novos
exereitos da fl.orida primavera, segundo ( conforme) são novos
os climas e terrenos que se descobrem. (P. Man. Pernardos).
— (... apparecem novos exereitos da florida primavera na
ordem — EM QUE são novos os climas...').

Em umas o feitio é tão exquisito, que parece que seu Ar­


tifice estava então curioso e applicado. Em outras dirieis que
se valeu do pincel, segundo ( conforme) as salpicou de vários
matizes. (P. Man. Bernardos). — {Em outras dirieis que se
valeu do pincel, pelo modo — por que as salpicou...).
27 9 . E m b o r a é c o n ju n c çiío com o se n tid o do po sto
QUE, AINDA QUE, O o n tã o v a i n a tu r a lm e n te a n te p o s to ao
v e rb o .
E x. E mbora todos te reneguem , eu nunca te renegarei.
— {Eu nunca te renegarei, ainda que ( posto que ) todos te
RENEGUEM).
Posjiosto ao verbo, o mesmo vocábulo é mero advérbio
de concessão, pois póde ser, cm tal caso, modificado por
outro advérbio. (S e ja embora como querem; — seja muito
EMBORA... I).
E x. Mas isto PASSE embora porque é damno varticular.
(P. Ant. Vieira).
Sob a fórma j^lural, é substantivo synonymo de pa­
rabéns.
Ex. Aceite as minhas emboras.
280. S e n ã o , m e ra c o n tr a c ç ã o da c o n ju n e ç ã o s e co m o
a d v é rb io não , j á a c h a r ia , n e s ta u n ic a c o n sid e ra ç ã o , m o tiv o
su fficien te^ p a r a s e r tid o co m o conjuneção subordinativa,
q u an d o n ão tiv e s s e o u tro n a p ro p rie d a d e de se r e s o lv e r
a n a ly tic a m e n te em q u e , ou n ’u m a lo cu çã o c u ja u ltim a p a ­
la v r a é QUE: — A NÃO SER QUE...
E x. ^Que é 0 nascer senão o remedio de não ser ? (P.
Ant. Vieira). — {Que é o nascer, se não é o remedio de não
ser: — a não ser que se.ja o remedio de não ser?).
Não têm ás vezes mais de prudência os máos em seus
conselhos, que de coserem a bocea. (Fr. João do Ceuta). _
(... SENÃO de coserem a bocea).
Por estes desmanchos analyticos pcrccbc-sc que a cir-
cumstancia provocando a contracção senão é simplesmente
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

a om issão do facto cm que terião dc a c tu a r as duas p a rte s


constitutivas deste vocábulo ( senão o remedio : — se não é
0 remedio).
Toda a nobreza e exeellencia do homem consiste no livre
alvedrio ; e o servir, se não é perder o alvedrio, é eaptivá-lo.
(P. Ant. Vieira).
Umas leves alterações cm outros trechos igualmcnte
extrahidos do P. Ant. Vieira prestão-se a confirmar esta
allegação.
({ Use 0 principe de doçura, domará elephantes ; se de
VIOLÊNCIA, irritará cordeiros ». — Use o principe de doçura,
domará elephantes; senão, irritará cordeiros. — Isto é: Use
0 principe de doçura, domará elephantes; se n Ão usar de do­
çura... ( a não ser que use de doçura), irritará cordeiros).
« iNo ([ue toca a todos, consulte os mais; se não acertar,
errará acreditado ». — No que toca a todos, consulte os mais;
SENÃO, errará desacreditado . — (... se não consultar. . . —
A SER QUE NÃO COnSultc...).
(( Que cousa é o ouro e a prata, senão uma terra de
melhor côrf E, que são as pérolas e os diamantes, senão
uns vidros mais duros ? Que cousa são as galas, senão um
engano de muitas côres ? » — Isto é : Que cousa é o ouro e a
p>rata, se não são uma terra de melhor côrf E, que são as
pérolas e os diamantes, se não são uns vidros mais duros?
Que cousa são as galas, se não são um engano de muitas
côres f
Nisto é que se cifrão as principaes observações a que
cumpre attender para escrever com acerto senão e se
à
NÃO.
Cumpre ainda notar que os clássicos empregão fre­
quentemente o mesmo vocábulo com o sentido da locução
hoje mais usada e sim .
Ex. Agora não vos peço admiração, senão (e sim) pasmo.
(P. Ant. Vieira).
O que dahi decorre, é que, com este sentido, senão
deixa de ser conjuneção subordinativa, e passa a ser p re ­
ventiva, com o sentido de mas.
281. Muito convem discriminar a locução conjunctiva
DO QUE das très locuções pronominaes do que .
As locuções pronominaes são esscncialmcntc conver-
tiveis em daquelle que .... daquillo que .... ou de que
COUSA.
Ex, Que direi do que, para sahir um dia aos touros, e
204 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

ostentar cincoenta lacaios vestidos de tela, empenhou o morgado


e as commendas por muitos annos? (P. Ant. Yieira). — ($we
direi DÀQUELLE QUE...).
Quem não se guarda no que receia, não se espante quando
vir 0 que teme. (P. Ant. Vieira). — {Quem não se guarda
DAQUiLLo QUE receia...).
E, porque a canna delgada não poderia suster o peso da
espiga, esta se reforça com as camisas das folhas de que está
vestida, e muito mais com os nós que de espaço em espaço tem
distribuidos, os quaes são como os liadouros de tijolo nas q)a-
redes de taipa para firmá-las, do que carece a aveia, que,
como não tem, no alto, peso, não teve deste reforço necessidade.
(Pr. Luiz de Granada). — (... de que cousa carece a
aveia...).
A locução DO QUE é conjunctiva quando, por substi-
tuição a QUE, in v ertem en tre os dons m em bros de um a
com paração.
Ex. Mais louvável é evitar as injurias do que (que)
vingar-se deltas. (P. Ant. Vieira).
Um avarento não faz cousa mais acertada em toda a sua
vida DO QUE {que) sahir-se delia. (P. Man. Bernardes).
Isto é 0 que se escreve, e se escreve muito menos do que
{que) verdadeiramente é. (P. Ant. Vieira).
282. Importa igualmente não confundir o comple­
mento indirecto para que com a locução conjunctiva para
QUE.
N o jDrimciro caso deixa-se que resolver em todas as
form as an aly ticas que designão esto vocábulo, já como ad-
jectivo indefinito, já como pronom e relativo, já como p ro ­
nome indefinito.
Ex. Não nos é dado saber para que fins creou Deos
tudo 0 que vemos. — (... para quaes f in s ...).
Quando se publica e se sabe o felicissimo e altissimo fim
PARA que nasceu Maria, então se solemnisa e festeja com
razão o dia do seu nascimento. (P. Ant. Vieira).— (... para
o QUAL...).
Nascemos sem saber para que nascemos; e bastava só
esta ignorância para fazer a vida pesada, quando não tivera
tantos encargos sabidos. (P. Ant. Vieira). — (... para que
cousa...).
No segundo caso resolve-se para que em afim que ,
ou em outra locução conjunctiva de mesma categoria.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 205

Ex. De umas cidades se não sabem os lugares onde esti-


verão; de outras se lavrão, semeião e plantão os mesmos lu­
gares, sem mais vestígios de haverem sido que os que encontrão
os arados quando rompem a terra: p a r a q u e os homens,
compostos de carne e sangue, se não queixem da brevidade da
vida (pois também as pedras morrem), e p a r a qu e ninguejn
se atreva a negar que tudo quanto houve, passou, e tudo
quanto é, passa. (P. Ant. Vieira). — (... a f im q u e . . . ) .
Aos cães, deixa-se-lhes sopa p a r a q u e não ladrem nem
mordão. (P. ÍVIan. Bernardes). — (... a f im q u e . . . ) .
283. Entre as locuções conjunctivas de mesma ordem
merece especial reparo a que fica constituída dos vocábulos
POR e QUE, visto apresentar a singularidade de apparecer
sempre disgregada por uma interpolação em que se en­
contra necessariamente um participio, adjectivo ou adver­
bio, ou palavra originariamente adjectival.
Ex. Não ha caso, p o r p e r d id o q u e seja, que, posto na
mão de um sabio, delle não esperemos remedio; e não ha caso,
POR GANHADO QUE seja, qu6, posto na mão de algum simples,
não se espere perdê-lo. (P. Ant. Vieira).
P or d e s p r e z ív e l q u e seja qualquer pessoa, pôde ser m u i
u til ou m u i nociva a qualquer outra de alto estado e digni­
dade. (P. Man. Bernardes).
Terrivel palavra é um non . Não tem direito nem avesso;
po r q u a l q u er lado q u e o tomeis, sempre sôa e diz o mesmo...
P or q u a l q u e r parte q u e o tomeis, sempre é serpente, sempre
morde, sempre fere, sempre leva o veneno... P or m a is qu e
confeíteis um não, sempre amarga; p o r m a is q u e o enfeiteis,
sempre é feio; p o r m a is q u e o doureis, sempre é de ferro.
(P. Ant. Vieira).
Verifica-se, aliás, a unidade de sentido desta locução,
apezar da dissociação que lhe impõe a sua natureza, pela
faculdade de, em todas as hypotheses, ser resoluvel em
uma ou outra das tres expressões synonymas embora, ainda
que, posto que.
Não ha caso, e m b o r a seja perdido... e m b o r a seja ga­
nhado...
A in d a q u e seja desprezível qualquer pessoa,...
E m b o r a tomeis o não p o r qualquer la d o ... p o r qualquer
p a r te ... E m b o r a o confeiteis m u ito ,... o enfeiteis m u ito ,... o
doureis m u ito ...
284. As CONJUNCÇÕES PREVENTIVAS são vocabulos que,
por sua interposição entre duas partes de um mesmo termo
206 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

syntaxico, ou entre duas proposições, ou emfim entre duas


orações, não têm outra funcção senão a de encaminhar o
espirito a considerar as idéas ou pensamentos assim ligados,
como consenscientes ou dissidentes.
Exemplos :
(Entre partes de um mesmo termo):
Lucullo, cidadão romano, homem riquíssimo, mas muito
vanglorioso, gastava em cada ceia, com seus convidados, cinco
mil philippêos. (P. Man. Bernardes).
(Entre proposições) ;
O entendimento é a mesma parte que discorre, porém
póde discorrer mal. (Mathias Ayrcs da Silva de Eça).
(Entre orações) :
Póde haver maior desgraça que não ter um homem hem
algum digno de inveja ^ Pois é o que se segue de não ter ini­
migos. (P. Ant. Vieira).
Verifica-se o caracter essencialmente accessorio das
conjuncções preventivas, e conseguintemente a sua menor
importância, pela consideração que, sendo eliminadas, não
fica por isso o pensamento desvirtuado ; porém o sohresalto
que de sua suppressão recebe o espirito, é indicação fri­
sante de quanto servem para suavisar a linguagem. Basta,
para averiguá-lo, sujeitar a esta prova os très exemplos
anteriores.
285. As conjuncções preventivas que mais a miudo
oceorrem, são as seguintes :
aliás, logo, pois,
comtudo, mas, porém,
emfim, ora. portanto,
entretanto, outrosim, todavia, etc.

Convem accrescer-lhes as iterativas


ja... ja... — ora... ora... — quer... quer...

286. Em opposição ás outras classes de conjuncções,


as preventivas podem ser consideradas como formas mera­
mente adverbiaes, ageitadas a servir de transição. Com­
prova-o, não só a propriedade que algumas têm, como
todavia, entretanto, comtudo, etc., de se portar, de vez em
quando, junto a verbos, como verdadeiros advérbios, senão
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 207

também a frequência dos casos cm que vocábulos consti­


tuindo declaradamente advérbios ou locuções advcrbiaes
fazem o officio de conjuneções preventivas; assim finalmente
cm vez de emfim, — conseguintemente, por conseguinte, j^or
consequejicia em vez de logo ou portanto, etc. Assim é que,
no seguinte exemplo, a conjuncção e m f i m faz o officio de
mero advérbio:
Quando Affonso de Albuquerque eonheceu que as intrigas
tramadas pela inveja t i n h ã o e m f i m (finalmente) a b a l a d o o
coração de el rei, não se pôde conter que não levantasse as
mãos ao céo. (Vida de el rei D. Manoel).
Porém, nos seguintes exemplos, são a contrario advér­
bios que fazem o officio de conjuneções, por se intromet-
terem como vinculo entre orações :
Que cousa é a fama, senão uma inveja comprada^? uma
funda de David, que derriba o gigante com a pedra, e ao
mesmo David com o estalo. Que cousa é a. prosperidade hu­
mana, senão um vento que corre todos os rumos ? se diminue,
não é bonança; se cresce, é tempestade. F i n a l m e n t e , que
cousa é a mesma vida, senão uma alampada aecesa ? vidro e
fogo: vidro que com um assópro se faz, fogo que eom um as-
sópro se apaga. (P. Ant. Vieira).— (... E m f i m , que eousa é
a mesma vida...).
Saibamos agora, e não de outrem, senão das mesmas ar­
vores, se este bom governo, do modo que ellas o entenderão, se
pôde conseguir e exercitar com as raizes na terra. A s s i m as
que 0 offerecêrão, como as que o não aceitarão, todos concordão
que não. (P. Ant. Vieira). — (Pois as que o offerecêrão...).
Alas vamos a esse inimigo. Já que esse inimigo e esse
odio é tão irreconciliavél, porque não matais esse inimigo f
Responde a vossa bizarria que o não matais porque não ha
causas para tanto. A g o r a v o s convencí. Basta que a vossa des­
união não tem causas para matar um homem, e tem causas
para matar um reino! (P. Ant. Vieira). — (... L o g o ( p o r ­
t a n t o ) vos convencí...).

287. Dentre as referidas preventivas contão-se novo


que SC deixão transferir para dentro da proposição que
lhes cabe logicamente iniciar :
aliás, entretanto, porem,
comtudo, logo, portanto,
emflm. pois. todavia.

Mas cumpre attender a que não convem afastá-la§


208 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

muito do logar quo Ihes é assignado por sua funcção, ncm


intromettê-las entre termos que intimamente se prendem.
Ex. O 'peccado da usura^ e a enfermidade da lepra pa­
recem-se em muitas cousas: não e, l o g o , de admirar (pue esta
fosse a pena daquella. (P. Man. Bernardos). — (... l o g o não
é de admirar...).
Assim, P O IS, acontece aos soberbos, (que, quando mais
ufanos e satisfeitos de suas prendas, andão a buscar o applauso
do mundo. (P. M. Bernardos^. — (Pois assim acontece...).
Não diminuiu nada a dor de S. Ex. o não ter visto ao
senhor D. Theodosio, porque o via retratado nas suas cartas;
sei, co M TU D o, (que deseja muito em retrato seu natural. (P.
Ant. Vieira). — (... c o m t u d o sei (que deseja...).
Forão inventores destes jogos Hercules, Pytho, Thesêo e
outros heroes, de (quem os tomárão os Gregos e Romanos, sendo,
PO RÉM , 0 principal prêmio dos que vencião, não o dinheiro,
senão a honra e fama. (P. Ant. Vieira). — (... p o r é m sendo
0 principal prêmio...).

288. As conjuncções iterativas exprimem alternancia


ou opção.
Ex. Sahiu a pomba da Arca; e diz o texto sagrado que,
J Á ia, J Á tornava, j Á tomava para uma parte, j A para outra,
e que não achava onde descansar. (P. Ant. Vieira).
Que é 0 que vês?... Tudo passando... as arvores sempre
remudando-se, o r a seccas, o r a floridas, o r a murchas. (P. Man.
Bernardos).
Seria cousa grande descer ao particular, q u e r de esmolas,
Q U ER de donativos gratuitos. (P. Simão de Vasconcellos).

CAlFITXJILO X
DA INTERJEIÇÃO
289. Interjeição é uma palavra invariável que implici*
tamente abrange todos os elementos do uma proposição ou
pensamento.
As mais perfeitas interjeições por sua significação ca­
tegórica são SIM c NÃO, quando representando por si sós
tR IM E iR A PARTE - LEXICOLOGIA 209

um pensamento, servem de resposta peremptória a uma


interrogação.
Ex. Responde-me. Para onde vais? vais para. a sepul­
tura ? Sim. (P. Ant. Vieira). — (Tu vais para a sepul­
tura).
Esta navegação^ estas viagens, este caminho maritimo para
a Índia, China e toda a Asia, havia-o antigamente ? N ão :
nem rasto ou pensamento humano de tal caminho; antes, mais
doutos e sábios entendimentos o tinhão por impossivel. (P. Ant.
Vieira). — (N lo o havia).
290. As interjeições são de duas especies; próprias ou
impróprias.
291. P róprias são as interjeições que, constando das
vozes ou vocábulos que soltamos quando nos commove
algum affecto vivo, não podem reverter para nenhuma
outra especie de palavras. As mais usadas são a h ! e oii!
que, conforme a modulação com que sahem expressas,
enuncião sentimentos vários e até oppostos. O numero das
demais é relativamente diminuto; e, com excepção de o x a l ã
(do arabe: « Praza a Deos »), poucas são as que passão do
estylo familiar.
Apage! — Apre! — Arre! — Bofé! — Caluda! — Chiton!
— Eia! — H i! hi! hi! — Hui! — Hum ! — Irra! — Olá!
— Olé! — Rou-rou! — Siu! — Sus! — T á ! etc.
292. I mpróprias são as interjeições que, deixando do
enunciar implicitamente um pensamento, revertem para
outra especie de palavras.
Ex. Olhai, PEIXES, lá do mar para a terra. Não! não!
não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os mattos
e para o sertão: p a r a c ã ! p a r a c á ! para a cidade é que
haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns
aos outros ? Muito maior açougue é o de cá; muito mais se
comem os brancos! (P. Ant. Vieira).
Houve algum homem tão mimoso dá fortuna neste mundo,
que, em alguma ou em todas as cousas delle, achasse o des­
canso que buscava? N enhum. (P. Ant. Vieira).
Para concluir este parecer, veiu um, e disse: « S e n h o r ,
a l v i ç a r a s ! BOA NOVA! g r a n ’ p r o g n o s t ic o ! aguia real sobre
0 campo de Vossa Alteza, rodeada de milhanos, signal certo
de vencimento, que o Céo nos mostra. » (Luiz Torres do
Lima).
Correrão os terços portuguezes valorosamente, e com grande
210 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

brio se gritou: « Vi c t o r i a ! v ic t o r ia ! » (Luiz Torres de


Lima).
Se lhe não podeis dar, ao pretendente, o que lhe negais,
quem lhe ha de restituir o que lhe perdeis ? Oii! r e s t i t u i ç õ e s !
Oiij c o n s c i ê n c i a s ! Oh ! c o n f i s s õ e s ! Seja a ultima admi­
ração, esta; qms não louvo nem condemno, e só me admiro!
(P. Ant. Vieira).
293. No numero das interjeições impróprias cabem
igualmente as palavras de interpellação, ou, como se sóe
dizer por imitação do latim, as palavras em vocativo ou
opostrophe, de que já veiu um exemplo no primeiro trecho
citado: « Olhai, p e i x e s , lá do mar...»'), quer appareção
precedidas do vocábulo expletivo— ó — , quer não.
Ex. P a d r e n o s s o , que estais no céo, sanctificado seja o
vosso nome. (Evangelho). • El
O’ L e o s e S e n h o r m e u ! por vossa infinita bondade vos
rogo^ humildemente me concedais que vos ame de todo o co­
ração. (P. Man. Bernardos).
m Que quiz o anjo no céo, e que quiz o homem no paraiso f
Ambos quizerão ser como Deos. Menos me admiro das suas
vontades que de seus entendimentos. Vem cá, L u c i f e r ; vem
cá, A dão : tu anjo, e o mais sabio de todos os anjos; tu ho­
mem, e 0 mais sabio de todos os homens! Não entendeis e
conheceis com evidencia que não podeis ser como Deos!^ rP.
Ant. Vieira).
S e n h o r e s m e u s , que tão desvelados andais todos, e tão
esfaimados por ter de comer, e por deixar de comer a vossos
filhos, segui e servi a Christo, e eu vos asseguro da sua parte
que, nem a vós, nem a elles, lhes faltará pão. (P. Ant.
Vieira).
294. Porém, vindo as interjeições a constar de mais
de uma palavra, póde-se-lhes chamar, em attenção á uni­
formidade da nomenclatura analjtica, l o c u ç õ e s i n t e r -
J E C T IV A S .

Leste genero são, além de algumas já citadas, as ex­ !;(■


pressões:
Pois sim! — Pois não! — Pois então! — Já já ! — Ai de
nós! — certo que sim! — De certo que n ã o !— Aqui de
lí el rei! — Etc.
Ex. Aqui, levantando a voz, bradou el rei D. Henrique
I I I de Castelha : « Olã ! olã ! g e n t e d a m i n h a g u a r d a ! »
(P. Man. Bernardes).
P ' V' *
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O V• ■]'
Disse então o barão de Alvito a frei João da Silva:
« Dois, se assim é, p a t e r n o s t e r p e l o r e i , p e l o r e i n o e
P ELO S VAssALLOs! )) (Luiz Torres d e Lima).

CA.PITULO XI
‘íflü
■it)
DA ANALYSE
295. Analyse é a investigação, em um todo composto,
não só das partes que o constituem, senão também das leis
que mantêm as partes em cobesão, para conseguir-se, do
mesmo todo, a noção mais exacta. ’
Assim é a analyse um meio, não um fim, como alguns
0 parecem acreditar j e até, se fôr de tal modo instituída,
que não leve para nenhuma conclusão pratica, torna-se
apenas uma pueril gymnastica intellectual, que não vale o
que custa. Porem, devidamente encaminhada, ella concorre,
mais do que qualquer outro methodo, á consecução da ver­
dade, e, por isso, é reputada em todas as doutrinas um
auxiliar indispensável.
O seu principal escolho (pois ella não é mais isenta do
que tudo quanto é humano, á contingência do erro) con­
siste em ficar exposta a uma falsa apreciação do sou ver­
dadeiro alcance ; porquanto este, embora claramente deter­
minado em theoria, não deixa de requerer tino na pratica,
jiara não ser excedido. Assim é que, actuando a analyse
por decomposição, evidente fica que deve parar onde acaba
a divisibilidade ; porquanto, seja qual fôr a jjrogressão divi­
sória, em se chegando a u m , impossível é achar-lhe nous.
Não são, todavia, tão poucos os abusos da analyse re­
gistrados nos annaes das scieneias. Sómente, conforme tivcrão
por objecto a materia ou uma abstracção, bastante diversas
apparecem as consequências.
No primeiro caso, o resultado não é nenhum, porque
a materia não se deixa violentar; e por isso é que constan­
temente fugiu aos alchimistas das éras transactas o ouro
que pretendião extrahir de tudo quanto não era ouro.
No segundo caso, o resultado é geralmentc alguma
ficção, que, por mais esdruxula que sáia, sempre consegue
grangear proselytos, graças ao especioso preconceito que
212 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

faz aceitar como profundo o que desafia o entendimento,


como philosophico o que burla o bom senso. Haja vista,
em Grammatica, a tão preconisada theoria do v e r b o s u b ­
s t a n t i v o , que, longe de explicar cousa alguma, de concluir
em cousa alguma, tudo enreda c obscurece, e apenas serve
para comprovar que, se fôra o homem incumbido de crear
a linguagem, não só tê-la-bia feito feissima, como ainda
inintellegivel. Pois á mesma theoria do v e r b o s u b s t a n t i v o
é que se deve, por exemplo, este transcendental achado,
que, no verbo combinado « Ando procurando, » onde a com­
plexidade da forma não abriga em realidade mais de uma
só e unica idéa, aninhão-se entretanto nada menos de quatro :
« Sou A N D A N T E SENDO PR O C U RA N TE ! » Tal é, fielmente tran-
scripta, a mais extremada das formulas de um dogma gram­
matical reputado supinamente orthodoxo aquém e além
mar, nesta e naquella lingua, e por quantos se prezão de
ter devassado os mysteriös da analyse lógica. Oh ! lógica !
E’ o casó de exclamar com o P. Ant. Vieira : « Seja a
ultima admiração, esta ! pois não louvo nem condemno : só me
admiro ! »
296. A analyse grammatical, por esta doutrina, consta
de très processos distinctos, correspondentes ás très princi-
paes soluções que á Grammatica incumbe dar no interesse
da correcção da linguagem, quer fallada, quer escripta.
Pelo primeiro inquire-se da natureza e formas das pa­
lavras ; pelo segundo, de suas funeções dentro da propo­
sição ; pelo terceiro, da indole das proposições com referencia
á pontuação.
A A N A L Y S E G R A M M A T IC A L divide-se assiiii eiu lexicologica,
syntaxica e lógica.
Baseia-se na convicção; aliás justificada pela experien-
cia, que, sob a variedade accidental dos idiomas, a exjiressão
do pensamento não póde deixar de ficar inflexivelmente
subordinada a um certo numero de principios tão indejien-
dentes de nosso alvedrío, e portanto tão incommutaveis,
tão indestruetiveis como o são as proprias faculdades de
nossa alma.
Pois estes principios são as funeções das palavras, re­
presentadas pelos S E T E TERM O S S Y N T A X IC O S .
Quer isto dizer que, para acertar, em soja que lingua
for, na classificação das palavras, cumpre saber qual é, dos
elementos da proposição, o que por ellas é representado no
caso sujeito á analyse. Porquanto só a f u n c ç ã o é perma­
nente, universal, absoluta em Grammatica ; tudo o mais é
çontingente, illusivo, inconsistente.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA

Não ha duvida que, mórmente com a pratica assidua


de exercícios analyticos, venha a desenvolver-se um certo
tino que permitta de, á primeira intuição, formar-sc um
juizo seguro sobre a natureza das palavras pelos seus carac­
teres extrínsecos; porém, no caso de duvida, a solução per­
tence de direito á funeção, como ver-se-ha pelo exame da i
unica palavra m a i s do seguinte exemplo, que aliás virá no­ i I
vamente reproduzido para outras c mais importantes de­
monstrações :
« Ha M A IS para onde subir? Ainda ha m a i s . » (P. Ant.
Vieira).
O vocábulo m a i s é, conforme a sua funeção, adjectivo
indefinito, pronome indefinito ou adverbio. (V. § 168). Qual
será, no caso vertente, a classe cm que legitimamente cabe ?
A deficiência, no trecho, de todo c qualquer substan­
tivo ao qual se possa prender como apposição, basta para
vedar que seja classificado como adjectivo; e, além disso,
não sendo de estado o verbo de que depende ( h a ) , escu­
sado é também ventilar a hypothese que seja adjectivo na
qualidade de predicado.
Sobrão assim as eventualidades de pronome e de adver­
bio^ que, a julgar perfunctoriamente, parecem igualmcntc
lhe convir, embora correspondão a termos syntaxicos abso­
lutamente inconciliáveis. Com effeito, sendo adverbio, ]\i a i s
torna-se o equivalente de um complemento indirecto (V. § 251);
sendo pronome não regido de preposição, a sua funeção é
necessariamente de sujeito ou de complemento directo. Não é,
Lül portanto, indiíferente attribuir-lhe esta ou aquella quali­
ficação.
E’ o caso de considerar attentamente o verbo junto ao L
qual exerce uma funeção, para destrinçar a que lhe com­
pete. A primeira observação que se colhe, vem a ser que o
verbo h a , não constituindo ahi um auxiliar, pela ausência
de todo e qualquer participio invariável ou de infinitivo com
o qual forme um tempo composto, é forçosamente activo ou
impessoal, sendo que, em um como no outro caso, não pres­
cinde de um complemento directo de substantivo ou pronome.
Ora, apresentando-se m a i s como a unica palavra que se
póde incumbir desta funeção^ evidente fica que é ahi m a i s
um pronome, por ser complemento directo.
A demonstração será completa? Ainda não, porque a
prova é apenas negativa. Se m a i s é pronome, representa
um nome ou substantivo com ou sem apposição, ou até
outro pronome: a prova, portanto, só será cabal, se, sendo
substituído, deixa m a i s reapparccer os seus constituintes.
Pois é exactamente o que succede pela substituição:
214 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ha OUTRO LUGAR para onde suhir f Ainda ha outro . »


f(
Neste conjuncto architectoiiico que se chama Gram-
matica, os termos syntaxicos formão assim o fecho do abo­
bada que segura todo o edifício.

ADYERTENCIA
SOBRE OS e x e r c íc io s ANALYTICOS.

2J)7. Rollin, tratando do ensino litterario, emittiu a


opinião que, na escolha dos excerptos tendentes a comprovar
a doutrina, prevalecessem sempre as obras mais perfeitas
visto este meio ser o unico capaz, não só de debellar as
loquelas espúrias do vulgo, como ainda de apurar o gosto
pela infusão progressiva daquellas normas do bom fallar
que já não^ são do dominio da sciencia, isto é, da demons­
tração, e sim do da arte ou imitação. A experiencia elevou
esta indicação á altura de um preceito. Versem, portanto
08 exercícios analyticos sobre trechos extrahidos dos mais
puios 1 epresentantes da litteratiira nacional, porque, mór-
mente nos clássicos portuguezes, raro é o caso em’que a
belleza da expressão não sirva de vehiculo a um nobre pen­
samento, consideração de summa importância num systema
educativo assentado no ensino da lingua patria.
Todavia, se se fez, nesta obra, abstracção quasi com­
pleta de exemplos tirados dos poetas, foi muito de propo-
sito; porquanto, sendo a dicção poética essencialmente di­
versa da da prosa, por ser também diverso o seu fím não
pareceu ^azado misturar estrueturas que frequentemente se
contrariao, para abonar a que forma incontestavelmente o
objecto especial da Grammatica. Sem duvida não é licito
ao estylo poético zombar das regras grammaticaes; porém
nao e menos verdadeiro também, que á Grammatica não
compete, em uma citaçao de versos, cuidar do que constitue
geralmente o seu principal realce: uma contextura artifi­
ciosa e delicada que o escalpello da analyse grammatical
desnatura e profana. &
^ 298. Os exercícios analyticos podem ser praticados de
viva voz ou por escripto. Porém qualquer destes dons modos
de investigação, empregado com exclusão do outro, acarreta
inconvenientes. A analyse praticada só vocalmente tem o
defeito de alliviar os estudantes de uma tarefa que requer
meditaçao, o que lhes tira o merecimento de um trabalho
%
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 215

espontâneo, ou a responsabilidade de iim deleixo censurável.


Desenvolvida só por escripto, a analyse mal se compadece
com a exposição de motivos que lhe serve de saneção, e ,)
portanto fica tolhida de dar todo o seu frueto. Remove-se
a difficuldade por uma conciliação dos dons processos, que
consiste em assignai* á tarefa cscripta uma indicação sum- <■ 1
maria, o ao exercido oral a justificação das mesmas indi­
cações.

ESPECIMEN DE ANALYSE LEXICOLOGICA III n I

ARGUMENTO

299. Salomão, o mais sabio de todos os que nascerão,


faz uma comparação tão superior ao nosso juizo, que só
podia caber no seu. Compara o dia da morte com o do
nascimento; e, na diíferença destes dous extremos, quem
não imaginará que se compara o dia com a noite, a luz
com as trevas, a alegria com a tristeza, a felicidade com a
desgraça, a cousa mais desejada com a mais temida, e, com
a mais terrivel, a mais amavel? Sendo, porém, tão prenhe
de admiração a proposta, mais digna de espanto é a sen­
tença. Resolve Salomão que melhor é o dia da morte que
o dia do nascimento. E, que tem o dia da morto para ser
melhor que o dia do nascimento?
O dia do nascimento não é o mais alegre, e o da
morte, o mais triste? O do nascimento não é o que povôa
o mundo; o da morte, o que abre e enche as sepulturas?
0 do nascimento, o que veste de gala as familias e as cortes;
o da morte, o que as cobre de luto ? A morto não é o
maior inimigo da vida, e o nascimento não é o que, sendo
ella mortal, a immortalisa? Que é o nascer senão o remedio
de não ser? e, que seria do mundo, se, em lugar dos mor­
tos, não nascêrão outros que lhes succedessem ? Até em
Deos necessita de nascimento a mesma Trindade, porque,
sendo só a pessoa Padre innascivel, Deos, sem nascimento,
seria um, mas não seria trino. Pois, se tantos são os bens
e felicidades que traz comsigo o dia do nascimento, os
quaes todos funesta, consume e acaba o dia da morte, que
I motivo teve o juizo de Salomão para antepor o dia da
morte ao dia do nascimento? Entendeu-o melhor que todos,
o maior interprete das Escripturas. « E’ melhor, diz S. Je-
ronymo, o dia da morte que o dia do nascimento, porque,
no dia do nascimento, ninguém póde saber o para que
nasce, e só no dia da morte se sabe o fim para que nasceu. »
216 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

So, no nascimento de Judas e Dimas, se levantasse figura


certa ao que cada um havia de ser em sua vida, a do pri­
meiro diria que havia de ser apostolo, e a do segundo, que
havia de ser ladrão: e assim forão na vida. Mas o verda­
deiro juizo do fim para que cada um dclles nascêra, ainda
estava incerto. Veiu finalmente o dia da morte, que foi o
mesmo em que ambos acabarão ; e esse dia declarou, com
assombro do mundo, que Judas nascêra para morrer enfor­
cado como ladrão, e Dimas, para confessar e prégar a
Christo como apostolo. (P. Ant. Yieira).

DECLAEAÇAO
DA NATUREZA DAS PALAVRAS.

Salomão, Subst. prop. m. s. da Art. def. cont. f. s.


0 Art. def. m. s. morte Subst. com. f. s.
mais Adv. com Prep.
sabio Adj. qual. m. s. 0 Pron. dem. m. s.
de Prep. do Art. def. cont. m. s.
iodos Adj. ind. m. p. nascimento; Subst. com. m. s.
os Pron. dem. m. p. Conj.
que Pron. rei. m. p. na Art. def. cont. f. s.
nascerão, V. n. Ind. 8 T. diff'erença Subst. com. f. s.
faz V. a. Ind. 1 T. destes Adj. dem. cont. m. p.
uma Art. ind. f. s. dous Adj. num. card. m. p.
comparação Subst. com. f. s. extremos. Adj. subst. m. p.
tão Adv. quem Pron. indef. m. s.
superior Adj. qual. f. s. não Adv.
ao Art. def. cont. m. s. imaginará V. n. Ind. 7 T.
nosso Adj. pos. m. s. que Conj.
juizo. Subst. com. m. s. se Pron. pes. m. s.
que Conj. compara V. p. Ind. 1 T.
só Adv. 0 Art. def. m. s.
podia V. n. Ind. 2 T. dia Subst. com. m. s.
caber V. n. Inf. 1 T. com Prep.
no Art. def. cont. m. s. a Art. def. f. s.
seu. Pron. pos. m. s. noite, Subst. com. f. s.
Comjmra V. a. Ind. 1 T. a Art. def. f. s.
0 Art. def. m. s. luz Subst. com. f. s.
dia Subst. com. m. s. com Prep.
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 217
as Art. def. f. p. a Art. def. f. s.
trevas 1 Siibst. com. f. p. sentença. Subst. com. f. s.
a Art. def. f. s. Resolve V. n. Ind. 1 T.
4.
alegria Subst. com. f. s. Salomão Subst. prop. m. s.
-0 com Prep. que Conj.
'.'lH a Art. def. f. s. melhor Adj. qual. m. s.
tristeza^ Siibst. com. f. s. e V. n. Ind. 1 T.
a Art. def. f. s. 0 Art. def. m. s.
felicidade Subst. com. f. s. dia Subst. com. m. s.
com Prep. da Art. def. cont. f. s.
a Art. com. f. s. morte Subst. com. f. s.
desgraça., Subst. com. f. s. que Conj.
a Art. def. f. s. 0 Art. def. m. s.
cousa Subst. com. f. s. dia Subst. com. m. s.
mais Adv. do Art. def. cont. m. s.
desejada Part. var. f. s. nascimento. Subst. com. m. s.
com Prep. E, Conj.
a Art. def. f. s. que Pron. ind. m. s.
mais Adv. tem V. a. Ind. 1 T.
temida, Part. var. f. s. 0 Art. def. m. s.
Conj. dia Subst. com. m. s.
com Prep. da Art. def. cont. f. s.
a Art. def. f. s. morte Subst. com. f. s.
mais Adv. para Prep.
terrivel, Adj. qual. f. s. ser V. n. Inf. 1 T.
a Art. def. f. s. melhor Adj. qual. m. s.
mais Adv. que Conj.
1. amavel ? Adj. qual. f. s. 0 Pron. dem. m. s.
Sendo, Ger. simp. do Art. def. cont. m. s.
•porém. Conj. nascimento f Subst. com. m. s.
tão Adv. 0 Art. def. m. s.
prenhe Adj. qual. f. s. dia Subst. com. m. s.
de Prep. do Art. def. cont. m. s.
admiração Subst. com. f. s. nascimento Subst. com. m. s.
, a Art. def. f. s. não Adv.
■ proposta. Subst. com. f. s. e V. n. Ind. 1 T.
mais Adv. 0 Art. def. m. s.
digna Adj. qual. f. s. mais Adv.
de Prep. alegre. Adj. qual. m. s.
espanto Subst. com. m. s. e Conj.
e V. n. Ind. 1 T. 0 Pron. dem. m. s.
.1

218 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Art. def. cont. f. s. Subst. com. f. s.


Subst. com. f. s. Fron. dem. m. s.
Art. dcf. m. s. Fron. rel. m. s.
Adv. Fron. pes. f. p.
Adj. quäl. m. s. V. a. Ind. 1 T.
Art. def. m. s. Frep.
Subst. com. m. s. Subst. com. m. s.
Art. def. cont. m. s. Art. def. f. s.
Subst. com. m. s. Subst. com. f. s.
Adv. Adv.
V. n. Ind. 1 T. V. n. Ind. 1 T.
Fron. dem. m. s. Art. def. m. s.
Fron. rel. m. s. Adj. quäl. m. s.
V. a. Ind. 1 T. Adj. subst. m. s.
Art. def. m. s. Art. def. cont. f. s.
Subst. com. m. s. Subst. com. f. s.
Fron. dem. m. s. Conj.
Art. def. cont. f. s. Art. def. m. s.
Subst. com. f. s. Subst. com. m. s.
Fron. dem. m. s. Adv.
qut Fron. rel. m. s. Fron. dem. m. s.
abre V. a. Ind. 1 T. Fron. rel. m. s.
Conj. Ger. simp.
V. a. Ind. 1 T. Fron. pes. f, s.
Art. def. f. p. Adj. quäl. f. s.
Subst. com. f. p. Fron. pes. f. s.
Fron. dem. m. s. V. a. Ind. 1 T.
Art. def. cont. m. s. Fron. ind. m. s.
Subst. com. m. s. V. n. Ind. 1 T.
Fron. dem. m. s. Art. def. m. s.
Fron. rel. m. s. V. n. Inf. 1 T.
V. a. Ind. 1 T. Conj.
Frep. Art. def. m. s.
I- Subst. com. f. s. Subst. com. m. s.
Art. def. f. p. Art. def. cont. m. s.
Subst. com. f. p. Adv.
Conj. V. i. Inf. 1 T.
Art. def. f. p. Conj.
Subst. com. f. p. Fron. ind. m. s.
Fron. dem. m. s. V. i. Cond. 1 T.
Art. dem. cont. f. s. Art. def. cont. m. s.

te A ':.
M ' :i ’.jv

.f
PRIMEIRA PARTE - LEXICOLOGIA 219
mundo^ Subst. com. m. 3. bens Subst. com. m. p.
se, Conj. e Conj.
em lugar (de) Loc. prep. felicidades Subst. com. f. p.
dos Art. def. cont. m. P- que Fron. rel. f. p.
mortos, Part, subst. m. p. traz V. a. Ind. 1 T.
não Adv. comsigo Fron. pes. cont. m. s.
nascêrão V. n. Subj. 3 T. 0 Art. def. m. s.
outros Fron. ind. m. p. dia Subst. com. m. s.
que Fron. rel. m. p. do Art. def. cont. m. s.
lhes Fron. pes. m. p. nascimento. Subst. com. m. s.
suceedessem? V. n. Subj. 2 T. os Art. def. m. p.
Até Adv. quaes Fron. rel. m. p.
em Frep. todos Adj. ind. m. p.
Deos Subst. prop. m. s. funesta. V. a. Ind. 1 T.
necessita V. n. Ind. 1 T. consume V. a. Ind. 1 T.
do Art. def. cont. m. s. e Conj.
nascimento Subst. com. m. s. acaba V. a. Ind. 1 T.
a Art. def. f. s. 0 Art. def. m. s.
mesma Adj. ind. f. 8. dia Subst. com. m. s.
Trindade, Subst. prop. f. s. da Art. def. cont. f. s.
porque. Conj. morte. Subst. com. f. s.
sendo Ger. simp. que Adj. ind. m. s.
só Adv. motivo Subst. com. m. s.
a Art. def. f. s. teve V. a. Ind. 3 T.
pessoa Subst. com. f. s. 0 Art. def. m. s.
Padre Subst. prop. m. s. juizo Subst. com. m. s.
innascivel, Adj. quäl. f. s. de Frep.
Deos Subst. prop. m. s. Salomão Subst. prop. m. s.
sem Frep. para Frep.
nascimento Subst. com. m. s. antepòr V. a. Inf. 1 T.
seria V. n. Cond. 1 T. 0 Art. def. m. s.
um, Adj. num. card. m. s. dia Subst. com. m. s.
mas Conj. da Art. def. cont. f. s.
não Adv. morte Subst. com. f. s.
seria V. n. Cond. 1 T. ao Art. def. cont. m. s.
trino. Adj. num. m. s. dia Subst. com. m. s.
Pois, Conj. do Art. def. cont. m. s.
se Conj. nascimento 9 Subst. com. m. s.
tantos Adj. ind. m. p. Entendeu- V. a. Ind. 1 T.
são V. n. Ind. 1 T. 0 Fron. pes. m, s.
os Art. def. m. p. melhor Adv,
\ ‘y t

220 NOVA GRAMMATIOA ANALYTICA

Conj. Subst. com. m. s.


Fron. ind. ni. p. Frep.
Art. def. m. s. Fron. rel. m. s.
Adj. quäl. ni. s. n. Ind. 3 T.
Sub.st. com. m. s. Conj.
Art. def. cont. f. p. Art. def. cont. m. s.
Subst. prop. f. p. Subst. com. m. s.
V. n. Ind. 1 T. Frep.
Adj. quäl. m. s. Subst. prop. m. s.
V. n. Ind. 1 T. Conj.
Subst. prop. c. m. s. Subst. prop. m. s.
Art. def. m. s. Fron. pes. f. s.
Subst. com. m. s. p. Subj. 2 T.
Art. def. cont. f. s. Subst. com. f. s.
Subst. com. f. s. Adj. quäl. f. s.
Conj. Fron. dem. cont. m. s.
Art. def. m. s. Fron. rel. m. s.
Subst. com. m. s. Fron. ind. c. m. s.
Art. def. cont. m. s. V. prep. Ind. 2 T.
Subst. com. m. s. Frep.
Conj. Adj. pos. f. s.
Art. def. cont. m. s. Subst. com. f. s.
Subst. com. m. s. Fron. dem. f. s.
Art. def. cont. m. s. Art. def. cont. m. s.
Subst. com. m. s. jirim c x ro Adj. subst. m. s.
Fron. ind. m. s. diria Y. n. Cond. 1 T.
Y. n. Ind. 1 T. que Conj.
V. a. Inf. 1 T. havia de ser Y. prep. Ind. 2 T.
Fron. dem. m. s. apostolo^ Subst. com. m. s.
Frep. Conj.
Fron. rel. m. s. Fron. dem. f. s.
V. n. Ind. 1 T. Art. def. cont. m. s.
Conj. Adj. subst. m. s.
Adv. Conj.
Art. def. cont. m. s. Y. prep. Ind. 2 T.
Subst. com. m. s. Subst. com. m. s.
Art. def. cont. f. s. Conj.
Subst. com. f. s. Adv.
Fron. pes. m. s. Y. n. Ind. 3 T.
V. p. Ind. 1 T. Art. def. cont. f. s.
Art. def. m. s. Subst. com. f. s.

........ -Nh
MIMEIRA PAUTE - LEXICOLOGIA 221

Mas Conj. acabarão ; Y. n. Ind. 3 T.


0 Art. def. m. s. e Conj.
verdadeiro Adj. qual. m. s. esse Adj. dem. m. s.
juizo Subst. com. m. s. dia Subst. com. m. s.
do Art. def. coiit. m. s. declarou, Y. n. Ind. 3 T.
fim Subst. com. m. s. com Prep.
para Prep. assombro Subst. com. m. s.
que Pron. rei. m. s. do Art. def. cont. m. s
cada um Pron. ind. c. m. s. mundo, Subst. com. m. s.
delles Pron. pes. cont. m. p. que Conj.
nascera^ V. n. Ind. 5 T. Judas Subst. prop. rn. s.
ainda Adv. nascera Y. n. Ind. 5 T.
estava V. n. Ind. 2 T. para Prep.
incerto. Adj. qual. m. s. morrer Y. n. Inf. 1 T.
Veiu Y. n. Ind. 3 T. enforçado Part. var. m. s.
finalmente Adv. como Conj.
0 Art. def. m. s. ladrão, Subst. com. m. s.
dia Subst. com. m. s. e Conj.
da Art. def. cont. f. s. Dirnas, Subst. prop . m. s.
morte., Subst. com. f. s. para Prep.
que Pron. rei. m. s. confessar Y. a. Inf. 1 T.
foi V. n. Ind. 3 T. e Conj.
0 Art. def. m. s. pregar Y. a. Inf. 1 T.
mesmo Pron. ind. m. s. a Prep.
em Prep. Christo Subst. prop . m. s.
que Pron. rei. m. s. como Conj.
ambos Pron. num. m. p. apostolo. Subst. com rn. s
222 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

S E O X J lS r iD ^

SYNTAXE

TERMOS SYNTAXICOS. - IDÉA. - PENSAMENTO.

PROPOSIÇÃO. - ORAÇÃO.

300. Syntaxe é a theoria das funcçôes que as pa­


lavras exercem na enunciação dos pensamentos, e das
relações que dahi entre ellas occorrem.
Do cotejo da primeira com a segunda parte da Gram-
inatica, o que resulta, é que a lexicologia declara o que
sao as palavras, e a syntaxe, o que ellas fazem.
A lexicologia distribue as palavras em dez especies : a
syntaxe resume-lhes as funcções em sete termos, que são:
1. o tacto; 2.° o sujeito; 3.® o complemento directo; 4.® o
r®Tligação'' "" predicado; 6.® a apposição;

301. Com isso não se entenda que todos estes termos


encontrem-se necessariamente juntos em toda e qualquer
enunciaçao de pensamento, e sim tão sómente que, seja
qual lor o pensamento, todas as palavras que o constituem
cabem forçosamente em uma ou outra destas sete cate!
gorias, com excepção, todavia, das interjeições, que, por
pertencerem a linguagem figurada, se avalião de um modo
todo especial.
302. 0 FACTO fica enunciado por um verbo, e só por
um verbo em um dos quatro modos outros que o infini-
XIVOJ
o SUJEITO essencialmente por um substantivo ou ura
pronome, accidentalmente por um infinitivo;

............
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 223

O COMPLEMENTO DIRECTO, proiTiiscuamente por um sub­


stantivo ou um pronome, o separadamente por um infini­
tivo ;
O COMPLEMENTO INDIRECTO, explicitamente por um sub­
stantivo, um pronome, um infinitivo ou uma locução
adverbial, implicitamente por um adverbio;
O PREDICADO, essencialmente por um adjectivo ou um
participio variavel, accidentalmente por um substantivo,
um pronome ou um infinitivo;
A APPOSiçÃo, essencialmente por um artigo, um ad­
jectivo ou um participio variavel, accidentalmente por um
substantivo, um pronome ou um infinitivo;
A LIGAÇÃO, isoladamente por uma conjuncção ou lo­
cução conjunctiva, contractamente por todo o pronome
adjectivo ou adverbio implicando ostensiva ou disfarçada-
mente QUE ou SE.
303. Considerados nas especies de palavras que os
produzem, os sete termos sjmtaxicos se distribuem como
se segue:
O VERBO fornece, nos quatro primeiros modos, o facto,
c só o facto; no infinitivo fornece um sujeito, um comple­
mento directo ou indirecto, um predicado ou uma appo-
sição.
O SUBSTANTIVO fomecc um sujeito, um complemento
directo ou indirecto, um predicado ou uma apposição.
O ARTIGO fornece uma apposição, e só uma apposição.
O ADJECTIVO fornece um predicado ou uma apposição.
O PRONOME fornece um sujeito, um complemento di­
recto ou indirecto, um predicado ou uma apposição.
O PARTICIPIO fornece um predicado ou uma apposição
quando não constituo com um auxiliar uma locução verbal
indivisível.
A PREPOSIÇÃO fornece uma relação, porém relação sem
alcance apreciável emquanto não sahe expresso o regime
sobre o qual ella actúa, e, com o qual constituo um com­
plemento indirecto.
O ADVERBIO fornece um complemento indireoto implicito.
A CONJUNCÇÃO fornece uma ligação.
Erafim, fóra dos sete termos, a interjeição fornece a
e x c la m a ç ã o , isto é, a ultima das cinco figuras de syntaxe,
de que mais adiante se trata.
224 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

304. Os sete termos são assim as partes normalmente


constitutivas dos pensamentos na sua expressão vocal ou
escripta. A percepção mental a que cada um delles corres­
ponde, é o que se chama idéa.
305. P ensamento é um acto intellectual que implica a
formação de um juizo. O seu característico consiste em se
prestar a ser aceito ou impugnado. Qualquer expressão ou
conjuncto de expressões que foge a este meio de aferição,
apenas solta idéas, mas não enuncia um pensamento. Ex.
Todos os homens querem ter pão. (P. Ant. Vieira). — (S im
ou NÃO ?)
306. O pensamento consta de uma ou mais idéas.
Quando consta de uma, o termo que lhe corresponde, só
pode ser uru facto, isto é, um verbo cm um modo outro
que 0 infinitivo; e só um facto de necessidade, isto é, ao
qual fallece absolutamente todo e qualquer sujeito, como
lhe jDÓde fallecer todo e qualquer predicado, todo e qual­
quer complemento. Ex. anoitece. — trovejou. — choverá.
Que cada um destes termos exprime de per si só um
pensamento, evidencía-se por se deixar aceitar ou impugnar
o juizo que enuncia. Que a mesma faculdade de enunciar
um juizo falta-lhes no infinito, como, em igual caso, falta
a todos os verbos, mesmo ajudados de outros termos, evi­
dencía-se pela impossibilidade de lhes applicar, sob as for­
mas próprias deste modo, o mesmo critério. Ex. anoite­
cer. .. ? — TER trovejado. .. ? — CHOVENDO... ?
307. o facto syntaxico é, portanto, a palavra de vida
no discurso. Emquanto não existe, não ha communicação
intellectual, seja qual fôr o numero, sejão quaes forem as
especies de palavras de que se use.
Desta subordinação de todos os mais termos ao facto,
o que resulta, ó que se torna clle o representante exclusivo
de todo e qualquer pensamento. Ora, sendo a proposição a
mera enunciação de um pensamento, claro é que se contão
tantos pensamentos singelos, ou tantas proposições em ura
trecho dado, quantos nelle são os factos expressos ou occul-
tos; e que cada proposição conta, como suas, todas as pa­
lavras que directa ou indirectamente exercem uma funcção
junto ao proprio facto, seja aliás qual fôr a sua collocação
dentro da oração.
Os factos occultos sao sempre denunciados por palavras
que, nenhuma funcção exercendo junto a factos expressos,
prestão-se todavia, com toda a lisura, a exercer uma junto
a um facto adduzido por suppõsição. Ex. H a mãis parã
çnde subir? (P. Ant. Vieira).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 225

Por mais quo se procuro, neste exemplo, uma relação


de funcção entre o facto iia e as palavras parn onde subir,
não se atina com nenhuma. Dá-se, portanto, o caso de so-
ne^amento de facto. D, com eífeito, encaminhado por esta
inducção, o espirito descobre sem esforço, não só o facto
sonegado, como ainda as relações syntaxicas que estabe­
lecem a sua jurisdicção. « H a mais— para onde se possa
subir?)) — Donde se deduz que ahi, sendo em realidade
dous os factos, duas também são as proposições.
308. A ORAÇÃO, a que outros chamão periodo ou phrase,
consta, ou de uma só proposição, ou do um complexo de
proposições rnais ou menos intimamente relacionadas. Theo-
ricamente, só pódc ser cila determinada por meio da ana­
lyse lógica; praticamente, porém, discrimina-se pelo ponto
íinal.

e x e r c íc io

SOPRE o MODO D E COMPLETAR E D IS P üR A.S PROPOSIÇÕES NAS

INDAGAÇÕES ANALYTICAS DE SYNTAXE

ARGUM ENTO

Terrivel palavra é um non . Não tem direito nem


avesso ; por qualquer lado que o tomeis, sempre sôa c diz
o mesmo.^ Lêde-o do principio para o fim, ou do fim para
o principio, sempre é non . Quando a vara de Moysés se
converteu naquella serpente tão feroz, que fugia delia por­
que o não mordesse, disse-lhe Deos que a tomasse ao revez,
e logo perdeu a figura, a íeroeidade e a peçonha. O non
não é assim : por qualquer parto que o tomeis, sempre ó
serpente, sempre morde, sempre fero, sempre leva o veneno
comsigo. Mata a esperança, que é o ultimo remedio que
deixou a natureza a todos os males. Não ha correctivo que
o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o
adoce. Por mais que confeiteis um n on , sempre amarga;
por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o
doureis, semjire é de ferro. Em nenhuma solfa o podeis pôr
que não seja malsoante, áspero c duro. Quereis saber qual
é a dureza de um non ? A mais dura cousa que tem a
vida, é chegar a pedir; c, depois de chegar a pedir, ouvir
um NON, vêde o que será ! (P. Ant. Vieira).
Terrivel palavra t um non.
li
226 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

[Elle] não tem direito nem avesso ; — j>or qualquer parte


que [vós] 0 tomeis , — [elle] sempre sôa — e diz o mesmo.
L êde -o do principio para o fim, — ou [lêde-o] do fim para
0 principio, — [elle] sempre É non.
Quando a vara de Moysés se c o n v e r t e u naquella ser­
pente tão feroz, — que [ e lle ] f u g ia delia — porque [ e lla ] o
não MORDESSE, — DissE-^/ic I)eos — que [ e lle ] a t o m a s s e ao
revez, — e [ e lla ] logo p e r d e u a figura, a ferocidade e a pe-
çonha.
O non não É assim: — por qualquer parte que [ v ó s ] o
TOMEIS, — sempre [ e lla ] É serpente, — sempre [ e lla ] 3I o r d e ,
— sempre [ella] fere , — sempre [ella] leva o veneno com-
sigo.
[Ella] MATA a esperança, — que é o ultimo remedio —
que DEIXOU a natureza a todos os males.
Não HA correctivo — que o m o d e r e , — nem [ h a ] arte —
que 0 ABRANDE, — nem [ h a ] lisonja — que o a d o c e .
Por mais que [ v ó s ] c o n f e it e is um non, — [ e lle ] sempre
AMARGA ; — por mais que [ v ó s ] o e n f e i t e i s , — [ e lle ] sempre
É feio;—por mais que [ v ó s ] o d o u r e is , — [ e lle ] sempre É de
ferro.
[ Y ó s ] em nenhuma solfa o p o d e is pôr — [ e m ] que [ e lle ]
não SEJA malsoante, áspero e duro.
Q u e r e is [ v ó s ] saher — qual É a dureza de um non 9
Chegar a pedir É a mais dura cousa — que tem a vida;
— e VEDE, depois de chegar a pedir, o — que s e r á ouvir um
non!

EXPOSIÇÃO EPISÓDICA
DA T H E O R IA DO VERBO SUBSTANTIVO

Em antagonismo directo com a doutrina que acaba de


ser expendida, apresenta-se, com todos os precalços de uma
posição firmada, não só no assenso geral, senão também
numa já respeitável diuturnidade de tradição, a theoria que
se póde chamar do verbo substantivo, visto ser este o mais
característico dos diversos aphorismos em que se funda, e
ter servido de ponto de partida para se libellar a sua for­
mula geral.
Esta formula é a seguinte: « Não ha nem póde haver
pensamento constando de menos de tres idéas, e portanto
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 227

não ha nem póde haver proposição constando de menos do


très termos, os qiiaes, embora parcialmente occiiltos ou dis­
farçados, coexistem todavia virtualmente por uma necessi­
dade de relação ; estes très termos são o sujeito, o verbo e o
attrihuto (predicado). » B, como demonstração categórica, a
mesma theoria offerece gcralmente iim exemplo deste ou
de igual teor ; Deos é omnipotente.
Porém, no seu empenho de obviar as duvidas que sus­
cita naturalmente a reflexão, ella se dá pressa em aceres-
centar : « Para se entender isso como convem, cumpre
admittir ])reviamentc que, em todas as ling. as, só ha uma
palavra que merece propriamente a denominarão de verbo,
e esta palavra ó a que, como no exemplo citado, exprime
a existência; o v e r e o s u b s t a n t i v o ; E ’, de s e r . Todos os
mais são apenas v e r b o s a d j e c t i v o s o u a t t r i b u t i v o s , porque
nada mais exprimem do que a idéa do mesmo verbo sub­
stantivo, em combinação intima com o seu indefectivel
attributo ; pois v i v e r , por exemplo, nada mais é senão o
equivalente de s e r v i v e n t e . E, quando se quer penetrar
até ao âmago do pensamento, quando se pretende desvendar
os arcanos da constituição da linguagem, esta é a forma
em que cumpre analyticamcnte resolver todos os verbos
adjectivos ou attributivos. »
Eis-ahi resumida, com a mais escrupulosa fidelidade, a
tão preconisada theoria do verbo substantivo. Sabida, ha
cerca de quarenta annos, do cerebro dos dons grammaticos
francezes JNocl e Chapsal, cila teve a dita de se acreditar
rapidamente, não só no paiz de sna origem, mas ainda, e
talvez com maior enthusiasmo, naquelles onde a mesma
procedência costuma dispensar, em innovações de ensino,
toda e qualquer Axiáficação de proficiência, respondendo cila
preventivamente por si só a todas as objecções. Graças a
tão immjavel jirivilegio, ella veiu a dominar soberanamente
na Grammatica portugueza ; e hoje não ha, neste assumpto,
autor que deixe de lhe fazer a devida continência, embora
nem todos pareção igualmentc convencidos de sua desmar­
cada etficacia.
A A'crdade é que, tanto em relação ao francez, como ;is
mais linguas, nunca se imaginou tamanho absurdo, tão qua­
lificada ]iarAmiçada. Porém, prestando-se ás mais extrava­
gantes elucubrações, ella veiu a assumir dahi uma catadura
quasi mysteriosa, muito appetecida dos espiritos que não
concebem a sciencia sem fantasmagorias estupefacientes,
sem cavernosidades assombrosas, sem abysmos insondáveis.
Tão maravilhoso achado, só comparável ao descobrimento
da pedra philosophal, não podia AÚr a predominar na sciencia^
ùù< NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

som ser caracterisado por um titulo condigno : dabi a appa-


riçào, no pi'ogramma dos estudos, de mna Grammatica phi-
losophlca, assim denominada |)or se incumbir de explicar a
linguagem (pie todo o mundo entende (v. g. ando procu­
rando ), por outra que ninguem sabe o que ella é (Sou
A N D A N T E SENDO P R O C U R A N T E ).
Quanto á outra ou outras grammaticas, que não tratão
de tão pasmosas transmutações, destas ninguem faz caso,
e só se sabe que ellas existem, porque, bavendo uma phüo-
snphica, força é que baja que o não sejão.
Ora, que quer em summa essa grammatica pbilosopbica
com a sua theoria do verbo substantivo? Ella quer quatro
cousas:
1. “ (^ue não baja proposição sem très termos;
2. ^ Que não baja facto sem sujeito;
3. “ Que não baja verbo attributivo que não seja reso-
luvel em verbo substantivo ;
4. “ Que não baja, fora do verbo substantivo, verbo sem
attribiito, nem baja para um tal verbo, outro attributo
senão o que delle se extrabe.
Tudo isso se poderia arguir de falso com uma unica
palavra: C iioye , que constitue uma proposição clara, e cla­
ríssima.
1.® Pois não tem très termos, tem um só;
2° Pois não tem sujeito, nem por sombras;
3. ®Pois não se deixa resolver em verbo substantivo ;
4. ®Pois não tem predicado, nem em si, nem fóra de si.
Mas tão enraizados preconceitos não se deixão arrancar
nem pela mais categórica demonstração. Cumpre, portanto,
discutí-los, tanto mais que o exemplo citado, c outros aná­
logos, desafiarão mui particularmente o estro dos suhstanti-
vistas a todo o transe, e inspirárão-lbes as mais excêntricas
transsubstanciações.
« Verho^ diz o m ais em inente d en tre elles, porque ta m ­
bém é o unico que, na sinceridade de sua fé, e no a rd o r
de seu prosélytism e, não se esquivou ao d ever de deduzir
de seus principies as m ais longínquas conseijuencias, verbo
é a palavra que serve para affirmar a existeneia da qualidade
na substancia, pessôa ou cousa, e por conseguinte o nexo ou
copuLA que une o attributo ao sujeito da proposição, phrase,
sentença ou enunciado do juizo. »
Nada mais terminante e categórico se póde dizer sobre
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 229

a necessidade raetapliysica da intervenção de trcs termos


em toda e qualquer proposição, e, conseguintcmcntc, dc trcs
idéas distinetas cni todo e qualquer pensamento.
(( A forma primitiva do verbo é uma e unica em todas
as linguas: na portugueza S e u , que quer dizer^ ser e n t e in-
determinadamente: nas outras o equivalente de, S e r . «
Eis-ahi até onde pódc levar, philosophicamente fallando,
a paixão por um systema que, como o da analysc, sendo
bom cm si, víra-se todavia contra si mesmo logo que deixa
de gyrar nos seus estrictos limites. Pois, nem o p r im it iv o
ser escapa ahi ao sestro da decomposição analylica! E, que
decomposição é esta, em que reapparece, como um dc seus
proprios elementos, o mesmo todo considerado já como com­
posto ; SER, isto é, SER ente! E’ o caso de perguntar se
atinai e n t e não poderia, por ventura, vir a ser também
subdividido ; é o caso de perguntar seriamente se a analysc
assim entendida não é, em vez de um metbodo eminente­
mente pratico, o jogo de uma imaginação desvairada, que,
do atomo, pretende fazer dous e até tres átomos.
« Divide-se porem o verbo em substantivo e attributivo,
segundo se acha em sua forma primitiva, ou unido ao attri-
buto. V iv e r , que quer dizer, ser vivente. »
Assim firmados os pontos capitaes da discussão, nada
mais obsta a que se lhes aquilate a importância. « O verbo
é a palavra que affirma a existência da qualidade na sub­
stancia, pessoa ou cousa, — ou, em outras palavras, o verbo A'
é o nexo que une o sujeito ao attributo; — porém, nos
verbos adjectivos, o attributo já se encontra combinado com
o verbo. » — Ora, relativamentc a « c iio v e , » o mais que se
pódc conceder, é que, sendo decomposto pelo processo ensi­
nado, dê elle os dous produetos «É c iio v e n t e ;« os quacs
constituem a aífírmação da existência da qualidade, mas
deixão nas mais compactas trevas a substancia, pessoa ou
cousa qualiticada; — os quaes, emtim, mostrão o nexo e o
attributo, mas deixão num vacuo perfeito a substancia,
pessoa ou cousa que tem de ser comparte na annexação,—
o SUJEITO emtim. Pois, onde está? Logo, emquanto se não
resolver tal duvida, parece legitima a conclusão de que
pódc haver e ha proposição cm que o verbo existe sem
sujeito, em que o nexo só está amarrado do um lado...!!
(( Kão ha tal, rcplicão os substantivistas; isso já foi
« cabalmcnte respondido, não só na obra alludida, como em
(i todas as mais que ventilárão o caso; c, senão, haja vista
« ao seguinte: E ' jnopriedade do verbo u n ipesso a l conterem
« si 0 sujeito e o attrihuto, de modo que corn uma só palavra se
(( forma proposição quando o verbo está na voz activa, ou com
(( duas, quando está na passiva: por c/uanto, c h o y e , é o
(( mesmo que, « ha ou cahe ch u v a w; v e n t a , o mesmo que,
« ha ou sibila v e n t o « ;... v i v e -se , vale tanto como, n existe
« ou dá-se 0 v iv e r o u a v id a «; f a l l a -se , tanto como « existe
« ou ouve-se o f a l l a r o u a fa l l a » ;...
R espondem os : Esta redarguição é muito mais complexa
do que parece ; porquanto, limitando-nos á mera decompo­
sição analytica de c h o v e , achamos-lhe ahi duas versões,
que, embora atiradas como perfeitamente idênticas, nada
têm, todavia, de commum nas suas relações syntaxicas, o
que torna a solução suspeita ; de que se trata afinal, é vir
á saber a verdadeira funeção de cada palavra empregada.
Ora, em « ca h e c h u v a » bem se vê um verbo neutro acom­
panhado do seu sujeito, visto como, pelo processo da sub­
stituição, nada obsta a que se diga com toda a propriedade :
« C A i i E M C H U V A S ; « mas em « h a c h u v a ,« encontra-se um
verbo impessoal acomjiaubado de seu complemento directo,
visto não haver estridor de dentes que legitime a locução
« iiÃo c h u v a s , « que corresponderia entretanto á anterior, se
abi fosse haver neutro, como o é cahir.
Não será cousa mais do que original a pretenção de
demonstrar a trilogia fatidica em « ch ov e « por dous escolios
apenas providos, cada um, de dous termos, e ambos igual­
mente desprovidos do indispensável predicado ? Pois, se tão
áspero pareceu ao contrario fazer, de « c h o v e , « « É ciio-
V E N T E , « ou « A C H U V A É C H O V E N T E , « como O cxige a citada
formula, não é de crer que se abalançasse a cortar a difíi-
culdade com a versão « c h u v a é c a iiin t e ; « porque, sendo
este um barbarismo não menos crú do que os anteriores,
apenas desentranharia por um modo repugnante o verbo
C A i i i R , mas nada resolveria ácerca de c h o v er , que é abi
entretanto onde bate o ponto.
Quanto ao escolio « h a c h u v a , « será, quando muito,
uma ingenuidade querer explicar um verbo impessoal, isto
é, despido de sujeito, para concluir que ambos têm um.
Porém 0 que ó muito concludente^ é que, de todos os
esconjuros imaginados pelo estrenuo campeão du substanti-
vismo verbal, nenhum conseguiu fazer surdir o verbo substan­
tivo, e tanto basta para comprovar a nossa anterior asserção,
que nem todos os verbos adjectivos ou attributivos condes­
cendem a tão insigne violência.
« Mas, retorquem os substantivistas, isto de denegar
« aos verbos unipessoaes ou impessoaes (que de appellidos^
11

SEGUNDA PAKTE - SYNTAXE 231

(( por emqiianto, não se faz contenda) um sujeito só porque


« não acóde com presteza ao chamado, é a subversão, é o
<( aniquilamento de todas as noções mais inconcussas da
(í lógica. Porquanto vós, que deíinís o verbo a enunciação
« de um facto, como podeis sustentar que haja eífeito sem
« causa, acto sem autor, facto sem factor ou sujeito ! »
P espondemos: Xiinca negámos verdades tão incon­
cussas; nunca pretendemos que haja eífeito sem causa, nem
que haja acto sem autor : o que negamos, sim, é que seja
da essencia do facto, como termo syntaxico, o acarretar
forçosamente a deniniciação de quem a perpetra. Porquanto,
neste particular, très sómente são as hypotheses que, como
facil é verificá-lo, ressumbrão das mais minuciosas indaga­
ções analyticas; l.°, ou o autor é denunciado pelo sujeito
(D eos fez o mundo)] 2.°, ou é denunciado por um comple­
mento (O mundo foi feito por D eos) ; 3.° ou não é denun­
ciado por nada ( F az escuro). E, por isso, arredando da de­
finição do sujeito as expressões agente e 2)aciente com que
se sóe, não sem alguma impropriedade, caracterisá-lo, con­
tentámo-nos com o definir ]ior sua propriedade mais mani­
festa, isto c, pelo que faz, o não pelo que é: «... <2 palavra
ou conjuncto de palavras regendo ao verbo em numero e pessoa ».
Yindo elle a falhar, ou porque não se póde encontrar, ou
porque não importa enunciá-lo, dá-se então simplesmente,
para com o verbo, abstracção completado regencia; o que
íáz com que, assim livre de ])0ias, assuma o mesmo verbo
em cada tempo uma unica forma, a da terceira pessoa do
singular, por não haver manifestação possivel sem ao menos
uma fórma determinada. E... eis-ahi quanto nos suggeriu
a observação e o bom senso.
(( Fraca argumentação, retrucão os substantivistas; por-
« quanto o que a mesma observação patenteia com uma
« evidencia perante a qual se devo inclinar o bom senso, é
« que os verbos impessoaos têm um sujeito, e têm-no tão
<( claro, que só a mais incurável das cegueiras, a cegueira
(( voluntária, o póde recusar. Mas, para obviar toda e
<( qualquer réplica, faz-se mister estabelecer esta incontras-
« tavol entidade sobre sua base philosophica. »
« Em uma questão que, como essa, se prende, por assim
(( dizer, ao organismo mesmo da linguagem, impossivel é
« tomar a assistência ou deficiência do sujeito na conta do
(( um daquelles meros accidentes de locução com que uma
« circumstancia fortuita beneficiou uma ou outra lingua,
« sonegando-os ás mais, como é a personalidade de alguns
« tempos do infinitivo em portuguez. For outras palavras,
« 0 sujeito não póde ser questão desta ou daquella gram-
232 NOVA GllAMMATICA ANALYTICA

(( matica especial; é questão de grammatica geral, porque


« interessa necessariamente a todas as linguas; e tanto é
« assim, que o incluistes no numero dos vossos sete termos
« syntaxicos, c assim lhe conferistes a saneção da perenni-
« dade e da universalidade. Ora, se o sujeito apparece
« claro, sonoro, innegavel junto aos verbos impessoaes do
(( ao menos duas linguas eminentemente cultas, porém, o
« que ó mais, essencialmente diíferentcs de origem imme-
<( diata, como do sj^-ntaxe, é de toda a evidencia que, no
(( mesmo caso, existe em todas. Pois é o que se dá com o
« francez c o allemão, que nunca prescindem de sujeito ex-
« presso e expressissimo junto aos seus verbos impessoaes,
« como o comprovão as duas seguintes proposições, adrede
« formuladas de conformidade com as exemplificações já
« adduzidas: « C h o v e , e ainda h a chuva para amanhãa. »
« — « II p l e u t , et iii Y A encore de la pluie pour demain. »
« — « Es R E G N E T , und E S G i B T noch JRegen fuer morgen. »
« Pouco, ou antes nenhum valor poderia ter a allc-
(( gação de que, por ser intraduzivel em portuguez, este i l
« ou aquelle e s nada significa, nada vale, nada é. Por-
(( quanto, além das provas directamente extrahidas dos autos,
<f como dizem os legistas, temos as testemunhaes; e, muito
« de proposito, cingiremo-nos, na sua exposição, ás dos
« varões que tem a mais indisj)utavel competência para
« fallar no assumpto. As glosas versão especialmcnte, é
« verdade, sobre o impessoal h a v e r ; mas é intuitivo que
(( seu alcance abrange todos os impessoaes, por alludirem
« ao IL francez do exemplo citado. »

I
(( Ha em portuguez alguns idiotismos que devemos ex­
plicar aos que, nascendo em Portugal, não sabem portu­
guez pois têm por erros crassos certos modos de fallar
que são propriedades nativas da lingua portugueza... »
« Ha concordância do verbo com o seu nominativo
(sujeito) temos um particular idiotismo de h a v e r , porque
nas terceiras pessoas do numero singular não concorda em
numero com o seu nominativo. Os ignorantes, e também
muitos dos que presumem não o ser, governando-se pelas
regulares conjugações de outros verbos, têm por erro cras-
sissimo ouvirem dizer; H o u v e homens gue nunca havião de
ter nascido, em lugar de; H o u v e r ã o homens etc... Porém
estes presumidos são os que errão, porque com todos os
clássicos de nossa lingua se prova que o estar este verbo
no singular, o o seu nominativo homens no plural, é um
idiotismo, c grammatica irregular, muito propria da nossa
linguagem. »
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 233

II
« O reparo d’este erro vulgaríssimo é na verdade at-
tendivel: engana-se porém o auctor (precedente), quando
ao bom fallarque recommenda chama idiotismo; porque se
iiA homens, havia festas, etc. íossem realmente discordâncias
de numero entre sujeito e verbo, nem se deveriam nem se
poderiam deseulpar; a illusão está em cuidar-se que o
verbo haver significa existir. Logo que se advirta em que
haver ó derivado do latim habere, o com a mesma signifi­
cação de ter, fica manifesto que o, erroneamente chamado,
sujeito ou agente, não é senão complemento objectivo ou
])aciente ; o que o agente ou sujeito real se deixou occulto,
para conformar com o uso recebido. Assim, ha homens
completa-se deste modo : O mundo ha (isto ó tem) homens.
— Havia festas, — o mundo ou o tempo, aquella oceasião ou
aquelle logar, havia (ou tinha) festas... Estes modos de
dizer são portanto ellipticos, e a ellipse não se deve c n-
fundir com o idiotismo. »
« Bm franccz é mui semelhante o uso do verbo avoir FT
derivado, como o nosso haver, da mesma raiz latina, e com
idêntica significação. Em ü y a des hommes (fia homens') o
sujeito ó IL, equivalente de le monde; o complemento ob­
jectivo des homines. »
III
« Ha na lingua portugueza um verbo unipessoal que
se emprega quasi sempre (?!) com sujeito occulto, o verbo
Haver, com a significação de existir. Este sujeito é de or­
dinário, numero, classe, especie, quantidade, espaço, periodo,
como se vê nos seguintes exemplos:
Ha homens extraordinários; isto é, numero, classe, es-
q)ecie de homens.
Ha dias que não te tenho visto; isto é, numero, quan­
tidade de dias.
Ha tempos bem calamitosos; isto é, espaço, periodo de
tempos.
« 1ST. B. O emprego deste verbo com sujeito occulto
é um dos idiotismos da lingua, assim como o é também o
do infinito pessoal, e o do verbo composto com o gerún­
dio... ))
« N. B. Esto verbo não vem, como sonhão alguns
grammaticos, de, Haheo, latino, que nunca foi tomado em
tal accepção, mas do verbo franccz, y avoir, que tem a
mesma significação e emprego, que o verbo portuguez, com
234 N O VA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

a iinica differcaça de vir acompanhado do pronome indefi­


nido IL, que indica o verdadeiro sujeito occulto, nombre, es-
j)èce, quantité, etc. »
« Os nossos clássicos costumão as vezes juntar também
a este verbo a particula, ou adverbio, iii, a iii ; o que acon­
tece ordinariamente quando elle vem com sujeito expresso,
jior exemplo:
N ão ha hi hom em.
N ão ha hi cousa. »

JlEsroNDEMos : Essas très ojiiniõcs, igualmentc empe­


nhadas na demonstração do um só c mesmo theorema, ou
não merecem conceito algum, ou comprovão exuberante-
mente, por simples confrontação, que o tão occulto sujeito
dos verbos impessoaes ainda está por achar. Pois, nesse
tão repisado « I I a h om ens », o sujeito é, para o primeiro
opinante, homens; para o segundo, o mundo; e para o ter­
ceiro, numero, classe, especie. Ora, será isso mera questão
de synonymia ?
Porém, deixando de parto mais de uma observação di­
vertida sobre a antinomia das considerações que concluem
por um sujeito, o delle dão cabo, chegamos ao unico ponto
ainda não discutido, o da assistência do pronome il junto
aos impessoaes francezes; e, já que mcttêrão a fouce na-
quella seára, para lá também vamos.
(^uem compara, ainda que mui perfunctoriamente, a
conjugação dos verbos francezes com a dos verbos portu-
guezes, não tarda em ficar advertido da razão que impõe
aos primeiros, no discurso, uma constante adjuneção dos
pronomes sujeitos, ao passo que dispensa geralmente os
segundos de tão importuna formalidade, com grande pro­
veito para a linguagem, que dahi cobra alacridade e vigor.
Com effeito, basta, em relação aos verbos francezes, re­
citar, separadamente dos pronomes sujeitos, algumas series
de tempos simples, para deparar com as numerosas paro-
nymias que confundem nuinTTmésmã^sonoridade as pessoas
mais diversas de um mesmo tempo.

J'aimais (emé) J ’aimerais (ém ré)


Tu, aimais (ém é) Tu aimerais (ém ré)
II amait (éiné) II aimerait (ém ré)
Ils aimaient (ém é) Ils aimeraient (ém ré)

(^ue haverá, logo, de extraordinário que esta constante


assistência dos referidos pronomes junto aos verbos pes-
SEGUNDA TARTE - SYNTAXE

soaes, do muito os mais numerosos c os mais frequentes,


viesse a constituir, no francez, uma especie de predica­
mento indispensável a toda a mesma ordem de palavras,
alastrando-se, embora sem necessidade, mas por uma ana­
logia de que as linguas oíferecom outros exemplos, até aos
verbos impessoaes? Que, outrosim, os mesmos verbos, sob
a pressão da lógica, dispensassem o excrcscente il em uma
epoca ainda não mui remota, para logo depois o tomarem
sob o impulso de uma conveniência que hoje nos escapa, ó
o que attestão as seguintes notas, do proprio punho do fa­
moso cardeal de llichelicu, fundador da Academia Franceza,
a quem o desgraçado Carlos I do Inglaterra pedira soc-
c orros.
« F a u t réfléchir long-temps et attendre : —les communes
sont fortes ; le roi Charles compte sur les Ecossais; ils le
vendront, n
(( F aut prendre garde. I l y a là un homme de pierre
gui est venu voir Vincennes, et a dit giCon ne devait jamais
frapper les princes gifà la tête. )>
La Fontaine tambem disse, na fabula das Adevinhas
(Les Devineresses):
Point de raisons, f a l l u t deviner et prédire.

Portanto, como termo syntaxico, o tal il não c nada.


Não ó nada porque, ainda que pronome por natureza, ahi
não substitue a nenhum substantivo, c conseguintemento
não representa idea alguma; faz apenas o officio de indi­
cador; Ahi vai verbo»; é palavra oxplctiva c mais nada.
Ora se fosse realmente tudo quanto querem que seja,
isto é, 0 substituto directo, immcdiato de nombre, espèce,
quantité, e de não se sabe que mais, quem não vo que só
poderia decentemente cumprir com a sua ol)rigação quando
substituiria a nombre; mas que, em relação aos femininos
espèce o quantité, já teria de mandar em sou lugar a con­
sorte ELLE, o que não pouco atrapalharia os sábios da
supracitada Academia, que ainda não cogitarão do caso; e l l e
y a, e l l e faut, pleut !... (isto é; l ’espèce , la quan ­
t it é ).
• Emfim, que o mesmo i l , ó moramente expletivo ainda
sc comprova pela hicilidade coin que hojc mesmo se deixa
lançar fora por certos vocábulos, não só providos da mesma
faculdade de indicação, como tambem encarregados de
outra funeção mais offcctiva ; « N ’im po r t e . — (,)u ’im po r te !
__P eu im p o r t e ... ». (Il importe, — I l importe beaucoup.
Il importe peu).
236 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Voltao á carga os substantivistas, e dizcm:


« Toda essa algaravia franceza, bôa para deitar poeira
« nos olhos, poderá, quando muito, provar que lá, em
« tempos do Carlos Martollo, e mesmo muito depois, o
« francez irmanava-so mais do que hoje com o portu-
« guez... »
I n terro m pem os com a devida venia: Irmanava-se, sim;
veja-se o que escreve Lafontaine na fábula « JOa Grenouille
et le Rat »:
Tel, comme dit Merlin, cuide engeigner autrui.
Qui souvent s’engeigne soi-même.
J ’ai regret que ce mot soit trop vieux aujourd’hui;
Il m’a toujours semblé d’une énergie extrême.
Ora, ao jiasso que os Lrancezes carecem hoje do um
escolio para entender os dons primeiros versos, um por-
tuguez poe-lhes logo os correspondentes em cima.
(( Tal, coino diz Merlin, cuida enganar a outrem, que
muitas vezes se engana a si mesmo. Reza-me que este dito seja
hoje tão antiquado...
. ® mesmo no século X III, os Francczcs
omittião ainda frequentemente os pronomes sujeitos junto
aos verbos mais pessoaes. Ilaja vista a seguinte fabula da
princeza I). Maria do França:
LA MORS ET LI BOSQUILLON
Tant de loin que de prez n ’est laide
La mors. La clamoit h son ayde
Tosjors ung povre hosquillon
Que n ’ot chevance ni sillon:
« Que ne viens, disoit, ô ma mie,
« Finer ma dolorouse vie ! »
Tant irama, qidadvint; et de voix
Terrible: « Que veux-tu? » — « Ce bois
Que m'aydiez à carguer, madame ! »
Peur et labeur n ’ont mesme game.

A MORTE E O LENIIEIRO. — Re loîige, tào feia não é a


morte como de perto. Chamava-a constantemente em sua ajuda
um pobre lenheiro que jamais tivera fortuna nern campo. « Por­
que não vens, d iz ia (elle), ó minha, querida, findar a minha
dolorosa vida ! v 1 anto g ritou ( elle) que ( ella) v e iu ; e, com
voz terrivel : « Que queres ? » — « Que esta lenha (vós) me
AJUDEIS a carregar, senhora. » ~ Medo e fadiga não têm
mesma cantiga.
SEG U N D A PAUTE - SYN TA XE

« Pois, exclamão os substantivistas, seja embora como


« queirais; mas uada de tudo isso prova coiisa alguma
(( contra a subida conveniência de deduzir todos os verbos
« adjectivos ou attributivos a uma mesma formula analy-
« tica; porquanto a uniformidade em matéria de methodo
(( é, e sempre foi o supremo anhelo da sciencia. Deos é
(( um em essencia, embora trino em pessoas; a matéria é
« uma, apezar de seus sessenta e tantos corpos elemen-
« tares ; emfim já não são poucos os physicos que não du-
« vidão cm asseverar que os très imponderáveis: a luz, o
« calorico e a electricidade, não são senão uma só e mesma
« substancia. Não ba que negar: a tendcncia á unidade
« nas scicncias corresponde a este nosso irrcsistivcl desejo
« de simplificar tudo para tudo abraçarmos; é uma lei do
« progresso. Ora só procuramos conformar-nos com ella
« quando estabelecemos, sem rodeios nem reservas, que
(( todo 0 qualquer verbo affirma a existência da qualidade,
{( com a unica diíferença que ser o íaz por meio de outra
« palavra {Deos É e t e r n o ), e os verbos attributivos, por si
(c mesmos ( V iv e r , isto ê, ser v i v e n t e ). »
(( Aliás as considerações que militão a favor desta opi-
« nião, são das mais concludentes. « A necessidade de abreviar
« 0 discurso, qmra de algum modo acompanhar o pensamento
« na rapidez, levou o homem a unir o verbo ao attributo :
« assim em vez de dizer com duas palavras S er créante, S er
« vivente, disse com uma só, C r e a r , V iv e r , o que é muito
« mais conciso. »
(( Ora quereis certificar-vos, de um modo paljiavel, da
« realidade desta combinação, pelos rastos que ^deixou de
« si SER no acto de sua incorporação nos demais verbos?
« ])OÍs ei-los discriminados com uma paciência de benc-
« dictino, e delicadeza de cbimico, desafiando qualquer cri-
« tica. « Très são as terminações infinitivas do verbo attribu-
« tivo na lingua portugueza, epor conseguinte très as conjugações
« a que dão origem; a. 'primeira em ar , como A mar ; u se-
« gunda em er, como jMover ; a terceira em iii, como u nir . w
« Todas estas très terminações comprehendem o attributo
(c gra'mmatical e o verbo S e r , que se torna 'patente (note-so
« bem) na terminação em er da segunda conjugação. A tei-
« minação em a r é evidentemente (?!) uma terminação con-
« tracta de a e r (sic), e a. terminação em ir é também^ outra
« terminação (! !) contracta de ie r . » Vamos agora a con-
« clusão. « Assim A m ar quer dizer amante se r , ou ser o
« que ama; M o v e r , movente se r , ou ser o que move; U n ir ,
« uninte s e r , ou ser o que une. »
« A terminação infinitiva em ôr , que só se nota no veibo
N O VA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

« P Ô R e seus compostos, não dá origem a uma conjugação es-


« pedal, porque P ô r é contracção de P o ê r como se dizia an-
« tigamente. »
« Por desgraça, descuidou-se aqui o auctor de coru])letar
« a demonstração como o fez em relação a amar, mover e
« unir, do sorte que não se jiódo saber ao certo se o des-
« mancho analytico deve dar po n te ser ou po e n t e s e r j
« mas em todo caso dá ser o ou a que p õ e . »’

K espo n d e m o s : Lembra-nos, não sem saudades, que,


quando estudavamos Phetorica, o professor, por desafogo,
leu-nos, a uns quarenta rapazes mais ou menos taludos, eni
vospeias do entrudo, o que convinha ler de algumas das
comédias de Alolière j e ainda resoao-nos aos ouvidos as
estrondosas gargalhadas com que saudámos ao illustrado
mentor, quando, identificando-se com o Mestre de Philo-
sophia do y Bourgeois gentilhomme », repetiu-nos a primorosa
scena da licção do Grammatica. Mas, se o inexcedivel co-
mico tanta cousa engraçada descobriu na mera -exposição
doutrinai das yogaes e das consoantes, que não acharia
elle hoje nas mirificas transformações jDorque têm de passar
os atiibulados verbos attributivos para em todos os modos
tempos, números e pessoas sucretar sem remissão není
t cscanso o mesmo fastidioso s e r , com o seu competente
concomitante em a n t e , e n t e ou i n t e ! Infelizmente, o
Mestre de Philosoj^hia de Molière nada sabia de Gramma-
ticM phüosophica; só apprcndêra e ensinava a outra; e
eUeT^ ^ enlevos de grandiloquência não chegou
Entretanto, como risota não é resposta, passáramos
por cima de um inconveniente tão grave em materia de
ensino, ou 2^1'ocuráramos um meio de attenuá-lo, se fosse
remido por uma^ razão de utilidade, ou mesmo se fosse
simplesmente a ^inevitável consequência de um principio
veidadciro. Porém nada mais falso do que a allegação de
ser o real e effectivo attributo de um verbo, o aleiião tão
frequentemente inadmissível que delle se extrahe.
O attributo, a que tivemos por melhor de chamar pre­
dicado, e um termo syntaxico constando, junto a um verbo
e estado, de uma ou mais jialavras sempre e necessaria­
mente distinctas yle qualquer verbo, e referindo-se ao su­
jei o a j)ioposição, a não ser que, faltando este por ser o
verbo impessoal, não se refira a nada.
(( Oia, toinão a dizer os substantivistas, como quereis
« que aceitemos taes pataratas de verbos de estado, dos
« quaes ainda ninguém ouviu jamais fállar, quando nem
« sequer consentimos em conferir a esta r a mesma virtua-
SEG U N D A PA KTE - SYN TAXE 239

« lidade que a s e r , bem que muitos o requeirâo sob o pre­


ce texto que, sendo ambos os representantes igualmente
« legitimes do unieo ê t r e francez, ambos devão participar
« das mesmas regalias. Desgraçadamente, por o ignorarem,
« os dous luminares Noël e Cliapsal deixárão do resolver
« o caso ; porém o mestre fò-lo com a sua costumada pre­
ce ficiencia, e, se a citação vem um pouco estirada, nem por
cc isso sahe ella menos lúcida c terminante. »
c( Alguns grammaticos pretendem fazer também, e st a r ,
c( verbo substantivo, o qual, si assim fosse, deixaria de ser o
cc unieo verbo (??): — (Que desgraça!) mas esta doutrina é
cc insustentável e errónea, por que, e st a r , que se resolve por,
cc SER e s t a n t e , e vem do simples latino st a r e , estar f ir m e ,
cc ou ainda do composto e x s t a r e , estar e m in e n t e , já involve
cc em sua significação a idéa de esta d a , estado , a ttitu d e
cc em certa maneira (I !), ou a idéa de e x is t ê n c ia modal (???),
cc e já é por conseguinte o verbo substantivo combinado com
cc um attributo. »
cc Quando digo por exemplo, cc Pedro está doente w, aceres-
cc cento já alguma cousa á simples affirmação expressa pelo
cc verbo substantivo, porque junto a ella a idéa de esta d a ,
cc estado actu al , ou modo , por que Pedro existe na actuali-
cc dade, que é no estado de doente, cc Pedro está doente «, vale
cc 'pois tanto como, Pedro e x is t e , pe r m a n e c e , f ic a , actual-
cc mente doente; e o verbo esta r é um verbo attributivo como
cc qualquer dos très por que elle se explica no presente caso,
cc ainda supprimido o adverbio a ctu a lm en te . »
O l á ! exclam am os nós pelanossa vez: que feliz acaso !
os nossos verbos de estado, abi os temos ! ahi os temos !
quando não todos, ao menos em numero sufficiente para
aDmmas exemplificações. Pois, para nós, tanto c ser verbo
de^ estado, como o é e st a r , como o é e x is t ir , como o é
p e r m a n e c e r , como o é f ic a r ...
cc Nada! nada! proseguem os substantivistas : deixai
cc acabar a citação, que o melhor é o que está por vir. E,
cc se então não ficardes convencido, é que cochilastes junto
cc a Tobias, debaixo do ninho de andorinhas, cc A distineção
cc que fazem os mesmos de que, se r , exprime uma qualidade
K permanente (Ora! resmungamos baixinho: e elles que
cc dizião que ser exprime a existência ! que é elle um nexo,
cc uma copula! ao passo que a qualidade ó o attributo!...),
cc e, ESTAR, uma qualidade acciiental, serve para demonstrar
cc que 0 primeii'0 é o verbo substantivo, e o segundo um verbo
cc attributivo. Si equizessemos por exemplo dizer que P ed ro ^ se
cc FEZ noMEM, diriamos com ser , cc Pedro é j á homem » (Não
cc entendemos perfeitamente, mas...), accrescentando ao at-
240 N O V A G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

(Í tributo 0 advérbio de tempo jÁ (Mas, so é já homem, como


(( é que...?), porque o verbo substantivo não exprime senão a
« simqjles affirmação (Então já não exprime mais uma qua -
« LiDADE?); com 0 verbo esta r porém, que involve em sua
« significação a idea de esta d a , esta d o , posição a ctu a l , ou
(( a idea de qualidade em referencia ao tempo (???), diriamos
« bem com o advérbio ou sem elle « JPedro já está homem (!!)
« ou simplesmente, está homem (!!!). »
R espondem os continuando o nosso arrazoado:
Chamamos verbos de estado, não só a s e r , a e s t a r , a
EXISTIR, a p e r m a n e c e r , e a f ic a r , senão também a muitos
outros que, em outra parte, tornaremos conhecidos por uma
substituição typicaj e assim lhes chamamos porque, pres-
tando-se ein toda a puridade a servir de medianeiros entro
um predicado e um sujeito, quando sujeito ha, portão-sc
na proposição com a mais frisante identidade de funcção,
e portanto devem ser tidos como formando uma categoria
especial, perfeitamcntc definida. Pois, como é possivel en­
xergar uma differença de relações entre as palavras dos
seguintes exemplos, só porque os verbos differem ?
« Pedro É velho. — Pedro está doente. — Pedro EXISTE
occulto. — Pedro pe r m a n e c e absorto. — Pedro f ic a aborre-
cido. »
Cada um dos referidos qualificativos não se ageita
exactamente da mesma maneira ao respectivo sujeito ?
Então, se ahi só o adjectivo velho, .pQ\o acaso de se achar
encostado ao verbo se r , póde ser tido por predicado, que
serão os adjectivos doente e occulto, e os participios absorto
e aborrecido, se não são predicados? qual ha de ser a sua
funcção syntaxica? jiorque alguma, não podem deixar do
a ter.
Sorrindo-se maliciosamente, os substantivistas replicão:
« Então pensastes que não esjieravamos por esta lan-
« çada ? Então pensastes que não andavamos precavidos
« contra tal bote? Ahi tendes a resposta:
« A concordância do a t t r ib u t o com o sujeito, ou do qua -
ff LiFicATiyo com 0 nome, opera-se quando os dous termos
(( estão unidos pelo verbo substantivo. Ex. A terra é r ed o n d a .
« — O homem é r a c io n a l . »
A concordância do q u a l ific a t iv o com o nome opera-se
« ainda quando elles estão unidos p>or um ou mais verbos in-
<( transitivos (neutros). Ex. Ninguém nasce m áo . — Aristides
« viveo e morreo p o b r e . »
« Nestes últimos casos o adjectivo completa o sentido do
« participio antiquado.,. «
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 241

I r r a ! exclam am os n ó s : isso de chamar antiquados


aos participios estante^ nascente, vivente, ficanfe, morrente c a
outros que taes (que os lia muito exqiiisitos), não pode
deixar de ser uma engenliosa allusão arclieologica á éra de
]iedra, ou pelo menos á epoca em qiie, no dizer do P. Ant.
Vieira, Lisboa foi fundada por Elysa, filho de Javan, irmão
de Tubal, ambos netos de Noé, donde começou a ser conheeida
pelo nome de Elysia...!! nada menos de 220 annos antes da
fundação de Ninive! o que confere assim uma respeitável
antiguidade á surrapa de Eibatéjo; porquanto, como se
descuidarião da parreira, na sua migração para Portugal,
os proximos descendentes do inventor da bôa pinga ?
Porém, se o tal adjectivo ou qualificativo vem em tal
caso a COMPLETAR o sentido do participio antiquado, não
ha que vacillar sobre sua funeção : torna-se co m plem ento .
Ora, um qualificativo complemento!,.. Emfim tudo póde
ser na theoria do verbo substantivo.
Mas então, que especie de complemento virá elle a
formar? um objectivo, um terminativo, um circumstaneial?..
ou, em duas palavras, que melhor entendemos , d irecto ,
isto e, sem preposição, ou in d ir e c t o , isto V
e., com prc])o-
sição ? Se directo, eis-ahi verbos decl a rad a mente chamados
intransitivos ou neutros porque não lhes cabe complemento
directo de substantivo ou pronome, providos de um com­
plemento directo de adjectivo! Se indirecto, onde está, e
qual é a preposição expressa ou occulta?
« Mal andastes desta vez na vossa argumentação,
(( tornão os substantivistas; queremos dizer, andastes com
(f pouca lealdade ; porquanto, cortando pelo meio a nossa
« citação, destes-lhe um alcance ao vosso bel-prazer, mas
(( não o que tem. O periodo completo diz: « Nestes últimos
« casos 0 adjectivo comj>leta o sentido do participio antiquado
(( incluido no verbo, e o attributo se acha composto de duas
« palavras: «Ninguém é nascente máo »; Aristides foi vi-
í( VENTE E m o rr en te POBRE. ))
K e sp o n d e m o s : Composto
se diz o termo entre cujos
membros intervem ou póde intervir uma conjuneção copu
lativa (e, nem, ou). E isto é perfeitamente racional ; visto
como o que lembra a mesma conjuneção, é que os alludidos
membros poderião isoladamente exercer a funeção que
juntos exercem.
Ex. Pedro é v elh o E ra bug en to : — Pedro é v e l iio
Pedro é ra bu g en to .
Ora 0 que decorre destas considerações, é que, por
exemplo, no periodo « Ninguém é nascente máo «, o prodi-
242 NOVA GRAMMATICA ANALYÏICA

dicado não é simples, porque consta de mais de uma pa­


lavra; nem é composto, porque não tolera a interpolação
da conjuncção e . Agora avenb'-se lá com isto a theoria
substantivai, e exi:>lique como composto é o que não é com-
jiosto.
(( Isso é apenas questão de palavras, observão os sub-
« stantivistas, e não merece mais detido exame. Mas o que
« merece um, e muito serio, é a vossa allegação de que
« póde existir um predicado junto a um verbo sem sujeito.
« Ora em tal cousa ainda ninguém sonbou. A qualidade
« sem a substancia! a propriedade sem o senborio! »
JI espondemos : Entretanto nada mais exacto; pois o
P. Ant. Vieira disse com uma propriedade de expressão
que ninguém contestará: « W c m iT O que todos desejais o des­
canso. »
Ora, que será abi o adjectivo certo, junto ao impessoal
É, senão um jDredicado?
« Desta vez apanbamo-vos em flagrante, exclamão os
« substantivistas. Desta vez podemos dizer que, se a nossa
« theoria tivera sido abalada sequer por tão mesquinhas
« quão insulsas chicanas, ella ficava decididamente para
(( sempre firmada. O que, no exemplo citado, é claro como
(( a luz meridiana, é que o indigitado verbo impessoal É,
« que continuamos com toda a razão a chamar unipessoal,
<( tem o mais determinado dos sujeitos na proposição subor-
« dinada que se lhe segue. Porquanto, muito ao envez de
« vossa doutrina rachitica sobre o sujeito, reconhecemos-lhe,
« a este sujeito, a propriedade de se fazer representar, não
« só por estas ou aquellas palavras, senão também por
« uma proposição ou oração toda inteira. E este é justa-
(( mente o caso. Com effeito : Que é o que É certo ? —
« Que todos desejais o descanso. Podeis querê-lo mais evi-
« dento? Isto não tem resposta, como diz o vosso sempi-
« terno P. Ant. Vieira. »
E espondemos : E ’ rabo ou cabeça? Qual é o valor
que dais ás palavras? O que lhes assenta pelo uso e pela
otymologia ? Pois bem: que entendeis então pov proposição
SUBORDINADA sonão luiia proposição posta sob a depen-
dencia de outra proposição anterior. E, senão, que faz lá
aquolle q u e ? (... que todos desejais...^.
Vindo a constituir, pela deslocação lembrada, o cabeço
da oração, qual é já sua razão de ser? Que ligará elle?
Assim, porque, a contrario se?isu, vai frequentemente o su­
jeito posposto ao verbo, deixaria elle de reger ao mesmo
verbo para ser delle regido? Uma collocação eventual das
SEGUxNDA P A R T E - S Y N T A X E 243

palavras bastaria assim para subverter, nas suas relações


syntaxicas, as íuncções impostas ás mesmas palavras pelo
jogo natural das ideas, e haveria quem achasse, por isso,
como sendo perfeitamente correcta, a seguinte inscrijDção
que lêmos gravada em uma lapida:
« Aqui J A Z os R ESTO S mortaes do conselheiro...!! »
Sem duvida, não repugna ao ouvido a transposição :
« Que todos desejais o descanso, é certo » mas é porque,
afíeito ás frequentissimas inversões da linguagem, deixa o
ouvido á sagacidade do espirito o cuidado de repôr lá
dentro na alma as cousas nos seus eixos: « E ’ certo que
todos desejais o descanço ».
Pretender, portanto, que uma proposição logicamente
P O S T ER IO R póde servir de sujeito a outra proposição logi­
camente A N T E R IO R , é fazer do eífeito a causa, é correr
d’um circulo vicioso, é applicar o ynotu perpetus á Gram-
matica, é recordar a giria daquelle charlatão que, mos­
trando, como raridade nunca vista, um cavallo com o rabo
no logar da cabeça, deixava ver um pobre sendeiro preso
pela cauda á grade de uma manjadoiira.
Praticamente, apresenta-se sobre isso uma consideração
que tudo resolve. Inimaginável é o caso de um verbo que,
achando-se na primeira ou na segunda pessoa do singular
ou do plui’al, se denegue á enunciação do seu pronome
sujeito. E, na terceira pessoa do plural, quando o sujeito
occulto não é um pronome, então é necessariamente um
substantivo, que sem grande esforço acódo ao espirito.
Ex. D i z e m que primeiro se escreveu em folhas de palma.
(Ant. de Souza de Macedo). — (Os h i s t o r i a d o r e s d i z e m
que...').
Ora, como é que o verbo impessoal mostrar-se-hia rc-
fractario a esta lei, se delia não fosse dispensado por na­
tureza? Pois, no trecho discutido, não ha e l l e nem e l l a
que sirva de sujeito a É c e r t o ; entretanto não ha ente
nem abstracção, grande ou pequena, que não tenha, num
ou noutro daquelles dous vocábulos, um substituto obriga-
torio.
Se, todavia, ainda é cedo para que prevaleça qualquer
doutrina contraria á do v e r b o s u b s t a n t i v o , retractemo-nos
como fez Galileo; e, já que a questão não entende, como
então, com o sol c os planetas, e sim tão sómente com
aspirantes a luzeiros sublunarcs, sejamos de nosso tempo,
c deixemo-nos destas nossas a s n e i r a s , que assim é como a
isto chamão discretamente os que andão buzinando em
defesa da rotina.
Assim resignado, consignamos, sem pôr nem tirar, a
formula salvadora da analyse logiea pela theoria do verbo
substantivo, escolhendo neste intuito uma oração tão des-
])ida de pretenç.ões altisonantes como ricamente dotada de
quanto póde contribuir ao realce de tão profícuo methodo
de ensino.
ARGUMENTO
Diogenes estava se a^promptando para ir ver enforcar um
tratante que desgraçára a muita gente.
ANALYSE LÓGICA SEGUNDO O FORMULÁRIO DA
GRAMMATICA PIIILOSOPIIICA
« Diogenes era estante sendo-se apromptante para ser inte
« ser vente ser enforcante um tratante que fora desgraçante a
(( muita gente. »
Sic itur ad astra.
(Traducção libérrima): AssÍ7ii é que chega um homem a
ser astrologo.

CAPITULO I
Considerações geraes ácerca da collocação
das palavras no discurso
309. ISTo uso da palavra, o homem se sente movido
por dons impulsos que, posto não se contrariem, todavia
não actuão parallelamente ; vindo, jiorém a confundir-se numa
mesma direcção como a recta ou resultante de um angulo
afígurando forças iguaes, elles produzem a dicção perfeita.
Pelo primeiro, o homem fíea levado a fallar com clareza ;
pelo segundo, a fallar com agrado. Obedecendo ao pri-
1^ I meiro, não faz senão dar satisfação á sua própria vontade;
porque quem se determina a fallar, só a isso se determina
por julgar necessária, util ou ao menos conveniente a com-
municação de seus pensamentos. Obedecendo ao segundo,
procura captiyar a vontade alheia; porque, se não falia
sempre para impetrar ou convencer, falia sempre ao menos
com o fito de predispôr favoravelmente a quem o ouve.
Da conciliação mais ou menos acertada destas duas preoc-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 245

cupações nasce a propriedade do estylo, ao passo que o


valor real de uma obra litteraria só se afere pelo mérito c
a opportimidade de suas revelações.
310. Para occorrer áquelles dous requisitos de clareza
e de euphonia (pois esta é a expressão grammatical carac-
terisando o conjuncto harmonico de palavras donde resulta
o agrado na dicção), as linguas possuem aptidões muito
diversas. Sendo encaradas sob um aspecto geral, as linguas
mais litterarias, isto é, mais euphonicas, póde-se dizer que
são uma ampla faculdade de dispôr os termos nesta ou
naquella ordem ao redor do faeto que os domina, não obli­
tera a lucidez do pensamento : ora, dentro os idiomas hoje
fallados por povos cultos, nenhum talvez leva nisso van­
tagem ao portuguez, porque nenhum se póde atirar a mais
arriscadas evoluções sem comprometter a integridade dos
pensamentos.
As causas de tão notável privilegio, pareee que se
podem reduzir a très principaes, a ultima das quaes é de
muito a mais importante, sem ser esta, todavia, peculiar
da lingua portugueza:
1.'‘ as sonoridades terminaes das palavras variaveis ;
2.*‘ o numero crescido das formas do verbo ; 3.^ a inabalavel
fixidade de collocação das ligações subordinativas. Porém,
antes de ventilar os modos por que se exercem estas di­
versas influencias, carece estabelecer porque o são. Pois,
na collocação das palavras dentro da oração, ha sempre
uma posição normal, que é a que requer a clareza; e fre­
quentemente outra anormal, que é a que requer a euphonia.
Ao tino artistico, que só se apura na pratica assidua dos L
clássicos, é que compete escolher entre uma e outra.
311. As palavras regencia e concordância resumem
todas as leis da syntaxe, (guando a acção de uma palavra
sobre outra não se denuncia ])ela concordância, denuncía-so
pela regencia, e vice-versa. O facto só, embora frequente­
mente constrangido a dobrar-se á concordância com o su­
jeito, fica, todavia, sobranceiro em muitos casos a esta
imposição, bastando-lhe, para se revelar, que, além de suas
fôrmas muito especiaes, nenhum complexo de palavras
possa sem elle constituir um sentido aceitavel ou recu-
savel.
312. Ò sujeito manifcsta-sc seinpre pela concordância
que im])õe ao verbo ; e, por isso, tornando-se a causa effi­
ciente da forma do verbo, encontra a sua collocação normal
na anteposição ao mesmo verbo.
246 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. 0 B E M É U7n; o m a l se d i v i d e , e não t e m numero.


(P. Ant. Vieira).
Quasi T O D O S Q U E R E M ensínav com razões; com exemplos,
roucos E N S i N Ã o . (P. Ant. Vieira).
E e p r e iie n d e r ohras alheias É cousa facil; f a z ê - l a s
sempre c u s t a mais. (Franc. Eodr. Lobo).
Começando pelos maiores corpos politicos, que são os rei­
nos, equal é a causa de t a n t o s se t e r e m p e r d i d o , de que
apenas se conserva a memória, e o u t r o s se v e r e m tão arrui­
nados e enfraquecidos f (P. Ant. Vieira).
Entretanto, como se bastasse essa mesma concordância
do^verbo para dar fé do sujeito, seja qual fôr a sua po­
sição, lá vai elle, por simples deferencia á euphonia, tão
frequentemente posposto como anteposto ao mesmo verbo.
Exemplos :
E’ a LUZ mais benigna eque o sol, porque o sol, não só
A L L U M IA , m as ABRAZA ' a LUZ A L L U M IA , C nãO OPPENDE.
Quereis ver a differença da luz ao sol?... Começa a sahir e
a crescer o sol : eis o gesto agradavel do mundo, e a compo­
sição da mesma natureza toda mudada. O cÊo accende-56;
os CAMPOS sEccÃo-SE ; as flores murchão-se ; as aves
EMMUDECEM ', OS A N IM A E S BUSCÃO aS COVaS ; OS HOMENS
(buscão), as sombras. E, se D eos não corTxÍ ra a car­
reira ao sol com a entreposição da noite, fervera e abra-
Z Á R A -se a T E R R A , A R D E R Ã O aS P L A N T A S , S E C C Á R Ã O - 5 e OS R I O S ,
suMÍRÃo-se as e p o r ã o verdadeiros, e não fabulosos
fo n t e s ,
os I N C Ê N D I O S de Phaetonte. (P. Ant. Vieira).
A cousa mais facil do mundo É d a r conselho a outrem, e
a mais ardua É t o m á -? o para si. (P. Ant. Vieira).
Se buscarmos com verdadeira consideração a causa de
todas as ruinas e males do mundo, acharemos que a principal,
senão a total e a unica, é não a c a b a r e m o s h o m e n s de
concordar o seu querer com o seu poder... No tempo de Sa­
lomão E R Ã o tantos, tão multiplicados e tão excessivos os t r i ­
b u t o s com que o miserável p o v o su st en ta v a a fama de s e r
C H A M A D O seu um tal r e i , que a primeira cousa que pedirão
a seu successor Roboão, f o i a s u s p e n s ã o e r e m e d i o destas
opp?'essões. (P. Ant. Vieira).
Em dons casos, todavia, pede geralmente a natureza
da proposição a posposição do sujeito ao verbo :
1.“^Nas proposições directamente interrogativas ou ex-
clamativas.
Ex. Bizei-me, voadores : não vos fez D eos para peixes ?
(P. Ant. Vieira).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 247

« Como rosso e u dar o que não tenho 7 w (P. Man. Ber­


nardos).
Oh! Senhor! b e m d i t a s e j a eternamente vossa b o n d a d e !
(P. Man. Bornardes).
2.° Nas proposições que, intercaladas n’uma citação,
dosignão o autor do texto citado.
Ex. « Julga agora, c o n t i n u o u C i i r i s t o , qual destes tres
teve aquelle enfermo por proximo. » — « Aquelle, d i s s e o d o u t o r ,
que 0 soccorreu. w— « Pois então r e s p o n d e u C i i r i s t o , vai, e
faze 0 mesmo. « (P. J. B. do Castro).
313. Os complementos, quer directos, quer indirectos,
têm por funcção de inteirar o sentido escasso, deficiente de
outra palavra.
Ora inteirar implica necessariamente a idea de acto
posterior, porquanto, só depois do se ter visto o que faz
falta em qualquer cousa, é que se llie pódo accrescontar o
que falta.
Portanto normalmento collocado fica o complemento,
quer directo, quer indirecto, quando vai posposto á palavra
por ello inteirada.
314. Porém, cm uma lingua que, como a portugueza,
não ])0ssue, para os seus substantivos e outras especies
concomitantes de palavras, as variações do terminação que,
sob a designação de declinações, assignalão, em outras
linguas, a funcção syntaxica das mesmas palavras junto ao
verbo ou entro si, o complemento directo apresenta-se des-
vantajosamente ao lado do indirecto. Com cfleito: este
vai por assim dizer indigitado pela preposição que constan­
temente o precede, a não ser que, não podendo haver du­
vida sobre a existência da mesma preposição, a sua omissão
SC tenha introduzido nos hábitos da linguagem (iVJn côrte,
C A D A D I A mudão senhores. (P. Ant. Vieira). — Na corte, e m
C A D A D I A . . . ) ; o complemento directo, porém, nada tem que
formalmente o indigite, além da connexão de sentido que
ao verbo o associa (Deve o homem s a b e r igualmente o m a l
e 0 B E M . — P. Ant. Vieira). Todavia, como não scrião raros
os casos em que, achando-se no mesmo numero e pessoa
como o sujeito, o complemento directo poderia vir então a
constituir com este um sentido amphibologico por troca
mental de funcção, tornou-se propriedade da lingua portu­
gueza o converter-se, nesta contingência, o complemento
directo em indirecto, mediante a introducção da ])rcposição
A, conservando-sc assim ao mesmo complemento a sua
funcção mais geral, e obviando-sc terminantemente a toda
c qualquer falsa interpretação.
248 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. Assim fadou Noé a seu neto Cannahan. (P. Ant.


Vioira). — (Não: Assim fadou Noé o seu neto Cannahan).
315. Seja, porém, como fôr, uma natural o, por assim
dizer, instinctiva previdência induziu os clássicos a adoptar
j^referivclmente, por amor da clareza, a ordem normal para
os complementos directos, mórmente quando formados de
substantivos ou infinitivos.
Ex. Em Nazareth, e em vida de Joseph, ( Christo) gran-
GEOu a SUJEIÇÃO e orediencia a um official com o nome dx
2)ai seu, que não era.
Depois de sua morte, grangeou o succEDEii-?/te ?ia mesma
officina, GANEiANDo O PÃO sua rnãi e para si com o suor
de seu rosto.
Nas perigrinações de Galiléa e Judéa, grangeou fazê-
las sempre a pé, e muitas vezes descalço, exposto ao sol e ás
chuvas, sem casa propria nem alheia, podendo invejar, dos
bichos da terra, as covas, e das aves, o repouso dos ninhos,
sem TER onde reclinar a cabeça. [Por ellipse: ... sem ter
um LUGAR em que pudesse reclinar a cabeça]. — (P. Ant.
Yieira).
Quizerão, diz a Sagrada Escriptura, as arvores fazer
um REI que as governasse, e forão offerecer o governo á
oliveira, a qual se excusou, dizendo que não queria deixar
0 seu OLEO, com que se ungem os homens, e se allumião os
deoses.
Ouvida a excusa, forão á figueira, e também a figueira
não QUIZ aceitar, dizendo que os seus figos erão muito doces,
e que não queria deixar a sua doçura. (P. Ant. Yieira).
Entretanto a transposição dos mesmos complementos
para diante do verbo é licita, se, sem prejudicar á clareza,
vem solicitada por algum motivo de euphonia.
Ex. Amar a quem nos ama, e fazer bem a equem bem
nos FAZ, é dietame do lume natural que está imq>resso em
nossa alma. (P. Man. Bernardes). — ( N ã o : . . . bem a
quem nos faz be?n...).
Nenhuns serviços paga Sua Alajestade hoje com mais
liberal mão que os do Brazil. (P. Ant. Yieira).
Esta ultima sentença approvou o rei, e esta foi app>lau-
dida de todos com qnddicas acclamações. (P. Ant. Yieira).
11-RABALiiAR 7ião SEI; MENDIGAR iião POSSO: agora vejo 0
que hei de fazer. (Parab. evang.).
Esta^ mesma conclusão inferirão, sobre a lição de todas.
as lustorias do mundo, aquelles dous grandes historiadores eque.
em sentença de Lipsio, depois de Sedlustio e Livio, merecem
os dous seguintes lugares: entre os Latinos, Curcio, e entre os
IJespanhoes, Marianna. (P. Ant. Vieira).
E quidade, egue não é outra cousa que o dictame da razão
natural na mente ou consciência do hom varão, obrigado a
mitigar lei quando é necessário, deve o juiz ter diante dos
olhos todas as vezes eque condemna ou absolve. (P. Man. Ber­
nard cs).
316. Os complementos directos qiic constão de pro­
nomes não pcssoaes gozão de mais ampla faculdade de
eolloeação do que os substantivos, pois tanto se encontrão
antepostos como pospostos ao verbo.
Ex. Muitos houve que quizerão imitar os raios. (P.
Ant. Vieira).
IIouvE ALGUNS cque, jarreta dos, sem pés, e cheios de fe­
ridas, bramião como touros. (Luiz Torres de Lima).
« De verdade vos afirmo que esta p>obre viuva lançou
MAIS que todos os outros. » ...
Bem disse S. Ambrosio que mais valia um dinheiro ti­
rado do pouco do que um thesouro tirado do ma.vimo. (P. Man.
Bernardes).
Parece-vos que tenho dito muito?...
Muito pescão os pescadores do nosso elemento. (P. Ant.
Vieira).
Este natural appetite de quererem os homens sempre mais
do que qiodem, nem na soberania dos que podem tudo, se
farta...
Diogenes, que tudo via com mais aguda vista que os
outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros
de justiça levavão a enforcar uns ladrões. (P. Ant. Vieira).
Gatão respondeu que ambos lhe descontentavão: um porque
nada tinha ; o outro, poreque nada lhe bastava...
Taes são os dous capitães móres: N. de N. não tem
nada ; N. do JV. não lhe basta nada. (P. Ant. Vieira).
Por qualquer lado que o tomeis (o non) sempre sôA e
DIZ o MESMO. (P. Ant. Vieira).
Porém Deos, que ao cego deu vista, pondo-lhe o lodo nos
olhos, o MESMO EEZ agora com Pedro. (P. Man. Bernardes).
317. Os pronomes pcssoaes constituindo complementos
directos são; me, te, se, nos, vos, se, — o, a, os, as, — c
o estável — o. Os que constituem complementos indirectos
V'

250 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

de preposição occulta, sendo esta sempre a, são novamente :


ME, TE, SE, NOS, YOS, SE, e mais: liie, liies.
Notáveis por se nunca prestarem a exercer outra
funeção que não seja a de complementos, ainda merecem
os referidos vocábulos especial menção por diversas parti­
cularidades que lhes são exclusivameiite próprias.
Tanto podem ir antepostos como pospostos ao verbo
de que dependem, porém só em these geral; porquanto,
além dos casos adiante especificados como excepções for-
maes, lia sempre, no particular, mais ou menos opportu-
nidacíe em os antepor ou pospôr ao verbo, conforme o
numero c collocação dos outros termos da mesma propo­
sição. Mas essa mesma opportunidade de posposição ou
anteposição esquiva-se a todo o qualquer regulamento, de
sorte que é este um dos casos cm que a observação assidua
c reflcctida do modo de proceder dos clássicos se torna a
unica norma attcndivcl.
(Quanto ás particularidades que restringem terminante-
mente a collocação facultativa dos mesmos pronomes, ellas
são as seguintes :
1. “ Nenhum dos referidos vocábulos pódc de per si só
constituir uma proposição elliptica;
2. ® Nenhum póde encetar uma proposição;
3. “ Nenhum se póde pospôr a um verbo no 7.° c 8.°
tempo do indicativo, ou no 1° e 2.° do condicional; por­
quanto, sendo estes quatro tempos os da figura de dicção
chamada tmesis, a interpolação dos mesmos pronomes dentro
do verbo é uma das exigências da lingua;
4. “ Sendo dous junto a um mesmo verbo, não podem,
quer antejiostos, quer pospostos, ir disjunctos;
5. ° Em tal caso, o de complemento indirecto tem a
precedencia sobre o de complemento directo, a não ser
que este seja se ;
6. ® Pospostos ao verbo, ligão-se-lhe e mesmo entre si,
pela risca de união, a não ser que a mesma risca seja eli­
minada pela intervenção de um apostropho por apocope.
Ex. Movido de \nedade^ o arcebispo parou, chamou ao
p>ohrezinho, e disse-lhe que se descesse abaixo para a lapa,
e fugisse da chuva, pois não tinha roupa bastante para a es­
perar. « Isso, não, respondeu o pastorinho; que, em deixando
de estar alerta e com olho aberto, vem logo o lobo, e leva-me
a ovelha; ou vem a raposa, e mata-me o cordeiro. « — « E,
que vai nisso? disse o arcebispo.'» — «A mim (Não: Me.)
ME VAI muito, tornou elle, que tenho pai em casa, que pele­
jará commigo. (Fr. Luiz dc Souza).
Só aquelle que por amor de Deos perdôa, é o que mais
SE ENGRANDECE ; quem, sem reparar na política, se esquece
da affronta, e, sem se lembrar do aggravo, faz bem a seu
contrario, este é o que se eternisa nos annaes da fama, e
esculpe seu nome nos bronzes da eternidade. Ouvi um caso
succedido em Lisboa na igreja de S. Domingos ; está escripto
na Torre do Tombo.
Num dia. em que nesta igreja se fazia uma celebridade
com empenho, receiosos uns fidalgos de que não achassem lugar,
mandárão pôr na igreja um banco. Succedeu que, vindo um
homem de fóra, ricaço, vendo o banco sem gente, teve-se por
ditoso em achar tão bom lugar, e com effeito se assentou
nelle. Vierão os fidalgos para o séu banco; achârão nelle o
homem, a quem pedirão com muita cortezia (que esta, parece,
vem aos fidalgos por natureza) se levantasse do banco, pois
0 tinhão mandado pôr naquelle lugar. Respondeu o homem
que não se havia de levantar. E eplicárão-liie [não : L iie
replicarão] que o fizesse, senão, que o farião levantar. —
n Levantar! a mim! [não: me I] respondeu o homem. E, arre-
mettendo com um dos fidalgos, levantando a mão, liie deu
uma bofetada, O fidalgo, com a cólera, metteu a mão, e le­
vando da adaga com impeto tão arrebatado, que não distin­
guira nelle a acção de arrancá-la, matára o homem que liie
tinha dado a bofetada, se não fôra que succedeu neste instante
LEVANTAR-SE O Santissimo Sacramento num altar donde se
estava dizendo missa, o que visto pelo homem que já. se
JULGAVA mais morto que vivo, lhe disse : (f P erdoai-me [não :
M e perdoai] por amor da quelle Senhor sacramentado ! n — O
fidalgo, ouvindo isto, suspendeu o impidso, e liie perguntou :
« Por amor de quem m’o pedís ? [não : me-o pedís? — nem :
o-M E PEDÍS? — nem: o pedís-me? — nem: me pedí-lo?] —
Por amor daquelle Senhor v o s peço que me não mateis. » —
« Ora, por amor delle v o s perdoo. » E não tão sómente lhe
PERDOOU, mas lhe deu um abraço, e o assentou comsigo. E,
para memória, se mandou ^dr isto na Torre do Tombo; e, para
credito de quem tal acção fez, escripto deve andar em laminas de
bronze, que é tal honra perdoar uma injwia, que, para brazão
de seus descendentes, se guarda em escripturas públicas. (Fr.
Ant. das Chagas).
« Comparemos agora esta doutrina com ess'outras razões;
PONHAMO-LA [iião : A PONHAMOS] C0711 ellas eiii balança; v Ê -
LAS-iiEMOS [não: as veremos, — nem: veremo-las] ir por
esses ares, e desapparecer como fantasticas e sophisticas. » (Fr,
Luiz de Souza).
252 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

« Se, todavia., ainda contra isto ha que dizer, e Vossa


Paternidade entende que tenho perdido o norte neste governo,
não está longe o remedio: Vossa Paternidade, que foi o meio
de SE ME LANÇAR [iião: de me se lançar, — nem: de se
LANÇAR-ME, — nem : de me lançar-se] esta Braga, que não
trago só nos pés, como a trazem os captivos, mas também
sobre o pescoço e coração, póde, com m’a fazer tirar, junta­
mente atalhar meus erros, e usar commigo de grande miseri­
córdia. )) (Fr. Luiz de Souza).
D espede-se [não: Se despede] o mundo sem dizer-nos
nada; consome-se [não : se consome] a carne sem que nin­
guém o sinta ; passa-se [não: se passa] a nossa gloria como
se nunca fôra; e salteia-nos [não: nos salteia] a morte
sem chamar primeiro á porta. (P. Ant. Vieira).
Não SE FAZEREM meroês é faltar com o prêmio á virtude;
fazerem-se [não: se fazerem] é semear benefícios para colher
(queixas. (P. Ant. Vieira).
Buscais mil traças e invenções para ajuntar o alheio ao
vosso, e essas são as (que, em lugar de vo-lo accrescentar,
VO-LO roem e VO-LO DESEARATÃo. E ' O ollieio pontuabuente
conio 0 vomitorio. Receita-vos o medico um vomitorio, e, que
vos acontece depois que o tomais? L ançai-lo, a, elle, e
tudo 0 mais que tinheis dentro. Assim é o alheio. Guardai-
vos de o METTER no estomago, porcque, primeiramente, não
VO-LO ha de lograr, e iia-vos de puxar, e levar eomsigo o
mais que tiverdes nelle (P. Ant. Vieira).
A roça, havião-\o-i.A de embargar para os mantimentos
das minas; a casa, havião-YO-iuA de tomar de aposentadoria
para os officiaes das minas. (P. Ant. Vieira).
O voador, p>orque quiz ser borboleta das ondas, vierão-s^-
LHE a (queimar as azas. (P. Ant. Vieira).
318. Todo o complemento indirecto é caracterisado
pela regência de uma preposição expressa, occulta ou im­
plícita. As palavras assim regidas são: um substantivo,
um pronome, um infinitivo, ou mesmo um advérbio em al­
gumas locuções adverbiaes.
Quanto ás preposições que, por antecipação a uma
conjuneção, com ella formão uma locução conjunctiva ( a
QUE, COM QUE, DE QUE, EM QUE, PARA QUE...), Cmbora SUS-
citadas por uma palavra anterior que deli as não prescinde
para fazer constar a sua relação, não devem ser tidas em
analyse como exercendo uma regencia, visto não apresen­
tarem, em combinação com a mesma conjuneção, tão mar­
cada plenitude de significação como a que se constitue
pela anteposição da preposição a um substantivo, pronome,
' \

SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 253

infinitivo ou adverbio (a pé, com alguém, de fallar, em


FALLANDO, PARA SEMPRE).
Pt 319. Por esta indeclinável assistência de uma prepo­
sição é assim o complemento indirecto, entre os termos, um
1 --Í
dos mais claramente determinados. A consequência que
dalii decorre, é que lhe cabe, cm these geral, ampla facul­
dade de transposição.
Ex. Quasi todos querem e n s in a r com razoes ; com
EXEMPLOS, poueos ENSiNÃo. (P. Ant. Vieira). — (Normal-
mente: ... poueos ENSINÃO COM EXEMPLOS).
Todavia longe estão os prosadores de usar desta fa­
culdade com o mesmo desembaraço com que delia usão os
poetas; porque o que se tolera nestes como expediente jus­
tificado pelas difficuldades da metrificação, estranhar-se-hia
áquelles como requinte incompativel com a gravidade das
composições litterarias que pretendem captivar antes pela
lição do que pela dicção. E’ esta novamente uma questão
de gosto, para a qual muito convém pedir consulta aos
clássicos. Algumas exemplificações em que iirevalece, já a
collocação directa, já a collocação transposta dos mesmos
complementos, servirão, não de preceitos, que o caso não
os admitte, e sim de mera indicação sobre o processo a
seguir cm tal estudo de estylistica, para affazer o ouvido
ás boas normas.
Collocação normal :
« Tudo é vaidade, excepto amar e servir a Deos. Ser
amado de D eos é a maior das felicidades. » (P. Ant.
Vieira). — (Colloc. anormal: E xcepto amar e servir a
Deos, tudo é vaidade. D e D eos ser amado é das felici­
dades a maior).
« O primeiro bem do mundo que o homem ha de pro­
curar, é 0 bom nome. » (P. Ant. Vieira). — (Colloc. anormal:
Do MUNDO 0 primeiro bem que o homem ha de procurar, é o
bom nome).
is:
Collocação anormal:
({ Só deste nome temos a propriedade; de todos os mais
temos 0 uso. » (P. Ant. Vieira). — (Colloc. normal: Temos
só a propriedade deste nome ; temos o uso de todos os
mais).
Collocação normal :
« O maior mal do homem é não se conhecer a si mesmo. »
.(P. Ant. Vieira). — (Colloc. anormal : Do iio.mem o maior
mal é A si mesmo não se conhecer).
Collocação anormal:
« T arde procurará emendar-se quem se não conhece. »
(P. Ant. Vieira). — (Colloc. normal: Procurará tarde emen­
dar-se quem se não conhece).
Collocação normal:
ff Não ha homem sem coração, nem coração sem dese­
jos. » (P. Ant. Vieira).— (Colloc. anormal: S e ’ í coração
não ha homem, nem sem desejos coração).
Collocação anormal:
<( O homem, por liie parecer que um só hem o não
pôde fazer feliz, busca muitos. » (P. Ant. Vieira). — (Colloc.
normal: O homem busca muitos bens, por lhe parecer eque
um só 0 não póde fazer feliz).
320. Todavia os advérbios de quantidade que, por
actuarem sobre um adjectivo, participio, ou outro adverbio,
lhe conferem fôrça de comparativo ou de superlativo, nunca
prescindem da condição de ir-lhe antepostos, como para
obstarem, por um prévio aviso, a que escape por descuido
a modificação que nas mesmas palavras produzem.
Ex. Por isso em algumas pardes deixámos correr o es-
tylo MAIS VIÇOSO, e menos severo. (Fr. Man. Consciência).—
(V. os exemplos dos §§ 182 e 184).
321. Por motivo analogo vão os vocábulos não e nem,
quando advérbios, sempre antepostos á palavra em que
actúão.
Ex. ff O' voador, se vos nÃo conheceis, olhai para as
vossas espinhas e para as vossas escamas, e conhecereis que
não sois ave, senão peixe, e ainda, ent7'e os peixes, não dos
MELHORES. — N ão CONTENTE com ser peixe, quizeste ser ave;
e já NÃO És ave nem peixe; nem voar poderás já, nem
nadar (poderás). » (P. Ant. Vieira).
ff Mostre-me alguém, na vida destes Padres ou em seus
escriptos, que posso eu, sendo mero dispenseiro, e não dono
do patrimônio de Christo (que é a renda ecclesiastica), com­
petir, á conta delia, com os principes seculares em pompa e
fausto! )) (Fr. Luiz de Souza).
Nas mesmas condições, porém, vai o vocábulo sim,
por ser simplesmente confirmativo, posposto á palavra em
que actúa.
Ex. Parece-lhes, aos moços, intolerável a carga do matri­
monio. E’ SIM pesadisslma para os que a não sabem levar,
(D, Franc. Man. de Mello).
' i

SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 2oo

322. Entrando um complemento directo posposto ao


verbo, em competição de lugar com um indirecto do mesmo
verbo, não ha outro direito de precedencia de um sobre o
outro, senão o que determina a euphonia, a qual geral­
mente antepõe o mais breve ao mais comprido em syllabas,
incluindo-se nessa conta os annexos do cada complemento.
««!{.
Ex. « Tu, David, continua Saul, déste-me bem por mal,
sendo que eu sempre fp dei mal por bem. » (P. Ant. Vieira).
— (Não: ... por mal bem... por bem mal...).
Lançai os oliios por todo o mundo (não: por todo o
mundo os olhos), e vereis que todo elle vem a resolver-se em
buscar pão para a bocca (não: para a bocea p)ão). — (P.
Ant. Vieira).
Se b u s c a r m o s , com verdadeira consideração, a causa
DE TODAS AS RUINAS E MALES DO MUNDO (llão : a C aU Sa dC
todas as ruinas e males do mundo com verdadeira eonside-
i!I(1
ração), acharemos que, não só a principal, senão a total e a
p unica é não acabarem os homens de concordar o seu querer
COAI o SEU PODER (iião : com 0 seu poder o seu querer). — (P.
Ant. Vieira).
Se alguém deseja alguns dictâmes para escolher e ad­
quirir AAiiGos (não : para escolher e adquirir amigos alguns
Í'- dictâmes), póde arrimar-se aos seguintes. (P. Man. Ber-
n ardes).
323. Entrando dous ou mais complementos indirectos
J1Í de verbo na mesma competição, procura-se conciliar, na
sua coordenação, as mesmas leis da euphonia com a maior
lucidez de expressão.
Ex. Navegava Ale.xandre eai uaia poderosa araiada no
xAiAR E rythrêo para CONQUISTAR A I ndia. (P. Ant. Vicira).
— (Navegava em uma armada, — navegava no mar Erythrêo,
— navegava a conquistar a Índia).
324. Sendo o predicado a enunciação de uma attri-
buição do sujeito mediante um verbo do estado, claro ó íG I
que vai normalmento collocado quando sabe posposto ao
verbo que o suscita.
Ex. Se os olhos vêm com amor, o corvo é branco ; se
com odio, 0 cysne É negro ; se com amo?', o demo?iio É for-
Aioso ; se com odio, o anjo É feio ; se com amor, o pygmeo É
gigante ; se com odio, o gigante É pygaieo. (P. Ant. Vieira).
A a u i'o r a é o riso do céo, a alegria d o s c a m p o s, a
respiração d a s flo r e s , a haraionia d o s a r e s , a vida e alento
do mundo. (P. Ant. Vieira).
Toda a nobreza e excellencia do homem consiste no livre
alvedrío; e o servir, se não É p e r d e r o alvedrío É c a p t iv á -?o.
(P. Ant. Yieira).
325. Porém tão intima é a relação de sentido que se
créa entre o predicado e o sujeito, que, ainda quando ella
deixa de manifestar-se pela concordância, mal se póde ori­
ginar da collocação anormal do mesmo predicado equivoco
ou obscuridade. Amplíssima é, portanto, a sua faculdade
de transposição; o delia se aproveitão largameiite os clás­
sicos para cortar a monotonia que acarretára a constante
reproducção de ser , de todos os verbos de estado, o mais
usado, se não fosse licito rodeá-lo das inversões mais va­
riadas.
Mui .JUDicioso É 0 apologo que se conta das cotovias que
tinhão seus ninhos entre as searas. (P. Man. Bernardes).
Grande zelador do segredo foi Demosthenes. (Diogo do
Couto).
E’ a luz mais b e n ig n a que o sol. (P. Ant. Vieira).
Maior GLORIA É emendar que castigar. (P. Ant. Vieira).
T aes são os bens da fortuna^ que carecer delles é miséria,
e possui-los, perigo. (P. Ant. Vieira).
CousA É mui commum aos néscios tratar de livros. (P.
Ant. Vieira).
As primeiras creaturas que com suas vozes nos injurião
e envergonhão, entre aquellas que o mesmo Senhor creou, mas
não remiu, sÃo as aves. (P. Ant. Vieira).
E sta é a historia ou fabula engenhosamente fingida por
Homero. (P. Ant. Vieira).
E ra o autor deste invento, de profissão, religioso . (P.
Ant. Vieira).
326. Apposição é toda a palavra variavel que, não
sendo facto syntaxico, prende-se de per si mesma, pela
concordância possível, a um substantivo, pronome ou infi­
nitivo, para precisar-lhe o sentido, e, como simples annexo,
seguir-lhe a sorte.
Torna-se notável o seguinte exemplo por encerrar dons
substantivos e dous pronomes igualmente desamparados de
toda e qualquer apposição: Quasi todos querem ensinar com
ra zo es ; com exemplos , poucos ensinão. — No seguinte,
porém, tanto o substantivo homem, como o pronome si, ap-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 257

parecem amparados, cada nm, por sua respectiva apposição:


Conheça o homem o que deseja, e conheça-se a si jiesmo . (P.
Aiit. Vieira). Igual observação cabe aos infinitivos dos
dous seguintes exem])los: Pois como! prem iar a todos sem
DAR nada a ninguém! — Sim! o dar e o premiar são cousas
muito differentes. (P. Ant. Vieira).
327^ O simples enunciado da funeção exercida pelas
apposiçoes implica, como collocação normal, a conveniência
de sua juneção á palavra amparada. Todavia, conforme a
classe de palavras a que pertencem, as mesmas apposiçoes,
já têm uma collocação determinada. Já a têm faculta­
tiva.
328. Constando de um artigo, a apposição vai, não
só anteposta á palavra amparada, como ainda anteposta ás
mais apposiçoes que com ella entrão em competição.
Ex. O hem é um; o mal se devide, e não tem numero.
(P. Ant. Vieira).
O MAIOR mal do homem é não se conhecer a si vrowio.
(P. Ant. Vieira),
Veiu depois uma pobrezinha viuva, e lançou dous ceitis
de cobre. ((P. Man. Bernardes).
I l a um a unica excepção a esta regra, e é em relação
a TODO, que, por ser mais explicito do que o artigo defi­
nito, vai-lhe necessariam ente anteposto.
Ex. JSÍos casamentos, todo o erro está em cobiçar a fa ­
zenda que está na bolsa, e não examinar a pessoa que se traz
para casa. (P. Ant. Vieira).
O primeiro bem do mundo que o homem ha de procurar,
é 0 bom nome; só deste nome temos a propriedade; de todos
os mais temos o uso. (P. Ant. Vieira).
Não se entende com isto que todo vá necessariamente
anteposto á palavra por elle amparada; pois, como sentido
de INTEIRO, traspassa-se em seguida á jialavra com a qual
se prende, mas então nada mais tem que destrinçar com o
artigo.
Ex. Põe-se da parte do odio e da vingança o mundo
TODO. (P. Ant. Vieira).
329. Constando de adjectives determinativos, as appo-
sições, não só se antepõem ás palavras amparadas, como
ainda aos qualificativos, quer adjectivos, quer participios,
que com ellas entrão em competição. (V. § 144). Ha, to­
davia, algumas excepções, por alto das quaes não convem
passar.
17
W(

258 NOVA GRAMMATiCA ANALYTICA

1. ® Dentre os numeraes, só os cardeaes vão necessa­


riamente antepostos ao substantivo amparado.
Se houvesse nous homens de consciência^ e outros que lhes
succedessem, não haveria inconveniente em estar o governo di­
vidido. (P. Ant. Vieira).
V inte e dous pescadores destes se acharão acaso a um
sermão de S. Antonio. (P. Ant. Vieira).
Porém, junto a pronomes j^essoaes, o contrario é que
se dá.
Ex. Assentemos nós très no que se tem de fazer.
Ainda pospõem-se os cardeaes ao substantivo quando
se empregão como substitutivos dos ordinaes.
Ex. Não posso, comtudo, calar que, no mesmo dia seis
( sexto ) de Fevereiro, em que entrei nos oitenta e sete annos ,
foi tão critico para a minha saude este septenario, que apenas
por mão alheia me permitte dictar estas regras. (P. Ant.
Vieira).
No capitulo TRINTA E DOUS do Deutcronomio promette Beos
assistir poderosamente na guerra aos que o servirem. (P. Ant.
Vieira). — (ATo capitulo trigésimo segundo... ou: No trigésimo
segundo capitulo...).
2. ® Sendo os adjectivos demonstrativos os mais apa­
rentados de todos com o artigo definito, dá-se também com
elles o caso de só se deixarem preceder de todo.
Ex. Vai um soldado servir na guerra, e leva très cousas:
leva vontade, leva animo, leva alegria. Torna da guerra a
requerer, e todas estas très cousas se lhe trocão. (P. Ant.
Vieira).
Todavia, ao contrario do que se dá com o mesmo ar­
tigo, uma circumstancia ha em que o demonstrativo con­
sente a ir posposto ao substantivo amparado ; e vem a ser
quando, fazendo o mesmo substantivo officio de apposição
por conta propria, obriga ao demonstrativo a que se des­
loque, para por elle não ficar estorvado na sua funcção. 0
P. Ant. Vieira disse: « O ver-se louvado era ver-se accusado;
0 ver suas grandezas referidas era ver as suas culpas pro­
vadas, DELiCTOs sem perdão contra as leis da inveja. » Ahi é
DELiCTOS mera apposição de culpas, com que concorda
aliás em numero, já que lhe é vedada a concordância em
genero. Porém, se quizera o eminente clássico accrescentar,
de conformidade com a indole da lingua, um adjectivo de­
monstrativo a DELICTOS, tivera de lh’o pospôr (... delictos
ESSES sem perdão... — não: esses delictos sem perdão...).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

3. " Os adjoctivos possessivos encontrão-se tanto pos-


postos como antepostos á palavra amparada; e, bem que
não haja geralmente perfeita identidade na adopção de uma
ou outra collocação, não é todavia possivel atinar com a
razão lógica que torna a anteposição preferivel em um caso,
e a posposição preferivel em outro.
Ex, Pois, Filho da Virgem Maria, se tanto cuidado ti­
vestes então do respeito e decoro de v o s s a m ã i , como consentis
agora que se lhe fação tantos desacatos?... Bastava então
qualquer dos outros desacatos ás cousas sagradas, para uma
severíssima d e m o n s t r a ç ã o v o s s a , ainda milagrosa. Se, a Jo-
roboão, porque levantou a ?não para um propheta, se lhe seccou
logo 0 braço milagrosamente, como, aos herejes, depois de se
atreverem a affrontar os vossos s a n t o s , lhes ficão ainda
braços para outros delictos ! Se, a Balthasar, por beber pelos
vasos do templo em que não se consagrava o vosso s a n g u e ,
0 privastes da vida e do reino, porque vivem os herejes que
convertem vossos c a l i c e s a usos profanos? » (P. Ant.
Vieira).
B'allando el rei Antigono com o principe s e u f i l h o , . . . lhe
disse: Ainda não sabias, f i l h o m e u , que o n o s s o r e i n a r
não é outra cousa senão uma servidão honrada? (P, Ant.
Vieira).
Em Nazareth, e em vida de Joseph, grangeou ÇChristo) a
sujeição e obediência a um official com o nome de p a i s e u ,
que não era. (P. Ant. Vieira).
4. ° São bastante numerosas as observações a que dá
i lugar a collocação dos adjectivos indefinitos.
Ail Algum varia de accepção conforme anda posposto ou
anteposto ao substantivo. (V. § 163).
B astante encontra-se anteposto e posposto ao substan­
tivo.
Ex. Quem tem b a s t a n t e d i n h e i r o , tem b a s t a n t e s
que com elle contão para servir-lhes de c a u ç ã o b a s ­
A M IG O S ,
tante.

Certo, como adjectivo indofinito, vai necessariamente


anteposto ao substantivo. (V. § 165).
D e m a i s , m a i s e m e n o s estão no mesmo caso. (V. §§
l 166 e 167).
Mesmo, outro e só, como adjoctivos indefinitos, cos-
tumão andar antepostos aos substantivos amparados ; porém,
junto a pronomes, só lhes andão pospostos.
Ex. Finalmente os m e s m o s v í c i o s nossos nos dizem o que
ella é (a almaj. — (P. Ant. Vieira).
\V(

26 Ü iíOVA GRAMMATICA ANALYTICA

No que reparo, é que o Senhor convocasse a seus discí­


pulos para que nisso mesmo reparassem, e levassem doutrina.
(P. Man. Bernardes).
Já são OUTRAS CIDADES, OUTRAS RUAS, OUTRA LINGUAGEM,
OUTROS TRAJES, OUTRAS LEIS, OUTROS HOMENS; tu d O p a S S a .
(P. Man. Bernardes).
Comei vós outros, pobres estrangeiros, e não vos descon­
soleis por vos verdes dessa maneira. (Fernão Mendes Pinto).
O homem, por lhe parecer que um só bem o não póde
fazer feliz, busca muitos. (P. Ant. Vieira).
Esta doutrina do Senhor, por sua pureza, alteza, excel-
lencia e majestade, merecia por si só ser ouvida e abraçada
por todo 0 mundo. (João Franco Barreto).
Muito, nenhum, pouco, qualquer, tal e todo, posto
que mais geralmente antepostos á palavra amparada, en-
contrão-se-lhe também pospostos.
Ex. O coração da mulher é mui delicado: quer por pouco
BEM MUITO PRÊMIO, 6 pOl' MUITO MAL NENHUM CASTIGO. (P.
Ant. Vieira).
Na côrte ha malsins muitos, amigos poucos. (P. Ant.
Vieira). Não se poderia accrescentar também: desinte­
resse NENHUM?
Por desprezível que seja qualquer pessoa, póde ser mui
util ou mui nociva a qualquer outra de alto estado e digni­
dade. (P. Man. Bernardes).
Não é HOMEM QUALQUER íjuem isso fez.
As serêas, com a suavidade de suas vozes, de tal modo
encantavão os navegantes, que voluntariamente se lançavão e
precipitavão ás ondas, e se afogavão no mar em que vivião.
(P. Ant. Vieira).
E, pois que tinha presentes dous amigos que estimavão e
tinhão sua honra por propria, assentassem todos tres pôr uma
forma e ordem tal em sua vida e governo, que, sem chegar
a demasias, bastasse para lhe grangear reverencia e autoridade
e estimação no povo. (Fr. Luiz de Souza).
« Confesso que tomára ver esta linguagem em toda outra
PESSOA antes que na bocca dos que tanto me tocão. » (Fr. Luiz
de Souza).
Finalmente a terra (de Uespanha), as minas e os mora­
dores ficárão todos sujeitos ao jugo e dominio estranho. (P.
Ant. Vieira).
330. As apposições constando de qualificativosj quer
'T

SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 261

■ -K. i| adjectivos, qncr participios variavcis, diïo theoricamente


liiijjar a quatro hypothèses, cuja applicaçào, na pratica, só
pódc ser determinada pelo uso.
1. “ Uns qualificativos andão antepostos á palavra am-
j)arada.
Ex. Um BELLO HOMEM, de bons costum es .
2. ° Outros andão-lhe pospostos.
Ex. Uma mesa red o nd a , de côii a m a r el la .
■k-
3. “ Outros aearretão mudanças de aecepção conforme
andão pospostos ou antepostos.
Ex. Uma po b r e v iu v a é aquella que é digna de com­
paixão. Uma VIUVA po b r e é aquella que vive na indi­
gência.
4. ” Outros, emfim (e estes constituem a grande maioria)
tanto se dcixão antepôr como pospôr á palavra amparada,
sem outro resguardo que o da euphonia.
Ex. Volta os olhos para esses am enos prados e v a r ­
gens f e r t il ís s im a s . (P. Man. Bernardes).

331. Quando, por uma apparente contradicção com


estas regras, ' o qualificativo (geralrncnte participio variá­
E2TÎ-
vel) se encontra anteposto ao artigo ou adjectivo determi­
nativo do substantivo ao qual se refere (... tosquiados os
cabellos, cavados os olhos...), o caso não é de apposição, e
sim de predicado occulto, por elisão do verbo de estado.
Porém tal erro de apreciação é insignificante na pratica,
visto se regerem as apposições e os predicados pelas mesmas
leis de concordância.
O seguinte exemplo, em que se verifica a referida hy­
pothèse, merece, por outra parte, ser estudado como de­
monstração da frequência das a])posições no discurso, e
bem assim das diversas collocações a que são adstrictas
conformo constão de artigos, adjectivos determinativos, ad­
jectivos qualificativos, ou participios variaveis.
Vêdes AQUELLE homem robusto e agigantado que, com
aspecto ferozmente t r is t e , tosquiados os cabellos, cavados os
olhos, e CORRENDO sangue ( — os cabellos sendo -l h e tosquia­
dos, os olhos SENDO-LHE cavados, e correndo sangue), atado
dentro em um cárcere a duas fortes cadeias, anda moendo
NUMA atafona f Pois aquelle é Sansão. Vêdes a q u elle ?na7i-
cebo MACILENTO 6 PENSATIVO que, RÔTO 6 quasi DESPIDO, com
UMA corneta pe n d e n t e do hornbro, arrim ado sobre um ca­
jado, está guardando um rebanho v il do gado^ mais asque ­
roso ? Pois aquelle é o prodigo. Quem haverá que se não
262 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

admire de uma tal voltada fortuna em dous sujeitos tão


n o t á v e is : um tão valente, outro tão a l t iv o ! (P. Ant.
Vieira).
332. Como apposições, os substantivos encontrão-se,
já antepostos, já pospostos á palavra amparada, porém com
um sentido mais determinativo no primeiro do que no se­
gundo caso, como aliás o attesta a pontuação, que faz
intervir a virgula na ultima bypothese, mas não na pri­
meira.
Ex. A el REI D a rio disse Cyloson que pedia antes para
a sua PATRiA, S amos , total exempção de tributos. (P. Man.
Bernardes).
Se, por ventura, na colligação de dous substantivos
dos quaes é um a apposição do outro, se der o caso de al­
guma hesitação sobro a sua determinação respectiva, basta,
para resolver a duvida, attender a esta consideração, que
a apposição é sempre mais ou menos dispensável, ao passo
que a palavra amparada não o é, por exercer uma funcção
essencial.
Ex. Fallava el r e i A ntigono com o piiiN cirE seu f il h o .
(P. Ant. Vieira). — E’ ahi rei apposição do Antigono, ou
Antigono apposição de rei f — principe apposição de filho,
ou filho apposição de principe ?
Procedendo-se, por experimentação, a uma successiva
eliminação do um e outro dos referidos substantivos, chega-
se facilmente á convicção de que o theor que mais fielmente
resguarda a integridade do pensamento é : Fallava Anti­
gono com seu filho {Fallava el rei com o principe f ?); por­
tanto REI é apposição de Antigono, como p r in c ip e o é de
filho.
No seguinte exemplo, porém, as apposições do sub­
stantivos vêm todas pospostas ás palavras amparadas.
A formosura é um bem frágil... Seja exemplo desta las­
timosa fragilidade Helena, aqueila famosa e formosa g r eg a ,
FILHA de Tindaro, r e i de Laconia, por cujo roubo foi des-
truida Troya. (P. Ant. Vieira).
Vê-so mais, por este mesmo excerpto, que as apjiosições
do substantivos não íicão por isso inhibidas de se acercar
ao mesmo tempo de apposições de artigos, adjectivos ou
participios variaveis Ca q u e l l a fam osa e form osa grega).
Ex. LuCuUo, CIDADÃO ROMANO, HOMEM RIQUÍSSIMO, maS
muito VANGLORIOSO, (jastava em cada ceia, com os seus convi­
dados, cinco mil philiqipêos. (P. Man. Bernardes).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 263

333. Ao contrario dos substantivos, os pronomes,


quando apposiçõcs, aprosentão-sc necessariamente pospostos
á palavra amparada, porque delia têm de tirar o seu ge- í I
nero e numero.
Ex. Ao grande Alexandre, já vencedor de Dario, cami­
nhando para Persepolis, sahirão ao encontro quasi oitocentos
homens, os m ais delles velhos, aos quaes os antepassados reis
da Persia tinhão torp>emente mutilado os narizes e lábios. (P.
Man. Bornardes).
Todos os filhos de Adão padecemos nossas mutilações e
feialdades, uns 7ia honra, outros na saude, outros na fa ­
zenda, OUTROS na sciencia, outros na limpeza do sangue,
OUTROS em outras cousas. Accommodemo-nos a. viver juntos, <1 •
porque ninguém tem que se rir de seu proximo. (P. Man. Ber­
nardos). %
Costuma fazer excepção o vocábulo tudo quando, as­
sumindo uma feição adjectival junto a um pronome estável,
vem a constituir assim uma verdadeira apposição, o que
fica comprovado pela eliminação a que se presta sem es­
torvo maior do pensamento.
Ex. T udo isto gozava Salomão emsummapaz. (P. Ant.
Vieira). — {Isto gosava Salomão...).
T udo o que nasce na. terra, o sol ou a chuva o cria. (P.
xint. Vieira). — (O que nasce na terra...).
T udo quanto ha na capitania do Pará, tirando as terras,
não vale dez inil cruzados. (P. Ant. Vieira). — {Quanto ha
na. capitania do Pará,...).
334. Emfim os mesmos infinitivos condescendem em
formar apposições.
Ex. Concluirei finalmente por dizer que, nem se devem
desprezar os aduladores, nem seguir cegamente o que dies
dizem. Eis-aqui o meio t e r m o : — o u v i r os aduladores, mas
não se m over por elles. (P. Ant. Vieira). —Pois abi são
OUVIR e MOVER meros annexos do substantivo termo .
E realmente afiirmo que, de coiisas que vi, nesta cidade
de Odiá sómente, pudera ainda contar muitas mais particula­
ridades do que contei de todo o reino; mas deixo de o fazer
por não causar aos que isto lerem, a magoa que eu tenho:
vÊR 0 muito que, por nossos peceados, nestas partes perdémos,
e 0 muito que pudéramos ganhar. (Fernão Mendes Pinto).
Abi é o infinitivo v e r apposição do maooa .
Porém é quasi exclusivamento sob a fórma gorundial
que o infinitivo consente em constituir apposições; o estas,
264 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

tanto se encontrào antepostas como pospostas á palavra


amparada.
Q uerendo D a v id oppôr-se ao poder de Ahsalão, tratou
sobretudo de lhe metter um confidente no seu conselho, porque
entendeu que maior guerra fazia a Ahsalão com um homem
que lhe rompesse os segredos, que muitos mil homens que lhe
rompessem os seus exercitos. (P. Ant. Vieira).
El rei A ntigono , vendo que seu filho se ensoherhecia, lhe
disse : « JVão sabes, filho, que o nosso reino, e o reinar não é
outra cousa que um captiveiro honrado? » (P. Ant. Vieira).
Carece, todavia, estar advertido de que não é essa a
unica funcção dos gerundios; pois, como opportunamentc
virá expendido, também lhes cabe a de complementos in­
directos. O que por emquanto convem ter por estabelecido,
é que são apposições com uma referencia predominante a
um substantivo ou pronome, e complementos indirectos com
uma referencia predominante a um verbo, ao qual vão geral­
mente pospostos. Ambas as hypothèses se verificão nos
très seguintes exemplos:
Pelo que S. JoÃo, conhecendo esta peçonha, nos a d -
310ESTA DIZENDO : « Imiãos, não amemos de palavras e de
mostras, senão com verdadeiro coração e obras. » (D. Fr. Bar-
tholomeu dos Martyres).
V endo o philosopho D em et r io a um mancebo diligente e
industrioso, e inimigo do ocio, DissE-Záe a ppr o v a n d o o seu es­
pirito : « Continuai, mancebo; e, á noite de vossa velhice,
achareis a ceia bemfeita, e a mesa posta. » (P. Man. Bernardes).
A ROSA, DESATANDO do nó verdc sua rubiconda pompa,
AMANHECE DiZENDo-me; (( Oh! como nosso Peos é suave! »
(P. Man. Bernardes).
Ainda é apposição o gerundio do seguinte exemplo,
por sua referencia a um pronome ;
O uvindo este recado, uma das cotovias foi pelos ares
avisai as outras que mudassem de sitio. (P. Man. Bernardes).
Ha, porém, gerundios que não exercem, nem uma, nem
outra destas duas funeções, e são os que, consociados com
ESTAR, ou um equivalente do mesmo auxiliar, formão, dentre
os verbos combinados, o chamado verbo gerundial. Nestes
é vedada qualquer ingerência analytica tendente a consi­
derá-los separadamente do seu auxiliar, visto como, com
elle, apenas matizao delicadamente a idéa indivisivel do
facto donde procedem, mas nao a desdobrão j o que se
deixa aliás averiguar pela propriedade com que revertem
á sua forma elementar sem detrimento do sentido, embora
com notável enfraquecimento de alcance ideologico.
Ex. Entre todas as naturezas insensíveis, as flores parece
que, com mais expressos acenos, estão forcejando [/orcejão]
por remedar a formosura de seu Autor. (P. Man. Bernardcs).
« Pois, homem, ou animal (que te não quero chamar com
0 nome proprio, por não parecer appellativo), se conheces a in­
decência, a desautoridade e a affronta do teu principe; se
ESTÁS ENGULiNDO as lagi'imas, e afogando os gemidos [se en­
goles as lagrimas, e afogas os gemidos'], porque ao menos não
emmudeces e calas ? para que veja Nero na tua tristeza a tua
dôr, e leia no teu silencio o teu voto. Mas, no mesmo tempo
em que estás chorando [choras] o que condernnas, has de
louvar 0 que choras! Sim! que taes são os aduladores de pa-
lacio ! » (P. Ant. Vieira).
V ai o navio navegando , e o marinheiro dormindo [ o
navio navega, e o marinheiro dorme] ; e o voador toca na vela
ou na corda, e cahe palpitando. (P. Ant. Vieira).
Este ultimo exemjilo apresenta, por uma feliz reunião
de elementos diversos, o ensejo do uma comparação sum-
mamente azada para a dilucidação do caso vertente. Que
o verbo ir em vai navegando e (vai) dormindo é mero au­
xiliar supplementär (V. § 85), demonstra-se pelo nenhum
estorvo que da sua substituição por estar recebo o sen­
tido: Está 0 navio navegando, c o 7iiarinheiro dormindo...
Mas, que é, em cahe palpitando, o caso de todo diverso
torna-se igualmcnte intuitivo pela impossibilidade do sub-
stituir-sc ahi cahir por estar sem quebra essencial de sen­
tido ; pois são dous os actos attribuidos ao voador : o do
cahir, e o do palpitar. Constituo, portanto, ahi palpitando
um termo em separado, c este termo é o de complemento
indirecto.
335. Tão pouco concludente em preceitos é esta re­
senha geral das evoluções a que se prestão as palavras
conforme as funeções por ellas exercidas, que nenhum
apreço mereceria, se não chamasse a attenção para aquclla
divisa onde pára e se esquiva o rigorismo grammatical,
para deixar o campo á arte, sequiosa de movimento e va­
riedade. Ora, podendo os mesmos processos de analyse que
servem a determinar as operações syntaxicas, ser a])rovci-
tadas para a observação dos artifícios do estylo nas obras
dos clássicos, necessário era assentar em princi])ios fixos o
que se entende por construcção normal (ou ordem directa), e
construcção anormal (ou ordem invertida), para que destas
duas expressões tcchnicas, cm que se resumem as leis de
collocação, se não fizesse uma interpretação arbitraria, o
portanto uma applicação mal segura.
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

336. Agora, se se admittir, como proposição incon­


cussa por sua evidencia, a allegação anteriormente emittida,
de que uma lingua é tanto mais apta a todos os commet-
timentos litterarios quanto menos peada fica na disposição
de seus termos syntaxicos, um simples retrospecto synthe-
tieo sobre os pontos successivamente discutidos deve gerar
a convicção, mórmente em quem estudou outros idiomas,
que é prodigiosa a elasticidade, a ductilidade da lingua
portugueza, e que talvez nenhuma dentre as linguas mo­
dernas a ella se avantaja em fecundidade de recursos, in-
dependentemente da riqueza do vocabulário; nenhuma é
mais eminentemente litteraria.
Tão incontestável superioridade solicita naturalmente a
reflexão sobro as causas mais ou menos prováveis que a
determinão; o, destas causas a primeira que occorre, é a
jnecisão terminativa dos vocábulos portuguezes. Com effeito,
uma lingua dotada, como a portugueza, da propriedade de
tornar salientes, não só na escripta, senão também na falia,
as relações reciprocas das palavras por desinências franca­
mente accontuadas, pouca necessidade tem, para segurar a
associação natural das idéas, de se sujeitar ao rigor da
collocação normal, e de resistir systematicamente ao im­
pulso das paixões, que as desordenão na omissão: ella se
jiódo fiar, para a reconstituição mental das projjosições
anómalas, das manifestações tão caracteristicas da concor­
dância, valiosa resalva da lucidez da dicção. Não será
talvez pouco demonstrativa a tal respeito a citação das
duas seguintes magnificas hypothyposis do P. Ant. Vieira,
onde uma profusão de actos formando extenso panorama,
com tanta certeza e rapidez se deslisão por entro transpo­
sições e ellipses, que o espirito nunca tropeça á procura
do pensamento, e chega ao fim dos trechos, maravilhado
de tão explendida visão, em que nem um ponto obscuro
faz mancha :
« A maior ostentação de grandeza e majestade que se
« viu neste mundo, c uma das très que S. Agostinho dese-
« jára ver, foi a pompa e magnificência dos triumphos ro-
« manos. Entravão por uma das portas da cidade, naquelle
« tempo vastissima, encaminhados longamente ao Capitolio;
« precedião os soldados vencedores com acclamações, re-
« presentadas ao natural as cidades vencidas, as montanhas
(( inaccessiveis escaladas, os rios caudalosos vadeados com
« pontes, as fortalezas e armas dos inimigos, e as machinas
« com que forão expugnadas ; em grande numero de carros,
« os despojos e riquezas, e todo o raro e admiravel das
(( regiões novamente sujeitas; depois do tudo isto, a mul-
« tidão dos captivos, e talvez os mesmos reis manietados;
268 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

phrascologico. Assim é que consta, do mais succinto in­


ventario das modificações do verbo, que tem oito tempos
no indicativo, quatro no condicional, um no imperativo,
oito no subjunctivo, e seis no infinitivo. Quando activo,
pode formar, em combinação com ser ou estar, não só
uma, como duas series de verbos passivos. Porém, quer
seja activo ou neutro, quer seja pronominal ou impessoal,
póde formar duas categorias de verbos prepositivos (T er
ou HAVER DE... — EsTAR PARA...), sem quc Ihc scja vcdado
o entrar nas mesmas combinações como passivo (T er ou
HAVER DE SER OU ESTAR... -- EsTAR PARA SER...), a IlãO SCr,
todavia, no caso do colligação tautológica E star para
ESTAR..., a qual é inadmissivel. Nas mesmas condições,
emfim, forma cila a terceira classe dos combinados, isto é,
o verbo gerundial, quc o francez possuia também em tem­
pos ainda não mui remotos, mas deixou caliir em desuso
])or falta de assenso sobre se devia o seu gerúndio ser va­
riável ou invariável.
Soyons bien buvants^ bien mangeants;
Nous devon.s à la mort, de trois, l ’un en dix ans.
L afontíiine ( L e c h a rla ta n ).

Estejamos bebendo bem, comendo bem; devemos á morte,


de tres que somos, um em dez annos.
De uma tal exposição, facil é avaliar para quanto con­
corre o verbo como elemento do variedade na oração,
tanto mais que, nos tempos compostos, os vocábulos com­
ponentes não têm geralmente restricta obrigação de andar
immediatamente associados, e portanto podem remexer os
termos sem transtornar ou sombrear o pensamento.
338. A terceira causa de transposição dos termos é
de ordem muito diversa da das duas precedentes; pois, nos
casos expendidos, era geralmente mais ou menos faculta­
tivo usar da collocação normal, ou da collocação anormal;
neste ultimo caso, a transposição é motivada por um ele­
mento que a torna obrigatória, c este elemento é a ligação
subordinativa. Ora, formando as locuções subordinativas
um termo commum a todas as linguas, claro é que a these
de collocação por ellas suscitada é antes questão de Gram-
matica geral, do que thema especial desta ou daquella
lingua; entretanto, como não parece ter sido aventada cm
obra alguma didactica, apezar da muita luz que diífunde
sobre o mecanismo da linguagem, não é possivcl abstrahir
do uma exposição previa da natureza deste termo.
339. São ligações subordinativas, não só as conjuneções
SEGUNDA PARTE - SVNTAXE 269

QUE e SE, senão também todos os adjectivos, pronomes,


advérbios e conjuncções em que apparecem ostensivel ou
disfarçadamente os mesmos vocábulos.
340. A c o n ju n c çã o se só se m o s tra c o m b in a d a n a con-
ju n c ç ã o SENÃO, e p o r ta n to n ão dá, p o r e m q u a n to , azo a
c o n sid era çõ e s de a lg u m a im p o rtâ n c ia .
341. Porém que apparece ostensivel ou disfarçada­
mente ;
1° No adjectivo possessivo cujo, a , os, a s ;
2. ® Nos adjectivos indefinitos que, — qual, quaes,
QUALQUER, QUAESQUER, — QUANTO, A, OS, AS.
3. ® Nos tres pronomes relativos que, — quem, — o
QUAL, A QUAL, OS QUAES, AS QUAES;
4. ® Nos pronomes indefinitos que , — quem, — qual, —
QUAES; — QUALQUER, QUAESQUER, — QUANTO, A, OS, AS ;
5. ® Nos advérbios ou locuções adverbiaes que, — como,
__ PORQUE,--- QUANDO, --- QUANTO, --- QUÃO, --- ONDE, AONDE,
DONDE, PARA ONDE, POR ONDE, ATÉ ONDE.
6. ® Nas conjuncções que , — como, — conforme, em ­
bora , — EMQUANTO, — PORQUANTO, — PORQUE, — QUANDO, —
QUÃO _SEGUNDO, — e em numerosas locuções conjunctivas,
acabando por uma ou outra destas mesmas conjuncções.
342. A theoria que dahi extrabe o methodo analytico,
é tão curiosa como fecunda em resultados práticos, mór-
mente na sua applicação á analyse lógica. Pois delia
consta q u e ;
1.® Pe todos os mencionados vocábulos relativos a
QUE um só: a mesma conjuncção que , eftéctua syntaxica-
mente um unico termo, o de ligação. Todos os mais, sem
excepção, gozão da notável propriedade de envolverem,
além disso ás vezes uma, outras vezes até duas funeções
svntaxicas’ quaes as de sujeito, de complemento directo ou
indirecto, de predicado ou de apposição. Sirva de demons­
tração perfunctoria o seguinte exemplo:
A QUEM não tem bens, ninguém lhe guev mal. (P. Ant.
Vieira).
Pois logicamente coordenada, e analyticamente tradu­
zida, a mesma oração dá em resultado as duas proposições
que se seguem:
Ninguém guer mal ao homem — que não tem bens.
O que dahi sabe com frisante evidencia, é que o p ro ­
nome indefinite quem , decomposto em seus n atu raes ele«
270 NüVA g ram m atica a n a ly tic a

mentos, não só rejmesenta conjimctamente um complemento


indirecto do facto quer {mal) em ao h om e 3i , e o sujeito de
tem em q ue , mas ainda serve, em cima de tudo isto, pela
mesma palavra que , de nexo a estas duas proposições. J5m
summa, cumula as très funcções de ligação, de comple­
mento indirecto, e de sujeito.
2° Todos os mesmos vocábulos empenhão-se com es­
forço irresistível por occupar o primeiro lugar da proposição
a que pertencem como ligações, sejão aliás quaes fôrem as
suas funcções subsidiarias.
Ex. Já então não havia no mundo q u e 3í quizesse ser valente
de graça. (P. Ant. Vieira). — {Já então não havia no mundo
HOMEM — QUE quizesse ser valente de graça).
3. Emfim (e ahi é que se verifica a allegação que
motivou as precedentes explicações), por força da lei de
coIlocaçao_ que chama constantemente os mesmos vocábulos
para o principio da^proposição a que pertencem, elles at-
trahein junto a^ si tão tyran nicamente qualquer outro termo
com elles relacionado, que conseguem muitas vezes trans­
tornar a integridade das proposições, sem todavia preiudi-
carem de modo algum a lucidez do pensamento.
Ex. Sobretudo lembre-se o capitão e o soldado famoso —
de QUANTOS COMPANHEIROS perdeu. (P. Ant. Vieira). {So­
bretudo lembre-se o capitão e o soldado famoso de tantos {tão
muitos) co m pa n heiro s — que perdeu).
4.“ Eeleva ainda notar que, em todas as orações di-
rectamente interrogativas ou exclamativas, as quaes são
praticamente reconhecíveis pelos pontos competentes (?')
as mesmas hpções presuppõem uma proposição elidida, junto
a qual formão nexo, e é, no primeiro caso : Eu perg un to
no se g u n d o : A d m ir a - m e .. . , ou o u tra s de s e m e lh a n te t h e o r ’
_ *

A+ homem ha que não busque o descanso ? (P


A n t.ViQiYíi). — {Pergunto pelo hom em — que ha que não
busque o descanso). ^
Q uantos principes dão a alma e tantas almas ao demonio
por uma cidade, por uma fortaleza! (P. Ant. Vieira). —
{Admira-me de tantos p r ín c ip e s — q u e dão a alma e tantas
almas ao demonio por uma cidade, por uma fortaleza).
343. F ir m a o -s e o s d iv erso s p o n to s d e s ta th e o r in p elo
o x a m e dos s e g u in te s e x e m p lo s, qu e, ad d iizin d o s u c c e s s iv a -
m e n te a s re fe rid a s lig a ç õ e s siib o rd in a tiv a s, a s a p r e s e n tã o
com v a ria d a s d e m o n stra ç õ e s de seu in flu x o r e la tiv a m e n te á
tra n sp o s iç ã o dos te r m o s .
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 271

1. ADJECTIVO POSSESSIVO

CUJO

Viu B. João do Castro â 'porta de um alfaiate um gibão


riquíssimo. Pediu que IP o mostrassem; perguntou — cujo era.
(P. Man. Bernardes).
Ahi é claramente o adjectivo cujo predicado do sujeito
occulto ELLE, isto é, O GIBÃO . perguutou — cujo era elle,
ou, por outra forma : perguntou pelo homem — de quem
era elle).
Diogenes, philosopho, dizia que os que gastão sua fazenda
em banquetes e festins e lisonjeiros e más mulheres, são como
algumas arvores que nascem pelos penhascos e precipícios in-
accessiveis, — de cujos fructos comeyn só os corvos, abutres e
outras aves de rapina. (P. Man. Bernardes).
Ahi é CUJOS apposição do com plem ento fructos, ao
qual foi buscar, p o r am or da concordância, no íirn da
oração, p a ra trazê-lo ju n to a si (... são como algumas ar­
vores que nascem pelos penhascos e precipícios inaccessiveis —
DAS QUAES (arvores) só os corvos, abutres e outras aves de
rapina comem os fructos).

2. ADJECTIVOS INDEFINITOS

QUE. ---- QUAL. QUALQUER. ---- QUANTO

Vêde — QUE sEGURAEÇA pódc tcr 0 merecimento em tal


juízo. (P. Ant. Vieira).
A natureza adjectival de que, e portanto a sua funeção
do apposição junto a segurança, fica ahi demonstrada pela
idoneidade das substituições qual segurança — quanta segu­
rança, — que avocão adjectives da mesma classe, com todos
08 signaes dô identidade de funeção. Quanto á transpo­
sição que dahi provem, torna-se ella patente pela coorde­
nação normal dos termos: Vêde a segurança — que póde
ter 0 merecimejito em tal juizo.
Nos tirantes da carroça pegavão doze figuras em fórma
de nymphas, symbolo das doze horas do dia que o sol descreve
quando toca no equinoccio ; — das quaes figuras , umas erão
de maior estatura, outras de mediana, outras mais pequenas.
(P. Man. Bernardes).
O caracter adjectival de quaes é ahi determ inado pela
272 NOVA GRAMMATICA ANALVTICA

concordância do mesmo vocábulo com figuras, de que se


to rn a assim apposição, provocando, como ligação, a tra n s ­
posição UMAS das quaes figuras.
O cameleão se reveste e ‘pinta de todas as cores, — quaes-
QUER que sejão as do objecto visinho. (P. Ant. Vieira).
E ’ tão sensivel em qualquer a intervenção de um
tem po do verbo querer, que não pode h aver coarctada em
considerar este vocábulo como form ando, por contracção,
um a proposição de p er si só. O cameleão se reveste e pinta
de todas as cores que são — quaes se queirão — as do objecto
visinho.
Quem poderá declarar — quanta seja a formosura dos
campos? (Fr. Luiz de Granada).
Ahi o predicado quanta apenas rem oveu p ara depois
do verbo ao sujeito formosura.

3. PEONOMES EELATIVOS

QUE.----QUEM.-----O QUAL

0.9 ladrões — que mais própria e dignamente merecem


este titulo, são aquelles — a quem os reis encommendão os
exercitos e legiões, ou o governo das provindas, ou a admi­
nistração das cidades, — ‘os quaes, já com manha, já com
força, roubão e despojão os povos. (P. Ant. Vieira).
Nesta reunião fortuita dos tres relativos em uma mesma
oração dá-se um exemplo instructivo da attracção exercida
pelas ligações. O caracter essencial dos pronomes rela­
tivos, como bem o declara o seu appellativo, consiste ein
uma referencia írancamente determinada a um substantivo
ou pronome logicamente anterior, chamado antecedente, o
que não é já o caso dos indefinitos, que, encerrando em si
mesmos o seu antecedente, a nenhuma jDalavra anterior se
referem.
Obvio é, logo, que, quanto mais chegados aos seus an­
tecedentes, mais efficazmente também concorrem os rela­
tivos a dilucidar o pensamento, os dous primeiros sobretudo
(QUE e QUEM), porque faltos dos característicos de genero
e numero, ficão assim inhibidos de assignalar a sua con­
cordância. Pois esta condição se acha resguardada no caso
vertente por uma transposição que se pudera chamar en­
genhosa, se os grandes escriptores não fossem guiados por
um tino delicado que os exime de mesquinhos resquícios.
A proposição principal da referida oração é: A quelles
• \

SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 273

são os LADRÕES... E’ principal, porque délias ficão dependentes


todas as mais. Ora, nesta mesma proposição, só apparecem
dous vocábulos proprios para constituir antecedentes : o
pronome demonstrativo üqüelles, e o substantivo ladrões.
Pois observe-se agora que, para que cada um dos dous pri­
meiros relativos tivesse junto a si um antecedente idoneo,
a proposição principal sahiu partida: Os ladrões ( que) são
aquelles^ ( a quem ) ,.. — Peste mesmo estudo ressumbra a
conveniência da apparição de os quaes em terceiro lugar,
visto como a sua substituição por que, em tal distancia do
antecedente, e na visinhança dos substantivos administração
das cidades^ prestar-se-bia intuitivamente a uma equivocação.
Entrou uma vez Alexandre ATagno na officina de Apelles
por honrar com sua presença a um sujeito tão insigne na sua
arte^ e começou a fallar demasiadamente ácerca da pintura,
Apelles, com brandura cortez, mas picante, lhe disse : « Senhor,
veja que se ri o moço — que móe as tintas. » (P. Man. Ber-
nardes). — (... Veja que o moço se ri — que móe as tintas).
Bom fôra que morárão nos palacios dos reis, e tiverão
nelles grande lugar os — que só têm mãos! (P. Ant. Vieira).
— (Bom fôra que os morárão.... e tiverão.... que só têm
mãos).

4. PKONOMES IXPEPINITOS

QUAL. QUANTO. ---- QUE. QUEM.

Já sei — QUAES serão os primeiros — de quantos se apre-


sentão nesta lide da intelligencia. — (Já sei dos taes — que
serão os primeiros de tantos — que se apresentão nesta lide
da intelligencia).
Dir-me-heis que não ha — com que despachar, e — com
QUE premiar a tantos. Por essa escusa esperava. Primeira-
mente, elles dizem ba — RARA QUEM quereis
ha — PARA QUEM não quereis. (P. Ant. Vieira). — (Dir-me-
heis que não ha cousa — com que [se p>ossa'] despachar, e
que não ha cousa — com que [se possa'] premiar a tantos.
Por essa escusa esperava. Primeiramente, elles dizem que ha
PARA AQUELLE — QUE quereis [j)remiar], e não ha para
AQUELLE —- QUE não quereis [pr'emiar]).
Assim como, — quem dá logo, — dá duas vezes, assim
parece — que dá duas vezes — quem despacha bem e logo. (P.
Man. Bernardes). — (Assim como dá duas vezes aquelle —
QUE dá logo, parece que despacha duas vezes aquelle — que
despacha bem e logo).
274 NOVA g Ram m atica analytic a

5. ADVEEBIOS

QUE. ----COMO. -----PORQUE. -----QUANDO. — QUAxNTO.


QUÃO. — ONDE e congener es.

Q ue liberal estava o espirito do Creador quando coroou


os prados de tanta abundancia de fructos! (P. Man. Ber­
nardos).
Ahi ó QUE advérbio, porque, convertivel em quão {Quão
liberal estava...) modifica o alcance de significação do ad-
jectivo liberal. Como ligação, presuppõe a proposição prin­
cipal Admira-me. — Admira-me — de que tão liberal estivesse
0 espirito do Creador...
O’ ms, ó monarchas do mundo! — que , por esta causa^
e só por esta.., é digna de compaixão a vossa suprema for­
tuna! (P. Ant. Vieira). — (... quão digna de compaixão é
a vossa suprema fortuna!).
C omo se faz o homem bomf Sujeitando-se a Deos. (P.
"*6 M. Bernardes). — {Pergunto pelo modo — por que {pelo
qual) se faz o homem bom...).
Vivo estava Job quando dizia: « P orque me perseguis
tão deshumanamente vós que me estais comendo vivo, e far­
tando-vos da minha carne?)) (P. Ant. Vieira).
Sendo ahi porque advérbio, por ser convertivel em
complemento indirecto {Por que motivo), apenas carece in­
teirar a oração para vê-lo apparecer como ligação... « Per­
gunto PELO MOTIVO — POR QUE me pcrscguis... »
(Quando fazem os ministros o que fazem f e, — quando
fazem o que devem de fazer? (P. Ant. Vieira).
Advérbio por ser igualmente convertivel no comple­
mento indirecto: Em que tempo...? quando fica ahi ligação
pelo mesmo restabelecimento da proposição interrogativa:
Pergunto pelo tempo — em que fazem...
Q uanto cresceu o dominio dos que tudo mandão, com o
invento da polvora! (P. Ant. Vieira). — ( E m que proporção
cresceu...!) Admira-me da proporção — em que cresceu...!
Q uão magníficas e bem coordenadas são. Senhor, as
vossas obras! (P. Man. Bernardes). — Admira-me, Senhor,
DA PROPORÇÃO — EM QUE são maguificas e bem coordenadas as
vossas obras.
A razão por que não achamos o descanso, é porque o bus­
camos — ONDE não está. « Não vos digo (diz Agostinho) que
0 não busqueis: buscai-o; só vos digo que não está ahi —
ONDE 0 buscais. Pois, se é bem que busquemos o descanso, e elle
não está — onde o buscamos, — onde o havemos de buscar f
O nde Christo disse que o buscássemos, porque só ahi está, e
só ahi 0 acharemos. (P. Ant. Vieira).
Em todas as hypothèses é onde, com os congeneres,
iim adverbio, porque em todas se deixa resolver em com­
plemento indirecto ; e é ignalmente sempre ligação subor-
dinativa, porque nenhum dos seus desmanchos analyticos
deixa que adduzir que . A razão por que não achamos o des­
canso, é porque o buscamos no lugar — em que não está.
Não vos digo (diz Agostinho) que o não busqueis: buscai-o;
só vos digo que não está [ahi] no lugar — em que o buscais.
Pois, se é bem que busquemos o descanso, e elle não está no
LUGAR — EM QUE O buscamos, [jjergunto eu pelo lugar] —
EM QUE 0 havemos de buscar. (Ilavemo-lo de buscar no lugar]
— EM QUE Christo disse que o buscássemos...

6. CONJUNCÇÕES SUBOKDINAÏIVAS

QUE.----COMO.----- CONFORME. ----- EMBORA. ---- EMQUANTO. ----


PORQUANTO. ---- PORQUE. ---- QUANDO.---- QUÃO. ----SE­
GUNDO. ----SE. ----- SENÃO.

O’ homem lembra-te — que es mortal.


E’ caracteristico da conjuncção que ficar ella inhibida
de exercer outra funeção senão a de ligação. Pois, se em
muitos casos pode, como no exemplo citado, resolver-sc em
isto, isso, aquillo, como muitos grammaticos o fazem notar,
já não lhe sobra então com que ir prender a proposição
posterior para annexá-la á anterior, e assim deixa de ser
ligação. O’ homem, lembra-te disso : es mortal. Porém, mais
geralmente, nega-se ella a esta mesma inversão, e, por isso,
mais convem conservar-lhe a sua attribuição natural e os-
tensivel de mera ligação.
Ex. Não ter inimigos tem-se por felicidade ; mas é uma
tal felicidade, — que é melhor a desgraça de os ter — que a
ventura de os não ter. Póde haver maior desgraça — que não
ter um homem bem algum digno de inveja?... Por isso dizia
Themistocles: « Signal é o ver-me amado de todos — que não
tenho feito acção tão generosa e honrada, — que me gran-
geasse inimigos. » (P. Ant. Vieira).
A principal perturbação que a mesma ligação produz
quando intervenu entre membros de uma comparação, con­
siste em tornar mais ou menos elliptica a proposição pos­
terior.
276 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. Se O ter inimigos é tentação^ antes é tentação de


vaidade — que de vingança. (P. Ant. Vieira). — (... antes é
tentação de vaidade — que [ é tentação] de vingança).
Póde-se verificar a mesma observação nas partes do
anterior exemplo que formão comparações (... é melhor a
desgraça de os ter, — que [ boa é]a ventura de os não ter.
— Póde haver maior desgraça — que [ o é] não ter um ho­
mem bem algum digno de inveja f).
E s t e p r o c e s s o d e r e s t a u r a ç ã o d a p r o p o s i ç ã o p e l a e lim i­
n a ç ã o d a e llip s e t o r n a - s e n e c e s s á r io c m a n a l y s e s y n t a x i c a
p a r a s e r p O 'S iv e l a t i n a r c o m a fiin c ç ã o d a s p a l a v r a s q u e
c o n s titu e m ta l tr e c h o ; e é d e s u m m a im p o rtâ n c ia n o s e x e r-
c ic io s d e v e rs õ e s , q u e r se t r a t e d e l i n g u a s a n t i g a s , q u e r d e
m o d e r n a s , e m q u e h a declinações p a r a a d e s i g n a ç ã o d a s
íu n e ç õ e s s y n t a x i c a s . P o i s a s s im se v ê , p o r e x e m p lo , q u e
VENTURA é o s u j e it o d o p r i m e i r o É e lid id o , e o in f in i t iv o
[não'] TER, 0 d o s e g u n d o .
^ N ã o s e n d o já que, e s im como ou quão a s lig a ç õ e s q u e
se in te rp õ e m e n tr e os d o u s m e m b ro s d e u m a c o m p a ra ç ã o
de igualdade, c u m p r e a t t e n d e r a e s t a c i r c u m s t a n c i a p a r a ,
em ta l c aso , p ro c e d e r ig u a lm e n te ao re s ta b e le c im e n to d o s
t e r m o s e lid id o s .

^ Ex. Tudo 0 que se sabe, por vista ou por memória dos


períodos e catastrophes dos reinos, e dos fins malafortunados
dos reis, e causas delles, ás menos vezes se deve attribuir aos
inimigos de fóra, que são só os que se temem... senão a quem?
Aos iisongeiros e aduladores de dentro; aos que têm as entra­
das francas, e as chaves tão douradas como as linguas. (P.
Ant. Vieira). — (... aos que têm as chaves tão douradas —
COMO [ douradas têm ] as linguas).
Vê-se, por isso, que linguas é complemento directo do
verbo elidido têm .
(
O mesmo Creador louvou a açucena, dizendo que nem Sa­
lomão, em toda a sua gloria, vestira tão ricamente — como
uma destas flores. (Pr. Luiz de Granada).— (... dizendo que
nem Salomão vestira tão ricamente — como [ ricamente
veste ] uma destas flores).
O pronom e indefinito uma vem assim, a ser o sujeito
do elidido veste .
Aliás a mesma conjuneção que tira da sua preemi­
nência sobre as mais ligações de mesma especie a facul­
dade de as de vez em quando substituir com muita
propriedade, como se póde averiguar do cotejo dos dous
seguintes exemplos, sensivelmente parecidos de construcção.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 277

A multidão que andava desenterrando a prata, fica se-


jmltada com ella em um momento, sem outra noticia de tama­
nho e tão miserável estrago — que ( senão) a que deu aos de
muito longe o estrondo da ruina, e o tremor de toda a terra.
(P. Ant. Vieira).
As causas naturaes destes efeitos tão lamentáveis não são
ordinariamente outras — senão (que) as mesmas que prece-
dêrão 0 reinado de Salomão, (P. Ant. Vieira).
Que utilidades se têm seguido á llespanha do seu famoso
Potossi, e das outras minas desta mesma America ? A mesma
Hesqmnha confessa e chora que não lhe têm servido mais —
QUE—: ( senão) de a despovoar e empobrecer. (P. Ant. Vieira).
Arrenegue, pois, todo o navegante do jogo, se não se quer
perder; — que ( visto que) até a não que joga, não é segura.
(P. Ant. Vieira^
Para as mais ligações desta ultima classe prcstão-sc a
uma demonstração azada da these vertente os exemplos
que a ellas se conferem nas Observações sobre as con-
juncçõcs c locuções subordinativas, § 273 c seg.

C^FITULO II
Das figuras de syntaxe

344. Uma proposição é plena quando, para se dar


conta dos seus termos, nada ha que supprir, nada que suh-
trahir, nada que commentar, nada que transferir, nada que
substituir.
Sendo, porém, necessário soccorrer-sc a uma ou outra
desta cinco operações, a proposição diz-se figurada, por se
chamarem figuras os diversos desvios que se produzem
na enunciação dos pensamentos. E chamão-se figuras por­
que, pela mesma perturbação da linguagem, mais fielmente
traduzem as paixões sob cujo influxo falia o homem com
açodamento ou insistência, com prcoccujiação ou sem nexo
apparente.
345. As figuras de syntaxe são cinco : a ellipse, o
PLEONASMO, A SYLLEPSE, A INVERSÃO C A EXCLAMAÇÃO.
278 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

1. DA ELLIPSE

346. A ellipse consiste cm siibcntendcr-sc iim on mais


termos de uma proposição, ou até uma proposição inteira,
como é o caso nas orações directamcnte interrogativas ou
exclamativas.
Ambas as hypothèses se verificão no seguinte exemplo,
já repetidas vezes adduzido: Ha mais — 'para onde subir? —
Isto é: Ha mais — para onde [se possa] subir? —
Isto é: [P ergunto eu — se] ha mais lugar— para onde se
PÓDE subir?
N. B. Não se tenha em conta de descuido ou igno­
rância O apparecer o verho poder em differentes modos
conforme a glosa ; pois, como mais adiante cxplicar-se-ha,
O suhjunctivo é ahi provocado pela interrogação directa, c
o indicativo, pela indirecta.
347. As ellipses são legitimas quando, supprimindo
termos ou proposições de facil recordação, conferem, sem
equivoco nem obscuridade, alacridade ou vehcmencia á

Ex. As magnetes attrahem o ferro, e os magnates, o ouro.


(P. Ant. V ieira).— (... e os magnates \attrahem'\ o ouro.
Da ociosidade nasce a imaginação; da imaginação, a sus­
peita ; e da suspeita, a mentira. (P. Ant. Vieira). — (... da
imaginação [nasce~\ a suspeita; e da suspeita \nasce'] a men­
tira).
O temor não á de homens fortes, nem o agouro, de homens
sábios. (P. Ant. Vieira). — (... nem o agouro [e] de homens
sábios).
Se lhes perguntarmos, aos christãos, para onde vão, dizem
que para o céo. (P. Ant. Vieira). — (... dizem que \vão~\ para
0 céo).
Até 0 p)obre e atrevido ladrão, se lhe perguntão ao pé da
forca quem o trouxe a tão miserável estado, responde, com o
laço na garganta, que a necessidade. (P. Ant. Vieira). —
(... responde, com o laço na garganta, que \_quem o trouxe,
foi] a necessidade).
Pudera-se fazer problema, onde ha mais pescadores, e mais
modos e traças de pescar: se no mar, ou. na terra. E é certo
que na terra. (P. Ant. Vieira). — (... e [onde ha] mais modos
e traças... se [os ha mais] na terra, ou [se os ha mais] no
mar. E é certo que [é] na terra).
Que cousa é a nossa alma ? Faisca do lume increado. (P.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 279

Man. Bernardca). — (... [iVossa alma e] faísca do lume in-


creado).
Ora vem cá, alma minha! Que é o que vês f Mares, rios,
arvores, montes, valles, campinas, desertos, povoados, e... tudo
passando. (P. Man. Bernardca). — (... [^Perqunto peh)] que é
0 que vês. [Tw vês~\ ynares, rios, arvores... e [tu vês] tudo
passando).
348. As cllipses são illegitimas quando, por não oc-
corrcrcm sem hesitação nem dubiedade os termos elididos,
a dicção se torna confusa ou ambigua.
Destes defeitos, além de outros, dá boa cópia o se­
guinte excerpto:
Diogo Alvares segura o maioral do inimigo, que estava,
na frente do seu exercito, faz lhe pontaria aos peitos, dispara
a arma, e dá com elle em terra, ca iiind o repentinamente, sem
menear parte alguma do corpo, que era bastantemente avul-
tado. Do qual damno e estrondo , e de outros que t r a z ia
CARREGADOS, 6 FOI DISPARANDO com O mesvio cffeito, confusos
e atemorisados todos os do e.rercito inimigo, não só se puzerão
em fugida, a té o lugar desamparárão, e outros m ais dos vi-
sinhos aonde chegou a noticia do homem do fogo , nome que
lhe deu o mesmo gentio pelo que viÃo sahir do seu arcabuz
desde a primeira vez que Á v is t a delles o disparou, e se
FOI ESTENDENDO poi' todos OS MAIS, ficando Diogo Alvares
em tanta reputação com estes da Bahia, e com o seu maioral
ou principe, que d eter m in a r ã o de o não matar, pela grande
utilidade que com e l l e se lhes seg u ia para as suas guerras.
(Fr. Ant. de S. Maria Jaboatão).
Escusado é deter-se na respigadura dos vicios do dicção
que pejão este trecho; baste saber que, das quatro pn-
meiras figuras de syntaxe, não ba nenhuma que se não
ache abi representada pelo lado da illegitimidadc,^ e que,
mesmo assim, não ficaida exbausta a lista dos defeitos do
que está inquinado. Ha um notavelmente que, embora
seja mais do dominio litterario do que do grammatical,
póde todavia sem inconveniente, ser aqui mencionado, visto
não raras vezes oceorrer também em escriptores hodiernos.
aliás bem dotados. Consiste elle cm que a oração, come-
çando por actos rcstrictos a um tempo o a um lugar deter­
minado, como os que abi, na segunda oração, provocárão a
fugida dos selvagens, venha a continuar sem detcnça^com
a relação de actos que só muito mais tarde se derão, c
até cm épocas e lugares diversos, como são, no caso ver­
tente, o espanto c a fugida das tribus circumvisinbas, a
origem do cognome por que veiu a ser designado Diogo
RT

280 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

AHarcs, a icputaçao e autoridade que conseguiu grangear


por novos commettimentos, etc. Pois o espirito de quem
Jê, relucta instinctivamente em associar num mesmo relance
intuitivo actos dissociados polo espaço e pelo tempo.
Entre as ellipses pouco imitáveis comprehonde-se a
ANACOLUTiiA quo consisto em um quebrantamento tão brusco
das partes da oração, que desconcerta o espirito, e o deixa
perplexo sobre qual soja o termo ou os termos elididos.
Ex. Fallando el rei Antigono com o 'príncipe seu filho
sobre a administração e governo do reino de que o havia de
deixar por herdeiro, admirado o generoso moço de tamanhas
OBRIGAÇÕES E ENCARGOS, REFERE E lIANO que lhe dÍSS6 O pai:
(( Ainda não sabias, filho meu, que o nosso reinar não é outra
cousa senão uma servidão honrada. » (P. Ant. Vieira).
Não se atina ahi com o verbo ao qual o substantivo
MOÇO tem do reger como sujeito, pois é esta a unica funeção
que lhe parece caber. Além disso esquivão-se as primeiras
partes da oração por tangentes que, despertando a attenção,
cncaminhão-na, já para um lado, já jiara outro, sem lhe
dar uma sabida que satisfaça.
, Toda\ia a anacolutha torna-se um recurso litterario
cgitimo logo que reproduz com naturalidade as hesitações
do um espirito perturbado, ou os desvarios do uma paixão
desenfreada.

2. DO PLEONASMO

349. O pleonasmo consiste em reproduzir na mesma


proposição ou oração uma idéa ou pensamento já aven-
tRUO.

_Ex. Tudo isto que vemos com nossos olhos, é aquelle


espirito sublime, ardente, grande, immenso: a alma. (P. Ant.
VICll ti )•

350. Os pleonasmos são legitimos quando previnem


equívocos, ou imprimem energia á dicção.
Ex. Os q'ue menos satisfeitos estiverem de Sua Majestade,
ESSES chegue Vossa Alteza mais a si. (P. Ant. Vieira).
^ Os BENS deste mundo, como são corruptiveis, ainda que
nao hafia^ quem os furte, elles mesmos se nos roubão. tP
Ant. Vieira). ^
Por isso nos encommendou tanto o Senhor amor e paz no
Evangelho, dizendo : « Alinha paz vos dou, minha paz vos
deixo. Amai-Yos uns aos outros ; porque nisto quero que
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 281

vos conheção em todo o mundo por meus discípulos, se vos


amardes uns aos outros. » (D. Fr. Bartholomeu dos Mar­
tyres).
A omissão da expressão pleoiiastica uns aos outros po­
deria por ventura inverter o pensamento suseitando em
Amai-vos o sentido reflexivo, em vez do reciproco. Por
isso diz mais adiante o mesmo santo bispo, com igual
acerto de pleonasmo: Amemos o proximo espiritual e santa­
mente, assim como nos havemos de amar a nós, e não car-
jialmente; isto é, que amemos o proximo por amor de Deos,
cuja feitura é, desejando-lhe a graça de Deos, e os outros bens
da alma.
Do meio das turbas sahiu um homem a pedir ao Senhor
quizesse, com o seu respeito, fazer com que um irmão seu re­
partisse com elle dos bens que herdára. Escusou-se o Senhor,
dizendo-lhe : « O’ homem, quem me constituiu, a mim, juiz e
repartidor sobre a vossa herança ? » (P. J. B. de Castro).
A ccende e PROVOCA esta batalha a trombeta da fama,
DIZENDO e BRADANDO quc é lionra ; põe-se da parte do odio e
da vingança o mundo todo, que assim o manda, que assim 3'
0 julga, que assim o applaude, que assim o tem estabelecido
por lei. (P. Ant. Vieira).
Concluamos com dizer que, se taes minas se descobrissem,
encher-se-hia, é verdade, a terra de ouro e prata ; inas esse
ouro e prata, posto que naturalmente desce para baixo,
havia de subir para cima : não havia de chegar aos pequenos
e pobres, mas todo se havia de abarcar e consumir nas mãos
dos grandes e poderosos. (P. Ant. Vieira).
351. Os pleonasmos são illcgitimos logo que, formu­
lando uma reproducção de idéas ou pensamentos tão des­
necessária quão insulsa, redundão em mera necedade. Besta
espccie são as locuções mais melhor, menos peior, mui optimo,
muito péssimo, mais acérrimo ; uma soberba vaidosa, etc. ; e,
no exemplo citado sob o § 348, a declaração de que « Todos
os do exercito inimigo, não só se puzerão em fugida, até o
LUGAR desampararão. » B também est’outro, que o P.
Man. Bernardes attribue a Alberto de Carpe, embaixador
do imperador Maximiliano : « T odo o povo universal de
Roma concorreu por ver esta novidade. »
352. A perissologia, ou também tautologia, é uma fórma
especial de pleonasmo que consiste no cm])rego, dentro da
mesma proposição, ou dentro de proposições intimamente
correlacionadas, de palavras dc^ mesma origem e signifi­
cação etymologica, como; A poderar-56 do poder. Convem
282 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

gcralmente fugir a tacs redundâncias^ soccorrendo-se a sy­


nonymes, que j:»oderiào ser, j)or exemplo, no caso vertente :
Aj^oderar-se da autoridade, ou Seniiorear-se do poder. Se,
todavia, a substituição jior synonymes é impossivcl, a tau­
tologia fica justificada pela lei suprema da necessidade.
Ex. A Bahia se entende da ponta do Padrão ao morro
do Tinhare, que demora um ao outro nove ou dez léguas,
ainda que o capitão da capitania dos lllieos não quer con­
sentir que se entenda senão da ponta da ilha de Taparica á
do Padrão. (Gabriel Soares de Souza).
São, todavia, não só aceitaveis, como dignas de imi­
tação, mas do uma imitação circumspecta, as tautologias
que, paraphraseando sem trivialidade loquelas populares e in­
génuas tornão a dicção mais incisiva, pelas repetições acin­
tosas. Ninguém usou com maior tino e pericia de tão
delicado artificio de estylo como o P. Ant. Yieira.
Ex. As palavras hrandas do adulador são redes que elle
arma para tomar nellas ao mesmo adulado. E este é o arti­
ficio SC7U ARTE dos aduladorcs reaes. (P. Ant. Vieira).
Estas são as contas que se fazem sem se fazer conta
da que se ha de dar a Deos quando a pedir do preço do seu
sangue. (P. Ant. Vieira).
Se algue^n pensa que, sendo assolado o reino, pòde a sua
casa ficar em pé, engana-se muito enganado. (P. Ant.
Vieira).
O ofiícial de penna, a cujos rasgos mede o regimento as
regras, e conta as letras, se quer gastar sem conta e sem
MEDIDA, que ha de fazer f Troca, as suas pennas com as dos
gaviões, e não ha ave de rapina que tanto leve nas unhas.
(P. Ant. Vieira).
O mercante que tomou os assentos ou contratos reaes do
publico, e se contratou de secreto com os zeladores da fazenda
do mesmo rei, de que modo se ha de soldar quando se vê
QUEBRADO, scnão com 0 SOLDO e fardas dos miseráveis sol­
dados, tornando a comprar os já comprados ministros, p>ara
que lhe subão os preços, e ajustem as quebras ? (P. Ant.
Vieira).
Arrenegue, pois, todo o navegante do jogo, se não se quer
perder; que até a náo que joga, não é seguira. (P. Ant.
Vieira).
O infante P. Henrique não possibilitou sómente, mas
facilitou aquelle natural ijipossivel. (P. Ant. Vieira).
E, se a natureza, onde é incapaz de razão, não é capaz
SEGUNDA PARTE ~ SYNTAXE 283

de sofrer sem ra zões , que o ho7nem, creatura racional a mais


nobr-e, a mais viva e a mais sensitiva de todas, com a balança
da mesma razão no juizo, não haja de pe sa r aggravas, antes,
contra a força e violência do mesmo peso , haja de pagar odios
com amor!?... Não é homem quem aqui não pasma, ou não
diga olhando para si : « Não posso ! »
Vendo as arvores que as très a que tinhão oferecido o
governo, o não quizerão aceitar, diz o texto que se forão ter
com 0 espinheiro, e lhe fizerão a mesma ojferta. E, que res­
pondeu 0 espinheiro? É ’ resposta muito digna de ponderação.
A proposta das arvores foi a mesma : « Vinde^ e governai-
nos. )) E elle respondeu, não só como e s p in h e ir o , senão como
ESPINHADO : « Se verdadeiramente me dais o Í7np)erio, viiide
todas deitar-vos a meus pés, e pôr-vos á minha sombra. E, se
houver alguma que repugne, sahirá tal fogo do espinheiro, que
abraze os mais altos cedros do Libano. » (P. Ant. Vieira).
Com que ig u a l d esig u a ld a d e visita o sol a terra, e as­
signa os tempos, dobrando juntamente os dias com um movi­
mento de levante a poente, e os annos com outro de sul a
norte! (P. Man. Bernardcs).
Não são, porém, imitáveis as seguintes tautologias, que
é justo considerar, aliás, como meros descuidos de re­
dacção.
Mui festejada foi em toda a corte a alegre nova do
NOVO descobrimento desta grande parte do Afundo Novo. (Bal­
thazar Telles).
E me afiirmou pessoa que o podia saber, que o escrivão
desta judicatura trazia pr o v isã o de Sua Alajestade para ser
PROVIDO de secretario de Estado no ofiicio de meu irmão. (P.
Ant. Vieira).
Os aduladores reaes ser v em lisonjeiraynente aos principes
para os ganhar, ou lhes ganhar a graça, e para se se r v ir e m
da mesma graça, para os fins que sò pretendem de seus pró­
prios interesses. (P. Ant. Vieira).
E, quando, f in a l m e n t e , chegar seu f im , a falta ou ro­
tura desta união será, o ultimo paroxis?no de que ha de morrer
0 mundo. (P. Ant. Vieira).
Toda a lei e todos os m andam entos em que nos é m an ­
dado que não impeçamos ao proximo em alguma cousa,... se
comprehendem nestas palavras : « Amarás ao proximo como a
ti mesmo. » (D. Fr. Bartholomeo dos Martyres).
E, quando Vossa Alteza não perder, perderá el rei e o
reino; e podem succéder desgostos e enfadamentos os quaes
Vossa Alteza, por sua grande virtude, e pela grande o b r ig A'
' I,

r» 284 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

ÇÃO que tem a estas terras, é obrigada a atalhar. (D. Ilicro-


nymo Osorio, bispo de Silves).
Emfim as tautologias on trocadilhos do seguinte exem­
plo, quando não peccasscm por uma demasiada insistência
cm circumstancias frivolas, mal condirião com a gravidade
histórica em tão luctuosa narração como a da nefasta jor­
nada de Africa:
E nestas conversações e seguranças sem seguro o se-
GURAVÃo. — Pela inanhãa houve conversação sobre a sahida,
e GALANTERiAS delia que não erão galantes. Não faltou
quem zombasse, e sobejou quem zombasse dos que zombavão.
(Luiz Torres de Lima).
Por ultimo, é de todo o ponto injustificável a tauto­
i1 logia notada no excerpto do § 348, de que o gentio deu a
Diogo Alvares o nome de homem do fogo, kpelo que viÃo
i, sahir do seu arcabuz desde a primeira vez que Á vista delles
0 disparou. «

3. DA SYLLEPSE

I 353. A syllepse consiste em regular-sc a concordância


das palavras, não pela sua forma, e sim pelo seu sentido.
Ex. Diogenes viu que uma grande tropa de varas e mi­
nistros de justiça levavão a enforcar uns ladrões. (P. Ant.
Yicira).
Ahi prevalece o sentido plural do collectivo tropa
sobro a sua forma singular, na regência imposta ao verbo
LEVAVÃO.
Semelhante reparo se póde fazer no seguinte exemplo,
em que se dá mentalmente, ao substantivo feminino crea-
TURAs, o sentido do substantivo masculino homens, na
concordância dos pronomes que se lhe referem :
« O’ meu amado Senhor, não me falíeis já pelas vossas
CREATURAS, que pouco ou quasi nada me podem dizer de vós ;
sendo vós infinito, e elles limitados; vós luz, e elles som­
bras ; vós eterno, e elles defectiveis ; fallai-me por vós mesmos. »
(P. Man. Bernardos).
Emfim o mesmo se verifica ainda no seguinte exemplo,
onde o P. Ant. Vieira, alludindo, pelo emprego da palavra
TOUCADOS, ás mulheres, faz feminino o pronome estável
outrem, que, por sua natureza, é masculino :
E, se passarmos dos solios aos estrados, também acharemos
nos toucados estes malmequeres : nenhuma gentileza ha tão con-

íí ' - " i - 1-

Pis' A'/i’ Vf'

hi.
S EG U N D / PA R TE - SYN TAXE 285

fiada, que a não piquem os alfinetes de ver a outrem mais


h em PRENDADA.
354. As syllepses são legitimas quando impressão
mental produzida pelas palavras, de tal modo d’scorda de
sua expressão, que esta fique prejudicada por ar uella.
Ex. Façamos a cada um que queriamos que nos fi ­
o

zessem. (D. Fr. Bartholomeo dos Martyres).— (Não ... que


nos fizesse).
Os palanques estavão cobertos de infinita gente, todos a
ver. (P. Ant. Vieira). — (Não ... toda a ver).
Ferguntando-lhe um seu amigo porque lhe cheirava mal o
bafo, respondeu Demosthenes: Forque no estomago lhe apo­
drecerão grande quantidade de segredos. (P. M. Bernardcs).
— (Não ... apodrecera...).
Quando fordes convidado â casa e á mesa alheia, não
deveis tomar os primeiros lugares, senão o ultimo. (P. J.
B. de Castro).
O provincial disse ao arcebispo que se accommodasse ao
que via usado em toda a christandade, e no cabeça della.
(Fr. Luiz de Souza). — (... 7io cabeça = o papa).
Triste e miserável condição é haver um homem de servir
a outro, sendo todos iguaes. A primeira vez que se prophe-
tisou neste mundo haver um homem de servir a outros foi
com 0 nome de maldição. (P. Ant. Vieira).
O diadema ajitigo, insignia dos reis e imperadores, era
uma faixa atada na cabeça. E dizia Seleuco, rei da Asia,
que, se os homens soubessem quão pesada era aquella tira de
panno, e quão cheia de espinhos por dentro, nenhum haveria
que a levantasse do chão para a pôr na cabeça. (P. Ant.
Vieira).
Dentro das espigas se forma o grão, para que, com este
defensivo, nem o rigor do frio o offenda, nern o ardor do sol o
queime, nem a força dos ventos e das muitas aguas mal­
tratem 0 fructo recem-nascido. (Fr. Luiz de Granada).
Usa esta gente de canoas ligeiras e bem armadas, com
as quaes impedião e infestavão as estradas, que nesta terra
são todas por agua. (P. Ant. Vieira).
Quem trabalha, trata da sua vida ; quem está ocioso,
trata das alheias. (P. Ant. Vieira).
São estas crianças, naquella primeira idade, lindissimas,
porque em muitos a côr é branca. (P. João de Lucena).
Estavão aquellas margens alcatifadas de uma relva muitq
verde e mimosa, semelhante ao linho quando está em flor; por
entre ella passeavão grande numero de aves de diversas
côres, umas alvas como neve, outras azues, mas a maior parte
ENCARNADAS de um vivo que se não acha nas côres artiflciaes.
(D. Fr. Caetano Brandão).
355. As syllepses são illegitimas quando infringem
sem plausibilidade as regras da concordância.
Ex. Algum genero de desconfiança alcançou Diogo Al­
vares do espanto e temor do gentio; mas elle, no melhor modo
que pôde, os deixou satisfeitos, dando-lhes a entender que
aquelle genero de instrumento não fazia damno ?nais que a
inimigos, que, com facilidade e menos perigo, podião ser ven­
cidos COM AQUELLAS NOVAS, do quc com O S scus antigos arccs
e frechas. (Fr. Ant. de S. Maria Jaboatão).— (... instru­
mento... AQUELLAS NOVAS...!!).
Posto que os legisladores ordenassem que as mulheres não
pudessem dar voto, nem ser presentes nos conselhos para fazer
leis e outras constituições, parecendo-lhes que as não farião tão
perfeitas como erão necessárias, houve, porém, sempre, e ha
ainda agora no genero feminino muito excellentes mulheres.
(R uj Gonçalves).
Apartando-se qualquer reflexão sobre o exquisito re­
paro do autor, que é mesmo no genero feminino cque ainda
agora ha excellentes mulheres ! !, nota-se ahi um erro tanto
mais attendivel quanto menos raro é encontrá-lo em pu­
blicações da presente ejioca. Consiste ella em ter o autor
feito o verbo erão pessoal, de impessoal que é á vista da
mais simples das glosas (... parecendo-lhes que as não farião
tão perfeitas como era necessário que as fizessem, — isto é,
que perfeitas as fizessem. Porém, sahindo erão sob a
forma pessoal, foi preciso suppôr-lbe um sujeito; ora o
unico que estava á mão, era um occulto ellas, por substi­
tuição ao substantivo leis , e dahi a forma feminina plural
do predicado necessárias, que com elle tinha de concordar.
Mas, se assim fosse, a glosa daria, pelo restabelecimento
integral dos termos, um sentido absurdo á oração, e que
nada denuncia ter sido no intento do autor: (,.. parecendo-
lhes que as não farião tão perfeitas como ellas {as leis)
ERÃO NECESSÁRIAS...). Não SC pódo, aliás, achar demons­
tração mais azada da proficiência da thcoria eminentemente
philosophica do verbo substantivo, com sua trilogia fatidica
de sujeito, verbo e attributo.
Remata o mesmo autor suas elucubrações philosophicas
com esta sentença: E, por assim ser os conselhos das
mulheres^ se hão de tomar e aceitar^ e não desprezar. —
S EG U N D A PA RTE - SYN TAXE

Alii errou elle em attribuir um sujeito a um verbo que,


no caso dado, nenhum podia ter, e, portanto, em estabe­
lecer uma falsa concordância do ]n’edicado ; aqui erra, pelo
contrario, em exprimir junto a um verbo o sujeito mais
claramente qualificado, sem subrnetter-lhe o mesmo verbo
pela concordância : E, por assim serem os conselhos das
mulheres... Quanto á conclusão: Que se hão de tomar e
aceitar, ella tom, nestes dous synonymes, quanto basta
em pleonasmo para domar a convicção mais rebelde: o
mais é rabicho postiço.

4. DA mVEESÃO

356. A inversão consiste em se collocarem os termos


syntaxicos dentro da proposição, ou as proposições dentro
da oração, numa ordem diversa da que requer o raciocinio
analytico.
Ex. Terrível palavra é um non. (P. Ant. Vieira). —
{Um NON é palavra terrível).
357. As inversões são legitimas quando diffundem
maior clareza ou harmonia na dicção, ou reproduzem na­
turalmente os arremessos de uma paixão exaltada.
Ex. Por mais que confeíteis um non, sempre amarga;
por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doureis
sempre é de ferro. (P. Ant. Vieira).
3
Se, restabelecida na sua ordem normal, a mesma oração
nada soffre em clareza, muito perde em harmonia. Um non
sempre amarga, por mais que o confeiteis; sempre é feio, por
mais que o enfeiteis; sempre é de ferro, por mais que o dou­
reis.
A mais dura cousa que tem a vida, é chegar a pedir;
e, depois de chegar a pedir, ouvir um não, vêde o que será.!
A língua hebraica, que é a que fallou Adão, e a que mais na­
turalmente significa e declara a essencia das cousas, chama ao
negar o que se pede, envergonhar a face. (P. Ant. Vieira).
Sendo destruidas as inversões deste trecho, nada lucrão
as orações em harmonia, c alguma cousa perdem em cla­
reza. Chegar a pedir é a mais dura cousa que a vida tem;
e vêde o que será ouvir um não depois de chegar a pedir! A
língua hebraica, que é a que Adão fallou, e a que significa e
declara mais naturalmente a essencia das cousas, chama en­
vergonhar a face ao negar o que se pede.
Emfim facil é convencer-se de que ao vigor expressivo
288 N O V A G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

da seguinte invectiva não pouco concorre a construcção


desordenada do trecho:
Oh! insolência! Oh! descomedimento! Oh! maldade mais
que infernal! digna de que, no mesmo momento, se abrisse a
terra, e não depois rebentasse tal coração, mas logo o tragassem
os abysmos! Ê, a este Judas, e, áquelle Pedro, será justo.
Senhor, que vós trateis com a mesma igualdade? (íris clás­
sico, pag. 225).
Era Affranio Burrho homem de grave e maduro juizo,
mestre ou ctio que tinha sido, com Seneca, do mesmo Nero.
(P. Ant. Vieira). — (^Affranio Burrho era homem de grave e
maduro juizo, que tinha sido, com Seneca, mestre ou aio do
mesmo Nero).
358. As inversões são illegitimas quando, intrincando
as ideas, ou baralhando os pensamentos, redundão em um
mistiforio pouco ou nada intelligivel.
Px. Ponderando, só em lisonja, dos ambiciosos, para fa ­
zerem juizo os interessados, que, sendo continentes na America
as conquistas de Portugal e as de Castelha, quando, daquellas
preciosas minas, com umas se mostrou o clima tão liberal, pa­
rece verosimil não se mostraria com outra tão escasso, gozando,
igualmente na altura do polo, da propria influencia do céo, e
da mesma natureza da terra j se bem, com menos industria
que cubiça, por existirem tamanhas esperanças, mais na pre-
sumpção que na realidade, ou, para reservarem os séculos pre­
sentes para os vindouros, novos descobrimentos, neste exame
trabalhárão jâ inúteis algumas diligencias. (Franc, de Brito
Freire).
Quem diria que taes e quejandos disparates pudessem
ser patrocinados como constituindo uma figura de syntaxe
digna de especial menção, e de particular apreço: a syn-
chyse ? Entretanto assim é ) e lá vai o memorável distico
que lhe serve de typo entre seus admiradores;
E n t r e todos, c ’o dedo, eras notado,
L in d o s moços d ’A r z il la , em g a lh a rd ia .

O que, no dizer dos eruditos, deve ser traduzido .* Em


galhardia eras notado com o dedo entre todos os lindos moços
de Arzilla. ^
Oia bem: se, como o pretendeu um insigne, porém des­
bocado diplomata, a linguagem foi dada ao homem para
^ Pensamento, as duas referidas synchyses ou mo-
xiniíadas são primores de estylo.
t •
,I

S EG U N D A PA RTE - SYN TAXE 289

5. DA EXCLAMAÇÃO

359. ^ A exclamação, no seu sentido estricto, é iima pro­


posição implícita. ^
(í I
Ex. Credes que são estas palavras de Christo^ S i m -
Agora respondei-me. (P. Ant. Vieira).
•. uma exclamação porque representa uma pro­
posição: Vos o c r ê p e s ; e a proposição é implícita porque
nao lhe constituindo s i m nenhum dos seus termos synta-
xícos, nem por isso deixa de os abranger a todos.
A e s te c a r a c t e r , d e q u e s im e n ã o s ã o o s t y p o s n a s
re sp o sta s p e re m p tó ria s, e a h ! o ii ! nas m a is v a ria d a s ex-
pres^sões de um se n tim e n to v iv o , é que devem as in te r-
je iç õ e s de^ser c o n te m p la d a s em sy n ta x e com o figuras. E
ta n to o são, que a h ! e o ii ! p o r e x e m p lo , só tê m um sen­
tid o a p re c iá v e l, na fa lia , p e la in to a ç ã o com que se so ltã o ;
e n a c sc rip ta , p o r u m a o u m a is p ro p o siç õ e s su b se q u e n te s
q u e lh e s s e rv e m d e c o m m e n ta rio s .

Ex. O jugo e as cadeias de ferro e de bronze têm estas


quatro cousas:^ que carregão, ferem, soão e durão. E as mesmas
quatro têm o jugo e cadeias da infa^nia. O i i ! c o m o c a r r e g ã o !
Por dheita que andasse dantes a pessoa, logo abaixa a cabeça
e os olhos, e lhe parece traz ás costas um monte. O h ! c o m o
f e r e m ! Ghegão a escalavrar o coração e a alma, e ensan-
guentão familias inteiras. O i i ! c o m o s o ã o ! --Está o pobre que
padece a infamia aqui em um canto; lá soão no cabo do reino,
ou em Ultramar: por onde quer que appareça, detraz lhe ficão
rugindo as cadeias, como á alma condemnada que apparece...
O h ! QUANTO DURÃO ! Ainda depois de sepultado, cá ficão ru-
gindo... O i i ! J Ã e u m e c o n t e n t a r a com que os presos da
infamia levassem comsigo á cova as suas cadeias. Alas não é
assim. O homem morreu e está enterrado, e as cadeias ficão
vivas cá fóra, tinindo e faliando. (P. Man. Pernardes).
360. Ha toda a conveniência em comprehender no nu­
mero das exclamações, por motivo de analogia, as expressões
que, isoladamente, representão uma proposição, embora se
prestem facilmente a constituir-lhe um dos seus termos
pela restauração analytica, c a proposição se possa consi­
derar também como simplesmente clliptica.
Ex- Houve alguém que dissesse á oliveira que havia de
deixar as suas azeitonas, nem á figueira os seus figos, nem á
vide as suas uvas? N inguém ! (Í. Ant. Vieira). — (N inguém
0 disse').
Não devem, pois, pagar a pena os que vingão tão barbara
19
y* >í e*
w

290 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

maldade, mas sim os que, levando a labareda de tão repentino


arruido, dérão causa a todos os males que depois vierão. (Hist,
de D. M a n o e l — (... mas d ev em pa g a r a p e n a os —
que...).
Saibamos agora, e não de outrem, senão das mesmas ar­
vores, se este bom governo, do modo que ellas o entenderão, se
pôde conseguir e exercitar com as raizes na terra. Assim as
que 0 offerecêrão, como as que o não aceitarão, todas concordão
que NÃO. (P. Ant. Vieira). — (... que não se póde conseguir).
E, houve algum homem tão mimoso da fortuna neste
mundo que, em cilguma ou em todas as cousas delle, achasse o
descanso que buscavaf ISTe n h u m . (P. Ant. Vieira). — ( N e ­
nhum houve).
Se é tão grande a alegria dos navegantes quando, tendo
escapado das tempestades e dos corsários, ouvem dizer: T er r a !
t e r r a ! que alegria será a dos que agora padecem, quando
oução dizer: C éo I cÉo ! (P. Ant. Vieira). — (... Alli está a
t e r r a !... Alli está o céo ).

361. Tambein, e cora raais proj)riedade ainda, devera


ser tidas por exclamações as expressões em apostrophe,
embora o processo analytico, só com rodeios, e por meio
de varias liy])otheses, consiga attribuir-lhes uma ou outra
das diversas funcções syntaxicas.
Ex. Vem cá L u c if e r ; vem cá Adão: tu anjo, e o mais
sabio de todos os anjos; tu homem, e o mais sabio de todos os
homens! Não entendeis e conheceis com evidencia que não podeis
ser como Eeos ? Pois, como appeteceis o que não podeis f Por­
que tal é a cegueira de um entendimento ambicioso, e a am­
bição de uma vontade livre: ha de cjuerer mais do que póde,
ainda cpue conheça que é impossivel. (P. Ant. Vieira). — ( Vem
cá [tu — QUE es L u c ife r ] ; vem cá [tu — que es Adão] : tu
anjo, e o mais sabio de todos os anjos; tu homem, e o mais
sabio de todos os homens! — E’ bom notar, aliás, no texto a
repetição dos sujeitos de ambos os verbos vem ( tu ), para
servirem de esteios ás apposições a n jo , e o mais s a b io . . . ;
HOMEM, e 0 mais s a b io ..., e para aífastarem assim qualquer
causa de hesitação ou dubiedade na interpretação do pen­
samento.
S e ja , p o r é m , q u a l f ô r o m o d o d e c o n s i d e r a r a n a l y t i c a -
m e n t e a s e x c la m a ç õ e s d e s t a e s p e c ie , o q u e é f o r a d e d u ­
v i d a , é q u e n ã o sã o , c o m o a l g u n s p r e t e n d ê r ã o , o s u je ito d e
u m i m p e r a t i v o o c c u lto , v i s t o c o m o , e m t a l h y p o t h e s e , se
d a r i a a e s t r a n h a a n o m a li a d e e s t a r u m v e r b o n a s e g u n d a
p e s s o a c o m u m s u je ito n a t e r c e i r a ( V in d e cá, L u c if e r e
A d ã o ), o q u e p a r e c e m a is s e n s a to , é tê - lo s p o r m e r o s
' í

SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 291


á'.
idiotismos. Funda-se esta allegação sobre a observação
que, em, latim, conferia-se neste caso aos substantivos, ad-
jectivos, pronomes e participios, uma forma ou terminação
geralmente tão especial, que não tinha nenhuma outra ser­
ventia syntaxica ( F ili m i : ó meu filho!). O característico
dos vocativos portuguezes é não tolerarem a anteposição
do artigo.
Ex. E l rei Antigono, vendo que seu filho se ensoherbecia,
lhe disse: « Não sabes, f i l h o , que o nosso reino e o reinar
não é outra cousa que um captiveiro honrado? » (P. Aiit.
Yieira).
Então, Braz'd, será tua ventura,
O sec’lo (1’ouro teu, tua cultura.

Vós também, ó alados, que, em plumagens,


Da íilha de Tliaumante sois imagens.
Vós sereis celebrados.
I Os çeníleos sahis, e também verdes,
Onde tu, esmeralda, o preço perdes.
(S. Carlos).

As mesmas considerações são applicaveis ás exclamações


complexas.
Ex. Quem ha de restituir o tempo a quem qierde o tempo
que havia mister? O ii! tem po tão precioso e tão p e r d id o !
A (P. Ant. Yieira).

líA
[ ■:

CA.FITÜ LO III
TERMOS SYNTAXICOS. —Do facto
362. A percepção mental de quanto ha sobre que lhe
é possível assentar um Juizo, o hoiiieni a traduz por um
facto syntaxico com sujeito ou sem sujeito, com comple­
mentos ou som complementos, com predicado ou sem pre­
dicado.
Exemplos;
(Com ou sem sujeito). A noite ciieg ã r a . — R e l a m pe ­
ja v a .
;I«Í
292 NOVA GRAMMATlCA ANALYTICA

(Com oil sem complemento). Tudo se muda po r in s ­


ta n t e s . — Tudo PASSA. (P. Man. Bernardes).
(Com ou sem predicado). Se os olhos vêm com odio, —
0 ANJO É FEIO; — se com amor, o — que não é , — tem ser.
(P. Ant. Vieira).
363. Competindo aos verbos no infinitivo estas mesmas
eventualidades de sujeito, de complementos ou do predicado,
succedeu que a maior parte, senão a totalidade dos gram-
maticos, forão levados por esta consideração a attribuir ao
verbo, neste ultimo modo, propriedades mais ou menos
idênticas ás que lhe são próprias nos quatro primeiros,
considerando-o, em tal caso, como sendo também facto syn-
taxico, isto é, como presidindo a uma proposição enunciando
de per si mesma um juizo apreciável. Porém, quando se
tratou de firmar o principio pela demonstração, as hypo­
theses imaginadas, apezar de se enredarem nos mais subtis
processos analyticos, apenas resolverão parcialmente um ou
outro caso isolado, mas deixárão os mais sem explicação
plausivel. E’ que, de um principio falso, por mais que se
torça, não póde ressumbrar uma verdade.
Pois observe-se um infinitivo, quer ande cercado, quer
não, de um séquito proprio, constando de sujeito, de com­
plemento ou de predicado, e ver-se-ha que, tirando-se-lhe o
tacto junto ao qual elle mesmo exerce uma das referidas
funcções, já não exprime pensamento algum, e sim apenas
uma idea ou, com o seu séquito, um mero conjuncto de
ideas.
Ex. P reg a r [não ha de ser'\ p r a g u e ja r . (Gil Vi­
cente).
ÜSTão se fa z er em m ercês [e] f a l t a r com o p r ê m io á
v ir t u d e ; fa z e r e m -se [é] sem ea r b e n e fíc io s p a r a co lh er
QUEIXAS. — N ão fazerexM os r e is m ercês [seria'] não serem
REIS. (P. Ant. Vieira).

364. Outrosim evidencía-se materialmente a divergên­


cia radical que separa o infinitivo dos quatro modos de
facto, por duas observações bastante attendiveis no desem­
penho dos exercicios analyticos. A primeira é que todo o
verbo no infinitivo póde vir a ser regido de uma prepo­
sição ; num modo de facto, porém, nunca. A segunda é
que todo o verbo em um modo de facto, exceptuando-se o
imperativo, póde vir a ser relacionado com um facto an­
terior por meio de uma ligação subordinativa ( que ou s e );
um verbo no infinitivo, porém, nunca. Ambas as hypo-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

P ara se mostrar liberal, busque o principe — a quem


bar : parecerá avarento, se esperar — que lhe peção. (P.
Ant. Vieira). ^ ^
JjogicaiTicnte rcstaiiradaj a oração sc desenvolve como
se segue :
Busc[ue 0 príncipe, para se mostrar \_para se estar mos-
t)ando^ libeial, um homem — ao qual \deva^ dar: —parecerá
avarento, — se esperar [se estiver esperando'] — que lhe
PEÇÃO.
Yô-se por esta reconstituição normal da oração que o
verbo se mostrar é realmente um infinitivo, visto como,
convertido em gerundial, ainda denuncia este modo [ estar
mostrando]. Ve-se mais que, sendo regido da preposição
PARA, vem assim a constituir um complemento indirecto'de
busque.
O infinitivo dar, que, á primeira vista, e em contra-
dicção com a regra formulada, parece prender-se a propo­
sição anterior por uma ligação subordinativa [a quem], não
é em realidade senão o complemento directo do elidido
deva, 0 portanto nada tem com a mesma ligação.
Emfim ESPERAR, que, á primeira vista também, póde
parecer um infinitivo, mostra, por sua conversão em ge­
rundial, pertencer ao 7.“ tempo do subjunetivo [ estiver
esperando], o que o associa legitimamente á pi*oposição an­
terior [parecerá] pela ligação subordinativa se.
Outro exemplo :
Mais facil era antigamente conquistar dous reinos na
Índia QUE repartir duas commendas em Portugal. (P. x\nt.
Vieira). — [Conquistar dous reinos na índia era antigamente
mais facil — que [facil era] repartir duas commendas em
Portugal).
Abi, nada tem novamente o infinitivo repartir com a
ligação QUE, porque, como é intuitivo, ella aetúa sobre o
facto elidido era, ao qual o mesmo repartir serve de mero
sujeito.
Por todas estas considerações, o facto é, como termo
syntaxico, o representante sYx MBOlico de toda e qualquer
PROPOSIÇÃO.

1. DO MODO INDICATIVO

365. O indicativo encerra oito tempos, dos quaes são


cinco simples, e très compostos. As designações que os
repartem pelas très épocas da duração [presente, preterito e
294 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

futuro)^ são antes iima concessão a usos tradicionaes, do


que a expressão de uma verdade absoluta; porquanto, em­
bora sejão as mesmas designações bem cabidas na maior
parte dos casos, em muitos não o são no sentido rigoroso
da palavra.
JSÍão ha duvida que todos os factos do seguinte exem­
plo, pertencendo ao 1.® tempo do indicativo, denuncião o
presente:
Os olhos VÊM pelo coração; e, assiví como quem v ê por
vidros de diversas côres^ todas as cousas lhe pa r ec em da-
quella côr, assim as vistas se tin g em dos mesmos humores de
que ESTÃO hem ou mal aefectos os corações. (P. Ant.
Vieira).
Porém, no seguinte exemplo, o mesmo tempo se
encontra alludindo a um preterito sem a menor improprie­
dade:
Antigamente, na republica hebrea, e em muitas outras, os
tribunaes e os ministros estavão ás portas das cidades. Mas,
que razão tiverão aquelles legisladores para situarem este lugar
aos tribunaes, e para pôrem ás portas das cidades os seus mi­
nistros? Varias razões apontão [cipontárão'] os historiadores
e politicos; mas a principal, em que todos convêm [convierdo~\,
ERA a brevidade do despacho. (P. Ant. Vieira).
No seguinte exemplo, pelo contrario, o mesmo pmewfe
fica substituindo a um futuro:
Pois tendes por certo que não vos pó d e [poderá~\ faltar
pão porque levais a letra de um mercador, e não tendes por
certo, co?n tantas escripturas de Peos, que vos não h a de
FALTAR [não haverá de faltar'] nada f Apertemos mais este
ponto. Na praça de Londres, q u e r e is [querereis] ir para
Liorne, l e v a is [levareis] letra de um herege; na de Amster­
dam para a Allemanha, LEVAIS [levareis] letra deumgudeo; na
de 'Veneza para Constantinopla, l e v a is [levareis] letra de um
turco; e id es [ireis] seguro que vos não iia de fa l t a r [haverá
de faltar] pão. Pois, com as letras de um herege, de um judeo e
de um turco, cuidais cque id e s [ireis] seguro, e, com as de
Peos, não! E ' que não tendes fé. (P. Ant. Vieira).
Cumpre, outrosim, notar que, se é geralmente da in­
dole dos verbos prepositivos o designarem um futuro já no
1.® tempo do indicativo, não lhes falta todavia, a faculdade
de, nO mesmo tempo, enunciarem também ás vezes o pre­
sente.
Ex. Por amigos, h a v em o s de t e r a poucos; 7nas, por
inimigo, a nenhum. (P. Man. Bernardos).
Claro é quo o conselho ahi dado tem tanto de actual
como de futuro, por se tratar de uma obrigação perdu­
rável.
366. O 2.“ tempo do indicativo {preterito imperfeito)
implica geralmente a lembrança:
l.° Ou de um facto em via de perpetrar-se quando
outro se deu:
Ex. Farúmos para a cidade de Trento, onde então se
CELEBRAVA 0 sagrado concilio...
Como v ín h a m o s de mistura com os mouros, uns detraz,
outros diante, passarão très dos nossos, eu com elles. (Pan-
taleão do Aveiro).
2. ®Ou de um facto que foi do porpetração prolon­
gada:
Ex. C a m in h a v a a turca com grande ambição e fausto,
mettida numas andas douradas por dentro e por fóra...
I a fa lla n d o com um mouro pobre, roto, esfarrapado e
descalço...
O que a turca f a z ia por mostrar religião e santidade.
(Pantaleão de Aveiro).
3. ° Ou de um facto que tem sido habitual :
Ex. C ostum ava o sabio D . Affonso, rei de Aragão, não
negar seus favores ás pessoas que sa b ia muito bem que d iziã o
mal delle. (P. Man. Bernardes).
O infante D. Duarte, quando estavam os á lição, f a z ia -
me sentar tão chegado a si, que eu me a ffro n ta v a e corria .
(André de llezende).
Entretanto não raras vozes succédé que o mesmo
tempo venha supprir o presente. Dá-se o easo quando o
faeto se acha subordinado a um verbo que anteriormente
enunciou -um passado, sendo que esto, por uma espocio de
attracção violenta, constrange a declarar no passado o que
é realmonte no presente.
Ex. Bem d isse S. Ambrosio que mais v a l ia um di­
nheiro tirado do pouco, do que um thesouro tirado do máximo.
(P. Man. Bernardes). — (... que mais v a l e ...).
D issem os atraz que, entrando pela porta principal da
igreja, a b r ia um arco á mão direita. (Fr. Luiz de Souza).—
( . . . a b r e um arco...).
367. O 3.° tempo do indicativo (preterito jyerfeito sim­
ples) denuncia factos que fòrão successivamoiite perpetrados j
296 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

e, por isso, mereceu de alguns pliilologos a denominação


bastante idônea de passado historico ou narrativo.
Ex. Emfim (el rei D. Sebastião) tornou para Lisboa,
7nais acceso em desejos, e com muita pressa: ordenou coro-
neis; le v a n to u ; nomeou c a p itã e s ; c h a m o u /wspaw/iocs,
tudescos e italianos...
Emfim PAssou-sc o rio; pôz-sc a artilharia em ordem, e
FORMOu-se campo na conveniência necessária. P u blico u -sc in­
dulgência plenaria; e, assim confessados, commungados e un­
gidos, se RESOLVERÃO a morrer a pé quedo. (Luiz Torres de
Lima).
368. O 4.° tempo do indicativo {pretérito perfeito com­
posto) substitue geralmente ao anterior nos casos em que
se allude a um facto repetidamente perpetrado, ou comple-
tamente concluido.
Ex. Estes são os aduladores,... attentos sómente a não
desgostar ou entristecer o agrado em que têm fundado seus
interesses. (P. Ant. Vieira).
T emos dito o primeiro alvitre que promettemos, que é
como havemos de alcançar o pão; vamos agora ao segundo,
como havemos de alcançar muito. (P. Ant. Vieira).
ii Signal é, dizia Themistocles, o ver-me amado de todos,
eque ainda não ten h o f e it o acção tão generosa e honrada,
que me grangeasse amigos. » (P. Ant. Vieira).
Algumas vezes te n h o d ito a meus companheiros que, se
existe ainda resto da simplicidade primitiva da vida dos pri­
meiros homens, é nestes paizes. (D. Fr. Caetano Brandão).
369. O 5.® tempo do indicativo {preterito mais que per­
feito simples) assignala o facto como anterior a uma epoca
já finda. E’ um duplo passado.
Ex. No Areopago de Athenas foi Democrito condemnado
como perdulário, e estragador do seu patrimônio; mas, cons­
tando eque GASTARA a sua fazenda em aprender sciencias, e
conhecer a economia do mundo, foi absolvido e louvado por
haver adquirido a pouco custo tão precioso erário. (P. D Ka-
phael Bluteau). v, • ^
Fabricou Salomão um palacio real em Jerusalem, que,
deqjois do temqAo eque elle e d if ic á r a , foi o segundo milaare
(P. Ant. Vieira). ^
Em cp'ta oceasião p e d ir a el rei JD. João de beber;
e, ao administrar-lhe a taça um fidalgo velho que o s e r v ír a
com satisfação nas guerras de Africa, succedeu cahir-lhe o
vaso da mão já tremula. (P. Man. Bernardes).
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE

370. O 6.“ tempo do indicativo {preterito mais que per­


feito composto) não tem outro alcance significativo que o
precedente, porquanto com elle encontra-se de mistura em
umas mesmas orações, sem discrepância apreciável na de­
terminação do tcmj)o.
Ex. E logo, pedindo um missal fez ( D. João de Castro)
juramento sobre os Evangelhos que, até a hora presente, não
era devedor á fazenda real de um só cruzado, nem havia re­
cebido cousa de christão, judeo, mouro ou gentio; nem, para
a autoridade do cargo ou da pessoa, tinha outras alfaias que
as que de Portugal trouxera; e que ainda a prata que no
reino fizera, havia já gastxVdo; nem tiveiuv jámais possibi­
lidade para comprar outra colcha que a que na cama vião.
(Jacintho Freire de Andrade).
Cumpre, todavia, notar que, na terceira pessoa do
plural, é o emprego deste tempo preferivcl ao do 5.", por
fornecer uma forma isenta da ambiguidade que provem de
ser a mesma pessoa do 5.° tempo sempre idêntica á do 3.®
Ex. Dalli a alguns dias ouvirão (as cotovias) que o amo
se agastava com os criados, porque não tiniião feito (não:
FizERÃo) 0 que lhes encommendára ( ou : tinha encümmen-
DADO). (P. Man. Bernardes).
Em um sabbado, entrando Christo na casa de um certo
principe dos phariseos que o tinha convidado para jantar
com elle, observavão maliciosamente attentos os outros phariseos
também convidados todas as acções do Senhor. II avião in­
troduzido (não : introduzirão) na casa %im hydropico para
ver se Christo o sarava em semelhante dia. (P. J. B. de
J
Castro).
Ao grande Alexandre, já vencedor de Dario, caminhando
para Persepolis, sahirão ao encontro quasi oitocentos homens,
os mais dettes velhos, aos quaes os antepassados reis da Persia
TiNHÃò torpemente mutilado (não : mutilarão) os narizes e
lábios. (P. Man. Bernardes).
371. O 7.® tempo do indicativo {futuro simples) allude
meramente a um facto ainda não perpetrado.
Ex. Como se animará o soldado a buscar a honra por
meio das bombardas e dos mosquetes, se vê em um peito o
sangue das balas, e noutro a purpura das cruzes ? Como se
alentará a padecer os trabalhos e perigos de uma campanha,
se vê premiado a Jacob, que ficou em casa, e sem prêmio a
Esaú, que correu os montes ? se ás pelles de Jacob se dá o
morgado, ás settas de Esaú se nega a benção? Se alcança
mais este com o seu engano, que o outro com a sua verdade,
298 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

quern haverA que trabalhe? quern iiaverA que se arrisque?


quern iiaverA q^ue peleje ? Não ha duvida que, d vista de se­
melhantes mercês, dirão os valorosos que vão errados; terão
contrição do que deverião ter complacência; arrepender-se-
HÃo de seus brios; condemiNArão suas passadas finezas; e,
se^ chegarem a pelejar valentemente, serã por desesperação, que
não ha cousa que assim desespere os benemeritos, como ver os
indignos premiados. (P. Ant. Vieira).
372. O 8.® tempo do indicativo {futuro composto) allude
a um facto que ficará já perpetrado quando outro se der.
Ex. Perdeu V. Ex. um tão grande, tão fiel e tão hon-
rado amigo e parente... Só nos fica o allivio e consolação da
fé, esperando que, assim como Peos o livrou das perseguições
tão mal merecidas deste mundo, lhe haverã dado no céo o
descanso. (P. Ant. Vieira).

2. DO MODO CONDICIONAL

373. ^ Dos quatro tempos deste modo, os dous pri-


rneiros são condicionaes genuinos, e os dous últimos, condi-
cionaes supplementäres.
São^ aquelles genuinos porque, além de não se poderem
confundir com outras quaesquer inflexões do verbo por
suas foi mas especialissimas, nao ha caso algum de condi­
cional que não possão exprimir com a mais perfeita pro­
priedade de sentido.
São estes supplementäres porque, não modificando em
cousa alguma o^ alcance significativo dos dous primeiros,
apenas os substituem para tornar a elocução mais aprazivcl
pela variedade e euphonia.
PuDERA-sE fazer problema onde ha mais pescadores,
e mais modos e traças de pescar, se no mar, ou na terra. (V.
Ant. Vieira). ^
Pois, substituindo-se a pudera a forma genuina que
lhe con’esjmnde, em nada padece o sentido, mas não assim
a dicção: P oder-se-iíia fazer problema...
374. O 1.® tempo do condicional {presente-passado-fu-
turo proprio) deve, coino mais alguns tempos, tão estirada
denominação á conveniência de reagir, a bem da verdade,
contra a mania que faz transferir, sem critério, das gram-
maticas francezas, tudo quanto parece ter applicação á
grammatica portugueza. Pois lá é, o mesmo tempo capi­
tulado do presente. Ora, isso mesmo é falso, porque tanto
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 299

serve elle a declarar alii o futuro como o 'presente. Em por-


tuguez, o seu alcance é mais amplo ainda, visto ser igual-
monte apto a designar uma ou outra das très épocas da
duração.
Ex. Eu faria isso agora mesmo, — eu faria isso já
HONTEM, — eu faria isso de boa vontade amaniiãa, — se me
sobrasse tempo.
Que seria do mundo, se, em lugar dos mortos, não nas­
cerão outros gue lhes succedessem? (P. Ant. Vieira). — {Que
SERIA [agora] do mundo...').
Se, NO NASCIMENTO DE JuDAS E DiMAS, SC Uvautasse fi­
gura certa ao gue cada um havia de ser em sua vida, a do
primeiro diría gue havia de ser apostolo, e a do segundo, gue
havia de ser ladrão ; e assim forão na vida. (P. Ant. Vieira).
— (... a do primeiro diría [ então] cgue havia de ser apos­
tolo. ..).
Se cinco mil homens, com mulheres e filhos, entrassem de
repente em uma grande cidade, não havería promptamente
gue lhes dar de comer. (P. Ant. Vieira). — {Se cinco mil
homens... entrassem de repente [amanhãa] em uma grande ci­
dade, não havería promptamente...).
Aos gue nascêrão mudos, fez a natureza também surdos;
porgue, se ouvissem, e não pudessejn respojider, rehentarião
de dôr. (P. Ant. Vieira). — (... rebentarião [então, agora,
amanhãa] de dôr).
375. O 2.° tempo do condicional {preterido^ proprio)
suppre ao primeiro quando este, tendo de exprimir o pas­
sado, não o faria sem ambiguidade por causa de alguma
circumstancia accidental.
Ex. Que TERiA SIDO da Europa christãa, se Carlos
Magno não repellisse os Sarracenos ? — A expressão : Que
SERIA da Europa christãa... poderia alludir, contra a von­
tade, á epoca presente.
376. O 3.° e 0 4.° tempo do condicional correspondem
aos dous primeiros, e os substituem por mero agrado do
dicção.
Ex. Estes são os aduladores, gue louvão o gue não^ de­
verão [deverião] louvar, e applaudem o gue não deverão
[deverião] applaudir, e ajudão o gue deverão [deverião] es­
torvar. (P. Ant. Vieira).
Faça-se Vossa Alteza amar, e nesta sò palavra digo a
Vossa Alteza mais do gue pudera [poderia] em largos dis­
cursos. (P. Ant. Vieira).

.y
300 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Confesso que tomara [tomaria] ver esta linguagem em


toda outra pessoa antes que na boeca dos que tanto me tocào.
(Fr. Luiz de Souza).
A maior ostentação de grandeza e majestade que se viu,
neste mundo, e uma das tres que S. Agostinho desejara [teria
desejado] ver, foi a pompa e magnificência dos triumphos ro­
manos. (P. Ant. Vieira).
Por esta razão dizia S. Agostinho que fôra [teria sido
tivera sido] mais justo levantar a Platão um templo, do que
aos deoses da gentilidade. (P. D. Eaphael Bluteau).
377. Como^ se, por conter só quatro tempos, esto modo
fosse assim nimiamente escasso de formas, a lingua portu-
gueza, sempre sequiosa de variedade, autorisa ainda o
emprego do 2.“ tempo do indicativo cm substituição ao
condicional.
Ex. Se os homens se comerão somente depois de mortos, parece
que ERA [seria, fôra] menos horror, e menos materia de senti­
mento. (P. Ant. Vieira).
_Nascemos sem saber para que nascemos; e bastava [ 6<7s-
taria, bastâra] só esta ignorância para, fazer a vida pesada,
quando não tivera tantos encargos sabidos. (P. Ant. Vieira).
Este modo de accrescentar fazenda,... também me atrevera
eu a dizer que era [seria, fôra] bom, se, neste mundo, não
tiouvera uma conta, e, no outro mundo, outra. Sç no outro
mundo, não houvera inferno, e, neste mundo, não houvera jus­
tiça, ERA [seria, fôra] muito bom. (P. Ant. Vieira).'
Se aquellas rumas de façanhas em papel fôrão conformes
a seus originaes, que mais queríamos [quereriamos, quizera-
mo5j nos? já não houvera Ilollanda, nem França, nem Tur­
quia: todo 0 mundo fôra nosso. (P. Ant. Vieira).
Ainda falta por dizer o que mais vos havia [haveria,
houvera] de destruir e assolar. (P. Ant. Vieira).
Eni verdade que, quando o casamento não trouxera outro
algum bem mais que livrar de tantos males, justamente me­
recia [mereceria, merecera] o nome de santa e doce vida. ü )
Franc. Man. de Mello). ^ '

-DO MODO IMPEEATIVO

378. Por ser o fticto, no imperativo, ou mandado, ou


podido, claro e que ainda não existo, mas que está para
«e perpetrar; e portanto só allude ao futuro, e nunca ao
presente, como pretendem tantos grammaticos: porquanto
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 301

Ex. G osta antes dos que te argúem, que dos que te


adulão; e tem maior aversão aos aduladores que aos inimigos,
porque são peiores. (P. Ant. Yieira).
O mesmo mando ou rogo presiippõe que, junto de quem
o enuncia, haja quem o ouça, e o possa cumprir: logo não
póde o mesmo modo abranger theoricamente mais de uma
pessoa: a segunda do singular, e a segunda do plural.
Ex. As arvores que ao espinhelro offerecêrão o governo,
disserão-lhe: « V e m ». Elle disse-lhes: « V i nde ». (P. Ant.
Vieira).
379. E, realmente, de conformidade com o rigor da
lógica, não tem o imperativo portuguez mais das duas in­
flexões próprias da segunda pessoa, sendo que, com ellas,
lhe fica até tolhida a faculdade de exprimir o mando ou
rogo sob o theor prohibitivo da negação: nesta ultima hy-
pothese, forçoso é supprí-lo pelo 1.“ tempo do subjuuctivo.
Ex. O' meu amado Senhor, não me falleis já pelas
vossas creaturas, que pouco ou quasi nada me podem dizer de
vós, sendo vós infinito, e dies limitados; vós luz, e elles som­
bras; vós eterno, e elles defectiveis: FALLAi-me por vós mesmo.
(P. Man. Bernardes).
O' voadores, contentai-uos com o mar e o nadar, e não
QUEIRAIS voar, pois sois peixes. (P. Ant. Vieira).
O sabio Simonides aconselhava assim a Jlierão, rei dos
Syracusanos: « N ão duvides enriquecer os teus, porque deste
modo a ti mesmo te enriqueces... F aze conta que o teu reino
é a tua casa. » (P. Man. Bernardes).
F olgai, Antiocho, de terdes experimentado os revezes da
fortuna, e não julgueis ninguém pelo que exteriormente pa­
rece. (B. Fr. Amador Arraes).
Esta honrada mulher nos mandou trazer de comer, e ella
mesma no-lo pôz diante por sua mão, e nos disse: « Comei
vós outros, pobres estrangeiros, e não vos desconsoleis! »
(Fernão Mendes Pinto).
380. O mesmo tempo do subjunctivo suppre ainda ao
imperativo quando o mando ou rogo, por uma ficção que
recorda o modo optativo da lingua grega, vai dirigido á
primeira ou á terceira pessoa, quer do singular, quer do
plural.
Exemplos:
( 1 .“ P.) — A m e -i; os e u . Senhor, de todo o coração, para
que me sujeite á vossa vontade. (P. Man. Bernardes). — O uça
302 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

EU a vossa doce voz, que traz comsigo a intelligencia do que


diz. (P. Man. Bernardes).
(3.* P.) — F aça o principe seu corpo da guarda o
amor dos súbditos. — Admitta homens aos cargos pelo ser,
não pelo parecer. — Seja clemente, mas não deixe de ser se­
vero. (P. Ant. Vieira).
(1.* P.) — Mas, já que não podemos ver a alma em si,
VEJAMo-?a em nós ; no que o corpo ha de ser, vejamos o que
ella é. (P. Ant. Vieira). — Para fundamento do que pretendo
dizer sobre o soberano nascimento de que celebramos a mc.moria
neste felicissimo dia, consideremos primeiro que cousa é
nascer, e piiilosophemos um pouco. (P. Ant. Vieira).
(3.“ P.) — PÊM-se os PRÊMIOS ao valor, e não á valia.
— Sejão os príncipes como Christo no repartir, e sejão os
VASSALLos como OS discípulos no contentar-se, e cessarão as
queixas. (P. Ant. Vieira).
Dá-se, todavia, o caso qiie, dirigindo-se a si mesmo,
venha alguém a interpellar-se como a um estranho; em
tal caso volta o verbo para o imperativo.
Bx. Quando esta noticia chegou ao Albuquerque, disse
com grande sentimento : « Eis-aqui fico mal com el rei por
amor dos homens, e mal com os homens por amor de el rei.
Velho, ACOLHE-TE â Igreja, e acaba jâ de morrer ; pois im­
porta á tua honra que morras, e nunca tu deixaste de fazer
0 que importou á tua honra. (P. Man. Bernardes).
Espirito meu, eu ando em uma região desconhecida, onde
não sei bem o nome das cousas... VÁ-me, te rogo, alguma luz
nessa materia. (P. Man. Bernardes).
Olha , alma minha, para essas altas serranias e talhados
penhascos que assoberbão os valles e a campanha. (P. Man.
Bernardes).
381. Que 0 l.° tempo do subjimctivo não preenche,
aliás, nos casos expendidos, nenhuma das funeções proprias
do modo ao qual pertence, e é sim mero subsidiário do im­
perativo, torna-se manifesto por nunca se achar subordi­
nado a um verbo anterior, o que se patenteia geralmente
pela ausência de toda e qualquer ligação subordinativa.
Ex. O' Senhor, appareça-??!^ a vossa presença dentro da
vossa paz, e faça-so em mim a vossa paz por vossa virtude.
(P. Man. Bernardes).
Apenas, em alguns casos excepcionaes, encontra-se-lhe
anteposta a conjuneção q u e , porém como palavra exple-
tiva, isto é, simplesmente adduzida por amor da euphonia,
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 303
'Í»í
como bem se deprehende de se não acarretar de sua sup-
pressão trastorno algum.
Ex. Toda esta variedade de innumeraveis especies não
custou a Teos mais que estas sós palavras: « P roduza a terra
hervas verdes que tenhão de si mesmas suas sementes; e as
arvores que produzão fructo segundo suas especies. » (Fr.
Luiz de Granada). — (... e produzão as arvores...).
A honrada dona, batendo então nos peitos por signal de
grande espanto, disse: « Que me matem, se assim não é ».
(Fernão Mendes Pinto). — (... MATEM-me...).
Tanto que chegar esta nova, V. A. logo, sem esperar
outro preceito, se ponha de curto o mais bizarro que puder
ser, e se saia a cavallo por Lisboa, sem mais apparato nem
companhia, e que V. A. se humane, conhecendo os homens, e
chamando-os por seu nome, e fallando, não só aos grandes e
medianos, senão ainda aos mais ordinários. (P. Aiit. Yieira).
— (... e V. A. se humane...).
Por estas considerações devo ser analyticaraente tido
como imperativo disfarçado todo e quakpier facto que,
á no l.° tempo do siibjunctivo, não aceusa subordinação al-
íruma a um verbo anterior.
382. Uma observação, de interesse mais pbilologico
do que grammatical, concorre outrosim a evidenciar que a
futuridade é predicainento essencial do imperativo, e cila
vem a ser que o mesmo modo fica de vez em quando siip-
prido pelo 7.“ tempo do indicativo {futuro simples).
Bx. Com 0 animo de tentar a Christo, se levantou em
certa oceasião na synagoga um doutor, e lhe disse: « Jtlestre,
que hei de fazer para me salvar? « Respondeu-lhe o Senhor
que repetisse o texto da lei. Lisse o doutor: « O que a lei
manda é : A marás a JDeos teu Senhor com todo o teu coração,
com toda a tua alma, com todo o teu entendimento, e com
todas as tuas forças; e ao teu proximo como a ti mesmo. »
(P. J. B. de Castro). — (A ma a Deos...).
Considero eu que ha mandamentos da lei da inveja, assim
como ha mandamentos da lei de Leos. Os mandamentos da ! i
lei de Deos dizem: « N ão matarás; não furtarás; nÃo
LEVANTARÁS folso testemunho ». Os mandamentos da lei da
inveja dizem: « N ão serás honrado; não ser.ís rico; não
SERÁS valente; não serás sabio; não serás bem disposto.
(P. Ant. Vieira). — (... N ão mates, não furtes, não
LEVANTES falso testemunlio— N ão sejas honrado; não
SEJAS...).
383. Ao envez deste caso, e como por compensação,

Sfs.
304 NOVA GRAMMATlCA ANALYTICA

o i m p e r a t i v o v e m d e v e z e m q u a n d o a s u p p r i r o 7.-^ t e m p o
SiTnpíes), n a s o r a ç õ e s d e s e n t id o c o n -
c io n a l, c o n f e r in d o a s s im a p r o p o s iç ã o e m q u e se a c h a a
q iia lif ic a ç a o q u e lh e c a b e r i a e m a n a l y s e ló g ic a se s a h i U e
e n c e t a d a p e la lig a ç ã o c o n d ic io n a l e ^ s u je ita n d o a ^
m e s m a s r e g r a s d e p o n t u a ç ã o d e t e r m i n a d a s p o r e s t a li-
gaçao.

*^ por todo 0 mundo, e vereis aue


todo elle vem a resolver-se em buscar pão para a bocca. ( P .
lançardes 05 olhos por todo 0 mundo,
bocca) ^ ^ resolver-se em buscar pão para a

reinos de Baltha^ar; ponde uma corôa na cabeça de Ale-


xandre, conquistara os reinos de Dario; ponde uma corôa
T v h V f V ' sonão no pensamento de Cesar, e opprimirá
a liberdade da patria, e, da mais florente republica fará o
mais soberbo e violento império. (P. Ant. Vieira) — (Sr pu
ZERDEs uma corôa...). ^

4. DO MODO SUBJUNCTIVO

tu a liS d e ^ é p ro p ria m e n te o m odo da even-

P o r e v e n t u a l i d a d e e n te n d e - s e o q u e p ó d e s e r q u e s e ia

baj^ d“o ser“!’

o persuadem não estar o céo pri­


vado de semelhantes recreações; mas, quando o esteja deias
bem sabemos que tem outras muitas e maiores. (P. Man. Con-
o C l O I l C l c l )•

hm um deserto se achavão estes homens, sem casa. sem


venda, e sem dinheiro para comprar o mantimento, ainda quf
0 HOUVESSE 0 5oòroíw.Zo com fome de tres dias; inas p o Z l

zrf. íz%i7f
Pois esta mesma ignorância e loucura é a de todos ou
/« to

quasi todos os que se chamão christãos neste mundo Se


t o PERGUNTARMOS para onde vão, dizem que para o céo •
e, SE OLHARMOS para os seus cuidados, e para os seus em
pregos e para as suas carregações, competindo todos em quem
mais de carregar e sobrecarregar, acharemos que todo o
SEGUNDA TARTE - SYNTAXE 305

385. Destas exemplificações adduzidas para demonstra­


ção da eventualidade nas tres épocas da duração, póde-se colher
mais a indicação essenical que, por ser necessariamente su-
bordinado, o facto não prescinde, no subjunctivo, da ante-
posição de uma ligação subordinativa (V. quando, ainda que,
sé). D, quando por vezes occorra que a mesma ligação
fique elidida, é porque assim o tolera exccpcionalmente o
uso a bem da cuphonia, visto como os mesmos verbos após
os_ quaes se costuma omittir a ligação, não deixão de ad-
mittí-la na mór parte dos casos.
Ex. O’ Deos e Senhor meu, por vossa infinita hondade
vos uoGO humildemente [...] me concedais que vos ame de
todo 0 coração. (P. Man. -Bernardes). — Rogou a panella de
cobre á de barro que se chegasse para ella, para que juntas
i esistissem, melhor ao impeto das aguas. (P. Man. Remardes).
Sobre o modo da guerra que se deve fazer, peço muito a
V. S. [...] SEJA de voto que vençamos antes em seis mezes,
do que arriscarmos tudo em um dia. (P. Ant. Vieira). —
P ediu Sansão a seus pais que lhe dessem por mulher uma
philistéa. (P. Ant. Vieira).
Nestes e semelhantes exemplos, taes importava [...]
FOSSEM os sacrificios, qual era o deos a quem se dedicavão.
(P. Man. Bernardes). — Os que menos satisfeitos estiverem de
S. M., esses chegue V. A. mais a si, que importará pouco
QUE no affecto se dividão as vontades, comtanto que, no ef-
feito, S. AL e V. A. as achem unidas e obedientes. (P. Ant.
Vieira).
Respondeu Lucullo que ao menos lhe permittissem dizer
em que cenáculo queria [...] lhe puzessem a mesa. (P. Man.
Bernardes). — For ventura não quiz Cleopatra que faltasse
a tão exquisito peixe vinagre exquisitissimo. (P. Man. Ber­
nardes).
Sendo assim demonstrada a intervenção effcctiva ou
occulta de uma ligação subordinativa para a formação de
todo e qualquer subjunctivo, muito convem attender a que
não se pretende com isso estabelecer que qualquer das
mesmas ligações provoque sempre e necessariamente um
subjunctivo (pois que não jioucas podem também actuar
sobre um indicativo ou um condicional), mas que sem al­
guma delias não se produz o subjunctivo.
Assim é que, faltando a condição de eventualidade, a
ligação subordinativa avoca, no primeiro dos dous seguintes
exemplos, o indicativo, e no segundo, o condicional :
Antigamente houve entre gentes barbaras o impiissimo cos­
tume QUE os filhos ENTERRAVÃO vivos scus pãis quando estes,
20
306 NOVA G R A M iM A T IC A A N A L Y T IC A

por velhos e enfermos, não podião qanhar de comer. (P. Man.


Pernardes).
Aquelles que tudo erao delicias, mimos, trajos, damas, ban­
quetes, festas, cheiros, musicas, passatempos, mettidos em mas-
?norras, sem allivio nem consolação alguma,... qu e s e n t i r i ã o ?
Q UE IM A G IN A R IÃ O ? QUE F A R IÃ O ? Q UE D IR IÃ O ? EM Q UE CUI-
D A R ià o ? (Luiz Torres de Lima).

386. As causas que, suscitando a eventualidade, pro­


movem o emprego do subjunctivo, podem reduzir-se atre s:
l.°, ao sentido de um verbo anterior; 2.“, á especialidade
da ligação; ou, 3.“, a uma circumstancia accidental.

( v e r b o a n t e r io r )

387. Os verbos que costumão impôr o subjunctivo ao


facto que lhes anda subordinado, sao os que, por si mesmos
ou pela proposição a que presidem, enuncião : l.°, um acto
de vontade;-—2.®, um sentimento; — 3.“, uma duvida;_
4.“, uma negativa; — 5.°, uma interrogação ou exclamação
directa, sendo q u e , ou um vocábulo implicando q u e , a li­
gação subordinativa.
388. Cabem na 1.®^ classe os seguintes e analogos
verbos: conceder, desejar, exigir, mandar, ordenar, querer, re­
querer, — cumpre que, — comvem que, — é necessário que, —
tejiho vontade que, — dou de barato que...
Ex. De 8. Babylas, martijr, se escreve que, morrendo
preso por amor de Christo, não q u iz qu e lhe t ir a s s e m as
cadeias: man dou q u e o seu corpo f o s s e se p u l t a d o assim
preso com ellas. (P. Man. Bernardes).
Quando jogamos com um amigo, a n o ssa ten çã o é q u e
0 que é seu, s e j a nosso; e a sua, q u e o que é nosso, s e j a
seu. Aqui se quebra a santissima lei da verdadeira amizade.
(P. Ant. Vieira).
N e c e s s á r io é q u e h a ja prêmios para que haja soldados,
e QUE, aos prêmios, se e n t r e pela porta do merecimento. ( P
Ant. Vieira).
I m p o r t a q u e não r o u b e a negociação o que se deve ao
m erecim ento; q u e se d e s e n t e r r e m os talentos escondidos que
sepultou a fo r tu n a ou a sem ra zã o ; q u e não h a ja benemerito
que não seja bem a fo rtu n a d o ; q u e se c ó r te a lin g u a â f a m a ,
se f ô r in ju s ta ; q u e se q u a l if iq u e m papéis, q u e se e x a m in e m
çertidões, que nem todas são verdadeiras. (P. Ant. Vieira).
SEG Ü N BA PARTE - SYN TAXE 307
Assim se tempere o rigor da justiça, que os ministros
MOSTREM compaixão, e não vingança. (P. Ant. Vieira).
Synesio, escrevendo ao imperador Arcadio, o conselho
que lhe dá sobre todos, — exiiortanuo-o que o observe coni
0 primeiro e maior cuidado, — é que não consinta junto a
si aduladores, e se guarde e vigie delles. (P. Ant. Vieira).
389. Cabem na 2.“classe os seguintes e analogos verbos :
desejar, estimar, lastimar, recear, sentir, — admirar-se, — re­
pugna-me ^ que, —felicito-me que, — envergonho-me que, — é
bom, é máo, é triste, é util que...
Ex. (( Irmãos meus, É lastima que andeis mais 'esperdi­
çados pela vossa perdição que pelo vosso Deos. » (Fr. Ant.
das Chagas).
Oh ! já eu me contentára com que os presos da infamia
LEVASSEM comsigo á cova as suas cadeias. Mas não é assim.
(P. Man. Bernardes).
D esejo que venha quem suppra os meus defeitos, emende
as minhas faltas, e tenha partes para vos saber merecer. (Fr.
Luiz de Souza).
E’ BEM QUE SE SAIBA c SE DIVULGUE esta doutriiia tão
mal aceita do mundo : que os pobres também hão de dar con­
forme podem. (P. Man. Bernardes).
No tempo em que o lobo e o cordeiro estavão em trégoas,
DESEJAVA aquelle que se offerecesse occasião de as romper.
(P. Man. Bernardes).
Se acaso Deos vos fez mercê que soubesseis pôr os pés
por uma rua, que soubesseis apertar na mão uma espada,
QUE FOSSEIS discreto, generoso, ou rico, ou honrado, no mesmo
ponto tivestes culpas no tribunal da inveja. (P. Ant. Vieira).
Caso notável é que, repartindo Jacob, na hora da
morte, a benção que tocava ou havia de tocar a cada um de
seus filhos, a do sceptro e coroa de Israel, a desse e collo-

J CASSE 110 quarto. (P. Ant. Vieira).
Era 0 autor deste invento (da polvora), de profissão, re­
ligioso; ao qual, como bem diz Espondano, fôra melhor que,
no tempo em que fazia aquellas experiencias, se estivesse en -
commendando a Deus. (P. Ant. Vieira).

390. Cabem na 3.® classe os seguintes e análogos verbos :


duvidar, — pôde ser que, — está incerto que, — é impossível
que, — é problemático que...
Ex. Tendo um tempo guerra com Philippe da Alacedo-
nia, os Athenienses tomárão acaso umas cartas que elle man­
dava á sua mulher Olympia; e Was tornárão a mandar
N O VA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

cerradas, e sem tocar nellas, podendo por ventura achar


dentro alguns avisos de que se pudessem aproveitar; mas
tinhão em muito mais a guarda do segredo que a mesma vic­
toria. (Diogo cio Couto).
Tullio orou uma vez no senado; e, cuidando todos que
a oração fosse mui comprida, rematou a substancia delia
numa só palavra, dizendo: « Com verdade se ha de orar; ít-'-
com verdade se ha de faliar; e com a mesma verdade se ha
de governar. » (Luiz Torres de Lima).
Perguntou Cesar a um sabio da. G-recia porque não fal-
lava. Respondeu-lhe: « Por não faliar contra ti. w Disse-lhe:
« F alla como quizeres. » (Luiz Torres de Lima).
E’ PROVÁVEL QUE, (a este escrivão), lhe corra bem a
penna em qualquer cousa que se diga a favor deste antecipado
e nunca visto provimento. (P. Ant. Vieira).
391. Cabem na 4.® classe os seguintes c analogos verbos :
negar, impugnar, — não saber que, — ninguém pretende que,
— nada faz acreditar que, — não é certo que, — não é possivel
que, — é impossivel eque...
Ex. Assim fazem os ímpios e maliciosos, a (quem não ha
innocencia que satisfaça, nem [ha'] desculpa que contente.
(P. Man. Bernardes).
E ' a g u e r r a a q u e lla c a la m id a d e c o m p o s ta d e to d a s a s cd -
l a m i d a d e s , e m q u e nÃo ha m a l a l g u m que, o u s e n ã o pa­
deça, o u s e n ã o tema, n e m b e m que seja p r o p r i o e s e g u r o .
(P. Ant. Vieira).
Salomão confessa de si que nenhuma cousa virão seus
olhos, NEM inventarão seus pensamentos, nem apetecerão
seus desejos, que lhes negasse. (P. Ant. Vieira).
N ão É possível que quem aparta as orelhas de ouvir
verdades, applique seu coração a amar virtudes. (P. Ant.
Vieira).
E’ impossível que a inveja deixe de perseguir a quem
os príncipes amão. (P. Ant. Vieira).
N ão digo verdades que amarguem, nem tenho amizades
QUE me profanem; não adquiro fazendas que outros me in­
vejem. (Lobo).
392. Cabem na 5.“ classe as seguintes c analogas
orações.
Ex. Que homem ha que não busque o descanso? E,
houve um homem tão mimoso da fortuna neste mundo, que,
em alguma ou em todas as cousas delle achasse o descanso
que buscava? (P. Ant. Vieira).
S EG U N D A PA RTE - SYN TAXE 309

Que homem ha que, tendo o seu inimigo debaixo da lança,


lhe PERDOE e 0 DEIXE m jpaz‘? (P. Ant. Vieira).
H ouve jamais anachoreta dos que habitavão as covas,
QUE FIZESSE tal penitencia ? (P. Ant. Vieira).
in
Q u e todas as nações da Europa se alistem contra Por­
tugal, AH ! QUE GLORIA! Mas, QUE na guerra de Portugal se
VEJÃo também portuguezes contra portuguezes, oh ! que des­
graça ! por lhe não chamar outro nome. (P. Ant.Vieira).
E, como IRÁ seguro, e livre de infinitos perigos quem se
METTER na carroça da Avareza! (P. Ant. Vieira).
393. Todavia, em relação a estes casos de subjunctive,
é da maior importância não attribuir-lhes um alcance ab­
soluto, e attender a que não basta que a proposição ante­
rior, para avocar o subjunctivo na proposição subordinada,
apresente uma ou outra das cinco condições especificadas:
ainda cumpre que se verifique a circumstancia essencial da
eventualidade. Faltando esta, o facto da proposição subor­
dinada reverte para o indicativo ou o condicional, conformo
as exigências do pensamento. O seguinte exemplo, em
que o mesmo verbo se impõe a duas proposições subordi­
nadas, avocando nellas modos diversos, torna summamcnte
azada a demonstração deste principio:
Oh! pobre homem! DiGAMOS-Z/ie — que tenha paciência,
— QUE este trabalho brevemente acabará . (P. Man. Ber-
n ardes).
Que o subjunctivo tenha , e o indicativo acabará se
•S achão ambos sob a dependencia do imperativo disfarçado
DIGAMOS, é o que comprova com toda a evidencia o methodo
analytico
Eigamos-lhe — que tenha paciência.
Digamos-lhe — que este trabalho brevemente acabará.
Sendo as condições apparcntementc tão iguaes cm um
0 c outro caso, donde póde provir a diversidade dos modos?
A explicação se deduz com a maior lisura das conside­
rações aventadas.
No primeiro caso, o facto digamos envolve o sentido
de um conselho, e portanto implica um acto de vontade,
como o mando. Quanto á eventualidade, ella resulta da in­
certeza sobre se o pobre homem terá ou não terá paciência.
No segundo caso, o facto digamos se apresenta como
simplesmente afiirmativo, sem vislumbre de conselho ou
mando ; porquanto, significando a segunda subordinada que
0 tempo corre rápido, e a morte chega depressa, obvio e gue
310 N OVA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

dcsapparece ahi a circumstancia de eventualidade, e com


ella, a opjDortimidade do subjunctivo.
O mesmo se póde concluir do seguinte excerjDto do
P. Ant. Vieira, sobre o descanso :
Só vos DIGO (declaro, affirmo, afianço) que não está ahi
onde 0 buscais. Pois, onde o acharemos? Onde Christo disse
{aconselhou, quiz, mandou) que o buscassEx Mos, porque só
ahi está, e só ahi o acharemos.
Aliás náo será talvez sem proveito exercitar-se em
mais alguns exemplos sobre o modo de investigação a se­
guir em tal assumpto, para resolver os casos de anomalias
apparentes que adduz o estudo dos clássicos.
N ão IIa duvida que, á vista de semelhantes mercês,
DIRÃO os valorosos que vão errados. (P. Ant. Vieira).
Dous motivos parecem avocar ahi, em dirão, o sub­
junctivo em vez do indicativo: a negativa e a duvida da
proposição anterior. Quando, porém, se reflecte que estas
duas feições se neutralisão pelo seu concurso simultâneo, evi-
dencía-se que « Não ha duvida w equivale a « E ’ certo », e
que, portanto, afastada a circumstancia de eventualidade,
não ha lugar para o subjunctivo. Verifica-se, outrosim,
esta allegação pela simples eliminação de não, a qual, res­
tabelecendo assim a duvida, torna o subjunctivo obrigatorio :
« H a duvida que os valorosos digão... »
Quanto ao facto vÃo, que a sua substituição por andão
demonstra estar no indicativo (pois que no subjunctivo sa-
hiria andem), elle tem, no sentido meramente aífirmativo
de DIRÃO, a razão efficiente do modo em que se apre­
senta.
Igual solução cabe ao seguinte exemplo :
N inguém póde duvidar que assim se vai cumprindo
e tem cumprido em grande parte, no império portuguez do
Oriente, aquelle oráculo universal : « Passa o reino de uma a
outra gente: Eegnum a gente in gentem transfertur. » (P.
Ant. Vieira). — {Todo o mundo póde verificar que...).
N ã o vos lembra que nos pés da estatua estava a des­
união entre o barro e o ferro? (P. Ant. Vieira).
Ahi também são dous os motivos que parecem actuar
theoricamente para que estava passe para o subjunctivo:
a negativa e a interrogação directa cm lembra. Sendo,
porém, real, e não eventual o facto da desunião, não havia
lugar para o emprego do subjunctivo.
Igual solução cabe nos seguintes exemplos;
i
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 311

El rei Antigono, vendo que seu filho se ensoberbecia, lhe


disse: « N ão sabes , filho, que o nosso reino e o reinar não
É outra cousa que uin captiveiro honroso? (P. Ant. Yicira).
« Vois, Senhor, não vedes que tendes doze discípulos
que sustentar, e que os pães não sÃo mais que cinco ? » (P.
Ant. Vieira).
394. Após alguns verbos de sentimento, a lição dos
clássicos apresenta como indiíferentc o emprego do indica­
tivo ou do subjunctivo.
Ex. Eu ESPERO QUE 1IOS HA DE VIR a saudc por mãos
de nossos inimigos, e que ha de obrar a necessidade o que
não acaba de fazer a razão. (P. Ant. Vieira).
E spero que V. Ex. me tenha sempre na sua graça, e
me conserve no foro que por ella alcancei, de criado de V.
Ex., a quem Deos Guarde muitos annos. (P. Ant. Vieira).

II

( ligação)

395. Como se póde deprehender de tudo quanto ficou


expendido e demonstrado em relação ás ligações subordi-
nativas, a conjuneção que não avoca de per si mesma ne­
nhum modo; porquanto encontra-se actuando tanto em um
indicativo como em um condicional ou um subjunctivo.
Ella indica, sim, sempre uma proposição subordinada, isto
é, uma proposição enunciando um pensamento dispensável
ou indispensável para a intelligencia de outra proposição
que lhe é sempre logicamente anterior; porém deve-se pro­
curar fóra da mesma conjuneção o motivo que determina,
na proposição por ella encetada, o modo do facto da mesma
proposição. O mesmo se dá com mais algumas conjuneções
ou locuções conjunctivas de igual natureza. Mas muitas,
pelo contrario, avocão de per si mesmas um modo deter­
minado, seja aliás qual fôr o verbo anterior a que se
prendem; e, nesse numero, as que mais interessa saber,
são as que pedem o subjunctivo.
396. Sendo se, depois de que , a conjuneção subordi-
nativa que mais a miudo oceorre no discurso, torna-se ahi
necessário, para devidamente aquilatar-lhe a influencia, con­
siderá-la novamente sob os dous aspectos que a fazem, já
expressão condicional, já expressão dubitativa. (V. o §
275).
312 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

397. Como expressão dubitativa, ella avoca, já o in­


dicativo, já o condicional.
Ex. PÓDE-se jpôr em 'problema na política de PoHugal
SE É melhor que os reis fação mercês, ou que as não fação.
(P. Ant. Vieira). ^
P, se isto succedia no reinado e governo de Salomão, vede
SE se PÓ DE esperar ou temer outro tanto quando não forem
Salomões os que tenhão o governo! (P. Ant. Vieira).
^ ^ Perguntei áquelles homens se não temião os ladrões:
rirão-se. (D. Fr. Caetano Brandão).
E, na verdade, não sei eu se haverá , em todo o desco­
berto, paragem mais accommodada para o commercio e habi­
tação humana, que esta da Bahia e seus arredores. (P. Simão
de Vasconcellos).
Gastou Cl potência romana, na pertinácia desta conquista,
duzentos e trinta e cinco annos: vede se cá serão necessários
tantos! (P. Ant. Vieira).
Estou considerando que leite mamaria uma destas causas
ów requerimentos na mão dos ministros e seus officiaes, cque
não ha remedio a fazê-la correr; se beberia o leite da pre­
guiça do Brazil, que gasta dous dias em subir a uma arvore,
e outros dous em descer! (P. Man. Bernardes). — (... estou
considerando se beberia o leite...).
Todavia encontra-se também, mas mui excepcional­
mente, com o subjunctive.
Ex. « Compadre,^ disse o cégo, eu tenho enterrado em
certo lugar uinia quantia de dinheiro; deixei outra commigo
pelo que podia succeder. Agora, como emfim sou cégo, temo
que m a furtem. JSão sei se farei melhor em a pôr onde a
outra está, ou se a d e ix e em minha casa. » (P. M. Ber­
nardes).
398. O se condicional, pelo contrario, só avoca o in­
dicativo ou o subjunctive na proposição subordinada.
Exemplo:
(Indic.) — S e 0 amor É verdadeiro, tem obrigação de
ser eterno; porque, se em algum tempo deixou de ser, nunca
foi amor. (P. Ant. Vieira). — (Tem o amor obrigação de ser
eterno, — se É verdadeiro; porque nunca foi amor, — se em
algum tempo deixou de ser).
(Subj.) — S e houvesse dous homens de consciência, não
haveria inconvenientes em estar o governo dividido. (P. Ant.
— {Não haveria inconvenientes em estar o governo
dividido^ — SE houvesse dous homens de consciência).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 313

399. O SE condicional pede o indicativo quando o facto


da proposição an terio r está no indicativo ou no im perativo,
quer este seja ostensivel, quer disfarçado.
Ex. S e o homem timido não tem coração, o teimoso não
TEJi cabeça. (P. Ant. Vieira),
S e tendes posto muito perto ao rei, tudo se vos sujeita ,
tudo vos VEM á mão. S e tendes posto muito longe do rei,
tudo vos SUJEITAIS, e em tudo metteis a mão. (P. Ant.
Vieira).
Se a fortuna me concedeu a abundancia, porque me
FAREI pobre com a ostentação ? E, se me coube em sorte a
pobreza, porque me não fará rico o contentar-me com ella ?
(P. Ant. Vieira).
S e queres ser pobre sem o sentir, mette obreiros, e
DEITA-TE a dormir. (P. Man. Bernardes).
S e CULPAIS a v id a a lh e ia , seja só com vosso e xem p lo , e
n ã o com vosso e n te n d im e n to . (P. Ant. Vieira).
Outros comparão os aduladores ao espelho, retrato natural
e reciproco de quem nelle se vê: porque, se lhes pondes os
olhos, OLHA para vós ; se rides , ri ; se chorais, chora : la-
grimas, porém, sem dôr, e riso sem alegria. (P. Ant. Vieira).
Importa, todavia, notar que, como bom se deprohende
dos exemplos citados, o indicativo só é admissível em se­
guida ao SE condicional para enunciar o presente ou um
passado. Logo, porém, que tem de enunciar um futuro, o
facto passa necessariamente para o subjunctivo.
Ex. Eu, ha muitos dias, ia dispondo o animo para esta
desgraça, procurando repará-la, se possivel fosse, com todas
as forças humanas e divinas. (P. Ant. Vieira).
O turco PROMETTEU grandcs mercês a Martim de Vargas,
SE OUTORGASSE ccrta cousa que lhe pediria. (P. Man. Ber­
nardes).
S e não houver mais que um homem de consciência, venha
um... E, SE não houver nenhum, não venha nenhum. (P.
Ant. Vieira).
Se 0 principe perm ittir ser lisonjeado em sua presença,
suppoNiiA-SE praguejado na ausência. — No que toca a todos,
consulte os mais: se ?ião acertar , errará acreditado. (P.
Ant. Vieira).
S e quizermos particularmente considerar as cousas, qual
HAVERÁ que sem letras divinas ou humanas se possa fazer ?
(João de Barros).
Carlos Magno trazia o sinete das suas armas aberto no
314 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

'pomo da sua espada. perguntado que mysterio ou cifra


continha o estar alli, respondeu: « E ' dizer que, para se ob­
servarem minhas ordens e decretos, se não bastar a autori­
dade do sinete. usarei da violência da espada. (P. Man. Bcr-
n ardes).
400. O SE condicional pede excliisivam ente o subjunc­
tiv e quando o facto da proposição an terio r está no condicional;
e os únicos tem pos do subjunctivo então avocados são
q u a tro : o 2.® ou o 3.“ (pres.—
pass.—
fut. proprio ou pres.—
pass.—
fut. supplementär), e o 5.® ou o 6.® (pret. m. q. perf. proprio
ou pret. m. q. perf. supplementär), conform e as exigências
do pensam ento.
Ex. Se este Estado, sem ter minas, foi já tão reques-
tado, e perseguido de armas e invasões estrangeiras, que seria ,
SE TIVESSE esses thesouros ? (P. Ant. Yieira).
Aos Ahderitas respondeu Hippocrates que, se a enfermi­
dade FOSSE outra, eile iria logo curar a Eemocrito; porém,
que retirar-se das gentes, e ir viver nos desertos, o que elles
reputavão por doudice, ?nais era para invejar que para curar.
(P. Ant. Vieira). — (... respondeu que miA logo curar a Eemo­
crito, SE a enfermidade fosse outra...).
S e víssemos que um mercante de Lisboa, embarcando-se
a commercial' nas nossas conquistas, para Angola carregasse
de marfim, para a índia de canella, e para o Brazil de as-
sucar, não o teriamos por louco? (P. Ant. Yieira). — {Não
TERIAMOS por louco um mercante de Lisboa, se víssemos que,
embarcando-se...).
S e um bemaventurado olhasse para a terra no m.esmo
tempo que qualquer monarcha se vangloriava com semelhante
opulência, r ir -se-hia de o ver desvanecido com cousas tão pe­
quenas e despreziveis. (P. Man. Consciência). — (R ir -se -hia
um bemaventurado de ver qualquer monarcha desvanecido
com cousas tão pequenas e despreziveis, se olhasse para a
terra...).
Até Seneca chegou a dizer que, se ohomem vagasse
com 0 animo por entre as estreitas, lhe serião materia de riso
as mais vistosas e preciosas fabricas, e quanto ouro ha em
todo 0 mundo. (P. Man. Consciência).
S e os bons amigos não valerão {valessem) tanto, não
DISSERA {diria, teria dito) o Espirito Santo que o achar al­
gum é 0 mesmo que achar um thesouro. (P. Man. Bcr-
nardes).
S e os Apostolos fôrão {fossem, tivessem sido, tiverão sido)
de animo avarento e acanhado, e quizérão {quizessem, tives-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

sem querido, tiverão querido') comer os seus cinco pães, saiiíra


(sahiria, teria sahido, tivera sahido) menos de meio pão a
cada um. (P. Ant. Vieira).
S e no outro mundo não houvera (houvesse) inferno, e
neste mundo não houvera (houvesse) justiça, era (seria, fôra)
muito bom. (P. Ant. Vieira).
« Pois, Senhor, não vedes que tendes doze discipxãos que
sustentar, e que os pães não são mais cque cincof S e tivés ­
seis muito p)ão, então estavão (estarião, estiverão) bem essas
liberalidades; mas sendo tão pouco...! » (P. Ant. Vieira).
O bservação . Vindo a conjimcção quando a snpprir o
SE condicional, as relações dos modos íicão as que jiedo
esta ultima conjimcção.
Ex. Q uando, nos banquetes, não houvera mais excessos
que 0 beber, provocando-se uns aos outros, já não havia pou­
cos vidos. (P. Man. Bernardes.) — (S e , nos bajiquetes, não
houvera ( houvesse ) mais excessos que o beber,... já não ha ­
vería poucos vidos).
Um agoureiro consultou a Catão que successo ou prodígio
significaria haver achado os seus calções roídos das doninhas.
Respondeu o philosopho: Até hi (ahi) não tem muito que ade-
vinhar; quando as doninhas fôrem roídas dos calções, então
me CONSULTAREIS. (P. Man. Bcrnardes). — S e as doninhas
FÔREM ROIDAS...).
401. Dentre as locuções conjunctivas que de per si
mesmas avocão constantemente o subjunctivo, as que mais
a miudo occorrem, são as seguintes:
aflm que... com que... primeiro que...
a não ser que. comtanto que. qualquer que...
antes que... longe que... que muito que.
caso que... para que... sem que...
como se... por [...] que.. supposto que...

Exemplos:
Honrai a vosso pai e a vossa mãi, afim que v iv a is
largo tempo na terra que o Senhor vosso Deos vos dará.
(Decalogo).
O loxivor, A NÃO SER QUE PREMEIE O merecimento, é ba­
julação.
E, para que soubéssemos que a Deos só deviamos este tão
geral beneficio dos fructos da terra, os creou ao terceiro dia,
que foi ANTES QUE CREAssE O sol, a lua e os outros planetas.
316 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

com cuja virtude e influencia nascem e se crião as plantas.


(Fr. Luiz de Granada).
Caso que se nos desse tudo quanto appetecemos, ainda
assim não seriamos felizes, porque sabemos que tudo passa, e
nós também.
Passa-se a nossa gloria como se nunca fôra (fosse, ti­
vesse sido, tivera sido). — (P. Ant. Yieira).
Contento-me com que V. S. tenha conhecido que, entre
todos os criados da casa de Y. S., nenhum tanto tem festejado
e estimado este triumpho delia. (P. Ant. Yieira).
O bservação . Cumpre attender que, para a verificação
desta regra, não se deve confundir a locução conjunctiva
COM QUE com os casos em que a mesma locução, formando
um comj)lemento indirecto, não avoca de per si nenhum
modo espccialmcnte.
E x. Pelos avisos que vão a S. M. entenderá V. A. com
QUE CORAÇÃO escrevo esta, e muito mais com que raiva e
com que impaciência . (P. Ant. Yieira). — Ahi faz que , como
mero adjectivo indefinite, a funeção de apposição junto aos
complementos indirectos coração, raiva e impaciência.
Ojfereçamos por sua alma o mesmo sentimento que nos
causa a sua ausência; pois é o 7iiais custoso suffragio com
que nos podemos mostrar lembrados e bons amigos. (P. Ant.
Yieira). — Ahi constitue que, como pronome relativo (C03 i
0 QUAL), um mero complemento indirecto.
Perguntado o discreto Thomaz Aíoro, cancellario de In­
glaterra, com que se parecia um avarento, respondeu : « Com
^(inça, mais lenha pede. »
( i . Man. Bernardes). — Ahi constitue igualmente que, como
pronome indefinite ( com que cousa), um mero complemento
indirecto.
Importará pouco que no afhecto se dividão as vontades,
co M T A N T o QUE, no ejfeito, S. M. e V. A. as achem obedientes
e unidas. (P. Ant. Yieira).
A adversidade, longe que seja um mal para as almas
fortes, serve-lhes de tempera.
Deos Senhor Nosso também pôz em venda o céo, para
que 0^ comprássemos com as nossas boas obras. (P. Man
üonsciencia).
O b ^ rvação. a locução conjunctiva para que sem pre
convertivel em afim que , não se deve confundir com a
musma locução constituindo com plem entos indirectos, visto
nao av o car esta nenhum modo de p er si m esm a (Y. S 282
ç os exem plos). ^ ^ ’
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 317

As roupas, por preciosas que sejão, come-as a polilha,


que nasce das mesmas roupas. (P. Ant. Vieira).
P or mais que confeiteis um não, sempre amarga; por
mais QUE 0 enfeiteis , sempre é feio; por mais que o dou­
reis , sempre é de ferro. (P. Ant. Vieira).
O bservação. Os clássicos em geral, e o P. Ant. Vieira
em particular costumão geralmente passar para o subjunc-
tivo o facto da proposição subordinada a esta locução con­
junctiva; todavia, por uma excepção cujo motivo não é bem
apreciável, o mesmo P. Ant. Vieira disse: « Senhora, tem
V. M. a seus pés a Antonio Vieira neste papel, porque é tal
a sua fortuna, que o não pôde fazer em pessoa, por mais que
0 DESEJOU e PROCUROU. »
A guerra tem muitos inconvenientes que delia podem nascer,
que devem todos ser olhados primeiro que nada se commetta.
(João de Barros).
Pelo propheta Isaias fallava J)eos com os justos, e, ani­
mando-os, dizia: « Levantai os olhos ao céo, olhai para a
terra, e entendei que, primeiro os céos se desfarão como fumo,
e a terra se gastará como vestido, e os que morão nella fene­
cerão, QUE DEIXE de permanecer a minha saude, e tenha fim
a minha justiça. » (I). Fr. Amador Arraes).
Em QUALQUER palmo de terra que consideres attenta-
mente, verás muitas e differentes naturezas, cada qual dotada
de sua bondade. (P. Man. Bernardes).
Que muito. Senhor, que vos não comprehendamos, se
nem comprehendemos um mosquito! (P. Man. Bernardes).
Era accusado o benemerito nas suas boas obras, sem que
á innocencia se lhe desse defeza, nem ( e sem que) ao mereci­
mento lhe VALESSEM embargos, porque era juiz a Inveja. (P.
Ant. Vieira).
E, SUPPOSTO QUE SEJÃO OS aduUdores os maiores inimigos
dos reis (como se provará largamente), onde vivem ou estão
encastellados estes inimigos? (P. Ant. Vieira).
402. As tres ligações synonymas embora, posto que
c AINDA QUE sóem apparecer hoje exclusivamentc^ seguidas
do subjunctivo; os clássicos, porém, as empregarão tão fre­
quentemente com 0 indicativo como com o subjunctivm.
Ex. Assm 0 entendeu Saul, posto que obrava o con­
trario. (P. Ant. Vieira).
P osto que os avarentos, por não gastar costumem uwdíir
a pé, a Avareza anda sempre de carroça. (P. Ant. Vieira).
E, porque o dito regimento que assim escreví, tinha ne-
w
318 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

cBSSidade de alguma, mais declavação para se poder praticar.,


0 não communiguei a todos, posto que meu desejo sempre
FOSSE e É tirar-se de minhas letras algum fructo para esta arte
de navegar. (Pedro Nunes).
A inda que não chego a padecer com alegria, soffro com
paciência. (P. Ant. Yieira).
Tudo, AINDA QUE a alma se não via , era a alma. (P.
Ant. Yieira). ^
A inda que enterrem a verdade, a virtude não se se­
pulta. (P. Ant. Yieira).
A inda que muitas mãos fazem muito, uma cabeça que
as meneia todas, é a gue acaba tudo. (Pr. Luiz de Souza).
Reprehender obras alheias é cousa facil; fazê-las, sempre
custa mais, ainda que ellas em si pareção menos. (Franc.
Kodrigues Lobo).

III

(CIRCUMSTANCIA ACCIDENTAL)
40.1. Quando o subjunctivo não fica avocado, nem por
um verbo da proposição anterior, nem pela ligação, póde-
se dar o caso que um facto o reclame, quer por implicar
de per si mesmo a eventualidade, quer por se achar occul-
tamente subordinado a um verbo que requer este modo
quer emfim por uma mera inversão de proposições. ’
Não é homem guem agui não pasma, ou não diga'.
<(iVão;9os5o/« (P. Ant. Yieira). — Este exemiDlo offerece a
curiosa associação de dons factos dissidentes em modo, em­
bora subordinados^ a uma mesma proposição anterior! E ’
que 0 facto enunciado pelo indicativo pasma é certo, porque
ninguém se jióde subtrahir a uma emoção imjirevista j ao
passo que o facto enunciado pelo subjunctivo diga é even­
tual, visto como 0 acto de fallar, mesmo sob o impulso de
uma emoção viva, não escapa ao império da vontade e
portanto só póde ser conjecturado. ’
Pois isto por gue todos trabalhão, hei de ensinar hoje o
modo com gue se^ vobsa alcançar sem trabalho. (P. Ant.
Yieira). A explicação é que ha muita probabilidade que
se alcance; todavia não ha certeza completa.
Pois, gue remedio para accrescentar a fazenda, util, dis­
creta e seguramentef O remedio é muito facil: dar da gue
tiverdes, por amor de Peos. (P. Ant. Yieira). — Não se
podia dizer em absoluto; da gue tendes, porque, infeliz.

i
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 319

mente, não é tão raro o caso em que tal conselho pudesse


ser dirigido a quem nenhuma fazenda tivesse que com-
partir.
Quem hem entendesse toda essa ladainha de encomios e
louvores, hem podia dizer por David: « Orate pro eo! » (P.
Ant. Vieira). — Haverá certeza de que, na occasião, hou­
vesse quem isto hem entendesse? Não ha. Portanto, even­
tualidade.
O que, não sò era inútil, mas pernicioso, a natureza pô-lo
muito longe de nós, occulto e escondido, onde o não víssemos.
(P. Ant. Vieira). — Isto é : onde fosse provável que não
chegássemos a vê-lo. Portanto, eventualidade.
Os famosos tyrannos Phalaris Agrigentino, Dionysio Sy-
racusano, Jugurtha Numidiano e outros muitos desta sorte,
que sustentárão seus reinos, não foi com virtudes que tivessem,
mas foi com liberalidades que em suas tyrannias usavão com
seus naturaes. (Hiogo do Couto). — E’ duvidoso, incerto que
TIVESSEM virtudes: portanto o subjunctivo por eventualidade.
Mas é certo que usavão de liberalidades: portanto o indi­
cativo.
E, que arvores são aquellas que vão voando pelas ondas
com azas de panno ? São navios que vão buscar muito longe
cousas que piquem a lingua para comer mais, cousas que
AFAGUEM a pelle, cousas que alegrem o solhos; isto é : espe-
cies, sedas, ouro. (P. Man. Bern ardes). — Quer isso dizer :
cousas que, por ventura, tonhão aquellas propriedades.
E, que vivÃo e obrem com esta inhumanidade homens
que se confessão, quando procedião com tanta razão homens
sem fé nem sacramentos! (P. Ant. Vieira). — Aqui só falta,
para justificar o emprego do subjunctivo, o restabeleci­
mento de um verbo de sentimento, omisso por desnecessário
para a intelligencia do trecho; A dmira que vivão e obrem
com esta inhumanidade...
Que 0 temor seja adversário da memória,... é cousa que
muitas vezes tem mostrado a experiencia. (P. Man. Bernardes).
— Para se convencer de que a inversão das proposições
motivou ahi o emprego do subjunctivo, basta repô-las na
ordem lógica, o attender a que desapparece então a oppor-
tunidade do mesmo modo: E' cousa que muitas vezes tem
mostrado a experiencia, que o temor É adversário da me­
mória.
« A vinda de vòs outros, verdadeiros christãos, é ante mim
agora tão agradavel,... como o fresco jardim deseja o borrifo
da noite. V enhais embora! venhais embora ! e seja em tão
boa hora a vossa entrada nesta minha casa, como a da rainha
320 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Helena na terra santa de Jerusalem! » (Fernão Mendes


Pinto). — A significação concessiva do adverbio embora (V.
§ 279) faz prevalecer o subjimctivo sobre o imperativo,
como para afastar mais terminantemente a idéa de coacção
inseparável deste ultimo modo. Seria, portanto, errado
dizer: « V inde embora! «
O xalá se pudera desterrar de todo o mundo o ouro des­
coberto para destruição da vida, e se trocarãoo s tempos e o
uso presente por aquella idade de ouro ! (P. Ant. Vieira). —
Interpreta-se: <c Quizesse D eos que se pudesse desterrar de
todo 0 mundo o ouro descoberto para a destruição da vida, e
se trocassem o s tempos... »
O bser,vação. Atpii cabe advertir que, por servil e de-
sazada imitação de um caso da syntaxe franceza, introdu­
ziu-se na dicção dos escriptores modernos o habito de
transferir para o subjunctivo os factos de uma proposição
subordinada, quando, sendo ligada por um pronome re­
lativo, encontra na jiroposição anterior um superlativo
também relativo. Os clássicos portuguezes são unanimes
para em tal caso adojitar invariavelmente o indicativo.
Não se di^ga, portanto, com um periodico : Aquillo excede
em confusão ao íiais extravagante pesadelo que um mortal
POSSA ter soffrido ; — c sim: póde ter soffrido.
Outrosim cis-ahi a lição dos clássicos:
Não sabemos que a nossa união é a maior guerra que
lhe podemos/a^er^ (P. Ant. Vieira).— (Não: possamos...).
A necessidade, a pobreza, a fome, a falta do necessário
para o sustento da vida é o mais forte, o mais poderoso, o
MAIS absoluto império que despoticamente domina sobre todos
os que vivem. (P. Ant. Vieira). — Não: domine...).
A maior^pensão com que Leos creou homem, é o comer.
o

(P. Ant. Vieira). — Não: tenha creado...).


A maior ostentação de grandeza e majestade que se viu
neste mundo, e uma das très que S. Agostinho desejara vêr,
foi a pompa e magnificência dos triumphos romanos. (P. Ant.
Vieira). — (Não: se tenha visto...).
A famosissima cidade de Pekim, no império da China, é
A MAIOR QUE se SABE haver no mundo. (P. Man. Consciência).
— (Não: se saiba ...).

Dos tempos do subjunctivo


404. 0 1.° tempo do subjunctivo (près.-fut.) justifica
do modo por que sabe rubricado, pela idoneidade com que
SC presta a enunciar tanto o presente como o futuro.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 321

Ex. Não digo que o seu pai esteja agora aqui, nem
tão pouco que aqui esteja am aniiãa .
Deos^ diz; « Ama teu inimigo por amor de mim, ainda
qi^ U não mereça que o ames por quem é, epelo que te fez. »
(i). Pr. Eartholomeo dos Martyres).
Que alegria será a dos que agora padecem, quando ouçÃo
dizer: « Céo! céo! » (P. Ant. Vieira).
405. O 2.“ tempo do subjunctivo (pres.-pass.-fut.-pro-
pi io^ justifica igualmeiite do modo por que sabe rubricado j
porquanto, sendo sempre discriminavel, por suas formas
peculiares, de todos os outros tempos conjugativos, presta-
se outrosim a enunciar com a maior propriedade as tres
épocas da duração.
Ex. Eu desejára que o seu pai acqui estivesse agora,
— acqui ESTIVESSE HONTEM, — aqui ESTIVESSE AMANiiÃA, para
com elle tratar deste assumpto.
Oh! se todos os que fazem semelhantes provimentos, f i ­
zessem este exame, e se ao menos o fizessem os que os pre­
tendem, e são providos? (P. Ant. Vieira).
Nem a Rohoão aproveitou ter pior pai a Salomão, nem a
Nero ter por niestre a Seneca, nem a Cesar ter-se esmerado
nelle a natureza em o dotar de uns espiritos tão generosos e
verdadeiramente reaes, para que a adulação de seus familiares,
a um não corrompessem as virtudes, a outro não despojassem
do reino, a outro não tirassem a vida, e a todos não des ­
truíssem tão infausta e miseravelmente como todos sabem. (P.
Ant. Vieira).
Supponde cque alguém dava ás formigas o entendimento do
homem, cuidais que não havião de dividir um campo em pro­
vindas varias ? e, se fizessem as suas covas em terra contigua
a minas de ouro ou prata, que não havião ter os estreitos bu­
racos pelos palacios mais ricos e sumptuosos? (P. Man. Con­
sciência).
406. E ’ circumstancia notável que, por entrar fre­
quentemente em correlação com o condicional, e contrabir
assim com elle uma especie de afifinidade, o 2.° tempo do
subjunctivo venba ás vezes a ser siipprido por um tempo
daquelle modo. Ex. E, que vos parece — que faria o Cesar
neste caso ? (P. Ant. Vieira). — Pois, acbando-se abi a se­
gunda proposição subordinada a uma interrogação directa,
era este o caso em que o seu facto passasse jiara o sub­
junctivo {E, que vos parece — cpue fizesse o Cesar neste
caso?). E, com eífeito, a julgar por outras exemplificações
322 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

tiradas do mesmo autor, o segundo theor seria tão cor­


recto como o primeiro : E, quaes havião de ser os que, vendo-
se enterrar vivos naquellas furnas, não fugissem jpara onde
nunca mais apparecessem? (P. Ant. Vieira). — (... não fu -
GIRIÃO...).
Esta observação, apparentemente insignificante, abre
caminho a uma serie de considerações que, para o pbilo-
logo, são de grande interesse, e, para o grammatico, uma
justificação do methodo experimental. Pois, ao mesmo
tempo que fornecem uma nova demonstração da maravi­
lhosa flexibilidade do idioma portuguez, ellas vingão as
linguas em geral da pecha que lhes é tão frequente quão
injustamente imputada de serem illogicas.
As alludidas considerações versão sobre varias relações
que se encontrão no ultimo exemplo do § anterior: Sup-
p>onde que alguém dava ás formigas o entendimento do ho­
mem...
Se fôr adm ittido, como parece que não póde d eix ar de
sê-lo, que um tem po do condicional v enha po r vezes a
Bupprir o 2.“ tem po do subjunctivo (... que faria , — que
FIZESSE 0 César...')] c se foi igualm ente adm ittido, á vista
dos exem plos com probatorios, que o 2.® tem po do indica­
tivo póde su p p rir ao condicional (Y. § 377), este mesmo
2.® tem po do indicativo deve te r a p ro p ried ad e de se sub­
s titu ir tam bém ao 2.® do subjunctivo: pelo m enos ta l con­
clusão está den tro dos lim ites das prem issas.
Ora o que se nota no exemplo trazido para a disser­
tação, é que a proposição directamente interrogativa :
... CUIDAIS — devera, por isso mesmo que é interrogativa,
chamar para o subjunctivo o facto da proposição que lhe
anda subordinada. Porém este mesmo facto está no 2.®
tempo do indicativo (... que não iiavião de d iv id ir um
campo...). Mas, porque? Porque, representando a um con­
dicional (... cuidais que não haverião de d iv id ir um
campo...), este mesmo condicional vem a ser um mero sup-
plente do 2.® tempo do subjunctivo (... cuidais que não
HOUVESSEM DE DIVIDIR um campo...), sendo assim este ul­
timo theor o normal, porém representado, por siibdelegação,
por um 2.® tempo do indicativo.
A esta mesma conclusão conduz o exame do seguinte
exemplo:
Quantos ministros reaes, quantos officiaes de justiça, de
fazenda, de guerra vos parece que iiavião de ser mandados
cá para a extracção, segurança e remessa deste ouro e prata f
(P. Ant. Vieira). — (... que havião de ser , que haverião
de ser , que houvessem de ser ...).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 323

Sc, sendo aceitíis todns estas deducções, se retroceder


])ara as duas j^rinieiras proposiçoes do anterior excerpto :
Supponde guc cdgueïn dctvã ás fomiigas o entendiinento do
hoineni^... encontra-se, sob um ponto de vista diverso, uma
nova applicação da mesma substituição.
Ahi é o imperativo supponde um mero substitutivo do
7.“ tempo do subjunctivo : Se suppuzerdes (V. § 383). A
allegação é tanto mais frisante, que o outro facto da oração
que directamente lhe corresponde, sabe precedido da mesma
conjuneção s e : e, se fizessem as suas covas em terra con­
tígua a minas de ouro e prata, [cuidais] que não iiavião
TER {não HAVERiÃo TER, — não HOUVESSEM ter ) OS cstrcitos
buracos...
Ora a proposição: S e suppuzerdes , tanto por signifi­
cação propria, como pelo modo e tem])o em que se r?cba,
é daquellas que, por exprimirem duvida, mais qualificada-
mente avocão o subjunctivo. Portanto ó ahi dava um
mero supplcnte de désse . E, effectivamente, as duas pro­
posições restauradas sobre esta base, correm regularmente,
sem alteração alguma dos pensamentos : S e suppuzerdes
QUE alguém désse ás formigas o entendimento do homem, cui­ I' M

dais que...?
Verifica-se outrosim directamente, no seguinte exemplo,
a substituição do 2.“ tempo do subjunctivo pelo 2.° do in­
dicativo: « De todos estes miseráveis, poucos escapavão para
outro jogo, se o povo não pedia que os manumittissem. (P.
Man. Bernardes). —■(... se o povo não ped isse ...).
Por uma correlação toda natural, ou, se se quizer, por
justa compensação, o mesmo 2.“ tempo do subjunctivo sub­
stitue também por vezes ao condicional, sem que dahi re­
sulte, quer ampliibologia, quer obscuridade, tal é o donaire
com que se sabe haver a lingua portugueza em todos os
seus meneios.
No palacio de el rei Dario, emquanto elle dormia, très
guardas-mòres da pessoa real excitárão entre si aquella famosa
questão que refere Esdras : Qual fosse a mais poderosa cousa
do mundo. — {Qual seria ...). Despertou o rei, e, lendo a
questão que os mesmos autores delia lhe tinhão 2^^sto escripta
debaixo dos travesseiros, prometteu grandes prêmios a quem
melhor a resolvesse . — (... a quem melhor a resolveria ).
(P. Ant. Vieira).
407. O 3.° tempo do subjunctivo {pres.-pass.-fut.-sup-
plementa?') não tem outro alcance que não seja o de supprir,
por amor da euphonia ou da variedade, o tempo anterior.
Ex. Quem haverá que se não admire de uma tal voltei^
324 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

da fortuna em dous sujeitos tão notáveis: um tão valente,


outro tão altivo! E' possivel que nisto pararão as façanhas
e victorias de Sansão ? E ’ possivel que nisto pararão as
riquezas e bizarrias do Prodigo? Nisto parárão; ou, para
melhor dizer, não parárão só nisto. (P. Ant. Vieira).
A unica difficiildade que apresenta este tempo, é rela­
tiva á sua discriminação em analyse, por se desenvolver
constantemente com as mesmas fôrmas do 5.° tempo do
indicativo, e do 3.“ do condicional, sendo que, além disso,
a sua terceira pessoa do plural ó também sempre idêntica
com a mesma pessoa do 3.“ tempo do indicativo. Porém o
processo da substituição (V. § 96 e 97), já tantas vezes
empregado nesta obra como meio rápido de solução nas
mesmas ou analogas circumstancias, é guia suíRciente para
remover qualquer duvida. Basta, com eífeito, soccorrcr-se
a ellc, para ver de prompto que os dous primeiros parárão
do exemplo citado pertencem ao 3.° tempo do subjunctivo,
e os dous últimos, ao 3.” do indicativo.
E' possivel que nisto parassem as façanhas e victorias de
Sansão? E ’ possivel que nisto parassem as riquezas e bizar­
rias do Prodigo ? Nisto parou \tudo']; ou, para melhor dizer,
\tudo'] não PAROU sò nisto.
Outros exemplos:
Não nos ENGANARA 0 demonio com o mundo, se nós v i ­
ramos e CONHECÊRAMOS bem o que é a alma. (P. Ant. Vieira).
— {Não nos ENGANARIA... Se víssemos e CONHECESSEMOS
bem...').
Mas, se a sua musa a d ev iniiãra que do mesmo inferno
havia de sahir a polvora, de nenhum modo déra ao raio o
nome de inimitável. (P. Ant. Vieira). — {Mas, se a sua musa
ADEViNiiAssE... de nenhum modo da ria ...).
Se, no monte de piedade de Roma, ou no banco de Ve­
neza, se DÉRA a cento por um, houvera quem alli não met-
TÊRA 0 seu dinheiro? (P. Ant. Vieira). — {Se... se desse ...
HAVERIA quem alli não mettesse ...).
Se em todas as mesas se bebera por esta taça, não se
COMERA em tantas o pão alheio. E, se no Brazil déramos
em desenterrar caveiras, em quantas não pudêramos escrever
a mesma letra I Cuja é esta caveira ? E' de fulano: viveu
rico, e morreu pobre; testou de muitos mil cruzados, e seus fi­
lhos pedem esmolas. Pois, que foi isto ? Que ar máó deu
por esta fazenda ? Misturou a sua fazenda com a alheia;
perdeu a alheia, e mais a sua. (P. Ant. Vieira).— {Se... se
BEBESSE... não se COMERIA... Se DESSEMOS... eiii quantas po-
PERIAMOS...).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

El rei D. João I I I de Portugal estava tão affeiçoado ao


Estado do Brazil^ especialmente â Bahia de Todos os Santos,
que, se v i v e r a 7nais alguns annos, e d if ic a r a nelle um dos
mais notáveis 7'einos do mundo, e en g ran d ecera a cidade do
Salvador de feição que se p u d e r a co7itar C7it7'e as 7nais no­
táveis de seus reÍ7ios. (Gabriel Soares de Souza).— (... se
VIVESSE... EDIFICARIA... C ENGRANDECERIA... d e fc iç ã O qUC S6

TERIA PODIDO contar...).


Varia7nente p in t a r ã o os a7itigos ao que elles chamarão
Fortuna. Dos que a fizerã o de ouro, dire7nos depois. O
que agora sóme7ite 7ne parece dizer, é que os que a f in g ír Ão
de vidro pela fragilidade, f in g ir ã o e encarecerão pouco-
(P. Ant. Vieira). — (Va7'iame7ite têm p in t a d o ... têm cha ­
m ad o ... Dos que a têm f e i t o ... Os que a têm f in g id o ...
T Ê M f in g id o e ENCARECIDO qwuco. — PoT trausposição para
o singular. — Va7'iame7ite p in t o u [ o 7iiu7ido a7itigo'\ ao que
[elle'] chamou Fortuna. [Daquelle'] que a fez de ouro, dire-
7 7 1 0 S depois... [^AquelW] que a f in g iu de vidro pela f7'agilidade,

FINGIU e encareceu pouco.


'^ 1
A d v e 7 't i n d o D e 7 7 io s th e n e s q u e o a u d i t o r i o e s t a v a p o u c o a t -
t e n t o , i n t r o d u z i u co77i d e s t r e z a o c o n t o o u f a b u l a d e u m c a m i ­
n h a n t e q u e ALQUILARA u v i j u 7 i ie n to , e, p a r a s e d e f e n d e r 7io
d e s c a 7 7 ip a d o d a f o r ç a d a c a l m a , s e a sse n ta r a á s o m b r a d e l l e ;
e 0 a b n o c r e v e o d em a n d a ra p o r 7 u a io r p> aga, a l l e g a n d o q u e
l h e ALUGARA a b e s t a , 77ias n ã o a s o m b r a d e l i a . (P. Man. Ber­
nardos). — (... U771 c a 7 7 iin h a n te t in h a a lq u ila d o ... e s e t in h a
a ss e n t a d o ... e o a l m o c r e v e o t in h a d em a n d a d o ... a l le g a 7 id o
cpue l h e t i n h a alugado a b e s t a . . . ) .
O 3.° tempo do subjimctivo, quando em correlação com
o condicional, costuma avocar mais habitualmente o 3.®
tempo deste mesmo modo, ou vice-versa.
Ex. Disserão a Diogenes: « Se tu adularas a Dio7iysio,
tu não coMÊRAS hervas. » — E, se tu te contentaras co7ii
hervas, 7ião adularas a Diomjsio, respondeu Diogenes. (P.
Ant. Vieira).
Todavia esta correspondência não tem nada de obri-
gatorio, como bem se deprehendo dos seguintes exemplos:
Se e7)i llespa7iha não h o u v era 7ninas de ouro e prata,
nu7ica os Roma7ios ir iã o a lhe fazer guerra de tão longe.
(P. Ant. Vieira).
« Se tu coRRÊRAs 0 cstadio em co7npetencia, porventu7'a
PARARIAS ou AFRACARiAS, cstaudo já 27C7'to da 7'aia ou baliza? »
(P. Man. Bernardes).
Se os Apostolos tiv e r ã o doze pães, então não era neces­
sário 77iais. (P. Ant. Vieira).
326 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Se alguem v isse desde um jJosto eminente todas as mu­


danças que no^mundo succedem em espaço de meia hora, que
admirado fic a r a de ver a fúria com que esta roda se re­
volve! (P. Man. Bernardes).
408. O 4.® tempo do siibjunctivo {prêt, perfeito) ex­
primo meramente um passado.
Ex. Admira-nos o ver quão depressa iia ja a terra gerado
e PRODUZIDO ; mas, quanto maior motivo temos para admiração,
se considerarmos como as sementes lançadas nella não fructi-
ficão, se primeiro não morrem! (Fr. Luiz de Granada).
409. O 5.® e o 6.® tempo do subjunctivo {prêt. m. q.
perf. proprio e prêt. m. q. perf. supplementär), perfeitamente
equivalentes em tudo, têm por funcção de se substituir ao
2.® ou ao 3.® tempo do subjunctivo todas as vezes que estes,
litivcndo dc Gnunciur iiin passado^ â-cIiíir-SG-liiiio cm circiirn-
stancias de o não designarem com bastante clareza.
Ex. Quando, para este ministério, mandavão de Ceilão
um elephante, o levavão para a ribeira, onde todos os outros,
quando este entrava, lhe fazião uma reverencia com muita sub­
missão, sem que alguma hora o t iv e sse m v is t o . (João Ei-
beiro). — (Não : o v iss e m ).
410. ü 7.® e o 8.® tempo do subjunctivo {fut. simples
e fut. composto) correspondem exactamente, na expressão
do futuro, ao 7.® e ao 8.® tempo do indicativo, porém sob
a condição de eventualidade.
Ex. « Quando fordes convidado â casa e á mesa alheia
não deveis tomar os primeiros lugares, senão o ultimo, porque
(para que) não succéda vir o senhor da casa, e vos mande
levantar do lugar que tomastes, e o dê a outro melhor do que
vos, e então vos acheis com affronta no ultimo lugar. Porém
se esco lh erd es o ultimo, virá o dono da casa e senhor do
convite, e, vendo-vos alli, vos dirá: Amigo, subí para cima f
P então ficareis com gloria entre os mais convidados ; porqiie
todo aquelle que se e x a l t a r , será humilhado, e o que se hu­
milha, sera exaltado. » ( P a r a b . e v a n g . P . J. B. de Castro)

O ^I^ITXJLO IV
DO INFINITIVO
411. Se bem que o infinitivo não constitua de per si
Denhum termo syntaxico especial, tal é todavia a comple-
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE

xidade das relações em que anda envolvido, que, para Ih’as


destrinçar, impossivel é abstrahir de considerá-lo isolada­
mente.
Estas relações são de duas ordens: umas intrínsecas,
outras extrínsecas. Pelas primeiras, o infinitivo partieipa do
facto syntaxico, sem ser faeto: é ex pressã o v e r b a l . Pelas
segundas, o infinitivo partieipa do substantivo, sem ser
substantivo: é e x p r e s s ã o s u b st a n t iv a l .
Como expfessão verbal, tem ou não tem sujeito, tem
ou não tem complementos, tem ou não tom predicado; e,
por um corollario natural, não Ibc falta, nem a propriedade
de aceusar as tres épocas da duração, nem a de concordar
ostensivelmcnto, ao menos em alguns tempos, com as tres
pessoas do singular, c com as tres do plural: o que tudo
fallece absolutamente ao substantivo. E entretanto o infi­
nitivo não chega a enunciar de per si um facto (V. § 363);
apenas enuncia um acto .
Como expressão substantivai, o infinitivo exerce neces­
sariamente, na proposição em que anda comprehendido,
uma das funeções de sujeito, de complemento directo, do
complemento indirecto, de predicado ou de apposição; e,
por um corollario igualmcnte natural, tem um genero, mas
um só: q masgidiiifí.,; 6 tem um numero, mas também um
só: o singplgr: o que tudo, de modo algum, póde competir
ao fiicto.
Ex. M eu s e n t ir é que desta guerra te descartes. (Vida
de D. Manoel).
E, que se segue d este tão desordenado q u e r e r ? (P.
Ant. Vieira).
Visto que ignorais a formosura de tão sumptuosa casa, o
QUERERDES guc VOS folle delia, É o brig a rd es -??i 6 (2 que seja
semelhante áquelle simples rústico. (P. Man. Consciência). —
(N ão: A quererdes, nem os quererdes, nem as quererdes
SÃO...).
Seguir o contrario disto era um q u erer resuscitar velhices.
(Fr. Luiz de Souza).
B om é sempre em vossas adversidades ju st if ic a r d e s os
toques da mão do Seoihor. (Fernão Mendes Pinto). ( J us ­
t if ic a r d e s ... É B O M ... — não: sÃo bons ou b o a s ...).
El rei E. Euarte honrava muito os homens doutos, e os
trazia em sua casa, como É n a tu ra l os homens am arem os
seus semelhantes. (Duarte Nunes de Leão).— (.•• os homens
a m a r e m ... é n a t u r a l ...).
Em idade tão estragada e perdida como a presente, era
328 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

FORÇADO APRovEiTAREM-sE OS prelãdos de cimbos OS gladios.


(Fr. Luiz dc Souza). — (... aproveitarem-se... era for­
çado...).
E entretanto o infinitivo mão póde ser considerado
como um mero substantivo, visto não se deixar representar
por ELLE, e recusar-se geralmentc a formar termos com­
postos de parceria com substantivos ou pronomes.
Ex. E nsinar e aconselhar é de sábios. (Franc. Eo-
drigues Lobo). — (Não: ü ensino e aconselhai'...).
Vêde aquelle entrar e saiiir sem quietação nem so-
cego. (P. Ant. Vieira). — (Não: ... aquellas entradas e,
sahir...').
No COMER E BEBER foi Annibál temperadissimo. (Fr, Born,
dc Brito). — (Não: N a comida e beber...).
412. Sendo assim demonstrada a intervenção toda es­
pecial do infinitivo na jiroposição, o que d’ahi se segue, é
a conveniência de perscrutar-lhe as relações dimanantes, já
de sua feição como expressão verbal; já de sua feição como
cxjiressão substantivai.

Do infinitivo como expressão verbal


413. O infinitivo abrange seis tempos :
1.®, 0 pres.-pass.-fut. impessoal; 2.% opres.-pass.-fut. pes­
soal; 3.®, 0 preterito impessoal; 4.®, o preterito pessoal ; 5.®, o
gerundio simples; 6.®, o gerundio composto.
Em relação ás épocas da duração, o 1,®, o 2.® e o 5.®
destes tempos denuncião com a mesma propriedade o pre­
sente, 0 passado ou o futuro, A razão está cm que a
epoca a que alludcm, fica sempre determinada pelo facto
de que dependem, embora nem sempre seja a mesma. Vc-
rifaca-se este principio, nos seguintes exemplos, por uma
simples modificação dos factos adduzidos.
1. ®TEMPO (impessoal)
Para esU fim fazemos trabalhar {agora'] aos proprios
elementos, ( l . Ant. Vieira). — Para este fim fizemos tra­
balhar {outr ora] aos proprios elementos. — Para este üm
I aremos trabalhar {ao diante] aos proprios elementos.
2. ®TEMPO (pessoal)
Mais nos agrada o discorrermos {agora] subtilmente do
SEGUNDA FAUTE - SYNTAXE 329

que com acerto. (Mathias Ayres da Silva do Eça). — Mais


nos AGRADOU O DISCORRERMOS [outfora~\ subtUmente do que
com acerto. — Mais nos agradará o discorrermos [ao diante']
subtilmente do que com acerto.
5. ° TEMPO (gerundio simples)
Que FAZ 0 lavrador na terra, coRTANDo-a [agora] com o
arado f (P. Ant. Vieira). — Que fez o lavrador na terra,
coRTANDO-a [outfora] com o arado f — Que fará o lavrador
na terra, cortando-o, [ao diante] com o arado f
Em todos estes exemplos, a opoea designada pelo infi­
nitivo coincide por ventura com a do facto de que de­
pende. ISTo seguinte exemplo, porém, ella difiere, sem que
todavia nenhum elemento estranho tenha de intervir jiara
fazer constar a divergência: Pretendo sahir amanhãa. (Pre­
tendo [ agora] sahir amanhãa ).
O 3.°, o 4.” e o 6.® tempo do infinitivo denuncião uma
cpoca sempre anterior á do facto da proposição.
Exemplos:
3.® TEMPO (impessoal)
Os sujeitos de que falíamos, mais os contenta iia v er -
Ihes SUCCEDIDO bem no discurso que nos negocios. (Duarte Pi-
beiro de Macedo).
4.® TEMPO (pessoal)
Os vossos inimigos sÃo testemunhas em causa qwopria, de
vos TER DADO D eos os bcns que lhes negou a elles. (P. Ant.
Vieira).
Qual é a causa de tantos reinos se terem perdido ,
de que apenas se conserva a memória'? (P. Ant. Vieira).
6. ® TEMPO (gerundio composto)
Que alegria será a dos que, tendo escapado das misérias
desta vida, ouçÃo dizer: Céo! céo!
Note-se que o gerundio composto equivale sempre a
um preterito-mais-que-perfeito. Não se diga, portanto, com
certos escrivães:
« E, subindo os autos â conclusão, baixárão com a se­
guinte sentença... ». Pois, subirão baixando, ou baixárão su­
bindo ? Diga-se, sim : « E, tendo os autos subido á co7iclusão,
baixárão com a seguinte sentença... »
414. Em relação á personalidade dos tempos do infi-
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

nitivo, trava-se uma das questões mais intrincadas da


Grammatica, e, por isso mesmo, das mais interessantes;
porquanto a dicção dos escrij)torcs modernos contrapõe-se
tão frequentemente neste particular á lição dos clássicos,
que parece quererem os contemporâneos dar quináo áquelles
nobres engenhos a quem se deve a creação do padrão pe-
re'nne do lingua portugueza. E, quando este não seja o seu
proposito, não sobeja, para explicação de tão manifesto
desprezo das normas classicas, senão suppôr que mais al­
cançarão em detrimento da recta linguagem, as theorias
rotineiras de um ensino grammatical erroneo c apoucado, P.
do que puderão beneficiá-la muitas estimáveis compilações
onde se ostentão j)rimorosos excerptos dos verdadeiros
mestres. E’ que ler rapida e distrahidamente taes excerp­
tos, som fazer obra com elles por meio da analyso, mal
póde prevalecer contra a influencia perniciosa de tantos
apopbtliegmas falsos, diariamente cunhados nas escolas pela
decoração, sobresahindo entre elles o de que todo e qualquer ■
verbo tem necessariamente um sujeito, quer expresso, quer oc-
culto, com 0 qual concorda em numero e pessoa.
O que dahi decorre, é que ninguém depara com o des­
mentido categórico dado a esta opinião na lição contida
neste e em milhares de exemplos analogos, onde o verbo,
por falta de todo e qualquer sujeito, não fica adstricto a con­
cordância alguma de numero e pessoa: « Gomopodião deixar
de INTERVIR grandes injustiças quando tirávamos uns reis, e
púnhamos outros? » (P. Ant. Vieira).
Porém, sob a pressão do indefectivel apophtbegma, es­
creve-se, com as mãos ambas, o mais variegado sortimento
de novidades estylisticas neste gosto:
Estudem, para poderem um dia serem admittidos á ma­
tricula...
Forão julgados em estado de matricularem -se os se­
guintes Srs...
Temos de facto a republica, á cuja conservação parecem
IREM-SE habituando OS aniiuos.
E, que esta exprobração não se funda em motivo fan­
tasiado, eis ahi um trecho que o comprova: « Devemos todos
os Portuguezes alegrarmos-nos por tal desenlace. » (Periodico).
Sim, devemos comermos e consolarmos-nos...
Não sabem os conservadores ( ou liberaes) de tal pro­
vinda CONSERVAREM-SE com hoiira no poder, e guardarem
dignidade na derrota...
SEGUNDA PARTE — SYNTAXE 331
Este ultimo typo é o que fornece maior cópia de es­
tampas, embora baste o mais simples cotejo do verbo pro­
nominal, com outro que o não seja, para adduzir loquclas
imjiossiveis: Devêramos comermos e b eb e r m o s ...! ! Devêra­
mos IRMOS p a s s e ia r m o s ... ! ! Pois, sem ser preciso recorrer
a outro critério que não seja o da substituição, obvio é
que, se a forma lemhrarmo-nos, do 2.° tempo do infinitivo
{tempo pessoal), em vez de l e m b r a r -nos , do 1.“ tcmiio do
mesmo modo (temjoo impessoal), ó a correcta, também o são
as íormas correspondentes eomermos, bebermos, etc. (Y. a
conj. dos verbos pronominaes).
^ Attenda-se, portanto, ao seguinte trecho do (P. Ant.
leiia. Aeabamos de nos d esen g a n a r da pouca firmeza ou
spurança que pôde haver nos bens que são da terra._Xão
disse como dirião os novadores da modernice : Acabemos por
NOS d esen g a n a r m o s ... — ou por d esenganarm o -nos ....'
Esta é a questão : urge resolvê-la.
415. O 1.” e o 3.° tempo do infinitivo são impessoaes,
poique nunca se lhes attribue sujeito algum, quer expresso,
quer occulto, o que reduz as suas formas, quer simples,
ã :
quer compostas, a uma só em cada tempo de cada conju­
gação. í:
1° tem po
amar, render, punir, por:
3.“ TEMPO
ter amado, ter rendido, ter punido, ter posto.
O 2.“ e O 4.® tempo do infinitivo são pessoaes, porque,
quando não têm um sujeito expresso, têm-no occulto, e
com elle concordão em numero o pessoa.
2.° tempo
■r ! f
amar eu, render eu, punir eu, pôr eu,
amares tu, lenderes tu, punires tu, })ôres tu,
amar elle, render elle, punir elle, pôr elle,
amarmos nós, rendermos nós, punirmos nós, pôrmos nós,
amarcíes vós, i‘enderc?es vós, punirrfes vós, pôrcíes vós,
amarem elles: renderem elles ; punirem elles; pôrem elles. I
I •.' - I
4.° TEMPO
ter OU haver eu
teres )) liaveres tu
ter )) haver elle
termos )) havermos nós amado, rendido, punido, posto,
termes )) haverrfes vós
terem )) haverem elles
332 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Theorieamente, nada mais simples como nada mais re­


gular do^ que as inflexões dos dous tempos pessoaes, visto
so deduzirem, com a mais perfeita identidade em todas as
conjugações, dos dous tempos impessoaes, sem nenhuma
discrepância entre verbos do conjugação regular, e verbos
de conjugação irregular, como se vê outrosim em pôr , um
dos mais excêntricos. A unica circumstancia que merece
reparo, consisto em ser possivel, nas indagações analyticas,
uma confusão momentânea entre as primeiras o as terceiras
pessoas do singular dos tempos pessoaes, com os tempos
impessoaes, mórmente estando os sujeitos occultos; porque
as formas são sempre em uns o outros idênticas. Mas o
])rocesso da substituição basta geralmente para desfazer a
duvida.
Ex. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um
ladrão por ter furtado um carneiro! (P. Ant. Vieira). —
{Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar uns ladrões
por TEREM furtado uns carneiros!').
Porém, se, na pratica dos exercicios analytieos, o dis­
criminar os tempos jiessoaes dos impessoaes não envolve
grande difficuldade, não succede muitas vezes o mesmo
quando se trata de escolher, no acto do escrever ou
fallar, entre uns e outros; e abi é, entretanto, que cumpre
dar no ponto; tanto mais que os desacertos em tal as­
sumpto, apezar de offenderem o melindre da lingua, vão,
por sua frequência, creando hábitos, esjialhando a incerteza,
e viciando de tal modo o tino auscultativo, que ameação a
integridade das boas tradições. Infelizmente é a materia
tão complicada, que não se deixa elucidar senão por partos,
e com o auxilio do investigações bastante minuciosas.
416. São forçosamente impessoaes todos os infinitivos
de verhos de necessidade, pela razão obvia que faltão-lhes os
tempos pessoaes do infinitivo; e faltão-lhes os mesmos
tempos pela razão não menos obvia que nunca têm sujeito,
quer expresso, quer occulto.
Ex. O’ Deos! se tantas lindezas e p>erfeições fizestes de
passagem, e como quem brinca, para haver creaturas que
acompanhassem ao homem neste desterro, que será na patria!
(P. Man. Bernardes). — (Não: ... haverem... pois diz-se:
... HA creaturas que... c não: ... iiÃo creaturas que...).
Os sujeitos de que falíamos, mais os contenta iiAVER-ZAes
succEDiDO bem nos discursos que nos negocios. (Duarte Ei-
beiro de Macedo).
. n também necessariamente impessoaes todos os
infinitivos entrando na combinação dos verbos prepositivos,

%
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 333

quer da primeira ( ter ou haver d e ...), quer da segunda


_ - J _ _ _ / « \ A ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ •«V l V ^ j~\. yI

A
aV./ j^tllci V1 tiOj O^IKV 1V>A4UllVX<.lll'_'l<li JlHOV^lll 1 V 1 \ . . / 1V./V1. 11^1 J. AlV-' iii

finitivo consecutivo a personalidade já declarada no au­


xiliar.
Ex. Pois, homem! no mesmo tempo em que estás cho­
rando 0 que condemnas, h as de louvar o que choras? (P.
Ant. Yieira). — (Não: ... has de louvares...).
Não hasta cque, para conquistar Portugal, convoque Cas-
telha todas as nações ? também nós nos h av em o s de a rm ar
contra nós? (P. Ant. Vieira). — (Não: ...nós nos havemos
de armarmos...).
Se se descobrissem aquellas minas, no mesmo dia h a v ie is
DE COMEÇAR a sei' feitores, e não senhores de toda a vossa fa ­
zenda. (Não: ... havieis de começardes...). A roça, iia v iã o -
vo-LA DE EMBARGAR para OS iiiantimentos das minas. (Não :
... havião-vo-la de embargarem...). E vos iia v iã o de a pe n a r
para o que tivesseis ou não tivesseis prestimo. (Não: E vos
havião de apenarem.. ). — (P. Ant. Vieira).
418. Ficão igualmente impessoacs os infinitivos for­
mando o complemento directo ou indirecto de outro infi­
nitivo. Si
Ex. Succede aos rios impetuosos co nserva rem o sabor
de suas ãguas muito espaço d epo is de m istu ra r -se com as
ondas do mar. (Epanaphoras). — (Não: ...depois de mistu­
rarem-se...).
A maior fatalidade dos reis é nascerem em signo de ser
LOUVADOS. (P. Ant. Vieira). — (Não: .... de serem lou­
vados...)
Que razão é que nos envergonhemos de q u erer a ju d a r o
poder divino com o ouro e com a prata e com as mais valias
da terra! (Fr. Luiz de Souza).
Se buscarmos com verdadeira consideração a causa ^de
todas as minas e males do mundo, acharemos que, não só a
principal, senão a total e unica é não a caba rem os homens
DE CONCORDAR O seu quercr com o seu poder. (P. Ant. Vieira).
Oh! Senhor! como aos hereges, depois de se a tr e v e r e m
A AEFRONTAR VOSSOS santos, llics ficão aitida braços paia outros
delictos! (P. Ant. Vieira).
Tirados aa agua, aquelles peixinhos ficão com uma bexiga
bem cheia de ar; e, se se deitão assim na agua, pdrão na su­
perfície, sem PODEREM DESCER. (L. Fi’. Cact. Brandão).
f '? “® impossoaes os infinitivos de urn
Iníratival^^ P»"’ «'"Pse do proposições ad-
7 "/ ^<^ntos a PRÉOAB (não: a pregarem) pobreza

Z e /Z tu d a ,! ? o (“So •■a persuadire,»-


Zê d e Z t V " ”'<^Uerem-ee) debaixo dos
pes de todos, e eu que mostre brtos e vfania! » (Vr. Luiz de
Souza). - E.vpl,ca-so o easo polo restabelecimonto das pro
nne^“ot " manifestando-se então o facto oeeulti de
SANTOS « e o sujeito. « Admira que os santos es-
metters^ e seguir. estejão a persuadir-me... e
metter-se... ». Iode-se considerar este idiotismo como uma
r m e i r to to Comp.-ova-o a continuação

• ESTEJA Christo MANDANDO CIOS discwulos CJUP on


7 Ê ro tT T n d T e " " 7 ^^cesso'r
n r iZ iü íZ 7 7 7 7 ?'=«^}P‘‘nhamento e estado de
P p ■ Pois liada obstaria a conversão deste tlieor
cm 0 precedente: « Christo a mandae aos discwuloZTe Z
mmhem desealços, e frei Bartlwlomeo.Z). <'«-
Outro exeraplo:
atrevem a bater: todos a es ­
perar , e todos a desesperar . (P. Ant. Vieira). — rNão •
...a esperarem... a clesesperarem..,'). ^
Porém 03 poetas da actualidade emendão tudo isso.
^ e as estreitas serapre
mllmo fo ^ ^ exclamativo é
mento e a cí^proLm quo aebou o pensa-

420. Sao naturalmente impessoaes todos os infinitivos


empregados em sentido abstracto, porque, recordando sim­
plesmente os substantivos que lhes correspondem, supprem-
r m o 7 “ a 7 ™ í) ‘^°"""
Ex. E ' eousa tão natural o responder , que até os ve-
v itírat
eira). 7 7(A
p 7 tao
- “ natural
* f ’ a resposta ...). '■PP"«- (P- Ant.
P ar aos que merecem ou não merecem, é dar • dar só
aos eque merecem, é prem iar . (P. Ant. Vieira). - (A doação

-c rV l“ ) .'
4 natureza fez o comer para o v iv e r ; a gula fez o
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 335

COMER MUITO para o viver pouco. (P. Ant. Vieira). — {A


natvreza fez a comida para o sustento ; a gula fez a comida
ABUNDANTE para A VIDA BREVE).
Se buscarmos com verdadeira consideração a causa de
todas as ruinas e males do mundo, acharemos que, não só a
qnincipal, senão a total e unica é não acabarem os homens de
concordar o seu querer com o seu poder . (P. Ant. Vieira).
--- (... A SUA vontade com AS SUAS FORÇAS).
Admitta o principe homens aos cargos pelo ser , não pelo
PARECER. (P. Ant. Vieira). — ( pela realidade , não pela
apparencia ).
A valiar o nascimento pelos pais é vaidade ; medí-?o pelo
tempo é superstição ; estimá -ío pela patria é ignorância :
e só JULQÁ- / 0 pelo fim é prudência. (P. Ant. Vieira). — (A
AVALIAÇÃO do nascimento... a medição delle... a estimação
delle... A APRECIAÇÃO delle...').
Tudo é vaidade excepto amar e servir a Deos. A mar
a Deos é a maior das virtudes; ser amado de Deos é a
maior das felicidades. (P. Ant. Vieira). — Ahi cbegão os in­
finitivos a uma tal propriedade de expressão, que se torna
impossivel a sua conversão em substantivos correspondentes.
O mesmo se dá com o seguinte exemplo:
Outros dirão que, para ter muito, o melhor remedio é
TÈ-lo, GUARDAR, POUPAR, nãO GASTAR, MORRER de fome, C
MATAR a fome ; porque dizem que muito mais cresce a fazenda
com POUPAR muito que com ajuntar muito. (P. Ant. Vieira).
421. Devem, outrosim, ficar impessoacs os infinitivos
enunciando um acto imputavel ao sujeito do verbo de qnc
dependem como complementos directos ou indirectos, por­
que, do contrario, bavcria redundância.
E x. Q uereis ter pão? servi a Deos. Q uereis ter
muito ? dai-o por amor de Deos. (P. Ant. Vieira). — (Não :
Quereis terdes...).
O espinheiro respondeu ás arvores: « Se verdadeiramente
7iie dais o império, vinde todas DEiT.p-vos a meus p>és, e
PÔR-VOS â minha sombra. » (P. Ant. Vieira). — (Não: vinde
deitardes-vos... pôrdes-vos...).
Com a vantagem só de nossa união podemos igualar e
EXCEDER largamente o nwnero de nossos inimigos. (P. Ant.
Vieira).— (Não: ...podemos igualarmos e excedermos...).
N ascemos sem saber para que nascemos. (P. Ant.
Vieira).— (Não: Nascemos sem sabermos...).
Ainda quando os raios do céo se não contentão com
336 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

FERiR OS montes, ou com se e m pr e g a r nas feras e nas en-


zinhas, ou só com m etter medo aos homens, raro é o raio
(juejeja réo mais que de um homicídio. (P. Ant. Vieira). —
(A ão . ...se não contentão com ferirem... com se emvreqarem...
com metterem...').
S e jã o o s jprijicipes como Christo, no r e p a r t ir ; e s e j Ão
os vassallos como os discípulos, no co n ten ta r -sê, e cessarão
as queixas. (P. Ant. Vieira),— (ISTão : ... Sejão os príncipes...
no 1 epartiiem... e sejão os vassallos... no contentarem-se...^.
Que importa que nos cansemos em fec h a r as cidades de
muros, j e a brecha está. aberta nos corações ? (P. Ant. Vieira).
— (Não: ... que nos cansemos em fecharmos...).
Depois que, no mundo, se introduziu venderem-se as honras
militai es, converteu-se a, milicia em latrocínio, e vÃo os sol­
dados á guerra a tirar dinheiro com que comprar, e não a
OBRAR façanhas com que r e q u e r e r . (P. Ant. Vieira). _
(Não: ... vão os soldados... a tirarem dinheiro com que com­
prai em, e não a obrarem façanhas com que requererem).
Alli os homens, desfigurados como toupeiras, v iv e m de-
bayxo da terra sem t e r olhos pa r a v e r a luz. (P, Ant.
leiia). (Não; ... vivem... sem terem olhos para verem a
luz). ^
As catastrophes dos reinos... a quem se devem attribuir?..
Aos que so SÃO admittidos a dizer e a ser ouvidos. (P.
Ant. Vieira). (Não: ...são admittidos a dizerem e a serem
ouvidos).
JSo adquirir ou perder amigos, nos devemos portar
mm 0 mesmo sentido que no adquirir ou perder fazenda. (P.
h ilan, Bernardes). (Não: ...nos devemos portarmos, nem
devemos portarmo-nos...).
Posto que os avarentos, por não gastar, costumem andar
ape, a Avareza anda sempre de carroça. (P. Ant. Vieira). —
(Não: ...por não gastarem...).
JVão^são só ladrões os que cortão bolsas, ou espreitão o s
se VÃO BANHAR, PARA llics COLHER a roupa. (P. Ant.
Vieira). — (Não: ... espreitão, para lhes colherem a roupa, os
que se vao banharem). ^
. Piogenes viu que uma grande tropa de varas e ministros
de justiça levavão a enforcar uns ladrões, e começou a
bradar : y Da VÃo os ladrões grandes a enforcar o s peque-
nos. » (1. Ant. Vieira). — (Não: ...levavão a enforcarem...
vao a enforcarem...).
7 ^ 'niais carregados e sobrecarregados se vêm
destas felicíssimas drogas... têm razão de se entristecer ou
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 337

DE SE ALEGRAR, 6 DE SALTAR da teiTa ão iiiesmo céo, de


prazei'. (P. Ant. Vieira). — (Não: ... têm razão de se entris­
tecerem ou de se alegrarem^ e de saltarem...).
De certos homens da casta daquelles de quem dizia So­
crates que não comião para viver, mas só viviÃo para
COMER, conta a Sagrada Escriptura que, exhortando-se de
commum consentimento, dizião: « Gomamos e bebamos, porque
amanhãa havemos de morrer. » 3Ias, que fundamento tinhão
estes homens, ou estes brutos, para prognosticar que, ao
outro dia, havião de morrer? (P. Ant. Vieira). — (Não:
... comião para viverem... vivião para comerem... tinhão para
prognosticarem...).
Nem 0 anjo, nem o homem se contentarão com poder
0 que podião. (P. Ant. Vieira).— (Não: ...se contentárão
com poderem...).
Ha erros que mais credito trazem ao emendar-se, do
que desdouro ao commetter-se. (P. Man. Bernardes). —
(Não: ... trazem ao emendarem-se, do que... ao commetterem-
se).
Quando Fr. Bartholomeo dos Martyres começou a pôr em
pratica o plano que havia, formado para regime do arcebispado
de Braga, cuja austeridade, onde se deu mais a ver, foi cm
sua pessoa, casa e familia, começarão também logo a se es­
palhar vozes em desabono do arcebispo. (Fr. Luiz de Souza).
— (Não: ... começárão... a se espalharem vozes...), porque
VOZES é que constitue o sujeito de começarão.
Tudo 0 que nasce na terra, o sol ou a chuva o cria;
mas 0 mesmo sol, se é demasiado, o queima; e a mesma
chuva, se é muito continuada, o afoga: para que acabemos
DE NOS desenganar da pouca firmeza ou segurança que pôde
haver nos bens que são da terra. (P. Ant. Vieira). — (Não:
... para que acabemos de nos desenganarmos — ou de desen-
ganàrmo-nos...).
Naquellas embarcações, os passageiros e navegantes têm
tudo prestes, sem lhes ser necessário ir carregados de ma-
talotagem. (P. João de Lucena). — (Não: ... irem carre­
gados...).
Finalmente perdem-se, ou acabão de se perder as quasi
perdidas almas, como muitos, por não ter que jogar e per­
der, se entregarão ao demoaio. (P. Ant. Vieira).— (Não:
... acabão de se perderem... como muitos, por não terem que
jogarem e perderem, se entregârão...).
Dá muitas graças á estreiteza de tua mesa, e ao teu piouco
pão, porque, sendo certo que todos hão de chegar d sepultura
338 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

sem nenhum remedio^ só tu, por comer menos, chegarás á


sepultura mais tarde, e só tu, por comer menos, serás nella
'menos comido. (P. Ant. Vieira). — (Não: só tu, por comeres
menos, chegarás... só tu, por comeres menos, serás menos co­
mido').
422. Emfim, mesmo quando o acto do infinitivo não
é imputavel ao sujeito do verbo de que o mesmo infinitivo
depende, deve este permanecer nos tempos impessoaes, se
entrar na dualidade de complementos directos de que mais
adiante trata o § 447.
Este caso é tanto mais notável, que, embora não seja
peculiar da lingua portugueza, nunca tem sido ventilado
até nas grammaticas mais reputadas. Muito pelo contrario :
do alguns apborismos que vogão nas escolas com uma au­
toridade indiscutivel, deve-se concluir que não existe, ou
que, se viesse a ajiparecer, seria considerado como erro
palmar. Entretanto lá está, escudado, não só pela lógica,
como pela saneção dos mais irrecusáveis clássicos; e os
erros jialmares são os que tão frequentemente decorrem
da ignorância da regra. Pois, quantos dentre os escriptores
modernos, a julgar pelas suas %ões, a elles, aceitarião, como
correcto, o seguinte excerpto do P. Ant. Vieira, fiillando
do « Pão para a bocea ? »
Os elementos não são viventes, e a este mesmo fim can­
samos, e FAZEMOS TRABALHAR aos iiicsmos eUmentos (... tra­
balharem, escreverião os puristas da actualidade). O fogo
nas forjas e nas fornalhas, a agua nas levadas e nas aze'nhas,
0 ar nas velas e nos moinhos, a terra nas vinhas e nas seáras,
até 0 sol e a lua e as estrellas não deixamos estar ociosos
desta pensão (... estarem, bradarião elles).
Agora yámos ao P. Man. Bernardes, no seu apologo
« Das cotovias. »
Dissera o dono do campo a seus criados que tratassem de
metter a fouce, se vissem estar o s pães sazonados. — Pois
também Bernardes deve soffrer a emenda estarem? E,
porque?— (( Porque, dizem elles, ahi é o substantivo «os
PÃES )) 0 sujeito do infinitivo ; e portanto, pela regra da
concordância, deve o infinitivo passar para o plural. « —
Nisso é que está o erro. O substantivo pães é mero com­
plemento directo do facto vissem {Se elles vissem, o que?
os PÃES): logo não póde fazer fiincção de sujeito. A sin­
gularidade, porém, consiste em ser o referido substantivo
collateralmente complemento directo com o infinitivo pas­
sivo «ESTAR SAZONADOS». {Sc elles visscm mais, o que?..,
ESTAR SAZONADOS).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

423. De todas estas eonsideraçoes sobre o emprego


dos tempos im])essoaes do infinitivo, o que se pôde sum-
marramente eoncluir, é que, ao avesso das idéas que pa-
recem geral mente prevalecer, a impersonaltdade ê pro­
priedade esseneial deste modo, e a personalidade, proprie­
dade accidental, porém de tanta utilidade e agrado na dicção,
quando opportunamcntc empregada, que as linguas que
delia carecem, mal a conseguem siipprir pelos rodeios mais
ou menos enfezados. Duas observações, outrosim, se prestão
a confirmar esta supposição: uma intrínseca, outra extrin-
seca.
A primeira consiste em que, mesmo nas outras linguas
oriundas do latim, a personalidade do infinitivo por meio
de terminações características não existe; ao passo que ne­
nhuma lingua prescinde de formas impessoacs no mesmo
modo. Logo só estas são as essenciaes.
A segunda observação pódc parecer um pouco casuis-
tica; todavia, vindo de certo modo cm auxilio á solução do
tão melindrosa questão ella adquire desta circumstancia
algum gráo do plausibilidade.
Quem considera as tabcllas dos tempos pcssoacs tran-
Rcriptas no § 415, não jiódc deixar de notar que o radical
dos verbos apparocc ahi, não propriamente deslocado, o sim
ampliado. Pois, sendo o radical o mesmo em todos os mais
tempos das conjugações, como am em amar^ rend em render,
e PUN em j)unir, alii vem ello a ser, em todos os verbos
sem excepção, a mesma forma do tempo primordial: amar,
RENDER, PUNIR, PÔR, TER, HAVER, SER, ESTAR, CtC., COIU tcr-
minações idênticas para todas as conjugações. A illação
que dalii naturalmcntc decorre, é que os accrescimos ter­
minativos que constituem propriamente os tempos pessoaes,
forão a principio como lembranças surgindo de momento
para obstar aos numerosos equivocos que provocaria infal-
livelmente o uso exclusivo das formas imjiessoaes. E, com
effeito, todas as indagações sobre o assumpto reduzem a
importância dos tempos pessoaes a uma funeção de utili­
dade pratica, porém valiosissima, quando rcflecte-se que
cila confere á linguagem os predicamentos mais indispen­
sáveis: a rapidez e a clareza.
Ex. Para sermos mais do que somos, não é necessário
multiplicar homens: basta nnir corações. (P. Ant. Vieira).—
Tirc-se ao infinitivo sermos a sua terminação pessoal, c, de
lúcido que é, o pensamento se apresenta obscuro e amplii-
bologico {Para ser mais do que somos...f!).
424. Os tempos pessoaes do infinitivo estão sujeitos a
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

duas hypotheses: on apparecem com sujeito expresso, ou


apparecem sem sujeito exj^resso.
425. No primeiro caso, a concordância justiíica-se por
si mesma. A unica duvida que póde occòrrer — (e ella
occorre; vejão no trecho citado sob o § 355: « jpov assim
SER os CONSELHOS dãs mulheres^... »), — origina-sc, ou de se
attribuir ao sujeito outra funcção do que a que lhe com­
pete, ou de se lhe 2)assar por alto; mas, em todo o caso,
a consequência é commctter-se um desacerto na terminação
do infinitivo, como neste exceiq:)to de um periodico:
« Aquelle magistrado lembrou ao mesmo tempo a necessidade
DE SE VOTAR MEDIDAS ([ue tivessem como residtado a volta á
circulação metallica.» Devia ser: «... de se votarem me­
didas... ;).
Os seguintes exemplos não têm outro fim senão o de
exercitar o espirito em semelhantes pesquizas.
JS'ão se fazerem mercês é faltar com o prêmio á virtude.
(P. Ant. Vieira).
A maior fatalidade dos reis é nascerem todos em signo
de ser louvados. (P. Ant. Vieira).
Dizem que, para se conhecerem os amigos, havido os
homens de morrer primeiro, e dahi a algum tempo (sem ser
necessário muito) resuscitar. (P. Ant. Vieira).
Pois para isto assistem ao throno os quatro animaes do
Apocalypse, ...para, quando sahir do throno a voz, elles di­
zerem os amens. (P. Ant. Vieira).
E, quando as mesmas frotas voltavão carregadas de ouro
e piata, nada disto era para allivio ou remedio dos povos,
senão para mais se encherem e incharem os que tinhão
mando sobre elles, e para se excogitarem novas artes de
esperdiçar, e novas invenções de destruir. (P. Ant. Vieira).
D. Ajfonso de Aragão disse: a Amarga muito comer o
GENERAL, e JEJUAR O EXERCITO. » (P. Man. Bemardcs).
Donde nasceu, a meu juizo, fingirem alguns piiiloso-
piios eque as almas dos homens se traspassavão em corpos de
diversas bestas. (João de Earros).
E DIZEREM AS FABULAS cque Actcan foi convertido em
coiço, não é outra cousa senão que, pelo muito exercido e con­
tinuação da caça, se fez agreste, e semelhavel aos animaes com
que tratava. (João do Barros).
E, se este natural appetite de quererem os homens
sempre mais do cque podem, nem na soberania dos cque podem ií
tudo, se faita, cque será dahi abaixo, desde os maiores entre
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 311

OS gravides, até aos mínimos entre os pequenos? (P. Ant.


Vieira).
Quem pois negará serem mais que harharos os que se
portão com este tão grande descuido e esquecimento! (Fr.Luiz
dc Granada).
No monte Calvario esteve esta Senhora sempre ao pé da
cruz; e, com serem aquelles algozes tão descortezes e cruéis,
'nenhmn se atreveu a lhe tocar. (P. Ant. Vieira).
Pôde haver maior desgraça que não ter um homem bem
algum digno de inveja ? (P. Ant. Vieira).
Fr. Luiz de Granada convidou ao bispo dc S. Thomé
para o acompanhar, e fallarem ambos ao arcebispo sobre o
que delle dizião, e concertarem o modo de seguir uma vida
(jue, não deixa?ido de ser religiosa, fosse comtudo mais desaf-
frontada. (Fr. Luiz de Souza).
Se não sahe expresso o sujeito de um infinitivo em­
pregado como complemento directo ou indirecto, ou ainda
como predicado, as fôrmas pessoaes ficao, não obstante jus­
tificadas :
1. ° Quando o sujeito do acto é diverso do do facto.
Ex. Não FAZEREM mcrcês os reis seria não serem reis.
(P. Ant. Vieira). — (O sujeito de seria ó fazerem ; o de
SEREM é [ elles] O S rcis).
Como acontecia virem a Braga muitos religiosos de todas
as ordens, ou outros ecclesiasticos, havia o arcebispo por
affronta sua andarem por estalagem. (Fr. Luiz de Souza).
Um só meio acho aos reis para salvarem ambos estes
inconvenientes. (P. Ant. Vieira).
N inguém fallou ás arvoi'es em haverem de deixar
os seus fructos. (P. Ant. Vieira).
2. ° Quando a declaração da personalidade do infinitivo
fica tão indispensável á intelligencia do texto, que, seja em­
bora o sujeito do acto também o do facto, não haja todavia
outro meio de tornar a oração desembaraçada de obscuri­
dade ou amphibologia.
Ex. Pois, se ninguém fallou ás arvores em haverem de
deixar os seus fructos, porque se excusão todas com o s não
QUEREREM dcíxar f Porque entenderão, sem terem entendi­
mento, que epuem aceita o governo dos outros, só ha de tratar
delles, e não de si... Esta é a particular difficuldade e o grande
pei’igo em que estão, de se não conformarem com o Soberano
Original, os que representão as imagens epue têm as raizes na
terra, IP necessário, para se conservarem nesta nova re-
342 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

2'>resentaçâo,
e para governarem como devem, que se apartem
de suas proprias raizes. (P. Ant. Vieira). — {E' necessário
que [elles] se apartem... para [ elles] se conservarem... e
para [ elles] governarem...).
Observação. Neste ultimo caso, como em outros
muitos, a aiitej^osição anormal do infinitivo ao verbo do
que depende, não pouco contribue, pela suspensão de sen­
tido que costumão produzir as inversões, a aconselhar o
emprego da personalidade no mesmo infinitivo, para des­
fazer assim toda e qualquer incerteza. Tal é, ao menos, a
inducção que se deixa tirar do cotejo de numerosas pas­
sagens dos clássicos.
E, PARA mais VERIFICARMOS isto, — FAREMOS uma pará­
bola^ imitando quelle que, para todos, se fez uíiico exemplar.
(João de Barros). — (... faremos uma p><^'>'ábola para mais
VERIFICAR isto...).
Estes serião os perigos ou inconvenientes das minas : para
bem os avaliarjios, — sirvamo-nos de exemplos visinhos.
(P. Ant. Vieira). — (... sirvamo-nos de exemplos visinhos,
para os bem avaliar).

Dos gerúndios
A dvertência. Na nossa primeira grammatiea, dentre
08 não poucos erros em que nos fez incorrer uma exage­
rada deferencia a opinioes tradicionaes, e dentre outros
erros que só a nós devemos imputar, assignalamos agora o
do termos incluido os gerúndios na classe dos participios.
1 orém, reconsiderando este caso á luz dos principios da
grammatiea geral, viemos a descobrir que os gerúndios são
meras fôrmas do infinitivo j o que ficou, aliás, confirmado
2iela presteza com que se deixão, sob este novo aspecto,
ageitar ás regras geraes da analyso, quando a ellas se
mostrão tenazmente refractarios, sendo havidos por parti-
cqiios.
426. Das cinco funeções a que se presta o infinitivo
nos seus quatro primeiros tempos, os gerúndios exercem
so duas: a de complemento indirecto, e a de apposição. Pela
segunda, relacionão-se, sem duvida, não só com as outras
formas do infinitivo, senão também com o jiarticipio va­
riável ; jiorém, pela primeira, difíerenção-se terminantemente
deste, porque nunca compete ao mesmo participio constituir
de per si só um complemento desta especie ; e, quando por
ãeaso succeda que appareça regido de uma jirejiosição, é
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 343

por BC dar ellipsc de um verbo de estado, junto ao qual


este participio faz a funcção de predicado.
Ex. Recebe a terra o grão de trigo; e, depois de co-
DEiiTO, ella como mãi, o recolhe em seu seio. (Fr. Luiz de
Granada). — (... e, depois de [ elle estar] coberto...). —
O regime que ahi tem a locução prepositiva depois de, é
propriamente o infinitivo subentendido estar, e não o par­
ticipio.
Mas não é só por este lado que os gerúndios discordão
dos participios variavcis para se aparentarem com os mais
tempos do infinitivo. Como estes, conforme o verbo a que
pertencem, clles podem ter um complemento directo ou um
predicado; emfim, não sendo de verbo impessoal, appa-
rccem muitas vezes com um sujeito exclusivamente seu, e
cm todos os casos, alludem a uma das tres épocas da du­
ração, o que tudo de modo algum cabo nos participios
simples qualificativos de procedência verbal.
Por ultimo, quando não bastassem tantos pi^edicamen-
tos para justificar a sua agregação ao modo infinitivo, ainda
ficítva por notar que o gerúndio simples corresponde exac-
tamento aos dons outros tempos simples do infinitivo; pois
com clles tem em commum a propriedade de assignalar,
tanto o presente, como o passado ou o futuro; ao passo
que o gerúndio composto, ])or corresponder pela sua vez
aos dous outros tempos também compostos, só serve, como
estes, a designar uma cpoca sempre anterior á do facto do
que depende. (V. § 413).
Desta exposição theorica, o que resalta, é que, por
tudo quanto é essencial, os gerúndios são verdadeiras fôr­
mas do infinitivo. Que lhes faltou, portanto, para que
pudessem vir a ser indevidamente confundidos com outra
cspecie de palavras? Por um acaso muito apreciavcl, visto
escoimar a linguagem de não pequenas difficuldadcs, os ge­
rúndios, quer regidos de um sujeito proprio, quer encos­
tados como apposições, não manifestão abertamente ne­
nhuma de suas relações; são faltos de variabilidade. Esta
circumstancia, baralhando as idéas, só deixou perceber que
os gerúndios se portão frequentemente como adjectivos, ou,
para fallar de conformidade com a nomenclatura desta
grammatica, como apposições junto a um substantivo ou
pronome: desta observação, e de sua origem verbal piovciu
provavelmente o desacerto de sua classificação entre os
participios.
427. Pcmonstra-sc pelos seguintes exemplos que, pro­
cedendo do um verbo provido de complemento directo, os
gerúndios guardão o mesmo complemento,
NOVA GRAM^IATICA ANALYTICA

Se^ alguem,^ pais, colhendo uma flor destas, a desfolhar,


que mão de official será tão poderosa, que faça outra que
iguale com ella"? (Fr. Luiz de Granada). — (Colher uma
FLOR).
Cousa difficultosa parece que, tendo Arcadio presidiado
o SEU IMPÉRIO com as legiões romanas, e não havendo então
INIMIGO ESTRANHO quc com podcrosos cxcrcitos lhe fizesse
guerra, houvessem de bastar poucos homens desarmados para,
dentro em sua propria casa, destruirem o imperador, e mais o
império.^ (P. Ant. Vieira). — {Presidiar um império ... haver
[IIA, não ha] INIMIGO... INIMIGOS...).
428. Demonstra-se pelos seguintes exemplos que, pro­
cedendo de um verbo de estado, os gerundios guardão o
predicado do mesmo verbo.
Os pobres são os banqueiros de Peos: dá-se naquelle
banco a cento por um; e, sendo nós tão amigos de accres-
miíar, não mettemos todo o nosso cabedal naquelle banco!
( i . Ant. Vieira).— {JVós somos tão amigos...).
Os elephantes, quando fazem alguma jornada, e na marcha
se deitão, não é para se tornarem a levantar, porque alli
morrem, indo cansados. (João Kibeiro). - {Nós vamos (es­
tamos^ cansados).
429. Demonstra-se, emfim, pelos seguintes exemplos
que, os gerundios se 2>odem achegar a um sujeito tão ex-
clusivamente seu, que, embora não fique assignalado por
nenhuma concordância terminativa, fica-o siifíicientemente por
simples conversão dos mesmos gerundios em um modo de
facto.
Ex. Bem me lembra que, indo eu um dia de Bethlem
{como EU FOSSE um dia de Bethlem'), mal disposto em cima de
uni burro, diante um bom espaço dos companheiros, me encon­
trarão dous mancebos mouros bem valentes, a cavallo; e, por­
que me virão só, mui asperamente me mandârão que me apeasse
por lhes fazer reverencia; o que não querendo soj fazer {como
EU 0 não Q u izE ssE fazer), se forão a mim indignados. (Pan-
taleao de Aveiro). ^
H avendo concorrido innumeraveis turbas de gente
(OOMO HOUVESSEM CONCORRIDO INNUMERAVEIS TURBAS de
gente), começou Christo a dizer a seus discipulos que fugissem
de communicar com os phariseos. (P. J. B. de Castro).
^ Se alguém pensa que, sendo assolado o reino {quando
FOR assolado o reino ), pódc a sua casa ficar em pé, enqana-
se muito enganado. (P. Ant. Vieira). ^ ^
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 345

El rei Artaxerxes, sendo-lhe tomada a sua bagagem


pelos inimigos (^porque fôra-liie tomada a sua bagagem
pelos inimigos), vein, fugindo, a parar onde não aehou, para
comer, mais que uns figos seccos com pão de cevada. (P. Man.
Bern ardes).
Caminhando Socrates (Caminhava Socrates), um atre­
vido se descomediu com elle, e lhe deu um couce. E stranhando
ALGUNS a paciência do philosopho {Co7no estranhassem al­
guns a paciência do philosopho), disse: « Pois eu, que lhe hei
de fazer depois de dado [... depois de ter sido dado']? » Ites-
pondêi'ão: « Demandá-lo em juizo pela injuria. » Replicou:
« Se elle, em dar couces, confessa ser jumento, quereis que leve
um jumento a juizo ? « (P. Man. Bernardes).
Ora, se assim ficou demonstrado que o gerimdio póde
ter, c realmentc tem um sujeito exclusivamentc seu, claro
é que o não deve nem póde compartir com um infinitivo
que lhe venha a servir do complemento directo, porquanto
dahi originar-se-hia uma redundância insoffrivel. Kão se
diga, portanto, como tão a miudo se lê cm publicações pe­
riódicas : « Foi escolhido um edificio approp>riado ao inister
que se tem em vista, devendo effectuarem-se quanto antes
AS mais accommodações necessárias. » Pois o que dá a co­
nhecer o processo da substituição, é que « as mais accom­
modações... », sendo com toda a evidencia o sujeito do gc-
rundio k devendo » (... as mais accommodações devem....),
impossivel é que actue ainda a mesma palavra sobro o
infinitivo « effectuarem-s e ». Diga-se, logo: u Foi escolhido
um edificio appropriado ao mister que se tem em vista, de­
vendo EFFECTUAR-SE quanto antes as mais accommodações ne­
cessárias. »
Causa pasmo notar que, nem suspeita, nem repugnância
infundão aos contemporâneos cseriptores loquclas tão des­
afinadas. Entretanto a prova de não ser tal dureza de
ouvido enfermidade rara, ei-la estampada no seguinte an-
nuncio, de lavra mais ou menos official: « Abrem-se hoje as
aulas, devendo os alumnos apresentarem-se com os respec­
tivos... (documentos)... » Não é possivel deixar de fazer sobre
o caso uma reflexão em forma de cotejo. Os alumnos
assim convocados, que deverão estudarem, cm que de­
verão INSTRUIREM-SE lá sob RS vistas do mordomo-mór
daquclla casa? Naturalmcnte na grammatica que abona
tacs c quejandas exquisitices, 7ia philosophica : « Os alumnos
devem apresentarem-se... »
430. Assim cxjilanadas todas as relações syntaxicas
que 'interessão o modo infinitivo como expressão verbal.
346 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

nada mais se oppõo a que as que lhe são cspeciaes como


expressão substancial, sejão discutidas nos capitules em
que, a par dos substantivos, o mesmo modo constitue su­
jeitos, complementos directos ou indirectos, predicados ou
apposições.

OA.FITXJLO V

DO SUJEITO
431. Sujeito é o termo que, constando de uma ou
mais palavras, impõe ao verbo o numero o a pessoa. Fal­
tando, portanto, o sujeito, falta por isso mesmo ao verbo
a personalidade; e esta é a razão por que o verbo, em
taes casos, só acciisa uma unica fórma em cada tempo.
Ficão exceptuados tão sómente os gerúndios, por lhes não
assistir mais de uma fórma, quer tenhão sujeito, quer não.
Ex, quando as despezas de tudo isto devêrão sahir
do que sobejasse nos erários e thesouros reaes, que será onde
se vêni tiradas e espremidas das lagrimas dos vassallos carre­
gados, e com tributos sobre tributos, chorando os naturaes
para que se alegrem os estranhos, e antecipando-se as exé­
quias á patria por onde se lhe devera procurar a saude?
(P. Ant. Vieira).
Não se soffre que gente que tem um mesmo Pai celestial,
e caminha juntamente para uma mesma cidade celestial, não
se ame no caminho, havendo de ter no cabo da jornada tão
perfeita amizade e paz eternamente. (D. Fr. Bartholomeo dos
Martyres).
432. As únicas esjiecics de palavras idôneas para con­
stituir um sujeito são: o substantivo, o pronome, e o
VERBO NO INFINITIVO.
Ex. Todos os HOMENS QUEREM tCI' p ã O , C lliuito p ã O .
(P. Ant. Vieira).
Em buscar pão se resolve tudo, e tudo se applica a
0 buscar. (P. Ant. Vieira).
Pois, 0 DAR É caminho de accrescentar? (P. Ant. Vieira).
Observação. Muito diversa é a doutrina que a tal
respeito voga.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 347

Proclama-se, em primeiro lugar, que, não só as très


designadas especies de palavras, senão também todas o
quaesquer palavras, comtanto que substantivadas, podem
constituir um sujeito.
Ahi não ba propriamente erro : apenas ha desconheei-
mento das cautelas com que cumpre formular um ]n*incipio
didactico para o escoimar das falsas interpretações. O que
é verdade, é que toda e qualquer palavra póde vir a ser
tomada em sentido substantivai, caso cm que, para denun­
ciar a sua transmigração para esta classe, cila costuma
amparar-se de um artigo ou de algum adjectivo determi­
nativo.
Ex. Oh! quem pudera examinar este porque!... Os
PORQUÊS desta desunião nenhuma cousa valem, nenhuma cousa
montão, nenhuma cousa pesão ; e as consequências delia montão
tudo, pesão tudo, e levão tudo ! (P. Ant.Vieira).
Ora a consequência a tirar deste principio não é que
uma palavra substantivada póde vir tão sómente a formar
um sujeito, mas que póde ainda formar cada um dos outros
termos em que ao substantivo compete exercer umafuneção.
Verifica-se, aliás, esta allegação no exemplo citado; pois,
SC a locução « os porquês » constitue o sujeito dos très
factos subsequentes « valem, montão e pesão «, a locução
« ESTE porque )) forma, pelo contrario, o complemento di­
recto de « examinar «.
O que, outrosim, não é menos certo, é que toda c
qualquer palavra substantivada, seja originariamente artigo,
adjectivo, participio, preposição, adverbio, conjuneção ou
interjeição, deixa absolutamente de exercer, nessa nova
accepção qualquer das funeções que lhe são peculiares na
sua significação primaria, e portanto nada mais é daquillo
que era. Haja vista outra vez que, no exemplo citado,
nenhum de ambos os porquês apresenta-se como ligação
subordinativa, embora seja esta a sua funeção especial.
Não é prudente, portanto, dizer que um adverbio ou uma
CONJUNCÇÃO, por exemplo, póde constituir um sujeito, por­
quanto a palavra assim capitulada, nada mais tem, em tal
caso, da conjuneção ou do adverbio, nem sequer a invaria-
bilidade {Os porquês...).
Outra pretenção, que tem o assenso, senão de todos,
ao menos da mór parte dos grammaticos, ó que uma pro­
posição, ou oração, como sócm dizer, póde vir a formar o
sujeito de um verbo. Isso é simplesmente um daquellcs
absurdos que tanto dcsacreditão a scicncia grammatical,
por emmaranhá-la em inextricáveis dédalos, onde tudo é
confusão e trevas.

« ■• /
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Pois, em i^rincipio, se uma proposição póde constituir o


sujeito de outra proposição^ segue-se que a primeira vem a
formar simplesmente um dos termos da segunda, isto ó, a
ser uma das suas partes. Ora, de duas, uma: ou ba duas
proposições, ou ha uma só. Se ha duas, como póde vir
uma a ser ao mesmo tempo um todo e uma mera parte f
Evidentemente ella teria do em tal caso abdicar a sua au­ f
tonomia como expressão de um pensamento, para servir í;
apenas, como sujeito, de simples elemento secundário junto
ao facto do outro pensamento. Se não ha duas proposições
(porque nunca é um sujeito de per si mesmo o represen­
tante de um pensamento), se ha uma só proposição, emfim,
como então argumentar com duas f como dizer: uma pro­
posição póde vir a ser o sujeito de outra proposição? Tanto
vale pretender que um pensamento, e mais um pensamento
são um pensamento, c não dous.
Offerecerá ao menos o princij)io discutido, na sua ap-
plicação ás demonstrações analyticas, alguma vantagem
a pratica, que o releve da insanavel contradicção de que se
acha eivado em theoria? jSTenhuma. Observe-se, com ef-
feito, este principio em um dos exemplos mais proprios
j)ara lhe grangear ganho de causa.
« Quem quer vai, — (puem não quer manda. » (P. Man.
Bernardes).
Nesta sentença proverbial, os propugnadores da propo­
sição^sujeito achão por duas vezes realisado o sonho de sua
predilecção. Pois exclamão ufanos : Quem é que v a i ? E c s -
posta: Quem q u e r . — Quem é que m a n d a ? Eesposta: Quem
não Q U E R . — Ora, concluem elles, se « Quem q u e r », que,
pelo seu verbo, designa uma proposição ou oração, ó o su­
jeito de « VAI )), e « Quem não q u e r » que está em idênticas
condições, é o sujeito de « m a n d a », como recusar-se á
evidencia de que uma proposição ou oração póde, em certos
casos, tornar-se realmente o sujeito de outra! Isto não
soífre impugnação. Pois, a não ser assim, onde estaria o
sujeito ?
Antes de proceder á solução racional da diíRculdade,
indispensável é dirigir aos contrários uma pergunta. Que
representa ahi o vocábulo q u e m , seja, aliás, qual fôr a
classe de pronomes em que cada um o colloque? T odos
respondem una voce que é jialavra contracta: uns aceres-
centão que representa « Que homem »; outros, que repre­
senta ainda « O homem que »; e nós, que aceitamos gostoso
estas decomposições analyticas, porque temo-las também
como indubitaveis, juntamos-lhes apenas, de sobra, o escolio
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 349

tilo legitimo como os precedentes: « Aquelle que », visto se


ageitar melhor a certas transformações do texto.
Agora, sendo incontestável que todo o exame analytico
regularmente institnido deve considerar as ]:>alavras con-
traetas nos sons elementos constitutivos, dalii resulta que
o trecho em theso se converte indiífercntomente, sob o
processo analytico, em :
(( O homem que quer vai, o homem que não quer manda »;
ou em « Aquelle que quer vai, aquelle que não quer manda »:
o que dá, em ultima evolução, as quatro proposições que
se seguem, sedo cada facto de cada uma regido do seu
competente o proprio sujeito, que não é nenhuma proposífão,
e sim algum pronome dos mais categoricamente qualifi­
cados, o que repõe tudo nos devidos eixos :
Aquelle vai, — que quer (o qual)-,
aquelle manda, — que não quer (o qual).

Outrosim, desta solução certamente lógica, deduz-se um


corollario que, embora só applicavelá theoria da pontuação,
merece todavia uma "menção antecipada, como ]>rova de
que nada occorre, em tão minuciosas indagações, que seja
inteiramente ocioso: este corollario conclue em que a pon­
tuação correcta deste trecho não ó a que de proposito co­
piámos servilmente na sua primeira transcripção, e sim a
seguinte:
(( Quem quer, vai; quem não quer, manda ».
E é mais ou menos pelo mesmo modo que se resolvem
todos os phantasiados casos de proposição sujeito.
433. Constando do pronome pessoal, o sujeito fica,
por amor da brevidade e.ouphonia, mais geralmentc omisso
do que expresso. Constando de infinitivo, a omissão é caso
excepcional, porque o infinitivo nunca pódc ser substituido
por E L L E ou E L L A . Todavia, para que a suppressão do su­
jeito seja justificada, cumpro que a palavra omissa acuda
ao espirito com presteza o sem embargos.
Ex. Os cavadores não s e r i e i s os mais nobres e ricos da
terra. (P. Ant. Vieira). — (... não serieis vós...).
Se, porém, a um verbo na terceira pessoa do singular
não conseguem os tentames analyticos im])ôr e l l e o u e l l a
como sujeito, nem tão pouco, um infinitivo anteposto ou
pos])osto, signal é que um tal verbo é impessoal, isto é,
falto de sujeito.
Ex. Emquanto no mundo não i i o u v e ouro, então roí
idade de ouro. (P. Aht. Vieira).
NOVA GRAmATICA ANALYTIGA

Experimentação analytica:
Emquanto no mundo e l l e e l l a
o u não h o u v e ouro (!!!),
então E L L E ou e l l a f o i idade de ouro (!!!). Ahi, portanto,
são os dous verbos igiialmente impessoaes.
Exemplo de omissão de sujeito constando do infini­
tivo :
Sobretudo o tribunal supremo da razão assim o prova,
porque amigo de amigos, e inimigo de inimigos É voz que sôa
justiça, merecimento, proporção, igualdade. (P. Ant. Yieira).—
(... porque [ s e r ] amigo de amigos, e inimigo de inimigos É
voz que...).
Nos seguintes exemplos, a suj)pressão indevida de um
sujeito idoneo, junta ao emprego mal cabido da conjuncção
copulativa e , torna as orações, senão de todo ampliibolo-
gicas, ao menos de construcção viciosa:
Queixou-se a el rei D. Pedro I um ministro de justiça de
que, indo a fazer uma citação a certo fidalgo, este lhe dera
uma punhada, e lhe arrancára alguns cabellos da barba. O
rei, entregando a vara a um corregedor que estava presente,
lhe disse com grande fogo de zelo: « Acudi-me, Corregedor,
que me dérão uma punhada, e me arrancarão as barbas w.
Foi logo 0 corregedor; prendeu o delinquente, e f o i d e g o l -
L A D O . (P. Man. Bernardes). — (^uem não pensaria, á pri­
meira vista, que o degollado foi o corregedor? Eméndar-se-
hia a oração pela introducção de um pronome relativo
. . . 0 Q U A L foi degolado.

Perguntou Alexandre a Diogenes porque era tão amigo do


silencio, e r e s p o n d e u - l i i e : « Porque o silencio é meu. » (Luiz
Torres de Lima). — (Parece que quem r e s p o n d e é o mesmo
que P E R G U N T A . Emendar-se-liia o caso pela introducção de
um pronome demonstrativo . . . e s t e lhe respondeu...).
434. Todo o sujeito é simples ou composto (V. § 51).
Sendo simples, com elle concorda o verbo, não só em nu­
mero e pessoa, senão também em genero quando o mesmo
verbo é da voz passiva.
Ex. Com a carga demasiada c a h e o j u m e n t o , r e b e n t a
o C A N H Ã O , e V A I - S E O N A V I O a piquc.
Levados de ambição, q u e r e m o s h o j v i e n s mais do que
P O D E M e D E V E M [ e l l e s podcm e deveni]; por isso, o s a l t o s
C A IIE M , os GRANDES REBENTÃO, 6 TODOS SE PERDEM .

(Q u a n tos v ie r ã o a s e r v ir p o r q u e q u i z e r à o [ e l l e s q u i-
zerâo'] ser m a is s e r v i d o s , ou s e r v i d o s d e m a i s d o q u e
poDiÃo [ e l l e s p o d i ã o l m a n t e r ! (P. Ant. Vieira).
'\

SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 351

Saber o mundo É possuí-lo, porque É comprehender com


0 entendimento, e conservar no thesouro da memória tudo o
que nelle dispõe e obra a natureza. (P. 1). Eaphacl Blu­
teau). — (... porque [ saber o mundô] É comprehender com o
entendimento
Sendo o sujeito composto, a regencia por elle exercida
não é tão absolutamente a que, importada da lingua fran-
ccza, onde tem o seu cabimento, vai desmoronando por
ahi, nas escolas, a vcrnaculidade portugueza, que répugna
ao afrancezamento syntaxico x>or indole e isensão. A fór­
mula que por ora rege discricionariamente este caso, ó
pouco mais ou menos a seguinte por toda a parte;
« Com mais de um sujeito, ainda que seja cada um do
singular (isto é, por esta nossa grammatica : Com um su­
jeito composto, ainda que cada um dos componentes esteja
no singular), o verbo se põe regularmente no plural, concor­ ■Id
dando com todos, (quer elles estejão ligados por conjuneções,
(quer não. w (Extrabido). — A lição uniforme e constante
dos clássicos desmente tão restricto e acanhado preceito:
o que ella ensina, é que convém distinguir, jirocedcndo por
partes, para assentar a doutrina sobre as normas de boa
tradição.
435. Vindo o sujeito composto a constar de substan­
tivos ou de pronomes, ou promiscuamente de substantivos
e pronomes todos do plural e da mesma pessoa, o verbo
vai naturalmente para o plural, sendo que, se tiver de con­
cordar também em genero, por ser passivo, a concordância
se eífectua com a palavra que, do mesmo sujeito, lhe fica
a mais chegada, quer por anteposição, quer por pospo-
sição.
Ex. A POLVORA, AS BALAS, OS CANHÕES SÃO COMPRADOS.
(P. Ant. Vieira).
Nestes damnos não reparão os ministros e seus offi-
c i A E s , retendo as causas. (P. Man. Bernardes).

L eião-se as epístolas de S. Paulo, e particularmente as


que escreveu aos Romanos, aos Gaiatas, aos Ephesios. (Pr.
João Pacheco).
Emfi7n [ o s adidadores do rei, se têm muitos rostos, têm
uma só voz~\, porque sempre a língua e os gestos estão
APARELHADOS, OU na vontadc declarada para aqjqmovar, ou na
inclinação só presumida para o prevenir. (P. Ant. Vieira).
436. Vindo o sujeito composto a constar de substan­
tivos todos no singular, a regra de concordância não é a
352 NOVA GNAMMATICA ANALYTICA

mesma, conforme o mesmo sujeito vai anteposto ou pos-


posto ao verbo.
l.° Andando o sujeito anteposto ao verbo, e avoeando
pela sua complexidade, uma feição irresistivel de plurali­
dade, o verbo passa também para o plural.
Ex. Assim como J acob e E sau nascerão na mesma hora, -
assim acahárão a vida na mesma idade. (P. Ant. Vieira).
SiM EÃo E L evi porão aquelles dous irmãos que, para
vingar uma injuria que o principe Sichem tinha feito á sua
irmãa, matârão ao mesmo Sichem e a todos os Sichinistas.
(P. Ant. Vieira).
O PECCADO da usura, e a enfermidade da lepra pare­
cem-se em muitas cousas. (P. Man. Bernardes).
Se a guerra é civil, o sangue, a amizade, e o amor da
qmtria, que nas outras guerras formão grossas muralhas
contra os ataques dos inimigos, não têm força, muitas vezes,
para impedir a divisão que rebenta no seio das familias. (F.
Ant. Vieira).
M JVo tempo em que o lobo e o cordeiro estavão em
tregoas, desejava aquelle que se offerecesse oecasião para as
romper. (P. Man. Bernardes).
Cujos os portos que se enriquecem com os commercios e
tributos que o I ndo e Ganges só pagavÃo ao Tejo? (P. Ant.
Vieira).
O THRONO de marfim em que Salomão dava audiência, e
A CARROÇA chamada Ferculo, em que passeava, erão de tal
architectura e preço, que faz particular descripção délias a Es-
criptura. (P. Ant. Vieira).
Se, porém, os substantivos formando o sujeito repre-
sentão^ idéas que do certo modo se enfeixão em uma ab-
stracção summaria, o verbo, por syllepse, permanece no
singular; e, no caso de ser necessária uma concordância
em genero, ella se effectua geralmentc com o ultimo dos
substantivos.
Ex. A VIDA e o TEMPO nunca pãra. (P. Ant. Vieira).
Nomear Assuero a Aman por maior que todos os outros,
foi fazer que todos os outros fossem inimigos de Aman... Não
porque Aman lhes fizesse algum mal para lhe quererem mal;
mas porque o rei e a fortuna lhe quiz mais bem, e fez
mais bem cque a elles. (P. Ant. Vieira).
O REINO e A primeira benção, segundo o uso dos pa-
friarchas, e conforme a lei natural que ainda hoje se observa
PERTENCIA ao pvimogenito. (P. Ant. Vieira). ’
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 353

Se 0 PESO do ou7'o, e a quantidade da prata que con-


tribuião as minas, era tão excessiva, com toda esta immen-
sidade de thesouros, com todos estes rios de prata e ouro, como
não se aliviava a oppressão dos vassallos? como não se levan-
tavão ou diminuião os tributos dos povos"? (P. Ant. Vieira).
Mas, antes que vejamos em que todo este ouro e toda
esta prata se gastava, deixai-me fazer um reparo digno,
não só de admiração, mas de assombro e de pasmo. (P. Ant.
Vieira).
E sse ouro e prata, posto que naturalmente désce para
baixo, HAVIA DE SUBIR para cima: não havia de chegar
aos pequenos e pobres, mas todo se havia de abarcar e
CONSUMIR nas mãos dos grandes e poderosos. (P. Ant. Vieira).
Todo o APPARATO c FABRICA estrondosa de um raio, a
que SE REDUZ no ar ? A uma nuvem, a um relampago, a um
trovão e ao mesmo raio. (P. Ant. Vieira).
Toda A NOBREZA e EXCELLENCIA do homcm CONSISTE no
livre alvedrio. (P. Ant. Vieira).
[Ba estatua de Nabuco], o ouro e a cabeça signifi­
cava 0 império dos Assyrios; a prata, o peito e os braços
significaVÃO 0 império dos Persas. (P. Ant. Vieira).
(... os braços significavão...).
Que A TURBAÇÃO C O TEMOR SEJA ADVERSÁRIO da mcmO-
ria, e como de tal devem acautelar-se os prégadores e ora­
dores ein acções publicas, é cousa que muitas vezes tem mos­
trado a experiencia. (P. Man. Bernardes).
Aqui A MAIOR ELOQUÊNCIA 6 O MAIS DELICADO ENGENHO
não PÓDE fazer outra cousa, senão mostrar em tosco ladnlho
alguns desenhos e bo)'rões do que alli será, (P. Man. Con­
sciência).
E sta prosperidade e boa fortuna veiu emfim a dar
mostras de alguma mudança e declinação, porque esta grande
RIQUEZA e ABUNDANCIA, QUE SE DEVERA DE POUPAR p a r a ãS
necessidades da honra, se veiu a empregar toda em delicias
e appetites. (Franc, de Andrade).
O santo patriarcha Isaac diz: « O cheiro e fragrancia
de meu filho é como o de um campo cheio, a quem o benhor
abençoou, » (Fr. Luiz de Granada).
O PORTAL e FRONTispicio da principal entrada merecia
só um livro pela qualidade da obra. (Fr. Luiz de Souza).
L agrimas, humildade, brandura não era linguagem de
que naquella casa houvesse noticia. (Fr. Luiz do Souza).
2.“ Andando um mesmo sujeito posposto ao^verbo, já
354 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

se torna geralmentc escusada qualquer distincção, porque,


contrariamente aos hábitos que a desazada applicação da
doutrina franceza introduziu, e vai generalisando mais e
mais, o verbo não passa para o plural, mas concorda pura
e simplesmente em tudo com o primeiro dos membros do
sujeito que o rege.
Ex. Do mesmo pai n a s c e u I s a a c e I s m a e l ; e um foi
0 morgado da fé, outro, da heresia. Na mesma hora n a s c e u
J A coB E I s A u ’ ; e um foi amado de Deos, outro, aborrecido.
Na mesma terra n a s c e u C a i m e A b e l ; e um foi o primeiro
tyranno, outro, o primeiro martyr. (P. Ant. Vieira).
O que era necessário e util para a vida, n o t o u S e n e c a ,
D e m o c r it o e ainda o m e s m o E p ic u r o que o pòz a natureza
muito perto de nós, e muito descoberto e patente, como são as
plantas, os fructos, os animaes. (P. Ant. Vieira).
Ainda que não pareça meio de não desconsolar aos pre­
tendentes, muito mais os d e s c o n s o l a a d il a ç ã o e a s u s ­
p e n s ã o , do que os havia de desconsolar o desengano. (P. Ant.
Vieira).
A quarta culpa" forão os enganos, com tanta diversidade
nelles, quantas erão as occasiões, na paz e na guerra, das
promessas, das obrigações, das allianças, dos soccorros em cque
SE VIOLAVA, pelos interesses da conveniência, a p a l a v r a , a
VERDADE E A FIDELIDADE QUE entre inimigos e amigos d e v e
SER SAGRADA. (P. Ant. Vieira).

Que FOI UM N u n o d a C u n h a e t a n t o s o u t r o s heroes


FAMOSOS senão uns astros e planetas lucidissimos f (P. Ant.
Vieira).
FALTA-7ae O t e m p o e o a l e n t o para escrever. (P. Ant.
Vieira).
Era este templo, como r e f e r e G a r c il a ç o e o u t r o s a u -
TORES,^ um edificio famoso e capacíssimo. (Fr. Apollinario da
Conceição).
A esta arte dos pastores, como mais douta, p e r t e n c e o
CONHECIMENTO doS pastOS, A NATUREZA daS tcrraS, A VIRTUDE
das hervas, a s m u d a n ç a s do tempo, o m o v i m e n t o dos céos,
o s e p f e i t o s do sol, A QUALIDADE dos animaes. (Franc. Kodr.
Lobo).
Se na capitánea, onde v a i a b a n d e i r a e o p h a r o l ,
faltou 0 leme, derrotou-se a armada. (P. Ant. Vieira).
Na China, nem pelas estradas e caminhos que vão de
umas para as outras cidades e villas, c a b e ordinariamente o
POVO, RÉCOVAS E CARGAS. (P. João dc Luccna).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 355

Que cousa são as delicias, senão o mel da lança de Jo-


nathas ? juntamente v a i á bocca o f a v o e o f e r r o . (P. Ant.
Vieira).
Esta É A PARTICULAR DIFFICULDADE E O GRANDE PERIGO
em ([ue estão de se não conformarem com o soberano Original,
os que representão as imagens que têm as raizes na terra. (P.
Ant. Vieira).
Bem NECESSÁRIO FOI a Sua Excellencia t o d o o s e u e n ­
t e n d im e n t o , VALOR E CHRISTANDADE, E TODA A ASSISTÊNCIA
E .Tuizo do duque, para se conformar com a vontade de Deos.
(P. Ant. Vieira).
Nesta parte é admiravel o juizo, d is c r iç ã o , e l o q u ê n c ia
do autor. (P. Ant. Vieira).
Representava-se em certa occasião uma farça no paço real
de Gastelha, em que f i g u r a v a u m p o r t u g u e z e u m c a s t e ­
l h a n o pelejando. (P. Man. Bernardes).

O muito que naquella hora sente e deseja o homem, não


BASTA UMA SÓ LINGUA E UMA SÓ BOCCA a publÍcá-lo. (Fr.
Luiz de Souza). Jl
Não ESPANTA menos a f i r m e z a , n u m e r o e g r a n d e z a
de outras vidraças, que dão luz d igreja e cruzeiro. (Fr. Luiz
de Souza).
CoBRE-SE e s t a IGREJA E ABOBADA com um telhado tam­ r
bém de pedraria. (Fr. Luiz de Souza).
Eis-aqui como s e d e s t e r r a o t e m o r e o p e j o , e como
se estimula a luxuria, e se concedem licenças amplas á rela­
xação. (P. Man. Bernardes).
Até aos brutos animaes c h e g a a d o ç u r a e c o n h e c i ­
m e n t o da musica. (João de Barros).

« B e m d i t a e a d o r a d a e g l o r if ic a d a s e j a eternamente
VOSSA BONDADE, SABEDORIA E OMNIPOTÊNCIA, Senhor, que S ã O
os tres mysticos dedos de que conservais pendente a universi­
dade de todas as cousas! » (P. Man. Bernardes).
Mas nunca t e r á fim a f a m a e g l o r ia do seu nome.
(Fr. Franc, de S. Maria).
São, portanto, correctos os letreiros em que se lô:
« Compra-se o u r o e p r a t a »; porém não o são os em que
se lê : « Aluga-se c a r r o s ». Pois o P. Ant. Vieira disse:
« De umas cidades não s e s a b e m os l u g a r e s onde esti-
verão ».
Se, porém, por qualquer palavra anteposta ou logo
junta ao verbo, sobrcsahe como indicação que o sujeito
356 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

subsequente é composto, o mesmo verbo, obedecendo por


syllepse a esta prevenção, passa para o plural.
Ex. F orão inventores destes jogos H ercules, P ytho,
T heseo e outros heroes de quem os tomárào os Gregos e
Eomanos. (P. Ant. Vieira).
De PASTORES SUBIRÃO âs supremas dignidades que tive-
rã o : Giges, rei de L y d ia ; Sophi, rei dos turcos; P rimisláo,
rei de Bohemia; T amerlão, imperador dosScythas; J ustino,
imperador dos Romanos; V iriato, capitão dos Portuguezes;
E X isto, primeiro deste nome, summo pontifice romano. (Franc.
Kodr. Lobo).
D as deidades que os homens enganados endeosárão, pas­
tores PORÃO A pollo, Mercúrio, D aphnis , P an, P rotheo,
P ãris e P olyphemo. . . . Esta É a antiguidade e nobreza da
arte dos pastores. (Franc. Kodr. Lobo).
O bservação. Não ha duvida que estas regras, a julgar
pelo completo, ou quasi completo desuso em que hoje ca-
hírão, hão de ser tidas por importunas e inopportunas ; visto
como o novo principio que se lhes oppôz, além de ser de appli-
cação mais facil, por ser absoluto, parece melhor corresponder
aos dictâmes da lógica. Se se reflectir, porém,^ que a lingua
portugueza recebeu a sua configuração definitiva do cunho
que lhe imprimirão os seus grandes escriptores, não se
póde já, sem desacato, alterar-lhe as feições que lhe dão
foros de autonoma, para as substituir por outras de valia
duvidosa, e em todo o caso de procedência exótica.
Pois o que assenta ao francez, não tem necessariamente
igual cabimento no portuguez; porquanto, obedecendo a
necessidades diversas, cada um dos idiomas deve caminhar
por sua própria vereda.
O francez, sequioso do supprir a falta tão sensivel de
terminações características pela ligação possivel das pala­
vras, mórmente na elocução emphatica do púlpito, da tri­
buna e do theatro, não achou, todavia, neste recurso senão
um meio muito insufiSciente de emendar o seu vicio origi­
nário. Para compensar o que ainda assim lhe falleoia, não
admittiu senão parcamente o jogo das inversões, e pautou
mais as relações de sua syntaxe por uma espeeie de sys-
tema algébrico, procedendo por equações. Deste modo fir­
mava elle a integridade do pensamento.
O portuguez, pelo contrario, rico de sonoridades carac­
terísticas, e, por isso, mais musical, acabou por offender-se
'^1 de qualquer dissonância; e, no seu melindre excepivo,
antes quiz constranger o espirito ao esforço de uma inter-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 357

prctação do que sujeitar o ouvido a uma cacophonia. Afi­


gura-se-nos, portanto, ser esta a razão que obstou a que o
P. Ant. Vieira; por exemplo dissesse: « N ascerão Isaac...
— N otárão Seneca... » — « Muito mais os desconsolão a
dilação... »
Se, todavia, os novadores desentoados notarem que tal
argumentação desmerece por nimiamente fraca, não será
fóra de proposito recordar-lhes que o proprio francez,
apczar de sua pouca exigencia em semelhante assumpto,
não duvida de em mais de um caso sacrificar o rigor ma­
th ematico á euphonia, sem que o motivo tenha mais de
valioso do que o que acaba de ser allegado. Pois, reconhe­
cendo, por exemplo, no vocábulo « tout », um mero advcm-
bio, isto é, wna palavra invariável, quando por anteposição
a um adjectivo ou participio, modifica-lhes o alcance de
significação, todos os grammaticos francczes lhe attribuem,
não obstante, a variabilidade adjectival em certas e deter­
minadas circumstancias. (« Ges personnes sont tout éton ­
n é e s , TOUTES STUPÉFAITES dc ce qui arrive. » ... tout ...
t o u t e s ! !).
Em todo O caso, attenda-se ao que tão judiciosamente
enuncia o P. Ant. Vieira:
« E ’ GRANDE NOBREZA USAR DO SEU. »
437. Vindo o sujeito composto a constar de ^substan­
tivos no singular, porem ligados pela conjuncção ou, o
verbo permanece no singular, porque o facto, era realidade,
só é imputável a um dos componentes ; c, se se der mais o
Il i caso de uma concordância cm gcncro, ella se effectua com
o dos substantivos, ao qual se attribue sentido predomi­
t! nante.
■I Ex. Faça cada um muito escrupulo da sua desunião,
porque póde ser que delia d e p e n d e , ou a r u ín a , ou a con­
servação da estatua. (P. Ant. Vieira).
Tudo 0 que nasce na terra, o sol ou a chuva o cria.
(P. Ant. Vieira).
Aos outros peixes do alto m ata -os o anzol ou a fisg a .
(P. Ant. Vieira).
O RISO ou A ALEGRIA do peccador não É anim ado com
vida do espirito. (P. Man. Bernardes).
Tara se qerar um raio, é necessário que as exhalações
sejão seceas e cálidas, que o m ovim ento ou a n t ipe r ist a sis
as ACCENDA-.(P. Ant. Vieira).
jq- _ A expressão antiperistasis, usada nos antigos
358 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

s y s tc m a s d e P h y s i c a , n ã o t e m m a is e m p r e g o n e m s ig n ifi­
c a ç ã o n a e c ie n c ia m o d e r n a . D e s i g n a v a u m e s ta d o d e o p -
jDOsição c o m o o q u e se d á e n t r e o frio e o c a lo r.
E' BENÇÃO ou FATALIDADE dos 7’eis qu6 tudo 0 qu6 fi­
zerem ou quizerem, ainda que não seja louvável, seja louvado.
(P. Ant. Vieira).
Se, porém, fôr nem , em vez de ou, a conjuncção copu-
1ativa ligando os diversos membros do sujeito, o verbo
passa para o plural quando ambos os comjionentes actuão
conjunctamente nelle, ou fica no singular quando um dos
componentes exclue ao outro.
Ex. 7f, posto que havia ainda no mundo outro poder
maior, nem o anjo , nem o homem se contentarão com
poder 0 que podião. (P. Ant. Vieira).
Se algum capitão pudera escusar o conselho, era o genio
de Alexandre, formado pela natureza para conquistar e vencer.
Mas, NEM A SUA ARTE, NEM A SUA FORTUNA O LISONJEOU de
maneira que não antepuzesse o conselho a ambas. (P. Ant.
Vieira).
438. Vindo um sujeito composto a constar de sub­
stantivos synonymos, basta que o mais chegado ao verbo
esteja no singular para que com elle se eífectue a concor­
dância do mesmo verbo.
Ex. A NECESSIDADE, A POBREZA, A FOME, A FALTA do
necessário para o sustento da vida é o mais forte, o ?nais po­
deroso, 0 mais absoluto império que despoticamente domina
sobre todos os que vivem. (P. Ant. Vieira).
A razão está em que é isso mero artificio de estylo,
ao qual sobretudo se soccorrem os oradores quando, dese­
josos de conquistar a convicção alheia, insistem na idéa
principal, reproduzindo-a subtilmente por jialavras diversas.
E’ o mesmo como se fossem riscando successivamente as
expressões de que se servem, por in8uíficientes’e somenos
para o seu intento, até que, alcançando a que mais ade­
quada parece ao proposito que têm, cóm olla fação obra.
Verificu-se esta allegação (que não diz só respeito a um
sujeito como no exemplo citado, mas ainda a outros termos
syntaxicos), na continuação do mesmo trecho, adrede re­
cortado por interpolações, para tornar a demonstração mais
incisiva.
Não ha cousa tão difficultosa (não digo bem ), tão
ARDUA (não digo bem ), tão repugnante ã natureza , a
QUE A NÃO OBRIGUE (não digo bem), a que a não renda
(não digo bem ), a que a não su jeite , não por vontade, mas
rOR FORÇA E VIOLÊNCIA, û DURISSI3IA 6 INVIOLÁVEL lei da
necessidade.
439. Vindo um sujeito composto a ser summariamcntc
resumido cm uma expressão collectiva do singular, o verbo,
concordando exclusivamente com ella, permanece no sin­
gular.
Ex. A IDADE, 0 ENGENHO, AS OBRIGAÇÕES, TUDO ESTÁ
EMPENHADO a Vossa Alteza a ohrar conforme o seu real
sangue. (P. Ant. Vieira).
E, porque não achava a pomba onde descansar? Porque
buscava o descanso onde o não havia. As cidades, os cam­
pos, os VALLES, os MONTES, TUDO ERA MAR. (P. Ant. Vieira).
Tudo isto que vemos com nossos olhos, é aquelle espirito
sublime, ardente, grande, immenso, a alma. Até a mesma for­
mosura, que parece dote proprio do corpo, e tanto arrebata e
captiva os sentidos humanos, aquellà graça, aquella pro­
porção, AQUELLA SUAVIDADE dc CÔr, AQUELLE AR, AQUELLE
BRIO, AQUELLA VIDA, quc É TUDO scnão alma? (P. Ant.
Vieira).
O SOL, A LUA, AS ESTRELLAS, C O USO da SUa luZ, É
COMMUM a todos ; e assim era a terra no principio. (P. Ant.
Vieira).
' 440. Vindo um sujeito composto a constar de palavras
designando personalidades verbaes differentes, o verbo, con­
cordando em numero com todas, passa para o plural, mas
abi assume a terminação da pessoa que tem a prioridade.
A segunda pessoa tem a prioridade sobre a terceira, c a
primeira, sobre uma e outra.
Ex. Se se achassem aquellas m i n a s , . . . só os vossos engenhos
havião de ter muito que moer, porque yós e vossos filhos
iiAVifiis DE SER os moidos. (P. Ant. Vieira).
Eu E os MEUS NOS ALEGRAREMOS summamcnte com todo
0 seu bom successo, pela antiga amizade e boa correspondência
que sempre a nossa casa teve com as destes fidalgos. (P. Ant.
Vieira).
Parece que este sujeito tem estudado bem ; mas, nem eu,
NEM MEUS COMPANHEIROS ESTAMOS dc accordo dc pagar seus
estudos com as nossas cabeças. (Duarte Pibeiro dc Macedo).
441. Vindo um sujeito composto a constar dc infini­
tivos, o verbo pára no singular; porquanto, não competindo
iios infinitivos, como expressão substantivai, outro numero
do que este, isto é, o singular, não podem transmittir mais
do que têm. (V. § 411).
360 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. E n sin a r e a con selh a r é de sabios. — P erdoar


erros, e en g ra n d ecer bons intentos é de espiritos generosos.
(Franc. Eodr. Lobo).
P o u pa r , e morrer de fome para que outros vivão e alar­
deiem, É uma avareza mui louca. (P. Ant. Vieira).
O que todos acquelles orbes celestes fazem andando em
perpétua roda, e voltando sem nunca descansar, É produzir e
TEMPERAR com suas influcncias o que ha de comer o homem.
(P. Ant. Vieira). — (... produzir e temperar... é o que
todos aquelles orbes...).
Dando-se, porém, o caso que os infinitivos constituindo
o sujeito enunciem idéas adrede oppostas, o verbo passa
por syllepse para o plural, porque a producção de um con­
traste é inseparável da idéa de pluralidade.
' Ex. O DAR e 0 premiar são cousas muito differentes.
(P. Ant. Vieira).
A m a r , a g g ra v a r e e m pec er não se com padecem . (D.
Fr. Bartholomeo dos Martyres).
442. Embora os infinitivos o substantivos, pela diífe-
rença do indole, não possão geralmente ajuntar-so para
formar um sujeito composto, não ó sem exemplo encontrá-
los assim consorciados. Mota-se, porém, que, cm tal caso,
os infinitivos se apresentão sob a forma impessoal, que é a
que lhes cabe como abstraeções (V. § 420), isto é, no es­
tado cm que se achão mais conchegados aos substantivos.
Ex. El rei Antigono, vendo que seu filho se ensoberbecia,
lhe disse : « Não sabes, filho, que o nosso r e in o e o r e in a r
não É outra cousa que um captiveiro honrado ? » (P. Ant.
Vieira).
Que 0 rque baila e dansa, tem parte de louco e furioso,
basta vê-lo de fóra para confessá-lo... S ôa m uito estrondo
dos pés, MUITO CANTAR desentoado, m uito a la r id o dos con­
currentes, MUITO ím pe to dos que girão e emparelhão. (P. Man.
BCrnardcs).

OA^T>ITULO V I
DO COMPLEMENTO DIRECTO
443. Complemento directo é o termo que abrange a
palavra ou conjuncto de palavras inteirando o sentido do
SEGUNDA TARTE - SYNTAXE 361

um verbo sem intervenção de preposição, quer expressa,'


quer occulta.
444. As únicas cspccies de palavras idôneas para con­
stituir um complemento directo são: o substantivo, o pro­
nome e o VERBO NO INFINITIVO.
Ex. Na côrte, cada um busca a u^ lidade propria,
todos ru B L ic à o hons desejos. (P. Ant. Vieira).
D espede-se o mundo sem DizER-nos nada. (P. Ant.
Vieira).
Toda a creatura dotada de vontade livre appetece sempre
ser mais do quê é. (P. Ant. Vieira).
445. Os com])lcmcntos directos são simples quando
constão de uma palavra, e compostos quando constão de
mais de uma. Mas, quer cm um caso, quer no outio, ne­
nhuma influencia exercem sobre as modificações do verbo.
(V. § 60). Que assim não podia deixar de ser, torna-se
obvio pela consideração que, tendo a sua collocação normal
cm seguida ao verbo, repugna, cm principio, que as va­
riações de uma palavra sejão subordinadas á influencia de
outra palavra ainda não enunciada. Ao sujeito só é que
compete a propriedade de modificar o verbo em numcio,
pessoa e genero.
A menção desta lei qne, por intuitiva, póde paiecci
escusada, funda-se na necessidade do tê-la presente para a
demonstração de não poucos erros que vão tomando todos
08 dias novo incremento, por se confundirem complementos
directos com sujeitos, e vice-versa, mórmente cm relação
aos tempos pessoaes do infinitivo.
Assim é que se lê em um discurso da tribuna : « Erão
estas as observações que me occorrêrão fazer sobre a ma­
téria » O que dá a conhecer o desmancho analytico, e
que, ao verbo occorrêrão, não se lhe pode attribuir como
suieito o pronome relativo que que lhe vai na vanguarda ;
Dorquanto este vocábulo é complemento directo de fazer,
comD representante de observações: « ... As quaes oceorrew-
me FAZER... pois oecorreu-me fazer (o que?) esíns oBsp-
vações. o sujeito de occorreu vem assim a ser o infinitivo
FAZER.
446. A mesma lei que aparta os infinitivos dos sub­
stantivos e pronomes na formação dos ^sujeitos compostos,
aparta-os também geralmente na formação de complementos
directos compostos. A demonstração deste principio toina-
so sensivel pelo cotejo dos dous seguintes exemplos, em
362 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

quo infinitivos o substantivos de semelhante ou até de


identiea significação se não prestarião todavia a uma sub­
stituição que os associasse promiscuamente:
V edes vós todo aquelle bulir? vedes todo aquelle andar?
VEDES todo aquelle concorrer ás praças, e cruzar as ruas ?
VEDES aquelle subir e descer as escadas? vedes aquelle
ENTRAR e SAHIR scm quíetação nem socego? Pois tudo aquülo
é andarem buscando os homens como hão de comer, e como se
hão de comer. (P. Ant. Vieira).
Os gladiadores se adestravão primeiro, aprendendo as
IDAS e ^ venidaS; entradas e retiradas com outros antigos
no officio, a que chamavão lanistas. (P. Man. Bernardes). —
Intolerável seria dizer: Vêdes aquelle entrar e sahidas...
aquelle andar e venidas...
447. I)ahi decorre uma regra digna de especial re-
paro
Um verbo póde ter um complemento directo simjiles
ou composto, formado do substantivos ou pronomes, mas
um só; porquanto mais de uma relação desta especie pro­
vocaria equivocações. Assim é que não seria aceitavel,
dizer: « E nsino grammatica os filhos de meu tio », nem tão
pouco: « E nsino grammatica e geograpiiia os filhos e so­
brinhos de meu tio ». Para taes orações se tornarem cor­
rectas, um ou outro dos referidos complementos deve
tornar-se indirecto pela adjuneção de uma preposição:
(( E nsino em grammatica os filhos de meu tio », ou « E nsino
GRAMMATICA c GEOGRAPIIIA aos filhos c sobrinlios de meu
tio )).
Mas, por effeito da divergência original que separa os
complementos directos de infinitivo dos de substantivo ou
pronome, não subsiste a mesma incompatibilidade entre
uns e outros; ou, em outras jialavras: um só e mesmo
verbo póde ter dous complementos directos, quer simples,
quer compostos, comtanto que um soja de substantivo ou
pronome, e o outro de infinitivo.
Ex. Moido com açoutes, preso e vinculado, S. Paulo, á
meia noite, fez, com sua oração, tremer os fundamentos do
cárcere, e desfazer-sô as prisões em que estava aferrolhado.
(D. Fr. Amador Arraes). — Hoje, não ha duvida, á vista
do que em toda a parte se lê, teriamos: «... tremerem os
fundamentos ... desfazerem -se as prisões ... ))
Frei Thomaz da Costa fazia derreter em lagrimas até
os MAIS descompostos na vida. (Fr. Luiz de Souza).
A necessidade é a que leva o soldado á. guerra, e a es-
SEGUNDA PAKTE - SYNTAXE 363

calar as muralhas^ onde, vendo cahir uns a ferro, e voar


OUTROS a fogo, avança comtudo, e não desmaia. (P. Ant.
Vieira).
Alguns nos fazião ir adiante, e outros nos lançavão fóra
do caminho. (Pantaleão dc Aveiro).
Derão-se os reos por perdidos, porque o furor de um rei
moço e com armas, aggravado e resoluto, faz tremer os co­
rações mais alentados. (P. Man. Bernardes).
Observação. Não tendo os grammaticos francezes co­
gitado desta distineção entre complementos directos de
infinitivo, c complementos directos dc substantivos c pro­
nomes, embora o caso se dê em franccz com a mesma
frequência como em portuguez (Je vous entends parler...
Je LES vois venir), aconteceu que se limitarão a declarar
succintamente e sem mais indagações que: « Nenhum verbo
pôde ter dous complementos directos «. Pesvalou naturalmcntc
tão conciso e commodo aphorismo para a grammatica por-
tugueza ; mas, encontrando ahi tempos pessoaes no infinitivo,
deu isto azo a uma subversão dos bons principies, pelo
abandono das normas que legárão os clássicos. Porquanto,
sob a preoceupação incessante, entranhada, indestructivel
de que nenhum verbo existe sem sujeito, os regeneradores
modernos da linguagem, não achando emprego analytico
aos referidos complementos directos dc substantivos ou pro­
nomes, sagrárão-nos ufanamente sujeitos do mesmo infinitivo,
seu collateral em funeção syntaxica, e dahi a catadupa de
infinitivos pessoaes, mórmente com a terminação arem,
EREM, IREM, OREM, quc tauto raiigc e ruge nas publicações
hodiernas, em vitupério... dos clássicos. Ilaja vista o se­
guinte trecho, extrahido ao acaso de um contemporâneo:
« A historia póde-se comparar com um velho que, tendo vivido
milhares de annos, tendo visto edificarem-se as cidades, e
CAiiiREM em decadência, nascerem, florescerem e morrerem
AS NAÇÕES da terra, se senta para nos contar quanto se tem
passado... » Isso, como estylo, é a demonstração mais ca­
tegórica de como anda já estragado o tino auscultativo, c
de quanta urgência é a reacção. Pois, quantos, como este,
não bradarião hoje ao P. Ant. Vieira: « Não, Sr.: ... vendo
CAiiiREM UNS a ferro, e voarem outros a fogo...! » B ao
P. Man. Bernardes: ((Também não, Sr.: ...fa z tremerem
os CORAÇÕES....'» E ’ este um dos fructos da theoria pliilo-
sophica do verbo substantivo, com a sua trilogia inviolável.
« Mas, exclamará talvez mais de um curioso, que é^o
(( quc prova quc os allegados complementos directos não
(( são uns genuinos sujeitos, o portanto os clássicos ... uns
(( genuinos medalhões, dc gasta effigie? »
364 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

A prova é muito simples e muito facil. Fornece-a no­


vamente o processo da substituição. Uma só palavra tem,
cm portuguez, o privilegio bastante aprcciavcl de não
exercer outra funeção senão a de complemento directo, c
esta palavra é o pronome pessoal instável o, a, os, as.
Prcstando-sc elle a substituir sem constrangimento um sub­
stantivo ou pronome, prova é que um e outro exercem a
funeção de complementos directos ; porquanto, 'se fossem
sujeitos, 0 pronome avocado pela substituição seria elle,
ELLA, ELLES, ELLAS, como incontcstavel é cm presença dos
principios mais comesinhos da Grammatica.
Ora vejão se o P. Ant. Vieira não poderia rctorquir:
« Não, Srs.: ... vendo-os c a h ir a ferro; ... vendo-os v o a r a
fogo... » E o P. Man. Bern ardes: « Também não, Srs. :
fd-hos TREMER... »
Outrosim não faltão exemplos contestes.
Se eu pregára aos homens, e tivera a lingua de S. An­
tonio, eu os FIZERA TREMER. (P. Ant. Vieira).
Os Neros e Bioclecianos commutavão a morte e os tor­
mentos dos christãos com os mandar servir e trabalhar
nas minas. (P. Ant. Vieira).
Verdade é, entretanto, que João de Barros, se não foi
atraiçoado por um copista infiel, disse : Se um homem visse
no mar as nãos e galeões arrombados de tiros de fogo,
umas délias irem-se ao fundo, outras arderem em fogo e
chammas de alcatrão; ...os homens lançarem-se ao mar.
AFOGAREM-SE, qucm isto tudo bem visse, bem creio eu que es­
colhesse antes a paz que a guerra. — Porém, á vista dos
motivos expendidos, não parece que esta licção deva pre­
valecer contra a de Vieira e Bernardes, nem finalmente
contra a prova que taes sujeitos não são sujeitos, c sim
complementos directos, o que, portanto inliibe-os de reger
ao verbo.
448. Outra prova da dessemelhança que, segregando
os complementos directos de substantivo ou pronome dos
de infinitivo, parece legitimar a sua coexistência junto a
um mesmo verbo, infere-se da observação que os primeiros
só competem aos verbos activos e pronominaes, e a mais
alguns impessoacs, mas nunca aos neutros; ao passo que
os segundos competem indiíFerentemcntc a todas as mesmas
classes de verbos, isto é, também aos neutros. Assim é
que, embora neutros, isto é, embora incapazes de comple­
mento directo de substantivo ou pronome, os verbos i r c
VIR, por exemplo, não o são do de infinitivo.
SEGUNDA PAßTE - SYNTAXE

Ex. As arvores forão offerecer o governo á oliveira...


O espinheiro respondeu: « V inde todas deitar-?^os a meus
pés. » (P. Ant. Vieira)..
449. Todavia, assim como se encontrão infinitivos em
abstracto, excepcionalmente colligados com substantbms
na formação de um mesmo sujeito composto (V. § 44^),
assim se encontrão elles também por vezes associados para
a formação de um mesmo complemento directo.
Ex. Se 0 corpo morto é de um soldado, a ordem dos exei -
citos, A DISPOSIÇÃO dos arraiaes, a fábrica dos muros, os
ENGENHOS 6 MACHINAS belUcaS, O VALOR, A BIZARRIA, A AU-
DACIA, A CONSTÂNCIA, A HONRA, A VICTORIA, O LEVAR na
lamina de uma espada a vida propria e a morte alheia, ...
quem fazia tudo isto? A alma. (P. Ant. Vieira). o
LEVAR na lamina...').
450. Com os complementos directos compostos, muito
convem não confundir os pleonasticos. Constituindo um dos
idiotismos mais indispensáveis da lingua portugueza, elles
iazem todavia esquecidos, pela culpa provavelmente dos
grammaticos francezes, que, encontrando-os também, jiosto
que com menos frequência, na sua lingua, delles, nao ob­
stante, pouco ou nenhum cabedal fizerão ; o que teve por
effeito que fossem naturalmente desprezados pelos estrenuos
admiradores de Noël e Chapsal, e outros que taes.
A sua introducção na linguagem proveiu da falta de
declinações.
Por declinação designa-se o complexo das modificações
terminativas por que passão em muitas linguas, todas as
palavras variaveis que não são factos syntaxicos,^ para di-
rcctamente designarem que constituem um^ sujeito, um
complemento directo, ou um complemento indirecto, ou
que aos mesmos termos se associão como apposiçoes ou
I predicados.
O que é certo, é que, em portuguez, nada denuncia
pela forma, e frequentemente nada pela collocaçao, que um
^bstantivo seja antes sujeito do que complemento directo ;
r entretanto, frequentemente também nao b p ta o conjuncto
das demais palavras da oração para assignar-lhe a s i a
verdadeira funcção, c desembaraçar assim a linguagem <le
Im “ e T t equiLkções. O complemento indirecto, ao co_n
trario, esquiva-so gcralmente a esto perigo pela preposição
quG o caractcrisa.
A esto defeito de constituição remediou a necessidade,
que é a mãi dos inventos. Ella suggeriu a idea do ropro-
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

duzir um complemento directo duvidoso pelo pronome pes­


soal instável o, a , os, as ; porque, não tendo este vocábulo
outra funcção senão a de complemento directo, acontece
que, em recordando, por pleonasmo, o sentido do substan­
tivo ou pronome, declara-lhe ao mesmo tempo a funcção,
0 desfaz assim qualquer causa de incerteza.
Ex, Emfim^ ainda o pobre defunto, o não comeu a
terra, e já o tem comido toda a terra. (P. Ant. Yieira). —
A terra comeu o que? ou a quem? Comeu-o, isto é, o de­
funto (pleonasmo).
Ora, para se convencer da indeclinável necessidade
daquella reduplicação de complemento, basta attender ao
singular transtorno que póde neste caso adduzir na oração
a eliminação do pronome pleonastico.
Emfim, ainda o pobre defunto não comeu a terra, e já 0
tem comido toda a terra.
Outros exemplos:
Este é 0 mundo em que vivemos, todos cansando-se em
buscar o descanso, e todos cansados de o não achar. A razão
deu-A. S. Agostinho no livro I V de seus Desenganos. (P. Ant.
Vieira).
« Eu, Senhor, razões politicas, nunca as soube, e hoje
as sei muito menos; mas, por obedecer, direi toscamente o que
me parece. » (P. Ant. Yieira).
Esta GUERRA, sò A sabem fazer os moradores que con-
quistárão tudo isto. (P. Ant. Yieira).
Pois, u m a faísca que cahe em m a te r ia tã o d isp o sta ,
ta lv e z n ão b a sta to d a a a g u a do m a r p a r a apagá-L A . (P. Ant.
Vieira).
(( O’ voadores, o mar, /<2-lo Deos para vós, e o ar, para
as aves. » ... O voador, /é-Lo Deos peixe, e elle quiz ser
ave; e permitte o mesmo Deos que tenha os perigos de ave,
e mais os do peixe. (P. Ant. Yieira).
Bem entendo eu a grandeza deste favor; mas, a pro­
porção desta conta, não a entendo. (P. Ant. Yieira).
As ROUPAS, por preciosas que sejão, come-As a polilha
que nasce das mesmas roupas. E os metaes, ainda que sejão
ouro e prata, róe-os a ferrugem que nasce dos mesmos metaes...
Tudo o que nasce na terra, o sol ou a chuva o cria. (P.
Ant. Yieira).
Finalmente os mesmos vidos nossos nos dizem o que é a
alma: uma cubiça que nunca se farta; uma soberba que
sempre sóbe; uma ambição que sempre aspira; um desejo que
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 367

nunca aquieta; uma capacidade que todo o mundo a não


enche, como a de Alexandre. (P. Ant. Vieira).
Se se achassem aquellas minas, no mesmo dia havieis de
começar a ser feitores, e não senhores de toda a vossa fa ­
zenda. A ROÇA, havião-vo-ijA. de embargar para os mantimen­
tos das minas ; A casa, havião-vo-i,K de tomar de aposentadoria
para os officiaes das minas. (P. Ant. Vieira).
451. Quem reflectir attentamente sobre estas exem­
plificações, não poderá deixar de notar que, se a repro-
ducção pleonastica da mesma idéa, obsta em mais de um
caso, com singular propriedade, á contingência de um equi­
voco, em alguns, o sentido a dispensaria, a não ser o agrado
que ella inncgavelmente confere á dicção. Mas isso mesmo
é a prova mais cabal de que tal idiotismo, pela presteza
com que remove algumas causas de dubiedade, veiu a iden­
tificar-se com a linguagem, não como um expediente acci­
dentai, e sim como uma propriedade tão essencial e per­
manente, que mesmo lhe assenta fóra dos casos de estricta
necessidade. B’, portanto, de estranhar que, também neste
particular, a lição dos clássicos seja frequentemente menos­
cabada em publicações da actualidade, e que sua legitimi­
dade tenha sido até contestada no ensino, pela razão, —já
ge sabe, — que Noël e Chapsal não querem que um verbo
tenha nous complementos directos. Estes Noël e Chapsal,
que tanto deixárão por fazer e por desfazer no em que se
mettêrão a legislar, erigidos em oráculos philologicos !
452. Todavia o que se dá a conhecer, além disto, pelo
detido exame dos mesmos trechos, é que tal artificio só
serve, geralmente, para resolver os casos em que, por uma
troca de collocação normal, o complemento directo vai an­
teposto ao verbo, e o sujeito, a elle posposto. Porém facil
é imaginar hypothèses diversas em que, por não ser^ mais
0 mesmo recurso applicavel, por falta desta condição do
anterioridade do complemento principal, a oraçao se toi-
naria novamente amphibologica, porque tanto se prestaria
0 sujeito a ser complemento directo, como este mesmo com­
plemento a ser sujeito. Se o P. Ant. Vieira disseia, poi
exemplo ; k Assim fadou Noé seu neto Cannahan », o espii ito
do leitor poderia hesitar sobre quem fadou, e quem foi fa ­
dado: se Noé, se Cannahan. Neste caso, _o_expediente que
suggeriu a necessidade, teve tanto do decisivo como o an­
terior: ella autorisou a conversão do complemento directo
em indirecto, mas mediante o emprego de uma só e mesma
preposição : a preposição a.
Ex. « Assim fadou Noé a seu neto Cannahan «.
368 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

0 grande imperio que os Portuguezes fundárão na India,


... não acabou de repente como a monarchia dos Babylonios,
em uma noite em que Cyro venceu a B althazar; nem como
a dos Persas, em um dia em que Alexandre venceu a D ario.
(P. Ant. Vieira).
Ao principio receberão estas nações aos nossOs conquis­
tadores em boa amizade. (P. Ant. Vieira).
la D. João de Castro todos os dias ao campo, onde man­ /f
dava Aos SOLDADOS atirar a barra, jogar as armas, formar
esquadrões, incitando a uns com prêmios, a outros com lou­
vores. (Jac. Freire de Andrade).
Assim como o motivo de amar é o bem proprio, assim o
de aborrecer são os bens alheios. Nem Saul havia de aborrecer
A D avid, se não fôra mais valente; nem Abimelech a I saac,
se não fôra mais rico; nem os satrapes a D aniel, se não fôra
mais sabio. E, se passarmos dos solios aos estrados, também í
acharemos nos toucados estes malmequeres. Nenhuma gentileza
ha tão confiada, que a não piquem os alfinetes de ver a outrem í
mais bem prendada. (P. Ant. Vieira).
Ahi acóde naturalmente a mesma reflexão que já des­
pertou o anterior idiotismo, e vem a ser que este ultimo
tomou também tal assento na linguagem, que delle se vein
a usar ainda mesmo fóra dos casos de absoluta necessi­
dade.
Dabi, nas obras dos clássicos, a frequente conversão
dos complementoff directos cm indirectos, mórmente com
substantivos ou pronomes designando entes animados, sem
que se lhe possa assignar outra causa senão a preoccupação tii
que os possuia, de prevenir por este meio quaesquer am­
bages ou duvidas.
Ex. Entendeu o mysterio o rei victorioso e soberbo, e
mandou logo tirar do jugo aos vencidos. (P. Ant. Vieira).
Resolveu-se animosamente Carlos a acabar elle primeiro a
vida antes que a morte acabasse a elle. (P. Ant. Vieira). —
(Não: ... o acabasse). íi
O que a lei manda é : « Amarás a D eos (Beos) teu I :
Senhor com todo o teu coração, com toda a tua alma, com
todo 0 teu entendimento e com todas as tuas forças, e ao teu
PROXIMO (e teu proximo) como a ti mesmo. (P. J. B. dc
Castro).
Estava Diogenes á pòrta ou â boca de sua cuba, lavando
hervas para comer ; e disse-lhe um dos que passavão : « Se tu
aduláras a D ionysio, não comeras hervas ». — « E, se tu te
contentáras com hervas, não aduláras a D ionysio », respondeu
Diogenes. (P. Ant. Vieira).
' \

VJ SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 369

‘.'lí Se eu tivera autoridade para emendar a H omero, e con­


fiança para aconselhar a U lysses, não o havia de querer com
os ouvidos abertos^ e as mãos atadas^ senão com os ouvidos e
as mãos soltas. (P. Ant. Yieira).
Mas, porque dirão os palacianos que fallou S. Agostinho
como theologo e como santo, e não como politico, ponhamos-lhes,
de um lado, a P ithagoras, e do outro, a Socrates, que nem
forão theologos, mas ambos famosissimos mestres da republica
mais politica qual foi a de Athenas. (P. Ant. Vieira).
As palavras brandas do adulador são redes que elle arma
.. t para tomar ao mesmo adulado... E, como ninguém póde
servir a doüs senhores, sem amar a um, e ser inimigo do
Üf, outro, provado fica sem replica que, quantos forem nos palacios
os amigos dos seus interesses, tantos são os inimigos dos reis.
(P. Ant. Vieira).
m Isto disse e fez Jacob, desherdando e privando do reino
AOS Dous FILHOS a queiii de direito pertencia, só por serem
vingativos, e não perdoarem aggravos. (P. Ant. Vieira).
« Eis-aqui, ó rei de Israel, a quem andas buscando pelos
desertos para o matar! » (P. Ant. Vieira).
A formosura é peior que o fogo, porque este queima a
QUEM O toca, e ella abraza de longe. (P. Ant. Vieira).
453. Mais longe ainda levárão os clássicos o apura­
mento da dicção neste sentido; pois não duvidárão de, em
numerosos casos, associar um e outro dos referidos idio­
tismos, enriquecendo assim a lingua de uma valiosa neo-
logia.
Ex. Ao HOMEM, / 6-LO Dcos para mandar; aos brutos,
para servir. (P. Ant. Vieira).
« Também A vós, Senhor, vos ha de alcançar parte do
castigo. (P. Ant. Vieira).
« Se A B althazar, por beber pelos vasos do templo, em
que não se consagrava o vosso sangue, o privastes da vida e
do reino, porque vivem os hereges, que convertem vossos cálices
a usos profanos f » (P. Ant. Vieira).
« Aos OUTROS PEIXES do alto, mata-os o anzol ou a fisga;
A vós, sem fisga nem anzol, mata-vos a vossa presumpção e
vosso capricho... Aos outros peixes, mata-os a fome, e en­
gana-os a isca; ao voador, mata-o a vaidade de voar, e a
sua isca é o vento. » (P. Ant. Vieira).
454. Cumpre, entretanto, notar que seria grave erro
de lógica incluir tacs complementos entre os genuinamente
indirectos, porquanto a preposição que os rege, é mero vo-
370 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

cabulo expletivo, isto é, sem outro effeito que uíío o de


fornecer uma mera indicação. E tanto é assim que a pa­
lavra apparentemente regida da preposição a conserva a
propriedade essencial dos complementos directos de sub­
stantivos ou pronomes junto aos verbos activos, a qual
consiste em prestar-se a formar o sujeito dos mesmos ir
verbos quando convertidos em passivos, o que em caso íi
algum se póde dar com um complemento real e genuina­ n
mente indirecto.
Assim FOI FADADO por Noé o seu neto Cannahan, —
O HOMEM foi feito j)or Deos j>ara mandar; os brutos, vara
servir.
1 ai eco, portanto, rasoavel chamar-lhes, nos exercidos
anal’^ticos, com plem entos indirectos im pr o pr io s , para, mór-
mentc nas versões, ou outros estudos comparativos de lin-
guistica, nao incorrer numa errônea apreciação das relações
syntaxicas peculiares^ deste caso. Aliás torna-se intuitiva a
justeza desta allegaçao pelo seguinte exemplo;
Não me admira tanto ver um homem amigo da ravina
ou iracundo, ou luxurioso, como ver a um homem ingrato
(P. Man. Bernardes). ^
PoÍ8_nenhuma diíferença de sentido nem de relação se
deixa ahi perceber entre a formula ver um homem e ver
A UM HOMEM.
Em resumo, o com plem ento in d ir e c to im pr o p r io é
mero equivalente de um com plem ento d ir ec to .
455. Assim como um só e mesmo sujeito póde com­
petir a mais de um verbo, também a mais de um verbo
pode competir um só e mesmo complemento directo.
Ex. A lepra pega-se aos vestidos e ás casas, e os consoaie e
AFEIA, também a usura destroe as casas e familias, e
t t __________ __ ^ lí ir -r>. _
as em-

Parece todavia, consentaneo com a lógica e a euphonia


que 0 mesmo complemento se deva, em tal caso, ageitar a
cada um dos verbos em separado, e não ao ultimo sómente.
Lode-se, portanto, considerar como menos correcta a se­
guinte oração :
(f Louvo-me e aceito a vossa decisão ». Melhor é em tal
occurrencia, dissociar OS VOvHofl A 1* o nrtr\cí ^ ^^
j. j « jLJuuuu-/nt na
vossa decisão, e aceito-a^). Outrosim nota-se geralmente um
certo empenho em acatarem os clássicos este dictame do
bom senso.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 371

Ex. 0 que s u s t e n t a e c o n s e r v a o s r e i n o s , é a união.


(P. Ant. Vieira). — (... s u s t e n t a os r e i n o s . . . c o n s e r v a os
r e i n o s ).

Os varões sabios hão de continuar a derrota., sem m u d a r ,


DETER nem t o r c e r a c a r r e i r a do horn governo. (P. Ant.
Vieira). — (... sem m u d a r a c a r r e i r a . . . nem d e t e r a c a r ­
r e i r a . . . nem t o r c e r a c a r r e i r a . . . ) .

E ' a ilha toda composta de um confuso e intrincado la­


byrinthe de rios, e bosques espessos,... onde não é possivel
CERCAR, nem a c h a r , nem s e g u i r , nem ainda v e r o i n i m i g o .
(P. Ant. Vieira).
Como aquelles gentios não t e c e m nem t ê m p a n n o s , é
grande entre elles o uso das pennas. (P. Ant. Vieira).
A necessidade é a que m e t t e o u p r e c i p i t a o s i i n e i r o
no mais profundo das entranhas da terra. (P. Ant. Vieira).
As primeiras creaturas que com suas vozes n o s i n j u r i Ão
e e n v e r g o n h ã o , entre aquellas que o Senhor creou, mas não
remiu, são as aves. (P. Ant. Vieira).
Se alguém deseja alguns dictâmes para e s c o l h e r e a d ­
q u i r i r AMIGOS, póde arrimar-se aos seguintes. (P. Man. Ber-
nardes).
O infante B. Duarte dizia que não era razão que eu per­
desse meu tempo em esperar, podendo-o g a s t a r e e m p r e g a r
melhor em meus estudos. (André de Kezende).
456. E’ também digno de reparo que, dentre os verbos,
muitos são os que, em variando de aecepção, varião por
isso mesmo de complemento, pedindo, já um directo, já um
indirecto. Assim é que se diz: « Carregar u m n a v i o », e
« Carregar com a s c u l p a s a l h e i a s »; — « Correr u m g r a n d e
PERIGO », e (( Correr a t r a z d a f o r t u n a ». Apenas alguns
verbos se compadecem indifferentemente, em uma mesma
aecepção, com um comjilemento directo ou indirecto, como
« Gozar b o a s a u d e o u d e b o a s a u d e »; — « Cumprir o s e u
DESEJO ou COM O SEU DESEJO ».

Porém, sendo esta questão uma das que fogem a todo


e qualquer critério de generalisação, sua solução não cabe
já nas attribuições da grammatica, e sim nas da lexicogra-
phia, a cujo cargo fica ventilar cuidadosamente o que é
peculiar de cada palavra em particular.
CA.PITXJLO VII

DO COMPLEMENTO INDIRECTO

457. Complemento indirecto é o termo que abrange a


palavra ou conjuncto de palavras regidas, quer expressa,
quer occulta, quer implicitamente de uma preposição. pi'
Todas as manifestações do mesmo complemento appa-
reccm representadas, e algumas exuberantemente, no se­
guinte exemplo :
Veiu UMA VEZ a luz a s e r j u l g a d a n o j u í z o d o s h o ­
m e n s , e vinha ella m u it o confiada^ porque jÁ a n t i g a m e n t e
tinha appa? ecido d i a n t e d o j u í z o d e D e o s , e sahiva d e l l e
COM GRANDES APPROVAÇÕES. (P. Ant. Yieira).
Ahi é a regencia expressa em : « a ser julgada — n o
(EM o) j u í z o — DOS ( d e o s ) Jiomens, d ia n t e do ( d ia n t e d e
O) juizo DE Deos, DELLE ( d e elle) — COM grandes appro-
^CtÇOCS* ))

E’ occulta e m : « u m a v e z ( d e uma vez). »


E i m p l i c i t a e m ; « m u it o , — jÁ — a n t i g a m e n t e . »
458. As únicas especies de palavras idôneas para a
íormaçao de um complemento indirecto são os substan- i\'í
os- verbos no infinitivo, e os advérbios
(V. § 251).
V e r if ic a - s e e s t a a l l e g a ç ã o n o e x e m p l o c i t a d o , p a r a o s
s u b s ta n tiv o s , p e la s p a la v r a s ; uma V Ez — no j u i z o — dos
HOMENS^ diante do j u í z o — de D e o s , — com grandes a p -
PRO VA çõEs » ; p a r a o s p r o n o m e s , p e l a p a l a v r a c o n t r a c t a
(f DELLE {de ELLE) )) ; p a r a o s v e r b o s n o i n f i n i t i v o , p e l a s p a ­
l a v r a s « a SER JULGADA )),' p a r a o s a d v é r b i o s , p e l a s p a l a v r a s Pií
» MUITO, — j A — ANTIGAMENTE i). í'
• Assirn como os mais termos, os complementos
indirectos sao simples quando çonstão de uma só palavra,
c compostos quando constão de mais de uma, comtantó
que, neste ultimo caso, todas as palavras, regidas da mesma
preposição, quer repetida, quer não, fiquem incluidas numa
mesma relaçao, o que se determina, com a maior facilidade,
pela intercalaçao, ou possibilidade de intercalação entre
ellas, de uma conjuneção copulativa. São, portanto, com-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 373

plementos indirectos compostos, pela razão aventada, os


que vêm assignalados no seguinte exemplo:
E ' a guerra aquelle monstro que se sustenta das fa­
zendas, DO SANGUE, DAS VIDAS; c, quanto mais come e con­
some, tanto menos se farta. (P. Ant, Vieira). — {que se
sustenta das fazendas e do sangue e das vidas...).
Com quanta prudência, agrado e modéstia se defende
S. Paulo de todos! (Fr. João Pacheco).
Não ha, porém, caso de complemento indirecto com­
posto no subsequente exemplo, apezar da reproducção suc-
cessiva da mesma preposição ( de), porque não se dá a
condição de identidade de relação, como fica demonstrado
pela impossibilidade de interpor uma ligação copulativa
entre as palavras regidas.
üm só livro que se achou, era das V idas dos Santos.
(P. Ant. Vieira). — (Não: . . . das V idas e dos Santos).
Este principio fundamenta uma regra obvia de pon­
tuação, a qual é que a virgula só se interpõe entre membros
de um mesmo complemento composto, na ausência de uma
conjuncção copulativa.
Outros exemplos de complementos indirectos com­
postos :
(SuBST. com subst.) — O poder e poderes do anjo erão
SOBRE A TERRA, SOBRE O MAR, SOBRE O AR, SOBRE O FOGO,
E, não SÓ SOBRE TODOS OS ELEMENTOS, mas também sobre
TODOS os CORPOS CELESTES, E SOBRE TODOS OS ASTROS E SEUS
MOVIMENTOS. (P. Ant. Vicira).
(P ron. com PRON.) — Segui e servi a Christo, eu vos
asseguro que, nem a vós, nem a elles, lhes faltará pão. (P.
Ant. Vieira).
(S ubst. com pron.) — Depois da morte de Joseph, Christo
grangeou o succeder-lhe na mesma officina, ganhando o pão,
PARA SUA MÃi E PARA si, com 0 suoi' do seu rosto. (P. Ant.
Vieira).
( I nfin . com infin .) — No comer e beber foi el rei
D. Duarte mui temperado. Fez um livro em que, parece, daria
alguns preceitos de bem cavalgar, e governar os cavallos.
(JDuarte Nunes de Leão).
( A d v . c o m ADV.) — Amemos o proximo espiritual e
santamente. (D . Fr. B a r tb o lo m c o d o s M a r t y r e s ) .
(Loc. ADV. com SUBST.) — Vós virais os olhos p>ara os
mottos e para o sertão : para cá ! para cá ! para a cidade
é que haveis de olhar! (P. Ant. Vieira).
374 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

460. Embora os infinitivos repiignem geralmente a


entrar com substantivos na composição de um só e mesmo
complemento indirecto, encontrão-sc, todavia, uns e outros
assim eventualmente colligados, como excepcionalmente
também o são para a formação de algum sujeito ou com­
plemento directo de mesma especie.
Ex. A necessidade é a que leva o soldado Á g u e r r a , e
A ESCALAR «s murallias. (P. Ant.Yieira).
O' voadores, contentai-vos com o m a r e com o n a d a r
(P. Ant. Yieira).
Como acontecia virem a Braga muitos religiosos de todas
as Ordens, e outros ecclesiasticos. ou a n e g o c ia r , ou d e p a s ­
s a g e m , havia o arcebispo por affronta sua andarem por esta­
lagem. (Fr. Luiz de Souza).
Que taes colligaçoes, apenas toleráveis por causa do
disfarce produzido por um certo consorcio entre as idéas,
não podem constituir regra, demonstra-o a impropriedade
saliente do seguinte exemplo: « Gosto d e c a n t o e d e
DANSAR )).

461. Na formação dos complementos indirectos com­


postos em que entra como componente um pronome pes­
soal, dá-se uma anomalia merecedora de especial reparo
pela sua singularidade. ^
Se se exceptuar e l l e , e l l a , e l l e s , e l l a s , os únicos
pronomes desta classe que consentem em admittir a re-
gencia de uma preposição expressa, são os da terceira
ordem ( m im , t i , s i , n ó s , vós, si).
Ex. Aonde não ha differença d e m im a t i , nem de meu
a teu, logo se acerta no caminho. (P. Ant. Yieira). — Porém
tal é a sua appetencia pela preposição que os tem de
reger, que, ao contrario dos substantivos ou outros pro­
nomes, nunca dispensão-lhe a repetição; nenhum dos refe­
ridos pronomes consente em apparecer sem que lhe ande
a prejiosição pela vanguarda.
Ex. (í Quanto ás cousas da índia, ellas fallarão p o r s i
e POR MIM ». (Aífonso de Albuquerque). — (Não • vor si
e mim). ^
Christo ganhava o pão, p a r a s u a m ã i e p a r a s i , com o
suor do seu rosto. (P. Ant. Vieira). — (Não: ... para sua
tnO/Z ô stj»
Ora jima preposição ba que tem, em certo caso, um
sentido tao particular, que a sua repetição se torna então
inadmissível. Esta preposição é e n t r e ; e o caso em que
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 375

lhe fica interdita a repetição, é quando as partes sobre que


tem de actuar, não despertão no espirito um numero su­
perior a Dous, como: « Entre um e outro », ou « Entre uns
e outros ».
Ex. Na batalha naval e n t r e os C e s a r ia n o s e F r a n -
CEZEs, matou uma bala de artilheria quarenta Cesarianos.
(P. Ant. Vieira).
« Quero metter tempo e n t r e a m o r t e e a v id a ». (P.
Ant, Vieira).
O que dahi resulta, é que, vindo em tal occiirrencia o
segundo membro do complemento a ser um pronome pes­
soal, ou até sendo-o ambos os membros, os mesmos pro­
nomes, como arrufados de terem de compartir uma só c
mesma regencia, despem o seu fato de complementos indi­
rectos, para vestirem o que lhes competiria como sujeitos,
afim de, por este modo, assemelhar-se aos demais pronomes,
que não possuem senão um unico trajo para todo c qual­
quer serviço syntaxico.
Ex. Christo repartia, e n t r e su a m ã i e e l l e , o pão que
ganhava com o suor do seu rosto. (Não: ... entre sua mãi
e si...).
E n t r e e u e t u , já não pôde haver mais paz nem con­
córdia. (Não: Entre m im e t i ...) .
Fora destes casos de dualismo, os pronomes pessoaes
tornão a tomar, depois de e n t r e , a sua catadura comple­
mentar bãbitual.
Ex. Os Alarves guardão e n t r e s i tal maneira de con­
servação de sua geração, que em nenhum caso consentem casar
com outra gente que não seja da mesma nação. (Fr. Bernardo
da Cruz).
462. A mesma interdicção que veda, junto a um verbo,
o uso de dous complementos directos de substantivo ou
pronome (V. § 447), estende-se igualmentc ao emprego de
dous semelhantes complementos regidos separadamente da
mesma preposição. Contra esta regra peceou, portanto,
Fernão Mendes Pinto quando disse: « A agua doce desce
do cume da serra por entre bosques de arvoredo muito basto,
de cedros, carvalhos e pinheiros mansos e bravos, d e q u e
muitos navios se provêm d e v e r g a s , m a s t r o s , t a b o a d o e
OUTRAS MADEIRAS ». Coiivíra uiodificar por uma preposição
diversa uma ou outra das relações indigitadas, por exem­
plo : « ... DE QUE muitos navios se provêm p a r a su a s v e r g a s ,
MASTROS E TABOADO»; OU « . . . POR MEIO DOS QUAES VlUitOS
navios se provê?n d e v e r g a s , m a st r o s e t a b o a d o ».

ÍíkV« a •V
376 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Porém a mesma impossibilidade desapparece, se, como


em relação ao complemento directo (V. § 447), um delles
consta de substantivo ou pronome, c o outro de infi­
nitivo.
Ex. (( Vim a servir, não vim a com m erciar — ao
O r ie n t e ». (D. João de Castro). j»
Também não ha incompatibilidade entre dous comple­
mentos, um dos quaes é indirecto improprio, e o outro,
proprio ; porque não ba nenhuma paridade de reiações.
Ex. Logo que T>. Manoel ouviu a nova de tão insignes
desacordos, ateou-se-lhe tão violenta cólera, que despachou su­
bito A D iogo de A lm eid a e a D iogo L obo (in d ir. im p r.),
com suprema alçada a L isboa (indir. proprio). — (Hist, de
D. Manoel). if l J \
Emfim nem tão pouco se dá incompatibilidade entre
os très complementos indirectos seguintes, porque cada um
é de natureza diversa : « Ao duque de A l v a (compl. ind.
impr.) mandou a Majestade de el rei catholico a G u ad a lu pe
(compl, ind. prop, de subst.) a im p e d ir (comp. ind. prop,
do infin.) a jornada de Africa. (Luiz Torres de Lima).
463. Aliás a mesma necessidade que creou os comple­
mentos directos pleonasticos, acarretou, por uma correlação in­
evitável, 0 ernprego de complementos indirectos também pleo- Pi
nasticos, porém, como é obvio, por meio de um pronome
pessoal differente, mas dotado igualmente da propriedade
de representar uma só e unica das relações do complemento
indirecto. Este pronome é l h e , l h e s , correspondendo ana-
lyticamente ás locuções a e l l e , a e l l a , a e l l e s , a e l l a s .
A correlação era inevitável, porque, vindo, por exem­
plo, uma oração a ser iniciada por um substantivo ou pro­
nome regido da preposição a , o espirito só acerta anteci­
padamente com uma conclusão, e vem a ser que tal palavra
não é um sujeito, e sim um complemento; porém fica per­
plexo sobre se deve considerál-o como indirecto proprio ou
indirecto improprio (V. § 454). Será indirecto improprio, se
lhe vier em auxilio o, a , os, as (Ao voador , mata-o a vai­
dade de voar)] será indirecto proprio, se lhe vier em auxilio
l h e , l h e s (Á o voador , melhor l h e fôra mergulhar por baixo
da quilha). — (P. Ant. Vieira). — ( ... lhe— a e l l e ...) .
Outros exemplos de complementos indirectos pleonas­
ticos :
A UM p r ín c ip e virtuoso, tudo se lhe rende ; a u m p r in -
c ip vicioso, parece que a terra se lhe levanta. (P. Ant.
Vieira).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 377

A QUEM não tem bens, ninguém l h e quer mal. (P. Ant.


Vieira).
A’ B E N E v o L E N C i A dos aduladores, dd-Lim logo as costas.
(P. Ant. Vieira).
A’s GALAS de Salomão, o mesmo Christo l h e s chamou
gloria. (P. Ant. Vieira).
Ao AVARENTO, não LHE peço nada; ao d o u d o , não l ii e
atalho a furia; ao p o b r e , não l h e devo. (Lobo).
464. Podendo um só e mesmo complemento indirecto
competir simultaneamente a mais de um verbo, é-lhe também
applicavel a regra que no mesmo caso governa os comple­
mentos directos (V. § 455), a saber: que um tal comple­
mento deve se coadunar com cada um dos verbos em
separado.
B x . Assim 0 poderá fazer quem tanto c o n f ia r ou p r e ­
s u m ir de sua constância. (P. Ant. Vieira). — (... quem tanto
CONFIAR DE SUA CONSTÂNCIA, OU PRESUMIR DE SUA CONSTÂN­
CIA).
A preguiça do Brazil anda devagar, mas anda; a de
Portugal e de seus ministros a c a d a p a s s o p á r a e d o r m e .
(P. Man. Bernardes). — (... A c a d a p a s s o p á r a , e a c a d a
PASSO d o r m e ).
M ão seria, p o rém , c o rre c to d iz e r : No mesmo dia e n ­
t r á m o s e sAHÍMos DAQUELLA CIDADE. P o is SC se p ód e saJür
de uma cidade, n ão se p ód e entrar d e uma cidade. C a re c e 1
em ta l ca so d a r a ca d a v e rb o o co m p lem en to qu e p e d e :
E n t r á m o s n a q u e l l a c id a d e , e d e l l a s a h ím o s no mesmo
dia. L
465. A mesma observação tem toda a força de lei
para os substantivos, adjectivos, pronomes, participios ou
advérbios que, associados ou associaveis por uma con-
juncção copulativa, apresentão-se inteirados por um só e
mesmo complemento. Seria, portanto, menos correcto dizer:
O AMOR e A FÉ e m D e o s , visto não se compadecer a pre­
posição EM com o substantivo amor. Seria-o igualmente,
por motivos analogos, dizer: Mostrar-se in f e n s o e in c a p a z
DE AMIZADE ; — Ficar e n t r e g u e e p e r d id o d e v íc io s ; —
Ser julgado c o n ju n c t a ou s e p a r a d a m e n t e d o s co -r é o s , etc.
466. Quanto á selecção a fazer entre as preposições
conforme as numerosas e variadas relações que são cha­
madas a indicar, é uma questão tão alheia á grammatica,
sciencia de generalisação, quanto o poderia ser incumbí-la
da tarefa de estabelecer por regras predeterminadas a or-
r

378 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

thographia de cada palavra em particular. Para uma c


outra cousa forão creados os diccionarios. Ora causa pasmo
ver tantos grammaticos estafar-se entretanto na procura do
princípios genericos que resolvão tão irresoluvel problema,
como se a confissão com que costumão rematar os seus ar­
razoados, de que, ás tres ou quatro dúzias de exemplos por
elles adduzidos, cumpriria accrescentar mais alguns milhares
para exhaurir a matéria, não os devesse tornar lembrados
que lexicographia não é grammatica. Outrosim, qual póde
ser, em uma obra scientifica, a utilidade e o interesse de r
industriar a mocidade estudiosa, como se faz por exemplo
em tantas grammaticas, na subtil distineção que em: Passeiar
COM UM AMIGO, a preposição denuncia uma relação de com­
panhia ou^ sociedade, e em : Ferir com um fer r o , uma re­
lação de instrumento ? Pevéras ! julgar que são necessárias
taes elucubrações em uma grammatica, é suppôr este livro
na mão de quem ainda não se entende, nem tem con­
sciência de si; e, em tal caso, o mestre ou a mestra deve
ser uma ama, e o livro, qualquer fatia ou bom bocado.
Alem disto, nem sempre fornece de prompto a linguagem
uma expressão adequada á caracterisação de um sem nu­
mero de relações. Pois, em estar com fo m e , com somno ,
COM PREGUIÇA... será a relação de companhia ou de instru­
mento ?
As prcjiosiçoes apresentão-sc, separadamente do seu re­
gime, como, na natureza, as substancias incoercíveis: o
calorico, a luz, a electricidade, que só se manifestão quando
actuão sobre os corpos coercíveis. Por isso é também que
a preposição não póde de per si mesma constituir termo
syntaxico.
467. Além dos très complementos indirectos assigna-
lados por uma preposição expressa, occulta ou implícita,
ainda ha os de gerundio, que, constituindo uma especie a
jiaite, merecem mais ser attendidos por interesse pela
grammatica geral, do que pelo da grammatica portugueza,
porquanto a invariabilidade constante desta fórma verbal
isenta-a de complicações summamento difficultosas, o só a
sujeita a umas poucas de considerações praticas.
. gerundios, ta n to os sim ples como os compostos, en­
tra rã o na lingua portugueza como su b stitutivos de duas
óim as bem differentes do verbo latin o : da do m ais ou
menos pro p ria ou im propriam ente cham ado p a r t ic ip io p r e ­
sen te (amans, tis), variavel em genero, num ero e casos
como os adjectivos qualificativos, e da do gerundio cham ado
cm Do (amando) por causa d esta sua term inação, inva­
riável cm genero e num ero.
Em thèse geral, póde-se dizer que os gerúndios portu-
guezes representão habitualm ente o participio presente do
latim quando, mais presos pelo seu sentido a um substan­
tivo ou pronom e ao qual vão m ediata ou im m ediatainente
antepostos, ou m ediatam ente pospostos, servem-lhe de ap-
posição. E, quando não é um gerúndio que substitue ao
mesmo participio presente latino, então é um adjectivo
verbal que delle se formou, com as term inações ante , ente ,
INTE, com m em orativas das trè s conjugações regulares do
portuguez.
Ex. D ionysius , cultros metuens tonsorios, candenti car­
bone (Cicero). — (A rreceiando-se das
navalhas, D ionysio se queimava o cabellocom um carvão ar ­
dente ). — (A rreceiando -56 Dionysio... carvão ardente ).
Os gerúndios portuguezes representão o gerúndio cm
do do latim quando, presos pelo sentido a um verbo que
acompanhão, accrescentão-lhe uma feição de modo ou do
meio de acção, e formão-lhe assim um complemento indi­
recto, embora sem preposição expressa.
Ex. Hominis mens discendo alitur et cogitando.
(Cicero). — O espirito do homem alenta -se estudando e
reflectindo .
Ora o unico ponto que falta para autorisai’ esta allc-
gação, é demonstrar, com a possivel evidencia, que um
gerúndio, em taes condições, é realmente um complemento
indirecto. O processo da substituição é o que vem nova-
mente desatar o nó da difficuldade. Pois, se um coinple-
plemento indirecto dos mais qualificados, ])or constar de
uma preposição com o seu regime, se apresenta como sub­
stitutivo irrecusável de um tal gerúndio, claro é que uma í
locução vale a outra, e que ambas são, portanto, perfeita-
mente assemelháveis.
Ex. O espirito do homem alenta-se pelo estudo e pela
REFLEXÃO.
Outros exemplos:
Representando-se em certa occasiào uma. farça no paço
real de Castelha, em que figurava um portuguez e um caste­
lhano pelejando, e, dando-lhe o castelhano muitas pancadas e
empuxões por o affrontar, e tomar vingança delle, assistia a
este auto D. Bernarda Coutinho, senhora portugueza de muito
espirito. E o duque de Alva, D. Fotedo, que também presente
era, chegando-se neste passo a JD. Bernarda, lhe disse que visse
como tratavão lá os Portuguezes. A que ella respondeu : « Que
os Castelhanos tratavão daquelle modo aos Portuguezes, zom­
bando ; e os Portuguezes aos Castelhanos, de verdade . (P.
380 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Man. Bernardes). — (... trata vÃo zojibando ... trata vão


DE verdade ).
Quantas vezes o Rehello pelejou, tantas vezes venceu; e
PELEJOU vezes sem numero, jã em campanha aberta, JÃ soc-
CORRENDO praças sitiadas, jà defendendo outras de perigosos
sitios. (Fr. Franc. de S. Maria). — (... pelejou em campa­
nha ... PELEJOU SOCCORRENDO... PELEJOU DEFENDENDO...).
São outros tantos complementos indirectos da mesma
especie os do seguinte excerpto, em que um só caso de
ellipse poderia tornar a demonstração duvidosa:
Que fa z o lavrador na terra, coRTANDo-a com o arado,
CAVANDO; REGANDO, MONDANDO, SEMEANDO? BuSCa pãO.
Que faz o soldado na campanha, carregado (por el­
lipse de um verbo de estado: estando ou andando carre­
gado) de ferro, vigiando , pelejando , derramando o sangue?
Busca pão.
Que faz o navegante no mar, içando, amainando , son­
dando, LUTANDO com as ondas e com os ventos? Busca pão.
O mercador nas casas de contratação, passando letras,
AJUSTANDO contas, FORMANDO companlúas? O estudante nas
universidades, tomando postillas, revolvendo livros, quei­
mando as pestanas? O requerente nos tribunaes, pedindo ,
ALLEGANDO, REPLICANDO, DANDO, PROMETTENDO, ANNULLANDO ?
Busca pão. Em buscar pão se resolve tudo, e tudo se applica
ao buscar. (P. Ant. Vieira).
468. Com este complemento de gerundio, ao qual se
pudera chamar consecutivo, porque costuma andar pos-
posto ao verbo de que depende, cumpre não confundir
outro que, andando-lhe, pelo contrario, geralmento ante­
posto, deve ser chamado absoluto, visto ser a mera repro-
ducção^ da locução latina conhecida em grammatica sob a
denominação de ablativo absoluto, o que lhe dá foros do
archaismo.
A n o t a c a r a c t e r í s t i c a d o c o m p le m e n to i n d i r e c t o a b s o ­
l u t o e s t á e m q u e o g e r u n d i o , d e ix a n d o d e r e f e r ir - s e , c o m o
a p p o s iç ã o a o s u j e it o o u c o m p le m e n to d e o u t r o v e r b o ( A r -
RECEiANDo-SE das navalhas, P ionysio se queimava o cabello...'),
ou de p re n d e r-se a um v e rb o com o c o m p l e m e n to (O espi-
p a r a s i i a , e m u m a p r o p o s iç ã o Ge q u e n ã o c o n s t it u e , a b e m
d iz e r , n e n h u m t e r m o , e v iv e a s s im v i d a p r ó p r i a , d a n d o -s e
a si m e s m o , s e m p r e q u e n ã o p r o c e d e d e u m v e r b o im ­
p e s s o a l, u m s u je ito e x c l u s i v a m e n t e s e u .
E x. I ndo eu um dia de Bethlem, .... encontrárão-me
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 381

dous mancebos mouros bem valentes... E, não q u eren d o eu


fazer-lhes reverencia, se forão a mim indignados. (Pantaleão
de Aveiro),
Ahi é por duas vezes o pronome e u sujeito tão evi­
dente dos gerundios in do e q u eren d o (visto como o não
póde ser dos factos encontrárão-me e e se forão a mim), que
se torna escusada qualquer ulterior verificação. Porém este
mesmo exemplo basta para novamente justificar a inclusão
dos gerundios entre os tempos do infinitivo, e demonstrar
a conveniência da adjuncção dos pronomes pessoaes sujeitos
com que apparecem nas tabellas conjugativas, embora não
lhes seja essencial e permanente a assistência destes su­
jeitos.
S endo certo que todos hão de chegar á sepultura, só tu,
por comer menos, chegarás á sepultura mais tarde. (P. Ant.
Vieira).
Ahi se acha o gerundio falto de sujeito, por proceder
esta fórma do impessoal É certo que...
Aliás ambos os casos se encontrão reunidos no seguinte
exemplo :
Cousa difficultosa parece que, ten d o A rcadio p r e s id ia d o
0 seu império com as legiões romanas, e não h a v en d o então
inimigo estranho que, com poderosos exercitos, lhe fizesse guerra,
houvessem de bastar poucos homens desarmados para dentro
em sua própria casa destruirem o imperador, e mais o im­
pério. (P. Ant. Vieira). — ( T in h a Arcadio p r e s id ia d o o seu
império... — ... não h a v ia então inimigo...).
Outros exemplos de complemento indirecto absoluto:
Se alguém pensa que, sendo a ssolad o o r e in o , póde a
sua casa ficar em pé, engana-se muito enganado. (P. Ant.
Vieira). — (... o reino é assolado...).
Se 0 rei, como Boboão, sobre o jugo pesado, intolerável de
seu pai, accrescenMr tributos sobre tributos, oppressões sobre
oppressões, e rigores sobre rigores, nadando todo o r e in o em
rios de lagrimas, Te laudabunt! (louvá-lo-hão os aduladores).
(P. Ant. Vieira). — (... todo o reino náda.. ).
V agando a a b b a d ia de S. Dionysio em Pariz, muitos a
pretenderão por ser illustre e com bom dote. (P. Man. Ber-
nardes). — (... A abbadia vagava...).
E stan do em artigo de morte um p a d r e antigo do famoso
deserto de Seitin, os outros monges, rodeando-lhe a pobre cama
ou esteira em que jazia, choravão amargamente. (P. Man. Ber-
nardes). — {Um padre antigo estava em artigo da morte...).

.V<v
382 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

E stando o C ondestavel uth dia para jantar comi os


(U sua comitiva, chegarão cinco officiaes inglezes. (Cbron. do
Condestavel). — (0 condestavel estava para ja n ta r...).
H avendo concorrido innumeras turbas de gente co­
meçou Christo a dizer a seus discipulos que fugissem de \orn-
municar com os phariseos. (P. J. B. de Castro). — (Havião
cmcorrido turbas...).
No Areopago de Athenas foi Nemocrito condemnado como
perdulário, e estragador de seu patrimônio; mas, constando
que gastára a sua fazenda em apprender sciencias, e conhecer
<1 economia do mundo, foi absolvido e louvado. (P. D. Eaphael
Bliiteau). — (... consta que...). ^
que o gerundio de um com plem ento
indirecto absoluto, constando de ser ou estar , venba a ser
subentendido, até com o seu sujeito quando este é um pro­
nome pessoal. ^
Ex. S olapadas por baixo aquellas grandes monta­
nhas , todo 0 peso immenso deltas se sustenta sobre pilares da
mesma matéria. (P. Ant. Vieira). — (S endo solapadas por
baixo A Q U E L L A S G R A N D E S M O N T A N H A S . . . ) .
M orto Salomão, succedeu-lhe na corôa Moboão, seu Mho.
( P . Ant. Vieira). — (E stando morto S alomão...).
Os reinos e os impérios, segundo a sentença do Ecclesias-
tico, passao de umas gentes a outras gentes pelas culpas dos
que os perdem. E essas culpas são as injustiças, as injurias
as calumnias e os enganos. C hegados aqui, agora é o luqar
em que eu dizia que nós^ também haviamos de entiar em joqo.
( P . A nt. Vieira). — (S endo nós chegados aqui ...).
I sto supposT O ,/om o daqui o argumento para o nosso
ponto. (P. Man. Bernardes). — (S endo isto supposto ...).
0 homem começa renovadas as suas forças, a sua ta­
refa quotidiana. (P. Man. Bernardes). — ( sendo renovadas
as suas forças...).

iho ~P^rene, os proprios moradores


lhe derao sacco. (P. I). Eapbael Bluteau). - (S endo ex pu -
gnada a cidade de Pirene...).

» H " dato, logo a terra brotou e se


vestiu de verdura. (Fr. Luiz de Granada). — (S endo ouvido
este mandato ...).

mesmos gerundios vem, outrosim ,


iitas ^ezes ostensivelm ente declarada pela regencia da
preposição em. ^ ua
Ex. E m recebendo « carta de V. Ex., fu i logo ao palacio
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 383

da senhora duqueza. (P. Ant. Vieira). — (E m recebendo


EU ...).
Está 0 pescador com a canna na mão, o anzol no fundo,
e a boia sobre a agua; e, em lhe picando na isca o to rped o ,
começa a lhe tremer o braço. (P. Ant. Vieira). — (... em o
torpedo picando...).
E m se a v ista n d o sitio tão feliz, se descobrem as suas
largas muralhas, lavradas de esmeraldas finíssimas, cujo res­
plendor é vistoso sobre toda a ponderação. (P. Man. Consciên­
cia). — (JEm sitio tão feliz avistando-se...).
471. Emfim póde-se adduzir, como remate ás prece­
dentes considerações sobre a verdadeira natureza dos ge­
rúndios, a propriedade com que se deixão geralmente inverter
em outros tempos do infinitivo sob a regencia de uma pre­
posição, ou a propriedade com que, a contrario, outros
tempos do infinitivo, em idênticas condições, aceitão as
formas gerundiaes.
Ex. Quando os elephantes fazem alguma jornada, e na
marcha se deitão, não é para se tomiarem a levantar, qwrque
alli morrem, o que succédé, indo cansados . (João Pdbeiro).—
(... 0 que succédé por ir em cansados ). ^ 1
Biantes, um dos sete sábios da Greda, perguntado qual
era o animal mais venenoso, respondeu que, dos bravos, o ty-
ranno ; dos mansos, o adulador. E m cham ar veneno á adu­
lação, acertou-lhe o nçme ; mas, em d ist in g u ir o tyranno do
adulador, não disse bem, porque todo o adulador é tyranno.
(P. Ant. Vieira). — (E m chamando veneno á adulação... em
DISTINGUINDO O tyranno do adulador...).
O bserv a ção .Sob a influencia da conjuncção como,
não raro acontece que os gerúndios, quer expressos, quer
occultos, formem, por idiotismo, um complemento indirecto
em que a ligação citada torna-se o equivalente da prepo­
sição POR, e o gerúndio, o equivalente de um dos quatro
primeiros tempos do infinitivo. Ex. Aceito como verdadeiras
— ou — como sendo verdadeiras as vossas allegações. — Isto
é: Aceito por serem verdadeiras as vossas allegações.
' Esta interpretação, destinada a sujeitar ás leis geraes
da analyse syntaxica um caso excepcional, encontra a sua
justificação no seguinte excerpto, onde ambas as formas
se apresentão no estado de jioderem substituir-se reeiproca-
mente sem offensa ao sentido geral da oração, emboí-a com
alguma impropriedade de dicção :
O monge logo declarou que a casa tinha grandes empe­
nhas, os quaes elle, po r po b r e [p o r ser pobre~\, não podia
384 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

satisfazer; e, com ô r e l ig io s o \como s e n d o religioso], não de­


terminava implicar-se em négociés seculares para esse effeito.
(P. Man. Bernardes). — O monge logo declarou que a casa
tinha grandes empenhos, os quaes elle, co m o p o b r e [como
SENDO pobre], não podia satisfazer ; e, p o r s e r r e l i g i o s o ,
não determinava implicar-se em négocies seculares para esse
effeito.
Verifica-se novamente a mesma allegação pela proprie-
dade com que, no seguinte exemplo, complementos indi­
rectos de substantivos aceitão a conjuneção com o em
substituição á preposição p o r : « S. Gregorio Magno dá p o r
REGRA E CAUTELA (coM o regra e cautela] aos mesmos reis
que, quando virem que são maiores os louvores com que forem
adulados ddles [os lisonjeiros secretos], tanto os reconheção
POR MAIORES INIMIGOS (coMO maiores inimigos]. (P. Ant,
Vieira).
472. Por tudo quanto íbi expendido sobre a natureza
e 0 emprego do comjolemento indirecto, ter-se-ha formado
a convicção de que, nelle, a idéa é propriamente repre­
sentada pelo substantivo, pronome ou infinitivo regido, visto
a preposição apenas exprimir o modo por que a mesma
idéa se ageita a outra que lhe é logicamente anterior.
Comproyão-no duas observações de alguma importância em
philologia. A primeira é que o substantivo, pronome ou
infinitivo desperta sempre, mesmo de per si só, um recordo
no espirito, mas não assim a preposição j porque, sendo
isolada, nem sequer lembra determinadamente cousa al­
guma. A segunda é que, nas linguas providas de declina­
ções, a simples inflexão- terminal das palavras dispensa na
mór parte dos casos o uso das preposições, e portanto as
suppre. Logo a preposição com o seu regime forma um
conjuncto mentalmente inseparável, em que este fornece a
essencia, e aquella, a feição.
^Isto explica porque, em tantas linguas, algumas pre­
posições gozão, por euphonia, do privilegio de apegar-se
pela contracção a uns ou outros dos regimes ( d e l l e , d e l l a ,
DELLES, DELLAS ; — NISTO, NISSO, NAQUILLO, etC .), OU a UmaS
palavras indissoluvelmente annexas ao seu regime ( do h o ­
m e m , DA MULHER ; — NAQUELLE PAIZ, NAQUELLA REGIÃO J —
PELOS MARES, PELAS TERRAS, etc.) ; porquanto do conjuncto
todo resulta, por assim dizer, um só e unico termo syn-
taxico, no qual o espirito não enxerga, nem discordância,
nem solução de continuidade. Emfim, no adverbio, o com­
plemento indirecto fica todo concentrado em uma só e
unica palayra.^ A preposição não póde, portanto, de per
61 SÓ constituir um termo syntaxico.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 385
Sc, porém, a indolo da língua autorivsa que um termo
não annexo, e sim de todo iiurcpendentc, como um sujeito
ou um complemento directo, possa intrometter-se por acaso
entre a preposição e seu regime, a razão não admitte que,
com cllc, a mesma preposição formo contracção, porque
dalii resultarião dous absurdos; o sujeito ou complemento
directo assim agarrado pela preposição não seria mais, nem
sujeito, nem complemento directo, e sim regime da mesma
preposição; e o regime proprio da prejiosição, desamparado
de sua relação, não teria mais funeção nenhuma: o que
tudo destruiria a syntaxe pela base.
Ex. Co7neçando pelos maiores corpos politicos, que são os
reinos, qual é a causa de tantos se terem perdido ? (P.
Ant. Vieira). — (... de TEiiEM-se perdido tantos).
Ahi é o pronom e tantos o sujeito evidente de se terem
perdido; visto como impõe a este infinitivo a fórm a p lu r a l:
p o rta n to não é o regim e da preposição de .
Pois, sendo da indole da lingua portugueza o autorisar
frequentemente a interposição de um sujeito ou comple­
mento directo entre uma preposição e sou regime, c dando-
se cm consequência diariamente o caso ])resupposto de Hr
contracção indevida, por ignorância das leis syntaxicas,
muito couvém tratar do assumpto pelo miudo, para atalhar
tamanho abuso. Infelizmcntc apparcce este erro patroci­
nado por mais de um exemplo tirado dos clássicos. Porém,
attendendo-se de outro lado que, na mór parte dos casos,
os mesmos mestres da boa linguagem se cingirão escrupu­
losamente ás regras da lógica, fica-se em duvida se taes
erros lhes devem ser imputados como meros descuidos, ou
se não forão antes o resultado de uma distracção de com­
positor typographo, ou o da infidelidade de um primeiro
copista presumido.
Seja como fôr, o verdadeiro principio grammatical é
incontestavelmente o seiíuinte:
« Nenhuma das quatro preposições contractivas a , de ,
EM, PER ( por ) pode formar contracção com a jialavra que
SC lhe segue, a não constituir esta o seu regime, ou uma
apposição forçosamente annexa ao seu regime, como o são
os artigos e os adjectivos determinativos. »
No caso de duvida, basta soccorrer-sc ao tentame
mental de uma leve transposição dos termos. Se ella se
deixar ctfectuar sem alteração do pensamento, facil será
então assignar a cada palavra a sua funeção, c convencer-
se assim da illegitimidadc da contracção. Ahi vão exemplos
confirmando a regra.

386 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

« Senhor, manda qvein has de mandar^ poii o ta l cargo


REQUEREU, iião difjo VM (jiYuide e consummado saber hvmano,
mas ai.nda a nm divino^ inspirado por graça. « (João dc
J3aiTOs). — (Não : ... pelo tal cargo requerer... porque a
simples transposição: por r e q u er er o tal cargo... deixa
claramente perceber que a preposição po r tem o seu regime
no infinitivo r e q u e r e r , como o mesmo infinitivo tem o seu
sujeito em o tal cargo . . . — os taes cargos r e q u e r e ­
r e m ...).
ISào ter inimigos tem-se por felicidade; mas é uma tal
felicidade.^ que é melhor a desgraça, de os t e r , que a ventura
DE os NÃO TER. ( P. Aut. Vieira). — (Não: ... dos t e r ...
DOS NÃO TER, porque dir-se-hia .... de t ê -lo s ... de não
t ê - los ).
Quando o infante B. Buarte se achava naquella prisão^
houve arhitrios em Madrid, de o o ffer ec er em a Portugal^ e
de o e n tr e g a r em em troca de Angola. (P. Ant. Vieira). —
(Não: ... DO o f f e r e c e r e m ... do e n t r e g a r e m ... porque dir-
se-bia ... de o ffe r e c e r e m -n o ... de e n t r e g a r e m -n o ...).
Os algozes que crucificarão a Christo, d epo is de o p r e ­
garem despido na cruz, lhe jogarão as vestiduras. (P. Ant.
Vieira). — (Não: . . . do p r e g a r e m ... porque dir-se-hia . . . de
PREGAREM-NO...).
Que utilidades se têm seguido d Hespanha d.o seu famoso
Potosi, e das outras minas da America, f A mesma Hespanha
confessa e chora que lhe não têm servido mais que de a d es ­
povoar e EMPOBRECER.. (P. Aiit. Vieira). — (Não: ... que da
DESPOVOAR e EMPOBRECER... porque dir-se-hia ... que de d es -
POVOÃ-LA e EMPOBRECÊ-LA).
Afas el rei conhecia o zêlo de Prei Thomaz: esteve tão
longe de o tr a ta r mal, que lhe assignou o desterro ptara. a
mesma casa de que era filho. (Fr. Luiz de Souza). — (Não:
.... DO tr a ta r mal.... porque dir-se hia .... de t r ã t a -lo
mal...).
Sebastião, sem embargo paixao nao ser
a idade não ser muita, reconheceu logo o toque da
adulação. (P. Man. Bernardes). — (Não: ... sem embargo
da p .vixão não ser pouca... porque dir-se-hia ... sem em ­
bargo DE NÃO SER a paixão pOUCa...).
Ora, em contraposição a estas lições confirmativas dc
um principio são, encontrão-se exemplos como os seguintes:
Que cousa é a formosura, senão uma caveira bem vestida,
a que a menor enfermidade tira. a côr, e, antes da morte a
os annos lhe vão mortificando a graça. (P.
SEGUNDA PAETE - SYNTAXE

Ant. Vieira). — ( ... a ntes de a morte a d e s p ir de todo ...


porque dir-se-hia ... a n tes de d e s p i -la de todo a m o rte ...)
Itepresentando-se em certa occasião urna farça no paço
real de Castelha, em que figurava ujn português e um caste­
lhano pelejando; e, dando-lhe o castelhano muitas pancadas e
empuxões pelo a pfr o n t a r , e tomar vingança delle, assistia a
este auto D. Bernarda Goutinho, senhora portuguesa de muito
espirito. (P. Man. Bernardos). — ( ... po r o a fpr o n t a r ... por­
que dir-se-hia ... por a ffr o n t á -l o ...).
Eis-aqui o que éramos, as gentes, a n tes da l e i e v a n ­
g élic a , E GRAÇA de Christo ter domado nossos corações. (P.
Man. Bernardes). — ( ... a n tes de a l e i e v a n g é l ic a , e
GRAÇA de Christo t e r domado nossos corações,... porque dir-
se-hia ... ANTES DE TER A LEI EVANGÉLICA, E GRAÇA de Clll'istO
DOMADO nossos coTações).
E, ALÉM DISTO NÃO SER LICITO, quanto á consciência,
também não ê conveniente quanto d boa. politica. (P. Man.
Bernardes). — {E, além de isto não ser l ic it o ... porque
dir-se-hia ... E, além de não ser isto l ic it o ...).
Conta Plutarcho que, passando um egypcio por uma rua
de Athenas, não sei com que debaixo da capa, lhe j^erguntàra
um atheniense que era o que levava. Ao que lhe respondeu:
« Es atheniense, e perguntas isso! Vês tu que por isso o levo
coberto, pelo não s a r e r e s ? (üiogo do Couto). — ( ... por
não o s a b e r e s ?... porque dir-se-hia . . . por tu o n Ão sa -
b e r e s ?)
D e p o is do in f a n t e ca sar , assentou e accrescentou mais
no repouso e gravidade. (André de Bezende). — (Correcta­
mente : O irifante, d epo is de casar , assentou e accrescentou
7iiais no repouso e gravidade).
' '7^ Quanto ás minas de ouro, vagame^ite por todas as partes
tirão todos, e tirárão sempre em grão e pó, que chamão de la­
vagem, maior quantidade do que pareceu, pelo occultarem
aos quintos da rainha. (Franc, de Brito Freire). — (... por
o o ccultarem ... porque dir-se hia ... por occultarem - n o ...) .
0 'll
Tudo ouviu 0 padre mestre Ignacio sem lhe responder pa­
lavra; e, DEPOIS DELLE SE IR, dissc ao compaiiheiro que
aquelle bispo era santo em tudo, tirado em ser seu irmão, e
estranhar aquella occupação. (P. Balthasar Tcllcs). — (... e,
DEPOIS DE ELLE SE IR ... porqiic dii’-se-hia ... d epo is de ir -se
ELLE...).
O papo deste passaro é de tão notável mistura de todas
as cores juntas, que, pela s f u r ta r todas d natureza, lhe qua­
(i drava melhor o nome de furta-côres. (P. Balthasar Telles).—
FT

388 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

( ... POR AS FURTAR todüs cí notureza... porque dir-se-hia


... POR FURTÁ-LAS
Já se vê (jue vão ha despeza feita senão d epo is do e m i ­
g ra n teESTADELECIDO. (Pcviodico). — (... SeuãO DEPOIS DE
ESTABELECIDO OU DE ESTAR ESTABELECIDO O EMIGRANTE.
Porquanto a locução propositiva depois de, que alli allude ííl?
ao te^npo, não póde reger a um emigrante, sujeito do infini­ cf
tivo elidido estar.
Entretanto, como não lia causa, ruim que seja, que
não encontre patrono, mórmente quando apadrinhada por
tão prestigiosos nomes, não seria de admirar que a
regra exjmndida fosse acoimada de fatuidade grammatical,
« j)orque finalniente não podem, nem devem os princípios pre-
« valecer sobre o iiso n, no dizer dos que levianamente fallão
desta grande jiotencia liiimana: a palavra!
Em primeiro lugar, o erro indigitado não é de uso
entre os clássicos, é apenas de excepção; e, como tal, fica
suspeito de provir da ousadia ou distracção do copista il-
letrado.
Em segundo lugar, se, por uma inversão da regra for­
mulada, toda 0 qualquer preposição póde c deve senhorear
pela regcncia a palavra que se lhe segue, eis-ahi justificado
o mais ingênuo, mas não o monos feio dos solecismos
oriundos das «'criniíonças africanas, e a fframmatica ohri-
quelas: « Papai me deu um cavallo pa r a m im «?idá p>asseiÁ.
pela fazenda y>. JSTão ha como escapar á conclusão; « P a ra
MIM...!! e não: « P a ra eu a n d a r ... ». Ora veja-se lá
quanto pode a lógica ’ ' do abuso.

C^l^ITULO VIII

DO PREDICADO

473. ^ Predicado é a palavra ou conjuneto do palavras


que, mediante um verbo de estado, declara uma qualifi­
cação ou situação do sujeito, a não ser que, sendo o mesmo
verbo accidentalmcnte impessoal, o predicado fique sem re-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

íbrcncia nenhuma, mas existindo por amor do verbo do


estado.
Ex. Se os iio.^iExs vos sÃo ingratos, 7ião sejais vós
INGRATOS a Leos. (P. Ant. Vieira). — (Os homens ... ingra ­
tos ... --- vós... INGRATOS...).
E’ CERTO que todos desejais o descanso; É certo que
todos 0 buscais com grande trabalho. (P. Ant. Vieira). — (E’
CERTO — que...).
474. Os caracteres essoneiacs do predicado são assim:
1. “ O encostar-sc eile mais ou menos immediatamente
a um verbo de estado;
Ex. O ser rico ou pobre consiste em nosso desejo. (P.
Ant. Vieira).
2. ° E referir-se eile ao sujeito, (piando o ha; não,
porém, a outro termo;
E x. T udo é vaidade , excepto amar e servir a Deos
(P. Ant. Vieira). m
475. Mas, quaes são os verbos de estado ?
1. ° For antonomásia são elles ser e estar .
Ex. E ra A eeranio B urriio homem de grave e maduro
juízo... E, quando todos os outros faz ião grandes appiausos,...
só A ffranio estava triste . (P. Ant. Vieira). 4

2. ° Por imitação, todos os verhos neiiíros que, dei­


xando-se sem repulsa, em bora com diversidade de sentido,
su b stitu ir p o r ser ou estar , avocão um predicado.
E x. Veiu uma vez a luz a ser julgada no juizo dos ho­ t í
mens, e VINHA ELLA VluitO CONFIADA. (P. Allt. Vicira). —
(... e ella vinha [ estava ] 7nuíto confiada).
Quaiitas vezes vem g. juizo a luz e as trevas, e sahe
coNDEMNADA A LUZ! (P. Allt. Vieira). — (... e a luz sahe
[É] condemnada).
Vede um homem desses que andão perseguidos de plei­
tos, ou AceusADos de crimes! (1^. Ant. Vicira). — (... que
andão [ estão] perseguidos... ou aceusados...).
Vê, voador, como coireu pela posta o teu castigo! Pouco
ha, NADAVAS VIVO 1X0 mar com as barbatanas; e agora öA'lv.'S,,
em um convez, amortalhado nas azas. (P. Ant. Vieira). —
(... tu nadavas [ estavas] vivo... tu jazes [ estás] amorta­
lhado...).
Amigo de amigos, inimigo de inimigos é voz (íue sôa
JUSTIÇA, MERECIMENTO, PROPORÇÃO, IGUALDADE. (P. Ant.
r

390 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Vieira). — (... voz que sôa [mas não É] justiça, mereci­


mento...').
Cuja é esta caveira? E' de fulano. V iveu rico e MOllllElJ
POBRE. (P. Ant. Vieira). — {Ftdano viveu [ esteve ] rico, e
inorreu [ esteve ] qjohré).
(^UEM, j)or mercê de Deos, ficou victorioso e l iv r e ,
como se cqueixará de mal despachado ? (P. Ant. Vieira). —
[Gomo AQUELLE SC qudxará de [ ter sido] mal despachado
que ficou [ esteve ] victorioso e vivo ?).
Para se rnostrar liberal, busque o princiqye a quem dar :
parecerá avaro , se esperar que lhe pegão. (P. Ant. Vieira).
— (... elle qmrecerâ [e todavia não É] avaro...).
Como IRÁ LIVRE e seguro de infinitos perigos quem se
metter na carroça da Avareza? (P. Ant. Vieira). — (Como
aquelle irá [ estará ] livre e seguro de infinitos perigos, — que
se metter...).
Quando as mesmas frotas volta vÃo carregadas de ouro
e praia, nada disto era qjara allivio ou remedio dos povos.
(P. Ant. Vieira). — [Quando as mesmas frotas voltavão [ es­
ta vÃo] carregadas).
Alli ANDÃO livres as MÃOS, LIVRES OS OLHOS ; LIVRES
VOÃO AS PALAVRAS. (P. Man. Eernardes). — [Alli andão
[ estão] livres as mãos, [ estão] livres os olhos; livres voão
[ estão] as palavras).
Leião-se as espistolas de S. Paulo : parecem suas pala ­
vras s im p l e s ; mas, em qualquer parte cque se attenda, são
raios. (Fr. João Pacheco). — (... suas palavras parecem [„
entretanto não sÃo] simples...).
Até AS AGUAS que p>or entre as veias descem, saiiem
cruas. (Franc. Podrigues Lobo). — [Até as aguas saheni
[ são] cruas).
Irmãos meus, lastima é que andeis 7iiais esperdiçados
pela vossa perdição que pelo vosso Deos. (Fr. Ant. das Chagas).
— (... cque e st e ja is ...).
476. São assim ser c estar os protótypos dos demais
verbos de estado.
Porém muito errado andaria quem suppozessc que a
mesma classificação implica nestes verbos a assistência ab­
soluta, permanente, inauferivel de um predicado : elle ó
meramente adventício, j)or depender da condição de que um
tal verbo seja supprivel por ser ou estar . Deixando do
ser esta substituição possível, o verbo fica reduzido ás re­
lações communs a todos os verbos neutros que, não avo-
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 391

cando predicado, ficão simplcsinonte verbos de acção, mas


não de estado. J)emoiistra-o terminantemente o primeiro
dos exemplos anteriormente citados :
' ' ' ' e i ü wna vez a luz a ser julgada no juízo dos homens,
— e v i N i i A ella muito c o n f i a d a .
Em ambas as proposições está o íãcto syntaxico con-
stituido do mesmo verbo vm ; porém só ao soi^undo assisto
um predicado, porque só este se jircsta á substituição lem­
brada: o primeiro vem assim a ser mero verbo do acção.
O mesmo se verifica io-ualmente no soiíundo dos exem-
pios citados:
Quantas vezes v e m ajuízo a luz e as trevas — e s a i i e
C O N D E M N A D A a luZ!

o que dabi se deixa concluir, c fpie o ])redicado de­


nuncia ])ropriamente os verbos de estado, como, em outra
ordem de principios syntaxicos, o sujeito denuncia os verbos
ou tempos possoaes.
jSícm SEU c ESTAR, OS vorbos de estado ])or antono­ wz
másia, são aliás isentos da contingência do appnrcccr de.s-
]iidos accidentalmente de ])redicado, succedendo-lhes assim
do cm tal caso perderem também a qualificação de verbos
de estado.
Ex. Se os olhos vêm com amor, o que não t, — íemsEii;
— se com odío, o que tem s e r , — e é hem que s e j a , — não É,
— nem s e r á —jamais. (P. Ant. Amieira).
Respondeu um dos reis vencidos a Sesostris; « Levo sempre
postos os olhos nesta roda porque vejo nella que, assim como
esta pxirte que agora e s t á — em baixo, e s t e v e —já em cima,
assim a que e s t á — em cima, com meia volta só, torna a
E S T A R — em baixo. » (P. Ant. Vieira).

477. As palavras mais idôneas para constituir -|)rcdi-


cados são os adjcctivos e participios, porque, csscncial-
mente variaveis em gencro c numero, mais claraincntc
dcnuncião pela concordância a sua referencia ao sujeito.
Ex. X J m é A F F E i ç o A D O á caça; e, quando oe c ã e s andão
L U Z I D I O S e ANxVFADOS, vcT-lhe-hcis os criados pallidos e moitos
a fome. (P. iVnt. Amieira).
478. Se o sujeito é composto, a concordância de tacs
lircdicados fica determinada pelo modo por_ que com o
mesmo sujeito se acha regulada a concordância do verbo,
a saber;
l.° Passando o verbo para o ])lural, por concordar si-
NOVA GliAMMATICA ANALYTICA

niultiinGtiiiiGntc coni todos os componontcs do sujeito,


tíimbcm paiíi o pliiríil píissa. o predicado,' c, se fôreiii os
eoniponcntes de genero diverso, o predicado costuma as­
sumir o do mais chegado, convindo, tanto quanto é possivel
seja este um masculino. ’
Ex. Na China, as cidades, villas e lugares são
FREQUENTES 6 visiNiios wis dos outros. (P. João dc Lu-
cena).
Finalmente a terra, as minas e os moradores ficarão
todos SUJEITOS ao jugo e domínio estranho, presidiados de
suas legiões, trirutarios á sua cobiça, governados e oppri-
MIDOS de sua tyrannia. (P. Ant. Vieira).
2.“ Vindo, porém, o verbo a concordar só com o mais
chegado dos componentes do sujeito, com elle só também
concorda o predicado.
Ex. Pois esta mesma ignorancia e loucura i. a de
tMos ou quasi todos os que se chamão christãos. (P. Ant.
Vieira).— (Não: . . . as de todos...').
E sta é a obrigação e a pena em que a carta que re­
cebí nesta frota de V. Ex. me tem posto. (P. Ant Vieira') —
(Não; E stas...).
0 SOL, A lua, as ESTRELLAS, 6 0 USO da SUa luZ
E COMMUM a todos. (P. Ant. Vieira). — (... o uso é com-
MUM...).
^ VARIEDADE das lingucis do Brazil é cu­
riosa. (P. Simão de Vasconcellos).
Observação. Esta concordância de um adjectivo ou
participio com o ultimo dos substantivos de um termo
composto^ a que se refere, verifica-se também geralmentc
em relaçao aos jironomes.
Ex. Nem havia de ser vosso o vosso escravo, ne^n vossa
a vossa canoa, nem vosso o vosso carro e o vosso boi senão
para o manter e servir com elle. (P. Ant. Vieira') — ( rou
o boi).

479. Se 08 adjectivos e participios são os predicados


poi excellencia, quasi com a mesma propriedade o são
também os substantivos, pronomes e infinitivos: os sub­
stantivos, porque lhes é frequentemente licito suiiprir aos
adjectivos; os pronomes, porque compete-llies fazer tudo
quanto íazem os ^substantivos; os infinitivos, emfini, porque
em tudo manobrão como os substantivos e pronomes, em­
bora geralmeiite cm separado e por conta projiria.
Ex. 0 maior tyranno que houve no mundo, foi He-

í
SE G U N M PAETE - SYNTAXE 393

rodes; mas seus aduladores forão ainda mais tyrannos,


27orque o rei foi tyranno dos vassaUos, e os aduladores forÃo
TYRANNOS do rei. (P. Ant. Vieira).
Dizia. Seneca que antes queria offender com a verdade,
que agradar com a lisonja. Mas, quem era Seneca f (P. Ant.
Vieira).
O ver-se louvado era ver-sô aceusado; o ver suas gran­
dezas referidas era ver suas culpas qirovadas. (P. Ant.
Vieira).
480. Sendo, porém, a faculdade de concordância muito
mais limitada nestas tres especies de palavras do que nos
adjectivos e ]>articipios, torna-se de interesse observar como
os clássicos procurarão, no cmtanto, coadunar com o sujeito
os predicados assim constitiiidos.
1. ° Tornando-se possivel a concordância cm numero e
genero, ella se cífectua cm gcncro e numero, e, com infi­
nitivos, até em pessoa. '
Ex. A HISTORIA é MESTRA da vida. (P. Ant. Vieira).
A MENTIRA é FILHA primogênita do ocio. (P. Ant. lí"
Vieira).
I magem sómente da mesma Virgem era a A rca do tes­
tamento. (P. Ant. Vieira).
A SABEDORIA é PRiNCEZA c iNVENTORA dc todas as cousas.
(João de Barros).
Os POBRES são os BANQUEIROS de Deos. (P. Ant. Vieira).
As PALAVRAS brandas do adulador são redes que elle
arma para tomar nellas ao mesmo adulado. (P. Ant. Vieira). 1
Os cÉos não deixão de ser bons historiadores. (P. Bal­
thazar Telles).
Não FAZEREM mcrcês os reis seria não serem reis. (P.
Ant. Vieira).
O QUERERDES quc vos fallc dc tão sumptuosa casa, é
OBRiGARDES-me a que seja semelhante a um simples rústico.
(P. Man. Consciência).
2. “ Não sendo a concordância possivel cm gcncro, cila
se cífectua cm numero.
Ex. A quelles inimigos erão as trombetas da fama
de Tliemistocles; e os vossos são testemunhas, em causa
própria, de vos ter dado Deos os bens que lhes negou a dies,
(P. Ant. Vieira).
O edifício sem união é ruína. (P. Ant. Vieira),
394 NOVA GRAMMATICA . NALYTICA

Onde A VONTADE é juiz, toes como estas são as sen­


tenças. (P. Ant. Vieira).
Testemunha é aq ella trombeta que^ no dai' da lei, re-
tumhava jmlas faldas do monte Sinai; testemunhas são os
TYMPANOs e PANDEIROS de Mavia, irmãa de Moyses. (João do
Burros).
3. “ Kão sendo a concordância possivcl cm numero,
cila SC cífcctua em genero.
Ex. As OBRAS, e não a duração, são a medida certa da
vida humana. (P. Ant. Vieira).
Não são AS trevas a capa dos latrocinios? (P. Ant.
Vieira).
São OS EscRiPTOs um verdadeiro retrato do seu autor.
(Er. Luiz de Souza).
Antes de sahir ou fugir da patria, Christo grangeou o
aborrecimento e desprezo dos seus naturaes, e dos que erão
SEU SANGUE. (P. Aiit. Vicira).
4. ° Sendo afinal impossibilitado de por qualquer modo
agcitar-sc com o sujeito, o predicado arrisca-sc fiado no
sentido.
Ex. São os A larves gente de mui delicados engenhos.
(Fr. Bernardo da Cruz).
Os OLHOS são, em toda a organisação do corpo humano,
A PARTE mais humana, mais delicada e mais mimosa. (P.
Ant. Vicira).
Olhai 0 trafego! tudo ferve, tudo se muda por instantes.
Se divertirdes os olhos, dalli a nada tudo achareis virado: o
rico já é pobre; o mecânico já é fidalgo; o moço já. é velho;
0 são já ó enfermo; e o home .m já é cinzas . (P. Man. Bcr-
nardes).
Os gados maiores e menores, que ?iaquelle tempo também
erão RIQUEZA dos reis, não tinhão numero. (P. Ant. Vicira).
481. Mas essa tendencia que constantemente leva o
predicado a concordar com o sujeito, fica comjdctamcnte
atalhada logo que o mesmo predicado tem de ser consti-
luido pelo pronome pessoal estável — o.
Ex. Oh! que boa lembrança para a mesa. dos q^i'incipes,
e dos que o não são! (P. Ant. Vicira).
A razão está em que, vindo um pronome a substituir
a um substantivo ou outro pronome, bem consente em to­
mar-lhe pela concordância as feições de genero c numero,
porque é este o officio que peculiarmente lhe incumbe.
SEGUNDA PAKTE - SYNTAXE 395

Tendo, porém, dc representar a nm adjective, ou, o que


dá no mesmo, a um substantivo adjcctivado, arripia-se do
metter cm si feições meramente emprestadas (que taes são
as do adjectivo), e, como verdadeiro aiTuíádo, contenta-se
com recordar summariamentc ao adjectivo, encolhendo-se
na fórma do pronome estável. Pois o que o referido pro­
nome pessoal ahi representa, não é o substantivo — os prín­
cipes, c sim o substantivo adjcctivado príncipes (... e dos
que não são príncipes).
Outros exemjdos:
Não é ‘p o ta v e l o ouro d a s c ie n c la ; e, a in d a qu e o fô ra ^
sem p re h a v ia de a m a r g a r d boca. (P. I). Pajihael Bluteau).
— (... aÍ7ida que f o r a potavel...).
Não sò diz S. Gregorio Magno que os aduladores secretos
são públicos inimigos dos reis, mas dá por regra c cautela aos
mesmos reis que, quando virem que são maiores os louvores
com que forem adulados delles, tanto os reconheção por maiores
inimigos, e creião que o são. (P. Ant. Vieira). — (... que elles
são inimigos).
Causa notável complacência ver aos moradores deste sitio,
porque têm corpos que o não parecem, mas pmros espiritos.
(P.-Man. Consciência). — (... porque têm coiqios que não pa­
recem corpos).
482. O predicado, aliás, como os demais termos syn-
taxicos, é simples quando consta de uma só ]ialavra, c
composto quando consta de mais de uma.
Sendo com]iosto, tanto a clle podem promiscuamente
concorrer os adjectivos o jiarticipios, como os substantivos
c pronomes.
Ex. J)oeg louvou e engrandeceu a David diante de Saiil,
piara que Saul, como fez, désse sentença de morte contra David.
Disse que era prudente guerreiro, esforçado, gentil-
homem, VIRTUOSO, e DOTADO dc taiitas outras boas piartes.
(P. Ant. Vieira).
No mesmo caso, porém, os infinitivos não consentem
cm andar collií^ados senão com substantivos ou pronomes,
c ainda excepcionalmente.
Ex. Os primeiros jogos que inventárão os homens, forão
A LUTA, os CESTOS, A CLAVA, A LANÇA, A PELLA, A TROIA
( a que nó s c h a m a m o s c a n a s ), o lançar a b a rra , o ferir o
a lv o com a se tta , o correr no e stá d io , o saltar os vallos^ o
NADAR v e stid o de a r m a s, e outros sem elh a n tes. (P. Ant.
Vieira).
396 NOVA GRAxMMATICA ANALYTICA

483. Yindo o predicado a constar de um ou mais substan­


tivos aos qiiacs o sentido da oração impõe necessariamente
o plural, ao ])asso que o sujeito tem de parar no singular,
dá-se então um caso singularíssimo de syllepse, por ser o
j)redicado, e não o sujeito, que vem a reger ao verbo.
Ex. A dilação sÃo dous males. (P. Ant. Vieira).
O mundo sÃo os homens. (P. Man. Bernardes).
Alguns autores comparão os aduladores ao cameleão, à
sombra e ao espelho. Alas, como o camaleão, a soinbra e o
espelho, tudo sÃo assistentes mudos. (P. Ant. Vieira).
Augmentar a religião, manter a paz, desterrar a inveja,
mitigar os odios, honrar a virtude e o sangue, ensinar o temor
de Deos, venerar o culto, mostrar devoção e piedade, favorecer
as letras, estimar os sábios, p>remiar os valorosos, amparar os
pobres, embargar os insolentes sÃo réguas de bom príncipe.
(P. Ant. Vieira).
Em corpos onde^ ha desunião, como na estatua de Nabuco,
o mais seguro tiro é ao desunido, ainda que sejão os pés.
(P. Ant. Vieira).
« Senhor, aonde iremos, que vossa palavra sÃo palavras
feVi de vida? w (João Franco Barreto).
Quem não vê que sÃo isto preceitos gentilicos? (Fr.
Luiz de Souza).
Mas se por acaso o verbo fôr impessoal, nolle já não
póde mais actuar o predicado, porque a nenhuma regoncia
tal verbo se sujeita.
^Ex. Eis-aqui todo o juizo dos homens: amarão mais, ou
amárão menos. Se amárão, ainda que seja as trevas, as
trevas hão de ser melhores; se não amárão, ainda que seja
A LUZ, a luz ha de ser peior que as trevas. (P. Ant. Vieira).
— (... As trevas É — que são melhores... A luz É — que é
peior).
Explica isto a curiosa anomalia que se observa no se­
guinte exemplo;
Tudo ERÃo armas, fogo, SANGUE; c melhoi' fôra damas,
AMORES, SERÕES, MUSICAS 6 GALANTERIAS. (Luiz T oiTCS de
Lima).
Ahi é o facto erão de verbo pessoal; porquanto, tendo
o sou sujeito em tudo, passa a ser excepcionalmente regido
do seu predicado composto armas, fo(jo, sangue. O tacto
FÔRA, pelo contrario, é do verbo impessoal (... B om é, mas
melhor /dra...), 0 tem o seu predicado cm melhor, sendo
que os substantivos damas, amores, serões, etc. constituem
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 397

ii^’ualmente um predicado, porém o predicado de um verbo


elidido (... e melhor fóra — que tudo fossem damas, amores,
SERÕES...), o que deixa claro o motivo por que, em cir-
cumstaucias que á ])rimeira vista parecem idênticas, o facto
ERÃo passa todavia para o plural, ao passo que fôra tem
de permanecer no singular.
Esta regra fica apenas violada por euphonia e idio­
tismo na seguinte e semelhantes locuções : « São oito
horas «.
484. E’, aliás, tão frequente a clisão do verbo de es-
tado, que muito convem ter esta observação presente no
desempenho dos cxcrcicios analyticos, para não incorrer
no erro de attribuir aos predicados uma funeção indevida,
c trastornar assim nas versões as relações genuinas das
palavras.
Ex. Quantos forão mais venturosos com seus erros, que
outros com seus acertos! Algum que sempre errou, que nunca
fez cousa boa, nomeado, applaudido, premiado. O que acertou,
0 que trabalhou, o que subiu á trincheira, o que derramou o
sangue, enterrado, esquecido, posto a um canto. (P. Ant. n
Vieira). — {Algum rpue sempre errou... [ficou] nomeado, ap­ f
plaudido, premiado... O que acertou [ficou] enterrado, esque­
cido, posto a. um canto).
Esses encomios paredão louvores, e erão aceusações ; pa­
redão abonos, e erão calumnias, calu:uniado o innocente na.
sua virtude, e accusado o bknemerito nas suas boas obras.
(P. Ant. Vieira). — (... [ sendo] calumniado o innocente...
[ sendo] accusado o benemerito...).
Não faltará quem diga : « Quantos mercenários arrebentão
t
de FARTOS, e eu morro de fome! (P. Ant. Vieira). — (...
Quantos mercenários arrebentão de [ estar] fartos...).
Assim, pois, acontece aos suberbos, que, quando mais
UFANOS e satisfeitos de suas prendas, andão a buscar o
applauso do mundo. (P. Man. Bernardes). — (... que, quando
[ estão] mais ufanos e satisfeitos de suas prendas...).
lia causas que,... se não párão de cansadas, pelo menos
andão tão devagar, que tudo se vai em manda, remanda,
manda, remanda. (P. Man. Bernardes). — {lia causas que,
se não párão de [ estar] cansadas...).
P erguntado o discreto Thomaz Aloro, cancellario de In­
glaterra, com que se parecia um avarento, respondeu : « Com o
fogo, que, quanta mais lenha se lhe lança, mais lenha pede. »
(P. Man. Bernardes). — ([S endo] perguntado o discreto Tho­
maz Moro...).
398 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

Junto daquella Jiervazinha nasce outra, que a ovelha co­


nhece for SALUTIFERA fara seu pasto ; e, logo a par, outra,
de que se desvia, como nociva. (P, Man. Bernardes). —
(... cque a ovelha conhece por [ser] scdutifera... e outra, como
[ sendo = POR ser] nociva).
Sobre l i b e r a l , era João Fernandes Vieira entendido e
valoroso. (Fr. Franc, de S. Maria). — {Sobre [ s e r ] liberal...).
Bá-se tainbeiTi o caso, porém com menos frecj^uoncia,
de recahir a elisão no mesmo predicado. ’
Ex. Se aquelle corpo era de um sabio, onde estão as
sciencias? (P. Ant. Vieira).— {Se aquelle corpo ^ra [o] de
U711 sabio...).
Recommendo a Vm. estes fidalgos como se a causa de
ambos eôra de meu irmão. (P. Ant. Vieira). — (... como se
a causa de ambos fôra a de meu irmão).
485. Junto a um verbo de estado, só póde liayer um
piedicado, o qual é simples ou composto j mas não póde haver
dons, como o deixa suppôr a theoria do verbo substantivo,
(a sendo um em officio, e outro de sobresalente.
Dizem que o infante D. Henrique foi eleito rei de
Chypre. (Fr. Luiz de Souza).
Pela malfadada theoria da substantividade do verbo,
que tudo atrapalha, e nada resolve, todo o qualquer parti-
cipio encostado a ser ó necessariamente predicado (attri-
buto). Por ella é ahi, portanto, o participio eleito o pre­
dicado mais qualificado.
Oia, se se perguntar a uns substantivistas o que vem
a ser neste caso o vocábulo rei, que, tanto como eleito
concoida cm g’ciicro c numero com o sujeito I). H enrique,
»V ». V ./* J-v ' . -1 -j . A l í i l X V 1 .V ^ U J l i j

0 parece-se com um predicado, como uma gota de orvalho


com outia gota de orvalho, respondem elles muito anchos
que completa o sentido de eleito, c com clle forma um
attiibuto composto. A resposta, por dizer de mais não
diz nada. ’
Pois, se 0 predicado é composto, por constar de mais
de uma palavra, é forçoso que, para justificar da pretenção,
se possa sujeitar ao critério de todos os termos compostos,
isto é, á intercalação de uma ligação copulativa; ora isso é
impossível (... D. Henrique foi eleito e rei de Chypre!).
Sc, de outra parte, j^or vir a completar o sentido de
eleito, o substantivo rei sahc co3iflemento, carece dc-
claiar a que espécie pertence. Sustentar que é complemento
diiecto porque não aj^parece regido de nenhuma preposição,
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 399

ó conferir a nm verbo passivo (foi eleito') um complemento


que nunca ninguém, nem mesmo dentro os snbstantivistas,
sonhou em attribuir a um tal verbo. Se é, porém, comj)l6-
mento indirecto, dosontranhe-so a preposição que faz sempre
parto integrante do tal termo! xíão se acha nenhuma.
E, qual vem a ser a conclusão?
Fr. João do Coita, citando a Tcrtuliano em caso ana-
logo, dá a seguinte resposta, cheia de opportunidade : « Se
« Sr/mos ter com os mestres, sabem fazer a. figura, calão, e
« olhão-vos sobre o hombro, como que estão com mil respostas
« aos argumentos. »
(Quanto a nós, a conclusão ó muito simples.
Nenhum participio de um verbo propriamente passivo
constitue um predicado. E, poi-que? Porque o participio
de um tal verbo forma com o auxiliar o termo indivisivel
de FACTO. E, como se prova isso? Prova-se pela inversão
sempre possivel de um verbo propriamente passivo em
verbo activo, o que deixa claramente perceber a unidade
do FACTO pela unidade possivel da palavra (Dizem que e l e ­
g e r ã o ao infante D. Henrique rei de Chypre).
O q u e d a h i r e s u l t a , o q u e o ] ) a r tic ip io e l e it o c o n c o r d a
c o m o s u je ito c o m o p a r t e i n t e g r a n t e d o f a c to , o q u e r e i
c o n c o r d a c o m o m e s m o s u je ito c o m o p r e d ic a d o s im p le s . E
t u d o v a i a s s im g y r a n d o s o b r e s e u s n a t u r a e s e ix o s .
Chega-se a igual conclusão na determinação dos termos
syntaxicos do seguinte trecho do P. Ant. Vieira: « O glo­
rioso e miserável povo (de Jerusalem) sustentava a fama de
SER CHAMADO SEU uiu tal rei. » Ahi não é c h a m a d o o pre­
dicado, 0 sim SEU (... de um tal rei ser chamado s e u ) ; pois
SER c h a :u a d o constitue a idéa indivisivel de um verbo pas­
sivo, isto é, de um verbo do estado.
« Mas, por esto modo, redarguirão os snbstantivistas,
(( nenhum ’participio variavel póde vir a ser predicado. E
« entretanto collocais os mesmos participios no numeio das
(c palavras essencialmento idóneas para constituir um tal
« termo. »
Replicamos: Que é o participio? Uma palavra que
procedo essencial mente do verbo, o se porta frequentemente
como um adjectivo.
Quando se porta como um adjectivo, forma um predi­
cado. (guando não, concorre simplesmente á formação do
facto.
Assim é que concorre simplesmente á formação do
facto no seguinte excerpto do P. Ant. Vieira, onde o grande
400 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

in^orahsta attribue as catastrophes dos reinos, e fins mal-


aiortunados dos reis « aos que só são admitüdos a dizer e
A SER OUVIDOS. )) Porquaiito, estando ser ouvidos, assim
como DIZER, no primeiro tempo do infinitivo, temiio impes­
soal, nao pode constituir o participio ouvidos o predicado
(ie um sujeito que não existe.
^Oceorre ainda que, sendo variavel, o particiiiio faz
mera parte do facto, se se deixa inverter em verbo activo
ou pronominal.
Ex. As mangas sÃo reputadas nocivas. — rEEPUTÃo-SE
nocivas as mangas'). — Analyticamente : As mangas (sui.) :
sao leputadas (facto) j nocivas (predic.),
Se, porém o mesmo participio variavel relucta á in­
versão em verbo activo ou pronominal, sio-iial é que se
cado^ adjectivo, e constitue de per si o predi-

Ex. As mangas do Pará sÃo reputadas. — (Nino-uem


aceitaria como expressão de pensamento a inversão Ee -
- Aíialyticamente : As man-
(p?ed)‘‘ ’ {oomiA. ind.); são (facto); reputadas
Outrosim, a quem estranhar esta dissertação como
ciosa, por versar sobre uma distineção futil forca será
represent,u-.lhc qno os principies ahi tentilados ad?,uiremt
n?n ™ ® outras hnguas, uma importância (luc
oite «-los, porque pela lingua maternÄ é
que se estudao as demais linguas.
^ fiigno de especial reparo que o predicado vai
equentemente constituído por um complemento indirecto
1'
íw T fiuer de promiscuidade com as palavras
eclaiadamente idôneas para a formação deste termo.
(P Ant á^efra) díscorrião, era desta maneira.

vrefpJdlfn^^ ^ de 8. Dionysio em Pariz, muitos a


J3eimai4oT) ^^^^stre e com bom dote. (P. Man.

A razão desta anomalia encontra-se em uma ou outra


das duas seguintes considerações :
1. Ou porque não existe na lingua um qualificativo
T nC a " ' "" complemento in3irecto (.^. cm desta

frequontemonto oceorro, o
qualihcativo que podería ser substituído ao complemento
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 401

indirecto, não ficaria illibado de alguma impropriedade


(... 2wr ser illustre e bem dotada!)
Ama 0 teu inimigo, porque as settas do seu odio, se as
recebes com outro odio, sÃo de ferro (não: ferreas)] e, se
lhes respondes com amor, sÃo de oero (não : aureas). fP.
Ant. Vieira).
O peccado da usura, e a enfermidade da lepra parecem-
se em muitas cousas: não É, logo, de admirar (não: admi­
rável) que esta fosse a pena daquella culpa. (P. Man. Ber­
nardos).
E stava a estatua de Nahuco em pé, robusta, ufana e
SOBERBA. (P. Ant. Vieira).
Toda a consolação é escusada quando os males sÃo sem
REMEDio. (P. Ant. Vieira).
Os moradores d,este sitio estão em pé ou sentados...
Os seus vestidos sÃo da côr da purpura. (P. Man. Con­
sciência).
Foi 0 P. Ant. Vieira prudente, de profundo juízo,
GRAVE, AFFAVEL, COMPASSIVO, DESPREZADOR do mundo, DE
ALTOS, espíritos, 6 ELEVADAS IDÉAS. (P. Audré dc Eczcndc).
Sendo tão frequente e ordinaria no jogo a. perda do di­
nheiro e da fazenda, isto é o menos que nelle se perde, p>orque
SÃO muito mais preciosas e para sentir as outras perdas
ou perdições em que a cegueira da cobiça não repara. (P. Ant.
Vieira).
Os barbaros que morão commummente nas serras dos
Montes Claros, são havidos p>or agrestes e de pouco saber.
(Fr. Bernardo da Cruz). — (... por ser agrestes e de
pouco saber).
Sendo os advérbios e locuções adverbiacs meros com­
plementos indirectos, não é sem exemplo encontrá-los sub­
stituindo também a um predicado.
Ex. E’ BOM c[ue se saiba esta doutrina. (P. Man. Ber­
nardos. — (E’ bom).
E ASSIM PORÃO Judas e Dimas na vida. (P. Ant. Vieira).
— {E TAES forão...).
O' peixes, não só vos comeis uns aos outros, senão que
os grandes comem os pequenos. Se fôra pelo contrario, era
menos mal. (P. Ant. Vieira). — (^Se fôra o avesso...).
487. Junto a um verbo impessoal, o predicado con­
stando de adjcctivo ou participio, por não encontrar su-
26
402 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

jeito com que se prenda pela concordância, permanece na fi


sua fórma primordial, que é o masculino singular.
Ex. N ecessário é que haja prêmios para que haja sol­ S-
dados. (P. Ant. Vieira).
E’ CERTO que todos desejais o descanso; É certo que
todos 0 buscais com grande trabalho. (P. Ant. Vieira).
No que reparo, é que o Senhor convocasse a seus disci-
pulos para que nisso mesmo reparassem, e levassem doutrina:
ESTEVE bem feito. (P. M. Bernardes).
Porém, junto ao infinitivo impessoal de um verbo pes­
soal por natureza, a concordância se eífectua por syllepsc
com a palavra que serviria de sujeito a um tal infinitivo,
se tivesse um.
Ex. Até 0 sol e a lua e as estrellas não deixamos estar
OCIOSOS desta pensão. (P. Ant. Vieira). — (... não deixamos
que ELLES ESTEJÃO OCIOSOS...).
Pois, que direi dos outros admiráveis conselhos do Sal­
vador?... O conselho de não resistir aos que nos perseguem,
e ESTAR APARELHADOS paixi doT wiia face a quem nos fere a
outra? (João Franco Barreto). — (... que estejamos apa­
relhados...).
Os primeiros jogos forão... o saltar os vallos, o nadar
vestido de armas... (P. Ant. Vieira). — (... o nadar um
HOMEM, ESTANDO VESTIDO de aniias...).
Observação. Hábitos de infatuação fizerão com que
se introduzisse em algumas linguas modernas o uso de se
substituírem por vezes os pronomes sujeitos eu e tu pelos
seus correspondentes do plural nós e vós. Dabi originou-se
uma singular anomalia de concordância. Pois, ao passo
que o verbo, levado de vencida pela fórma plural do su­
jeito, com elle concorda em numero e pessoa, o predicado,
pelo contrario, visando unicamente ao sentido singular do
mesmo sujeito, deixa-se ficar no singular por syllepse.
Ex. O’ peixe voador, quizestes ser melhor (não: me­
lhores) que os outros peixes, e por isso sois mais mofino
(não: mofinos) que todos. (P. Ant. Vieira).
Entretanto grammaticos ha que, ao exemplo de Con­
stando, se arrogárão, de sua propria autoridade, o direito
de restringir o emprego tão natural da referida syllepse
ao unico pronome — vós, censurando a João de Barros por
ter dito: « Antes sejamos breve que prolixo », por lhes
parecer a elles que o eximio historiador devera ser « antes
BREVES que PROLIXOS ». Ora, como os mesmos censores ne-
S EG U N D A PA R TE - SYN TAXE 403

gligenciárão de motivar tão estupenda pretenção, descul-


párão assim antecipadamente a quem lh’a despreza, para
seguir a João de Barros, e conformar-se com o bom
senso.
488. Emfim encontra-se por vezes, junto a verbos que
não são de estado, u m p s e u d o -p r e d ic a d o ; porquanto, em­
bora seja sujeito á mesma concordância de um predicado ver­
dadeiro, não faz em realidade senão substituir a um
adverbio.
Ex. Este os servia c u id a d o s o , e elles o attendião a l e ­
g u e s . (Er. Ant. de S. Maria Jaboatão). — (... cuidadosa­
mente... alegremente'). Pois sendo ahi s e r v ia e a t t e n d iã o
verbos activos, nem um nem outro podem caber na cate­
goria de verbos de estado.
Outros exemplos:
Não foi necessário mais para o condestavel ceder v o l o n -
TARio. (Fr. Domingos Teixeira). — (... volontariamenté).
Acudiu então o pai, dizendo-lhe mui p l e g m a t ic o : « De
que te amofinas, filho meu? (P. Man. Bernardes). — (... mui
flegmaticamente).
O piloto, depois de pratico na arte nautica, accqmmette
CONFIADO O fiuctuante ahysmo. (P. D. Eapbael Bluteau). —
(... confiadamente).

C A P I T U L O IX

DA APPOSIÇÃO

489. Apposição é toda a palavra variavel que, não


sendo facto syntaxico, prende-se directamente, pela concor­
dância possivel, a um substantivo, pronome ou infinitivo,
para tornar-lhe o sentido mais preciso.
490. As apposições essenciacs constão de artigos, ad-
jectivos, ou participios variaveis; as accidentaes, de sub­
stantivos, pronomes ou infinitivos.
N O VA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

E X E M P L O D E A P P O S IÇ Ü E S E S S E N C IA E S

Que nos lembra e s s a g r a n d e creatura do Oceano, senão


o mundo in c h a d o p e l a soberba, l iv id o p e l a inveja, f é r v id o
PELA ira, VAZIO PELA inconstancia, e t r a g a d o r de naufrages
PELOS desastres d a perdição e t e r n a ? (P. Man. Bernardes).

A P P O S IÇ Õ E S D E S U B S T A N T IV O S

Esta vida dos pastores, como mais quieta, tem em seu


trabalho todas as cousas com que pôde sustentar-se : a l ã a , o
LEITE, as PELLES, a CARNE dos anima6S ; as h e r v a s , os l e ­
g u m e s , e 0 FRüCTO das plantas. (Franc. Eodr. Lobo). —
(... tem todas as c o u s a s . . . : l ã a , l e i t e , p e l l e s , c a r n e ;
IIERVAS, LEGUMES, FRUCTOS...).
i.( i»
A P P O S IÇ Õ E S D E PK O N O M ES

Sendo propostos a Catão dous cidadãos romanos para o rt;


provimento de duas praças, respondeu que ambos lhe descon- ti
tentavão: u m , porque nada tinha; o u t r o , porque nada lhe bas­ t
tava. (P. Ant. Vieira). — (... a m b o s . . . : u m . . . o u t r o . . . lhe
descontentavão).
A P P O S IÇ Ã O D E I N F I N I T I V O

Assim disse Bersahé a Salomão: « Trago-vos, senhor, uma


petição: não me envergonheis a face! » E, porque se chama ftr
ENVERGONHAR a face negar o que se pede ? (P. Ant Vieira).
— (... porcque negar [o que se pede'] cAam a-SE e n v e r g o ­
n h a r .. . ?)

491. Assim é a apposição um termo meramente an-


NEXO :
1. ° Porque nunca de per si entra cm relação directa
com o facto, termo dominante da proposição;
2. ®Porque sempre comparte servilmentc da sorte de
outro termo, o que se patenteia, em portuguez, pela sua Ití
concordância possivel em genero e numero, e além disto, ti
nas linguas providas de declinações, pela sua concordância
e m CASO.
Estas allegações ficão intuitivamente demonstradas, no
primeiro dos exemplos adduzidos, pela concordância em ei
genero e numero das apposições assignaladas, com as pa­
lavras por ellas amparadas.
No segundo exemplo, os substantivos indigitados como
apposições, associão-se á sorte do complemento directo
COUSAS.
SEG U N D A PA R TE - SYN TAXE

No terceiro, os pronomes um e outro compartem com


AMBOS da funcção de sujeito que a este vocábulo compete.
Emfim, no quarto, o infinitivo e n v e r g o n h a r prcnde-sc
ao complemento indirecto s e , de que mais detidamente se
tratará adiante, no exame das notáveis relações syntaxicas
a que dão logar os verbos pronominaes. Porém as appo-
sições, neste modo, apresentão-se mais frequentemente sob
a forma gerundial, como no seguinte exemplo em que um
gerúndio constitue, com um participio variavel, uma appo-
sição composta : [« Os pretendentes,'] porque os trazeis c o n su ­
m id o s E coNSUMiNDo-ss f )) (P. Ant. Vieira).

492. Sc bem que as apposições aparentem com os


predicados tantos pontos de analogia, que, cm mais de um
caso, têm regras communs, todavia delles se diíferenção
terminantemente por dous predicamentos cssenciaes.
O primeiro consiste cm que um predicado só se póde
referir a um sujeito, quando sujeito ha; a apposição, porém,
tanto se prende a um sujeito como a um complemento, a
um predicado como até a outra apposição.
Ex. Outros comparão os aduladores ao espelho, r e t r a t o
NATURAL e RECIPROCO de quem nelle se vê. (P. Ant. Vieira).
— Ahi fazem os adjectivos natural e reciproco ]m\to ao sub­
stantivo retrato a mesma funcção de apposição que esto
mesmo substantivo exerce junto a e s p e l h o . Igual demon­
stração fornecem os seguintes exemplos:
Era a causa da guerra a formosa Helena, f l ô r emfim
da terra, e cada anno c o r t a d a com o arado do tempo. (P. Ant.
Vieira).
As mitras, coroas, tiaras e outros semelhantes ornatos se
determinão para a cabeça, e s c o l a v i v a , e m e s t r a p e r p e t u a
de tudo 0 que se sabe no mundo. (P. P. Eapbael Bluteau).
O segundo ponto que faz divergir as apposições dos
predicados, consisto em que estes podem existir sem refe­
rencia a sujeito algum (E’ c e r t o que...), bastando-lhes, cm
tal caso, o verbo de estado para certificar de sua faneção;
ás apposições, porém, não póde faltar, sob pena de ambi­
guidade, a palavra amparada, assim como do seguinte
exemplo se deprohcnde :
H a v e n d o antes a r p o a d o um filho, recebeu a baleia mãi
junto delle os golpes da morte. (Franc, do Brito Freire). —
Quem é que arpoou o filho da baleia? Nada o deixa per­
ceber;— a não ser que, pelo maior dos absurdos, se presto
a um contexto tão vicioso o sentido que aparenta ter, isto
é que a mesma baleia mãi havia arpoado ao seu filho, visto
406 N OVA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

ser o sujeito baleia a unica palavra com que se pódc pren­


der a apposição havendo arpoado. Aliás a emenda era muito
facil: Havendo-se-lhe antes arpoado um filho... ou: Havendo-
lhe sido antes arpoado um filho...
Semelhante, ou até maior confusão e incerteza resulta,
no seguinte exemplo, já anteriormente citado, da enuncia­
ção de apposições sem referencia a nenhum substantivo,
pronome ou infinitivo, que são as palavras de amparo:
« Do qual damno e estrondo, e de o u t r o s que trazia c a r r e ­
g a d o s , foi Diogo Alvares disparando com igual effeito. (Fr.
Franc, de S. Maria Jaboatão). — Que erão esVoutros que
trazia Diogo Alvares carregados, para dispará-los com tanto
effeito ? Constarião de damno e estrondo ? Parece que sim.
493. As apposições podem convergir em numero mais
ou menos crescido para uma mesma palavra amparada,
sem por isso constituírem necessariamente um termo com­
posto.
Ex. A q u e l l a idade d o u r a d a tão c e l e b r e n o s p r i ­
m e ir o s tempos, quem a fez ? (P. Ant. Vieira).

O que torna uma apposição composta ó a interposição


ou faculdade de interposição de uma ligação copulativa
entre suas partes.
Ex. O que Christo ensinava, não era philosophia h u ­
m a n a , TERRENA c HUMILDE, scnão sahcdoria do céo. (João
Franco Barreto). — (... não era philosophia h u m a n a e t e r ­
rena E H U M ILDE...).
Tem esta observação uma opportunidade relativa ao
emprego dos signaes de pontuação.
494. Constando de substantivo ou pronome, a appo­
sição, assim como em igual caso o predicado (V. § 480),
exhaure todas as combinações de concordância antes do
se resignar a não aceusar nenhuma.
Ex. Salomão chama aos conselhos os l e m e s da guerra.
(P. Ant. Vieira). — (... os c o n s e l h o s : — os lemes).
Da teia fazem as aranhas a casa em que morão, c o v il
donde matão a caça, e v a l h a c o u t o onde se defendem. (Fr.
João de Ceita). — ( . . . a c a s a : o covil e o valhacouto).
Faça, 0 principe seu c o r po de guarda o amor dos súbditos.
(P. Ant. Vieira).— (... o amor... o corpo...).
Todos os homens querem ter pão, e muito pão. Dous al­
vitres lhes trago hoje para isso: u m para terem pão, o u t r o
para terem muito. (P. Ant. Vieira). — (... d o u s a l v i t r e s :— ■
um, outro...).
S EG U N D A PA R TE - SYN TAXE 407

Por qualquer parte que a fortuna ou desgraça leve o sabio,


no seu saber vai o que propriamente é seu; e, neste bem, leva
os maiores bens do mundo: s a u d e e l ib e r d a d e . (P. I).
Kaphael Bluteau). — (... os m a io r e s b e n s : — saude e liber­
dade)
495. Mas esta appetencia de concordância cm gcnoro
c numero desapparece logo que, deixando de aggrcgar-sc a
um termo determinado, a mesma apposição vai resumindo
cm si uma proposição anterior.
Ex. Outros jogadores, por extrema desesperação, se ma-
tárão a si mesmos, u l t im o a r r o jo a que pôde chegar o delirio
humano. (P. Ant. Vieira).
Outros comparão os aduladores ao espelho, retrato natural
e reciproco de quem nelle se vê. Porque, se lhe pondes os
olhos, olha para vós; se rides, ri; se chorais, chora l a g r i ­
m a s , porém, sem dôr, r is o sem alegria. (P. Ant. Vieira).

Sobre liberal, era João Fernandes Vieira entendido é va­


loroso, PRENDAS com que conciliou facilmente os affectos e esti­
mações de todos os que o tratavão. (Pr. Franc, de S. Mana).
Notão os curiosos da natureza que algumas das aranhas,
na primeira ordidura, deitão quatro fios como fundamento de
toda a teia, e cada qual destes vão depois tecendo e enchendo
de outros vinte; e assim se compõe aquella sua teia, e c(^a
de oitenta fios, o q u e tudo é para que nada lhe escape. (P r.
João de Ceita). — (••. c o u sa que é toda para que...).
Foliando ambos sós, por mui claras razões mostrou o
duque de Alva a D. Sebastião que se havia de perder: ao
QUE el rei lhe não deferiu com outra cousa mais que pergun­
tar-lhe de que cor era o medo. (Luiz Torres de Lima).
( . . . COUSA â qual el rei não deferiu).
496. Dando-se o caso de se referir uma ou mais ap-
posições essenciacs a um conjuncto do substantivos ou pro­
nomes, elles costumão concordar em gencro c numero com
o pronome ou substantivo mais conebegado.
Ex. Oxalá se trocárão os tempos e uso p r e s e n t e por
aquella idade felicissima. (P. Ant. Vieira).
Vêmos e s s e tronco e cadeias c h e ia s de gente miserável.
(P. Man. Bernardos).
O norte sempre fixo do adulador é o interesse e a conve
niencia p r o p r i a . (P. Ant. Vieira).
Pa outra parte estavão os principaes gentios com s e u s
arcos efrechas na mão. (P. Ant. Vieira).
408 N OVA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

Ai7ida que Beos nenhuma razão deu quando estabeleceu


este preceito, comtudo i n f i n i t a s razões- e motivos pudera dar
para persuadir o que mandava. (P. Ant. Vieira).
Se eu tivera autoridade para emendar a Homero, e con­
fiança para aconselhar a Ulysses, não o havia de querer com
os ouvidos abertos, e as mãos atadas, senão com os ouvidos e
as mãos s o l t a s . (P. Ant. Vieira).
H PARTICULAR circwiistancia e honra da verdade ser 0
sempre uniforme. (Fr. Luiz de Souza).
Quem ama a Beos, dá a d e v id a honra e reverencia,
assim a elle, como ao seu santo nome. (D. Fr. Bartbolomeo
dos Martyres).
Quem poderá dignamente explicar a excellencia da dou­
trina de Christo! aqueli,a paciência e alegria, nas tribulações rr-í
e peiseguições, por grandes que sejão, a qual levanta o homem fc'
sobre as estreitas do céo, e o constitue em aquella região de
paz e tranquillidade aonde não chegão a s p e r e g r in a s impres­
sões e nublados deste século tempestuoso, e donde se vê, como
abaixo de seus pés, t o d o s os nublados e revoluções do mundo
(João Franco Barreto).
Baqui é que, a u m a só palavra e chamamento s e u , os "h
apostolos 0 seguião. (João Franco Barreto). Ei-

Ha entie Beos e os justos t a m a n h a liga e conspiração ill


de amor, que^ nenhum mal lhes pode vir tão poderoso, que
quebre o fio â sua felicidade. (L. Fr. Amador Arraes).
Quanto as cousas são mais perfeitas, tanto m a io r cuidado If:
e providencia tem o Creador deltas. (Fr. Luiz de Granada).
Opinião é de Marco Tullio ser a historia o sujeito mais
Levantado, e que pede m a io r eloquência e gravidade. (Man Se-
verim de Faria).
Perguntou-lhe a rainha, com rosto e presença t r iu m -
p i i a n t e , que lhe havião parecido as razões do orador. (Duarte
Eibeiro de Macedo).
El rei B. João I I tinha um livro em que tinha escripto
todos os homeris aptos para todos os cargos e cousas n e c e s -
sarias. (André de Bezende).
No infante B. Luiz, as feições do rosto e estatura mos-
travao animo e condição r e a l . (Fr. Franc, de S. Maria)
lodavia, se, de algum contraste entre os substantivos
assocmdos, torna-se saliente a feição do pluralidade as ap-
posiçoos passao para o plural, embora cstejão os mesmos
substantivos no singular.
Ex. E ' tal a industria dos Chins, que por muito que ella
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 409

deva sua grande ahundancia e riqueza aos elementos, não é


menos obrigada á diligencia e trabalho com que seus mora­
dores industrião, e fazem muito mais feh teis e rendosas a
TERRA E A AGUA. (P. Joíío (le Lucena).

497. Assim como um complemento indirecto pódc-sc


substituir ou associar a um predicado constando de adjec-
tivo ou participio (V. § 486), assim se póde também o
mesmo complemento indirecto associar ou substituir a uma
apposição de igual natureza, porque idênticas são as re­
lações syntaxicas que em tal caso travão ambos os termos.
Ex. Tinha el rei D. Duarte o rosto redondo e de pouca
BARBA (não; pouco ba rba d o ). (Duarte Nunes de Leão).
De outras taboas v iv a s e de m aior custo (não: mais
custosas ) usavão os cavaleiros romanos. (P. Man. Domar­
des).
Donde tantos préstimos e utilidades senão de vós, Senhor^
que não obrais cousa d e b a l d e e v a z ia de virtude? (P. Man.
Domardes).
O bserv a çã o . Nas palavras de tratamento, todas as
apposições inseparáveis da formula são sempre, como a
mesma palavra amparada, de genero feminino; assim : S ua
S a n t id a d e A postólica , V ossa "Ma je st a d e F id e l ís s im a , S ua
A lt eza S e r e n ís s im a , etc. Porém todas as mais apposições
ou predicados que ás mesmas palavras por ventura se re-
•firão, tomão por syllepso o genero da pessoa a quem dizem
respeito.
Ex. Tanto que chegar esta nova. Vossa Alteza logo, sem
esperar outro preceito, se ponha de curto o m ais bizarro que
puder ser. (P. Ant. Vieira).
Tudo está empenhando a Vossa Alteza a obrar conforme o
seu real sangue, e mostrar ao mundo que é Vossa Alteza h e r ­
d eiro de seus famosíssimos progenitores. (P. Ant. Vieira).

0A.U*ITUT1L,0 X
DA LIGAÇAO
498. Ligação é a palavra ou conjuncto do jialavras
que, por interposição, toma os termos compostos, as prepo­
sições connexas, ou as orações correlativas.
410 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Todas estas très circumstancias se encontrao, por ven­


tura, summariamente resumidas no seguinte exemplo:
O jugo E as cadeias de ferro e de bronze têm estas quatro
cousas :
QUE cai'regâo, ferem, soão e durão.
E as mesmas quatro tem o jugo e cadeias da infamia.
(P. Man. Bernardes).
Pois 0 que dá a conhecer a indagação analytica appli-
cada a este exemplo, é que.
na p rim eira secção.
a ligação copulativa e faz, dos substantivos jugo c cadeias,
os dous m em bros de um só e mesmo sujeito; como, dos
substantivos ferro e bronze, faz os dous m em bros de um só
c mesmo com plem ento indirecto: em summa, denuncia am ­
bos estes term os como compostos ; ' if
na segunda secção,
a ligação subordinativa que faz, dos q u atro factos syn-
taxicos que se lhe seguem, o u tras ta n ta s proposições su­
bordinadas á prim eira; porquanto, sem esta, não apresentarião
sentido a p re c ia v c l; e p o rta n to vão-lhe connexas:
QUE ellas carregão, que ellas ferem, que ellas soão, que
ellas durão;
emfim a ligação copulativa e , que conjuncta os dous
últim os factos, como poderia co n ju n ctar os dous a n te ­
riores :
que carregão e ferem, e soão e durão,
m ostra, associando-as, que as m esm as proposições consti­
tuem subordinadas da mesma especie, o que tudo, como é
intuitivo, não póde d eixar de influir sobre a determ inação
dos signaes de pontuação que um ta l caso re q u e r;
na terceira secção.
a ligação copulativa e , que enceta a segunda das duas
orações de que se compõe o exemplo, tem por ofRcio de
encaminhar o espirito a considerar ambas as ordens de
pensamentos como tendentes para um mesmo fim, isto é o
de torná-las correlativas. Quanto á ultima ligação e , ella
reuno novamente em um só c mesmo sujeito os substan­
tivos jugo e cadeias.
Ora, se desta exemplificação resalta que, além de sua
imprescindível assistência na linguagem, as ligações exercem
nella uma funeção toda especial, que nenhuma outra póde
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

siipprir, claro é que sua constituição em termo syntaxico


é tão justificada como a do sujeito, dos complementos ou
do outro qualquer orgão dos pensamentos.
Sob esta consideração abrigamos a esperança que nos
seja aceita esta innovação em Grammatica, visto formar
ella uma das bases da analyse lógica.
DAS LIGAÇÕES COPULATIVAS

499. As tres ligações copulativas, quer intervenhão


entre partes de um mesmo termo, quer entro proposições,
quer entre orações, estabelecem sempre o mesmo genero
de relação, o da solidariedade, com a differença tão somente
de ser ella de affirmação com e , de negação com n em , o
de alternancia com ou. A prova está em que se podem
mutuamonte substituir, mas, como é obvio, não sem tras-
torno dos pensamentos.
Ex. Tudo 0 que nasce na terra, o sol ou a chuva o
cria. (P. Ant. Vieira). — (... o sol e a chuva... o sol nem a
chuva...').
A cousa mais facil do mundo c dar conselho a outrem, e
a mais ardua é tomá-lo para si. (P. Ant. Vieira). — (A cousa
mais facil do mundo não c dar conselho... nem amais ardua
é tomá-lo... — A cousa mais facil do mundo é dar conselho...
ou a mais ardua é toma-lo...).
Pois, Filho da Virgem Alaria, se tanto cuidado tivestes
então do respeito e decoro de vossa mãi, como consentis agora
que se lhe fação tantos desacatos f N em me digais. Senhor,
que lá era a pessoa, cá a imagem. (P. Ant. Vieira). — (...E
dizei-me. Senhor... — Ou dizei-me. Senhor,...).
500. As ligações que, por mais terminantemento des­
mancharem a mesma solidariedade, vão também mais a
miudo oppostas ás tres copulativas, são mas e po r ém ,
que, por causa desta mesma significação de contraste, não
podem deixar de apparecer precedidas de um ou outro dos
signaes de pontuação.
Ex. Fez um fulano Topete, homem nobre, mas de pouca
renda, umas rijas festas. (P. Man. Bernardes).
O entendimento é parte que discorre, porém pôde discorrer
mal. (Mathias Ayres da Silva de Eça).
Pecretou-se por lei do Senado em Poma que só estes jogos,
e nenhum outro, se pudessem jogar a dinheiro. Sendo, po r ém ,
0 principal prêmio dos que vencião, não o dinheiro, senão a
honra e fama, esta era tão gloriosa nos jogos que se chamavão
412 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

sarados, que não se dava a corôaao vencedor, senão á patria


(P. Ant. Vieira).
501. Sendo as ligações copulativas mais de uma vez
admissiveis, quer entre partes de um mesmo termo, quer ii»
entre proposições consecutivas de mesma especie, ellas cos- ra
tumao geralmente apparecer só no ultimo dos lugares que tí
lhes compete. ° ^
Ex. possível que uma cousa tão pequena, — tão i'
branda, tão leve e tão mudavel como a língua, tenha poder
para vos pôr ás costas um jugo tão pesado, — tão duro e tão
durador? (P. Man. Bernardes). — (... tão pequena e tão
branda e tão leve e tão mudavel... — tão pesado e tão duro
E tão durador...').
Levados de ambição, querem os homens mais do que podem
e devem: por isso, os altos cahem, — os grandes rebentão, e
todos se perdem... Com a carga demasiada cahe o jumento _
rebenta o canhão, e vai-se o navio a pique. (P. Ant. Vieira).
Todavia este caso de elisão consuetudinaria fica sujeito
a íroquentes e variadas excepções, que, opportunamente
empregadas, não pouco realce e clareza conferem á dicção.
Ex. Querendo Solon consolar a um amigo seu, opprimido
de vehemente tristeza, o levou a uma torre eminente, donde se
descortinava toda a cidade, e lhe disse: « Considerai, amino
quantos prantos — luctos, — afflicções, — desgraças e trabalhos
estiverao ja, e actualmente estão debaixo destes telhados e es­
tarão successivamente pelos tempos vindouros. (P. Man Ber
nardes).
Se alguém visse desde um posto eminente todas as mu­
danças que no mundo succedem..., veria, reparando no mesmo
homem, como nunca permanece no mesmo estado, succedendo-
se como revoluções da roda, a saude e a enfermidade, — o tra­
balho E 0 descanso, — a honra e o desprezo, — o tormento e
0 deleite, — o temor e a esperança. (P. Man. Bernardes).

Alli ninguém se queixa, nem da pobreza, ne3i dos acha-


qms, m das pciixões da alma, nem das misérias do mundo
(P. Man. Consciência).
Basta que, aos que têm o supremo poder, lhes suba á ca­
beça um vaporzinho, ou de cobiça, ou de ambição, ou de in­
veja, ov de odio, ou sómente de vaidade, para que, contra
uma fortaleza ou sobre uma cidade, chova tanta multidão de
peiZras das suas muralhas. (P. Ant.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 413

D A S L IG A Ç Õ E S S U B O R D IN A T IV A S

502. Em sentido estricto, as ligações siibordinativas


( que e SE, com os congeneres) só conjunctão proposições,
fazendo, da posterior, um appendice da anterior. Pois, vindo
uma ligação subordinativa a unir duas palavras de funeção
real ou apparentemente a mesma, não as concilia por isso
em um só e mesmo termo composto, como as copulativas;
mas presuppõe, junto á segunda, uma elisão que faz da
mesma segunda palavra um mero termo de outra propo­
sição. ín
Ex. Maior gloria é em en d a r que castigar . (P. Ant.
Vieira). — (^Maior gloria é emendar — que [ gloria grande
É] castigar). Ahi são ambos os infinitivos sujeitos, porém
cada um de sua própria proposição.
Não ha cousA mais cara que a que custa vergonha. (P.
Ant. Vieira). — {Não ha cousa mais cara — que [ cara é ] a
que custa vergonha). — Ahi, pelo contrario, o substantivo
COUSA constitue o complemento directo de iiA, ao passo
que o pronome demonstrativo A forma o sujeito da propo­
sição elidida (... que é cara a que... a qu ella que...).
Se esta observação é de mingoado alcance em portu-
guez, ella se to ^ de summa importância nas linguas que
assignalão os seus termos pelas inflexões das declinações,
porque demonstra que o mesmo caso declinativo não com­
pete sempre, nellas, aos termos associados por taes ligações,
mas que cada um deve ter o caso que llie vai prescripto
pela decomposição analytica. Assim é que, se o portuguez
houvesse declinações, o substantivo cousa , do ultimo exem­
plo, iria para o accusativo, o o pronome a , para o nomi­
nativo.
503. Sendo toda o qualquer ligação subordinativa a
denunciação de uma proposição logicamente posposta a
outra, a sua apparição no inicio de uma oração só póde
dar, geralmente, lugar a duas bypotheses: ou que a mesma
proposição se acha, por inversão, anteposta á proposição de
que a subordinada depende: ou que a proposição de que a
subordinada depende, ficou omissa, caso este que se verifica em
todas as orações directamente interrogativas ou exelamativas.
E x . Q u e Jonathas se resolvesse a amar a David quando
não conhecia as jjaixões deste tyranno affecto, não foi muita
fineza. (P. Ant. Vieira). — {Não foi muita fineza — que Jo­
nathas se resolvesse a amar a David...).
Q u e o que baila e dansa, tem parte de louco e de furioso,
basta vê-lo de fóra para confessá-lo. (P. Man. Bernardes). —
414 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

{Basta ver de fóra o que baila e dansa, para confessar — que


tem parte de louco e de furioso).
S e o principe permittir ser lisonjeado na presença, sup- AH
ponha-se praguejado na ausência. (P. Ant. Vieira). — {Sup-
ponlm-se o principe praguejado na ausência — se permittir
ser lisonjeado na presença). p-
Quando fazem os ministros o que fazem? E, quando f
fazem o que devem fazer? Quando respondem? Quando defe­ e‘-
rem? Quando despachão? Quando ouvem? (P. Ant. Vieira). t
{Eu pergunto pelo tempo — em que fazem os ministros o
que fazem. E eu pergunto pelo tempo — em que fazem o
que devem. Pergunto pelo tempo — em que respondem...).
Quanto cresceu o dominio dos que tudo mandão, com o
invento da polvora! (P. Ant. Vieira). — {Admira do muito it
— QUE cresceu o dominio dos que tudo mandão, com o invento
da polvora).
Todavia dá-se o caso, mas só por excepção, de uma
ligação subordinativa vir a encetar uma oração sem que
occorra nenhuma das hypotheses de proposição invertida
ou omissa, e vem a ser quando, a um arrazoado extenso,
segue-se-lhe uma conclusão correspondendo simultaneamente
a todos os argumentos adduzidos.
Ex. Vai tanto de haver união a não haver união entre os
homens, que um homem, antes da união, éum; edous homens,
depois da união, são dez. E, como dous, por virtude e bene­
ficio da união, se multiplicão em dez, bem se segue que, se um
vence a mil, dous hão de vencer a dez mil. D e sorte que,
pai a sermos mais do que somos (quando assim nos importará),
não é necessário multiplicar homens: basta unir corações. (P.
Ant. Vieira).
Assim foi: cresceu Themistocles, e, com elle, a fama de
suas victorias^ e não destruia tantos exercitos de inimigos na
campanha, quantos se levantavão contra elle na patria. P ara
QUE vejão os odiados ou pensionados do odio se se devem
prezar ou offender de ter inimigos. (P. Ant. Vieira).
O riso ou alegria do peccador não é animado com vida
do espirito: é só riso em estatua, frio como mármore; riso,
mo tanto seu, como do mundo, que, por elle, se ri delle mesmo.
1 ORQUE, como disse S. Agostinho, este mundo ri-se de todos os
que se não riem delle. (P. Man. Bernardes).
Pelo propheta Isaias faliava Deos com os justos; e, ani­
mando-os, dizia: n Levantai os olhos ao céo; olhai para a
tema, e entendei que primeiro os céos se desfarão como fumo,
Q a terra se gastará como vestido, e os que morão nella fene^
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 415

cerão, que deixe de 'permanecer a minha saude, e tenha fim a


minha justiça. » Do que se segue manifestamente que quem
afflige os justos, faz guerra ao mesmo Deos. (D. Fr. Amador
Arraes).
504. Só ha um caso em que, por uma inversão mui
excepeional, a ligação subordinativa vai apparentemente
posposta, em vez de anteposta ao verbo ao qual se refere,
e é quando a oração, sah indo repentinamente do teor pro­
prio da exposição, acaba de chofre por uma interrogação
directa.
Ex. Tudo 0 que se sabe, por vista ou por memoria, dos
periodos e catastrophes dos reinos, e dos fins malafortunados
dos reis, e causas delles, ás menos vezes ^ se deve a t t r ib u ir
AOS INIMIGOS DE EORA, que são OS que só se temem, senão,...
A QUEM? Aos lisonjeiros e aduladores de dentro. (P. Ant.
Vieira).
Esta excepção, porém, longe de infirmar o principio
que estabelece como intransferivcl a ligação subordinativa,
corrobora-o com uma nova sancção, por revelar o processo
analytico que o pronome a quem não é, eomo á primeira
vista parece, o complemento indirecto do infinitivo ex­
presso ATTRiBUiR, 0 sim O de outro a t t r ib u ir oinisso por
ellipse, assim que o attesta a interposição da ligação senão
(... senão {yêdel a quem [ se d ev e a t t r ib u ir :] aos lison­
jeiros e aduladores de dentro). E assim se vai verificando
mais c mais a singeleza e fixidade das leis geraes que
regem a linguagem.
O b serv a çã o . E’ digno de reparo que a ligação como,
vindo a assumir o sentido de v isto como ou v isto q u e ,
constrange constantemente a proposição^ por ella encetada
a se transpor para adiante da proposição de que depende.
E x . C omo não tinhão os apostolos mais que cinco pães,
era força buscar algum modo de os accrescentar. (1. Ant.
Yieira). — (Não : Era força buscar algum modo de accres­
centar os pães, COMO não tinhão os apostolos mais que cinco).
C omo viu S. Francisco^ de Borja o que era a alma,
deixou 0 mundo. (P. Ant. Vieira).
C omo são mais os que accusão a fortuna, que os que lhe
dão graças, maior matéria dão os nascimentos ao temoi que a
esperança. (P. Ant. Vieira).
DAS LIGAÇÕES PREVENTIVAS

505. A discriminação das ligações em tres classes dis-


tinctas não é nenhuma operação arbitraria, pois a cada
416 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

classe compete fornecer uma indicação especial. E, se


assim não fosse, não jDoderião apparecer, como tão fre­
quente é o caso, conjunctadas em um mesmo lugar. Pois,
porque duas ligações em um só e mesmo ponto, se não
devem produzir eífeitos distinctos? E, se produzem effeitos
distmctos, é que, por natureza, não são assemelháveis. Ora
80 sao assemelháveis as da mesma classe, e estas também
são as que se não conjunctão.
^506. As copulativas podem, por anteposição, associar-
se as subordinativas.
Ex. Este meio de accrescentar 'pào será muito bom quando
no mundo não houver quatro cousas: quando em Zelandia
nao houver jpechelingues; quando em Argel não houver turcos;
QUANDO na agulha de marear não houver suestes; e quando
no Alaranhão não houver baixios. (P. Ant. Vieira).
Vêde SE f o i g r a n d e f a v o r e -p ro vid en cia do Céo q u e se
nã o d esco b rissem v o ssa s m in a s , e s e , ta n to no p a r tic u la r com o no
çevül^ ia dcsEucüiiiiuhcídci e CTTCida a v o ssa ospcvciucct^ r P
Ant. Vieira). y • ^ •
A associação, jDorém desapparecc logo que, estando
emboia immediatas, cada uma das ligações actúa em uma
j)roposição diversa, caso que por isso mesmo avoca sempre
entre as mesmas ligações a intervenção de uma virgula.
Ex. E, QUANDO as frotas voltavão carregadas de ouro e
prata, nada disto era para allivio ou remedio dos povos. (P.
Ant. Vieira). (E nada disto era para allivio e remedio dos
povos QUANDO as frotas voltavão carregadas de ouro e prata).
E, QUE faz a mesma natureza, toda movida e governada
pelo -mesmo Eeos f (P. Ant. Vieira). — (E [pergunto eu pelol
QUE faz a mesma natureza...). ^ )!
507. As copulativas podem, igualmente por anteposi- i' i
çao, associar-se ás preventivas, exceptuando-se, tão sómente
MAS e PORÉM, cujo sciitido adversativo destroe a influencia
das copulativas, e portanto veda entre ellas todo e qualquer
consorcio. ^
Ex. Quem mais desprezível que o mosquito ? E comtudo
os mosquitos já fizerão fugir a cavallaria de um exercito. (P.
Man. Bernardes).
Entretanto esta coordenação fica ás vezes alterada pela
íacuidade de deslocação que pertence a nove das preven­
tivas (V. § 287). ^
^ Ex. E, sE, TODAVIA, ainda contra isto ha eme dizer, não
esta longe o remedio. (Fr. Luiz de Souza). — Ordem lógica:
E TODAVIA não está longe o remedio, se ainda contra isto ha
que dizer.
508. As locuções como se e como que parecem des­
mentir a allegação de se não associarem as ligações de
uma mesma classe.
Ex. Por fim recommendo a Vm. estes fidalgos como se
a causa de ambos fôra de meu irmão. (P. Ant. Vieira).
O leãfi correu attentamente ao homem com os olhos, como
QUE O conhecia dantes. (P. Man. Bernardes).
Porém o que ressumbra do processo analytieo, é que,
em uma e outra locução, ambos os vocábulos se despirão
do seu sentido proprio, para, por combinação, enunciarem
um só em commum, liypothesc que se verifica em todas as
palavras compostas (arco-iris, recem-chegado, outro tanto,
cada um, estar faltando, haver de faltar, etc.). Portanto con­
stituem uma e outra meras locuções conjunctivas.
O caso apresenta-se diverso no seguinte exemplo:
Hi])pocrates respondeu que nunca Pemocrito estivera mais
sizudo, nem tivera o juizo mais são que quando fugia dos
homens. (P. Ant. Vieira).
Abi não ha, nem combinação, nem associação de liga­
ções, porquanto ambos os termos ficão realmente separados
por um complemento indirecto occulto por contracção:
(... nem tivera o juizo mais são que [no tempo em que ]
fugia dos homens).
509. A conjuncção preventiva po is tem j)Oi’ especial
officio de denunciar uma conclusão.
Ex. Parece-vos que tenho dito muito? Pois ainda não
está discorrido tudo... A maior pensão, o maior cuidado e o
maior trabalho dos homens é buscar pão para a bôcca. Pois
isto por que todos trabalhão, hei de ensinar hoje o modo com
que se possa alcançar sem trabalho. (P. Ant. Vieira).
Porém os clássicos a empregarão frequentemente numa
accepção que hoje parece bastante desusada, mas que a
fazia equivalente de porque , j á q ue , v isto q ue , visto como,
e portanto a transferia para a classe das subordinativas,
vindo assim a motivar então a pontuação própria destas
ligações.
Ex. Sejão ouvidos nesta causa todos, po is toca a todos.
(P. Ant. Vieira). — (... v isto como toca a todos).
Mas, POIS a perda, em todas as considerações, é tão irre­
parável, só nos fica o allivio e consolação da fé. (P. Ant.
Vieira). — (Mas, v isto q u e ... a perda é tão irreparável...).
7

418 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

3fas, POIS 0 estado da minha enfermidade me não con­ iirii ■


I »i-
sente esta pequena demonstração, contento-me com que V. S.
tenha conhecido que, entre todos os criados da casa de V. S.,
nenhum tanto tem festejado e estimado este triumpho delia.
(P. Ant. Vieira). — {31as, j á que o estado da minha enfer­
midade...f
E, POIS 0 tempo nega ás boas artes galardão, dai-lhes ao
menos o louvor. (Franc. Eodrigues Lobo). — {E, jÁ que o
tempo nega ás boas artes o galardão...).

CA.FITUI.O X I

DOS IDIOTISMOS
510. Idiotismo é toda a locução que, embora de sen­
tido claro, porque é de uso commum, nega-se entretanto
ás leis geraes _da analyse syntaxica. E nega-se ás leis
desta^ analyse, já porque as palavras que a compõem, ex-
orbitão das relações que lhes são projirias; já porque, co­
tejadas em sentido genuino, as mesmas palavras se mostrão
avessas a formar umas com as outras um conjuncto ra­
cional.
Ex. O bom DO HOMEM. — A santa da m u l h e r . — Saber : 11
4 Î
DE CÓR. — Tomar a p e it o . — Fazer das su a s . — Dar-se com
ALGUÉM. Ir TER COM ALGUÉM. — Aillda BEM. — Ainda MAL.
Que muito q u e ...! — L e h a muito que... — Parede m e ia . ,j ^
Comprar po r atacado . — Vender a v a r e jo . — Em serra
ACIMA. — Em serra a b a ix o . — S ua a l m a , sua p a l m a . —
Etc.
511. ííenhurna lingua é isenta de idiotismos, e é ge­
ralmente característico delles o reluctarem a deixar-se
verter litteralmente de uma lingua para outra, e sim tão
sómente por equivalentes. {Como p a s s a ? — Quomodo v a l e s ?
— Commentions, po r tez -v o u s ? ...). Apezar de sua excen-
tiicidade grammatical, os idiotismos, quando estremes de
vulgarismo, ou de allusões repulsivas, não são nenhumas
fóimulas leprovaveisj muito pelo contrario; discretamente
espalhados na dicção, temperão-na, por assim dizer, de um
certo sabor pátrio ao qual, com muita propriedade, litte-
ratos modernos chamárão v e r n a c u l id a d e .
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 419

512. Torna-se, porém, obvio que, escapando a toda e


qualquer classificação, os idiotismos não são discutiveis em
Grammatica: apenas por ella assignalados como trastornos
licitos da linguagem, reeabem no dominio da lexicographia,
que os tem de registrar com cuidado, mas subtrahem-se,
por sua natureza, a um estudo systematico.
Ex. Pobre da a r a n h a ! quanta ordem e quanto trabalho!
E, com um sopro de vento, lá vai quanto ella fiou! (Fr. João
de Ceita).
Correm, já h a d ia s , com o passaporte de segredo, os des­
atinos dos medicos matasanos, com as exorbitâncias de néscios.
(Fr. João de Ceita).
Apreséntou-se um dia diante do arcebispo um homem de
BOA PESSOA e bem trajado. (Fr. Luiz de Souza).
Passando P. João de Castro pela rua de N. Sra. da
Luz, viu, numa casa terrea, quantidade de armas num cabide,
tratadas com tal lustro e aceio, que se pagou da l im pe z a e
ACERTO com que estavão dispostas. (Jacintbo Freire de An­
drade).
Tiverão r e b a t e aquelles hespanhóes que Sua Santidade
ANDAVA PÓRA; acudirão todos juntos. Põem-se de jo e l h o s ,
e, voz EM GRITA, comcção a pedir misericórdia. Enfadou-se o
papa; mandou que déssem recado ao governador que os fi­
zesse lançar nas galés. Não tinha o arcebispo noticia do que
havia precedido; pareceu-lhe crueza o que via; ficou cheio
DE ESPANTO E COMPAIXÃO. E, nãO p>odcndo ACABAR COMSIGO
TER SILENCIO cm tal passo, sem m etter tempo em m eio ,
chegou-se a Sua Santidade, e, com toda a humildade: « Bea­
tíssimo Padre, disse, isto são ovelhinhas de que Vossa Santi­
dade é pastor. Se no pastor acharem as ovelhas esquivança,
quem lhes ha de valer'? onde hão de achar brandura? » (Fr.
Luiz de Souza).
Pois voador, porque tivestes maiores barbatanas, por isso
haveis de fazer das barbatanas azas? Mas a in d a m al , por­
que tantas vezes vos desengana o vosso castigo. (P. Ant.
Vieira).
Nós temos muito boas mãos, e o sabem muito bem nossos
competidores; mas, se não tivermos união, nem elles h a v erã o
MISTER BOAS MÃOS, liem a nós nos hão de valer as nossas.
(P. Ant. Vieira).
Perdeu V. Ex. um tão grande, tão fiel e tão honrado
amigo e parente; e eu também o perdí, e nas circumstancias
que el rei, o reino e todos os mais o h a v ía m o s m ist e r . (P.
Ant. Vieira).
420 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Agora tambem eu digo que ditoso do que escapou da má


lingua, e do seu jugo de ferro. (P. Man. Bernardes).
Q ue m u ito , Senhor, que vos não comprehendamos, se não
comprehendemos um mosquito! (P. Man. Bernardes).
Ha causas (se não são das (que morrerão desesperadas)
que podem competir com João dos Tempos, de quem dizem
que viveu trezentos e sessenta e um annos. Se não párão de
cansadas, pelo menos andão tão devagar, que tudo se vai em
MANDA, IlEMANDA; MANDA, llExMANDA. E , COM ESTE MANDA,
DEMANDA, S6 faz eterna demanda. E, com esta e s p e r a , r e -
ESPERA, O pohre emfim desespera. Porque estes modicos se
fazem tão immodicos, que o mesmo Job não se h a v e r ía com
ELUES, se, entre os seus trabalhos, se contára o de a n d a r em
DEMANDAS E REQUERIMENTOS. (P. Man. Bemardes).
Todas as embarcações ião com suas invenções differentes,
A QUAL MELHOR. (Femão Mendes Pinto).
Os vice-reis desembaraçados já das guerras, procuravão
assignalar-se no governo da paz, e propagação da fé de Christo,
que A OLHOS v isto s se ia dilatando. (Man. Godinho).

C_^r>ITULO XII
Observações peculiares sobre as diversas
especies de palavras
VERBOS

TER ---- HAVER

513. Como auxiliares de verbos elementares, t e r e


HAVER entrão indiíFerentemente na formação dos tempos
compostos. Parece, todavia, o primeiro ter geralmente
prevalecido sobre o segundo na dicção moderna. Ora, se
é licito aventurar uma conjectura a tal respeito, La de
ser porque o emprego de t e r acarreta menos hiatos do
que o de h a v e r . ( E u o ten h o ouvido. — Eu o iie i ouvido).
514. Como verbos activos, isto é, como mais ou menos
synonymos de po ssu ir ou c o n sid er a r , ficarão t e r e h a v e r
em competição ainda mais desigual; porquanto, a não ser
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 421

no estylo poético, o primeiro supplantou notavelmente ao


segundo. Seria, com eífeito, necessário retroceder a uma
cpoca já remota para encontrar a locução « I I ei wna
casa... », por substituição a « T enho uma casa... ».
E x. Sc TIVESTES ANIMO 'pava dar o sangue, e arriscar
a vida, mostrai que também vos não falta para o soffrimento...
Se, depois de tantas cavallarias, o soldado se vê a pé, tenha
ESSA pela mais illustre carroça dos seus triumphos. (P. Aut.
Vieira).
515. Como accidentalmento neutros, ter e haver
constituem alguns idiotismes em que, conforme o requer o
uso, já um, já outro prevalece.
E x. Assim como é certo que Deos deu a corôa a David
porque se não vingou de Saul, assim digo, e tenho por certo
que, se David, pelo contrario, se vingára, ainda que Deos o
tivesse destinado para a corôa, IDa não havia de dar. (P.
Ant. Vieira).
« H ei por hem que... » (Fórmula majcstatica).
516. O mesmo sc dá quando accidentalmento prono-
minaes.
Ex. T eniio -me em maior conta, e me julgo nascido para
cousas mais elevadas do que ser criado de meu corpo. (Fr.
Luiz de Souza).
IIouvE-SE em tudo a natureza como mãi. (P. Ant.
Vieira).
517. P assando a ser accidentalm ente impessoaes, ter
e HAVER têm igualm cnte ingresso na linguagem fam iliar ;
o segundo, porém , já do lia m uito, prevalece sobro o p ri­
m eiro na linguagem castiça. E n tre ta n to encontra-se ta m ­
bém n esta ultim a.
E x. Um agoureiro consultou a Catão que successo ou
prodígio significaria haver achado os seus calções loidos das
doninhas. Respondeu-lhe: «Até ahi não tem muito que ade-
vinhar ; quando as doninhas forem roidas dos calções, então
me consultareis. » (P. Man. Peruardes).
No Brazil tem codornizes, rolas, pombos, melros, patos e
outras muitas aves semelhantes ás que cá temos, com quasi
infinidade de outras que entre nós se ci ião. llx também aguias,
falcões, açores, gaviões e outras muitas aves de i apina. ( i .
Balthazar Telles).
O bservação . A despeito do perfeito acordo cm que
estão todos os gram m aticos sobre a legitim idade da locução
422 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

(( l Î A iioMENS... », e de todas as mais em que o mesmo


verbo, por ser accidentalmente impessoal, não passa da
forma propria da terceira pessoa do singular, lá vão, mais
do que nunca, medrando e pullulando como tiririca entre
couves, as loquelas subversivas de um principio sanccionado
pela lição constante e uniforme de todos os clássicos. Pois
não carece perturbar muito a miudo os recessos da fa­
cúndia moderna, para se convencer de que, neste particular
a Grammatica tem ainda tudo por fazer em desaífronta do
bom senso e da tradição.
Não é de crer, que haja espirito tão obtuso para não
perceber que, se o bumoristico « iiÃo » é simplesmente im-
2)0ssivel para quem tem ouvidos de ouvir, igualmente im­
possíveis devem ser os competidores « h a v i Ão, iiouverão ,
iiAJÃo... »; porque não faz afinal o primeiro, senão arre­
medar fielmente o papel desempenhado pelos últimos.
Ora, se se estranhar como um tal erro, não obstante
ser indigitado por todos os grammaticos, persistiu, e até
tomou incremento nas classes cultas, não é nenhuma in­
justiça attribuí-lo áquelles mesmos que o procurárão der­
rocar. Porquanto, desprezando o methodo experimental,
que pacientemente indaga antes de concluir, para se ape­
garem elles ao dogmático, que resolutamente affirma o que
levemente estudou, vierão a proclamar como generalidades
o que era mero accidente, e a cahir, de consequência em
consequência, no absurdo, que é a conclusão inevitável de
um principio falso. Deste genero é o que, mórmente desde
a celebre descoberta da substantividade verbal, se vai canta­
rolando pelas aulas : « que todo o verbo tem o seu su­
je it o . » Isso lá é de fé ; não admitte, nem duvida, nem
reserva, nera exame. E, quando por acaso venha o decan-
tado^ principio a se mostrar de todo rebelde á demonstração,
lá vão elles embirrando no preconcebido, até chegarem a
formular cada una o seu particular esconjuro para a evo­
cação de um sujeito impossível, e a clamar, apontando
para algum fantasma desenxabido : Ei-lo ! Teneo lupuin au-
ribus (Estou segurando o lobo pelas orelhas).
Succedeu dahi o que não podia deixar de succéder. A
unanirnidade de assenso, por parte dos glosadores deste
caso, á doutrina de que todo o verbo tem o seu sujeito,
cieou tanto mais facilmente adejitos, que ella apjiarece
condensada num theor de precisão didactica. Porém o des-
conchavo das interpretações da mesma doutrina na sua
applicação á analyse gerou desconfianças, desconcertou os
crentes, e fez com que cada um se reservasse in petto o
direito do agarrar o indefectível sujeito onde bem lho
aprouvesse.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 423

Quanto á lição dos clássicos, cila é tão abundante


neste assumpto, que foi preciso, para desconhecê-la, que
nenhum lugar se désse, no plano e methodo dos estudos,
aos varões que mais illustrárão a lingua, e delia são os
únicos mestres autorisados, preferindo-se-lhes theorias aven­
turosas, sem consistência nem nexo.
Ex. H a dous generös de inimigos: uns que perseguem,
outros que adulão. (P. Ant. Vieira).
Foi 0 'padre frei Thomaz da Costa varão tão famoso em
letras e púlpito, que el rei D. João o escolheu por seu pre­
gador em tempo que, nestas duas qualidades, iia v ia muitos
HOMENS eminentes. (Fr. Luiz de Souza).
Acudiu Heitor da Silveira, dizendo: « Outro defeito maior
tenho eu sabido de JD. Henrique: foi não desterrar da índia
quantas más lín g u a s iia v ia ». (Parallelos).
Arrehentárão em lagrimas, gemidos e soluços quantos
IIAVIA na igreja. (Fr. Luiz de Souza).
Este elephante só nos serviu em alguma necessidade ur­
gente, porquanto iia v ia outros que oceupavão o serviço ordi­
nário. (João Eibeiro).
No principio do mundo, como gravemente pondera Seneca,
porque não iia v ia g u e r r a s ? Forque usavão os homens da
terra como do céo... Porém, depois que a terra se dividiu em
differentes senhores, logo h o u v e guerras e b a t a l h a s . (P.
Ant. Vieira).
M uitos h o u v e que quizerão imitar os raios. (P. Ant.
Vieira).
H ouve fa m o síssim a s v ic to r ia s contra príncipes que
nunca tinhão duvidado de as alcançar. (Manoel Godinho).
Pois, se nos outros filhos de Jacob houve também g o t jsa íí
merecedoras de louvor, e em Judas, merecedoras de vitupério,
porque se dá por benção só a Judas que eile será o louvado.
(P. Ant. Vieira).
Se em Hespanha não h o u v er a m ina s de ouro e prata,
nunca os Romanos irião a lhe fazer guerra de tão longe. (P.
Ant. Aieira).
Necessário é que h a ja pr ém io s para que h a ja solda ­
dos ... Necessário é que h a ja S aues l ib e r a l s para que h a ja
D a v id s anim o so s . (P. Ant. Vieira).
Se HOUVESSE DOUS HOMENS dc conscicncia, e out? os que
lhes succedessem, não h a v e r ia in c o n v en ien t es em esta? o
gove?'no dividido. (P. Ant. Vieira).
HT

424 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Este meio será muito bom quando, no mundo, não houver


QUATRO COUSAS... (P. Aut. Vieira).
Quando, nos banquetes, não houvera mais excessos que
0 beber, provocando-se uns aos outros, já não havia poucos
vícios. (P. Man. Bernardos).
Ninguém escolha amigo notavelmente mais honrado do
que elle, porque, havendo qualquer encontro (que é força
HAVÊ-LO na instabilidade das ondas deste século), o mais
fraco é que padecerá todo o damn^ (P. Man. Bcrnardes).
Qual é, portanto, a theoria que natural e ostensiva-
mente dahi decorre em relação aos verbos impessoaes?
Simplesmente que são impessoaes porque não têm pessoa ;
c uão^ têm pessoa porque não têm sujeito: pois pessoa
e sujeito é uma só e mesma cousa. Á feição do pessoa
c numero não é ingonita no verbo; não coexiste por ne­
cessidade metaphysica com a idéa de facto ou acto:
vai-lhe communicada pelo sujeito quando, para a enuncia­
ção do pensamento, necessário é que sujeito haja.
Mas objectar-se-ha talvez, que deve-se ao menos reco­
nhecer nos mesmos verbos uma pessoa, a 3.*^ do singular,
que, fora do infinitivo, manifesta-se em todos os modos, c
admittir assim que são unipessoaes, como tantos gramma-
ticos os denominão.
Mem isso se jióde admittir; porquanto, se unipessoaes
fossem, estarião necessariamente sob a regencia, ainda que
occulta, de elle ou de ella, que constituem, em tal caso,
o^ sujeito symbolico de todos os verbos pessoaes. Ora, como
ainda ninguém conseguiu coadunar em sentido, quer elle,
quer ELLA com chove, força é concluir que o seu sujeito
não é, nem um, nem outro. E, se não é, nem um, nem
outro, é porque não ha nenhum ; porquanto todo o sujeito
real, constituído por um substantivo, póde vir a ser repre­
sentado por elle ou ELLA, Conforme o genero que sua re­
cordação impõe ao referido pronome.
Que os verbos impessoaes tenhão uma forma em cada
tempo, é porque não podem existir sem forma, isto é, sem
a letra ou letras representativas de sua sonoridade (É, ha,
CHOVE, IMPORTA quC..., É SABIDO que..., ESTÁ AVERIGUADO
que...'). ^ Que esta forma seja a da terceira pessoa do sin­
gular,^ é porque, nos verbos pessoaes, a mesma pessoa é a
mais indeterminada em relação ao sujeito; porém, fóra da
feição de modo c de tempo, ella não recorda nada : nem
genero, nem numero, nem pessoa, porque para nada re­
verte daquijlo em que se póde encontrar um destes predi­
camentos, inhérentes entretanto á palavra regedora do
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 425

verbo. E’, portanto, por jncra assimilação do forma que


aos mesmos verbos se attribue pessoa e numero.
Porém o que ó notável, o tanto mais notável, que se
acha em opposição directa com a doutrina geralmentc ex­
pendida, é que os verbos accidentalmente impessoaes
levão ou podem levar, passando para esta classe, com cx-
cepção do sujeito, todos os mais termos que lhes são pró­
prios na sua classe originaria, como os complementos ou
o predicado.
Ex. N ecessário é — que /mja prémios... — Pois tanto
é ahi o adjcctivo necessário predicado do impessoal É,
como PRÉMIOS o complemento directo do impessoal haja.
Não vos lembra que^ nos q>és da estatua, eslava a des­
união entre o barro e o ferro. (P. Ant. Vieira). — Ahi con­
serva o pronome — vos — , junto ao impessoal lembra, a
mesma funeção de complemento directo que lhe cabe no
pronominal lembrar-se (vós vos lembrais), donde vein.
Tal é, cm relação aos verbos impessoaes, a theoria
que, ressumbrando da observação e do raciocinio, resolvo
naturalmentc um problema grammatical que não póde
deixar de apresentar-se cm todas as linguas.
Oiitrosim, para assignalar um gencro de erros que
assaz frequentemente oceorrom, não será fóra de proposito
accrescentar que os verbos impessoaes, vindo a ser com­
plementos de um verbo, costumão frequentemente chamar
também á impersonalidade o mesmo facto syntaxico de
que assim dependem. Não se diga, portanto, com um pe­
riódico : « Neste momento não podem haver especuladores
qiara a alça dos fundos ». Porquanto, sendo ahi o substan­
tivo especuladores complemento directo de haver ( ha espe­
culadores), impossível é que faça, junto a podem o officio
de sujeito. Piga-se, logo: « Neste momento não póde haver
especuladores... », visto ter-se « póde » tornado também im­
pessoal.
Idêntica observação cabo no seguinte trecho, igual­
mente extrahido do mesmo periodico : « Mas, quando dei­
xarão DE haver opiniões divergentes entre advogados? »
Pois ahi também é opiniões o complemente directo de
HAVER, e portanto não póde ser o sujeito de deixarão.
Convinha, logo, dizer: « Mas, quando deixou de haver
opiniões..
Emfim damos mais os seguintes exemplos para reagir
com mais força contra tão perniciosa tendeu cia : P odj:m
haver dous candidatos do mesmo partido. » Não, não e não:
« P óde haver dous candidatos... »— « Parece que vÃo haver
426 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

corridas de cavallos em Madrid». Também não c não :


«. . . VAI HAVER corridas... »
518. Na constituição dos verbos prcpositivos da pri­
meira categoria ( ter de... haver de...), os clássicos mos-
trão uma tendência pronunciada a usar de haver de
preferência a ter, sem que se possa todavia concluir dahi
a exclusão do ultimo.
Ex. Que tendes, que possuís, que lavrais, que trabalhais
que não houvesse de ser necessário para o serviço de el rei,
ou dos que se fazem mais que reis com este especioso pretexto ?
No mesmo dia havieis de começar a ser feitores, e não se­
nhores de toda a vossa fazenda. Não havia de ser v o s s o o

vosso escravo, nem vossa a vossa canôa, nem vosso o vosso


carro e o vosso boi, senão para o manter, e servir com elle.
A roça, havião-vo-la de embargar os mantimentos das
minas; a casa havião-vo-la de tomar de aposentadoria para
os officiaes das minas; o cannavial havia de picar em matto,
porque os que o cultivassem, havião de ir para as minas;
e vós mesmo não havieis de ser , porque
v o s s o vos havião
DE APENAR para 0 que tivesseis ou não tivesseis prestmo; e
só os vossos engenhos havião de ter muito que moer, porque
vós e vossos filhos havieis de ser moidos. (P. Ant.
o s

Vieira).
Se a equidade ha de estar tanto na mente do juiz, por­
que HA DE ESTAR tão pouco no coração do credor? E, se o
juiz HA DE USAR da rcgoa de páo, porque ha de o credor
USAR só da de bronze? (P. Man. Bernardes).
Por uma daquellas evoluções mui licitas no andamento
jirogressivo das linguas, porque não contrarião, nem leis,
nem usos estabelecidos, os mesmos auxiliares ter e haver
já não vão, na actualidade, indiscriminadamente empre­
gados para a formação dos respectivos prcpositivos, e sim
aceusando cada um um matiz sensivelmente diverso. Assim
é que, por exemplo, em « II ei de ir », o facto se entende
como espontâneo ou concessionário, e em « T enho de ir »
como mais ou menos obrigatorio ou coacto. ’
Outrosim não é raro encontrar, nos referidos verbos
prcpositivos, a preposição elidida por euphonia.
Ex. Pediu 0 prodigo a seu pai que lhe désse em vida a
herança que lhe havia caber por sua morte. (P. Ant. Vieira).
— (... havia de caber...).
O deos de semelhantes pessoas é o ventre^ e o appetite
da gloria mundana; e assim 05 sacrificios havião ser cor­
rupção e fumo. (P. Man. Bernardes). — (... havião de ser...).

i
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 427

Observação. Com o verbo haver não deve confiindir-


sc 0 substantivo haver, synonymo de bem, bens, e, por
isso susceptivel do incremento que caracterisa os substan­
tivos desta terminação no plural ( haveres). E x. Nestas
embarcações trazem os Chins mulher, filhos, alfa 'as, com todo
0 seu HAVER. (P. João de Lucena). — (... com todos os seus
IIAVERES).

SER ---- ESTAR

519. Os verbos ser e estar, quer como noutros, quer


como auxiliares, participão de relações idênticas com os
mais termos da proposição; divergem, porém, notoriamente
em sentido.
S er serve p ara enunciar o que é perduravel, inherento
p o r natureza.
Ex. Se 0 amor É verdadeiro, tem obrigação de ser eterno;
porque, se em algum tempo deixou de ser, nunca foi amor.
(P. Ant. Vieira).
E star serve p ara enunciar o que é transitório, acei-
f- l i
d ental por essencia.
Ex. Se 0 rei está benigno e humano, para isso tem rosto
de homem. Se está colérico e irado, para isso tem rosto de
leão. Se está sobrelevado e altivo, para isto tem rosto de
aguia. Se está melancólico e carregado, para isto tem rosto
de bezerro. (P. Ant. Vieira).
Todavia, sendo tal o contexto da oração que não avoquc
tcrminantemente nelles uma ou outra das referidas accepções,
nada obsta a que os mesmos verbos se supprão mutua­
mente.
Ex. E’ CERTO que todos desejais o descanso. (P. Ant.
Vieira).
C erto está que desamparar os vexados e perseguidos que
estão debaixo de nossa tutela, é manifesta traição. (D. Fr.
Amador Arraes).
Nesta idade do estado da índia,... os Portuguezes esta-
vÃo ricos, e erão respeitados como homens exemplares de
valor. (Manoel Godinho). — (... erão ricos, e estavão res­
peitados...').
520. Embora ser c estar sejão incompatíveis como
auxiliares na conjugação dos verbos neutros, o uso os ad-
mitte por archaismo em uns poucos dos mesmos verbos.
Ex. E ra fallecido el rei D. João. (Fr. Luiz de Souza).
428 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

Emfim ERA CHEGADA Cl liora em ([ue Deos, 'por suas mi­


sericórdias, ([ueria dar saude ao paralytico de trinta annos-
(Fr. Luiz de Souza).
Eial meu principe! despida-se Vossa Alteza dos livros,
(lu e É ciiEGADO 0 tempo de ensinar aos Portuguezes e ao
mundo o c[ue Vossa Alteza nelles tem estudado. (P. Ant.
Vieira).
Fingiu Coje Atar serem vindos embaixadores de e l
o s

rei da Pérsia a cobrar o tributo egue costumava pagar-lhe. (P.


Man. Bernardos).
E ntrados nós destas portas para dentro, passámos pelo
meio de um grande jardim. (Fernão Mendes Pinto).— (S endo
nós ENTRADOS...).
Póde ser este archaismo considerado como um legado
directo do latim, onde os verbos chamados deponentes, posto
que adstrictos á conjugação passiva, conservão sempre uma
significação activa ou neutra. Ao menos verifica-se a sup-
posição por uma coincidência frisante no seguinte trechinho
da fabula do Lobo e do Cordeiro : « Nondum natus eram ».
— « Eu ainda não era nascido ».
521. A facilidade com que grande numero de verbos
podem passar de pessoaes a impessoaes sem alteração do
pensamento que têm de enunciar ( lembro-me egue... — lem­
bra-me que...'), originou neste mesmo caso, junto a ser,
uma troca de relações que merece algum reparo. Pois, para
servir de base, ou antes de tronco em que se vem en­
xertar alguma proposição subordinada (isto é, principiando
por QUE ou se, ou ainda por algum dos congénères), o
mesmo verbo se offerece indifferentemente sob uma ou
outra das duas seguintes fórmulas :
P essoal ; I mpessoal ;
Sou eu... Eu é que...
Es tu... Tu é que...
E ’ elle (ella)... Elle (ella) é que...
Somos nós... Nós é que...
Sois vós... Vós é que...
São elles (ellas)... Elles (ellas) é que.

Ora a troca de relações que, da differença de estado


cm que ahi se apresenta ser, consiste nisto: que junto á
forma pessoal, os pronomes pessoaes enunciados constituem
sujeitos, e, junto á impessoal, predicados. A prova se deixa
deduzir do seguinte exemplo :
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 429

« Não sou EU 0 — que hei de deixar as minhas raizes. »


(P. Ant. Vieira).
Pois a analyse syntaxica dá por sujeito ao facto sou
o pronome pessoal eu, e por predicado, o pronome de­
monstrativo— 0 (^NãO sou EU AQUELLE...).
Porém, sendo a mesma oração transmudada do seguinte
modo:
« Eu não É — que hei de deixar as minhas raizes »,
evidente se torna que a unica funeção que póde competir
a EU, antecedente necessário do relativo que, é a de pre­
dicado; porquanto, desapossado da funeção de reger ao
facto, não lhe sobeja outro meio de ingerência na oraçao
senão o de votar ao ostracismo o pronome demonstrativo
do texto anterior (o), para fazer-lhe as vezes. Parece arre­
medo de alta politica: « Safa-te, que ahi me metta! »
Observação. Com o verbo ser não deve confundir-se
o substantivo ser, synonymo de ente, e por isso, sus-
ceptivel do incremento que caracterisa os substantivos desta
terminação no plural ( seres). E x . « Donde sahiu tanta va­
riedade senão de vós, Senhor, cujo ser encerra com emnencia
infinitos sEres? » (P. Man. Bernardes).

DOS VERBOS PRONOMINAES

COMO REFLEXIVOS, RECÍPROCOS OU AMBÍGUOS

522. Os verbos pronominaes são pessoaes ou impes-


soaes, isto é, com sujeito ou sem sujeito.
Sendo pessoaes, ainda recahem em outra alternativa:
ou é o sujeito quem perpetra o facto, ou não e elle.
Sendo, emfim, o sujeito quem nelles perpetra o facto,
os mesmos verbos se apresentão, já como reflexivos, ja como
recíprocos, já como ambíguos.
Desta divisão dos verbos pronominaes, estrictamente
motivada pela variedade de considerações a que dao lugar,
póde-se concluir, não menos do que da sua frequente ap-
parição no discurso, que o papel por elles desempenhado
na linguagem é digno de particular estudo.
523 Os pronominaes são quando denun-
reflexivos
cião um facto revertendo sobre quem o perpetra. O seu
característico é gozarem de ambos os numeros.
430 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Exemplo :
Eu me queixo Nós nos queixamos
Tu te queixas Vós vos queixais
Elle (ella) se queixa Elles (ellas) se queixâo
524. Os pronominaes são keciprocos quando o facto
por elles denunciado vai perpetrado, vice versa, por uma
parte dos entes constituindo o sujeito, sobre a outra
parte do mepno sujeito. O seu caracteristico é serem uni­
camente conjugaveis no plural.
Exemplo :
Nós nos desafiamos
Vós vos desafiais
Elles (ellas) se desafião.
pronominaes são ambíguos quando, embora
providos de ambos os nurneros, não denuncião todavia de
pei si no plural um sentido antes reflexivo do que reci­
proco, mas j)restão-se tanto a um como ao outro.
Exemplo ;
Eu me louvo Nós nos louvamos
Tu te louvas Vós vos louvais
Elle (ella) se louva Elles (ellas) se louvão.

Estes últimos rectiíicão a impropriedade que os vicia,


por meio de algum annexo pleonastico que faz desappa-
recer a ambiguidade, attribuindo-lbes, conforme o pensa­
mento, um sentido, já reflexivo, já reciproco (iVós n o s lo u ­
v a m o s A NOS M ESiUOS. — JVÓS UOS lo u va m O S U N S A O S o u t r o s ).

. Muitos, por não ter que jogar e perder, se entre­


garão ao demonio; e outros, por extrema desesperação s e
M A T Á R A O A S I M E S M O S , ulUmo arrojo a que póde chegar o
delírio humano. (P. Ant. Vieira). ^
Por isso nos encommendou tanto o Senhor amor e paz no
Mvangelho, dizendo: « Minha paz vos dou, minha paz vos
deixo. A mai-vos uns aos outros. Porque nisto quero que
vos conheçao em todo o mundo por meus discípulos, se vos
tyits)^^^ O U T R O S. » (D. Fr. Bartholomeo dos Mar-

DOS VERBOS PRONOMINAES

em substituição aos passivos

526. Dous inconvenientes contribuem a tornar pouco


azado o emprego frequente dos verbos passivos : o estira­
mento da locução que os constitue, e, por isso mesmo,
maior difficuldade no assento de sua concordância com o
sujeito. Proveiu a isso de remedio a faculdade de, na
maior parte dos casos, serem convertiveis em pronominaes.
Ex. B otem-se ao mar as cartas, causa de mais 'perdi­
ções que as mesmas tempestades. (P. Ant. Vieira). — (S ejão
BOTADAS ao mar as cartas...).
527. Merece reparo que, neste caso, ao contrario do
que se dá na conversão dos activos em passivos, o sujeito
fica o mesmo {Sejão botadas as cartas.... Botem-se As car­
tas...). — Esta particularidade vem assim a fornecer o dis­
tinctive que rasgadamente discrimina os pronominaes desta
classe dos que são reflexivos ou reciprocos. Nestes úl­
timos, 0 sujeito é sempre quem perpetra o facto {Nós nos
louvamos) ; nos pronominaes substitutivos de passivos, o
sujeito não perpetra, nem sequer póde perpetrar o facto
(Poím-SE as cartas...!!), porque, como nos passivos, o
mesmo sujeito, em vez do scr autor, é meramente objecto
do facto.
Ex. Sendo tão frequente e ordinaria no jogo a perda do
dinheiro e da fazenda, isto é o menos que nelle se perde,
porque são muito mais preciosas e para sentir as outras perdas
*ou perdições em que a cegueira da cobiça não repara. P erde-
se A AUTORIDADE ; PERDE-SE O TEMPO ; PERDE-SE A AMIZADE )
PERDE-SE A PIEDADE ; PERDE-SE A MESMA LIBERDADE ; PERDE-
SE A RELIGIÃO ; finalmente perdem-se, ou acabão de se
PERDER AS quasi perdidas almas. (P. Ant. Vieira).
Quando David quiz sahir a pelejar com o gigante, per­
guntou primeiro : « Que se iia de dar ao homem que matar
esse philisteo ? » Já naquelle tempo se não arriscava a vida
senão pelo seu justo preço. (P. Ant. Vieira).
O gazophylacio era uma caixa em que se lançavão as
esmolas para a fabrica do templo. (P. Man. Bernardos).
E ' bem que se sãiba e se divulgue esta doutrina tão
mal aceita do mundo, que os pobres também hão de dar con­
forme podem. (P. Man. Bernardes).
As ESCRIPTURAS pubUcas SE EAziÃo antigamente em pastas
de chumbo delgadas. (Ant. de Souza Macedo).
A nossa lingua escreve-se como se lê, e assim se falla.
(Man. de Faria Severim).
ïa l favor grangeou esta forma pela alacridade com
que suppre os passivos, que ás vezes vai arrastando, poi
mera euphonia, até aos neutros.
432 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. JDespede-se o mundo sem dizer-nos nada; consome-se


a carne sem cjue ninguém o sinta; passa-se a nossa gloria
como se nunca fôra. (P. Ant. Vieira). — (... passa a nossa
gloria...).
DOS V E R B O S PR O N ^O M IN A E S
jíi'

COMO IMPESSOAES
tO'
528. Sendo uma voz admittido como princijiio incon­
cusso que um verbo, seja qual fôr a classe a que por na­
tureza pertença, torna-se impessoal pela deficiência accidentai
de todo e qualquer sujeito, não deixa de a experimentação
analytica dar a conhecer que os passivos também j^odem
passar a impessoaes.
Ex. Sabido é — que nos cabellos são significados os pen­
samentos. (^P. Man. Bernardos).
Ora parece razoavel inferir desta demonstração que,
se tal transmigração é licita aos passivos sob a forma que
propriamente é a que lhes compete, licita lhes deve ser
igualmento quando disfarçados em pronominaes. Pois é
cxactamente o que se verifica pelo processo da substi­
tuição.
Ex. Sabe-se — que nos cabellos são significados os pen­
samentos. — (S abido é, — sabe-se...).
Póde-se, portanto, concluir (e a pratica da analyse o
confirma) que todo o verbo aj>parentemente pronominal
pela concomitância do pronome se, mas realmeiite impes­
soal pela deficiência de um sujeito, representa meramente
um passivo inqiessoal.
Assim se acha outra vez theoricamente justificada a
doutrina innovada nesta obra: que, para a enunciação de
um pensamento sin^celo, basta muitas vezes o nnieo tonno
B y iita x K ;o ue E A C T O Ç J i' S A B I D O . . . » A B E -S E ...).

Mas, que vem ahi a ser analyticamente o j^i’onome


pessoal S E ? Um simples vocábulo expletivo como o i l dos
Francezes cm « i l peut... i l faut... i l y a... i l est reconnu
que... », isto é, a indicação concisa de que « sabe-se » está
em lugar de « é sabido »; ou, em absoluto, de que o im­
pessoal pronominal substitue a um impessoal passivo; e é
tudo.
Entretanto nada obsta a que, praticamente, o mesmo
pronome se venha a ser declarado masculino e do singular,
por ser esta uma fôrma primordial, isto é, a forma para a
qual revertem todas as palavras que, appetecendo por in-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 433

dole 8iijeitar-se a uma concordância, não chegão todavia a


rcalisar o seu postulado. Pois é pelo mesmo motivo que,
em « E’ SABIDO » o mesmo participio sabido não póde, do
modo algum, passar do mesmo genero e numero, visto não
encontrar suj-^ito com o qual se coadune. Póde-se consi­
derar também, syntaxicamente, como um complemento di­
recto, porém tão ficticio como o é, na qualidade de sujeito,
o IL francez junto aos verbos impessoaes. Pois, não obstante
serem pronomes, nem um, nem outro tem referencia a sub­
stantivo algum; e portanto não são nada — senão vocá­
bulos expletivos.
E x . E screve -se dos antigos Germanos que, depois de
perdido quanto tinhão, jogavão a sua liberdade, ficando perpe-
tíiamente captivos. (P. Ant. Vieira).
3ías dirão talvez que é necessário este divertimento, prin­
cipalmente nas viagens do mar, por serem mui compridas e
penosas. 3Ias a isto se responde que é necessário, não ha
duvida, um divertimento, mas não este. (P. Ant. Vieira).
Api'endão quando se iia de pelejar a ganhar o barla-
vento, e, quando o vento é contrario, a não perder o ló nem a
derrota. (P. Ant. Vieira).
Assim SE USA commummente que, na mesma mesa, ás
iguarias succedem as cartas, e á comida, o jogo. (P. Ant.
Vieira).
Se um ha de vencer a mil, segue-se que dous hão de
vencer a dez mil. (P. Ant. Vieira). - /I
Bem SE póde dizer que o juizo é o mesmo que o entendi­
mento; porém é um entendimento solido. (Math. Ayres da
Silva de Eça).
529. Os propugnadores da theoria do sujeito a todo
o transe só attendêrão, para fundamentar a sua doutrina,
a um dos lados do theorema, e assim estorvárão a verdade,
tirando a conclusão exagerada de que todo o verbo tem o
seu sujeito.
Sendo sempre o sujeito, nos verbos de acção, o autor,
e nos de estado, o objecto do facto (Amemos [ nós] ao pro­
ximo. — Seja o P R O X I M O de nós amado), os mencionados
theoristas deixárão-se mover pela plenitude de sentido que
resulta destas e de outras que taes combinações de termos,
para concluirem como concluirão.
Porém, se é summamente util, e até frequentemente
indispensável para a lucidez do pensamento, que venha a
ser revelado o autor ou o objecto do facto, ou mesmo um c
outro, não mçnos admissivel é a hypothese opposta, de
434 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

que 2)óde ser opportuno, e até necessário que, já o autor^


já 0 ohjecto do facto fique indeterminado, quer jDor não t-
convir, quer por ser iinj^ossivel indigitá-lo ( Ganta-se. —
Anoitece); c dahi a eliminação natural, não só do sujeito,
senão também dos demais termos. Pois, deixará de ser in-
telligivol a enunciação deste facto, que se canta, porque htí
não se diz quem canta ou o que sé canta ? E, quem já des­
vendou 0 autor ou o objecto de anoitece?
Não será, logo, de estranhar que a classe dos neutros, It.^
que abrange tantos verbos de acção (ir, andar, entrar...)
junto a todos os verbos de estado (ser, estar, 'parecer...),
também tenha alguns que, levados jior indeclinável neces­
sidade a prescindir casualmente de todo c qualquer sujeito, ;tlt1
jirocurem denunciar de um modo sensivel e terminante a
sua transmigração para o estado da impersonalidade. Pois,
este meio, achárão-no simulando, pela adjuneção do pronome
SE, os jiassivos convertidos em impessoaes.
Ex. Necessário é que aos prêmios se entre pela porta
do merecimento. (P. Ant. Vieira).
Ninive, côrte de Nino, foi a maior cidade do mundo:
ANDAVA-SE de porta a porta não menos que em tres dias de
marcha. (P. Ant. Vieira). ç)
Quando se entra dentro da ilha Fortunata, vêm-se as P)
ruas empedradas de marfim e ouro. (P. Man. Consciência). ÍV :'
A graciosa estancia é retrato de uma camara subterrânea, rit:
a que se desce por alguns degráos. (Fr. Luiz de Souza).
Observação. Por um idiotismo procedido do latim,
onde tem jjor ty^^o as expressões frequentemente reprodu­ £■1
zidas: AIUNT, DICUNT, REFERUNT..., quc são traduzivcis por
contão, dizem, referem..., acontece que os verbos, em vez de Eli
adoptar a fórma de impessoaes pronominaes (conta-se, diz-se, I,
refere-se...), cingem-se em numerosos casos, ao latinismo
referido, e assumem assim, sob o ponto de vista sjmtaxico,
a singular feição de factos meio pessoaes e meio impessoaes.
Los pessoaes tomão a terceira pessoa do plural (D izem
que...y, dos impessoaes tomão o caracteristico de nunca ac-
cusarem sujeito algum, quer expresso, quer occulto, sendo m.

apenas tolerável na jiratica da analyse, assignar-lhes um


por uma ficção que fá-los regidos das jialavras mais ou
menos indeterminadas « os homens, — os historiadores, — os
eruditos, — os antigos... ». Ex. D izem que primeiro se es­
creveu em folhas de palmeira. (Ant. de Souza Macedo). —
Quem é que diz ? — Não se sabe: diz-se, ou dizem os his­
toriadores, — os eruditos... Vê-se, portanto, que o assi-
gnalado facto, por falta de um sujeito que se deixe franca-
I :

/ I
mente designar, disfarça sob sua forma pessoal um sentido
realmente impessoal.
Ora, se desta exposição resultasse simplesmente a ve­
rificação de serem os impessoaes pronominaes suppriveis,
em these geral, pelo latinismo lembrado, escusado seria
deter-se num exame mais minucioso do caso, e bastaria
declarar summariamente que, por equiparar-se uma forma
com a outra em sentido, indifférente é usar da segunda em
lugar da primeira, ou vice-versa. Porém assim não é ; por­
quanto, além de se vincular a esta questão um dos mais
clamorosos gallicismos da modernicc litteraria, não é sempre
sem alguma impropriedade que uma forma póde ser sub-
stituida pela outra. Pois não haveria na dicção, nem o
mesmo agrado, nem talvez a mesma lucidez, se o prece­
dente exemplo sahisse assim modificado : « D izem que pri­
meiro ESCREVÊRÃo em folha-i de palmeira, w (Quem escreveu f
os mesmos que dizem f).
Igual reparo se póde fazer no seguinte exemplo, cx-
trahido do mesmo autor, e versando sobre o mesmo as­
sumpto : « CosTüMAVA-SE escrcvei' só de uma parte do papel,
sem ESCREVEREM íias costas delle. » — (« Costumava-se escrever
sò de uma parte do papel, sem escrever-se nas costas delle. w)
Parece, portanto, que a intervenção trocada das duas for­
mas em uma mesma oração teve, para os clássicos, o mé­
rito de um artificio aproveitável de estylo. E’ certo, todavia,
que este artificio não envolve a obrigação de um preceito
grammatical.
O que, porém, constitue, a tal respeito, a violação fla­
grante de um principio da Grammatica, é um barbarismo
de que não se encontra vestigio entre autores antigos,
mas que, por compensação, rasteja viçosamente nas pro-
ducções da actualidade.
Encaremos primeiro o caso sob sua forma correcta,
para depois discutí-lo sob a forma incorrecta em que o es-
tampão os letrados do tempo presente. Ü venerável D. Er.
Bartholomeo dos Martyres disse com a mais perfeita regu­
laridade grammatical, relatando palavras de S. João
quero que vos conheção em todo o mundo por meus discipulos,
se vos amardes uns aos outros. »
O que se poderia apostar, á vista do que hoje se es
creve, é que, tendo um moderno moralista de enunciar o
mesmo pensamento, transformá-lo-hia sem o menor pejo do
seguinte modo: « Nisto quero que se vos conheça em todo
0 mundo por meus discipulos... » Ora o que denuncia com
toda a clareza o processo analytico, é que, na transforma­
ção alludida, o facto conheça viria a ter, contra todos oa
436 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

estylos, dous complementos directos de pronome, perfeita-


mente distinctos um do outro : se e vos, o portanto in-
compativeis junto ao mesmo verbo.
Debalde se allegaria que, sendo o primeiro ( se) um
complemento meramente ficticio por se não referir a nada,
elle j)óde e deve ser desattendido analyticamentc fallando,
a sua necessária assistência junto ao verbo em tal combi­
nação de termos attesta, máo grado da sua inanidade de
sentido, que é intolerável a coexistência de outro comple­
mento de igual catbegoria; e é intolerável porque se um
verbo pode englobar em um mesmo relance de relações
dous ou mais substantivos ou pronomes para delles formar
urn termo comj)osto, não póde já partir esta mesma, esta
unica relação em duas metades para, por exemplo, constituir
de SE um meio complemento directo, e, de — vos — outro
meio complemento directo, e, do todo, formar uma cabeça
de Janus, com uma cara de um lado, e outra do lado
opposto.
E tanto é isto a verdade, que basta que o segundo
pronome venha a effectuar na mesma proposição um com­
plemento indirecto de preposição occulta,para que sua col-
ligação com o primeiro não apresente já, nem incorrecção,
nem irregularidade. Ex. Quero que se vos mostre que não
tendes razão. — Isto é : que se mostre a vós, — ao vosso
ENTENDIMENTO...
Ora, que os escriptores da actualidade a nada disso
attendem, comprova-o o muito que, a tal respeito, se póde
respigar nas suas publicações, e de que apenas citamos a
esmo uns poucos de exemplos.
« A ccusou-se-nos muito injustamente durante a discus­
são... » (Periodico).
« O melhor meio de obter favores não é ofender áquelle
a quem se os pede. » (Periodico).
^ « Por isso mesmo que desrespeitas e desacatas estes homens,
és inimigo das leis, que mandão que se os respeite , acate
E obedeça. » (Periodico).
« O drama está abaixo da critica, por qualquer lado que
SE o ENCARE. )) (Poriodico).
(( Nestas reuniões, o esjnrito, não se o procura. » (Pe­
riodico).
Este ultimo exemplo que, por sua concisão, póde servir
de typo^ encaminha naturalmente o espirito para a fonte
donde tão desazado barbarismo brotou. O estimável folhe­
tinista que lhe deu as honras da publicidade, lêra, não ha
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 437

d u v id a , Cm a lg u m a o b ra fran ccza e s te m esm o p e n s a m e n to ;


e, por llic ag rad ar, fê -lo seu em v irtu d e do d ire ito de con­
q u ista ; {( Dans ces réunions^ Vesprit, on ne le c h er ch e p a s . »
N e ste , com o em o u tro s ta n to s casos, o e rro p ro v e iu d e u m a
d e ste m p e ra d a im ita ç ã o da d ic ç ã o fran ccza.

Outrosim, que esta loquela, aj)czar de alastrar-sc pre­


sentemente por toda a parte, não retrocede aos tempos em
que o portuguez se estudava nos escri]dos portuguezes, o
não, como hoje, nas grammaticas francezas, deduz-sc desta
observação que, por uma consequência da lei que manda
contrahir os pronomes pessoaes quando apparecem assim
juxtapostos, os escriptores da cpoca classica dirião infalli-
vclmcnte: «... o espirito, não s’o p r o c u r a », como disserão:
« Elle m ’o dipse ; » — « eu t ’o digo; » — « nós l h ’o diremos. »
— Mirem-se nisso os innovadorcs, e convenção-se que, além
do saber e do gosto, falta-lhes também a lógica.
« Mas, replicará talvez mais de um inconciliável con-
(( traditor, se, cm francez, é aceita como correcta, c per-
« feitamente correcta a expressão de tal pensamento, porque
« seria ella defeituosa em portuguez? Não indicão concor-
« demente os grammaticos que tratão de ambas as linguas,
(( que o — O N — francez traduz-se por s e ? » i
Ecs2)ondemos: traduz-se, sim, quando a isso não se
oppõc 0 conjuncto dos domais termos da proposição. Ex.
On va, on vient, et on appelle cela vivre. — Vai-se, vem-se, e
a isso chama-se viver. Porém cm numerosissimos casos
obsta irresistivelmente a contextura dos termos concomi­
tantes a que sirva o mesmo processo de traducção, e só
se vence a difíiculdadc por meio de rodeios em que inter­
vém, já 0 latinismo lembrado (O drama está abaixo da cri­
tica, por qualquer lado que o e n c a r e m ) , já algum pronome
indefinito, como alguém, ninguém, quem...— (... o espirito,
N I N G U É M 0 procura). — Veja-se, com effeito, cm que moxi-
nifada redundaria a traducção do seguinte provérbio francez,
pela substituição do s e portuguez ao o n francez :
« Comme on fait son lit, on se couche. » — « Assim como
s e aprompta a sua cama, assim tamhem s e s e deita!!... » —

sendo o sentido real ; « Assim como alguém aprompta a sua


cama, assim tamhem nella fica accommodado. »
Indagando-se agora donde póde provir tal anomalia
entre o o n francez e o s e portuguez, reconhece-se pela
a n a l j ' S c syntaxica que, constituindo o n constante e forço-
samente um sujeito, ao passo que s e s ó c s ó póde ser
complemento, o que dahi dimana, é que um deve
frequentemente discordar do outro na sua applicação á
cnunciação dos ])ensamentos, em consequência da diífercnça
438 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

com quo se ageitão ao verbo junto ao qual cxerccm


funcções tão oppostas.
Aliás pó de até certo ponto auxiliar na elucidação desta
questão a advertência que, se tivera prevalecido outr’ora
na linguagem castiça a locução « a gente », de que tanto
usa o povo illetrado, nella teria a lingua portugueza um
equivalente muito apreciável do on francez; infelizmente o
seu vulgarismo fê-lo repellir. Ex. A gente vai, a gente
ve??i, e a isso chama a gente viver. — Assim como a gente
apromjpta a sua cama, assim também nella se accommoda. —
E’ que o povo, e mesmo o boçal, póde dar boas lições de
lingua, porque falia como Deus lhe inculcou pelo bom senso
que fallasse. Que diíferença entre tão singelas, porém tão
lúcidas glosas do vulgo, e os enroscamcntos inextricáveis,
mas profundamente scientificos, dos doutos em grammatica
philosophica, quando são andantes sendo procurantes ser im-
pingentes as receitas do seu formulário dogmático!
Pelo que, neste particular, respeita aos clássicos, apon­
tamos para o seguinte excerpto do P. Man. Bernardos,
como merecedor de especial estudo, por apresentar oppor-
tunamente, além de algumas das usanças a que se prestão
os verbos pronominaes, mui acertados exemplos do lati-
nismo que tão frequentemente os suppre.
(( Tudo está fervendo em movimentos gue acabão e come-
ção... Aqui SE ESTÁ enfeitando um vivo; p>arede meia estão
AMORTALHANDO Um defunto. — Aqui CONTRATÃO ; acolá DIS-
TRATÃO. — Aqui CONVERSÃO; acolá BRIGÃO. — Aqui ESTÃO á
mesa rindo e partandõ-se ; acolá estão no leito gemendo os
que rirão, e sangrando-se do eque comêrão. — Daquella porta
para dentro ouvem a palavra de I)eos; e delia para fóra
apupão os que passão, e dão-lhe vaia. »
<( Aqui se está enfeitando um vivo. » — O que, nesta
proposição; se deve notar, é que o pronominal enfeitar-se,
invertido em combinado gerundial estar-se enfeitando, de­
nuncia um facto reflexivo, por ser o sujeito um vivo quem o
perpetra, e o perpetra em si mesmo.
« Parede meia estão amortalhando um defunto. » — O
activo amortalhar, invertido em combinado gerundial estar
amortalhando, não podia já, como o facto anterior, appa-
recer sob a fórnm pronominal estar-se amortalhando; por­
quanto, vindo então o substantivo um defunto a ser sujeito,
em lugar de complemento directo que ahi é, tal troca de
funeção avocaria, máo grado da impossibilidade, a signifi­
cação de amortalhar-se um defunto a si mesmo. Portanto
bem cabido é neste caso o idiotismo latino.
N uo m cnos bcm c a b id o é e lle nas
« Aqui c o N T R A T Ã o ; acolá d i s t r a t ã o . — Aqui c o n v e r s ã o ;
acolá B R I G Ã O )), — p o r q u a n t o a i n v e r s ã o d o s r e f e r i d o s f a c t o s
cm im p e sso a e s de fó rm a p ro n o m in a l (Aqui c o n t r a t a - s e ;
acolá D I S T R A T A - S E . — Aqui c o n v e r s a - s e ; acolá b r i g a - s e ) r e ­
c o rd a ria de m odo m ui m a lso a n te , por causa da te rm in a ­
ção sin g u la r, um a sig n ific a ç ã o re fle x iv a , q u a n d o o s a llu d id o s
fa c to s im p lic ã o e sse n c ia l c n e c e s sa ria m e n te id é a s de re c i­
p ro c id a d e , isto é, id é a s in se p a rá v e is da fe iç ã o do p lu ra ­
lid a d e .

« Aqui E S T Ã O á mesa r i n d o e f a r t a n d o - s e . » — A colli-


gação do gerundial neutro estar rindo com o gcrundial
pronominal estar-se fartando não deixava outro alvitre a
seguir que o do idiotismo latino adoptado pelo autor, visto
como a fórma impessoal, além de malsoante, produziria
confusão (Aqui e s t ã - s e á mesa r i n d o e p a r t a n d o - s e ! ! ) .
« Acolá e s t ã o no leito... s a n g r a n d o - s e . . . o s que rirão.
O gerundial pronominal estar-se sangrando, cujo sujeito
claro e ostensivel consta do pronome demonstrativo — os,
isto é, aquelles, denuncia simplesmente um facto reflexivo.
« Daquella porta para dentro o u v e m a palavra de Deos. »
— E’ certo que nada obstaria, em these, a inversão do
facto ouvem na fórma passiva é ouvida, ou na pronominal
que a póde substituir ouve-se; porém o idiotismo latino a
que se soccorreu o autor, oíferece a vantagem de accentual-
melhor, pela sua terminação plural, o numero avultado dos
ouvintes em uma igreja, que as outras duas fôrmas pode-
rião deixar reduzido a um (é ouvida — ouve-se a palavra de
Deos).
C;
SUBSTANTIVOS
DO GENERO E NUMERO DE ALGUNS SUBSTANTIVOS

530. Dentro os numerosos nomes proprios geogra-


phicos, uns costumão andar precedidos do artigo definito,
os outros não.
Aos primeiros, fica-lhes o genero c numero predeter­
minado pelo artigo.
Ex. O Brazil, a Italia, os Estados Unidos, as Gmjanas;
— 0 Ceará, a Beira, os Abruzes, as Calabrias; — o Cáiro, a
Haya, o Porto, a Bahia; — o Itacolumi, a Estrella, os Py-
reneos, as Cordilheiras; — o Tejo, o Guadiana, o Tapajós, o
Amazonas.
Aos que não vão necessariamente jirecedidos do refe-
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

rido artigo, fiea-lhes o gencro e numero determinado pelo


nome commum que lhes compete, sendo assim masculinos
os de mares, golphos, estreitos, cabos, etc., e femininos os
do ilhas, cidades, etc.
Ex. Ninive foi a maior cidade do mundo. Mas onde
está ESSA N inive ? Echatanis era cercada de sete muralhas.
Mas, onde está essa E cbatanis? (P. Ant. Vieira).
531. Os nomes proprios de homens são tão suscepti-
veis como os substantivos communs de tomar o incremento
característico do plural. Porém tres são os sentidos que,
conforme o contexto da oração, desperta nclles esta fórma.
O primeiro é simplesmente o de uma pluralidade do
homens designados pelo mesmo appellido.
Ex. Os valorosos romanos de que lemos, dentre os reba­
nhos sahirào a fazer no mundo formosas emprezas; cujos
nomes e appellidos ainda testemunhão seu nascimento, como os
ViTULOS, ViTELLIOS, PoRCIOS, A nNIOS, CaPROS, TaUROS, E u-
BULC08, e outros infinitos. (Franc. Eodr. Lobo).
Um Pacheco fortissimo, e os iimidos
A lmeidas , por quem sempre o Tejo chora.
(Camões).

O segundo sentido é de uma comparação encurtada


por ellipse (figura que em rhetorica se chama antonomase),
mas em que predomina a feição de pluralidade.
Ex. O roubar com pouco poder faz os piratas; o roubar
com muito, os A lexandres. (P. Ant. Vieira). — (.... os
conquistadores).
Como ha poucos A ntonios V ieiras, ha também poucos
que amem só por amar. (P. Ant. Vieira). — (... amigos de­
dicados).
Be maneira que vejo dous prelados da ordem do meu glo­
rioso Padre S. Bomingos, prelados santos e religiosos, conver­
tidos hoje em P latões e T ullios, / omanc?o republicas gentílicas
com razões e preceitos em tudo humanos. (Fr. Luiz de Souza).
— (... convertidos hoje em philosophos).
O terceiro sentido, posto que exclua no nome proprio
toda c qualquer feição de pluralidade, sujeita todavia o
mesmo nome a este numero, por cortezia c deferência para
com o artigo plural que lhe vai então anteposto, sendo que
este artigo allude a um substantivo plural elidido.
Ex. Logo mal escreverão os J eronymos, os A mbrosios,
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 441

os A gostinhos, (Fr. Luiz do Souza). — (.... os homens que


forão Jeronymo, Ambrosio, Agostinho).
O que confirma, aliás, esta allcgação, é que, vindo o
artigo a passar para o singular, para este numero também
reverte naturalmentc o nome proprio.
Ex. Desse modo, em vão trabalharão um H ilário, um
Martinho, um H icoláo por nos deixarem santos exemplos.
(Fr. Luiz do Souza).
532. Dando-se o caso do vir uma palavra invariavcl
por natureza a converter-se em substantivo (o que fica
sempre denunciado por Ibc ir anteposto um artigo ou
algum adjectivo determinativo), o genero que ibc cabo é
invariavelmente o masculino, sen do-lhe, outrosim, licito, se
tiver de passar para o plural, assumir o incremento ca-
ractcristico deste numero.
Ex. E, quem tem a culpa de toda esta mudança tão
damnosa ao bem publico ? As dilações, as suspensões, as irre-
soluções, 0 H O J E , o AMANIIÃA, 0 OUtrO dia, 0 NUNCA D O S
vossos QUANDos. E, faz consciência destes damnos algum dos
causadores delles? (F. Ant. Vieira).
533. Sendo os substantivos comqmstos palavras geral-
mente conchegadas por ellipses, o inpremento do plural
determina-se nelles pelo numero que a cada palavra com­
ponente assigna a decomposição analytica.
Assim é que guarda-mór, gentil-homem, couve-flór, primo-
co-irmão, etc. fazem, passando para o plural, guardas-móres,
gentis-homens, couves-flôres, primos-co-irmãos, porque as am­
pliações que adduz o processo analytico, são : guardas em
categoria superiores, homens por sua condição nobres, couves
que são flores, primos que são como irmãos.
A dvertência. A glosa relativa a primo-co-irmão funda-
se, não só sobro as inducções a que se presta a constituição
deste substantivo, senão também na observação que, cm
linguas primitivas, c até no russo moderno, a expressão
I R M Ã O abrange mesmo os primos de primeiro gráo {brát, ou
dvoiuródnyi brát — irmão de segunda geração)-, provavelmente
porque, convivendo todos os membros do uma mesma fa-
milia, em épochas patriarchaes, sob a autoridade do avô,
os netos consideravão-so equiparados entre si como o crão
em relação ao chefe supremo da familia, que vein, ])or
isso, a ser denominado cm francez grand-père, em inglez
grandfather, cm allemão Groszvater (o pai-mór) ; donde os
netos jiassárão a chamar-se cm francez les petits-flls (os fi­
lhos menores). — Dada nmifo de passagem, esta nota é
442 N O VA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

apenas uma indicação de numerosas observaçães que, por


meio do methodo analytico, podem entresemear de alo-um
interesse os estudos aliás áridos da philologia. ^
Porém os substantivos compostos que, como guarda-
marinha, meio-pensionista, etc., correspondem ás ampliações
gualda da marinha, pensionista de meio preço, fazem guardas-
marinha, meio-pensionistas, por serem as palavras guardas c
pensionistas as únicas susceptiveis de avocar a idéa de va­
riabilidade.
Quanto aos substantivos compostos cuja formação tem
por typo as expressões guarda-vista, guarda-vestidos, ne­
nhuma das palavras é accessivcl á variabilidade pela mu­
dança de numero, visto ser ahi de cada vez verbal o sentido
de guarda (um ajiparelho que serve para guardar a vista,
— uma mobilia que serve para guardar vestidos), o que
lhe tira a faculdade de assumir o incremento proprio dos
substantivos na indicação do plural, sendo que as demais
palavras se esqui vão também, sob o processo analytico, a
uma modificação em numero {uns guarda-vista, uns guarda-
D € S Z v C iO S ).
Emfim outros assemelháveis pela sua constituição a
porta-bandeira, porta-machado, etc., em que a jialavra porta
por proceder do verbo portar, nega-se igualmente ao incre­
mento jilural dos substantivos, fazem todavia, passando
pai-a este numero, porta-bandeiras, porta-machados, porque
embora leve cada um dos militares assim designados uma
so bandeira, um só machado, a percepção mental da plu-
rahdade dos agentes envolve, por uma syllepsc natural, a
Idea de pluralidade em relação aos objectos que levão.

ARTIGOS
DO E M P R E G O , O M ISSÃO E R E P E T IÇ Ã O DOS A R T IG O S

534 Os artigos podem ser considerados como um


gencro de palavras meramente expletivas, porquanto, quer
andem, por essencia, appostos a substantivos {o pai, uma
mãi), quer, por accidente, a pronomes (o meu, a mesma) ou
a infinitivos (o comer e o beber), o que elles accrcscentão á
palavra a que se prendem, é antes uma simples indicacão
do que uma idéa. Dabi decorrem dous corollarios. O pri­
meiro é que devem necessariamente ir antepostos á palavra
por elles determinada, porque, reduzindo-se a sua funeção
a constituir uma advertência, cumpre, para que ella actue
emcazmente, que seja prévia. O segundo é que, por con-
SEG U N D A PA R TE - SYN TAXE 443

ferirem tão sómente uma feição, comprehende-so que os


artigos puderão faltar, como ainda hoje faltão, a mais de
uma lingua culta, sem detrimento notável para a lucidez
na enunciação dos pensamentos. E, com effeito, é intuitivo
que um vocábulo exercendo apenas uma influencia mais
ou menos fugaz sobre outra palavra não póde ter a im­
portância de um adjcctivo, por exemplo, que introduz na
dicção um elemento indispensável, isto é, uma idéa. E
tanto é assim, que os artigos nunca chegão, como os adje-
ctivos, com que tantos grammaticos erradamente os con­
fundem, a formar um predicado, e sim tão sómente uma
apjiosição.
Não se originando assim de uma necessidade indecli­
nável, os artigos assentão, quanto ao seu cm2)rcgo, selccção
ou omissão, antes em normas dictadas pelo habito do que
irrcmissivelmcnte predeterminadas pelo rigor do raciocinio.
Dá disso prova a faculdade com que póde muitas vezes
um dos dous artigos substituir-se ao outro sem violação do
sentido, nem grande impropriedade de dicção.
Ex. Que faz o lavrador n a terra^ cortando-a com o
arado ? (P. Ant. Yieira).
Que faz u m lavrador n u m a terra, cortando-a com u m
arado ?
Todavia, seja qual fôr a causa predominante que su­
jeita os artigos a normas, jjí que estas existem radicadas
na lingua, tomão o valor de leis, c devem ser observadas.
535. Se fosse licito exprimir por modo concreto a in­
tervenção exercida por um e outro artigo na linguagem,
j)oderia dizer-se que ambos determinão a palavra a que se
prendem, ajDontando para o significado que ella tem : porém
0 artigo definito aponta pela frente (o homeni), c o indeíi-
nito, pelas costas {um homeni).
Pois o definito dá por conhecido cm sua plenitude e
extensão o ente ou a abstracção a que se refere.
Ex. O que mais 'pesa, e o eque mais luz n o m u n d o , são
AS RIQUEZAS. (P. Ant. Vieira). — Ninguém ha que, tendo
inteira percepção deste pensamento, careça mentalmente
inquirir sobre o que seja o mundo, o que sejão as riquezas:
são o que todos sabem.
O indefinito, porém, dá como apenas intrevisto, ou
como segregado de uma collecção, o ente ou a abstracção
designada.
Ex. E, que cousa são as riquezas senão u m t r a b a l h o
para antes, u m c u id a d o para logo, e u m s e n t i m e n t o para
depois f (P. Ant. Vieira).— Ahi bem se percebe que essa
cousa é um trabalho, um cuidado e um sentimento; porém,
sendo tantos os sentimentos, os cuidados e os trabalhos do
que padeee a humanidade, não deixa de o espirito inquirir
quaes sojão os que vêm a ser os correlativos das riquezas.
536. Pola omissão de um e outro artigo, como também
pola omissão de algum dos adjectivos determinativos que
supprem, o substantivo, baldo de proporções avaliaveis, só
representa então um ente em estado fraccionario, ou uma
abstracção incompleta.
Ex. As riquezas, diz S. Bernardo, adquirem-se com t r a ­
balho, com CUIDADO, e perdem-se com d ô r . ( P .
Ant. Vieira). — Qual e quanto é esse trabalho, esse cuidado
e essa dôr? E’ porção indecisa de todas as dores, de todos
os cuidados, de todos os trabalhos que jiesão sobre a huma­
nidade no correr dos séculos; porém não é já, nem a dôr
toda, nem os cuidados todos, nem os trabalhos todos; nem
tão pouco um dentre os trabalhos, um dentre os cuidados,
uma dentre as dôres; é quantidade incerta de tudo isso.
A d v e r t ê n c i a . Embora mais especulativas em appa-
rencia, do que suscejitiveis de applicação, as precedentes
considerações sobre os artigos encerrão um principio sem
o qual difficil é tornar sensivel o erro de um dos solecis­
mos que mais frequentemente oceorrem na actualidade, e
que, por ser relativo ao adjectivo indefinito t o d o , vai mais
adiante ventilado. Por isso não será talvez inopportuno
verificar novamente, no seguinte exemplo, as tres hypo-
theses aventadas, porque, comprehendidas numa mesma
oração, mais azadamente se prestão a um estudo compa­
rativo.
Ex. Bem se pôde dizer eque o juizo é o m e s m o que o
ENTENDIMENTO, porém é UM ENTENDIMENTO SoUdo; poi' Í S S O
pôde haver e n t e n d i m e n t o sem juizo, mas não juizo sem e n ­
t e n d i m e n t o . (Mathias Ayres da Silva de Eça).

537. Sendo o artigo definito o que admitte como in­


dubitavelmente conhecido o objecto rej^resentado pelo
substantivo, obvio é que se torna geralmente escusada a
sua anteposição a um nome proprio de pessoa, visto ser
essencia de um tal substantivo designar de per si mesmo
um ente segregadamente dos outros de mesma esjiecie.
Ex. Entre os politicos, X e n o p i i o n t e , T á c i t o , C a s s i o -
d ó r o , entre os historiadores, T it o E i v i o , S u e t o n i o , Q u i n t o
CuRcio; entre os qjhilosophos, S e n e c a , P l u t a r c o , S e v e r i n o
BoÉcio; entre os santos padres, J e r o n y m o , C iir y s o s t o m o ,
(deixando os demais), todos,
G r e g o r io , A g o s t in h o , B e r n a r d o
só com discrepância no encarecimento, dizem e ensinão concor-
demente que os inimigos dos reis, e os maiores inimigos são os
aduladores. (P. Ant. Vieira).
F r a n c is c o E e b e l l o , famoso igualmente no pulso e no
conselho, expôz o cque lhe parecia, dizendo que era mais teme­
ridade do ([ue valor aquella resolução. (Fr. Francisco dc S.
Maria).
Entretanto, se em breve vier novamente lembrado o
mesmo nome, não é raro que se lhe anteponha o artigo
definito.
Ex. Não admittiu o governador estas razões,... accres-
centando, com imprudente ardor, que quem tivesse medo, podia
ficar em sua casa. Mas o E e b e l l o , como tinha assentada a
opinião na solidM base de illustrissiinas proezas, fez pouco caso
dc palavras menos consideradas, e dispôz-se generosamente ás
obras. (Fr. Francisco de S. Maria).
Explica-se este idiotismo como sendo provocado pelo
adjectivo indefinito m e s m o , elidido por amor da brevidade,
visto ser este o caso em que sóe apparecer junto aos sub­
stantivos repetidos (... Mas o \jnesmo'] Rebello...'). Em todo
o caso cumpre notar que, achando-se um nome proprio de
pessoa precedido de um adjectivo, já não prescinde geral­
mente da anteposição de um ou outro artigo.
Ex. E, quando já parecia que a fortuna se nos mostrava
favoravel, acertou uma bala nos peitos a o v a l o r o s o E e b e l l o ,
de que cahiu morto. (Fr. Francisco de S. Maria).
Em Villa-Franca fez u m f u l a n o T o p e t e umas rijas
festas. (P. Man. Bernardes).
Esta foi a causa por que o g r a n d e A l e x a n d r e mandou
castigar um hortelão. (l)iogo do Couto).
Ante alguns cognomes apparece também o artigo defi­
nito, mas pela obrigação de concorrer á formação de um
superlativo encurtado por elisão.
Ex. P l í n i o o V e l h o . — P l í n i o o M o ç o . — (Plinio o
[ m a i s ] velho. — Plinio o [ m a i s ] moço). Pois, em igual caso,
mas abstrahindo da elisão, disse o P. Man. Bernardes:
Catão 0 mais velho...
538. Quanto á anteposição do artigo indefinito aos
nomes proprios de pessoas, ella é antes de tudo um arti­
ficio dc estylo, destinado a avivar a attenção pela extra-
nheza da forma, sendo que se póde aliás explicar por uma
elisão.
N OVA G R A M M A T IC A A N A L Y T IC A

E x. Que foi UM A A l b u q u e r q u e no Oriente ^


pfonso de
Que foi UM D u a r te P Que foi u m D . J o ã o d e
a c h ec o ?
C astro? Que foi u m N u n o d a C u n i i a e tcintos outros heroes
famosos, senão uns astros e planetas lucidissimos? (P. Ant.
Vieira). ~ {Que foi um [ h o m e m c o m o ] Affonso de Albuquer­
que...? Que foi um [ h o m e m c o m o ] Duarte Pacheco?...).
539. ^ A anteposição do artigo defiaito aos compara­
tivos de inferioridade e de superioridade é geralmente o
signal da passagem dos mesmos adjectivos jDara o gráo de
superlativos relativos, quer andem annexos a um substan­
tivo expresso, quer a um substantivo ou pronome elidido
por euphonia.
E x. A M A I S r e f i n a d a m a l í c i a é a que se disfarça com
as apparencias da virtude. (P. Ant. Vieira).
Os cavadores ^ não serieis os m a i s n o b r e s e r i c o s da
terra. (P. Ant. Vieira). — (... não serieis vós os mais nobres
e ricos...).
O m a i o r m a l do homem é não se conhecer a si vronrio
(P. Ant. Vieira). ^ ^ '
Amar a Deos é a m a i o r das virtudes. (P. Ant. Vieira).
— (... é A M A I O R v i r t u d e das virtudes).
Porém, se, em vez de irem antepostos ao substantivo,
OS mesmos^ superlativos se lhe posjiõem como apposições
inseparáveis, basta o artigo que então costuma determinar
o substantivo, para da mesma feita caracterisá-los também,
assim que se evidencia da comjiaraçao dos dous seguintes
exemplos: °
A M A I S D U R A C O U S A que tem a vida, é chegar a pedir.
(P. Ant. Vieira).
/r> ^ o u s A M A I S F A C I L do mundo é dar conselho a outrem.
( i . Ant. Vieira). — A cousa a mais facil... seria um galli-
cismo insoffrivel, que nem por isso deixa de ser boje muito
usado, tal é a força dos hábitos de traducção, sem o cor-
rectivo da grammatica.
Outros exemplos:
Os olhos são, em toda a organisação do corpo humano, a
pa r t e M A IS H U M A N A , M A IS D E L IC A D A E M A IS M IM O SA . (P.
Ant. Vieira). — ( h í ã o : . . . a mais humana...).
A P E N N A M A I S B E M A P A R A D A scmprc fica grossa, A l í n ­
gua M A I S F E C U N D A Sempre se acha esteril e balbuciente nos
encomios de tanta felicidade. [P. Man. Consciência).
Pára isso concorre o céo na benignidade d o s a r e s m a i s
SEG U N D A PA RTE - SYN TAXE 447

PUROS E S A U D A V E i s , porque nenhum homem, de qualquer nação


ou cor que seja, est/i'anhard a differença do clima : para os
DO P O L O M A I S F R I O , com calor temperado; para os d a z o n a
M A I S A R D E N T E , com modcrada frescura. (P. Ant. Vieira).

A COUSA M A IS N E C E SS Á R IA E M A IS PR O V E IT O SA para a
navegação é o conhecimento da altura do polo sobre o horisonte.
(Pedro Nunes).
Verifica-se, aliás, a exactidão do motivo allegado, pelos
seguintes exemplos, em que os superlativos, embora pos­
postos aos substantivos a que se referem, tornão todavia a
assumir o artigo definito, porque os mesmos substantivos
se achão desamparados do artigo que, nas anteriores cita­
ções, compartião com os superiativos :
E, se a natureza, onde é incapaz de razão, não é capaz
de soffrer semrazões, que o homem, c r e a t u r a racional a m a i s
N O B R E, A M A I S V I V A e A M A I S S E N S I T I V A de todaS, COM a
balança da mesma razão no juizo, não haja de pesar aqqra-
vos!?... (P. Ant. Vieira).
Que perda! campos tão bellos sem cultura; p a s t o s o s
M A ISP R E C I O S O S , c ncm uma só rez se alcança com a vista...

... Temos visto por estes rios a v e s a s m a i s l i n d a s . (P.


Fr. Caetano Brandão).
540. Se nenhuma inducção se póde formar em abso­
luto da funcção syntaxica dos substantivos communs, para
praticamente especificar os casos em que, por falta de ad­
jectives determinativos, ou em concomitância com estes,
deva-lhes ir anteposto ou omisso um ou outro dos dous
artigos, todavia nota-se que, junto aos verbos de estado, se
houver um substantivo, pronome ou infinitivo despido do
artigo ou de adjectivo determinativo, em competição com
um substantivo, pronome ou infinitivo determinado, aquelle
é o que constitue o predicado; porquanto, nesta funcção
como na de apposição, os substantivos, pronomes ou infini­
tivos procurão, tanto quanto podem, adjectivar-se pela eli­
minação dos artigos ou outros determinativos.
Ex. F a z e n d a é a sabedoria, exempta da jurisdicção da
fortuna. (João d e Barros). — (A sabedoria é f a z e n d a exem­
pta...)
O ver-se louvado era v e r - s e aceusado; o ver suas gran­
dezas referidas era v e r as suas culpas provadas. (P. Ant.
Vieira).
O edificio sem união é r u í n a ; o navio sem união é n a u ­
f r á g i o ; 0 exercito sem união é d e s p o j o . (P. Ant. Vieira).
448 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Não é HOMEM quem aqui não jms^na. (P. Ant. Vieira).


— {Aquelle não é homem , — que aqui não 'pasma).
E ' PARTICULAR CIRCUM8TANCIA e HONRA d a vevdade ser
sempre uniform e. (Fr. Luiz de Souza). — {S er sempre u n i­
fo rm e é PARTICULAR CIRCUMSTANCIA 6 HONRA da Verdade).
541. Pesta considerar os artigos em relação aos sub­
stantivos consecutivos, isto é, aos substantivos que, pelo seu
conjuncto, formão um termo composto ; porque alii se dão
alguns casos em que, já a repetição, já a omissão do artigo
é de regra estricta, c outros em qiie, tanto esta, como
aquella, é apenas aconselhada por motivos de clareza ou
de euphonia.
542. A repetição, não só do artigo, senão também de
algum adjectivo determinativo que por ventura o sujDpra,
é de obrigação estricta ante substantivos formando con­
traste, porque o mesmo artigo, em os designando um por
um, melhor os discrimina, e portanto melhor os contrapõe.
E x. Deve o homem saber igualmente o mal e o bem
para obrar este, e fugir daquelle. (P. Ant. Vieira). — (N ão !
... 0 mal e bem...).
Pudera-se fazer problema onde ha mais pescadores, e mais
modos e traças de pescar, se no mar ou na terra . (P. Ant.
Vieira). — (Não: ... se no mar ou terra).
Os DITOSOS e os DESGRAÇADOS, todos uascêrão. (P. Ant.
Vieira). — Não: Os ditosos e desgraçados...).
Os Romanos, tão entendidos na paz e na guerra , in­
ventât ão para os soldados as coroas civicas e muraes, as
ovações, os triumphos e outros prêmios militares. (P. Ant.
Vieira).— (Não: ... na paz e guerra...).
Os milagres que o Senhor obrava,... fazia-os na cidade
E no campo, no monte E no VALLE, na terra e NO MAR.
(João Franco Barreto). — (Não; ... tia cidade e campo,...).
A maior obra da sabedoria e da omnipotência divina, que
foi 0 composto ineffavel de Christo, consistia em duas uniões:
uma união entre o corpo e a alma , e outra união entre a
humanidade e o V erbo . (P. Ant. Vieira).— (Não: ...entré
0 corpo e alma...).

543. A mesma rejietição é ainda de obrigação estricta


ante substantivos ou qualificativos formando gradação, por­
que a ex23rcssão 2)osterior é considerada como aiiagando a
anterior por somenos.
E x. A NECESSIDADE, A POBREZA, A FOME, A FALTA do
necessário para o sustento da vida é o mais forte, o mais
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 449

PODEROSO, O MAIS ABSOLUTO impevio qu6 despoticamente domina


sohre todos os que vivem. (P. Ant. Vieira).
Antigamente estavão os ministros ás portas das cidades;
agora, estão as cidades ás portas dos ministros. T anto coche !
TANTA l it e ir a ! TANTO CAVALLOI quc OS de pé iião fazem
conto, nem delles se faz conta. As portas, os pateos , as
RUAS rebentando de gente, e o ministro encantado! sem se
saber se está em casa, ou se o ha no mundo, sendo necessária
muita valia só por alcançar de um criado a. revelação deste
mysteriol... E a afelicçÃo, a confusão, a desesperação de
tantos miseráveis! (P. Ant. Vieira).
544. Ella o é também geralmente ante substantivos
amparados por/qualificativos oii complementos indirectos.
Ex. Por isso se vêm, com perpetuo clamor de justiça, os
indignos levantados, e as dignidades abatidas; o s talentos
ociosos, e AS INCAPACIDADES com maudo ; a ignorância gra­
duada, e A sciE N C iA sem honra ; a fraqueza com bastão, e
o VALOR posto a um canto; o v i c i o sobre os altares, e a
virtude sem culto; os milagres accusados, e o s milagrosos
réos. (P. Ant. Vieira).
545. E’ ainda a mesma repetição, senão de obrigação
estricta, ao menos de muita conveniência ante qualifica­
tivos referindo-so ostensivelmcntc ao mesmo substantivo,
mas formando em realidade as apposições de substantivos
diversos, cuja reproducção é vedada por euphonia.
Ex. E ' NO prim eiro , no segundo, e no terceiro ca­
pitulo do Genesis eque Aloysés narra os successos da creação
e do paraiso terrestre.
Porquanto o que resalta claramente do processo ana-
lytico, é que os adjectivos jormefro e segundo não deferminão o
CAPITULO que é o terceiro , e sim determinão o mesmo
substantivo duas vezes subentendido, como melhor parece
indigitá-lo a repetição do artigo. Todavia, em um caso de
períbita analogia, o P. Ant. Vieira aiitorisou a suppressão
do artigo subsequente ;
Pois, porque não deu Jacob a benção, ou investidura do
reino, nem a Simeão, nem a Levi, senão a Judas ; e, deixando
desherdados daquelle grande e supremo morgado Ao segundo
e terceiro filho , o assentou e instituiu no quarto?
mesma benção de Jacob se colhe a causa.
Porém o que não disse o P. Ant. Vieira nem clássico
ahmm, escrevem-no ousadamente, em circumstancia ana-
loga, os casuistas de repartição, quando relatando os inci­
dentes de alguma operação eleitoral, dão a conhecer que ;
2Q
« Forão successivamente chamados o pr im e ir o e segundo
JUIZES DE PAZ... )). Tão estridente discordância só podia
encontrar favor cm cabeças de rija tempera, como as de
que falia o psalmista; kAures hahent, et non audient. ■»—
« Orelhas têm, mas o ouvido é que falta. «
Aventurando-se em semelhante terreno, o P. Man. Bcr-
nardes disse simplesmente:
A impudência ou descaro é companheira da ingratidão,
porque um e outro v ic io n eg Ão os fóros da natureza, e in-
clinão para tudo o que é torpe. — Não lhe pôde sabir da
penna: ... um e outro vícios negão...
Igualmente disse o P. Ant. Vieira:
« Averiguada conclusão é, entre os mestres de uma e
OUTRA m il íc ia , quc, comparada a da terra com a do mar,
esta é muito mais trabalhosa e perigosa. »
Disse mais o mesmo P. Ant. Vieira:
(f Servirá, porém, este exemplar para confusão dos que o
lerem. E, como Fr. Euiz de Souza escreveu na p r im e ir a ,
SEGUNDA E TERCEIRA PAETE dèsta historia as acções de tão
heroicos sujeitos, assim será um dos mais excellentes que an­
darão escriptos, na quarta. Este é o meu parecer. »
. se diga, portanto: «As escolas central e militar »,
e sim : « A escola central, e a militar. »
O mesmo clássico disse ainda:
« Ajunte-se a EEPUBLICA in t e r io r e e x t e r io r do
homem. » Não, porém, ... as r e pu b l ic a s in t e r io r e e x ­
t e r io r ...

546. E’ prohibida a repetição dos artigos, como tam­


bém a de algum adjectivo determinativo que por ventura
os possa supprir, ante substantivos designando, apezar de
sua colligação, um só e mesmo ente, ou uma só e mesma
abstracção.
Ex. Sobretudo lembre-se o ca pitã o e soldado famoso
de quantos companheiros perdeu. (P. Ant. Vieira).
Se se guardar esta igualdade, entrará em esperanças o
m osqueteiro e soldado de fo r tu n a , que também para e l l e
se fizerão os grandes postos, se os merecer. (P. Ant. Vieira).
Afinal chega a q u el la in im ig a da honestidade, e socia
das maldades, que é a noite. (P. Man. Bernardes). — (Não:
...e a q u el la socia das maldades...).
547. Ella 0 é igualmente ante substantivos colligados
por mera synonymia.
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 451

Ex. A IMPUDÊNCIA OU DEscARü, é companhdi'a da in­


gratidão. (P. Man. Bernardes).
Orando uma vez em Aihenas o eloquentíssimo Demosthenes.,
introduziu com destreza o conto ou fa b u la de um camtíihante
que alquüára um jumento. (P. Man. Bernardes).
Querendo Solon, philosopho atheniense, consolar a um
amigo seu, opprimido de vehemente tristeza, o levou a uma
torre eminente, donde se descortinava toda a cidade, e lhe
disse : « Considerai, amigo, quantos pra n to s , lutos , a fflicções ,
DESGRAÇAS E TRABALHOS estiverão já, e actualmente estão de­
baixo destes telhados. (P. Man. Bernardes).
Antes do Egypto, Christo grangeou as perseg u iç õ es e
t y r a n n ia s de Merodes... Em Nazareth, e em vida de Joseph,
grangeou a s u je iç ã o e o b ed iên c ia a um official com o nome
de pai seu, que não era... Antes de sahir ou fugir da patria,
grangeou o aborrecim ento e d esprezo dos seus naturaes, e
dos'cque erão seu sangue. (P. Ant. Vieira).
548. Emfim a mesma omissão, se não ó de regra es-
tricta, ao menos parece aconselhada pela lição dos clássicos,
ante substantivos consecutivos amparados por uma mesma
apposição adjectival, ou por um mesmo complemento in­ ■sfCi .
directo.
Ex. Bem necessário foi a S. Ex. todo o seu e n t e n d i ­
m en to , VALOR E CIIRISTANDADE, C TODA A ASSISTÊNCIA E
ju íz o do duq u e , para se conformar com a vontade de Deos.
(P. Ant. Vieira).
O grande império que os Portuguezes fundárão na índia,
sem arrogancia nem affronta das outras nações, se podia
chamar monarchia, com tantos r ein o s e r e is su je it o s e
TRIBUTÁRIOS. (P. Ant. Vieira).
549. A omissão de todo e qualquer artigo ou adjc-
ctivo determinativo ante substantivos formando o comple­
mento directo ou indirecto de um verbo é caso digno de
especial reparo, visto ser isso frequentemente o indicio do
um idiotismo cm que tão intimamente anda o verbo con­
sorciado com 0 complemento, que, do conjuncto resulta
uma verdadeira locução verbal. Assim podem ser capitu­
ladas as seguintes e semelhantes colligações de palavras:
Assignar termo, — dar licença, —fazer caso, — pedir perdão,—
prestar attenção. — ter razão, — tomar alento, etc. = acommet-
ter de frente, — andar a pé, — dar de mão, — montar a ca-
vallo, — passeiar de carro, — viajar por terra, etc.
Ex. Assim se tempere o rigor da justiça, que os ministros
452 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

MOSTREM COMPAIXÃO, 6 7íãO VINGANÇA; 6 OS TENIIÃO


occASiÃo de emendar as culpas passadas. (P. Ant. Vieira).
Ora a regra que dalii se deduz, é que nenhum dos
substantivos assim colligados póde vir a ser representado
por um pronome. Porquanto, sendo complementos directos
não se desprendem mcntalmente do verbo, mas fazem coiqio
com elle; sendo complementos indirectos, formão o equiva­
lente de um advérbio; de sorte que, tanto neste, como
naquelle caso, achão-se fóra das condições em que se torna
possivel a sua substituição por pronomes.
Pois não seria admissivcl dizer; Dou-vos licença que me
pedis. — Faço delle caso que merece. — Elle tem razão; não
A nego... = Montei a cavallo, que era baio. — Viajavamos
por terra; ainda ninguém a descobrira...
Para tornar taes oraçoes correctas, cumpre soccorrer-
se a um dos dous seguintes alvitres: ou restituir ao sub­
stantivo a sua autonomia pela anteposição de um artigo
ou adjectivo determinativo, ou usar, na proposição subse­
quente, do pronome pessoal estável — o — , por caber-lbe
a propriedade do representar, não um substantivo, e sim
uma locução, ou mesmo uma proposição toda inteira.
Ex. Dou-vos A licença q u e me pedis. — Faço delle o
caso QUE merece. File tem razão; não o nego. — Montei em
UM cavallo que era baio. — Viajavamos por uma terra que
ainda ninguém descobrira...
Note-se, outrosim, que, sendo o ultimo exemjilo modi­
ficado como se segue, já não acarretaria nolle nenhuma in-
correcção a omissão do artigo: « Viajavamos por t e r r a s
QUE ainda ninguém descobrira », porquanto é a mesma
omissão, desta vez, antes apparente do que real, visto re­
sultar ella da faculdade inherente ao artigo indefinito, de
se deixar assaz frequentemente subentender no singular, e
quasi constantemente no plural. Ilaja vista, para um e
outro caso, os seguintes exemplos: « Viajavamos por [ u m a s ]
TERRAS QUE ainda ninguém descobrira. »
Não ha c o u s A mais cara que a eque custa vergonha. (P.
Ant. Vieira). — {Não ha [ uma ] cousa mais cara que a que
custa vergonha)
Não ha REI de vassallos pobres, que se possa chamar
rico. (Diogo do Couto). — {Não ha [ n e n h u m ] r e i de vas­
sallos pobres, que se possa chamar rico).
Cumpre, portanto, não confundir, na ajiplicação da
mencionada regra, as locuções verbaes com os complementos,
ou mesmo quaesquer dos substantivos accidentalmente des- : u
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 453

pidos do artigo indefinito, c, por isso, de nenhum modo


inhibidos de ser representados por pronomes.
Ex. Aquella summa bondade que a todos nos creou á
sua imagem e semelhança, e nos fez capazes de sua mesma
bemaventurança, com muita razão nos obrigou a que, emquanto
caminhássemos por este desterro esses quatro dias de vida que
nos dava, nos amassemos; porque não se soffria que g en te
QUE tem um mesmo pai celestial, e caminha juntamente para
uma mesma cidade celestial, não se ame no caminho. (I). Fr.
Bartliolomeo dos M artyres).— (... não se soffria que [ um a ]
GENTE QUE tcm...).

ADJECTIVOS
DOS DETERMINATIVOS NUMERAES

550. As palavras m il h a r , m ilh ão ( conto ), b il h ã o ,


TRILHÃO, etc., não estando seguidas de outros vocábulos
numéricos, constituem analyticamente meros substantivos;
porquanto, com as mais palavras desta cspecic, avocão a
preposição DE ante o substantivo computado, convertendo-o
assim cm complemento indirecto.
Ex. Forão entregues a el rei muitos castellos que os tu­
tores havião alheado em tempo de sua menoridade, e, além
disso, cento e cincoenta contos de m a r a v e d ís , que naquelle
tempo, era somma mui considerável. (P. Man. Bernardes).
Estando, porém, seguidas do outros vocábulos numé­
ricos, as mesmas palavras deixão de avocar a referida pre­
posição, visto formarem, com as mais expressões de numero,
um só adjectivo composto, entre cujas partes o uso requer a
interposição da conjuneção e , salvo, gcralrnente, antes o
depois de m il , m ilh ã o ( conto ), b il h ã o , etc.
Ex. Isto posto, no primeiro quarto de hora, e pelo pri­
meiro acto de caridade dobrou a Senhora o merecimento, è
mereceu dous gráos de graça... Em n ov en ta e s e is , final­
mente, faz a somma de quatro centos e t r e ze m il quatro ­
centos E sete n t a e cinco contos , q uarenta e oito m il
QUATROCENTOS E QUARENTA E NOVE MILHÕES DE MILHÕES,
SEISCENTOS E SETENTA E UM CONTOS NOVENTA MIL MILHÕES E
TREZENTOS E NOVENTA E SETE CONTOS SETECENTOS E OITENTA
E SETE MIL CENTO E TRINTA SEIS, qUC é O ultijUO quai'tO dc
hora de um dia natural. (P. Ant. Vieira).
551. Tendo a lingua portugueza renunciado a conti­
nuação da serie numérica por o rd in a es ao chegar a 190
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

(centesimo nonagésimo nono), visto não ex istir a expressão


ducentésimo, nem o u tra qualquer de igual jaez, sub stitu iu -
se-lhe dalii em diante, com verdadeiro proveito p ara as
evoluções de com putação, a serie de cardeaes, de enun­
ciação m ais facil o mais expedita (299 : duzentos e noventa
e nove).
Sendo, porém, absolutamente indispensável que as duas
series numéricas não viessem a ser confundidas (pois o seu
íim é muito diverso), a necessidade suggeriu um meio de
discriminação tão simples quão isento de ambiguidade, exi­
gindo que a expressão nnmerica, quando de significação
cardeed, andasse sempre anteposta, e quando de significação
ordinal, sempre posposta ao substantivo computado.
Ex. Ilerodes Agrippa deu, de uma vez, seiscentos pares
de gladiadores. (P. Man. Bernardos).
Foi este descobrimento da Terra de Santa Cruz no anno
DE MIL E QUINHENTOS. (Balthazar Tclles).
Ficou, além disso, assentado que, no primeiro caso, os
numeros caracteristicos de genero concordassem com o
substantivo da computação (C7??i livro de trezentas e duas
paginas ), e que, no segundo, portando-se como meros pro­
nomes estáveis, repudiassem toda e qualquer concordância
{Leia-se isso Á pagina duzentos e dous).
Tal favor, aliás, veiu a grangear esta substituição, que
o seu uso se introduziu mesmo quando podia ser dispen­
sado jiela existência de ordinaes.
Ex. O V inte e nove , ou Honra e Gloria. (Theatro
Portuguez). — (Não : O Vigésimo nono...).
Não posso, comtudo, calar que, no mesmo dia seis de Fe­
vereiro, em epue entrei nos oitenta e sete annos, foi tão critico
para a minha saúde este septenario, que apenas por mão alheia
me permitte dictar estas regras. (P. Ant. Vieira). — (Não:
... no dia sexto ...).
552. Servindo a encabeçar argumentos formando serie,
os ordinaes tornão-se advérbios, e ficão, portanto, inva­
riáveis.
Ex. As virtudes theologaes são tres: l.° ( prim eiro ). Fé;
2.° ( segundo). Esperança; 3.° ( terceiro ), Caridade. ( C a t e ­
c is m o ) .

OiíSERVAçÃo. O a d jc c tiv o n u m e r a l f r a c c i o n a r io meio ,


q u a n d o a n t e p o s t o a o s u b s t a n t i v o d a c o m p u t a ç ã o , c o m e llc
c o n c o rd a em g e n e ro e n u m e ro .
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 455

Ex. Meios homens chamou o poeta lyrico aos que servem,


e disse bem. (P. Ant. Vieira).
Indo-lhc, porém, posposto, só concorda em genero, por­
que allude a uma unidade subentendida.
Ex. Cinco libras e meia. — (Isto é: ... e meia libra).

DOS DETERMINATIVOS DEMONSTRATIVOS

553. Os tres demonstrativos simples: este, esse c


AQUELLE, como OS tres compostos: est’outro, ess’outro c
aquell’outro, conservárão, dos vocábulos latinos a quo
correspondem (hic, iste, ille), a propriedade essencial de in­
dicarem assumptos proximos, distantes ou remotos, quer em
tempo, quer em espaço.
Ex. Quer Vm. ver (quão leve é a carga deste modo de
vida que toma? M.eça-a com o peso dess’outra vida (que
deixa. Ponha em balança a inquietação passada, os perigos,
os desgostos, a desordem dos affectos, aquelle temer tudo,
não fiar de nada... (D. Franc. Manoel de Mello).
554. Porém, além destes significados, os referidos de­
monstrativos assumem ainda de vez cm quando mais um,
do mui subtil c engenhosa applicação, por alludir ás tres
pessoas do discurso. Por esta nova accepção, o jn-imeiro
(este, esfoutro) vem a lembrar cousa ou lugar da pessoa
que está fallando ; o segundo (esse, ess'outro), cousa ou lugar
da pessoa a quem se está fallando; o terceiro, cmfim
(aquelle, aquelVoutro), cousa ou lugar alheio, tanto á pri­
meira, como á segunda pessoa. E, a este respeito, tão cs-
trictos se mostrão os clássicos na selecção dos mesmos
demonstiativos, quer sejão adjectivos, quer pronomes, que
póde ser esta observação erigida em regra. Assim é que,
escrevendo da 3hihia para Lisboa, a um amigo, o P. Ant.
Vieira diz:
Meu Senhor. — Se estas regras (isto é, de mim) che­
garem ás mãos de Ym., o portador dellas é Antonio Brito de
Castro... (que se vai livrar a essa côrte (isto é, de Lisboa)
pelo modo com que o possa fazer sem se exqwr ao ultimo pe­
rigo... BJl rei D. João I I deu oceasião ao provérbio: k Mata,
que el rei perdoa », querendo antes aquelle prudentíssimo
príncipe servir-se dos homens de valor, do que q)erdê-los.
Outra carta do mesmo :
Pelos avisos que vão a Sua Alajestade entenderá, Vossa
Alteza com que coração escrevo esta... Sua Majestade não
deve esperar finezas, senão contentar-se muito de que se queirão
456 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

vender a qu elles que Ihe for necessário comprar... Os que


menos satisfeitos estiverem de Sua Majestade^ esses chegue
Vossa Alteza mais a si...

DOS DETERMINATIVOS POSSESSIVOS

555. Sc, do emprego dos adjectivos possessivos, a ex-


pressíío do pensamento nada vem a lucrar em lucidez ou
energia, melhor é eliminá-los como formando um pleonasmo
reprovável. Neste erro incorrería quem dissesse: « Dóe-me
« MINHA CABEÇA )). Por isso, mui judiciosameiite prescindiu
hernão Mendes Pinto dos referidos adjectivos no scíruinte
trecho:
II!.-
A honrada dona, batendo então nos peito s (não: nos
SEUS peitos) por signal d e g ran d e espa n to (não: de grande t;
espanto seu ), disse: u Que me matem, se assim não é ! »
Servindo, porém, a dilucidar, ou simplesmente a vi­
gorar a expressão do pensamento, já não é censurável o
pleonasmo que dahi póde oceorrer:
Ex. O que a lei manda, é : a Amarás a JDeos teu Se­
nhor com todo 0 teu coração, com toda a tu a alma, com
todo 0 TEU entendimento e com todas as tuas forças, e ao teu
proximo como a ti mesmo ». (P. J. B. de Castro).
556. Oceorrendo não raras vezes que, do emprego do
doterminativo se u , viria a oração a tornar-se amphibolo-
giea, rcmcdeia-sc a este inconveniente pela substituição ou
accrescimo do pronome pessoal l h e , l h e s ao mesmo vocá­
bulo.
Ex. Os aduladores servem lisongeiramente aos principes
para os ganhar, ou l h e s ganhar a graça. (P. Ant. Vieira).
— (Não: ... ganhar a sua graça).
As arvores que l h e offerecêrão o governo, disserão-lhe :
(f Vem n. (P. Ant. Vieira). — (Não: ... que oferecerão seu
governo...). 1 5

Entendeu Bavid que maior guerra fazia a Ahsalão com


um homem que l h e rompesse os seus segredos, que muitos mil
homens^ que l iie rompessem os seus exercitos. (P. Ant. Vieira).
(Não: ... que rompesse... que rompessem...).

DOS DETERMINATIVOS INDEFINITOS

557. O indefinito cu jo , tão imprópria quão obstinada-


mente capitulado de pronome, não obstante a sua feição c
oíRcio de adjectivo, sempre preso pela concordância a um
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 457

substantivo ou pronome da mesma proposição, não escapou


a um abuso que merece tanto mais reparo, que se aninhou
até no estylo official.
Ex. O desembargador F., juiz de orphãos e ausentes...
faz saber aos que o presente edital de praça, virem (e só a
estes), que^ no dia tal de tal mez do corrente anno., será le­
vado, pelo porteiro dos auditories da cidade, a publico pregão
de venda e arrematação, um par de esporas desirmanadas, um
castiçal com azinhavre, e uma caneca sem aza, cujos bens
formão o espolio deixado pelo tocador de viola João Repolho,
vulgo Mata-bicho...
O erro consisto em denunciar alii o adjectivo cujos
uns bens possuidos, sem que, todavia, de todos os termos
anteriores ao mesmo vocábulo, um só se preste, como con­
viria, a designar o possuidor, assim que deve ser, como se
vê do seguinte exemplo:
Os jogos dos gladiadores forão invenção no diabo, cujo
ESTUDO se não emprega em outra cousa que em desfigurar a,
natureza humana. (P. Man. Bernardes). — (Isto é: do qual
DIABO 0 estudo...').
Era aquelle o caso de soccorrcr-se simplesmente do ad­
jectivo indefinito qual, quaes, que não allude á possessão,
ou do ladear a difficuldade por outro theoradequado (...os
QUAES BENS f o m i ã o 0 e S p o l i O . . . ou ... BENS ESTES QUE /omão
0 e s p o l i o . . . ) . Pois em circumstancia analoga lô-se:
Recebe a terra o grão de trigo; e, depois de coberto, ella,
como mãi, o recolhe em .seu seio; o qual grão se resolve e
converte depois em terra. (Fr. Luiz de Granada). — (N ão:
... cujo grão...).
Observação. Um grammatico contemporâneo pretende
que CUJO não póde, sem erro, cahir sob a regencia da pre­
posição DE. Como, porém, não adduz motivo algum para
justificar tal allegação, c que os clássicos nunca cogitarão
de tal requinte de purismo, fica ao alvedrio do cada um
escolher entre a autoridade novissima do grammatico, e a
autoridade gravissima dos clássicos.
Ex. Alli está a hervazinha humilde LE cuja proprie­
dade necessita a vida do rei para livrar-se. (P. Man. Ber­
nardes).
Diogenes, philosopho, dizia que os que gastão sua fazenda
em banquetes e festins e lisonjeiros e más mulheres, são como
algumas arvores que nascem pelos penhascos e precipícios in-
aceessiveis, 1)E cujos fructos comem só os corvos, abutres, e
outras aves de rapina. (P. Man. Bernardes).
458 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

558. Os vocábulos mais c menos deverão a um simples


accidcntc de forma, o da sua invariabilidade, do tercm sido
goralmente declarados meros advérbios, quando em reali­
dade podem ser, além disto, c são frequentemente adje­
ctives ou pronomes indefinites. Basta, para ficar disto
convencido, attender a que não são um e outro senão os
comparativos de superioridade de muito c pouco, por um
modo summamente analogo ao que faz de maior c menor
os comparativos de superioridade de grande e pequeno, e,
de MELHOR e PEioR, os de bom c máo. E tanto é assim,
que os primeiros podem, por colligação, formar com os úl­
timos um termo composto, ou corresjionder-sc junto a dons
substantivos, o que se não daria, se não fossem idênticos
dc esjiecie.
Ex. £Jsses que, ambiciosos ou enganados do novo dominio,
se oceupavão em querer enxugar as lagrimas com que tal do­
mínio era pelos outros ( mais e melhores) recebido, pretendido
persuadir-lhes eque os Fortuguezes, com a rMdança do principe,
se avantajavão no interesse da paz... (Epanaphoras de D.
Franc. M. de Mello). — (... mais muitos e mais bons...).
A rainha D. Philippa, além de suas grandes virtudes,
era mulher de muita policia, e eque com menos regalo e me­
lhor CRIAÇÃO do que as senhoras de Hespanha fazem, insti­
tuía seus filhos. (Duarte Nunes de Leão).
Ora, se ninguém nega, porque ninguém o póde negar,
que MUITO e pouco são adjectivos junto a substantivos
(Muito vento, pouca chuva), jDronomes em substituição a
substantivos (A quem despreza o pouco, o muito lhe foge),
cmfim advérbios quando modificativos de um verbo, parti-
cipio, adjectivo ou outro adverbio {Fallar muito, — pouco
temida, — muito generosos, — pouco lealmente'), é de toda a
evidencia que mais e menos, quer permaneção compara-
tivos,^ quer subão a superlativos, nada têm que os possa
inhibir de acompanhar a seus positivos em todas as trans­
migrações de classe por onde estes passão. A não ser
assim, como explicar, pela syntaxe do empirismo, as se­
guintes analogias: Mais vento, menos chuva. — Quem pôde
o MAIS, póde o menos. — Fcdlar mais, — menos temida, —
UAIB geiierosos, — menos /eaZwiewíe? Pois não oceorre dis­
crepância alguma de funeção entre os vocábulos assim co­
tejados com os do exemplo anterior.
Destas distineções, tão azadamente correspondentes ás
exigências de uma analyse que nao se pareça com mysti-
ficação, resulta alguma cousa mais do que a satisfação do
acertar em exorcicios de classificação; pois, além de esta­
belecer, com muita proficiência, uma base segura para um
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

estudo comparativo com outras linguas, as mesmas dis-


tineções não servem pouco a dilucidar questões obscurecidas
por uma tlieoria incompleta ou inexacta, e resolvidas muitas
vezes ao avesso das prescripções da sciencia.
Assim é que, numa interminável mofina do periodico)
um Aristarebo, tão ricamente dotado do sentimentos ran­
corosos quão parcamente provido de conhecimentos gram-
maticaes, aggrcdiu, durante mezes, a um seu desaffccto,
pelo supposto erro de ter escripto « as mais das vezes w,
quando, pela syntaxe do arguidor, devêra-se escrever « o
mais das vezes ». Se o caso era um tanto frivolo em si, não
o era polo intento. Fosse, porém, como fosse, visto que,
nem o arguidor exi)licou a sua these, nem o arguido de­
fendeu a locução, licito é concluir que, onde um se firmava
em alguma autoridade empirica, o outro apenas se fundava
num uso recebido, sim, mas quiçá reprovável. Et adhiic sub
judice lis est.
Entretanto nada mais justificável do que a locução
« AS MAIS DAS VEZES », logo quc 86 admitta a registração
de MAIS 0 MENOS ciitro os pronomes; porque ella corres­
ponde a um sem numero do formulas identicamente
cllipticas {as mais vezes das vezes), que se encontrão con-
cordemente sanccionadas pela lição dos clássicos.
Ex. Até ora, o mais do tEx MPO fui doente. (Pedro
Nunes).
As arvores, adornadas de perpétua e frondosa verdura,
repetem os mais dos fiiuctos todo o tempo do anno. (Franc,
de Brito Freire).
Ao grande Alexandre, já vencedor de Dario, caminhando
-para Persepolis, sahírão ao encontro quasi oitocentos homens,
os MAIS DELLES vcllios. (P. Man. Bernardos).
Cobre Lisboa os outeiros e valles que já dissemos, com as
fabricas das casas e templos, dando com isto grande commodi-
dade de alegre vista aos mais dos seus moradores, porque,
DAS MAIS DAS CASAS (estüiido cdificadas nas ladeiras e cumes
dos montes), se vê grande parte da cidade e do seu rio. (Luiz
Mendes de Yasconcellos).
Emfim 0 que, para o caso, é muito mais concludente
ainda, é o que se segue :
Que é a formosura humana 9 Letra boa no sobrescripto,
estimulo da soberba conjugal, irrisão dos annos, peceado em
flôr, que as mais das vezes vinga. (P. Man. Bernardos).
Não excede o p>eso do casamento nossas forças; falta-lhe
AS MAIS DAS VEZES nossa prudcncia para que o sustente, e
dahi vem que nos pareça grande. (I). Franc, Man. de Mello).
460 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

559. A syntaxe do todo,


como adjective indefinite, é
verdadeiramente curiesa pele numere c variedade de cen-
siderações a que dá lugar.
Tante vai clle antej^este cerne pespeste aos substan­
tivos ou pronomes a que serve de apposição.
Ex. Não ha comparação do senhorio de uma terra, nem
do domínio de uma provinda ou reino, com o conhecimento da
TERRA TODA, pela çeograpMa, de todos os mares pela hydro-
graphia, de todos os astros pela astronomia, e geralmente do
UNIVERSO todo pela cosmographia. (P. D. Eaphacl Bluteau).
Quem ensinou naquelle corpjo a metter todo o mundo
venal em uma praça? A alma. (P. Ant. Vieira).
Ah! idolatras do mundo! que tantas vezes dais a alma,
e dobrais o joelho ao demonio, não pelo mundo todo, senão
por umas partes tão pequenas delle, que nem migalhas do
mundo se podem chamar!... (P. Ant. Vieira).
Os REIS todos receberão o dominio e jurisdicção da mão
e consenso dos povos. (P. Ant. Vieira).
E eu também perdi um amigo, e nas circumstancias que
el rei, o reino e todos os mais o haviamos mister. (P. Ant.
Vieira).
Tomão 0 lugar de retábulos umas grandes frestas altas e
rasgadas, as quaes todas [estão guarnecidas e cerradas de
suas vidraças illuminadas de finas cores. (Fr. Luiz de Souza).
Porém, quer ande anteposto, quer posposto ao substan­
tivo ou pronome, o mesmo vocábulo não consente amparar
a nenhum que não esteja determinado por um artigo, o
qual, como nos citados excmjilos, é geralmente o definito
( todo o mundo... pelo mundo todo... os reis todos... todos
os MAIS... AS QUAES TODAS...), mas pódc ser também o in-
definito (um, uma), ou um determinativo demonstrativo, do
todas as especies de palavras a mais parecida com os ar­
tigos.
Ex. El rei Bario, sendo ainda homem particular, rece­
bera de um grego, por nome Gyloson, uma capa de grãa.
Depois, dcindo-lhe em recompensa quantidade de ouro, não lEo
aceitou, dizendo que pedia antes para a sua patria, Samos,
total exempção de tributos. E assim lhe foi concedido. Com
que chegou uma cap>a a cobrir toda uma cidade. (P. Man.
Bernardes).
Mas, se a guerra é civil, sobem de ponto todos estes
MALES. (P. Ant. Vieira).
Muito ferro e muito bronze, muito ouro e muita prata
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 461

tinha a estatua; mas, porque lhe faltou a união, não lhe ser­
virão de nada mais todos esses metaes hellicos e ricos, que
de accrescentar maior peso para a cahida. (P. Ant. Vieira).
O que TODOS aquelles ordes celestes fazem andando
em perpetua roda, e voltando sem nunca descansar, é temperar
com suas influencias o que ha de comer o homem. (P. Ant.
Vieira).
Ficão tão sóraente dispensados desta exigencia os pro­
nomes que, sendo já por natureza determinados, em caso
algum admittcm o amparo dos artigos, ou de adjcctivos
determinatives outros que não o mesmo todo.
Ex. T odo aquelle que se exalta, será humilhado; e o
que se humilha, será exaltado. (P. Balthasar Telles).
As paixões do coração humano, como as divide e numera
Aristóteles, são onze; mas todas ellas se reduzem a duas
capitáes : amor e odio. (P. Ant. Vieira).
({ Depois que vimos em nossas terras o papel do Padre
grande, que, por amor de nós e da outra gente da nossa pelle,
se tinha arriscado ás ondas do mar alto, e alcançado de el
rei, para todos nós, as cousas boas, logo no mesmo ponto lhe
demos inteiro credito. » (P. Ant. Vieira).
Nas exequias de Crixio chegárão os gladiadores a cento
e cincoenta pares, que todos morrerão. (P. Man. Bernardos).
— (... os quaes todos...}.
Ficão ainda dispensados, e pelo mesmo motivo, os sub­
stantivos proprios que por natureza rcpellem o artigo.
Ex. O caso do medico e hospede do leão teve por teste­
munhas os olhos de toda P oma. (P. Man. Bcrnardes).
Emfim, sendo-lhe dada a precedencia ao substantivo
ou pronome, o mesmo adjcctivo todo, como ja cm outra
parte foi lembrado, toma, da mesma feita, a dianteira, nao
só aos mais adjectivos ou participios antepostos ao pro­
nome ou substantivo, como ainda ao proprio artigo, o que
nenhuma outra apposição póde fazer, salvo a de ambos
(A mbas as cousas havia de fazer Josué).
Ex. Um sò meio acho aos reis para salvarem ambos
estes inconvenientes. (P. Ant. Vieira).
E, para que ninguém se admire deste grande poder da ne­
cessidade sobre todos, a razão é, diz o provérbio, porque todos
os outros poderes são sujeitos ás leis, e só a necessidade não
tem lei. (P. Ant. Vieira).
Vai um soldado servir na guerra, e leva tres cousas:
leva vontade, leva animo, leva alegria. Torna da guerra a
462 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

requerer, e todas esta s très cousas se lhe trocào. (P. Ant


Vieira).
Viveu 0 infante D. Henrique, ein perpétua continência,
vida solitaria e philosophica, exercitando todas as boas
sciE N ciA s, e, em especial, as da cosmographia e qeoqraphia.
(Fr. Luiz de Souza). ^ J i'
_De todos estes principios, formulados depois de um
paciente e aturado estudo dos clássicos, um se sobreleva
em impoitancia, e vem a ser o que declara todo como ap-
posição incompatível com um substantivo ou pronome
indeterminado. Entretanto nenhum jirincipio seria mais
incmto do que este, se se fundasse unicamente nas obser­
vações coibidas nos livros reproduzindo, aliás com o mais
excerptos de clássicos, para pelas escolas
se diiiundirem as normas da boa linguagem. Pois, se na
maxima parte dos^ casos se verifica a mesma lei, ella tam­
bém apparcce infringida em tantos, que é impossível de­
fendei-se de alguma besitaçao sobre a sua legitimidade.
Porém, quando se reflecte que, aos erros ou descuidos
de uma primeira edição, vão-se ajuntando inevitavelmente
tt- outros nas reimpressões successivas, é licito imputar ao co-
pista ou ao revisor incongruências que não podem ter
sabido da penna de um cscriptor esclarecido, e necessaria-
n^nte consequente comsigo mesmo. Como conciliar, com
effeito, que o mesmo P. Ant. Vieira tenba dito, de confor­
midade com a regra : « T oda a h ist o r ia é mestra da vida »,
e contra a regra : « T oda consolação é escusada quando os
males são sem remedio ? »
Como explicar que o mesmo P. Man. Pernardes dis­
sesse em orações quasi successivas :
« Ohl Deos e Senhor meu! por vossa infinita bondade
vos rogo me concedais eque vos ame de todo o coração !....
Ame-vos eu. Senhor, de todo coração para que me sujeite á
vossa vontade!... »
Taes canivetadas na regra lembrão involuntariamente
aquell outra, que também não é raro encontrar boje: « Voltei
DARA CASA », seiido esta bem certamente o resultado do
uma synalepba de pronunciação que não tem o direito de
^ artigo onde a sua assistência é indispensável
{voltei^ PARA A casa ) ; pois, iisaiido-sc do processo da sub­
stituição, a ninguém oceorreria dizer: « Foicei pa r à ja r d im ,
PARA QUARTO... )) O siin : (( Voltci PARA O JARDIM, PARA O
QUARTO... » e portanto, ví para a casa ».
Aliás o P. Man. Bernardes escreveu:
7- Z terides mil e quinhentos escudos, cjue, se da casa
^ãhiraOj bem e que pa r a a casa voltem. »
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 463

Em relação a todo, o principio que lhe veda o accesso


junto a um substantivo ou pronome indeterminado, funda-
se, com todos os visos da plausibilidade, na observação de
que, estando as mesmas palavras despidas de artigo ou de
adjectivo determinativo, o seu sentido torna-se fraccionario,
partitivo, incerto em quantidade (V. § 536^. Ex. Queremos
PÃO.— Mas, quanto pão? — A resposta e naturalmentc:
A lgum. — Ora, se é algum tão sómente, claro é que não
póde ser todo, visto nenhum artificio conseguir estabelecer
uma conciliação entre duas expressões tão antinomicas : o
pleno e o partitivo. Portanto diga-se com todo: « Quere­
mos todo 0 PÃO », ou <( todo ESSE 'pão », e não: « todo pão ».
— KAme-vos eu. Senhor, de todo o coração... e não: de
todo coração. »
Todavia, para acabar de liquidar esta questão em todas
as suas partes, cumpre fazer uma reserva; e vem ella a
ser que os adjcctivos possessivos, por admittirem màiè ou
menos facultativamente a antecessão do artigo definito,
parecem gozar do indulto de se posporem ou anteporem
também, a todo sem que lhes assista o referido artigo:
pelo menos o que dos clássicos se collige, é que^ são quasi
tão frequentes os casos em que o mesmo artigo fica omisso,
como os em que está enunciado.
Ex. Salomão foi o rei que, em todo o seu reinado,
gozou da mais alta e segura, paz de quantos houve dentro e
fòra de Israel. (P. Ant. Vieira).
De doze tribus de que constava, o reino perdeu em um
dia as dez, as quaes, nem nos dias de liohoão,^ nem^ nos de
todos seus descendentes se unirão ou sujeitárão á corôa.
(P. Ant. Vieira).
Cada palmo tem tanto que ver de delicadeza e artificio, de
trabalho e majestade, que, considerado com attenção, impossibi­
lita 0 engenho, e embota a penna para o declararmos e se en­
tender em TODAS AS SUAS PARTES. (Fr. Luiz de feouza).
Aquella grande praça de capellas é, quanto se pôde de­
sejar por TODAS SUAS P A R T E S , excellcnte de arcos e laçarias,
de policia de esculptura, de graça, de subtileza e diversidade
de lavor. (Fr. Luiz de Souza).
Oh! Senhor! nascei no centro de minha alma, para es­
clarecer TODA A SUA espiiera! (P. Man. Bernardes).
Quão magnificas e bem ordenadas são. Senhor, todas
VOSSAS OBRAS! (P. Man. Bernardes).
El rei D. Duarte, como seus irmãos todos, foi bem dou­
trinado nas letras e costumes. (Duarte Nunes de Leão).
464 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

O B s p v A ç Ã o . A i n d e v i d a o m is s ã o d o a r t i g o d e fin ito
e m s e g u i m e n to a todo , q u a n d o a p p o s iç ã o , s e n d o lio je t ã o
i r e q u e n t e , q u e e lla p a s s o u a v e r d a d e i r o s o le c is m o , n ã o s e r á
to ra d e ^ p r o p o s ito fa z e r n o ta r q ue, co m o ta n to s o u tro s
e r r o s , n ã o e m a is q u e u m a m a l c a b id a i m i t a ç ã o d o f r a n c e z
e m q u e tout (todo), v in d o a a s s u m i r u m s e n t id o a n a lo g o
a o d e CHAQUE (cada), r e p e l le e n t ã o t e r m i n a n t e m e n t e a c o n ­
c o m i t â n c ia d o a r t i g o d e f i n i to : « T out Komm est mortel (n ã o :
louT L h o m m e ...) , o q u e , e n t r e t a n t o s e t r a d u z c o m t o d a a
p r o p r i e d a d e : « T odo o hom em ou T odo e q ualquer hom em
e mortal », e s e m n o t á v e l i m p r o p r i e d a d e d C ada hom em é
mortal >). P o i s e m c a s o p e r f e i t a m e n t e id ê n t i c o d is s e o P .
A n t . V ie ir a : « T odo o r ein a d o desunido será assolado ( T out
ROYAUME desuni sera bouleversé ~ Aprendão a joqar as
armas marítimas de todo o g en er o . {Qudls apprennent à
manier les armes de mer de tout g e n r e ). — L ê - s e iiiu a l-
m ^ te u m a c a rta de el re i D . M a n o e l ao rei de F ra n ç a :
<( Em TODA A o ccA sià o pôde V. AL usar das minhas eousas
se fossem communs a ambos ». (En toute occasion F
peut user de ce qui m'appartient, comme si c'était de ’l'un
et de l autre). — Julgue agora todo o hom em se é eousa diffi-
cultosa e impossível, antes muito facil e natural, amar os ini­
migos. ( P . A n t . V ie ir a ) . (Que tout h o m m e maintenant...).
— 1 or proximo entende-se todo o h o m em . ( D . F r B a r t h o
lo m e o d o s M a r t y r e s ) . (Par prochain, on entend iiomP).
« Mas, objectarà talvez alguem (e foi isso o motivo da
<c presente observação), em que vem a ficar a explicação
« theorica de que todo , pela natureza do seu sentido, não
(( podo amparar a um substantivo in d e t e r m in a d o , isto é
« despido do artigo ou dealgum determinativo? Será a
« verdade, em materia de lógica, uma em portuguez, e
« outra em francez ?» i fo >
Certamente a lógica é uma, e só uma; porém ahi as
ínguas sao duas. E tanto são duas em referencia ao as­
sumpto ventilado, que, para remover a objecção sem entrar
em uma dissertação inopportuna, basta advertir que a
questão dos artigos estabelece radical discrepância entre as
mesmas línguas. Porquanto, além do definito e do indefi-
2 L" " op ar t i t i vo (de, du,
de la, des), o que nao pode deixar de provocar nelle, cm
substantivos, relações syntaxicas que nada
tem de commum em uma e outra lingua.
observar em todo uma feição bas-
e sin,^u ai, c vem a ser a propriedade que lhe compete,
conio aos demais adjcctivos indefinitos, de se constituií em
modiíicativo, com o mesmo alcance de qualquer adverbio,
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 465

sem que todavia, ao contrario dos outros, perca em tal


caso a variabilidade adjectival, do que dá sobejas provas a
constante concordância que conserva cm numero e genero
com o vocábulo por elle modificado, não podendo ser isso
explicado senão como concessão á euphonia.
Ex. E, que faz a mesma natureza toda movida e go­
vernada pelo mesmo Eeosf (P. Ant. Vieira).
Que abi é o vocábulo toda um mero modiíicativo dos
participios movida c governada, torna-se evidente pela
nenhuma repugnância com que se presta a uma conversão
cm algum advérbio correspondente: « totalmente, — intei-
RAMENTE movida e governada... » — O mesmo se verifica
nos seguintes exemplos:
E ' a ilha toda composta de um confuso e intrincado la-
hyrintho de rios e bosques. (P. Ant. Vieira).
Começa a sahir e a crescer o sol : eis o gesto agradavel
do mundo, e a composição da mesma natureza toda mudada.
(P. Ant. Vieira).
Via-se no quad.ro a deosa toda ornada e enriquecida
de joias. (P. Ant. Vieira).
Se 0 mundo todo inteiro pesa tão pouco, como pesão i ^,
tanto estes pedacinhos do mundo f (P. Ant. Vieira).
Oh! Senhor! se sondamos vossa grandeza com o corde^
do discurso e investigação philosophica, logo este se some todo-
(P. Man. Bernardes). ,
Ordinariamente fazem os seus banequetes fóra da cidade,
em um prado muito ameno, que chamão Elysio, e está todo
CHEIO das mais raras formosuras da natureza, cercado todo
de um bosque que lhe forma verdes pavilhões de frescas sombras.
(P. Man. Consciência).
O mármore muito alvo e fino, lavrado, todo em roda, de
um silvado de meio relevo... (Fr. Luiz de Souza).
Confesso que tomara ver esta linguagem em toda outra
pessoa. (Fr. Luiz de Souza).
Porém, vindo todo a constituir de per si só o regime
de uma preposição, elle passa então a tomar a feição do
pronome indefinite estável, c forma analyticamente com a
mesma preposição, uma locução adverbial.
Ex. Se a guerra em si é de todo injusta, ella não per­
tence ao principe christão. (João de Barros). — (... totalmente
injusta...).
466 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

DOS ADJECTIVOS QUALIFICATIVOS

561. Embora seja erro crasso o de sujeitar um super­


lativo a novamente subir os degráos de significação, como
se fosse mero positivo, não deixa de haver alguma oppor-
tunidade em advertir que uma qualidade, considerada no
seu auge, não pode mais figurar como termo de compa­
ração (ião, mais^ menos facillimo !!), nem tão pouco as­
cender do auge para o auge (o mais acerriíio, mui facil-
LiMo!!); pois falha no engenho humano a craveira para
tal aferição. Entretanto, que não é de todo inopportuno
lembrá-lo, vai attestado pelas numerosas excentricidades
deste genero que se encontrão diariamente nas publicações
periódicas, o que se deve attribuir ao gôsto infrene de su­
perlativar tudo, donde já resultou que o soffrivel veiu a ser
regular, e o ruim ordinário. Neste andar em j)ernas de páo,
lá vem um que se queixa de nunca ter visto mais péssima
administração; outro apregoa as suas cebolas dizendo que
são TÃO ÓPTIMAS como as melhores do Egypto; emfim um
terceiro demonstra, por mais isto e menos aquillo, quanto
deve merecer ao publico tão previdente e utilíssima asso­
ciação. E’ esta, aliás, uma tendencia que apenas consegue
apoucar a lingua, sem engrandecer a litteratura.
Na mesma interdicção incorrem uns poucos de adje­
ctives que, embora não sejam declaradamente superlativos
de incremento, com esta accepção, todavia, provierão do
latim, onde a tinhão. Os que se mais habitualmente offe-
recem, são:
PRINCIPAL(de primus, prior, princeps');
POSTREMO (de posterus, posterior, postremus) ;
SUPREMO (de supernus, superior, supremus) ;
TOTAL (de totus);
ULTIMO (de ulterior, ultimus') ;
UNico (de unus) ;
c, dubitativamente, os seguintes, por serem de vez em
quando encontrados com o mero valor de positivos:
EXTREMO (de externus, exterior, extremus);
INTIMO (de internus, interior, intimus);
PROXIMO (de propinquus, propior, proximus).
Pois diz-se bastante a miudo:
A MAIS EXTREMA nccessidadc.— No mais intIx Mo do co­
ração. — O MAIS PROXIMO lugar.
Entretanto repugnou ao P. Ant. Vieira sujeitar e x ­
t r e m o a TÃoj e faz gôsto ver com que graça e dexteridade
se esquiva o insigne clássico ao laço que Ihc arma o sen­
tido da oração.
Morto Salomão^ succedeu-lhe na corôa JRohoão, sen filho.
E a primeira proposta que lhe fizerão os povos juntos em
cortes^ foi que tivesse piedade delles, e os alliviasse dos tributos
com que estavão opprimidos eni tempo de seu pai^ porque erão
insupportaveis. E chegou esta instancia a termos tão aper­
tados E DO CABO (não : tão extremos)^ que não querendo Ro-
boão condescender no que tão justamente pedião, dos doze tribus
de que constava todo o reino^ os dez lhe negárão a obediência,
e se rehellárão, e fizerão outro rei e outro reino, que nunca
mais se sujeitou nem restituiu aos herdeiros de Salomão.
O que parece, aliás, confirmar a allegação aventurada
em relação ao P. Ant. Vieira, é uma nova observação que,
sobre o mesmo assumpto, fornece a continuação do mesmo
excerj)to.
Agora entra o meu reparo. Se o peso do ouro, e a quan­
tidade da prata que contribuião as minas, era tão excessiva
(além dos direitos ordinários do reino, que erão muito avul­
tados), com toda esta immensidade de thesouros, com todos estes
rios de prata e ouro, que estavão sempre a correr (])er sin-
gulos annos: um anno atraz do outro), como não se alliviava
a oppressão dos vassallos? como não se levantavão ou dimi-
nuião os tributos dos p>ovos f antes crescião e se multiplicavão
ao mesmo passo com tal excesso, que os obrigárão a uma tal
desesperação, e reduzirão o reino a extrema ruina!
Para que o P. Ant. Vieira não dissesse « a tão ex­
trema ruina », era necessário que julgasse illicita tal colli-
gação de palavras; pois para lá levava-o, por attracção do
conformidade, o tlieor da precedente proposição, pela inge­
rência de TAL, em que tão se aninha por contracção (...a
uma TAL desesperação!... a tão extrema ruina!). Portanto,
se deve prevalecer a lição do mais eminente dos clássicos,
nenhum dos referidos superlativos póde ser usado em outro
gráo de significação que não seja o que lhes competia em
latim.
Ex. « Assim que. Senhor, consciência e mais consciência
é 0 PRINCIPAL E UNico talciito quc se ha de buscar nos que
vierem governar este Estado. » (P. Ant. Vieira). — (Não :
... os MAIS PRiNCiPAES factos.... como escreveu em pro­
gramma de estudos um director de collegio ; — nem tão
pouco como no seguinte apparatoso titulo : « Arte versifica-
toria na qual se assignão (! f ) as regras mais principaes
para a composição dos versos latinos... Lisboa, 1866. » Natu­
ralmente, conspicuos latinistas não podem cuidar do ras­
teiro vernáculo.
468 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

562. Nas locuções bom senso, boa ou má fé, boa ou


MÁ VONTADE, vai O acljectivo tão indivisivclmente preso em
sentido com o substantivo, que do conjuncto resulta um
verdadeiro substantivo composto. O que dabi se segue, é
que, nem um, nem outro dos mesmos adjectivos, não só
repugna a dissociar-se da locução para formar as con-
tracções melhor ou peior, como ainda um e outro tolerão
em anteposição qualquer comparativo ou superlativo idoneo.
Ex. Para a hoa direcção da vida, preferível é ter mais
BOM SENSO do que grande engenho.
O que fòra emprehendido na melhor boa fé, deturpou-o
A MAIS REQUINTADA MÁ VONTADE.

PRONOMES

DOS PRONOMES PESSOAES

563. O pronome pessoal si, sempre e necessariamente


regime do uma preposição expressa, encontra cm elle um
competidor com o qual não deve ser confundido na con­
textura das orações.
Usa-se de si em referencia ao sujeito da mesma pro­
posição, e de ELLE cm referencia a um termo de outra
proposição anterior.
Ex. O infante D. Henrique mostrou ao mundo o —
0 MESMO MUNDO não conhccia d e si. (P. Ant. Vieira).
E ste mundo ri-se de todos os — que se não riem delle.
(P. Man. Bernardes).
Assim succede, concluiu Christo, a quem {áquelle — que')
não cuida mais do que juntar para si, sem se lembrar de
Deos nem dos pobres. (P. J. B. de Castro).
Do meio das turbas sahiu um homem a pedir ao Senhor
— quizesse fazer — com que um irmão seu repartisse com elle
dos bens — que herdâra. (P. J. B. de Castro).

DOS PRONOMES NUMERAES

564. A instituição do uma classe de pronomes nume-


raes na primeira edição desta obra não pouco excitou a
mofa dos empiricos em Grammatica; pois Noel e Chapsal
não tinhão delia cogitado, e menos ainda os seus subser­
vientes asseclas. Que novidade ridicula não era essa! Mera
appetencia de distinguir-se pela singularidade...
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 469

Entretanto esta instituição resulta simplesmente da


generalisação de um pririeipio aeeito, não só pelos referidos
grammaticos, como por todos os mais; e vem a resumir-se
no seguinte; Todo o adjectivo, quer demonstrativo, quer
possessivo, quer indefinito, que deixa de acompanhar a um
substantivo ou outro pronome, para fazer de per si mesmo
as funeções de um substantivo, deve ser c é tido formal-
mente por pronome. E nada mais são a mór parte dos
pronomes demonstrativos, possessivos e indefinitos. Ora,
se assim é, porque deixar de considerar também como
pronomes os numeraes cardeaes quando, segregados do todo
c qualquer substantivo ou outro pronome, fiizein de per si
mesmos as funeções de um substantivo? Pois, que podem
ser os numeraes do seguinte exemplo, senão pronomes:
« U m e UM são dous? »
(( N a d a ! n a d a ! » c x e la m ã o u n a voce o s e m p ir ic o s .
« Q u e m n ã o vê q u e a h i, j u n t o a o s r e f e r id o s adjectivos,
« e s t á s u b e n t e n d i d o u m s u b s t a n t i v o : Um objecto e um
« OBJECTO são dous OBJECTOS ? IstO é c la i’0. ))
Ora, bomens !
Se a maior parte dos pronomes são pronomes tão só­
mente por isso mesmo, isto é, só porque lembrão um sub­
stantivo que Ibes pudera andar annexo,... o que é claro, é
que os mencionados numeraes são tão propriamente ])ro-
nomes, como o são os determinativos dos seguintes exemplos:
pois ainda ninguém se lembrou de tê-los por adjectivos:
Vêm vocês aquElle (^ue alh vai f (P. Man. Bernardes).
— (... aquelle homem...).
grande nobreza usar do seu. (P. Ant. Vieira).
(... do seu bem).
Quasi TODOS querem ensinar com razões / com exemjdos,
poucos ensinão. (P. Ant. Vieira). (... todos os homens...
poucos HOMENS...).
Por isso pretendemos que o numeral dous do seguinte
exemplo não póde ser qualificado senão como pionome.
Se 0 homem timido não tem coração, o teimoso não tem
cabeça; porque não conhece que, sendo o errar um só defeito,
0 sustentar o erro são dous. (P. Ant. Vieira).
« Pois bem! » replicão levemente os empiricos, « mas
« que é o que se vem a lucrar com tão entezada iuno-
« vação ?
Isso é outra cousa.
Ser consequente com os principios reputou-se scmpic
470 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

condição indispensável em sciencia, porque a doutrina só


se firma pela homogeneidade das partes.
Em segundo lugar, póde-se aprender que, vindo o nu­
meral UM a ser pronome, não consento já formar contracção
com a preposição em.
Ex. E m um ha unidade, mas não póde haver união. (P.
Ant. Vieira). — (Não seria tolerável dizer : N um ha uni­
dade...^.
Por mais insignificante que seja o proveito, sempre é
proveito.

DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS

565. Sondo considerados em referencia ás suas relações


syntaxicas, os pronomes desta classe formão duas socçõos
bem distinctas.
Na primeira cabem tanto os instáveis simples ou com­
postos :
ESTE, A, ES, AS;
ESSE, A, ES, AS;
AQUELLE, A, ES, AS;
est’outro, a, os, as ;
ESS’0UTR0, A, OS, AS;
aquell’outro, a, 08, As;
como os estáveis:
ISTO, ISSO, AQUILLO,
Na segunda cabe o instável — o, a, os, as ; o o está­
vel — o.
Oia a div.ergencia que separa os referidos pronomes
(divergência muito digna de reparo nas versões), cifra-se
nisso, que os da primeira secção, de sentido essencialmente
absoluto, não se negão todavia a appareeer accidentalmente
restringidos, ao passo que os da segunda secção são neces­
sariamente submissos a uma restricção.
A lestricção que em tal caso nelles actúa, manifesta-se,
ou jiela subsequencia de um pronome relativo, ou por um
mero complemento directo. Ex.
PRON. DEMONSTR. DA PRIMEIRA SECÇÃO
(s e m r e s t r ic ç ã o )

Tudo está fervendo em movimentos que acabão e começão:


... AQUELLES cautão, dalU a pouco chorão; est’outros chorão
dalli a pouco cantão. (P. IVlan. Bernardes),
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 471

Mais fácil era antigamente conquistar dous reinos na


índia, que repartir duas coinmendas em Portugal. I sto foi, e
ISTO ha de ser sempre. (P. Ant. Vieira).
(com r e s t r ic ç ã o )

Mofino e miserável é aquelle que não tem inimigos. (P.


Ant. Vieira).
I sto de ter inimigos é uma semrazào ou injuria tão
honrada, que ninguém se deve doer ou offender della. (P. Ant.
Vieira).
PRON, DEMONSTR. DA SEGUNDA SECÇÃO
(com RESTRICÇlo)
Gosta antes dos que (daquelles que) te argúem, que dos
QUE te adulão. (P. Ant. Vieira).
Assm como o motivo de amar é o bem proprio, assim o
DE ABORRECER (esse de üborrecer) são os bens alheios. (P. Ant.
Vieira).
Pôde haver maior desgraça que não ter um homem bem
algmii digno de inveja? Pois é o que {aquillo que) se segue
de não ter inimigos. (P. Ant. Vieira).
Destas considerações, que haja quem as julgue talvez
ociosas, por parecerem meramente especulativas, deduz-se,
mais adiante, a demonstração de um frequente solecismo,
interessando os vocábulos todo e tudo.

DOS PRONOMES POSSESSIVOS

566. Merece reparo que os pronomes desta classe,


quando in s t á v e is , isto ó, subordinados á concordância com
um substantivo anterior, não prescindem da anteposição
do artigo definito.
Ex. Nenhum destes apparatos tão estrondosos e formidá­
veis tem bastado, nem para que os Assyrios guardassem o seu
IMPÉRIO dos Persas, nem os Persas o seu dos Giegos, 7iem
os Gregos o seu dos Jiomanos, nem os Romanos finalmente o
SEU daquelles a quem o tinhão tornado. (P. Ant.Vieiia).
Sendo, porém, e s t á v e is , isto é, despidos de referencia
a um substantivo anterior, os mesmos pronomes, já tomão,
iá dispensão o artigo, conforme têm de enunciai um sen­
tido determinado ou indeterminado, como é o caso com os
substantivos.
Mais inventarão e ffzerão os homens a este fim de
472 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

conservar a cada um o seu : inventárão e firmárão leis... (P.


Ant, Vieira). — (... a cada um o bem de cada um...').
Depois que a terra se dividiu em differentes senhores^ logo
houve guerras e batalhas, e se acabou a paz, porque houve
MEU e TEU. (P. Ant. Vieira). — (... porque houve bem de
mim, e bem de ti).

DOS PRONOMES RELATIVOS

567. Dos tres pronomes relativos (que, quem, o qual),


um só, o primeiro, bastaria para tudo o que é da alçada
desta classe de palavras, se não fôra a estabilidade de sua
fornia, que fó-lo nimiamente enipjmatico. Pois, quer seja
sujeito ou complemento, predicado ou apposição; quer seja
masculino ou feminino, do singular ou do plural; quer em-
íim seja representante de pessoas, do cousas ou de abs-
tiacções, o que portuguez a nada se move; é sempre que.
. portanto, do admirar que tanto custe classi-
ft. iica-lo. E comtudo a exacta classificação deste vocábulo é,
não só indispensável para acertar na declaração de suas
íuncções syntaxicas, como para escolber-lhe, em outras
línguas, representantes idonoos, vdsto serem mais ou menos
variados os vocábulos que nellas lhe corresiiondem.
lodavia^existe um critério certo, e certissimo, para
distrinçar, não só em que, senão também em quem, o ca-
racter de pronomes relativos: este critério consiste na pos­
sibilidade da conversão de um e outro em o qual, a qual.
os QUAEs, AS QUAEs, sendo de notar subsidiariamente que,
em tal caso, quem se ai:>resenta invariavelmente regido do
uma proposição expressa, o que faz com que, como pro­
nome relativo, só exerça a funcção de complemento indi­
recto, já proprio, já improprio. Não sendo, porém, possivcl
a mencionada conversão, quem torna-se pronome indefinito,
c QUE passa a ser, conforme as indicações do § 175, adje-
ctivo ou pronome indefinitivo, advérbio ou conjuncção.
Observação. Por mais inconveniente, por mais in-
compativel que pareça ser com as boas normas da didactica
baseia-se a distribuição de que por todas estas diversas
classes de palavras em considerações tão incontestáveis,
que, a reduzí-1a, como querem os empiricos, á simples al­
ternativa de ser que, ou pronome relativo, ou conjuncção,
c so ISSO, seria repudiar, da mesma feita, em relação a este 1«
vocábulo, a applicação das leis irnprescriptiveis dasyntaxe.
oeria mais do que isto: seria pôr-se na impossibilidade de
conciliar, por um modo natural e logico. as operações a

-■h:
quo eile concorre cm portugiiez, com as que eífectua, sob
formas variadas, cm outras linguas. Attenda-se, por exem­
plo, ao que com eile succede em allemão, onde sua repro-
ducção avoca até mais de uma palavra em cada classe, o
demonstra, pelo mero cotejo das expressões avocadas,
quantos são os empregos que sorrateiramente cumula.
ADJECTIVO INDEFINITO
Que livro é esse^ W as euer ein Buch ist dieses?
PRONOME RELATIVO
E ' um livro acaho de comprar. — Es ist ein Buch,
que
WELCHES ou DAS icli jctzt eben gekauft habe.
PRONOME INDEFINITO
Mas QUE queria dizer-me o Sr. ? — Aber was wollten Sie
mir sagen?
ADVÉRBIO
Ora, QUE bonitos cavallos tem o Sr.! — Já, wie schäm
sind Ihre Pferde!
CONJUNCÇÃO
Creio até que são mais bonitos que os do barão de
Cayapó. — Ich glaube sogar, dasz sie scheener sind, als die
des Barons von Cayapó.
568. A necessidade de prover de remedio aos nume­
rosos casos de ambiguidade que originaria o emprego ex­
clusivo de que como pronome relativo, suggeriu a idéa de
lhe dar por substantivos quem o u o qual, ])orém com a
reserva de que destes se usaria só para fugir a uma equi-
vocação possivcl. Assim se explica a predominância que,
no discurso, o primeiro exerce sobre os dons últimos.
O relativo quem denuncia sufficientemente por suà
fórma contracta {que homeni) a sua peculiar idoneidade
para rejiresentar substantivos de pessoas.
Ex. Forão inventores destes jogos Hercules, Pytho, Thesêo
e outros heroes de quem {dos quaes) os tomarão os Gregos e
Romanos. (P. Ant. Vieira).
Nem os Romanos, finalmente, conservárão o seu império
daquelles a quem {aos quaes) o tinhão tomado. (P. Ant.
Vieira). — (... íomar-LiiES... complcm. indir. proprio).
Se foramos verdadeiros christãos, cessava entre nós este
preceito, porque não havia de haver inimigos A quem {aos
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

quaes) amar. (P. Ant. Vieira). — (am<i-LOS... comp, indir.


improprio).
Por um natural consorcio de idéas, o mesmo relativo
substitue com toda a propriedade quaesquer substantivos
designando entes intelligentes, ou simplesmente personifi­
cados.
Ex. A nossa alma, immersa na matéria, e dependente de
orgãos, não é, emfim, como as intelligencias separadas em
QUEM (em as quaes) não ha esquecimento. (P. Man. Bernar­
dos).
Se 0 soldado se vê despido, folgue de descobrir as feridas,
e de envergonhar com ellas a patria, por quem (pela qual)
as recebeu. (P. Ant. Vieira).
Os clássicos forão mais longe ainda : bastou-lhes que
ao substantivo, sendo embora de cousa ou de abstracção,
estivesse imputado um acto proprio de pessoas, para que o
substituissem por quem.
Ex. Se as cousas são pelos effeitos conhecidas, e elles
testemunhão a excellencia ou maldade délias, qual o foi de
maiores males e damnos na redondeza, e mettendo os homens lí
em mais perigosos trabalhos, que o ouro, a quem (ao equal),
com muita razão, podião todos chamar peste do mundo. (P.
Ant. Vieira).
E os céos, A QUEM (aos quaes) o propheta chamou livros,
que contão as obras mais gloriosas do Creador, não deixão de
ser bons historiadores. (P. Balth. Telles).
O santo patriarcha Isaac comparou a fragrancia dos
campos ferteis com a benção e graça dos santos, dizendo : « O
cheiro e fragrancia de meu filho é como o de um campo cheio,
A QUEM (ao qual) o Senhor abençoou. (Fr. Luiz de Granada).
569. O relativo o qual deve á constante assistência
do artigo o ser caracteristico de genero e numero; e, como
se presta a representar, em todas as funeções proprias dos
pronomes, tanto pessoas como cousas ou abstracções, elle é
summamente idoneo para substituir a que ou quem nos
casos em que estes se tornão ambiguos por sua immutabi-
lidade.
Ex. Ao tom destes nossos brados sahiu de baixo do toldo
uma MULHER jâ de dias, que, no aspecto e na gravidade de
j. j_ - - - ^

A QUAL, em nos vendo da maneira que estavamos, como quem


se apiedava de nós,... fez chegar a barcaça á terra. (Fernão
Mendes Pinto).
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE

i\^o numero destes legumes entrão os que dentro de si


gerão pevides, que depois servem para se tornarem a semear,
ENTRE os QUAES se contão aquelles por que suspiravão os filhos
de Israel no deserto. (Fr. Luiz de Granada).
Os instrumentos que creou a natureza, ou fabricou a arte
para serviço do homem, todos têm certos termos de proporção
DENTRO DOS QUAES S6 podem consei'var, e fóra dos quaes
não podem. (P. Ant. Vieira).

DOS PRONOMES INDEFINITOS

570. Tão fundada está na natureza das cousas a dis-


tincção dos vocábulos que, quem e qual em pronomes, já
relativos, já indefinitos, que arrebanhá-los a todos promis-
cuamente, como ó de uso, em uma única classe, a dos re­
lativos, longe de simplificar a doutrina, contribue a torná-la
inextricavel. Pois, nem o raciocinio analytico se accom­
moda a esta confusão, nem com ella é possivel fazer obra
no estudo comparativo das linguas.
Esta distincção é fundada em fticto, porque já o latim
enunciava os très referidos vocábulos por qui, quæ, quod
quando relativos, c por quis, quæ, quid quando indefinitos,
dando-se apenas, em theoria, algumas alterações mais ap­
parentes que reaes, por motivo de ellipses peculiares da-
quella lingua.
Ex. Que é o ouro e a prata? Sangue do corpo da repu­
blica, QUE (o qual) anda em movimento circular. (P. Man.
Bernardes). — (Quid est aurum et argentum? Sanguis cor-
poris reipublicœ, qui circulariter novetur).
Ella é fundada em theoria, porque, se a nomenclatura
grammatical tem uma significação, a denominação de pro­
nome RELATIVO implica uma referencia necessária deste
vocábulo a um substantivo ou })ronomc anterior {antece­
dente: SANGUE... que...), quando, pelo contrario, a de pro­
nome iNDEFiNiTO, mórmente na sua applicação aos estáveis,
como alguém, ninguém, outrem, tudo, nada, nenhuma seme­
lhante referencia implica (Que é o ouro... ?f), sendo que
tudo quanto pode dar em tal caso o desmancho analytico,
sc reduz a um substantivo ou pronome mais ou menos oc-
cultaniente incluido no mesmo indefinito (Que cousa é o
ouro...).
Ex. A QUEM não tem bens ninguém lhe quer mal. (P.
Ant. Vieira). — (A’quelle que não tem bens, nenhum homem
lhe quer mal.
E, se ainda assim parece insufficiente a demonstração.
476 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

considere-sc quo, ncm um, nem outro dos indigitados inde-


fínitos QUE 0 QUEM SO pi’csta á conversão quo anteriormcnto
os denunciava como relativos (o qual^ a qual, os quaes, as
quaes').
Verdade é que um ou outro grammatico, tendo tam­
bém deparado com algumas das incompatibilidades alii
assignaladas, julgára prover de remedio ao caso, creando
para os referidos indefinitos uma classe especial de prono­
mes, sob a denominação de interrogativos. Mas isso, longo
de resolver a difficuldade, apenas a deslocava: pois tanto
se encontrão os mesmos indefinitos em orações que nada
têm do interrogativo, como em orações determinadamento
interrogativas.
Ex. Que é o nascer?... Nascemos sem saber para que
nascemos. (P. Ant. Vieira). — (Que cousa é o nascer?...
Nascemos sem saber para que cousa nascemos).
Deixando, outrosim, de expôr a tbeoria syntaxica de
seus interrogativos, os mesmos grammaticos inutilisavão
assim a sua indicação. Pois, que importão distincçõos que
não conduzem a nenhum resultado apreciável ?
Ora a tbeoria syntaxica dos tres mencionados vocá­
bulos é muito diversa, conforme são relativos ou indefi-
nitos.
Como relativos, enuncião sempre dous termos, um dos
quaes é necessariamente o de ligação; como indefinitos,
sempre tres, porquanto participão então do duas propo­
sições.
Ex. Que é o ouro e a prata? {Pergunto pela cousa —
QUE é 0 ouro e a prata). — Sangue do corpo da republica, —
QUE (o qual) anda em movimento circular.
Que é o nascer? {Pergunto pela cousa— que é o nas­
cer)... Nascemos sem saber da cousa — para a qual nas­
cemos.
Porém, já que se trata de um ponto de doutrina tanto
mais obscurecido quanto mais debatido, seja licito, para o
pôr em plena luz, readduzir os critérios que praticamente
donuncião que, quem e qual como indefinitos, porque dahi
tirão-se valiosas deducções a bem da pontuação.
571. Que é pronome indefinite quando se deixa re­
solver em QUE COUSA ou cousa que, ou ainda occasional-
mente em que quantidade, que porção.
Ex. Sejão ouvidos nesta causa todos, pois toca a todos.
Que é que dizem? (P. Ant. Vieira). — (Que cousa éa cousa
QUE dizem) ?
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 477

Q u e de tempos costuma gastar o mundo, não digo no


ajustamento de qualquer ponto de uma paz, mas só em regis­
trar e compôr as ceremonias delia! (P. Ant. Vieira). — ( Q u e
QUANTIDADE, — QUE PORÇÃO de tempos...),
E’ digno de particular reparo que este pronome, assim
como mais alguns da mesma classe, para prevenir equi-
vocos, está levado a firmar o seu sentido de indefinite pela
adopção do artigo definite (o que). Mas, prestando-se,
mesmo sob esta fórma, á conversão em que cousa ou cousa
QUE, eile fica assim sufficientcmente resguardado contra uma
confusão o demonstrativo o que, forçosamente convertivel '•tf

em AQUELLE QUE OU AQUiLLO QUE (O QUE {aquelU que) com-


mette todo o governo aos velhos, mostra ser inhabil. (P. Ant.
Vieira). — O que {aquülo que) o principe puder haver em
paz, não haja por guerra. (P. Ant. Vieira).
Ex. O parapeito, lavrado em rede, é coroado de uma
metas como flores de liz; o que tudo junto faz uma machina
muito crespa e vistosa. (Fr. Luiz de Souza). — (... cousa
QUE toda junta faz uma machina...).
Tudo isto sahe do sangue e do suor dos tristes indios, aos
quaes trata como tão escravos seus, que nenhum tem liberdade,
nem para deixar de servir a eile, nem para poder servir a
outrem; o que, além da injustiça que se faz aos indios, é oc-
casião de padecerem muitas necessidades os portuguezes, e de
perecerem os pobres. (P. Ant. Vieira). — (... cousa que... é
oceasião de padecerem...).
Pelo dito, pois, se entenderá que, não sómente são barbaros
os homens que vivem nús como selvagens debaixo da linha
equinoccial, senão também muitos dos que arrastão sedas e vel-
ludos; o que se entenderá por este exemplo. (Fr. Luiz do
Granada). — (... cousa que se entenderá...).
Além do artificio e regras de bem fallar, era el rei D.
Duarte naturalmente eloquente / pelo que attrahia a si os
corações dos homens. (Luarte Nunes de Leão). (... cousa
POR QUE attrahia...).
Foi el rei D. Duarte em tudo mui sizudo e prudente;
PELO QUE, sendo el rei seu pai velho, descarregava nelle^ os
negocios e governo de todo o reino. (Duarte Nunes de Leão).
— (... POR QUE COUSA, sendo el rei...).
572. Quem é pronome indefinite quando se deixa re­
solver em QUE HOMEM ou homem que, ou ainda em aquelle
que ou homem a quem, discriminando-se, outrosim, do seu
homonymo relativo por não estar, como eile, adstricto a
regcncia de uma preposição, e sim por gozar da faculdadq
478 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

de duplamente desempenhar todas as funcções próprias dos


2)ronomes, tanto no singular como no plural.
_ Ex. (^UEM era Seneca? Era aquelle grande estoico em
cuja estimaçao a maior riqueza era o desprezo de todas. (P. í
Ant. Vieira). — (Que homem era Seneca?...'^.
Os cavadores não serieis os mais nobres e ricos da terra;
mas, quem havião de ser senão os seus escravos ? (P. Ant.
leira). — (... mas, que hOx Mens havião de ser Tos cava­
dores^?...). *-
Quem trabalha, trata da sua vida; quem está ocioso,
trata das alheias. (P. Ant. Vieira). — (O hojiem que tra-
üauia... 0 iioxMem que está ocioso...).
Quem ama, não faz mal a quem ama. (D. Fr. Bartho-
lomeo dos Martyres). — (A quelle que ama, não faz mal
AO HOMEM A QUEM ama).
573. Assim como só se costuma lançar mão do relativo
o QUAL para remediar as ambiguidades a que não podem
sempre íugir seus dous consocios, assim também o indefi-
nito QUAL acode aos seus em semelhante aperto. Mas nor
ISSO mesmo que tanto póde vir em soccorro de que como
cm soccorro de quem, a sua conversão analytica se eífectua
conforme o caso, já era cousa, já em iiomem. ’
Ex. E, para que não fiquemos com um só exemplo pas­
semos a outro reino ou a outro reinado mais sabio, a v L foi
sem injuria dos presentes nem dos futuros, o de Salomão, ( p !
Ant. Vieira). (... passemos a outro reino ou a outro rei­
nado mais sabio, cousa que / m ... o de Salomão).
Mas, como o amor dos inimigos é mais alto, e elle só he­
roico, vermos quem é Deos, e quaes nós devemos ser neste
ponto. {V. Ant. Vieira). — (... vejamos equem é Deos, e [ve-
jamos\ que homens nós devemos ser neste ponto).
574. Em seguida a esta exposição theorica do caracter
especial dos tres mdefinitos que, quem e qual, apresenta-se
um problema syntaxico de algum interesse, porque, sendo
encontradas as lições que, nos clássicos, lhe dizem respeito
apenas pode ser resolvido por inducção. O problema é o
seguinte. ^
Póde 0 indeíinito quem receber, como o relativo que
a personalidade de um pronome pessoal anterior, para
mpo-la, como este ao verbo de que por acaso venha a

Theoricamento, a resposta parece que deve ser nega­


te a. Porquanto, abrangendo em si mesmo o seu antece-
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 479

dente ( homem que, — aquelle que, — o que), o referido


indefinito está ou deve estar ao abrigo de outra influencia,
qual a de um pronome pessoal anterior; e, como todos
estes antecedentes adduzidos por extracção são da terceira
pessoa, parece concludente que quem, como sujeito, não
possa impôr ao verbo outra pessoa senão esta. Outrosim
fica a supposição verificada pelo seguinte exemplo :
Feio que, não sendo sò vós quem padece (isto é : o ho­
mem que, — aquelle que, — o que 'padece), accommodai-vos á
condição dos outros mortaes. (P. Man. Bernardes).
Porém eis-alii o mesmo clássico encarregando-se de
tornar a solução bastante duvidosa, por dizer em outra
p arte:
Yós que entendeis que não servis, sois o que servis.
Ora toda a questão se reduz a considerar se póde
haver, logicamente, tal diífercnça entre o contracto quem
e o complexo o que para ser o primeiro dispensado de uma
referencia a — vós — , e o segundo obrigado a uma refe­
rencia. Pois tal é a identidade de sentido, que nada obsta­
ria a que se dissesse: Vós não sois só quem ou o que pa­
dece. — Vós sois o QUE OU QUEM SERVIS. Quauto a
admittir que as duas formulas, embora tão dispares, possão
vigorar com a mesma legitimidade, é o que repugna. Por­
tanto só uma é ligitima; e só uma discussão de principios
póde rescindir a duvida, tanto mais que escasseão os
exemplos estabelecendo tradição.
São numerosos os casos de syllepse que levão o verbo
a dirio^ir-se, na sua concordância em numero o pessoa,
antes para uma expressão de sentido determinado, do
que para uma de sentido indeterminado. Tão longe_vai
esta appetencia, que ha mesmo casos em que o sujeito
fica, por isso, supplantado pelo predicado (V. § 483:
Tudo ERÃO ARMAS). Ora, no caso vertente, do pronome
pessoal (vós, por exemplo), e dos seus afíins quem ou o
QUE, a expressão mais saliente, mais determinada é ccila­
mente a primeira, pois que ella designa uma entidade que,
por visivel, deve, na imaginaçao prevalecei sobie as outras,
que são vagas (o homem, aquelle, o...). Portanto parece
concludente que quem, seguindo o exemplo de o que, va
tomar ao pessoal anterior, como em segunda mão, o numero
c a pessoa, para transmittir um e outro ao verbo por cllo
regido. Mas é necessário que, em tal caso, o pessoal ante­
cedente sáia enunciado anteriormente ao indefinito.
E’ notável que, em circumstancias analogas, o P. Ant.
Vieira, autoridade suprema em purismo de dicção, usa
480 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

constantemente da locução o que , fazendo sempre concordar


0 relativo que com o sujeito do verbo anterior.
Ex. Christo disse: « Amai a vossos inimigos, vorgue eu
sou 0 QUE 0 DIGO. » ^ ^r 1
O espinheiro disse: k Não sou eu o que hei de d eix a r
as minhas raizes, senão vós as vossas.»
« eu fui 0 QUE DESCOMPUZ O çovemador de Sua Ala-
jestade, e nao o governador de Sua Majestade a mimf »
Porém um folhetinista esperançoso escrevia ultima-
^ admirou-se do phenomeno. «
Pitteito da grammatiea philosophica.
Aliás a fórma patrocinada pelo P. Ant. Yieira póde
ser considerada como uni archaismo procedido do latim
encontra typicamente representada na sublime
dehniçao que Eeos de si mesmo dá na Escriptura Sagrada-
« Suni qm sum: Eu sou o que sou. Os francezes, porém'
levados pelas necessidades da sua syntaxe dizem: « Je suis
CELUI QUI EST. w
^ica assim ao alvedrio de cada um escolher entro o
latinismo do 1 Ant. Yieira, e o gallicismo do um folheti­
nista approvado nos exames de preparatórios, porquanto
declarou espontaneamente ter banca de advogado.
G vocábulos todo e tudo, como pronomes inde-
^nitos, diíferem tão sómente um do outro por ser o primeiro
instável ( toda, a , os, as ), e o segundo estável ( tudo).
U primeiro e instável por se referir constantemente a
um substantivo ou pronome anterior, ou, quando monos, a
um substantivo facilmente suj^privel; e esta é a razão de '
sua variabilidade em genero e numero.
Ex. Como pesão tanto estes pedacinhos do mundo gue
Yie?ra{^ / wwóZo, e nos levão a alma apôs s i! (P. Ant.

U ns para uma parte, outros para outra, todos estão


cansando^e em buscar o descanso, e todos cansados de o não
adiar. (E. Ant. Yieira).
todos hão de chegar á sepultura sem
m fijT a r d ffv ’a chegarás á sepultura
lais tarde. (P. Ant. Yieira). — (... todos os homens...).
O estável tudo, pelo contrario, nem allude a um sub­
stantivo antei-ior nem mesmo o admitto eolligado por
experimentação (T udo ^u.5a)^ se for, como os demais
estáveis, anal3.ticamente resolvido em seus elementos, fica
constrangido, pela apparição de um substantivo, a conver-
ter-se, em todo (T oda a cousa passaf
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 481

Ora, tanto em relação a um como ao outro destes vo­


cábulos, introduziu-se, por uma synalepha de perfeita
analogia com a que vem relatada no § 559, o mais clamo­
roso solecismo. Porquanto, máo grado dos numerosos
exemplos que o reprovão nos clássicos, a mão de mais de
um copista ou de um typographo descuidoso deu-lhe tão
frequente ingresso nas obras dos mestres, que, sob esses
fallazes auspicios, veiu a medrar entre os contemporâneos
como autorisado pela boa tradição, e pullula em todos os
escriptos.
Eeduzindo-se a questão a uma illusão do ouvido, que
encaixa, uma na outra, syllabas successivas e de igual
sonoridade, será talvez mais consentaneo discutir o caso
sobre exemplos que lhe resumão as principaes feições, do
que ventilá-lo em exposição abstracta.
Será licito usar igualmente de uma ou outra das se­
guintes formulas ? E, se não é licito, qual é dellas a cor­
recta, e porque?
A outra cousa digna de notar é a amenissima vista que
daquelle mosteiro apparece, que todos os que a vêm, — ou —
TODOS QUE A VÊM, coufessão SCI' a. mais deliciosa do mundo.
(Duarte Nunes de Leão).
No cavalgar á brida e á gineta, levou el rei D. Duarte
a vantagem a todos os do seu tempo — ou — a todos do
SEU TEMPO. (Duarte Nunes de Leão).
E eu também o perdí, e nas circumstancias que el rei, o
reino e todos os mais — ou — todos mais o haviamos mister.
(P. Ant. Vieira).
O rio Amazonas corre ameaçando estrago a tudo o que
— ou — TUDO QUE SE LiiE PÕE DIANTE, t D. Fr. Caetano
Brandão).
Vão assim os homens contribuindo uns aos outros, e todos
á memória dos que lhes derão o ser, a que, depois de Deos,
somos mais obrigados que a tudo o mais — ou — a tudo
MAIS. (D. Franc. Man. de Mello).
Em todos estes exemplos, a primeira das formulas é a
unica correcta; a segunda é mera imitação das neologias
que esmaltão as publicações da actualidade.
E, porque será aquella a unica correcta?
Porque todo e tudo, como pronomes, isto é como vo­
cábulos enunciando de per si sós algum dos termos essen-
ciaes, quaes os que se relacionão com um verbo, não podem
ser restringidos. E não podem ser restringidos, porque,
exprimindo a universalidade, passarião pela restricção a ser
mera parte, o que repugna.
31
\K

482 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ora, no j)rimeiro exemplo, t o d o s ficaria restringido


j)ela proposição subordinada q u e a v ê m ; — no segundo,pelo
complemento indirecto do s e u t e m p o ; — no terceiro, pelo
adjectivo indefinito m a i s (outros).
Do mesmo modo ficaria t u d o , no quarto exemplo, res­ Uí
tringido pela proposição subordinada q u e s e l h e p õ e
d i a n t e . , . ; — e emfim, no quinto, pelo já referido adjectivo
indefinito m a i s .
Logo, quem vêm a ser em tal caso os vocábulos t o d o s \ it
e tudo ? 1
Meros adjectivos indefinitos, por ampararem, como
simples apposições, o pronome que immediatamente lhes
vai no encalço. E a prova frisante de que não são ahi
pronomes, e sim meros adjectivos, está em que podem ser
dispensados sem trastorno maior dos pensamentos, o que
seria impossivel que se desse, se fossem elles os pronomes,
e se fossem as palavras pospostas, não se sabe já o que!
A outra cousa digna de notar é a amenissima vista que
daquelle mosteiro apparece, que os q u e a v ê m , confessão ser
a mais deliciosa do mundo.
No cavalgar á hrida ou á gineta, levou el rei D. Duarte
a vantagem a o s d o s e u t e m p o .
E eu também o perdí, e nas circumstancias que el rei, o
reino e os m a i s o haviamos mister.
O rio Amazonas corre ameaçando estrago a o q u e s e l i i e
PÕE DIANTE.

Vão assim os homens contribuindo uns aos outros, e todos


á memória dos que lhes derão o ser, a que, depois de Deos
somos mais obrigados que a o m a i s , ’
Outrosim, reunindo o seguinte exemplo ambas as hy­
potheses da dissertação, dahi sobresahe com mais evidencia
o acerto da conclusão; « Oh! se t o d o s [ o s ] q u e fazem se­
melhantes provimentos, fizessem este exame I e se ao menos o
fizessem os q u e o s pretendem e são providos ! » (P. Ant. Vieira).
Como deixou o collector de ver que o demonstrativo_
o m itt iu ju n t o a t o d o s , e r a t ã o in d is p e n s á v e l c o m o
o q u e e n u n c io u m a is a d ia n t e ? p o r q u e , a fin a l, o s e n tid o n ã o
e q u e todos fazem provimentos. •
Em abono a estas considerações, e como prova irre-
fiagavel de sua exactidão, acóde, com a mais notável coin­
cidência, um cunoso idiotismo, que é pena ver, não só cahir
cm desuso, senão também ser contrariado hoje por novi-
dacms incongruentes como as que ahi procuramos debellar.
U r . Ant. Vleira disse, citando palavras de Christo;
« T odos os que andais cansados {que sois todos), vinde
a mim, e eu vos alliviarei
Em que consiste o idiotismo? Em ser ahi o primeiro
todos um simples adjectivo indefinito, por formar a appo-
sição do pronome pessoal — vós— , cuja elisão ó rccom-
mendada pela indole da lingua {Vinde a mm [vós] todos...)-
Porém, apresentando-se ahi o mesmo todos no inicio da
oração, por inversão do proposições, com todos os visos de
um pronome por seu isolamento, não lhe soífreu, ao P.
Ant. Vieira, que sob esta capeiosa apparencia, o referido
vocábulo, vindo a topar com que, estabelecesse a pre-
sumpção anti-logica de ser restringivel; e, por isso, soecor-
rendo-se ao emprego de uma palavra cxpletiva (o pronome
demonstrativo — os), determinou por cila, sem ambages
possiveis, o caracter adjectival de todos (— Todos os que...).
O mesmo vai, aliás verificado no seguinte exemplo:
Para as religiosas é esta historia espelho; para os reli­
giosos estimulo; e, para todos os que professamos observância
regular, ou reprehensão ou louvor. (P. Ant. Vieira).
Observação. Não será talvez sem interesse para os
que SC dedicão aos estudos philologicos, ver corroborada
esta theoria dos enxertos cxplctivos por uma applicação
que, com o caso vertente, não é sem analogia.
Os relativos allemães welciier e der, ])ola diversidade
de classes cm que cabem, e de officios a que acodem, não
têm, como os relativos portuguezes, e os de outras linguas
a faculdade de tomar ao seu antecedente as feições da pri­
meira e da seguda pessoa do discurso : por si mesmos, são
sempre da terceira, quer do singular, quer do plural. Ora
dando-se o caso que devão forçosamente alludir á primeira
ou á segunda pesSOa, prega-sc-lhes nas costas, para se lhes
conferir tal sentido, o pronome pessoal que terião de re­
presentar, e dá-se-lhes assim a feição que lhes falta. Por
isso não dizem os Allemães: « Padre Nosso, que estás
céo... » e sim: a Padre Nosso que TU estás no ceo...g^
{ Vater Unser, der DU bist in Himrnel...).
E’ ainda por motivo analogo que, em francez, quando
0 sujeito de uma proposição interrogativa é um substan­
tivo ou um pronome não pessoal, denuncia-se a interrogação
pela posposição plconastica de il , elle, ils,
verbo.
Ex. , Votre père est-ih vivant ? — Tous sont-ihs snorts ?
576. O antiquado vocábulo al, que apenas persiste
como expressão juridica, e se resolve analyticamentc em
OUTRA COUSA, dcvc ser tido por pronome indefinito estável.
484 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. Solte-se o preso, se p o r a l não está detido.


Mas, sé as junturas se deixão enxergar, porque não podia
AL ser, é tão sem offensa da arte, que difficultosamente se di­
visa nellas signal de cal. (Fr. Luiz de Souza).

PREPOSIÇÕES
577^ O sentido das preposições é geralraente tão vo­
lúvel, tão fugaz quando tomado em abstracto, isto é, isola­
damente das palavras entre que estabelece uma relação,
que em todas as linguas é considerada como parte inte­
grante, com o seu regime, de um complemento, posto que
a escolha que delia se faz, seja determinada pela palavra
anterior ou regedora. Alias este modo de encarar synta-
xicamente a preposição é sobejamente justificado pela cir-
cumstancia de se prestar ella, nas diversas linguas, á mais
estreita união com o seu regime, por muitas e variadas
contracções, e de esquivar-se totalmente no advérbio.
Mas, por isso mesmo que as preposições escapão a uma
classificação systematica de suas relações, e dependem, como
se sóe dizer, do uso, o methodo analytico, em Grammatica,
tem, sobre o dogmático, a innegavel vantagem de attrahir
e, por assim dizer, de concentrar a attenção sobre tão in­
teressante assumpto, sendo que, por este modo, a assidui­
dade das observações suppre o que se nega a fornecer a
theoria.
Poderia ser, aliás, longa a lista dos exemplos por meio
dos quaes se demonstraria que, sem a mais leve alteração
de ^sentido, uma mesrtia palavra avoca livremente propo­
sições differentes; porém, como mesmo assim ficaria a lição
sem conclusão pratica, tomar-se-hão as citações que se se­
guem, como meras indicações do que convem fazer cm
analyse a tal respeito.
^ Ex. Se ine coube em sorte a pobreza, porque me não fará
rico 0 CONTENTAR-ME COM ELLA ? (P. Ant. Yicira).
Os frades de cá não m e c o n t e n t a r ã o , nem em púlpito
nem em pratica, s o b r e e s t a t o r m e n t a d a t e r r a aue ora
passou. (Gil Vicente).
Certo homem que ia de Jerusalem para Jerichó, foi no
caminho, accommettido dos ladrões, que, não c o n t e n t e s d e o
ROUBAR, 0 ferirão em muitas partes. (P. J. B. de Castro).
O que governa a republica, e commette todo o governo aos
mo^m ser inhabit; o que o p i a d o s m o ç o s , é leviano.
(P. Ant. Vieira).
Se a Providencia Divina fiou e encarregou os jmncipios
desta celestial conquista a um infante de Portugal, os fins
delia, já tão facilitados, porque os não fiar á a outro. (P.
Ant. Vieira).
Se 0 soldado se vê morrer a fome , deixe-se morrer, e
vingue-se... Não faltará quem diga por elle: « Quantos merce­
nários arrebentão de fartos, e eu morro de fome ! (P. Ant.
Vieira).
578. A ])reposição por allude geralmente á causa, e a
preposição p a r a , ao fim. Entretanto os clássicos usárão
frequentemente da primeira em lugar da segunda, o que
não é de lastimar que tenha cahido em desuso.
Ex. S. Pedro Damião, por fugir longe das cortes, re­
nunciou a purpura. (P. Ant. Vieira). — (... pa r a fugir...').

ADVÉRBIOS

AQUI, AHI, ALLI CA, LA — ACOLA

570. Os advérbios de lugar a q u i , a iii , a l l i têm, em


referencia ao espaço e á personalidade, o mesmo alcance
significativo como os demonstrativos este , esse, aq u elle .
Ex. Comei, vós outros, pobres estrangeiros, e não vos
desconsoleis por vos verdes dessa maneira, porque aqui estou
EU. (Fernão Mendes Pinto).
El rei Luiz X I mandou dar ao homem aquelle rabão, di­
zendo : « A h i TENDES valor de mil cruzados, que é muito mais
que 0 do vosso cavallo. (P. Man. J3ernardes).
Quem lograr a dita de viver na ilha Fortunata, logrará
ALLI formosos espectáculos. (P. Man. Consciência).
Os advérbios cÁ e l á , meros supplementäres de aqui
e ALLI, costumão andar em correlação um com o outro, c
implicão frequentemente idea de movimento.
Ex. O mesmo Deos se fez homem para trazer do céo á
terra o que cÁ não havia, e levar da terra ao céo o que lá
não ha. (P. Ant. Vieira).
Quantos ministros reaes, e quantos officiaes de justiça, de
fazenda, de guerra vos parece que havião de ser mandados cÁ
para a extracção, segurança e remessa deste ouro e prata ?
(P. Ant. Vieira).
486 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

O a d v é rb io acolá é p e la sua vez m ero su p p le m e n tä r


d e LA ; m a s quando e n tra em c o rre la ç ã o é c o m m u m m e n te
C O m O A Q U I.

Ex. Se alguem visse desde um pôsto eminente todas as


mudanças que no mundo succedem em espaço de meia hora, que
admirado ficára de ver com que furia esta roda se revolve !
Veria a q u i prantos, a c o l á festas; a q u i banquetes, a c o l á
brigas; ... e s t e s edificão, a q u e l l ’o u t r o s destroem... (P. Man.
B ern ard es).

ONDE, AONDE, DONDE, ATE ONDE, PARA ONDE,


POR ONDE

580. O a d v é rb io o n d e , por im p lic a r a n a ly tic a m e n te a


p re jD o siç ã o em , s e r v e f> ara e n u n c ia r um a re la ç ã o ise n ta de
m o v im e n to .

Ex. O n d e se frequenta muito o jogo, cedo faltará o


comer. (P. Ant. Yieira). — {Cedo faltará o comer n o l u g a r
EM Q U E ...).

Quanto a seus congeneres, formados, quer por con-


tracção, quer por colligação, o seu uso fica regulado pela
prejiosição que lhes anda annexa.
Ex. Senhor, a o n d e i r e m o s , que vossa palavra, são pa­
lavras de vida! (João Franco Barreto).
D o n d e s a h i u tanta variedade, senão de vós, Senhor ? (P.
Man. Bernardes).
A té o n d e a l c a n ç a v a a vista, tudo estava alagado.
Homem néscio, não sabes p a r a o n d e v a i s , e o que levas ?
(P. Ant. Vieira).
Os rios que vêm de longe, sempre tomão a côr e o sabor
das terras p o r o n d e p a s s ã o . (P. Ant. Yieira).
M O vulgarissimo a d o n d e tem por defeito insa­
o ta .
nável o de reunir relações inconciliáveis ( a e d e ) , e por­
tanto torna-se tão inaceitável em theoria como desprezível
na pratica. •
581. Tanto ao advérbio o n d e como ao advérbio q u a n d o ,
em que o processo analytico encontra quasi sempre dous
termos associados por contracção, cabe o singular idiotismo
de fornecerem, como os pronomes de igual constituição, em
um dos mesmos termos, um sujeito ou um predicado, e no
outro, 0 complemento indirecto que os faz advérbios.
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE 487

Ex. O nde se vê a agua borbulhar da terra, eoNDE mais


serve. (Fr. Luiz de Souza). — (O l u g a r — e m q u e se vê a
agua borbulhar da terra, — É o l u g a r — e m q u e mais serve).
Q Beos disse estas 'palavras a Josué, foi q u a n d o
uando

elle estava com as armas vestidas para passar da banda dalém


do Jordão a conquistar a Terra de Promissâo. (P. Ant.
Vieira). — (A o c c a s i â o — e m q u e Beos disse estas palavras
a Josué, — FOI a o c c a s i â o — e m q u e elle estava...).
N ota. Não se confunda o advérbio t a m b e m corn o
comparativo adverbial t ã o b e m . Este ultimo póde se con­ \
verter no comparativo de superioridade m e l h o r . E x . Na
China, não ha cidade nem villa a que se não possa ir e vir
de qualquer outra t  o b e m por agua como por terra. (P. João
de Lucena). — (... m e l h o r agua do que por terra). —
T a m b e m não se presta a nenhuma semelhante substituição.
Ex. T a m b e m as pedras ynorrem. (P. Ant. Vieira). — (Não:
M e l h o r as pedras morrem).

CONJUNCÇOES

PORQUE — POR QUE

582. O que das publicações da actualidade se deixa


inferir, é que reina grande indecisão entre os escriptores
sobre quando se deve escrever p o r q u e o u p o r q u e . Parece,
portanto opportuno sujeitar o caso a uma regra especial,
embora já tenha sido ventilado nas considerações geraes da
syntaxe.
P orque é a d v é rb io ou c o n jim c ç ã o .

E x. P não achava a pomba onde descansar? P o r ­


o rq u e

q u e buscava o descanso onde o não havia. ( P . Ant. Vieira).


E é advérbio ou conjuneção quando a decomposição
analytica avoca, junto a q u e , um substantivo ou pronome
não expresso ( P o r q u e m o t i v o não achava a pomba... P e l o
m o t i v o q u e buscava...).

Ex. Sabeis p o r q u e vos querem 7iial vossos inimigos ? Or­


dinariamente é P O R Q U E vêm em vós algum bem que elles equi-
zerão ter, e lhes falta. (P. Ant. Vieira). — (^Sabeis p o r q u e
M O T I V O vos querem mal vossos inimigos ? Ordinariamente é p o r
i s s o Q U E vêm em vós algum bem...).
488 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

O Aliás tem esta distincção de p o r q u e em


bserv a çã o .
advérbio e conjiincção um alcance de intuitiva utilidade na
sua applicação a outras linguas, porquanto a traducção
cífectua-se por palavras bastante dessemelhantes.
Exemplo:
A D V E R B IO CO N JU N C Ç Ã O
P o rt . Poj'que...? porque...
L a t . Quare...? quia...
F r a n . Pourquoi...? parce que...
I n g l . With...? because...
A l l e m . Warum...f weil...
Russo Potchemu... ? potomú tchtó..

Em P O R Q U E , o segundo vocábulo é sempre adjectivo


indefinite, como apposição de um substantivo que lhe vem
mediata ou immediatamentc em seguida 5 ou é pronome re­
lativo, com referencia a um substantivo anterior; ou, emfim,
é pronome indefinite, com referencia a um pronome estável!
Ex. Caso ^notável é que, repartindo Jacob, na hora da
morte, a benção que tocava ou^ havia de tocar a cada um de
seus filhos, a do sceptro e corôa de Israel, a desse e collocasse
no quarto... Mas, p o r q u e r a z ã o . (P. Ant. Vieira). — {Mas
POR QUAES E QUANTAS R A Z Õ E S ?).

A R A Z Ã O P O R Q U E não achamos 0 descanso, é porque 0


buscamos onde não esta. (P. Ant. Vieira). — A. razão p e l a
Q U A L ...).

I s t o p o r q u e todos trabalhão, hei de ensinar hoje 0 modo


com que se possa alcançar sem trabalho. (P. Ant. Vieira).—
{Isto p e l o q u e . . . ) .
583. Aliás, assim como os clássicos usárão frequente­
mente da preposição p o r em vez de p a r a (V. § 578), assim
usárão elles não menos frequentemente da conjuneção p o r ­
q u e em lugar da locução conjunctiva p a r a q u e.

Ex. Socrates diz .* « Foqe dos aduladores como de ini­


migos, P O R Q U E te não succeda algum infortúnio dos que a
adulação traz sempre comsigo. (P. Ant. Vieira)._( . . . p a r a
Q U E te não succeda...').

Pois, que hão de fazer os reis f A questão era para mais


vagar. Mas, p o r q u e não fique indecisa, digo entretanto que
um só meio acho aos reis para salvarem ambos estes inconve­
nientes. (P. Ant. Vieira).— ( . . . Mas, p a r a q u e não fique
indecisa...).
584. Não se confunda a conjuncção porquanto com o
complemento indirecto por quanto. Aquella se resolve
sempre em visto como, visto que ou porque ; o segundo
admitte por accrescimo o indefinito tudo, ou se resolve, já
em adjective, já em pronome indefinito.
Ex. S. João, em pessoa sua, e de todos os verdadeiros
discípulos de Christo, diz assim: « Nisto conhecemos nós outros
que somos trasladados da morte espiritual á vida, porquanto
amamos os irmãos. » (1). Fr. Bartholomeo dos Martyres). —
(... VISTO COMO, VISTO QUE, PORQUE amamos os irmãos).
« Peço-te, POR QUANTO corntigo valho, que tomes em boa
parte o que âcerca deltas dizer-te quero. (Hist, de D. Manoel).
— {Peço-te, POR TUDO quanto corntigo valho...).
P o r quanto vendes isso'? — P o r quanto dinheiro ven­
deste tu a tua honra ?

585. N e m c o s t u m a s u b s ti t u i r - s e a sem q u a n d o e s ta
p r e p o s iç ã o , p o r v i r r e p e t i d a , t e r i a d e a n d a r p re c e d id a d a
c o n ju n c ç ã o E.
Ex. Vêdes aquelle entrar e sahir sem quietação nem
socego? (P. Ant. Vieira). — (... sem quietação e sem so-
cego).
Os outros ladrões furtão debaixo de seu risco ; estes, sem
temor nem perigo. (P. Ant. Vieira). — (... estes, sbm temor e
SEM perigo).

Da analyse syntaxica
586. Assim como a analyse lexicologica é a classifi­
cação das palavras pelas suas especies, assim é a analyse
syntaxica a classificação das mesmas ])alavras pelas suas
funcções.
Pela primeira declara-se apenas o que é a palavra ;
pela segunda declara-se o que ella faz no caso soore que
versa a indagação analytica. A nomenclatura desta ultima
reduz-se assim á consignação concisa, junto a cada palavra,
do termo syntaxico que ella constitue.
490 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Todavia, para eliminar das tabellas algumas raras com­


plicações que as afeiarião, sem que dalii proviesse grande
utilidade na determinação rigorosa dos termos, assentou-se:
l.° Que toda a preposição solta ficaria indicada como
RELAÇÃO, por ser esta a expressão predominante de sua de­
finição. Porém, para ao mesmo tempo obstar a que tal
expressão seja havida como indicação de um termo, convem
que apj)areça encerrada entre parenthesis. Quando a pro­
posição vai presa pela contracção a outra palavra, não se
menciona, visto ser sempre lembrada pelo termo de com­
plemento indirecto, de que necessariamente faz ella parte
integrante.
_2.° Que só se designaria pelo termo de ligação a
conjuneção, ou seu equivalente, a locução conjiinctiva. Nas
palavras de funeção complexa, o outro termo é o que devo
sempre prevalecer. E, se, além disso, vão até a tres os
termos comprehendidos numa só palavra, designa-se tão
sómente o que é mais ostensivel.
Ex. A QUEM não tem bens, ninguém lhe quer mal.
A decomposição an aly tica de quem adduz ahi nelle
tre s term os :
Ninguém lhe quer mal ãquelle — que não tem bens.
Pois, por áquelle é complemento indirecto; por que, li­
gação, e ao mesmo tempo sujeito do facto tem. Porém,
sendo destas tres funeçoes a de complemento indirecto a
mais ostensivel pela assistência da preposição ( a q u e m ...) ,
esta é também a que deve prevalecer na declaração ana­
lytica.
3.° ^Emfim as interjeições, quer próprias, quer impró­
prias, são designadas pelo nome da figura de syntaxe a
que pertencem (E xclamação).
Por este modo fica eliminada toda e qualquer causa de
confusão entre a analyse syntaxica e a lexicologica, e cada
um dos processos desvenda com precisão e rapidez o que
de cada palavra cumpre saber para ajuizar se o seu em­
prego está conforme ou não com as leis da Grammatica.
SEGUNDA PAUTE - SYNTAXE

ESPECIMEN
DE ANALYSE SY N T A X IC A

(V. o argumento da analyse lexicologica)

Salomão 1 Suj. destes App. contr.


0 App. dous App.
mais C. ind. impl. extremos., C. ind.
sabio App. quem Suj.
de (Kel.) não C. ind. impl.
todos App. imaginará Facto
os C. ind. que Lig.
que Suj. se C. dir
nascerão 1 Facto compara Facto
faz Facto 0 App.
uma App. dia Suj.
comparaçao C. dir. com (Eel.)
tão C. ind. inipl. a App.
superior App. noite, C. ind.
ao App. contracta a App.
nosso App. luz Suj.
juizo, C. ind. com (Rcl.)
que Lig. as App.
C. ind. impl. trevas, C. ind.

podia Facto a App.
C. dir. alegria Suj.
caber
App. contr. com (Rei.)
no
C. ind. a App.
seu.
Facto tristeza, C. ind.
Compara
App. a App.
0
C. dir. felicidade Suj.
dia
App. contr. com (Rei.)
da
a App.
morte 0. ind.
(Kel.) desgraça, C. ind.
com
C. ind. a App.
o
Apps contr. cousa Suj.
do
C. ind. mais C. ind. impl
nascimento ;
Lig. desejada App.
e.
App. contr. com (Rei.)
na
G. ind. a App.
differença

I
492 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

mais C. ind, que C. dir.


temida. App. tem Facto
e, Lig. o App.
com (Eel.) dia Suj.
a App. da App. contr.
mais C. ind. morte C. ind.
terrivel App. para (Rel.)
a App. ser C. ind.
mais C. ind. melhor Pred.
amavel ? App. que Lig.
Sendo, C. ind. 0 App.
porém, Lig. dia Suj.
tão C. ind. do App. contr.
prenhe Pred. nascimento ? C. ind.
de (Rel.) O App.
admiração C. ind. dia Suj.
a App. do App. contr.
proposta Suj. nascimento C. ind.
mais C. ind. não C. ind. impl.
digna Pred. e Facto
de (Rel.) 0 App.
espanto C. ind. mais C. ind. impl.
er Facto alegre, Pred.
a App. e Lig.
sentença. Suj. 0 Suj.
Resolve Facto da App. contr.
Salomão Suj. morte, C. ind.
que Lig. 0 App.
melhor Pred. mais C. ind. impl.
e Facto triste ? Pred.
0 App. O Suj.
dia Suj. do App. contr.
da App. coi nascimento C. ind.
morte C. ind. não C. ind. impl.
que Lig. e Facto
0 App. 0 Pred.
dia Suj. que Suj.
do App. cor ■povòa Facto
nascimento. C. ind. 0 App.
Lig. mundo; C. dir.
494 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Deos C. ind. quaes C. dir.


necessita Facto todos App.
de (Rel.) funesta. Facto
nascimento C. ind. consume Facto
a App. e Lig.
mesma App. acaba Facto
Trindade., Suj. 0 App.
porque, Lig. dia Suj.
sendo C. ind. absol. da App. contr.
só C. ind. impl. morte. C. ind.
a App. que App.
pessoa Suj. motivo C. dir.
do App. contr. teve Facto
Padre C. ind. 0 App.
innascivel, Pred. juizo Suj.
Deos, Suj. de (Eel.)
sem (Eel.) Salomão C. ind.
nascimento, C. ind. para (Eel.)
seria Facto antepor C. ind.
um. Pred. 0 App.
mas Lig. dia C. dir.
não C. ind. impl. da App. contr.
seria Facto morte C. ind.
trino. Pred. ao App. contr.
Pois, Lig. dia C. ind.
se Lig. do App. contr.
tantos Pred. nascimento ? C. ind.
são Facto Entendeu- Facto
os App. 0 C. dir.
bens Suj. melhor C. ind. impl.
e Lig. que Lig.
felicidades Suj. todos. Suj.
que C. dir. 0 App.
traz Facto maior App.
comsigo C. ind. interprete Suj.
0 App. das App. contr.
dia Suj. EserijHuras. C. ind.
do App. contr. E’ Facto
nascimento. C. ind. melhor. Pred.
os App. diz Facto
SEGUNDA PAKTE - SYNTAXE 495

S. Jeronymo, Suj. e Lig.


0 App. Dimas, C. ind.
dia Suj. se C. dir.
da App. contr. levantasse Facto
morte C. ind. figura Suj.
que Lig. certa App.
0 App. ao C. ind.
dia Suj. que Pred.
do App. contr. cada um Suj.
nascimento^ C. ind. havia ^\
porque.) Lig. de ■Facto
no App. contr. ser
dia C. ind. em (Eel.)
do App. contr. sua App.
nascimento. C. ind. vida. C. ind.
ninguém , Suj. a Suj.
pôde Facto do App. contr.
saber C. dir. primeiro C. ind.
0 C. dir. diria Facto
para (Eel.) que Lig.
que C. ind. havia
nasce, Facto de Facto
1
e Lig. ser
só, C. ind. impl. apostolo. Pred.
no App. contr. e Lig.
dia C. ind. a Suj.
da App. contr. do App. contr.
morte, C. ind. segundo. C. ind.
se C. dir. que Lig.
sahe Facto havia
0 App. de j-Facto
1
fim Suj. ser J
para (Eel.) ladrão; Pred.
que C. ind. e Lig.
nasceu. Facto assim C. ind. impl.
Se, Lig. forão Facto
no App. contr. na Ai>p. contr.
nascimento C. ind. vida. C. ind.
de (Eel.) Mas Lig.
Judas C. ind. 0 App.

Y.
406 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

verdadeiro App. e Lig.


juizo Suj. esse App.
do App. contr. dia Suj.
fim C. ind. declarou, Facto
para (Rel.) com (Rel.)
que C. ind. assombro C. ind.
cada um Suj. do App. contr.
déliés C. ind. mundo, C. ind.
nascera, Facto que Lig.
ainda C. ind. impl. Judas Suj.
estava Facto nascera Facto
incerto. Fred. para (Rel.)
Veiu Facto morrer C. ind.
finalmente C. ind. impl. enforcado Fred.
o App. como Lig.
dia Suj. ladrão, Fred.
da App. contr. e Lig.
morte, C. ind. Dimas, Suj.
que Suj. para (Rel.)
foi Facto confessar C. ind.
0 App. Lig.
mesmo Fred. pregar C. ind.
em (Rel.) a (Rel.)
que C. ind. Christo C. ind. impr.
ambos Suj. como Lig.
acabarão. Facto apostolo. Fred.

O bservação . P a r a q u e t a l e x e r c í c io dê to d o o f r iic to
d e q u e é s u s c e p tív e l, c u m p r e q u e a iu d ic a ç ã o d e c a d a
t e r m o s e ja v o c a l m e n t e j u s t i f i c a d a p e la d e m o n s tr a ç ã o , Uvsando-
se d o s e g u i n te , o u d e o u t r o e q u iv a le n t e t h e o r :

TAL PALAVRA

1. “ E’ FACTO porque é um verbo em um modo que


não é o infinitivo;
2. E SUJEITO porque é a p alav ra que rege a tal verbo
em num ero e pessoa;
3. ° E COMPLEMENTO DIRECTO porqiie inteira o sentido
de tal verbo sem preposição, quer expressa, quer occulta;
SEGUNDA PARTE - SYNTAXE 497

4. ® E’ COMPLEMENTO INDIRECTO pOT 861’ O rCgíme dc


ta l preposição (expressa ou occulta), — ou é compleynento in­
directo implicito p o r ser um advérbio, — ou é complemento
indirecto absoluto p o r não te r referencia a um term o es­
pecial da proposição, e sim á m esm a proposição tom ada no
seu complexo, — ou é complemento indirecto improprio porque
suppre a um complemento directo, o que se prova pela pos­
sibilidade de convertê-lo em sujeito do mesmo verbo apas-
sivado (... para ser C hristo por eile confessado eprégado...)]
5. ® E’ PREDICADO porque, andando em connexão com
um verbo de estado, concorda ou procura concordar com o
sujeito da proposição, a não ser que o sujeito falte por ser
o verbo im p esso al;
6. ® E’ APPOSiçÃo p o r concordar, ou appetecer a con­
cordância em genero e num ero com tal p a la v r a ;
7. ® E’ LIGAÇÃO por ser um a conjuneção ou locução
conjunctiva, ou ainda por ab ran g er em si, ostensivel ou
disfarçadam ente, que ou se .
498 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

íi"

%
A
fl

1 é:
ORTHOGRAPHIA

Considerações preliminares

587. Orthographia é a parte da Grammatica que trata


do modo mais adequado de escrever as palavras. Ella
versa, portanto, sobre as letras e signaes orthograi^hicos.
588. As letras são traços convencionaes que, já de per
SI mesmos, já por agrupamentos, rcpresentão os diversos !
sons articulados da íalla. As letras de que se usa em por-
tuguez são vinte e seis '■a b c d e f g h i j k l n i n o v a
rstuvwxyz. ^
589. Os signaes orthographicos são traços supplemcn-
tares destinados a subsidiar, a bem da elocução ou do
sentido, o que de per si mesmas não podem indicar as
letras. Eeduzem-se em portuguez a cinco : os accentos, o
TIL, A CEDILHA, A RISCA DE UNIÃO 6 O APOSTROPHO.
Alguns lhes accrescentão, á imitação do francez, a
DiEREsis; porém, não se verificando a sua necessidade, me­
lhor é eliminá-la.
590. Nas linguas que, como a portugueza, são imme-
diatamente derivadas do latim, a primeira e mais remota
rejiroducção graphica das palavras ficou naturalmentc su­
bordinada ao principio que só era nellas possivel de trans­
formação, 0 que o idioma novo phoneticamente alterava.
I ois, que motivo houvera para não se conservarem na sua
integridade syllabas soando tão identicamente na nova
como na antiga falia? E assim é que, por se escrever no
latim iioMO, MULiER, escreveu-se em portuguez homem ,
MULHER. Foi pelo mesmo motivo ainda, isto é, porque as
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 499

seguintes palavras de origem grega se eserevião em latim


PiiiLosopiius, ETiiiopicus, embora se pronunciassem riLo-
soFus, ETiopicus, quc passárão a esercver-se também em
portuguez piiilosopiio, ethiopico.
O systema orthographico da lingua portugueza apj)a-
rece assim na sua origem como baseado em uma transacção
entre duas tendências divergentes: a da tradição, quo pro­
cura resalvar a filiação das palavras pela manutenção do
elemento etymologico ; e a da phonicidade, que labuta, a
bem da leitura e da escripta, pela rcducção ao emprego das
letras ao que estrictamente requer a recta elocução.
Não deixa, a este pro2)Osito, de causar reparo que o
idioma mais dircctamente filiado ao latim, o italiano, re­
formando-se em uma epoca com2)aravelmente pouco remota,
rompesse de todo com a tradição, c adoptasse resolutamente
o systema puramente plionetico, escrevendo, por exemplo ;
homem uomo, mulher moglie, 2)hüosopho filosofo, ethiopico
ETIOPICO...
591. Ora, sendo a orthographia portugueza o resul­
tado de um compromisso tão latamcnte concebido na sua
formula primaria, não é de admirar que se prestasse na
applicação, como aliás succedcu com todos os mais idiomas
do igual procedência, a discordâncias summamentc arbitra­
rias sobre o que convinha deixar á etymologia, e o que se
lhe devia tirar. Os tempos correrão sem que, nem uma
epoca ou escola, nem uma corporação ou notabilidade littc-
raria conseguisse deter o movimento oscillatorio entre as
duas tendências oppostas, pela organisação de um padrão
orthographico definitivo; do sorte que, neste particular,
reina ainda hoje, em relação, não a centenas, c sim a mi­
lhares de palavras, a mais desanimadora anarchia. Pois, se
as variantes que a cada passo oceorrem, não envolvem pre-
cisamente um desmerecimento litterario, por ser incontes­
tável a supremacia que exerce o fundo sobre a forma, nem
por isso deixa de este senão amesquinhar a lingua, tirando-
lho os foros de madura, que a todos os mais titulos tem ;
desautorando-a aos olhos da infanda, que não sabe a que
se ater ; e cmfim abrindo largamente, a favor da igno­
rância, da desidia, da presumpção, neste primeiro de todos
os estudos, a porta dos pretextos, que é por onde passão
os abusos.
Entretanto não falta quem pretenda que disso mesmo
deve-se ufanar a lingua como de um prccalço invejável !
Com effeito.
Estas considerações levão involuntariamente o espirito
para uma eventualidade que não póde deixar de verificar-
500 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

se com íreqiiencia, quando sc attende ao numero de cr.sos


em que a lei prescreve, como condição a uma candidatura
ou simplesmente a um aceesso a cursos superiores, a exlii- n''
bição de provas de capacidade, entre as quaes não constituo r
naturalmente um dos menos essenciaes requisitos o de uma
boa ortbograpbia. Se os tres membros conspicuos da mesa
examinadora que tem de conhecer do caso, estejão por ven­
tura mais ou menos radicalmente divergindo um do outro
em matéria orthographica (e a supposição contraria seria fT!
provavelmente uma temeridade); se, por exemplo, o primeiro
quer que se escreva iium em vez de um, porque assim se
lê nos bilhetes do Thesouro, repartição competente em
bellas letras; se o segundo quer que se escreva catiiecismo
eni vez de catecismo, jiorque assim era intitulado, a des­
peito da etymologia, o livrinho em que aprendeu a dou­
trina christãa; se o terceiro quer que se escreva caza em
vez de casa, porque assim o têm nas suas lanternas os
botequins do bom gosto; se emfim o proprio examinando
allega, para escrever he em vez de É, que assim o queria
o seu mestre, luzeiro em dogmatica grammatical... em que
virá a redundar tudo isso? Em um retrocesso grotesco aos
tcmjios da Torre de Babel. Ora a questão não é de re­
troceder, e sim de passar avante, e de saliir da confusão.
592. Em virtude do principio por que se constituiu a
orthographia portugueza, ella assenta em duas bases bem
distinctas : uma para a parte immutavel das palavras, outra
para a sua parte mutável. A primeira tem a sua sede na
lexicographia; a segunda na grammatica. A linguagem
escrijita obedece assim a dous codigos, que tão impossivel
é reunir como inverter, porque cada um tira a sua razão
de ser de causas diversas.
As seis especies de palavras variaveis que registra a
lexicologia, apresentão á observação esta particularidade
bastante attendivel, de serem relativamente poucas as ter­
minações que caracterisão primordialmente cada especie.
Assim é que todos os verbos acabão em ar, er, ir, ôr ; e
que todos os participios, que delles se derivão, acabão
também, salvas poucas excepções, cm ado, ido, ido, osto.
E’ de notar mais que, mesmo nos particqnos que fazem
excejições, a desinência propriamente variavel é exacta-
mente a mesma como nos participios regularmente forma­
dos (o. A, os, As). Os substantivos, artigos, adjectivos e
lironomcs têm geralmente uns com os outros, não só grandes
analogias de terminação, senão também, na mór parte dos
casos, identidade de inflexões. A grammatica, portanto,
encontra já na lexicologia o natural ensejo do determinar
OllTHOGKAPHIA

quanto lhe competo cm orthographia. Apenas incumbc-lhc,


nesta terceira ])arte, a conveniência de expender os motivos
por que as fôrmas nclla adoptadas forão julgadas prefe-
riveis ás que lhe oppõcm outros tratados; pois que, neste
particular também, não poucas são as divergências.
Ora, onde finda a competência da grammatica, ahi co­
meça a da lexicographia. Colligindo uma por uma, sob
sua fôrma primordial, todas as palavras da lingua, c coor­
denando-as por ordem alphabetica, porque qualquer outro
systema de generalisação lhe fallece, o lexicographo de­
signa-lhes summariamente a especie e classe, de conformi­
dade com as funeções sjnitaxicas que são chamadas a
exercer, e trata de justificar, de um lado pela pronunciação,
c do outro pela ctymologia, a feição graphica que lhes as­
signa, para que todos lh’a aceitem como a unica legitima.
Completa elle a sua tarefa, indicando as variadas accepções
que por ventura cáibão ás palavras, assim como as diversas
preposições que cada accepção avoca, e emfim remata util­
mente a sua obra, se nella introduz os idiotismos consa­
grados pelo uso.
Donde vem, portanto, que, não faltando á lingua por-
tugueza, nem diccionarios, nem grammaticas, a sua ortho­
graphia esteja ainda em tal desamparo? Porque o que se
deve commetter, em proveito de todos, a uma unica von­
tade, nunca se resolve, quando fica entregue ao arbitrio
das individualidades.
Ila cerca de très séculos, andavão os Francezes des­
garrados a tal respeito nas mesmas, senão em peiores con­
dições. Foi a Academia Franceza incumbida de elaborar
um diccionario normal, que o governo adoptou; c em breve,
sob o influxo desta organisação definitiva, a que aliás ad-
herírão patrioticamente as mais altas intelligencias, veiu o
idioma daquclla nação a assumir a imponente preponde­
rância que exerceu e ainda exerce no mundo das idéas,
que é afinal donde dimana a civilisação.
Este ó um exemplo que, sem risco de comprometter-se,
podem seguir os povos de lingua portugueza ; tanto mais
que a experiencia que o sanccionou, não abre espaço a
outra combinação mais azada. Attribua a autoridade a
cujo regimen são confiados os interesses da instrucção pu­
blica, os foros de normal a algum dos diccionarios exis­
tentes; decrete que por elle sejão impressos todos os com­
pêndios admissiveis nos estabelecimentos escolares do primeiro
0 do segundo gráo, c em poucos annos cstabeleccr-se-ha
som sobresalto uma uniformidade urgentemente reclamada
pelo desenvolvimento dos estudos. Pois parece até ironico
que ,os aspirantes a uma academia, por exemplo, tenhão

A»/
de escrever com bastante correcção o latim, o francez e o
inglez, e estejão, em portuguez, ao beneficio da mesma to­
lerância que faz com que sáião tão exquisitas as partici­
pações officiaes dos subdelegados da roça « ão sr. Dr. xefe
de poliçia. »
Pois grammaticos lia que ensinão que, em virtude da
orthographia de uso, cada um escreve correctamente escre­
vendo como bem lhe apraz.
E, como, sem algum impulso, nada se fará, se a auto­
ridade acha que nenhum dos diccionarios existentes lhe
merece approvação, commetta a obra a quem lh’a possa
fazer ao sabor delia j pois nao deve ser esta uma empresa
que lhe dê cuidado, neste tempo que corre, á vista da
phalange sempre crescente dos benemeritos da instrucção
publica, que a solicitude dos governos recommenda, nos
íastos honorificos da nação, ao reconhecimento e admiração
dos povos. Tantos commendadores e barões! Cada qual
deve estar no caso de servir, e até para muito mais.

Signaes orthographicos

DOS ACCENTOS

593. Os acentos sao só dous em portuguez; o agudo


(^) e o ciRCUMFLEXo (>^). Um terceiro, o grave (>), addu-
zido por alguns grammaticos, á imitação do francez, torna-
se escusado, por ser sempre su^iprivel pelo circumflexo.
^ 594. O emprego dos accentos, bem como o dos mais
signaes orthographicos, é geralmente restricto aos únicos
casos cm que servem de meio de elucidação. Fóra dahi
devem ser eliminados como afeando a impressão, e diíRcul-
tando a escripta sem utilidade. Todavia, encontrando-se
um accento numa palavra da qual se formão outras por
augmento ou por incremento, é de regra que também
nestas permaneça o accento; assim em dispôr de pôr em
SOMENTE de só. Porém não é licito dar mais de um accento
a qualquer palavra.
595. O accento agudo tem idoneidade para se sobrepor
a todas as vogacs, com excepção do y, que nunca recebe
signal orthographico algum. O seu alcance de indicação é
tríplice, pois serve: l.°, já como signal prosodico: 2.°, já
como signal phonetico; 3.°, já como signal contractivo.
1. Como signal prosodico, o accento agudo tem de
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA

tornar saliento a syllaba tônica o u predominante do uma


palavra :
a) Quando, sendo menos usada do que outra que se
escreve com as mesmas letras, convem discriminar-lhes
assim a differença de sentido pela diíferença de pronun-
ciação. Por isso esereve-se publico^ varias... dos verbos 'pu­
blicar, variar, para obviar a uma confusão dos mesmos
vocábulos com os adjectivos publico, varias..., que mais fre­
quentemente oceorrem ; e éra com o sentido de epoca, para
discriminar este substantivo da forma era do verbo ser ; etc.
b) Quando, não sendo as mesmas palavras de uso muito
vulgar, a tônica vem nellas a rccaliir sobre a antepenúl­
tima syllaba: assim em cáfila, lépido, úmido, sôfrego, pú­
caro...
c) Quando, sendo as mesmas palavras substantivos ou
adjectivos, a tônica rccahe na vogal terminativa: assim em
p>á, cará;— pé, rapé; — qui, siri; — dò, cipó; — nú, lun­
du...
2. ® Como signal phonetico, o accento agudo discri­
mina, nas palavras susceptíveis da tônica, as cm que a
identidade de letras não corresponde a uma identidade de
pronuncia, caso que se verifica só com as vogaes e c o .
O accento agudo confere-lhes o som qualificado de aberto
que se nota em cré, lé; — cór, fóra..., por opposição ao
que, qualificado de fechado, se nota em crê, lê (dos verbos
crer e ler)\ — cór, fôra..., e se marca pelo accento circum-
flexo.
3. ® Como signal contractivo o accento agudo accusa
a fusão de duas vogaes iguaes em uma só, no feminino do
artigo definito e do pronome demonstrativo Á, Ás (por a a,
a as), c ainda todas as vezes que os vocábulos aquelle, a,
es, as e aquillo se achão sob a regência da preposição a
(áquellc, áquella, áquelles, áquellas, — áquillo).
E’ por motivo analogo que o mesmo accento se sobre­
põe, nos verbos regulares da segunda o da terceira conju­
gação, á vogal I quando, nas mesmas pessoas da primeira
conjugação, corresponde-lhe um diphthongo :
1.® C O N J . 2.® C O N J . 3.® C O N J .
Amais Punis (puniis).
Amei Rendí (rendii) Puní (pu7iii).
Amai Puní (punii).

Emfim, por outra especic de contracção, apenas fundada


no uso, o accento agudo recorda ainda a suppressão do i
em substantivos como idéa, assembléa..., que se escreverão.
504 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

0 ainda por alguns se escrevem ideia, assemhleia... Porém


a solução definitiva deste ultimo caso é da alçada da lexi-
cographia.
596. O accento circumflexo só se sobrepõe ás vogacs
E c o, ou como signal meramente phonetico, assim nue
acima se disse fere; U, — côr, fora), ou como sendo, além
disso, contractivo, caso que se verifica nos vocábulos da
terceira pessoa do plural dêm, Um, têm, vêm (dos verbos
dar, ler, ter, ver e vir), que, por inducção, terião de escrever-
se deem, leem, teem, veem.
597. Mas e mórmente na sua applicação ás conjuga­
ções que os accentos merecem particular attenção, pela
presteza e propriedade com que servem a diversificar
tempos ou pessoas que a identidade de terminações faria
frequentemente confundir (V. a tabella synoptica das in­
flexões dos verbos regulares).
Assim é que a ausência de accento nas terminações
amos, emos imos,
as denuncia como pertencentes ao primeiro tempo do in­
dicativo, ao passo que a assistência de um accento as col-
loca no terceiro:
amos emos imos.
Assim e igualmente que aos tres tempos de terminação
RA (o quinto do indicativo, o terceiro do condicional e o
tcrceii’0 do sujunctivo) adscreve-se um accento em todo o
sou desenvolvimento, para obstar a uma confusão dos
mesmos tempos com o sétimo do indicativo (futuro) o
qual, pela sua parte, accentua-se na segunda e terceira
pessoa do s in g u la r , por ahi r o c a h ir a t ô n ic a n a u lt im a
s y lla b a .
Emfim o accento que se nota nas seguintes pessoas do
verbo dar : das, dá, — déste, déstes, — dêsse, dêsses, — tolhe
a possibilidade de as confundir com os vocábulos das da
deste, destes, — desse desses, artigos, adjectivos ou ’pro­
nomes contractos. ^

DO TIL
598. A l e t r a n te m d u a s s o n o r id a d e s b e m d is t in c t a s
c o n fo r m e , n a m e s m a s y lla b a , v a i a n t e p o s t a ou p o s p o s t a a
u m a v o g a l ; n o p r im e ir o c a s o te m u m so m liq u id o Tn a -í «
N o s -sa ); n o s e g u n d o , u m n a s a l (AN -to, soN -sa). ’
Os latinos não parecem ter attribuido uma sonoridade
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 505

nasal senão as suas terminações am (nautam), em (labo­


rem), iM (sitiví) e UM (templim). Ao menos é quanto se
deixa deduzir de sua prosódia.
Fosso, porém, como fosse, tendo a sonoridade nasal
passado a affectar também em portugnez as syllabas termi­
nadas por N, os pristinos escriptores do idioma novo vierão
a topar em alguns casos com uma difficuldade que nenhum
dos signaes graphicos do latim se prestava a resolver.
Estes casos erão todos os cm que, a uma syllaba nasal,
succcdia immediatamente uma vogal. Tendo, por exemplo,
de escrever lãa e cão (cm latim lana, canis), tudo quanto
SC lhes oífcrccia na lingua originaria para reduzir estas
palavras á pronunciação portugueza, era lana e cano. Ora
é obvio que um tal conjuncto de letras, antes se prestava
a ser lido de conformidade com a pronunciação latina la-na,
ca-no, do que com a portugueza lan-a, can-o. (^uc havia,
portanto, a fazer? Supprimir nestas occurrencias o malfa­
dado N, mas recordá-lo de algum modo por amor da ety-
mologia. Foi o que se fez pela introducção do til (^ )
entre os signaes orthographicos.
O til é assim simplesmente um traço graphico desti­
nado a rememorar a eliminação de um n nasal collocado
entre duas vogaes, porém pertencendo, por isso mesmo
que é nasal, não á syllaba posterior, c sim á syllaba an­
terior (LAN-a, CAN-O).
Dahi decorre que o mesmo signal nunca deve andar
sobreposto á ultima vogal, c sim á anterior ( lã-«., cã-o) ;
que a suppressão da ultima vogal, que, por mal pensada
sovinaria, alguns se permittem quando oceorrem dous a
(lã, vã, christã), é de todo o ponto inconveniente, visto
que destróe o complexo de syllabas que motivou a adopção
do til; cmfim que, pela approximação fortuita das duas
vogaes, de duas syllabas formou-se uma só, caracterisada,
ou por um diphthongo (lãa, cães), ou por um triphthongo
(quão, peões).
599. Da mesma exposição deduz-se a verificação do
acerto com que o til intervem em tres pessoas do 1.®tempo
do indicativo, e em uma do imperativo do verbo pô r ; por­
quanto este verbo, derivado do latino ponere, tivera de
conservar, pelas inflexões naturaes de sua conjugação, o n
primitivo, porém tornado nasal em portugnez, nas pessoas:
tu pões, elle põe, elles põem, — põe (tu), — que, sem o til,
scrião necessariamente: tu pon-es, elle pon-e, dies pon-em,
— pon-e (tu).
600. Alguns, que escrevem sem accento, nos verbo
regulares, as terceiras pessoas do plural do 3.° e do 5.'’
ÍT

506 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

tempo do indicativo, do 3.“ do condicional, c do 3« do


subjunctive
(amarão, — renderão, — punirão),
vírão-sc levados, no intuito de discriminar estas formas da
que lhe corresponde no 7.« tempo do indicativo (futuro), a
transferir o til sobre a ultima vogal, para por este meio
abiir espaço a mtroducção de um accento sobre a vo^ml
anterior, e designar assim o futuro ^
(amaráõ, — renderáõ, — puniráõ).
Polém, além de ser contra os estylos das linguas mo­
dernas cumular dons signaes ortbograpbicos no mesmo
ponto ou syllaba como abi é o caso, pela atrapalhação
que, da adopçao lata deste principio, resultaria para a arte
typograpbica, parece mais azado collocar os accentos, como
signaes de distineção, sobre os passados, porque previnem
em tempo que abi se acha a tônica
(amárão, — rendêrão, — punirão),
e deixar a voz escorregar, no futuro, até á ultima syllaba
(amarão, — renderão, — punirão).
que por este modo obvia-se a uma duali­
dade de íormas que não deixa de apresentar alguns incon­
venientes 1 ois os mesmos que transpõem indevidamente
0 tii no luturo dos verbos regulares
(amaráõ, — renderáõ, — puniráõ),
deixão-no na posse patriarchal do lugar que Ibc compete
quando lhes oceorre um verbo irregular
(terão, haverão, — serão, — estarão, — dirão, —
farão, — porão, — trarão, etc.),
visto ser impossivel uma confusão destas formas com as
que os mesmos verbos ostentão nos passados
(tiverão, - houverão, - fôrão, - estiverão, - disserão, -
fizerão, — puzerão, — trouxerão, etc.).
Ora quem não está afeito ás lides do ensino, mal pódc
imaginar quantos embaraços a cada passo surgem de tacs
dcsconchavos, pela difficuldade com que chega um princi­
piante a comprebender, c, depois de ter comprebendido, a
se lernbrar que, por escrcver-sc amaráõ, não só não é ne­
cessário, como, até torna-se inconveniente escrever teráõ
haverao, seráò, estaráõ, etc, ’
601. Outros (e estes são talvez os mais numerosos),
110 mesmo intuito de discriminação, adoptão am para todas
as terminações verbacs não tônicas, e Ão para as tônicas,
donde resulta que escrevem
amam amavam, amaram;
rendiam, renderam,— rendam ;
puniam, puniram, — punam ;
mas, no futuro, do concordância comnosco,
amarão, renderão, punirão.
E, além disso, Aão, são, estão, dão, vão, etc.; não, porém,
liam, sam, estam, dam, vam, etc.
Este systcma, se bem qiie justificável por mais de um
lado, apresenta todavia menos uniformidade do que o esco­
lhido para servir de norma nesta obra, visto que carece
da interferência de duas fôrmas diíferentcs para a repre­
sentação de um só e mesmo som {am, ão), o que causa
alguma estranheza.
Debaldc se allcga que a diíferença de tonicidade sufii-
cientemente motiva a divergência. Sc o argumento proce­
desse, não deixaria de haver também opportunidadc de
applicá-lo aos substantivos em que a tônica não recalie
sobre a terminação Ão, o que faria com que, em vez de
órgão, órphão, sótão... se devesse escrever orgavi, orpham,
sotam...
DA CEDILHA
602. A cedilha (s) confere ao c, ante as vogacs a, o,
u, o som sibilante que lhe é proprio ante e , i ; assim cm
lança, lenço, doçura, ü seu emprego é de tal modo res-
tricto á subsequencia das tres mencionadas vogaes, que
escrever reçehi ou reçibo, como faz mais de um capitalista,
é incorrer em erro crasso.
A opportunidadc da adopção deste signal explica-se
pela preoccupação de que andavão possuidos os mais an­
tigos escriptores da lingiia, de resguardar o mais possivcl
o elemento etymologico, pela conservação, nos derivados,
das letras dos primitivos. Assim lança, e não lansa, por
ser lancea a mesma palavra cm latim. Assim lenço, e não
lenso, por provir de linteum (teia, tela), pronunciado, ])or
corrupção, linceum. Assim, cmfim, doçura; c não dosura ou
dossura, por ser formado de doce, procedente de dulcis,
dulce.
0 mesmo motivo militou para que, nos verbos appa-
508 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

rcntemcnte irregulares em oer como 'pertencer, o c fosso


conservado nas inflexões que em seguida lhe adduzem a
ou o : pertenço, pertença. Porém, nos verbos da mesma ca­
tegoria em ÇAR, como lançar, a cedilha tem do ser elimi­
nada quando, ao c, a inflexão adduz a vogal e ; lancei, eu
lance, visto como formaria excrescencia desenxabida.

DA PJSCA DE UNIÃO

603. A risca de união (-), ou é signal dejuneção, ou


é signal do adhesão.
604. E’ signal do juneção quando, no fim de uma
linha, marca o córte accidental de uma palavra por defi­
ciência de espaço. Em tal caso, como é obvio, cumpre res­
guardar a integridade das syllabas, abstendo-se de parti-las.
E, oceorrendo uma duvida, convem consultar um dicciona-
rio ; pois a questão é propriamente de lexicographia, pela
impossibilidade de sj^stemar praticamente as diíferentes hy­
potheses que lho dizem respeito.
605. E’ signal do adhesão quando, por interposição
entre palavras, as denuncia como indivisíveis em sentido,
ou inseparáveis em pronunciação. Doiis são os casos em
que o allegado se verifica:
1. ° Entro os vocábulos que, não sendo nomes proprios
pertencentes á lingua vornacula, formão por conchego uma
expressão de um sentido só; assim; arco-iris, capellão-mór,
vice-almirante, luso-hrazileiro, semi-barharo, recem-chegado, ante-
hontem...
2. ° Entre um verbo e os pronomes possoaes
3IE, TE, SE,
NOS, VOS, SE, *
O, A, OS, AS,
LHE, LHES,
c entre os mesmos pronomes seguidamente enunciados,
quando succedem a um verbo, ou nellc vêm interpolados’
ou emfim quando ficão transformados por uma ou outra
das duas figuras de dicção chamadas anüthese c próthese,
de que mais adiante se trata.
Ex. D izei-me, voadores: não vos fezDeos para peixes?
Pois, porque vos metteis a ser aves? (P. Ant. Vieira).
D ir-me-heis que vos deu Deos maiores barbatanas que
aos outros de vosso tamanho. (P. Ant. Vieira).
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 509

Mas, porque quiz o voador ser borboleta das ondas,


v i E R Ã o - S E - L H E a queimai' as aza^i. (P. Ant. Vieira).

Morreu algum homem : vereis logo tantos sobre o miserável


a DESPEDAÇÁ-LO 6 COMÊ-LO ! CoMEM-NO OS hei'deirOS ; COMEN-
NO os testamenteiros; comem -no os legatários; comem -nos os
acredores... (P. Ant. Vieira).
Buscais mil traças e invenções para ajuntar o alheio ao
vosso, e essas são as que, em lugar de vo -lo accrescentar,
vo -lo roem e vo -lo desbaratão. (P. Ant. Vieira).
A roça, iia v iã o -vo -la de embargar para os mantimentos
das minas; a casa iia v iã o -v o -la de tomar de aposentadoria
para os officiaes das minas. (P. Ant. 'Vieira).

DO APOSTKOPIIO

606. O apostrophe ( ’) marca o lugar onde uma ou


mais letras vêm a ser accidcntalmente supprimidas i^Diga-
m ’o), porém não substituídas como na antíthcse (X>i^a.-N0-L0).
E’ assim um signal de contracção, mas de uma contracção
que menos habitualmente occorre do que as que transíbr-
mão os artigos ( do , d a , dos, d a s ...) , alguns adjectivos
determinativos ( d e s t e , d esta , d estes , d e st a s ...) alguns
pronomes ( d e l l e , d e l l a , d e l l e s , d e l l a s ...), e emíim alguns
advérbios ( donde , d a l l i ...) , e por isso pede ser formal­
mente indicada.
607. As contracções passiveis do apostrophe são, umas,
co m m u ns ; outras, e s p e c ia e s .

608. As communs são tão proprias dos escriptos dos


prosadores como dos dos poetas. Reduzem-se, na realidade,
a um numero limitadíssimo de casos, porquanto apenas in-
teressão: l.°, aos très demonstrativos esfoutro, essoutro,
aquelVoutro; 2.°, aos pronomes pessoaes me, te, lhe, lhes,
quando colligados com o pronome igualmente pessoal — o ;
emfim ao adverbio composto outr ora.
Ex ‘ Comparemos agora esta doutrina com ess outras
razões; ponhamo-la com ellas em balança. (Fr. Luiz do
Souza).
Vossa Paternidade, que foi o meio de se me lançar esta
Braga, que não trago só nos pés, como a trazem os captivos,
mas também sobre o pescoço e coração, pode, com m a fazer
tirar, juntamente atalhar meus erros, e usar commigo de grande
misericórdia. (Fr. Luiz de Souza).— (... com fazer
tirar...).
510 nova g r a m m a t ic a a n a l y t ic a

O cego, tendo juntos uns quinhentos cruzados, os enterrou


porque l h ' o s não furtassem. ( P . Man. Bernarfes). - 1 ( 1 “’
que niE-os nao furtasseni). ^
aos homens, para encarecer a
escandalo, mostrou-i^ïPo nos peixes. (P. Ant.
V eiia). (... mosírow-LiiEs-o nos peixes^
609. As eontracções especiaes são, além de faenita
tiras, unicamente proprias dos escriptos em versos onde'
gozao, com mais algumas irregularidades toleradas’ Mste
sistem na climmaçao dc uma ou mais letrjxs, não só no
inicio ou no fim, como mesmo no corpo das palavras para
rcduzn^ em um verso, o numero das syllabas ao que^do­
tei minao as regras da metrificação. ^
Exem]Dlo :
ü homem co’a invenção supera o b ru to ;
ü im pulso das paixões co’a razão doma :
A m o r o faz hum ano ; a h o n ra, probo ;
O rna-lhe a mente o ’studo.

M as, no o lvid o dos séculos, a morto


T u d o some, se vós, porção do E te rn o ,
Vós, que ao E te rn o sem elhais o hom em ,
N ão lhe endeosais o 'spW ito.
(Borges do Barros).

Ob^ rvação. o habito bastante diffundido de contrahir


por meio do apostropho, não no verso, onde se entende
que podería ser licito, mas em prosa, a preposição de com
>7"^^ Pi’incipiando por vogal (V o m Í d’A quino

nsinuou-sc na língua provavelmente á imitação do francez


mas de um modo tao desazado, que nada se pode collio-i(
do intento com que um mesmo escriptor adoptou em itm
dei^iezoT vT °f-o idêntico a
n ^ fiancez, tal uso se justifica por decorrer
dc um principio de applicação determinada ; em portuo-uez
I Z Z g o n e ih ir r ^ S

S & A t n ’Por te ' “’ ™ntagem de,escrever


Æ a th ia s B E ç A ( e m vez de E ça) enunciou um a m axim a
le'a J^azemos vaidade d ’errar com subti-
pôi ’venf 7 n T rusticamente. Lucraria muito,
1 ventiua, a língua, que se escrevesse, por exemplo: Eu

J
souhe d’um que lá estava, que, d’onze que erão, não menos
d ’oito perecêrão, poi' falta d ’ir alguém a seu soccorro?
Sc, portanto, tal emprego do apostropho não póde ser
deduzido, nem de uma regra, nem mesmo de uma excepção
clara e implicitamente formulada, melhor ó abstrahir intei­
ramente deste signal nestes e em semelluintes casos, c
escrever, por exemplo: Thomaz de A quino , de A lbu ­
querque ; — Conselho de E stado, deposito de armas , etc. ;
tanto mais que, eliminando-se assim uma causa escusada
de erros, ficão melhoradas as condições da impressão,
afeiada pelo frequente apparecimento do apostropho.

Das letras
Ão
610. A voz Ão é exclusivamente terminal de uma pa­
lavra: tão, quão, vão, mão, irmão, christão... Passando, por
algum augmento, a entrar no corpo da palavra, cila se
converte em an ; assim em : íanío, qux^to, vx^gloria, ?ran-
communar-se, irmx^mente, christAmlade...
Logo não SC percebe porque, derogando a ura princi­
pio assim generalisado, a mór parte dos publicistas con-
servão a voz Ão ou ãa quando internada na palavra por
um augmento de diminutivo, escrevendo, por exemplo,
irmãozinho, irmãazinha, cm vez de sujeitá-la, por amor da
conformidade, á regra geral: irmanzinho , irm anziniia .
611. Esta conversão de Ão em an deu, porém, azo a
uma tão diífundida c enraizada equivocação grammatical,
que, não obstante redundar abertamente cm erro pela dis­
sertação, mal é de esperar vê-la dcsapparccer. Ella diz
unicamente respeito aos dous adjcctivos grande e santo,
aos quaes o uso retraho a ultima syllaba (^de e to') cm um
certo numero de idiotismos ((r. iTurco, G. Bi etanha , S.
Sepulcro, S. Fetersburgo).
Ora verifica-se pelo estudo das linguas um principio
aliás natural, e é que, tirando-se accidentalmente a um vo­
cábulo variavel a sua terminação, como ahi é o caso, o
vocábulo assim mutilado fica totalmente incapaz de yaiia-
bilidadc, porque a syllaba cm qne elhí se podia manifestar,
já não existe. Portanto invariáveis sao os vocábulos acima
representados pelas maiusculas (r. c S.
Mas, tratando-se de escrevê-los cxplicitamentc, o que
parece ter gcralmentc prevalecido, foy a idéa que, assim
como Ão ou ÃA, internando-se, passavão a ser a n , assim
512 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

tambem o mesmo a n , vindo occasionalmente a extcrnar-se


como terminação, devia passar a ser Ão ou ãa {Grão
Turco, ^ Grãa Bretanha; — São Sepulcro, Sãa Tetershurgó).
lois nisso é que está o desacerto. Porquanto, da lei que
prescreve imperiosamente a invariabilidade ao vocábulo en­
curtado, e da terminação que se lhe attribue, terminação
essencial e necessariamente variavel em genero e numero
{ão, ãa, ãos, ãas^, resulta uma anomalia que, j d o u c o sen­
sível no singular, relucta decididamente a uma solução
qualquer no plural. Com eífeito, ao passo que a pronun-
ciação requer que se diga, por exemplo: gran du([ues, gran
duquezas, a variabilidade exige que se escreva grãos duques
grãas duquezas. Ora isso é inconciliável.
uiiica solução racional desta difficuldade, solução
alias indicada pelo que se pratica em outras linguas, e no­
tavelmente no francez {des grand' mères, des grand' messes...')
consiste em deixar inalterada a primeira syllaba dos vocá­
bulos encurtados, e em representar pelo apostropho a ter­
minação eliminada ( G r a n ’ P a r á , S a n ’ P a u l o ; — g r a n ’
MESTRES, SAN’ BENITOS ; — G r AN’ T u RCO, G r AN’ B r e TANHA •
— S a n ’ S e p u l c r o , S a n ’ P e t e r s b u r g o ). ’
I Ex. Esse foi 0 pensamento profundo do g r a n ’ p r í n c i p e
da Igreja, S a n ’ P e d r o , o qual chamou ao fim do mundo des­
união do universo. (P. Ant. Vieira).
H
^ 612. O s Gregos, de cuja lingua os Latinos tanto to-
marao por empréstimo, parecem ter usado de duas aspi­
rações gutturaes: uma fraca, que assignalavão por uma
especie de accento chamado espirito; e outra forte que
rcpresentavão por uma letra (X, pron. Khi). A primeira,
08 Latinos a figurárão pelo ii, sem todavia lhe darení
talvez mais sonoridade do que ella tem hoje cm portuguez
na ^palavra h i p p o d r o m o , por exemjilo. A segunda, afigu-
rárão-na jDor cii, que jironunciavão talvez tambem sem as-
piraçao, como é igualmente o caso hoje em portuguez na
jialavra c h r i s t à o {cristãof c h e r u b i m {querubimf
O H é, portanto, por origem, uma consoante, pois que
creou-se para representar uma articulação. Eepugnando
poiem, tal aiticulaçao a indole phonetica do portuguez, o
idioma novo^ a adoptou, a principio, simplesmente por amor
da etymologia; mas, com o andar dos tempos, tirou-se pro­
veito de sua nenhuma serventia articular, para delia fazer
uma letra auxiliar.
Ella veiu, por etymologia, do latim, por exemplo, em
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 513

hálito, heroe, hirsuto, horta, humor, hynino. Dalli procede ella


igualmentc, mas já combinada com outras consoantes para
representar sons proprios do grego : Chersoneso ( Querso-
neso), chimera (quimera); — phalange, physica ; — rhetorica,
rhythmo; — theologia, thesouro...
Porém tornou-se letra auxiliar para afigurar as articu­
lações desconhecidas dos Latinos, que se notão em chave,
lhano, nhandú ; como também para, por interposição entro
vogaes, obviar a que formem diphthongo ; cahe, cahir, sa-
hida, bahia, lemhrar-me-hei, desculpar-te-hias, tê-lo-hião dito....
Em épocas recentes, os geographos lançárão mão delia
para reproduzir, com a mais approximada exactidão aspi­
rações rudes do linguas estrangeiras: //ra'6?scám (Bohemia),
Khá7'kof (Eussia), Afghanistan (região ao sul da Persia),
Bhotán (índia), Dhawalghiri (Thibeto)...
O bservação. E’ bom notar de passagem que, em
alguns nomes geographicos modernos onde se encontra ph,
fôra conveniente disgregar as duas consoantes pelo apos-
tropho, para por este meio obstar a que viessem a se pro­
nunciar como F, sendo que nelles, em realidade, o p c o ii
soão separadamente: Knipliausen (Allemanha), Top’hané
(Constantinopla), Niplion (Japão)...
K
613. O K, ao qual os Gregos chamavão kappa, não
fez propriamente parto do alphabeto latino, porquanto
apenas se encontra nessa lingua cm très ou quatro pala­
vras de extracção grega, como kalendas... Era nellc sub­
stituído pelo c ante a, o, u, como em carne, corpo, cunha,
e por QU, que se pronunciava QV, ante e , i , como em
questor, quinto. Por esta razão não existe o k em nenhuma
palavra genuinamente portugueza.
614. TendO; porém, sido adoptada esta mesma letra
nos alphabetos dos povos de raça, quer germanica, quer
eslavonica, forçoso foi dar-lhe também ingresso no alpha­
beto portuguez, pela conveniência de reproduzir sem es­
torvo os nomes imoprios provenientes daquellas linguas,
como Kœnigsberg, Kief; — Kepler, Karamzin...
Pesta judiciosa tolerância aproveitou-se a sciencia mo­
derna para, nas diversas nomenclaturas que extrahiu quasi
exclusivamente do grego, usar do k todas as vezes que o
vocábulo derivado encontra o kappa no primitivo, e o não
póde representar por c nem por QU ; assim em kilogramma,
ankylosé, kysto...
514 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

M, N
615. ^ Nas syllabas finacs de sonoridade nasal, m sóe
constituir a letra terminativa das palavras que não acabão
em ÃA, Ãi, Ão (rüa, mãi^ não\ como é o caso em hem, fim,
bom, jejum, — rendem, punem...
Excej)tuão-se apenas algumas palavras que vierão quasi
litteralmente transcriptas de outras linguas, como afan,
colon, especimen, galan, gluten, hymen, hyphen, iman, joven,
lichen... as quaes aliás se acbao registradas sob esta forma
nos diccionarios.
616. IÍO corpo das palavras, as syllabas nasaes sóem
escrever-se com n, assim em anterior, enlouquecer, incorrer,
ondulação, unguento..., a não ser que o n venha a topar
II
com B, M ou p, caso em que troca-se por m, como em am-
har, emmurchecer, império, hombrear, umbraes...
O bservação . Como não é raro encontrar nomes pró­
prios de linguas estrangeiras em que, a b , m ou p , vai
anteposto n , não se deve pensar que isso tenha sempre
succedido por erro ou por descuido; porque, em muitas
linguas, e mórmeute em allemão, por motivos que não vem
ao caso expender, a troca do n por m ante as referidas
letras, longe de ser um requisito orthographico, constituiria
um_ erro tanto mais crasso, que a syllaba alli não é nasal:
assim em Oldenhurgo, Lauenhurgo, Orenhurgo, Oedenhurgo,
Oranienhaum... Gutenberg (pron. Gufnberg).
617. Porém o m fica inconvertivel em n, seja qual
fôr a letra que se Ibe segue, nas palavras formadas dos
augmentos além , aquém , bem , circum, com, decem , duum ,
SEM, TRIUM, como aUmtejano, aquémtejano, hemdizer, circum-
stancia, comtudo, decemvir, duumvir, semsabor, triumvirate...
Porta-se do mesmo modo o augmento em nas conjuneções
ernfim e emquanto.
Q
618. Merece algum reparo que o q só appareça des­
acompanhado de u em nomes proprios transcriptos das
linguas falladas na Arabia e Barbaria, ou antes Bereberia,
como Barqah, Qous, Qoceyr...
S
619. A consoante s, cuja sonoridade é propriamente a
que deixa perceber quando inicia ou term ina uma palavra
(SIMPLES), ou ainda quando, dentro da palavra, acha-se in­
terposta entre uma consoante e uma vogal ( ganso, cysne),
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 515

tro ca esta sonoridade pela de z en tre diias vogaes (uso), a


não ser que ap])areça redobrada ( missa).
620. Sendo, porém, s a letra inicial de uma palavra,
como em sim, som, sol, su^pór, seguir, salvar, sahir, syllaha...,
não se lhe troca a sua sonoridade genuina pela de — z —
quando, por accrescimo de um augmento, acha-se casual­
mente interposta entre duas vogaes: assim em outrosim,
unisono, gyrasol, presuppôr, proseguir, resalvar, sobresahir, po-
lyssyUabo...
V, W
621. Por usarem os Gregos do uma só e unica letra
(béta 011 véta) para representar as duas articulações que os
Latinos afigurárão por n o v, licito era aos primeiros dizer,
como o é ainda aos Transmontanos e Minhotos de hoje:
Olha lá, V ento, que na benda do V ernardo vEVE-se tão
v o M BiNHO BERDE de BiANNA, e üssão-se castanhas tão sa-
VOROSAS, que é mesmo de reventar . Porém, nem Gregos,
nem Eomanos conhecerão o w; o que faz com que, não se
encontrando também a mesma letra em nenhuma palavra
portugueza, apresento-se como mera hospeda no alphabeto,
isto é, simplesmente para conservar aos vocahulos inglezes
ou allemães que têm de ser transcriptos em portuguez, a
sua catadura original; pois que delia, nem uma, nem outra
das mesmas linguas póde prescindir.
Com eífeito, o w é o que sôa v em allemão: Waldeck,
Wor?ns (pron. Valdec, Vorms)] ao passo que o v sôa alli
exactamente como r: Vorarlberg, Verdenberg (pron. Forar-
Iberg, Ferd'nberg).
Quanto ao w inglez, ellc costuma soar como u, for­
mando diphthongo com a vogal ju n ta : Wells, Windsor
(pron. Uells, Uinds'r").
X
622. Não ha nenhuma letra em portuguez de pronun-
ciação mais indeterminada que o x; porquanto sôa como
CH em xadrez, como ks em nexo, como ç em defluxo, cmfim
como z em exigir. Portanto só á lexicographia é que com­
pete regular-lhe o uso, o determinar-lhe a pronunciação.
Y
623. Os Gregos escrevião o i como a mesma vogal se
escreve em portuguez, menos o pontinho com que o rema-
tárão os Latinos, provavelmente para determinar-lhe uma
feição graphica menos sujeita a ser confundida, naescripta
516 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

cursiva, com o c O ypsilon, porém , escrevia-so em í^reo-o


^ ai-i*edondado; m as nào é de crer que alli tivesíe
como e boje o caso nos idiom as derivados do latim , um a
sonoridade idêntica a do i: um povo tão atilado, tão p ra ­
tico como o grego não podia cah ir em ta l absurdo^ de
repi-esentar p o r um a dualidade de letras um só e mesmo
som. O que a observação induz a suppôr, é que o y se
pronunciava em grego como se pronuncia em francez o u.
vonnlplln«^® L atinos, passando a tran sp o r p a ra a sua lingiia
vocábulos gregos onde se encontrava o ypsilon, derão-lbe
“ emissão vocal
desta le tia tao avessa como o e a um portugiiez a do u
eonferirao-lbe a sonoridade mais parecida, que é a
aindn — tipo, nimplia), absolutam ente como
l e r e m principiantes de francez ao
vi ein lis-
cri pii d n / (Ja se tem visto um gaiato mais jocoso?)
A perm anência do y na lingua portim ueza é assim nm
m ero p ro testo de deferencia pelo elem efto e t y l "
P e n a e som ente ve-lo tao frequentem ente em pregado ou
substituído sem nenbiim critério, quando b a s ta n a ^ apenas
diccionario acreditado p a ra se exim ir da
1 la de ir barbarisando mais e m ais a ortbograpbia. Pois
escreve-se e/ypse, sophysma, hypodromo... o que L iela etv
mologia, deve ser escripto ellipse , sophisma , \ ippodromo ^
Q apocnpho, emphiteuta o que, pelo mesmo principio, deve
ser escripto apocrypho , emphytéuta ... ^ ^
624. Sendo assim o ypsilon, nas p alavras derivadas
one^o^fn’ plioneticam ente desnecessária, succedeu
tivnmonfp^^^^^T suggerisse, em tem pos rela-
t n am ente m odernos, a idea de adoptá-la, com um valor
pbonctico proprio, a expressão de creação recente m as
em referencia algum a a um prim itivo grego. Peii-se-lbe
neste caso, o oíbcio do rep rese n tar um i sensivelm ente p ro ­
longado, ou ate dobrado, como em Niterói/, Paraauav Gmiaz
Guyana, Yayn (H aiti), Yi (rio do Vvugníy) ^ ^ ’
Z
^ consoante z não é isen ta da incerteza que
M c i i l t a o em prego de algum as o u tras letras. P o rq u an to
em bora dotada, no inicio e no fim das palavras, de um a
aiticu laçao exc usivam ente sua {zangão, nariz), ou ainda
quando in tercalad a en tre um a consoante e \ i m a voanl!
£ d " e ^ de c s en tre duas vogaes, perfeita iden­
tidade de som. Ho sorte que, em falta de babito só o
lecurso a um diccionario póde h ab ilita r a escrever cor­
rectam ente, p o r exemplo, azo e uso.
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 517

Das maiusculas
626. O emprego da maiuscula no inicio de uma pa­
lavra fornece um accrescimo de indicações que não pouco
concorre á dilucidação dos pensamentos. Usa-sc delia:
1. ° íío principio de toda c qualquer oração.
Ex. Quereis saber o que é uma alma 9 Olhai para um
corpo sem alma. S e aquelle corpo era de um sac^o, onde estão
as sciencias? FoRÃo-se com a alma, porque erào suas. (P. J
Ant. Vieira).
2. ° Em todos os nomes proprios, quer simples, quer
compostos (V. § 114).
Ex. A primeira 7naravilha forão as pyramides do E gypto;
a segunda, os muros de B abylonia ; a terceira, a torre de
PiiARo; a quarta, o colosso de R hodes; a quinta, o mausolêo
de Caria ; a sexta, o templo de D iana E phesina ; a sétima,
0 swmlacro de J upiter O lympico. (P. Ant. Vieira).
O bservações. JSTos nomes proprios compostos, a maius­
cula só cabo aos substantivos e adjectivos que os constituem
{Diana Ephesina, — Jupiter Olympico'), não, porém, aos ar­
tigos ou preposições que por acaso lhes andem de permeio.
Ex. S án ’ S ebastião do Rio de J aneiro. — S an ’ S alvador
da B ahia de T odos o s S antos.
Em alguns casos de denominações gcographicas, sendo
a paragem designada juntamente por um nome commiim e
por um adjectivo (o mar Báltico, o mar Adriático, o mar
Negro), só ao adjectivo é que se dá o distinctive da maius­
cula, por ser ellc o vocábulo característico. Ex. Navegava
Alexandre em uma podet'osa armada pelo mar E rytiirêo
(hoje mar de Oman) a conquistar a índia. (P. Ant. Vieira).
Fóra destes casos, a maiuscula não compete aos adje­
ctivos, ainda que derivados de um nome proprio de região,
estado, cidade ou outra semelhante localidade geographica,
porque, deixando de parcial ou integralmente constituir um
nome proprio, confundem-se com os mais qualificativos.
Escreva-se, portanto, o continente americano, o não Ame­
ricano ; — a nação portugueza, e não Portugueza; — o solo
BRAziLEiRO, 0 não Brazileij'0; — o assucar pernambucano, e
não Pernambucano...
Ex. Para que, rieste particular, diga o que entendo, de­
pois de larga lição que tive de muitos historiadores latinos,
GREGOS, ITALIANOS, IIESPANHOES 6 PORTUGUEZES, 110 fim llie
vim a resolver que aquelles melhor compuzerão, que, com a fe­
licidade da boa materia, tiverão a dita do bom estylo, escre-
518 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

vendo de viãncirã juntüVfieiite deleitãsseni e ensinãssem.


(P. Balthazar Telles).
Aos substantivos proprios devem ser assemelhados os
que, indicando em geographia os pontos cardeaes, vêm a
designar occasionalmente latas regiões contincntacs.
Ex. Aqui se eclipsou a gloria lusitana; aqui fenecerão
os triumphos, as victorias, os iropheos do Oriente e do Occi-
DENTE. (Luiz Torres de Lima). — (E^ão : . . . do oriente e do
oceidente).
I ‘ -,1 Ta.mbem tomão a maiuscula, a titulo de nomes pro­
prios, os substantivos geralmcnte compostos que designão
em especial uma associação religiosa, politica, litteraria,
mercantil, industrial, ou outras que tacs, como a Ordem de
S. João de Jerusalem, — a Jjiga Uanseatica, — a Academia
das Sciencias, — a Companhia das índias Orientaes...
3.® ^Nos substantivos que, embora communs, designão,
sob a fórnici pluralj a totalidade de uma nação, povo ou
tribu.
Ex. O grande império que os P ortuguezes fundárão na
índia, não acabou de repente como a monarchia dos B abylo-
Nios, em uma noite em que Cyro venceu a Balthazar; nem
como^ a dos P ersas, em um dia em que Alexandre venceu a
Bario, mas como a dos Gregos e R omanos, que, pouco a
pouco e por partes, forão perdendo o que tinhão qanhado. (P.
Ant. Vieira). ^
Conta Tito Livio de um principe dos P iezenigos, cha­
mado Cures, c{ue, cquerendo-lhe tomar suas terras Sudtisláo
príncipe dos R uthenos, elle o houve ás mãos em uma embos­
cada. (P. Ant. Vieira).
Na grande boca do rio Amazonas está atravessada uma
ilha de maior comprimento e largueza que todo o reino de
Portugal, e habitada de muitas nações de Í ndios, que por
serem de linguas diferentes e difficultosas, são chamados qe-
ralmente N heengaibas. (P. Ant. Vieira).
Deixando, porém, os mesmos substantivos de ser en­
carados pelo lado da generalidade, desapparcce também a
conveniência da maiuscula.
Ex. Usa esta gente de canoas ligeiras e bem armadas
com as quaes,^ não só impedião e infestavão as estradas que
nessa terra, são todas por agua, em que roubárão e matarão
muitos portuguezes, mas chegavão a assaltar os índios chris-
tãos em suas aldeias. (P. Ant. Vieira).
4.® Nas palavras constituindo o titulo de um livro
folheto, periodico ou capitulo. ’
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 519

Ex. O ‘primeiro apologo rpie se escreveu no mundo, foi


aquelle que refere a S agrada E scriptu ra no capitulo nono
dos J u iz e s . (P. Ant. Vieira).
Obedecendo á ordem de V. A., li com particular aitenção
esta terceira parte da H isto ria de S. D omingos . (P. Ant.
Vieira).
El rei B. Duarte escreveu outro tratado, dirigido ã rainha
sua mulher, cwjo üYmZo e m L eal C o n se l h e ir o . (Duarte Hiines
de Leão).
5. ® Na primeira palavra de todo e qualquer paragra­
phe, ainda que o anterior não acabo pelo ponto final.
Ex. As obras espirituaes de misericórdia são estas :
D a r bom conselho;
E n sin a r os ignorantes;
C a stig a r os que errão ;
C onsolar os tristes;
P erdoar as injurias;
SoFFRER com paciência as fraquezas do proximo ;
R ogar a Deos pelos vivos e pelos mortos.
(Catecismo).
6. ® Na primeira palavra de cada verso.
Exemplo :
Horas breves do meu contentamento,
Nunca me pareceu, quando vos tinha,
Qiie vos visse mudadas tão azinha
E'm tão compridos dias de tormento.
(0 in fan te D. Luiz).

7. ® Na primeira palavra de toda a citaçao textual,


ainda que só precedida de dous pontos.
E x . S. João nos admoesta dizendo : « I rmãos , não ame­
mos de palavras e de mostras, senão com verdadeiro coração
e obras. » (Fr. D. Bartholomeo dos Martyres).
8. ® Nas palavras de tratamento, de dignidade ou offi­
cio, quando dirigidas a quem competem.
E x . Faça-se V ossa A lteza amar, e nesta só palavra
digo a V ossa A lteza mais do que pudera em largos discursos.
(P. Ant. Vieira).
Tem V ossa M a je st a d e a seus pés Antonio Vieira neste
papel. (P. Ant. Vieira).
Vindo, outrosim, a ser abreviadamente escriptas, as
referidas palavras não prescindem por isso da maiuscula,
nem de um ponto que, no interior da oração, póde ser se-
520 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

guido immediatamente do outro signal do pontuação, por­


quanto o mesmo ponto só marca a abreviatura.
menos satisfeitos estiverem de S. M esses
chegue Vossa Alteza mais a si. (P. Ant. Vieira).
9.“ Emfim em um certo numero de substantivos com-
muns, desviados, por antonomásia, 'do seu sentido mais
vulgar: assjm em I greja, conjuncto de crentes cbristãos
l>or opposiçao a igreja, edifício; — E stado, conjuncto de
cidadaos governados pelas mesmas instituições politicas
por opposiçao a estado, modo de ser; — A dministração’
entidade governativa, por opposiçao a administração, modo
de reger; — Grammatica, sciencia absoluta da linguagem
por opposiçao a grammatica, tratado ou livro ; — J ustiça’
empregados na repressão dos
delictos, por ojiiiosiçao a justiça, virtude...
Ex. Se um terceiro filho de el rei B. João o Primeiro foi
«0 edificio já tão levantado da
I greja Oriental, o filho quarto de el rei D. Pedro o Se­
gundo, do mesmo sangue real, ...porque não será aauelle vara
S : , w 5 “
^ ss
mais armas que suas espadas. (P. Ant. Vieira).
.r.
^ Quem quizer formar cabal conceito do que foi e é aqora
0 E stado da índia, deve considerá-lo nas quatro idades do
di^Xo) juvenil, varonil e de velhice. (Manoel Go-
0 grande império que os Portuguezes fundárão na índia
... em tempo de el rei P. Manoel teve o seu augrZto em
tempo de el rei D. João III, o seu estado ; / d im u Z s
Vidra) ^ ^ (P. Ant!
Diogenes, que tudo via com mais aguda vista que os
outros homens, viu que uma grande tropa de varas e mínistros
de J ustiça levavao a enforcar uns ladrões.

«„ís? iSfS " * -tz


rA rs ir • “ 5“

Das figuras de dicção


627. Chamão-se fígmras de dicção certas alterações a ue
0 uso introduziu nas formas normaes das palavras,^ e que
t e r c e ir a parte - ORTHOGRAPHIA 521

o assenso geral sanccionoii, por abrandamento de pronun-


ciação. Eeduzem-se a eineo, que são a synalepha, a tmesis,
a antithèse, a próthese e a apocope.
SYNALEPIIA
628. Synalepha é a denominação que genericamente
abrange todas as contracções licitas, quer intervenlia o
apostrophe, como cm est’outro por este-outro, m’o ])or me-o...,
quer não, como cm no, no, por de o, em o ; em delle,
NELLE, por de elle, em elle; cm dantes, dalli, por de antes,
de alli...
TMESIS
629. A tmesis consiste na interpolação dos pronomes
pessoaes constituindo complementos sem proposição, entre
o radical e a terminação dos dous futuros do indicativo, c
dos dous condicionaes genuinos, porque veda o uso que,
nestes quatro casos, os referidos pronomes andem pospostos
ao verbo. Assim é que se diz, por exemplo : (^üeixar-me-
iiEi, por queixarei-me ; ter-se-ha sumido, por terá-se sumido;
dir-m’o iiião, por dirião-m'o; ter-liie-heis escapado, por
terieis-lhe escapado...
ANTITHESE
630. A antithèse designa a conversão, l cuphonico,
das consoantes r, s, z quando, sendo letras finacs de um
verbo, venhão por acaso a topar com o pronome pessoal
o, a , os, as.
Ex. Grandes razões tem o homem para não servir, porém
muito maiores para não mandar homens. E, j)orque? Porque
maior servidão é mandá-los que serví-los. (P. Ant. Vieira)
Cresce a cobiça com a dita : quê-la a soldado seguir em-
quanto lhe respondem tão hem as cartas. (P. João de Lu-
cena). — (... quer-a o soldado seguir...).
Ama 0 teu inimigo : porque, se o não queres amar porque
é inimigo, devê-lo amar porque é homem. (P. Ant. Vieira).
— (... deves-o amar...).
Não buscais o descanso na lei de Christo porque a não
tendes por descansada, senão por muito trabalhosa. Vós tendê-
la por trabalhosa, dizendo Christo que só ella vos póde alliviar
do trabalho. Vós tendê-la por cansada, dizendo Christo que
só nella está o descanso. (P. Ant. Vieira). — (... Vós tendes-
a...).
Ao homem, fê-lo Deos para mandar ; aos brutos, para
servir. (P. Ant. Vieira). — (Ao homem, fez-o Deos...').
O que, não só era inutil, mas pernicioso, pô-lo a natureza
longe de nós, escondido e occulto. (P. Ant. Vieira). — {... pôz-o
a, natureza...).
631. A antithèse estende-se ainda aos pronomes pes-
soaes NOS e vos quando complementos indirectos de prepo­
sição occulta, e bem assim á preposição verbal.
Ex. E' 0 alheio pontualmente como o vomitorio... Guar­
dai-vos de 0 metter no estomago, porque primeiramente não
VO-LO ha de lograr, e ha-vos de puxar, e levar comsigo o mais
que tiverdes nelle. (P. Ant. Vieira).
Os inimigos, ei -los.
Observação. Movidos da consideração que, na anti­
thèse, tudo se reduz a uma mera troca de letras, a mór
parte dos publicistas julgão mais acertado escrever, por
exemplo: amal-o, — vol-o, — eil-o..., do que: amá-lo, —
vo-LO,^— Ei-LO. Porém, á vista dos principios que regem a
materia, é isso uma incorreeção.
O em que todos concordão, é que, posposto ao verbo,
o pronome pessoal o, a, os, as tem de ao mesmo verbo
ligar-se pela risca de união ; porque, constituindo sempre
uma syllaba brevissima, carece este vocábulo do amparo
do verbo para conservar sua sonoridade fugaz. O pronome
pessoal vem a formar por esto modo parte integrante do
verbo. E, se assim não fosse, que significação viria a ter
1 a risca de união ?
Ora 0 que demonstra a mais perfunctoria observação,
é que, em uma palavra accrescida por incremento, a ul­
tima consoante do vocábulo primitivo vem frequentemente
a ser a primeira consoante do accrescimo. Pois ninguém
negará que, se a consoante r é a ultima letra do monosyl-
labo MAR, a mesma consoante fôrma a primeira letra da
segunda syllaba do derivado maré (ma-ré). Pois, se a
ninguém oceorresse eortar esta ultima palavra, no fim do
uma linha, por esto modo: mar-é, visto como seria ostro-
pear a ultima syllaba, que outra cousa fazem entretanto
08 que escrevem amal-o, vol-o, eil-o, senão estropear essas
mesmas palavras, cortando contra todos os estylos, uma
syllaba pelo meio ?
PKÓTHESE
632. A próthcse consiste no accrescimo por augmento,
de N eupbonico ao mesmo pronome pessoal o. A, os, as,
quando posposto a uma terminação nasal (Ão, em).
TERCEIRA PARTE - ORTHOGRAPHIA 523

' Ex, Este peixe, os pescadores encaliião-no, e depois de


lhe despirem o toucinho, fregem-no. (Francisco do Brito
Freire).
Observação. Não são poucos os publicistas que, por
ignorância dos principios da grammatica, julgão necessário,
para mais expressamente resalvar o alcance nieramente eu-
phonico do referido n, separa-lo do pronome pelo apos-
troplio, escrevendo n'o, n'a, n'os, n'as. E’ o mesmo como
pôr dons topes em cliapéo armado.
Pois, não se dando caso algum em que, de um lado, o
pronome pessoal o, a, os, as possa vir a ser regido da
preposição em, que fôrma a contracção no, na, nos, nas,
nem tão pouco de outra preposição qualquer; e, de outro
lado, não se dando caso algum em que o artigo deíinito ou
o pronome demonstrativo contracto no, na, nos, nas possa
vir a ser ligado a um verbo pela risca de união, este ul­
timo signal ortbographico basta amplamente para denun­
ciar a prótbese. Escreva-se, portanto, simplesmente: enca-
LiiÃo-No, — fregem-no, — e não: encalhão-^'o, —/?v^em-N’o.
Ex. A’quelles reis e senhores gentios, offereceu-lhes o
grande Affonso de Albuquerque as armadas de el rei de Por­
tugal para destruirem os Alouros, e lançarem-nos fòra da
terra... (Commentarios do gr. Af. de Albuquerque).
APOCOPE
633. A apocope consiste na suppressão de uma ou
mais letras íinaes, mas sem substituição do letras; assim
em San’ J osé, Gran’ JMogol (Santo José, Grande Mogol),
e em todas as primeiras pessoas do plural dos verbos
quando lhes venha por acaso cm seguida o pronome pessoal
NOS, com a funeção de complemento sem preposição ex­
pressa,
Ex, Estes serião os perigos ou inconvenientes das minas;
e, quaes poderião ser os uteisf Para hem os avaliarmos, sir-
VAMO-NOS de exemplos visinhos. (P. Ant. Vieira).
524 NOVA GRAMMAÏICA ANALYTICA

PROSÓDIA

Considerações preliminares
G34. Prosódia é a j^arte da grammatica quo versa
sobre a pronunciação métrica das palavras.
Poi pronunciação métrica entende-se unicamente a que
SC manifesta jicr uma tonicidade mais ou menos intensa
cias syllabas. Cliama-se métrica porque ella é que serve de
lasc a Metrificação ou Arte de eompôr os versos, sendo que
com esta applicação, ella constitue uma doutrina especial’
a Al te poetica^ sua relação á Grammatica, apenas
aventa a prcisodia algumas considerações que dizem res­
peito, umas á orthographia, outras á syntaxe.

m'M': ;•
Da tonicidade nas palavras
635. A prosodia discrimina très espccies de syllabas
que podem ser typicamentc representadas pela palavra
serpente: uma longa cm ser, uma tônica em pen, e uma
breve cm te. ’

por uma leve


prolongaçao da voz, que só fica bem perceiitivel no dis-
to^vH p o r é m , d e s ta c a - s e p o r u m a n o -
t a v d s o b r c le v a ç a o d a v o z , e t ã o c a r a c t e r í s t i c a se t o r n a
q u e s u a d e s lo jía ç a o a c a r r e t a n a p a l a v r a , o u u m a d if f e r e n ç a
oPT-n (p .u iA , P a r á ), o u o m a is in s o f f r iv e l d o s
acl]stÎP^w<o^'^'^^^^^T -g®^''^ogoiro offender o melindre
acústico. (Queio vinho do Porto, e mangás da Bahiá).
QUARTA PARTE - PROSÓDIA 525

Assim se vê que a tônica é a syllaba reguladora da


pronunciação. Por isso é tambcm que, dando-se com ella,
na leitura, a possibilidade de um equivoco, cumpre então
notificá-la por um accento ( sábia, d e s a b i o ; sabia, d e s a b e r ;
SABIÁ, p a s s a .r o ) .

PA TÔNICA
637. A tônica não é propria de todas as especies ou
classes de palavras; e, dentre as a que compete, nem todas
a conservão sempre: o que, junto a mais algumas anoma­
lias, torna bastante esquiva a sua determinação theorica.
638. As especies de palavras a que compete a tônica,
são: os verbos, os substantivos, os adjectivos, a maior parte
dos pronomes, os participios, os advérbios, algumas con-
juneções, e as interjeições.
639. Sejão, porém, quaes fôrem as palavras, em cada
uma a tônica é uma só, e a syllaba em que ella recahe, é
sempre a ultima, a penúltima ou a antepenúltima da pa­
lavra ( mar, m a - R íj , m a - i u j - j o , m a - R i - t i m o ) . São, todavia, ex-
ceptuados os advérbios que procedem de um superlativo
de incremento, por se devisarem nelles duas tônicas
(o-pú'mu-MEN-íe, n o b i - L i s - s m a - M E N - t e , f a - c u A i m a - M R ^ - t e , Zz-beii-
r i m a - M E ^ - t e . . . ) ; e mais alguns vocábulos compostos por
augmento, em que o mesmo se dá { o - m n ip o - T E N - te , T O -d o -
p o d e - R O - s o ...) .

640. Em todos os verbos, a ultima syllaba do tempo


primordial é sempre a tônica, pelo motivo obvio que a ella
compete caractérisai’ a conjugação ( a m - A R , r e n - R E R , pu-mR,
pôr). Fóra dalii, a tônica vai rccabindo, já nesta, já na-
quella syllaba, conforme o verbo passa por suas diversas
inflexões de modo, tempo, numero e pessoa, mas recahe
symetricamente nas très conjugações regulares, assim como
se verifica pela tabella synoptica dos verbos.
641. Nos substantivos e adjectivos, a determinação da
tônica deixa de ser grammatical para se tornar meramente
lexicographica: porquanto, já do numero avultado de ter­
minações que seria preciso adduzir para chegar a uma ex­
posição com])leta, já do numero não menos avultado das
excepções que surgirião da mesma exposição, travar-se-hia
uma questão do erudição mesquinha, posto que laboriosa,
e de uma proficiiidade muito problemática, recordando o
insulso, estirado, e todavia tão deficiente vocabulário com
que os grammaticos Noël o Chapsal julgárão, no capitulo
XI de sua obra, sujeitar a regulamento a orthographia
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

franccza. Basta, com effeito, para se convencer da ineffi-


cacia de um tal recurso, considerar, em alguns vocábulos
apanhados a esmo, quão volúvel é a tônica nestas especies
de palavras, nao obstante a analogia de terminação:
órgão. pagão; eíBcácia advocacia ;
pêcego. socêgo; supplicio. rocio ;
cnfílíi, mochila; parietária. cantaria;
mystério, poderio; antíphona. sanfona ;
cântico. salpico; relógio, elogio ;
tépido. latido ; cópia, utopia ;
figado. legado; sóbrio, sombrio ;
taboa. lagôa; escrúpulo. casúlo ;
júbilo. sibílo ; pantano, arcáno;
industria. aletría; cúpola. saccóla ;
frámeas. lamprêas; jactancia. melancia;
cócegas. adêgas; objurgatórias, comedorias :
computo. tributo; cadáveres. caracteres ;

^ 642. Dentre os pronomes, os a que cabe a tônica,


são i
1° Os pessoaes fazendo funcção do sujeito, ou de
complementos indirectos de j)i’cposição exj)rcssa,
Ex. E E-w fui 0 que descompuz o governador de S M.
e nao o governador de S. M. a mim? (P. Ant. Vieira). ’’
2. ® Todos os numeraes singelos.
Ex. Em UM ha unidade, mas não póde haver união •
em Do-w5,^ que são duas unidades, já póde haver união. (V.
Ant. Vieira).
Porém, em virtude de um principio de que mais adiante
se trata, e e : que duas tônicas não podem subsistir em im-
rnediato contacto, quando nos numeraes compostos vem a
dar-se este caso, o segundo vocábulo perde a tônica.
Ex. Se um vence a mil, dous, porque não hão de vencer
a Do-ws M IL,, senão a dez Imii]! (P. Ant. Vieira).
3. ° Todos os demonstrativos.
/wrm esta roda do mundo se revolve!...
Es-r65 edificão; aquelVo\]-tros destroem. (P. Man. Bernardes).
4. ® Todos os possessivos.
Ex. Aonde não ha diferença de mim a ti, nem de me-w
a TE-M, logo se acerta no caminho. (P. Ant. Vieira).
Os relativos, com excepção de que.
QUARTA PARTE - PROSüDIA 527

Ex. Os ladrões \jiue'\ mais própria e dignamente merecem


este titulo, são aquelles a quem reis encommendão os exér­
os

citos e legiões, ou o governo das provincias, ou a administração


das cidades, os QUA-es, já com manha, já com força, rouhão e
despojão os povos. (P. Ant.Vieira).
6.° Todos os indefinitos.
Ex. Os fidalgos q\ie escapárão deste dilúvio,... que sen-
tirião? QUE imaginarião? que / arião.? que diriãof em que
cuidarião ? (Luiz Torres de Lima).
Houve aZ-GUEM que dissesse ou propuzesse tal cousa a
estas arvores?... Pois, se nm-GUEM lhes faltou em haverem de
deixar os seus fructos, porque se excusão todas ? (P. Ant.
Vieira).
« Pesta traça, dizião elles, não póde Christo escapar. »
Mas, coitados! armárão teias de aranha, que vem a dizer: é
T\5-do NA-íZa. (Fr. João de Ceuta).
643. Nos participios, quer sejão regulares, quer irre-
guiares, a tônica recalie sempre na penúltima { a -^ iA .-d o ,
r e n - m - d o , p u - m - d o , m - t o , fei-ío...). Por isso é que 'e t R - v i d o ,
Y Á - l i d o , por exemplo, são meros adjectivos, ao passo que f e r - \ i -
d o é partieipio de f e r v e r , e v a - i x - d o particÍ2)io de v a l e r , ou
substantivo, com o sentido de f a v o r i t o .
644. Nos advérbios de incremento, a tônica recahc
sempre na penúltima { a n t i c o n s t i t u c i o n a l - 'h i ^ ^ - t e ') ; nos domais,
a sua determinação pertence, como a dos substantivos e
adjectivos, á lexicographia { } íA .- x im e , d e - Y È - r a s , a m a - ^ n Y K ) .
645. Dentre as conjuncções, as preventivas tirão de
sua feição adverbial a propriedade de accusar a tônica
( f o d a - Y i - a , com -T i\5-do, a l i - Á s , o u t r o - s m . . . ) . Porém as copu-
lativas ( e , n e m , o u ) e as subordinativas ( q u e , s e com os
congeneres) só a podem accusar em casos excepcionaes, do
que mais adiante se trata.
646. Nas interjeições, que, por concentrarem em si
um pensamento, reclamão goralmente uma enunciação oner-
gica, percebe-se que a tônica é imprcscindivel.
Ex. Aqui, levantando a voz, el rei D. Henrique I I I de
Castella bradou: « 0-lA! o-lá ! gente da minha guarda ! »
(P. Man. Eernardes).
Pi-ia, meu principe, despida-se V. A. dos livros! (P. Ant,
Vieira).
528 NOVA GRAMMA TIC A ANALYTICA

DOS ENCLITICOS
Encliticos, on encostados ((jug tnl é Gin otqo’o o
SGntido (iGsta palavra), são os vocábulos cujas syllaba^ ou
biGVGS, ou quando muito longas, não chegão á accentuação
predominante da tônica. Chamão-se encostados porque tal
ó a necessidade que têm do amparo de outro termo, que
nunca conseguem, quer por ellipse, quer como exclamações,
a íormar de per si sós uma proposição. São meros auxi-
f.. liantes, sem prestimo proprio: apoião.
648. Os encliticos são:
l.° Os artigos, quer sejão incontractos:
o. A, os, A s ;
UM, UMA, UNS, UMAS;
quer sejão contractos:
AO, Á, AOS, A s ;
DO, DA, DOS, das;
NO, NA, NOS, nas ;
PELO, PELA, PELOS, PELAS ;
NUM, NUMA, NUNS, NUMAS.
Exemplos:
Quereis ver o que é [uma'\ alma? Olhai, diz S. Agostinho
vara [um) corpo sem alma... Se [o] corpo é de [wii] artifice,
quem fazia viver [«s] tahoas e [os] mármores? quem amollecia
[0^ ferro? quem derretia [os] bronzes? quem dava nova forma
e novo ser [a] mesma natureza? quem ensinou, naquelle corvo
regras [ao'] fogo, fecundidade [d] terra, caminhos [ao] mar
ohediencia [aos] ventos, e a unir [as] distancias [do] universo,
e metter todo [o] mundo venal em [uma] praça? [A] alma...
Que palmo de terra ha [no] mundo, que não tenha levado
muitas almas [ao] inferno, [pela] demanda, [pelo] testemunho
falso, [pela] escnptura supposta, [pela] sentença injusta, [pelos]
odios, [pelos] homicidios, e por infinitas maldades ? (P. Ant.

Sobresahe, aliás, a fraqueza de tonicidade no artio-o-^


0 , quer contracto, quer não, quando vai comparado%om
o seu homonymo, pronome demonstrativo, ao qual com­
pete a tomea. ^
Ex. Mas vejamos [a] alma em nós: no que [o] corvo
ha de ser, vejamos o que ella «... Apartou-se o que se não
Via; ficou o que se póde ver. (P. Ant. Vieira).
QUARTA • PARTE - PROSÓDIA 529

[^] mais refinada malicia é a que se disfarça com [«5]


apparencias \da~\ virtude ; a que se manifesta é um mal, porém
A que se encobre, é mal dobrado. (P. Ant. Yieira).
^Por igual comparação torna-se sensível a diíferença de Í I
tonicidade em um, adjectivo ou pronome numeral, ou ainda
pronome indefinito, e um, simples artigo; pois a tónica que
sempre lhe foge no ultimo caso, compete lhe, pelo contrario,
nos très primeiros.
Ex. Digo que menos mal será um ladrão que dous, e
que mais dificultosos serão de achar dous homens de bem que
UM. Sendo propostos a Catão dous cidadãos romanos para o
provimento de duas praças, respondeu que ambos lhe descon-
tentavão : um, porque nada tinha ; outro, porque nada lhe
bastava. — Finalmente os mesmos vidos nossos nos dizem o
que é a alma: [wma] cobiça que nunca se farta; [uma'] so­
berba que sempre sobe; [uma] ambição que sempre aspira;
[u7ii] desejo que nunca aquieta; [uma] capacidade que todo o
mundo a não enche, como a de Alexandre; [uma~] altiveza
como a de Adão, que não se contenta menos que com ser Deos.
(P. Ant. Vieira).
2.® Os pronomes pessoaes fazendo funcção de comple­
mentos directos, ou de indirectos sem preposição ex^Dressa :
ME, TE, SE, 0, A, LHE;
NOS, VOS, SE, OS, AS, LHES.
Exemplos :
A um principe virtuoso, tudo [se lhe] rende; a um prin­
cipe vicioso, parece que a terra [se lhe] levanta. (P. Ant.
Vieira).
Morreu algum delles, vereis logo tantos sobre o miserável
a despedaçá-[lo] e comê-[lo] ! Comem-[no] os herdeiros ; comem-
[no] os legatários; comem-[no] os acredores; comem-[nó] os
ofihciaes dos orphãos, e os de defuntos e ausentes ; come-[o] o
medico que [o] curou ou ajudou a morrer ; come-[o] o san-
grador que [lhe] tirou o sangue; come-[o] a mesma mulher,
que de má vontade [lhe] dá para mortalha o lençol mais velho
da casa; come-[o] o que [lhe] abre a cova, o cque [lhe'] tange
os sinos, e os que, cantando [o] levão a enterrar ; emfim
ainda o pobre defunto, [o] não comeu a terra, e já [o] tem
comido toda a terra. (P. Ant. Vieira).
3.® O pronome relativo que.
Ex. Algum [que] sempre errou, [que] nunca fez cousa
boay nomeado, applaudido, premiado! 0 [que] acertou, o [j'wej
530 NOVA GKAMMATICA ANALYTICA

trabalhou, o [que] subiu á trincheira, o [jqué] derramou o


sangue, enterrado, escquecido, posto a um canto! (P. Ant.
Vieira).
4° As preposições. r!
Ex. [Para] guardar os reinos e os impérios, os homens lív•
inventarão as armadas \_por~\ mar, e os exercitos [por] terra,
tantos mil soldados [a] pé, tantos mil [a] cavallo, [com] tanta
ordem e disciplina, [com] tanta variedade [de'] armas, [com]
tantos artificios e maquinas bellicas. (P. Ant. Vieira).
5.“ As conjuneções copulativas. p.
Ex. Nunca permanece o homem no mesmo estado, succe-
dendo-se, como revoluções da roda, a saude [é] a enfermidade,
0 trabalho [^] 0 descanso, a honra [e] o desprezo, o tormento
[^] 0 deleite, o temor M a esperança. (P. Man. Bernardes).
Terrivel palavra é um non. Não tem direito [nem]
avesso... Não ha correctivo que o modere, [nem] arte que o (F.
abrande, [nem] lisonja que o adoce. (P. Ant. Vieira).
Isto é mundo, [ow] é mar? São homens, [ou] são ondas? [JV
E ' vida humana, [ om] é roda? Tudo é, irmão. (P. Man.
Bernardes).
Achando-se, porém, os mesmos vocábulos em estado de
suspensão, por apparecerem isoladas entre dous signaes de
pontuação, ou vindo successivamente repetidos ante todas
as partes de um mesmo termo composto, o seu valor pro-
sodico ergue-se até á tônica.
Ex. E, que turba-multa é aquella que vai cobrindo os F
campos de armas e carruagens ? E ' um exercito que vai a
uma de duas cousas: ou a morrer, ou a matar. E, sobre
que? Sobre que dous palmos de terra são de cá, e não são F'
de lá. E, que arvores são aquellas que vão voando pelas ondas C"'
L'ri

com azas de panno? São navios... (P. Man. Bernardes).


Os ditosos [e] os desgraçados, todos nascerão; e , como
são mais os que aceusão a fo7'tuna, que os que lhe dão graças, r
dni
maior matéria dão os nascimentos ao temor que á esperança.
A esperança promette bens; o temor ameaça males; e , entre
promessas [e] ameaças, tanto vem a se padecer o que se es­
pera, como 0 que se teme. (P. Ant. Vieira).
6.® As conjuneções subordinativas.
Ex. Peceou David... e o que os palacianos discorrião na
sua antecamara, era desta maneira : [eque] o amor de Bethzabé
fòra um galanteio de principe soldado; [que] o casar-se com
ella fora uma honrada restituição de sua fama ; [que] o matar
a Urias fôra um conselho necessário, prudente e generoso: ge*
QUARTA PARTE - PROSÓDIA 53Í

neroso, [^porque] o fez morrer nohremente na guerra; prudente,


{^porque^ pareceu acaso o que foi industria; e necessário,
\_porque^ o modo mais seguro de sepultar o aggravo é metter
debaixo da terra o aggravado. (P. Ant. Vieira).
Com mulheres não sabe o homem [como] ha de haver-se :
[sc] não as ama, têm-no por néscio; [sc] as ama, por leviano;
[5C] as deixa, por cobarde; [se] as segue, por perdido; [se]
as serve, não o estimão; [se] as não serve, o aborrecem; [se]
as quer, não o querem; [se] as não quer, o perseguem; [se]
as frequenta, é mais que louco ; [se] não as frequenta, é menos
que homem. (P. Ant. Vieira).
E’ digno de especial reparo que os vocábulos como,
roRQUE, quando, quão e que, aos quaes cabe a propriedade
de serem, já advérbios (V. § 266), .já conjuneções (V. § 276),
conformando-se com a regra, tomão a tônica quando ad­
vérbios, e a perdem quando conjuneções.
Ex. « Vem cá, Lucifer! vem cá, Adão!... co-mo appe-
teceis 0 que não podeis f » — Ambos quizerão ser [como] Deos.
(P. Ant. Vieira).
JVo principio do mundo, po?'-QUE não havia guerras ?
\_Porque'] usãvão os homens da terra [como] do céo. (P. Ant.
Vieira).
QuAN-áo faze7n os ministros o que devem fazer ? — E que
vivão e obrem com tanta inhumanidade homens que se con-
fessão, Iquando'] procedião com tanta razão homens sem fe nem
sacramentos! (P. Ant. Vieira).
649. Além de todos estes encliticos que, por o serem
por natureza, podem ser chamados essenciaes, amda ha
outros que, vindo a o ser por mero acaso de posição, apre-
sentão-sc assim como accidentaes. A sua determinação,
porém, só se torna exequivel cm vista de uma consideração
geral sobre a prosódia.
Da observação que, a uma palavra, por mais extensa
Que seia, só cabe uma tônica (anticonstitucional-u^^-te), e
que as poucas a que, por derogação desta regra, cabem
duas, só as recebem com o espaçamento de duas ou mais
breves (pES-sma-MEN-íc, anticonstituciona-iA^-sima-MY^^-te, to-
do-vode-RO-so), o que se torna obvio, é que a enunciaçao
segmida, immediata, sem pausa, de duas ou mais tônicas
repugna á indole da lingua.
Sc, não obstante, a expressão do pensamento vem a
adduzir duas ou mais tônicas em immediate contacto (caso
que se verifica mais habitualmciite com os monosyllabos),
a voz, soltando-se das péas da regra para so se ater a eu^^
Nova gram m atica ana ly tic a

phonia, converte sem rebuço em inclitieos os vocábulos que


lhe embargão a cadencia, e conserva por este modo á lin­
guagem a melopéa que lhe é natural.
Sobresahe esta occurrencia no seguinte exemplo, adrede
composto de monosyllabos por natureza providos da to-
nica: Não tem que dar quem não tem bens. Pois nÃo tem a
tônica por ser adverbio ; tem, por ser verbo; que, por ser
I , pronome indefinito; dar, por ser verbo; quem, por ser
pronome indefinito; ... emfim bens, por ser substantivo.
(if Entretanto, destas oito syllabas, apenas quatro conservão
na enunciação corrida a accentuação predominante: Não
TEM que DAR quem nÃo tem bens.
Vê-se por isso a quantas anomalias que não é dado
predeterminar, mas em que todavia não tropeça o ouvido
dos nacionaes, abre espaço á theoria da tônica, e em
quantos pontos a prosódia não pode ficar subordinada a
outro regimento que não seja o uso.
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 533

Q U I N T A

PONTUAÇÃO

Considerações preliminares
650. Pontuação é a parte da grammatica que versa
sobro os casos em que convem separar por signaes os pen­
samentos escriptos, e suas partes.
651. Os signaes de pontuação são oito, quatro dos
quaes são principàes, c quatro accessorios.
Os quatro principàes constão da virgula (,), do j)onto
e virgula (;), dos dous pontos (:), e do ponto final (.).
Chamão-se principàes porque são os únicos necessários cm
toda a oração normalmente constituida.
Os quatro accessorios constão do ponto interrogativo (?),
do ponto exclamativo (!), dos pontos suspensivos (...), e do
parenthesis ( ). Chamão-se accessories porque só oceorrem
em orações constituidas anormalmente, já por ellipses, já
por interrupções.
652. Dahi decorre que, se a pontuação tem por es­
pecial alcance o de marcar uma separação entre proposi­
ções, as quaes são a expressão dos pensamentos, e entre
termos syntaxicos, os quaes são as partes ou membros de
que se compõem as mesmas proposições, claro é que ne­
nhum signal desta especie deve vir interposto, quer entre
termos, quer entre proposições que, desenvolvendo-se na sua
ordem natural ou lógica, prendem-se pelas relações de indecli­
nável conchego. Ha, portanto, na pontuação, dous escolhos
a que cumpre igualmente fugir: o da collocação de algum
de seus signaes entre termos ou proposições necessária-
534 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

mente inseparáveis, e o da omissão de algum dos mesmos


signaes entre proposições ou termos também necessaria­
mente separáveis.
Porém, para chegar á solução juntamcnte racional e
pratica deste interessante problema, até aqui tão descurado
nos tratados de grammatica, torna-se indispensável possuir,
além dos critérios que a analyse syntaxica fornece, os que
ministra a analyse lógica, pela discriminação das diversas
'I especies de proposições..
E, a este proposito, não será inopportuno ficar preve­
nido de que a analyse lógica aqui ventilada, pouca, ou
antes nenhuma paridade tem com a do mesma denomi­
nação que voga nas escolas, sob o influxo dominante o fa-
tidico da subvstantividade de ser, ou de ser com estar.

Theoria da analyse lógica


653. Analyse lógica é a indagação da importância
respectiva das proposições.
654. Todas as proposições reduzem-se summariamento
ás très especies de principal, de complementaria e de in ­
cidente.

655. A principal forma sentido completo intelligivol


do per si só, ou serve de fundamento a uma ou mais pro-
jiosições logicamente subsequentes e connexas.
656. A complementaria só forma sentido com o au­
xilio de outra proposição logicamente anterior, ficando-lhe
tão intimamente annexa, que procurar desaggregá-la torna-se
impossivel sem falseamento ou anullação da oração.
657. A incidente, assim como a complementaria, fica
sempre dependente de outra proposição também logica­
mente anterior; mas diífere da complementaria pela pro­
priedade de se deixar eliminar sem invalidar o sentido da
proposição a que se prende.
658. Taes são os caracteres intrínsecos das très es­
pecies de proposições. Se fosse necessário, na pratica, fazer
obra só por elles, não ha duvida que a determinação das
proposições acarretaria frequentes hesitações. Por felici­
dade, porém, andão sempre providas de caracteres extrín­
secos que tornão facillima a sua discriminação.
As principaes nunca ficão iniciadas por uma ligação
subordinativa ( que e se, com os congeneres).
\
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO

As complementarias apresentão-se sempre iniciadas poi


uma ligação subordinativa, e as incidentes quasi sempie.
Porém, para discriminar estas dac^uellas, carece soccorici-so
ao alvitro do caracter intrinseco, isto é : se a proposição
não 80 deixa eliminar sem desvirtuamento da oração, e ei a
complementaria ; no caso contrario, é ella incidente.
Nisto resume-se toda a theoria da analyse logica, o ï 1
nada mais é preciso para nella assentar as mais impor­
tantes das regras da pontuação.
A d v e r t ê n c ia . N os e x e m p l o s a t t i n e n t e s á p o n tu a ç ã o ,
as risc a s de sep aração ^ ( — ) d e n u n c iã o o lu g a r onde as d i­
v ersas reg ras e n c o n trã o a sua a p p lic a ç ã o .

EXEMPLOS

SOBRE AS TRES ESPECIES DE PROPOSIÇÕES

As
OBRAS DA NATUREZA, E ÀS DA ARTE, TODAS SE CON-
SERVÃO — E PERMANECEM NÀ UNIÃO, — E TODAS, NA DES­
UNIÃO, SE DESFAZEM; — SE DESTROEM E SE ACABAO. (
Ant. Vieira).
Esta oração consta de cinco
tantos são os factos syntaxicos que se
as mesmas pi-oposiçBos são prmcipaos, visto iienlu ma se
Tchai iniciaL por uma ligação subordinativa, e cada uma
apresentar de per si só sentido intclligivcl.
Seis mil amos ha — QUE d u h a o universo, sem se
SENTHl NEM VER NELLE 0 MENOR SIONAE DE DESUNIÃO-
(P. Ant. Vieira). ^
Nesta oração, só dous são os Y^^^A^mdmeira é
rhirn ^ e portanto só duas as proposiçoes. A piimeiia e
urincipal poínuo, embora não apresente de per si so «m
1^ intplliírivtd nenhuma ligação subordinativa a inicia,
fío d e a m n f er^e de ian d am ü o á segunda. Esta, porém,
encofadirpor uma ligação subordinativa, é complementaria;

'^iircir;í: ín^iit;
universo...).
A maior obra da sabedoria e da omnipotência humana,—
qUE ™ ro composto INEEEAVEL de C.1R.ST0, - COllSl#!« m

i
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

duas unioes: uma união entre o corpo e a alma, e outra união


etitre a humanidade e o Verbo. (P. Ant. Yieira).
Das duas proposições que também compõem esta ora-
çao, a que vem intercalada, é incidente, porque, principiando
por uma igaçao subordinativa, póde ser eliminada sem que
por 1880 deixe a principal de conservar a integrída^e^do
seu sentido fA maior obra da sabedoria e omnipotência dl

L tlm líL ’ 1 argumento azado, como uma prova


attendivel, mas de que seria licito prescindir em absduto
(... que foi 0 composto ineffavel de Christo...).

AMPLIAÇÕES
SOBRE A ANALYSE LÓGICA

659. O facto syntaxico de uma proposição princinal


encontra-se necessariamente no indicativo, no condicional
ou no imperativo; nunca, porém, no subjunctive, a n L ser
este um imperativo disfarçado. Exemplo:
(Indicativo) :
A mentira é filha primogênita do ocio. (P. Ant. Vieira).
(Condicional) :
Vieii^^^ mercês os reis s e r ia não serem reis. (P. Ant.

(Imperativo) :
A ma o teu inimigo. (P. Ant. Vieira).
(Imperativo disfarçado):
CoNHEçA-.s-e 0 homem a si mesmo. (P. Ant. Vieira).

^ ^^^a'Pi*oposição comidcmentaria en-


Z no indicativo, no condicional ou
no subjunctivo; nunca, porem, no imperativo, quer mani­
festo, quer disfarçado. Exemplo : ^
(Indicativo) :

sem r iíV o . ~
(Condicional) :
Vieira^^^^^^^^ ^ — onde a ch a r iã o pão. (P. Ant.
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 537
(Subjunctivo) :
Importa — que se d esen terrem os talentos escondidos.
(P. Ant. Vieira).
661. O facto de uma proposição ineidente encontra-se,
já no indicativo ou no condicional, já no imperativo ou no
subjunctivo. Exemplo :
(Indicativo);
Partimos para a cidade de Trento, — onde então se ce ­
l e b r a v a 0 sagrado concilio. (Pantaleão de Aveiro).

(Condicional):
Se cinco mil homens, com mulheres e filhos, entrassem de
repente em uma grande cidade, não haver ia promptaynente que
lhes dar a comer, — quanto mais [não h a v e r ía ] em um de­
serto. (P. Ant. Vieira).
(Imperativo) :
Pois, — CRÊDE-me, — 0 banco de Veneza póde quebrar...
(P. Ant. Vieira). 7’A,.^/
(Subjunctivo):
A in d a que en te r r em a verdade, — a virtude não se
sepulta. (P. Ant. Vieira).
662. E’ também consideração de subido alcance, não
só para activar o desempenho dos exercicios analyticos,
como ainda para confirmar em mais um ponto o principio
do império da lógica na constituição da linguagem, que as
tres ligações copulativas (e, nem, ou) não consentem em
servir de nexo a proposições que não sejão da mesma
especie, isto é, que não sejão ambas igualmento principaes,
ambas igualmente complementarias, ou ambas igualmerite
i ncidentes. Exemplo:
(Principaes) :
A cousa mais facil do mundo é dar conselho a outrem,—
E a mais ardua é tomá-lo para si. (P. Ant. Vieira).
(Complementarias) :
Do grande poder da necessidade, a razão é — porque
todos os outros poderes são sujeitos ás leis, — e [porque~\ só
a necessidade não tem lei. (P. Ant. Vieira).
(Incidentes):
A quarta sala, — que excede a todas na preciosidade, —
E por isso lhe chamão a sala do thesouro, — te?n em si pedras
e joias de preço inestimável. (P. Man. Consciência).
538 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

E tão rigorosamento impera esta lei, que mal póde vir


,I ella a ser infringida sem produzir na oração um descon­
certo sensivel, embora nada appareça, a primeiro intuito,
que contrarie as regras da grammatica. Haja vista o se­
guinte exemplo :
' O papa Adriano V era já mui velho e achacado — quando
foi assumpto ao throno apostolico, — e o não logrou mais que
trinta e nove dias. (P. Man. Bernardes).
O erro está em que, sendo a primeira proposição uma
principal ; e a segunda uma complementaria, nem a esta,
nem áqaella podia ser annexada a terceira pela conjuneção
copulativa e , porque é ella mera incidente: o caso avocava,
portanto, uma ligação subordinativa, que pudera ser visto
COMO, PORQUANTO, OU outra adequada.
O papa Adriano V era já mui velho e achacado quando
foi assumpto ao throno apostolico, porquanto o não logrou
mais que trinta e nove dias.
663. Desta observação decorre a opportunidadc de
distinguir, num interesse summamente pratico, dous generös
de complementarias: as encadeadas e as collectivas.
Encadeadas são as complementarias que, no desenvol­
vimento dos pensamentos, de tal modo se prendem uma a
outra, que a anterior não forma sentido sem a posterior.
Ex. Não sei — se já houve — quem dissesse — que
sempre conseguira — quanto desejára.
Não menos me maravilho daquelles — que crêm — que
nenhum homem póde saber aquillo — que não tem ser — senão
[se não tem ser] no segredo da eternal Sabedoria. (Gil Vi­
cente).
Collectivas são as complementarias que se prendem
todas igualmente a uma mesma proposição anterior.
Ex. Fallando a Saul de David, Doeg disse — que era
prudente, — que era guerreiro, — que era esforçado — que era
gentil-homem, — que era virtuoso, — que era dotado de muitas
outras boas partes. — Isto é : Doeg disse — que David era
prudente, — disse — que era guerreiro, — disse — que era es­
forçado...
Se acaso Deos vos fez mercê — que soubésseis pôr os pés
j)or uma rua, — que soubésseis apertar na mão uma espada,
— QUE fosseis discreto, generoso, ou rico, ou honrado, no mesmo
ponto tivestes culpas no tribunal da Inveja. (P. Ant. Vieira).
664. A conveniência desta distineção das complemen­
tarias cm encadeadas e em collectivas torna-se obvia quando
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 531>

80 attende que as primeiras não admittem entro si signal


algum do pontuação, a não ser em dous casos exccpcionaes,
de que mais adiante se trata; ao passo que as segundas
nunca prescindem, entre si, de um ou outro dos mesmos
signaes, como se vê nos exemplos ahi adduzidos, c como
se^ verifica ainda melhor no exemplo que se segue, por
andar uma encadeada presa a cada uma das très collectivas
que o compõem;
IV J y ,
Importa
QUE não roube a negociação o — que se deve ao meieci-
mento ;
QUE se desenterrem os talentos escondidos — que sepultou
a fortuna ou a semrazão ;
QUE não haja benemerito — que não seja bem afortunado.
(P. Ant. Vien’a).
Isto é : Importa que não roube a negociação... importa
QUE se desenterrem... importa que não haja benemerito...
665. Quanto ás principac^ ô ás incidentes, nenhuma razão
de utilidade solicita a sua subdivisão respectiva. A nomen­
clatura da analyse lógica fica assim reduzida ás très deno­
minações de proposições principaes, complementarias ou mci-
dentes, o mais á discriminação das com])lcmcntarias em
encadeadas e em collectivas, o que simplifica notavelmente o
iii processo analytico, sem todavia tirar-lhe nada de sua pro-
I íicuidado.
I

I Dos quatro signaes principaes de


pontuação

666. De todos os signaes de pontuação, é natural suppôi


que o primeiro cuja adopção parecesse, não só util como
ainda indispensável aos eseriptores primevos, foi o ponto ,
e o segundo a virgula: aquelle para marcar uma evolução
compkta do espirito sobre um só pensamento, ou so^-o
:.a
muitos pensamentos connexos ; este, para dentio da mesme
evolução ou oração, marcar interrupções eventuaes de re­
lação immediata entre pensamentos ou seus termos synta-
xicos.
Ex. Terrível palavra é um non.
Lêde-o do principio para o fim, — ou do fim para o prin­
cipio, — sempre é non. (P. Ant, Vieira).
540 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

667. Porém é igiialmente de suppor que, á vista da


diversidade das causas occorrendo para avocar um signal
.I separa ti vo dentro da oração, a virgula parecesse em breve
insuíiiciente, quer j^or não obstar de todo á confusão que
ella devia atalhar, quer mesmo por induzir ás vezes em
equivocos: accrescentou-se-lhe, portanto, o ponto e virgula
para separar proposições sensivelmente independentes, em­
bora connexas; e os dous pontos para chamar a attcnção
sobre uma citação textual, ou ainda sobre um desenvolvi­
mento a fazer ou sobre uma conclusão.
í Ex. Por 7nais que confeiteis um não, sempre amarga;—
por mais que o enfeiteis, sempre é feio;— por mais que o
doureis, sempre é de ferro.
Assim disse Bersahé a Salomão: — « Trago-vos, senhor,
uma petição: — não me envergonheis a face! » Porque dizer
não a quem pede, é dar-lhe uma bofetada com a lingua: —
tão dura, tão aspera, tão injuriosa palavra é um não. fP
Ant. Vieira). ^
Taes são, em resumo, as generalidades sobre que as-
scntão as regras determinando o emprego dos referidos
signaes de pontuação.

EA VIEGULA

COLLOCAÇÃO DA VIRGULA DENTRO DA PROPOSIÇÃO

1.“ R E G R A

( termos compostos)

668. Separão-se pela virgula os membros, quer com­


plexos, quer incomplexos, de um mesmo termo composto.
São tidos por incomplexos, não só os membros cons­
tando de uma só palavra, como ainda os em que a mesma
palavia ^vai apenas precedida de vocábulo inseparável, ■If
como seja: l.°, um artigo ou outro determinativo; 2.°, uma
joreposição; 3.®, um adverbio de quantidade.
(I ' Ex. A luz, em sua pureza, é uma qualidade b r a n d a , —
SUAVE, — AMIGA. (P. Ant. Vieira).
Que faz o requerente nos tribunaes, pe d in d o , — a l l e -
!l , GANDO, REPLICANDO, -- DANDO, --- PROMETTENDO, --- ANNUL-
LANDO? Busca qjão. (P. Ant. Vieira).
Para guardar as cidades, os homens inventárão os muros,
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 541

— OS FOSSOS, — AS TORRES, — OS RALUa RTES, — AS FORTALE­


ZAS, — OS PRESIDIOS, — A ARTILIIERIA, — A POLYORA. (P.
Ant. Vieira).
A NECESSIDADE, — A POBREZA, --- A FOME,--- A FALTA (lO
necessário para o sustento da vida, é o m ais fo r te , — o m ais
PODEROSO, — 0 m ais ABSOLUTO wiperio que domina sobre todos
os que vivem. (P. Ant. Vieira).
A ESTAS INJUSTIÇAS,--- A ESTAS CALUMNIAS,--- A ESTAS
INJURIAS, — A ESTES ENGANOS S6 d e v 6 a d e c a d e u c i a do nosso
im p é r io na (P. Ant. Vieira).
ín d ia .
São tidos por complexos os membros em que a pa­
lavra constituindo parte do termo composto vai amparada:
1.“, de um complemento directo; 2.°, de um complemento
indirecto; 3.”, de um qualificativo; 4.“, de uma proposição
complementaria.
Ex. Que faz o estudante nas universidades, tomando
POSTILLAS, — REVOLVENDO LIVROS, — QUEIMANDO AS PESTA­
NAS ! Busca pão. (T*. Ant. Vieira).
O SOLICITADOR COM A DILIGENCIA, — O ESCRIVÃO COM A
PENNA,--- A TESTEMUNHA COM O JURAMENTO,---- O ADVOGADO
COM A ALLEGAÇÃO; — O JULGADOR COM A SENTENÇA... to d o S
forão ordenados para conservarem a cada um no seu, e todos
por differentes modos, vivem do alheio. (P. Ant. Vieira).
Que palmo de terra ha no mundo, que não tenha levado
muitas almas ao ijiferno pelo testem unho falso , — pe l a
ESCRIPTURA SUPPOSTA, — PELA SENTENÇA INJUSTA. (P. Ant.
Vieira).
Finalmente os mesmos vicios nossos nos dizem o que é a
alma: uma cubiça que n unca se f a r t a , — um a soberba
QUE SEMPRE SOBE, — UMA AMBIÇÃO QUE SEMPRE ASPIRA, —
UM DESEJO QUE NUNCA AQUIETA, — UMA CAPACIDADE QUE
TODO O MUNDO A NÃO ENCHE. (P. Ant. Vieira).
669. A unica opportunidade desta distineção dos mem­
bros de um mesmo termo em complexos e incomplexos
consiste no seguinte:
A intervenção de uma ligação copulativa (e, nem, ou)
entre membros de um termo composto só póde annullar a
virgula quando os mesmos membros são incomplexos, por­
que só então se acbão elles em um contacto que é ou re-
puta-sc imraediato; pois é condição essencial, para que a
abrogação da virgula corresponda ás intoações naturaes da
dicção, c isente a oração de ambiguidades, que as copula-
tivaa reunão palavras de funeções inteiramente idênticas,
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. Toda a nobreza — e e x c el len c ia do homem con­


siste no livre alvedrio. (P. Ant. Yieira).
Deve 0 homem saber igualmente o mal — e o b e m . (P.
Ant. Vieira). #
A occuparao do céo — e da te r r a — e de todo este
MUNDO é buscar pão para a bocca. (P. Ant. Yieira).
Até o SOL — E A LUA — E AS ESTRELLAS não ddxamos
estar ociosos desta pensão. (P. Ant. Yieira).
Baste por prova que a s e v ic ia — e cru eld a de dos
I N eros — E D ioclecianos commutavão a m orte — e os tor -
JIENTOS dos chrisiãos com os mandar s e r v ir — e t r a b a l h a r íft-
nas minas. (P. Ant. Yieira). í:l
Sansão foi tratado com taes escarneos — e in d e c ê n c ia s , dt
que, DE CORRIDO — E AFFRONTADO, com suas propriüs mãos se
tirou a vida. (P. Ant. Yieira).
Os olhos são, em toda a organisação do corpo humano, a
parte m a is h u m a n a — m a is d elica d a — e m ais m im osa . (P.
Ant. Yieira).
Como é possivel que homens com olhos — e com e n t e n ­
dim ento antepuzessem as trevas á luz! (P. Ant. Vieira).
Mas vámos a esse inimigo. Já que esse in im ig o — e
lossE ODio é tão irreconciliavei, porque não matais esse ini­
migo? (P. Ant. Yieira).
E ' possivel que uma cousa tão p e q u e n a , — tão b r a n d a ,
-—TÃO LEVE — E TÃO MUDAVEL como a Ungua, tenha poder
para vos pôr ás costas um jugo tão pesa d o , — tão duro —
E TÃO d u r a d o r ! (P. Man. Bernardes).
Yêdes aquelle e n t r a r — e s a h ir sem q uietação — nem
DESCANSO? (P. Ant. Yieira).
Pudera-se fazer problema onde ha mais pescadores, se no
MAR — ou NA TERRA. (P. Ant. Yieira).
O ser POBRE — ou rico consiste em nosso desejo. (P. Ant.
Yieira).
Q ue descanso — ou que contentam ento pôde haver no
REINO — ou REPUBLICA ondc não ha paz ! (João de Barros).
Que Jonathas, depois de tão qualificadas experiencias de
SEU CORAÇÃO — E DE SEU AMOR, SC se rcsolvcsse, segunda vez,
a fazer juramento de sempre amar, isto sim! isto éamor! (P.
Ant. Yieira).
Ainda que esta doutrina do Senhor, por sua p u r e z a , —
ALTEZA, — EXCELLENCIA — MAJESTADE, mcrCCia por 8Í SÓ
ser OUVIDA — E ABRAÇADA DE TODO O MUNDO, comtudo, para
QUINTA PAKTE - PONTUAÇÃO

maior a u to rid a d e — e confirmação d ell a , quiz que fosse


acompanhada de in n u m e r a v e is , — pr o v eito síssim o s — e gra ­
v íssim o s milagres, para que ninguém se pudesse excusar, vendo
que erão ta n ta s — e tão a v e r ig u a d a s pro va s — e tes ­
tem u n h o s QUE A CONFIRMAVÃO, quantos erão os milagres que
0 Senhor obrava em presença de m uitos — e d e poucos, —
DE SÁBIOS — E DE IGNORANTES, — DE AMIGOS — E DE INI­
MIGOS. (João Franco Barreto).
Este ultimo exemplo fornece o ensejo
O bserv a çã o .
de mais uma demonstração que não é sem importância, e
vem a ser a seguinte:
Quando, junto ao primeiro ou ao ultimo membro de
um termo composto, vai um aniiexo (adjectivo, comple­
mento, ou mesmo proposição complementaria), cumpre que
o mesmo annexo possa competir a todos os membros para
que a ligação copulativa apague a virgula.
Este é iustamente o caso na proposição ... merecia por
ú só ser OUVIDA — e abraçada [ de todo o mundo ], porque
tanto compete o complemento indiracto de todo o mundo
ao participio ouvida, como ao seu consocio abraçada.
Caso analogo se dá em [ por m aior ] autorid a de — e
confirm ação [ d ell a ], porquanto tanto compete a apposiçao
maior ao Substantivo confirmação, como ao seu
toridade; e tanto compete o complemento indirecto deZía
ao primeiro, como ao segundo dos mesmos substantivos.
Emfim a virgula desappareceu igualmente entre ... as
pro va s — E testem unhos porque a complementaria que
a confirmavão se refere com a mesma propriedade a provas
como a testemunhos.
S u c c cd e n d o , p o ré m , q u e u m a n n e x o desses só te n h a
« f o r e n d a a o p r i L i r o ô u \ o u l ti m o d o s “
d e v e s u p p r i m i r a v i r g u la , p o r q u e j a n a o sao os m em b o
d e id ê n tic a fu n eç ão .
Bx Á razão natural desta differença é porque o sol
fromo di~m os vhilosophos), ou verdadeiramente e foqo, ou de
Í T Z z a Z s e U a J e ao% o: " V — ã u ™
indomüo,- abrasador, - ex ec u tiv o - e
rP Ant Y i e i r a ) . — Fara se poder apagai ahi a a
I L t de consuniidor, soria preciso que fosso hcito d.Eor;
executivo de tudo. ,
n aue 0 Senhor ensinam, era a sabedoria do ceo, altís­
sima J sL I kaZ - E d ig n I d e um m estre que era homem
e Deos. ( J o ã o F r a n c o B a r r e t o ) - — S e n d o a b i ta m b é m im -
p o s s iv e l a t t r i b u i r á a p p o s iç ã o soberana o c o m p e m
w

544 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

mclirecto que com tanta propriedade compete a diqna


(.. . soheraTia de um mestre ! !...)^ a virgula tern de intervir
ttoo membro^ “ '-eferencia ao ub
M F sv o “ J n f * ao sol ? Olhai para o

1 ■ ^ 1 4^^" ^^6iia). — E tão manifesto alii que a


complementaria ...d e que elle nasee... nenhuma referencia
tem ao prime.ro membro ...p a r a o mesmo sol..., e eim tâo
somente ao segundo ...p a r a a mesma lu z..., que se torna tr
I Ui
aa^Taaoa^ noir*'"“’’* 픓 outro modo,
pelao vírgula,
sentido não obstante Ü‘
1.

li^açao pois que de viria a ser


dente do autor foi dizer que o sol nasce da aurora.
E J)emetrio a um mancebo d il ig e n t e

seu espirito, a Continuai, mancebo,... « (P . Man. Bernardes).


670. Sendo complexos os membros de um mesmo
eX e^ copulativa não abroga
entie elles a vírgula, porque, em tal caso, as palavras que
se apiesentao em contacto immediato, não são^ associaveis
por exercerem forçosamente funeções diversas.
Ex. O P E c c A D o da usura, — e a e n f e r m i d a d e da lema
parecem-seem muitas cousas. ( P . M a n . B e r n a r d ^
N a corte ha p a r c ia l id a d e s antigas, — d is s e n s õ e s vre-
testem unhos evidentes; ^ n -
V ie ira ) ^ — e l ín g u a s de serpentes. ( P . A n t .

. carregada de îïw w o s, — nem velho

mentiras.

Sobre o peso da servidão, haver de sustentar também o dn

(P Z t v ” i r e r "

.cr cm r ”Z c / “: Z m r a o v E ' ^ K A R Z ' r - V " ^ " '


t r u iç a o do bem commum, isso sim. ( P . A n t . V i e ir a ) .
N a terra bornêa-se a peça a coberto d e u m p a r a p e it o dp
pedra de cinco p é s ,-~ o v d e u m a t r i n c h e i r a / / X X f
YfeTra). detrás de uma taboa de très dedos. (P. Ant.
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 545
Se os olhos vêm com amor, o corvo é branco; se com odio,
0 cysne e negro... Por isso se vêm, com jperpetuo clamor da
justiça, os INDIGNOS Icvautados, — e as dignidades abatidas;
os TALENTOS O C I O S O S , E AS INCAPACIDADES C O m m a n d o • A
IQNORANCIA graduada,— ^ A sciencia sem honra; a fra­
queza com bastão, e o valor posto a um canto; o vicio
sobre os altares, e a virtude sem culto; os milagres ac-
cusados, — E os milagrosos réos. (P. Ant. Vieira).
671. Além dos casos acima ventilados sobre a inter­
venção das ligações copulativas entre membros de um
rnesino termo, dá-se mais um, que autores didacticos in­
cluirão entre as figuras de palavras, sob a denominação de
REPETIÇÃO, porque apresenta a ligação, não só rejiroduzida
entre cada membro do termo composto, mas mesmo ante­
posta ao primeiro. Pahi resulta que a dicção vai proce­
dendo por vibrações isóchronas analogas ás que produzem
as ligações iterativas (já... jâ — ora... ora — quer... quer),
o que torna obvia a conveniência de lhes antepor, a umas
como ás outras, a virgula, se por acaso não estiver já o
primeiro membro precedido de outro signal de pontuação.
Ex. Os nossos ministros, ainda quando vos despachão
bem, fazem-vos os mesmos tres damnos: o do dinheiro porque
0 gastais ; o do tempo, porque o perdeis; o das passadas, por­
que as multiplicaes: — e estas passadas, — e este tempo,
— E ESTE dinheiro, quem o ha de restituir. (P. Ant. Vieira)!
O provincial foi proseguindo no mesmo argumento dizendo:
... Que faustos demasiados, — nem os louvava, — nem W os
persuadia. (Fr. Luiz de Souza).
Porque não deu Jacob a benção, ou investidura do reino,
— nem a Simeão, — nem a L evi, senão a Judas? (P. Ant.
Vieira).
Para negociar o reino do céo, — nem a B althazar, —
nem a D avid , — nem a A lexandre, — nem a Cesar, —
NEM AO MESMO Cyro, a queni Deos chamava o seu rei e o
seu ungido, valêrão nada as coroas. (P. Ant. Vieira).
Tanto que se refiecte no trabalho,... jâ se não quer ser, —
NEM POETA, — NEM ORADOR, — NEM ASTRONOMO, — NEM PHILO-
SOPHO, — NEM GEOMETRA, — NEM THEOLOGO. (P. D. Eaphael
Bluteau).
Basta que, aos que têm o supremo poder, lhes suba á ca­
beça um vaporzinho, — ou de cubiça, — ou de ambição, —
ou DE INVEJA, — ou DE ODIO, — OU SOMENTE DE VAIDADE,
para que, contra uma fortaleza ou sobre uma cidade, chova
tanta multidão de raios quantas são as pedras de suas mura­
lhas. (P. Ant. Vieira).
‘ 35
546 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

A v i d a e o t e m p o n u n c a p á r a ; e, — ou in d o , — ou e s ­
tando , — ou CAMINHANDO, — OU PARADOS, t o d o s S e m p r e e c o m
i g u a l v e l o c i d a d e p a s s a m o s . (P. Ant. Vieira).
Não ha dia vago em que a morte ou o infortúnio não
andem visitando, — jÁ esta , — jÁ a q u ella casa . (P. Man.
Bernardes).
Mares, rios, arvores,... tudo passa: os mares em conti­
nuas crescentes e mingoantes; os rios, sempre correndo; as
t J, arvores, sempre remudando-se, — ora seccas , — ora fl o r id a s ,
— ORA MURCHAS. (P. Man. Bernardes).
Se 0 uso da nossa linguagem se perder, e, com elle, por
acaso acabarem todos os nossos escriptos, que não os Lusiadas,
e as obras de Vieira, o portuguez, — q uer no esty lo da
PROSA, — QUER NO POÉTICO, ainda viverá na sua perfeita in­
dole nativa, na sua riquissima cópia e louçania. (D. Franc.
Alexandre Lobo).
672. Se, nos casos em que as ligações co23ulativas cos-
tumão abrogar a virgula, intervierem, em lugar délias,
ligações preventivas, quer sejão essenciaes como mas,porém...,
quer accidentaes como não, e não, e sim, senão (com o sen­
tido de e sim)..., nenhuma délias póde abrogar a virgula,
porque o seu alcance significativo consiste semjire em assi-
gnalar um contraste entre os membros assim associados.
Ex. Apelles, com brandura cortez, — mas picante, disse
a Alexandre Magno : « Senhor, veja que se ri o moço que móe
as tintas. » (P. Man. Bernardes).
Pretendia certo fidalgo illustre e rico, — porém j á
VELHO, ás segundas bodas com Santa Marcella, viuva de
pouca idade. (P. Man. Bernardes).
Admitta o principe homens aos cargos pelo ser, — não
PELO PARECER. (P. Ant. Vieira).
As OBRAS, — E NÃO A DURAÇÃO, são a medida certa da
vida humana, (P. Ant. Vieira).
Os ministros mostrem compaixão, — e não vingança.
(P. Ant. Vieira).
Nesses jogos de dados e cartas, nenhum lugar tem a
RAZÃO E o juízo, — senão [ c sim~\ A temeridade e o acaso
(P. Ant. Vieira).
673. Quando, porém, ambos os membros assim postos
em ^confrontação vao jirecedidos de locuções efiFectiva ou
accidentalmente conjunctivas, que os sujeita a uma especie
de ponderação correlativa, cumpre que, para assignalar a
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 547

tempo esta operação do espirito, a virgula vá anteposta,


não só ao segundo, senão também ao primeiro membro.
Ex. E ' nesta singular abundancia, Lisbôa, — não só a
MAIS BEM PROVIDA, — MAS TAMBÉM A MAIS DELICIOSA tevra
do mundo. (P. Ant. Vieira).
Esta casta de amigos^ — não m eus , — senão do m eu , tem
várias semelhanças. (P. Man. Bernardes).
Eeos concedeu muito aos reis, — não pa r a terem m a is ,
— SENÃO p a r a d a r ExM MAIS. (P. Man. Bernardes).
Ouçamos a Seneca, — não como m estre da E stoica , —
MAS como estoico DA cÔRTE ROMANA. (P. Ant. Vieira).
Ama de coração, — não sóm ente aos am ig o s , — mas
TAMBÉM AOS INIMIGOS E PERSEGUIDORES, por amor do Pai
celestial, que manda seu sol e sua chuva e outros mil bene-
ficios, — NÃO SÓMENTE SOBRE SEUS AMIGOS E JUSTOS, — MAS
TAMBÉM SOBRE SEUS INIMIGOS E MÃOS. (D. Fr. Bartholomeo
dos Martyres).
Saibamos agora, — e não de outrem , — senão das m es ­
m
mas ARVORES, se este bom governo, do modo que ellas o en­
tenderão, se póde conseguir e exercitar com as raizes na terra.
(P. Ant. Vieira).
Mas permitte o mesmo Deos semelhantes invenções, —
ASSIM PARA CASTIGO DOS MÃOS, — COMO PARA GLORIA E EXAL­
TAÇÃO DE SEUS SANTOS. (P. Ant. Vieira).
Livros têm os Chins, em que mui curiosa e particular­
mente estão os nomes dos vassallos, — a ssim pa r a a a rreca ­
dação DOS TRIBUTOS E DIREITOS REAES, — COMO PARA OUTROS
EPPEiTOS. (P. João de Lucena).

2.“ REGRA
(APPOSIÇÕES DISPENSÁVEIS)
674. Separão-se pela virgula as apposições complexas
ou incomplexas que, enunciando uma nota meramente ex­
plicativa, formão por isso mesmo um termo tão accessorio,
que por sua eliminação a oração não fica desvirtuada.
Ex. Lançou Jacob a benção a Judas, — seu quarto
PILHO. P. Ant. Vieira).
Liogenes, — ph ilo so ph o cynico , — queria tão pouco das
cousas deste mundo, que nem uma choupana tinha em que
viver, e morava dentro de uma cuba. (P. Ant. Vieira).
Houve de passar pelo mesmo mar o fundador de Lisbôa,
— U ly sses , — e, — usando de sua scien cia e sagacidade , —
que fez? (P. Ant. Vieira).
548 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ao grande Alexandre, — JÃ vencedor d e D a r io , — ca -


jriNHANDo PARA P e r s e p o l is , — saJúrão ao eneontro quasi
oitocentos homens, os m a is d ell es v e l h o s , — aos quaes os
antepassados reis da Persia tinhão torpemente mutilado os na­
rizes e lábios. (P, Man. Bernardes).
L evados de a m biçã o , — querem os homens mais do que
podem e devem. (P. Ant. Vieira).
Chegou uma mulher a apresentar a el rei D. Sebastião
um memorial Recebeu-o e entregou-o a um fidalgo dos que o
acompanhavão. Ella, a f f l ig id a , — disse: « Senhor, corre
minha honra perigo na tardança. » (P. Man. Bernardes).
Até 0 cadaver do avarento mais em paz fica com os bichos
do que estava com a alma, — sua in q u il in a .
(P. Man. Bernardes),
As mitras, corôas, tiaras, e outros semelhantes ornatos se
determinào para a cabeça, — escola v iv a , — e m estra p e r ­
p e t u a DE TUDO O QUE SE SABE NO MUNDO. ^P. D. Eaphael
Bluteau). ^ ^
Anaxilio, — ca pitão a t iie n ie n s e , — sendo c a ptiv o dos
L a cedem onios , — / oi mettido a tormentos para que dissesse o
que el rei Agesiláo tinha determinado. (Diogo do Couto).
O diadema antigo, — in s íg n ia dos r e is e im pe r a d o r es
— era uma faixa atada na cabeça. (P. Ant. Vieira). ’
Seja exemplo desta lastimosa fragilidade /íoío/i«, — a q u ella
FAMOSA-E FORMOSA GREGA, — FILHA DE T y n DARO, — REI DE
L a con ia , — por cujo roubo foi destruída Troua. (P. Ant
Vieira). 151
1
Cleopatra, r a in h a do E gypto , — que, quantas acções
jez, tantas pyramides deixou erigidas á posteridade, — umas
DE l a s c ív ia , outras DE VAIDADE, —fez quc O scu Marco b:
Antonio pescasse por sua mão peixes fritos. (P. Man Ber
nardes).
A aranha, diz Salomão, não tem pés, e, — su stentan d o -se
soB M AS MÃOS, — móra nos palacios dos reis. (V Ant
Vieira). ^
Taes são os aduladores depalacio, — a in d a os de m aio res
OBRIGAÇÕES, E DE MENOS CORRUPTO Juizo. (P. Ant. Vieira).

3.a EEGKA
( com plem entos INDIRECTOS DISPENSÁVEIS)
675. Separão-se igualmento pela virgiila os comple­
mentos indirectos que, complexos ou incomplexos, se dèixão
çiimmar sem desvirtuar a oração.
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 549

Ex. Esta machina tão hem composta do munclo, — com


SER OBRA DO BRAÇO OMNIPOTENTE, — 6 O quC a SUStcUta
e conserva senão a perpetua e constante união de suas partes?
(r. Ant. Vieira). ^
A s arvores entenderão^ — sem terem en te n d im e n t o , —
que quem aceita o governo dos outros, só ha de tratar dettes
e não de si. (P. Ant. Vieira).
Os reinos e imqierios, — segundo a sentença do E ccle-
siASTico, passão de umas gentes a outras gentes petas culpas
dos que os perdem. (P. Ant. Vieira).
O grande império que os Eortuguezes fundárão na Índia
sem arrogancia nem affronta das outras nações, se podia
chamar monarchia, — com tantos r e in o s e r e is su jeito s e
TRIBUTÁRIOS. (P. Ant. Vieira).
Quem quer mais do que lhe convem, perde o que quer, e
0 que tem. Exemplo temos, — a lém de outros m uitos , — no
filho prodigo. (P. Ant. Vieira).
Posto que os avarentos,— por não g astar , — costumeín
andar a pé, a avareza anda sempre de carroça. (P. Ant.
Vieira).
Tenho por certo que, se David, — pelo contrario , — se
vingára, ainda que Deos o tivesse destinado para a coroa,
INa não havia de dar. (P. Ant. Vieira).
O reino e a primeira henção, — segundo o uso dos p a -
TRIARCHAS, E CONFORME A LEI NATURAL QUE AINDA HOJE SE
OBSERVA, —pertencia ao primogénito. (P. Ant. Vieira).
Guardai-vos de metter o alheio no estomago, porque, —
não vo-lo ha de lograr, e ha-vos d.e puxar,
p r im e ir a m e n t e , —
e levar comsigo o mais que tiverdes nelle. (P. Ant. Vieira).
O que todos aquelles orhes celestes fazem, — andando em
PERPETUA RODA, E VOLTANDO SEM NUNCA DESCANSAR, — é
produzir e temperar com suas influencias o que ha de comer o
homem. (P. Ant. Vieira).
4.» REGRA
( complem entos in directo s transpostos )

676. Separão-se também pela virgula os complementos


indirectos não elimináveis, quando, andando antepostos ao
verbo do que dependem, apparecem em posição tão isolada,
que o espirito fica suspenso sobro o sentido que lhes cabo
inteirar.
Ex. Finge-se que o patriarcha Noé, — ao pl a n t a r a
('

550 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

viNHA, — a regou com o sangue de quatro animaes,... a saber:


bugio, leão, cochino e cordeiro. (P. Man. Bernardes).
Nos CASAM ENTO S, — todo 0 eiTO estd em cubigar a fazenda
que está na bolsa, e não examinar á pessoa que se traz para
a casa. (P. Ant. Vieira).
P a r a c o n q u is t a r o s r e in o s d a t e r r a , — o melhor ca­
bedal é uma coroa; mas, — p a r a n e g o c i a r o r e in o d o c é o ,
— é genero que quasi não tem valor. (P. Ant. Vieira).
N a s p r i m e i r a s v i a g e n s , — com mão tremula governa o
piloto 0 leme; mas, — d e p o i s d e p r a t i c o n a a r t e n a u t i c a ,
— accommette confiado o fiuctuante abysmo. (P. D. Eaphael
Bluteau).
O homem, — p o r l i i e p a r e c e r q u e u m só b e m o n ã o
p o d e f a z e r f e l i z , — busca muitos. (P. Ant. Vieira).

Salomão foi o rei que, — e m t o d o o s e u r e i n a d o , —


gozou da mais alta e segura paz de quantas houve dentro e
fóra de Israel. (P. Ant. Vieira).
Fabricou Salomão um palacio real em Jerusalem, que, —
D EP O IS DO T EM P LO QUE E L L E ED iFicà R A , —foi O scgundo mi­
ÍM lagre. (P. Ant. Vieira).
No TEM PO DA A F F LIC Ç Ã O E T R A B A L H O DO AM IGO , — é Ui
indispensável assistir-lhe com allivio, conselho, prestimo e ainda
com a pessoa. (P. Man. Bernardes).
Os elephantes que servem para a carga, a tomão deitados,
que, — D E O U TRA S O R T E , — PO R SUA A L T U R A , — ningucm Wa
poderia pôr. (João Eibeiro).
O imperador Julio Cesar, — n o s p r i n c í p i o s d e s e u go ­
v e r n o , —portou-se com moderação e suavidade, attendendo á
disposição das leis; d e p o i s , — não punha grande reparo em
as quebrar, usando de absoluta autoridade ou violência. (P.
Man. Bernardes).
Como, — N A C L A R E Z A DO JU IZ O E EN G EN H O , — cl rei B.
Duarte era insigne, não sómente aprendeu para si, mas para
doutrinar a outros. (Duarte Nunes de Leão).
No T e s t a m e n t o Novo, — o filho prodigo, porque, — n o
G A S T A R E A L A R D E A R , — quiz O que não podia nem pedia o
estado de filho, veiu a pedir por misericórdia fortuna de criado.
(P. Ant. Vieira).
Dizei-me: se, — n o m o n t e d e p i e d a d e d e E o m a , o u no
BANCO D E V e n e z a , — se déra a cento por um, houvera quem
alli não mettêra o seu dinheiro ? (P. Ant. Vieira).
Os males padecem-se porque se temem; os bens padecem-se
porque se esperão: e, — p a r a a f f l i g i r , — o mal basta ser
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 551

possível; PARA m olesta r , — 0 hem hasta ser duvidoso. (P.


Ant. Vieira).
A vide disse que as suas uvas, — comidas , — e?'ão o sahor,
e, — BEBIDAS, — a alegria do mundo. (P. Ant. Vieira). —
(... em serem comidas... em serem hehidas...).
Com a vantagem só de nossa união podemos igualar e
exceder largamente o numero de nossos inimigos. D esu nid o s ,
— somos menos; u nidos , — seremos muito mais. (P. Ant.
Vieira). — (... Estando desunidos... em estarmos desunidos...
— estando unidos... em estarmos unidos...).
O bserv a çã o . Quando a inversão de uma proposição,
cm vez de parcial, é total, não se assignala mais pola vir-
gula, porque nenhuma pausa avoca a elocução.
Ex. Dos ânimos grandes é propria a liberalidade. (P.
Ant. Vieira).
Destes dous mandamentos nascem todos os outros. (D. Fr.
Bartholomco dos Martyres).
Com inveja e com ciúmes é aspide a melhor mulher.
(P. Ant. Vieira).
5.®' REGrRA
( com plem entos indirectos absolutos )

677. Os complementos indirectos absolutos ficão ca-


racterisados por constarem do um gerundio que, expresso
ou occulto, possuo um sujeito exclusivamente seu, a não
ser que proceda de verbo impessoal; o que faz com que,
não se prendendo elles dircctamente a nenhum dos termos
da proposição a que vão annexos, torna-se intuitiva a con­
veniência da intervenção da virgula entre elles c a mesma
proposição (V. § 468).
Ex. El rei Artaxerxes, — sendo -l iie tomada a sua b a ­
gagem PELOS in im ig o s , — veiu, fugindo, a parar onde não
achou, para comer, mais que uns figos seceos com pão de ce­
vada. (P. Man. Bernardes).
M orto S alom ão , — succedeu-lhe na corôa Rohoão, seu
filho. (P. Ant. Y ígíysí). — (Estando morto Salomão...).
N ão QUERENDO EOBOÃO CONDESCENDER NO QUE TÃO JUS­
TAMENTE PEDiÃo OS POVOS, — das doze trihus de que constava
todo 0 reino, os dez lhe negarão ohediencia. (P. Ant. Vieira).
S endo tão fr eq u e n t e e o r d in a r ia no jogo a perd a
DO DINHEIRO E DA FAZENDA, — isto é 0 menos qu6 nelle se
perde. (P. Ant. Vieira).
552 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

I ndo um d ia o a r c e b is p o EM VISITA, — uão se achou


um pão de trigo para a sua mesa, — h a v e n d o a bü n d a n c ia
DE TUDO O 3IAIS. (Fr. I ju íz de Souza).

I■ O homera começa, — r e n o v a d a s su a s fo r ç a s , — a sua


tarefa quotidiana. (P. Man. Bernardes). — (... sendo reno­
vadas suas forças...').
Pois, — VINDO AO TABERNÁCULO E AO TEMPLO DE SA-
I, LOMÃo, — sempre nelles houve musica com que os sacrifícios se
celebravão. (João de Barros). — {Pois, — vindo [nós'] ao ta­
bernáculo e templo de Salomão...).
E x p u g n a d a a c id a d e DE PiRENE, — 05 propi'ios mora-
dores lhe derão sacco. ( P . D. Eaphael Bluteau). — (Sendo
expugnada a cidade...).
V agando a a b b a d ia de S. D io n y s io em P a r iz , —
muitos a pretenderão por ser illustre e com bom dote. (P. Man
Bernardes).
I sto su p p o st o , formo daqui o argumento para o nosso
ponto. (P. Man. Bernardes). — {Sendo isto supposto...).
J á q u a si so l po sto , — vimos vir a remo pelo rio acima
unia barcaça carregada de sal. (Fernão Mendes Pinto) —
{Estando já quasi sol posto...).
S endo c er to q u e todos hão d e c h e g a r á s e p u l t u r a
SEM NENHUM REMEDio, — sò tu, por comcr menos, chegarás á
sepultura mais tarde. (P. Ant. Vieira).
Triste e miserável condição é haver um homem de servir
a outro, — SENDO todos ig u a e s . (P. Ant. Vieira).
C am inhando S ocrates, — um atrevido se descomediu com
€ll6y 6 Ihô d6u uí)i C0UC6, ( P , M r d . Bôm O irdos).
6.“ REGRA
(COaiPLEMENTOS PLEONASTICOS)
678. Nos casos de complementos pleonasticos, quer
^ f r k C i /”\T
sejao directos (V,^ ^§ 450), quer
---------------- Á 463)
sejão indirectos (V. § A ____
convem, para assignalar a anomalia da construcção, separar
pela Vírgula o dos dous complementos que menos intima­
mente se prende ao verbo.
Dos dous complementos, o que mais intimamente se
prende ao verbo, e sempre o que, constando de um pro­
nome pessoal, vincula-se pela risca de união ao verbo, se
por acaso lhe vier posposto.
Ex. Pizei-me, voadores: não vos fez Peos para peixes ?
Pois, porque vos metteis a ser aves? O mar , — / é-Lo Deos
para vos, e o ar para elles.
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 553

Aos OUTROS PEIXES DO ALTO, — mata-os 0 anzol ou a


fisga; a vós, — sem fisga nem anzol, m a t a - Y O S a vossa pre-
sumpção e o vosso capricho.
Aos OUTROS PEIXES,— m a ta -o s a fo m e , e engana-os, a
is c a ; AO VOADOR, — m a ta -o a v a id a d e d e vo a r, e a su a isca
é 0 vento.
Grande ambição é que, sendo o mar tão immense, liie
não haste, — a um peixe tão pequeno, — todo o mar, e queira
outro elemento mais largo.
Mas vede, peixes, o castigo da ambição. O voador, —
/6-LO Deos peixe, e elle quiz ser ave; e permitte o mesmo Deos
que tenha os perigos da ave, e mais os do peixe. (P. Ant.
Vieira).
Ama 0 teu inimigo, porque, — amigos, —já os não ha;
e, se não amares os inimigos, estará ociosa a tua vontade, que
é a mais nobre potência. (P. Ant. Vieira).
Agora vos pergunto eu: estes martyrios de minas,—
se as vossas se descobrissem, quem os havia de padecer?
T udo isto, — não o havião de fazer nem padecer os que
passeião em Lisboa.
A ROÇA, — havião-vo-i,A. de e m b a rg a r p a r a os m a n tim en to s
d a s m in a s ; a casa, — havião-vo-i,A de to m a r de a p o s e n ta d o r ia
p a r a os officiaes d a s m in a s. (P. Ant. Vieira).
Se a interpretação de um sonho liie valeu, — a J osé, —
0 vice-reinado do Egypto, que honras não merecerão tantos
sábios que, com suas obras, illustrárão a patria, e ensinárão o
mundo! (P. Ant. Vieira).
Tanto pelo fundador, como pelo amplificador, liie com­
pete, — A L isboa, — a precedencia de todas as metrópoles dos
impérios do mundo. (P. Ant. Vieira).
A UM príncipe VIRTUOSO, — tudo se LHE rende; a um
príncipe vicioso, — parece que a terra se lhe levanta. (P.
Ant. Vieira).
Ao DOUDO, — não lhe atalho a furia; ao néscio, — não
trabalho para lhe dar razão; ao pobre, — não lhe devo;
AO RICO, — não LHE peço; ao vão, — nem o gabo, nem o re-
prehendo; ao lisongeiro, — não o creio. (Lobo).
679. Esta regra soffre très excepções. A virgula não
intervém :
1.“ Quando, constando ambos os complementos do
pronomes pessoaes, ambos vão juntos um ao outro, ou
agrupados ao redor do verbo.
554 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. « E, que vai nisso ? » disse o arcebispo ao pasto-


rinho. — « A mim — me vai muito; » tornou elle; «que tenho
pai em casa, que pelejará comigo; e tão bom dia, se não forem
mais que brados! Eu vigio o gado; elle me — vigia _a
MIM. » (Fr. Luiz de Souza).
Então batalhastes com os inimigos; agora é tempo de vos
— vencer — a vós. (P. Ant. Vieira).
Os vossos inimigos são testemunhas em causa propria de
vos ter dado Deos os bens que lhes — negou — a elles. (P.
Ant. Vieira).
No mar estamos com os companheiros á vista; e nem
elles muitas vezes, nos—podem soccorrer — a nós, nem nós a
elles. (P. Ant. Vieira). ’
A razão está em que, sendo ahi a redundância, antes
um artificio de estylo para augmentar a energia do dis­
curso,^ do que um meio syntaxico para desfazer uma equi-
vocação, a dicção não toleraria a pausa que costuma ser
avocada pela virgula.
2. ° Quando os dous complementos, juntando-se a um
verbo pronominal, determinão nelle a significação, iá refle­
xiva, já reciproca.
Ex. Outros, por extrema desesperação, se — matárão —
A SI mesmos.
« Amai~YO^ UNS aos outros; porque nisto quero que
vos conheção em todo o mundo por meus discipulos, se v o s_
amardes — uns aos outros, m (D. Fr. Bartbolomeo dos Mar­
ty res).
A razão está em que os dous complementos andão tão
indissoluvelmente ligados para, pela redundância, formar
sentido claio, que, nem o espirito, nem a locução os pódc
dissociar.
3. ® Quando o primeiro dos complementos pleonasticos
consta de um pronome relativo.
Ex. Finalmente os mesmos vidos nossos nos dizem o que
é a alma... JJma capacidade que — todo o mundo — a não
enche, como a de Alexandre. (P. Ant. Vieira).
Porque se não ha de desenganar o pobre pretendente que
— tanto mais — o empobreceis quanto mais — o dilatais'^ (P
Ant. Vieira). ^
A QUEM— não tem bens, ninguém lhe quer mal. (P. Ant
Vieira).
A razão está em que os pronomes, preenchendo ahi a
funeção de complementos, exercem, além disso, a do ligação
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 555

entro as proposições, dando-se tão somente ahi esta diífe-


rença que, no primeiro exemplo, o pronome vem a encetar
uma complementaria; no segundo, uma incidente; emfim,
no terceiro, uma complementaria invertida; porém, em
nenhum destes casos póde ellc ser seguido da virgula, por­
que a suspensão que avocaria este signal, destruir-lhe-hia o
valor de ligação.
7.“ R E G R A

( elisão de facto)
680. Quando, em proposições successivas, o facto ó o
mesmo em todas, costuma-se geralmente, por amor da bre­
vidade e da euphonia, enunciá-lo só na primeira; porém ó
de regra, em tal caso, assignalar pela virgula o lugar que
oceuparia na proposição ou proposições subsequentes, se não
viesse elidido.
Ex. Os valorosos levão as feridas, e os venturosos, —
os prémios. (P. Ant. Yieira).
O temor não É de homens fortes, nem o agouro, — de ho­
mens sábios. (P. Ant. Vieira).
Das intemperanças do comer, por mais que o tempere a
gula, NASCEM as cruezas; das cruezas, — a confusão e a dis­
córdia dos humores; dos humores discordes e descompostos, —
as doenças; e das doenças, — a morte. (P. Ant. Vieira).
Tudo isto se vê e experimenta com vantagem no tiro de
uma peça: o fumo É a nuvem; o fogo, — o relampago; o es­
trondo,— 0 trovão; a bala, — o raio. (P. Ant. Vieira).
A' parcimónia chamavÃo escaceza; á ordem e moderação
no gasto,— pura miséria; ao trabalho continuo e santo, — vi­
leza e desautoridade; á humildade,— baixeza, e animo apou­
cado. (Fr. Luiz de Souza).
Os erros que, do céo abaixo, padecem commummente os
olhos dos homens, e com que fazem padecer a muitos, digo que
não são da ignorância, senão da paixão. A paixão é a que
erra; a paixão, — a que os engana; a paixão, a que lhes
perturba e troca as especies, para que vejão umas cousas por
outras. (P. Ant. Vieira).
« O’ soldado mais valente, mais guerreiro, mais generoso
e mais soldado que eu! Tu, até agora, foste meu soldadj), e
eu, — teu capitão; desde este ponto, tu serás meu capitão, e
eu,— teu soldado. » (P. Ant. Vieira).
JSIo horto GRANGEOU Ghristo as agonias e as prisões; no
palacio de Annás,— as bofetadas; no de Gaiphás,— as blas-
phemias; no de Herodes,— os desprezos; no pretorio de Pi-
556 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

latos, a s accusaçoes, os f a ls o s testem u n h os, o s a c o u te s a


COI oa ^ esp in h o s ; e, p o r re m a te d e tu d o , — a m o rte d á c r u ’
en tre la d rõ e s no C a lv a rio . (P. Ant. Vieira).

J^onuna. uns lhe puzerao na mão o mundo •


, outros, de vidro ; e iodos a fizerão céqa • todos _

i
s/sitp-iiv'Sr""
8.“ R E G R A

( palavras em Apostrophe)
as palavras em apos­
trophe quando _nao imphcao o sentido de uma invocacão
ou de um sentimento apaixonado, porque, neste ultimo caso
clam ati> r'' substituida por um ponto ex’

d esca n ço ? : / < « ,- SENHORES,- í « e n ão busque o

« Não dou, ó Cesar, — conforme a vossa arande for


S a rd e s). possibilidade. / (P. ]/an.

B de ^asTro)’ ~ s a lv a r ? » (P. J.
« Pedes-me, — ó P haetonte, — æ concessão de uma em-
preza hem ardua e elevada. « (P. Man. Consciência).
D avid , — agora conheço, — filho _
e certissimamente que has de reinar. >, (P. A nt Vieira).’
dade" ^n síd ern ^-J^^ conheçais a que chega a vossa cruel-
vivos, assim eomo t,ós. f ( P . se comem
mais"s m T d f f j - ^dão : tu anjo, e o
mais sabio de todos os anjos; tu homem e o mais sahio de
todos os homens. « (P. Ant. Vieira).
9.» R E G R A

( ligações preventivas transpostas)

682.Separão-se pela virgula as ligações preventivas


?idas naraX% ^^ dicção, vão occasionalmeíte transfc-
ndas para dentro da praposição ou oração que são normal­
mente incumbidas de iniciar (V. § 287).
Ex. A rren eq u e, — p o i s , — to d o o n a v e g a n te d o jo g o , se
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 557

não se quer 'perder. (P. Ant. Yieira). — {Pois arrenegue todo


0 navegante do jogo...).
Se, — EMPiM, — 0 soldado se vê morrer a fome, deixe-se
morrer, e vingue-se. (P. Ant. Vieira). — {Emfim, se o soldado
se vê morrer a fome...).
Necessário é, — logo, — que haja prêmios para que haja
soldados. (P. Ant. Vieira). — {Logo necessário é que haja
prêmios...).
Importa, — pois, — que não roube a negociação o que se
deve ao merecimento. (P. Ant. Vieira). — {Pois importa que
não roube a negociação...).
E, se, — TODAVIA, — ainda contra isto ha que dizer, o
remedio não está longe. (Pr. Luiz de Souza). — {E todavia,
se ainda contra isto ha que dizer...).
Assim, — POIS, — acontece aos soberbos. (P. Man. Ber-
nardes). — {Pois assim acontece...).
Justifica-se a intervenção da virgula em tal caso pela
consideração de em nada actuar a ligação assim transposta
sobre as palavras entre as quaes appareça collocada.
10.“ R E G R A

(CONSTRUCÇÃO equivoca)

683. Emfim a virgula tem de intervir ainda entre


termos que, aliás por suas relações reciprocas a rcpcllcm,
se ella consegue, por sua interposição, obstar a uma am-
phibologia proveniente de uma construcção mais ou menos
descuidada.
Ex. E, sendo estes jogos dos gentios tão honestos, tão
racionaes e tão sizudos, que affronta é dos christãos que to­
massem delles os dados e cartas! (P. Ant. Vieira).
Com esta pontuação póde alguém hesitar sobre se se
deve entender dos jogos ou dos gentios a qualificação de tão
honestos, tão racionaes e tão sizudos. Porém, interpondo-se
uma virgula entre gentios e tão honestos... {E, sendo estes
jogos dos gentios, — tão honestos, tão racionaes e tão sizudos...),
basta este signal para desfazer a ampbibologia, por indicar
que a referencia dos mencionados qualificativos retrocede a
jogos, e não a gentios, que esta também foi a tenção do
autor.
Outrosim evitára-se mais naturalmente a ampbibologia
])or uma construcção diversa: E, sendo tão honestos, tão ra­
cionaes e tão sizudos estes jogos dos gentios, que affronta é dos
christãos..,
558 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

A s s im como é n a tu re z a da u n iã o d e m u ito s f a z e r um
vfei>a/ u n iã o d e p o u co s f a z e r m u ito s. (P. Ant!

pausa: ... n a tu re z a d a u n iã o d e m u ito s ...


transtornaria o pensamento do
m ila g re d a u n ia o d e p o u c o s ...
se S ÍT "" intervenção da virgula para tornar o
Assim como é natureza da união, — de muitos fazer um
assim e milagre da união, — de poucos fazer muitos. ’
F o r v e n tu ra a fo m e do p o h re é p r a to do rico ? ou o v a -
decer a q u elle e a r r e c a d a r e s te ? (P. Man’. Bernardes).
Para obstar a que um leitor distrahido dê a entender
que ... a q u elle e a r r e c a d a r ... convem pontuar a oração como

... ou 0 padecer aquelle, — é arrecadar este?


Reprehender obras alheias é cousa facil; fazê-las semme
custa mais. (Franc. Eodrigues Bobo). ^
Seria transtornar o pensamento pronunciar juntamente :
...faze-las sempre.... Escreva-se, portanto: ....fazê-las _
sem p re c i^ ta m a is. Porém mais regularmente fôra evitada
posposição de sem p re a c u sta
(fa z e -la s c u sta sem p re m a is ) .
N ã o p a r e c e ju s tiç a que, p o r c u lp a d e p o u c o s, padeção
m u ito s in con ven ien tes. (D. Hieronymo Osorio). ^ ^
Ficaria igualmente trastornado o pensamento, se o tom
Pm-J apposição de in co n ven ien tes.
^ P(^rece ju s t i ç a que m u ito s, p o r
cu lp a d e p o u co s, p a d e ç a o in con ven ien tes. Porém, não sendo
licUo alterar uma citação, remedeia-se-lbe em tal caso pela
11 gula: ... p a d e ç ã o , — m u ito s, — in con ven ien tes.
Seja, aliás, como fôr, deve o que escreve, e môrmente
publico, prociirar fugir ás ambigui-
nnA L Í? construcções bem estudadas,^do
guL ^^^ palliativo de um recurso tão excepcional á vir-

COLLOCAÇÃO DA VIRGULA ENTRE PROPOSIÇÕES

1.« R E G R A

(PROPOStÇOES DE TERMOS OU ANNEXOS COMJIUNS)


684. Quando, em duas ou mais proposições successivas
da mesma ordem, isto é, igualmente principaes, comple-
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 559

mentarias ou incidentes, os factos têm, em commum, um


mesmo sujeito, um mesmo complemento directo ou indi­
recto, um mesmo predicado, ou emfim íicão todos correla­
cionados com uma complementaria ou incidente igualmente
commum, as mesmas proposições se separão umas das
outras pela virgula.
B x . O s’poRQüÊs DESTA DESUNIÃO nenJiuma cousa valem, —
nenhuma cousa montão, — nenhuma cousa pesão ; e as conse­
quências DELLA montão tudo, — pesão tudo, — e levão tudo.
(P. Ant. Vieira).
As RIQUEZAS, diz S. Bernardo, adquirem-se com trabalho,
— conservão-se com cuidado, — e perdem-se com dór. (P. Ant.
Vieira).
A ARANHA não tem pés, — e tem pequena cabeça, — e
sabe muito bem o seu conto. (P. Ant. Vieira).
U m non, por qualquer parte que o tomeis, sempre é ser­
pente, — sempre morde, — sempre fere, — sempre leva o veneno
comsigo. (P. Ant. Vieira).
P ara derribar um reino e muitos reinos onde iia
DESUNIÃO, não são necessárias batterias, — não são necessários f
trabucos, — não são necessárias balas nem polvora : basta uma
pedra. (P. Ant. Vieira).
Levados de ambição, querem os homens mais do que podem
e devem : por isso, o s altos cahem, — os grandes rebentão, — 1
e todos se perdem. (P. Ant. Vieira).
D este modo se conquista no mundo a fama immortal, —
e se assegura também no céo a gloria eterna. (P. Ant. Vieira).
Com a carga demasiada cahe o jumento, — rebenta o
canhão, — e vai-se o navdo a pique. (P. Ant. Vieira).
Se a carga pôr proporcionada ao calibre da peça,
AO BOJO DO NAVIO, E Ã FORÇA OU FRAQUEZA DO ANIMAL, WO
mar far-se-ha viagem,— na terra far-se-ha caminho, — e na
terra e no mar tudo andará concertado. (P. Ant. Vieira).
Os que vivem e reinão das portas a dentro, estes são os
aduladores, que louvão o eque não deverão louvar, — e applau-
dem 0 que não deverão applaudir, — e ajudão o que deverão
estorvar. (P. Ant. Vieira).
Antigamente, na republica hebrêa, e em muitas outras, os
tribunaes e os ministros estavão ás portas das cidades... Vinha
0 lavrador, — vinha o soldado, — vinha o estrangeiro qom a sua
DEMANDA, COM A SUA PRETENÇÃO, COM O SEU REQUERIMENTO;
e sem entrar na cidade, voltava respondido no mesmo dia para
a sua casa. (P. Ant. Vieira).
560 NOVA GÊAMMATiCA ANALYTICA

«’«ms qual é o fructo das minas, e o que fazem


esses nos de ouro e prata trazidos de tão lonqe ■ coa as'^sdam
enchentes inundão a terra, ~ opprimem os p L s - Z Z ã o
as casas, — destroem o reino. (P Ant. Vieira) ’
Quando as pkotas havião de paetir uns conenrriõn
com o prestmo de suas artes para os appreaòs^-oZ os c Z
outros com o dinheiro amoedado para os soidos,bastimentos,-
o ltZ o fZ r L t' “ “
— outros com.
as próprias pessoas, embarcando-se forçados. (P. A n ^ V ieiraf

r m b ld Z e Z — a S ^ ò s liZ n q Z ts — bonrãò os

S" ."„s.ín.-ctrAi ^
abracão oJ d c T itl, “ ^»nqeiros, — desprezao os virtuosos, —

mal f 1 ^ 'desengano sem dilação é um


^Zo uZatL To ’'T’ ™ “ " S 0 QDE

livTài^ZeZTZfadrZZZ-nZ ttZ o
ausência da minha casa, - Z Z Z ^ Z n r e Z Z Z eZ s
7

p ? :^ S 5 íis s :£ :=
^ e n t ^ ’o f a ^ n n e t s ^ ^ a s ^ r t e n S ^ ’ “
(P. Ant. ^ ^ conserva os reinos, é a união.

«rri7i~ ~ tr ,rs. vssf


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que 0 hei de amar euf (P . Antr Vieira)
= ; ~ ^^»
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NASCE — V v ^ v l ”( P .'^ A lt .’* V ie i r a ) ” *’**^ m undo, a este fim
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 561

O avarento com a rapacidade a p a n h a , — a j u n t a — e


ROUBA quanto p ó d e — e n ã o p ó d e ; e com a tenacidade r e ­
t e m ,— CONSERVA — E AFFERROLIIA tudo de tal parte, que nada
lhe sake da mão. (P. Ant. Vieira).
Para se gerar um raio é necessário que a matéria seja
crassa e pingue, porque se não d i s s i p e — ou a p a g u e o fogo
antes que chegue á terra. (P. Ant. Vieira).
Eu bem creio do bom entendimento de alguns, que, no mesmo
tempo em que l o u v ã o — e a p p l a u d e m com a boca, g e m e m —
E CHORÃO com 0 coração. (P. Ant. Vieira).
A verdadeira caridade não a f a g a — n e m c o n d e s c e n d e
ao proximo em suas cidpas, mas r e p r e h e n d e — e c a s t i g a
como PÓDE — E d e v e . (D. Fr. Bartholomeo dos Martyres).
A lepra pega-se aos vestidos e ás casas, e os c o n s o m e —
E AFEiA ; também a usura destróe as casas e familias, e as
e m p o b r e c e , d e s p e j a — E AFFRONTA. (P. Man. Bernardes).

686. Succedendo, porém, que os faetos, embora unidos


pela regencia de um sujeito commum, ou não venbão a
topar um com o outro, ou tenhão cada um o seu proprio
complemento ou anncxo, ou emíim que, sendo o comple­
mento um só, este não cáiba senão ao facto junto ao qual
se acba, a ligação copulativa não póde já abrogar a virgula,
porque basta uma ou outra destas disparidades de relações
para desirmanar os factos.
Ex. Tudo RENUNCIOU Seneca, — e a p p l i c o u a o f isc o
REAL. (P. Ant. Vieira).
Não é homem quem aqui não p a s m a , — ou n ã o d i g a
OLHANDO PARA SI : « Não posso ! » (P. Ant. Vieira).
Que disserão as arvores que offerecêrão o governo f Pis-
serão a cada uma das outras: « V i n d e , — e g o v e r n a i -n o s . »
(P. Ant. Vieira).
Se, emfim, o soldado se vê morrer a fome d e i x e -s e m o r r e r ,
— E VINGUE-SE. (P. Ant. Vieira).
Estas minas são como as da polvora, que sempre a r r u i n ã o ,
DERRiBÃo, — E PÕEM POR TERRA O que IJies fica mais perto.
(P. Ant. Vieira).
A necessidade é a que mette ou precipita o mineiro ao
mais profundo das entranhas da terra; e, sem temer que as
mesmas montanhas que tem sobre si, cÃiÃo, — e o s e p u l t e m ,
elle lhes v a i c a v a n d o a s r a i z e s , — e s a n g r a n d o a s v e i a s .
(P. Ant. Vieira). ’
Porque não lhe diz Deos, a Josué: « E sforçai-vos , — e
TENDE v a l o r , porque haveis de conquistar esta terra aos ini-
36
562 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

migos;)y senão: « E s f o r ç a i -vos, e — íte n d e v a l o r , jporque


haveis de repartir esta terra ao povo de Israel ? » (P. Ant.
Vieira).
Finalmente p e r d e m -s e , — ou a c a b ã o d e s e p e r d e r as
quasi perdidas almas. (P. Ant. Vieira).
Com essa mal considerada vaidade, que e o q u e a d q u i ­
r i s t e s , — ou 0 QUE p e r d e s t e s ? (P. Ant. Vieira).

O que adquiristes co m o q u e t í n h e i s , — e co m o q u e
NÃO T iN iiE is, forão as invejas dos amigos, as murmurações dos
sizudos, as perseguições dos credores, e a desgraça e máo con­
ceito dos mesmos principes a quem quizestes lisonjear. (P. Ant.
Vieira).
Oh! caso estupendo e inaudito! ninguém pôz a mão na
pedra; ella por si s e d e s p e g o u , c a h i u , — e r o d o u d o m o n t e
— E DESFEZ. (P. Ant. Vieira). ’
A isto me respondeu o infante F. Fuarte: « Assún quero
eu que n o s v e j ã o , — e e n t e n d ã o com o d e v e m d e t r a t a r
SEUS m e s t r e s . (Mestre André de Eezende).

687. Vindo a veriíicar-se, junto a factos entre si cor­


relacionados, uma ou outra das theses ventiladas em relação
a termos compostos nos §§ 671, 672 e 673, a interjiosição
da virgula tem lugar pelos mesmos motivos alli allegados.
Ex. A amizade, — ou s u p p õ e , — ou in d u z igualdade nos
sujeitos. (P. Man. Bernardes).
Concluirei finalmente por dizer que, — n e m s e d e v e m i n -
TEIRAMENTE DESPREZAR OS ADULADORES, — NEM SEGUIR CEGA­
MENTE O QUE ELLES DIZEM.

E ' a guerra aquella calamidade composta de todas as


calamidades, em que não ha mal algum que, — o u se n ã o
PADEÇA, o u SE NÃO TEMA, nem hcm que seja vroprio e se­
guro. (P. Ant. Vieira).
Mas, por mais cpue destas circumstancias conjecture a van-
sahedoria felicidades, o certo é que, — n e m o t e m p o a s i n f l u e ,
-— NEM A PATRIA AS PRODUZ, — NEM DuS MESMOS PAIS sÉ
HERDÃO. (P. Ant. Vieira).

^ A adolescência, em quem ferve o sangue, e, com elle, os ví ­


cios, corre como hruto sem rédea, precipita-se como cégo sem
gma, se, — ou a n ã o e n c a m i n h ã o , — o u a n ã o s o f f r e i ã o .
(Fr. Man. Consciência).
Sahiu a pomba da arca, e diz o texto sagrado que, — jÁ
IA, — JÁ TORNAVA, — JÃ TOMAVA PARA UMA PARTE, — JÁ
PARA OUTRA, e que não achava onde descansar. (P. Ant.
Vieira). ^
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO

A el rei D. João I I I disse um fidalgo muito pobre, e de


muitos serviços: Senhor, s e i -vos s e r v ir , — e não se i vos
PEDIR. (P. Man. Bernardos).
Os jogos são tão antigos como o tempo ; e, porque este
PASSA — E NÃO TORNA, não sci S6 com razão ou sem cila,
Uies chamavão passa-tempos. (P. Ant. Vieira).
As piimeiias creaturas que com suas vozes nos injurião e
envergonhão, entre aquelles que o mesmo Senhor crEou — mas
NÃO REMIU, — são as aves. (P. Ant. Vieira).
E ' a luz mais benigna que o sol, porque o sol, — não só
ALLUMIA, MAS ABRAZA J a luZ ALLUMIA, — E NÃO OFFENDE
(P. Ant. Vieira).
Toda a creatura dotada de vontade livre, — não só a p p e -
TECE SEMPRE SER MAIS DO QUE É, — SENÃO TAMBÉM QUER
MAIS DO QUE PÓDE. (P. Ant. Vieira). — (... e sim também
quer...).
Primeiramente sahia este rio de fogo da boca de Eeos,
porque, — não só as cousas naturaes são e ffe it o s da sua ^
BOCA E DA SUA VOZ, — SENÃO TAMBExM AS ARTIFICIAES, quando,
querendo ou permittíndo, dispõe sua providencia que se facão
(P. Ant. Vieira). ^ ’
Tão tyrannisadas andão entre os aduladores as mesmas
majestades aduladas, que, — não só l h e s não d izem a v e r ­
d a d e , nem cquerem que outros a digão, — mas afastão e
LANÇÃO muito longe DA CORTE A TODOS OS QUE LII’a PODEM
DIZER. (P. Ant. Vieira).

2.« REGRA

( proposições COMPLEx
MENTARIAS)

688. Assim como já forão definidas, as proposições


complementarias são as que se arrimão, ou a uma propo­
sição defieiente, para lhes perfazer o sentido {Pediu Sansão
a seus pais — que l h e dessem por m u lh er uma p h il is t é a ),
ou a um simples termo de outra proj)osição, 2^)ara lhe tornar
a significação estricta {Concedêrão-lhe o — que p e d ia ). —
(P. Ant. Vieira).
Porém, em um como no outro caso, o seu caracteris-
tico esseneial é que, sendo sempre encetadas f»or uma li­
gação subordinativa {que e se, com os congcneres), não se
possão subtrahir sem que disso fique invalida a ornf'i açao
{Pediu Sansão a seus pais. . . ? ! — Concedêrão-lhe o...?l)
Tão intima, tão indefeetivel correlação entre a jiropo-
sição complementaria e a j>roposição ou termo anterior a
564 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

que se prende, deveria de per si bastar para tornar intui­


tiva a conveniência da omissão de toda o qualquer virgu-
lação no lugar onde se effectua o enlaçamento ; porém
dá-se mais outra consideração, não menos valiosa, e vem
a ser que, sendo as incidentes também geralmente iniciadas
por uma ligação subordinativa, ellas, pelo contrario, re­
querem a anteposição da virgula como signal de discrime,
constando disso que, podendo ser eliminadas sem invalida­
ção da oração, o seu prestimo é meramente accessorio ;
pois apenas adduzem ao pensamento geral uma exj)licação,
uma confirmação, azada sim, mas, em rigor, desnecessária.
Ex. Os homens com suas más e perversas cuhiças vêm
a ser como os peixes, — que se comem uns aos outros . (P .
Ant. Vieira). — Pois, tirando-se a incidente, nem por isso
deixa de permanecer intelligivel e veridica a oração : Os
homens com suas más e perversas cubiças vêm a ser como os
peixes.
Não reparo agora em que o Senhor affirme que mais erão
aquelles dous ceiüs do que aquelVoutras ojffertas maiores, —
PORQUE LOGO ELLE MESMO DEU A RAZÃO DISSO, — COViparando
0 que ficava aos ricos, — que er a m uito , — com o que ficava
áquella pobre, — QJJE er a n a d a . (P. Man. Bernardes).— Não
reparo agora em que o Senhor affirme que mais erão aquelles
dous ceiüs do que aquelVoutras offertas maiores, comparando o
que ficava aos ricos com o que ficava âquella pobre.
O b serv a çã o . Este critério, que discrimina por um
meio facil duas cspecies de proposições essencialmente di­
versas, é a contestação categórica do seguinte aphorisme,
de grande voga nas escolas, apezar de ser um dos mais
absurdos do empirisme grammatical : « Em portuguez, antes
de QUE, sempre virgula. » Que não haja nesta qualificação
de absurdo nenhuma irrespeitosa exageração de censura,
deprehende-se da curiosa observação que, na mesma obra
onde tal preceito apparece preconisado em teor de oráculo,
como nas mais que com toda a deferencia o adoptárão,
podeni-se contar ás centenas os ques não precedidos do
yirgulino batedor, o que é certamente a confissão mais
ingênua de, mesmo para os adeptos, ser tão absoluto prin­
cipio inconciliável, em grande numero do casos, com os
cstylos constantes da lingua portugueza. Imagine, com
eífeito, alguém, por menos versado que seja em questões de
pontuação, se leria sem pasmo o tão notorio provérbio do
P. Ant. Vieira, que ahi se segue, recortado pela virgula de
conformidade com a citada regra: « Quem quer mais do, —
que lhe convem, perde o, — que quer, e o, — que tem / »
Ora dahi proveiu o que sempre provem do dogmatismo
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 565

dcsprezador da experimentação : uma anarchia tão completa


nesta parte da pontuação, que, até nas obras destinadas a
servir de normas nos cursos de lingua, trechos da mais
perfeita identidade ostentão-se discordemente pontuados,
sendo assim de suppôr que a tarefa da revisão foi incum­
bida a quem nenhum principio tinha assente na matéria.
Um pernicioso preconceito que se originou de tantas
variantes inexplicadas c inexplicáveis, é a opinião assaz
geralmente diífundida que a pontuação, mera questão do
tino pratico, não merece as honras de um regulamento
baseado no raciocinio, e menos ainda as ventilações de um
estudo detido. E tanto é assim, que a maior parte dos
grammaticos enfeixárão inconsideradamente os siguaes do
pontuação com os signaes orthographicos, como se hou­
vesse alguma cousa commum entre traços graphicos inte­
ressando apenas a pronunciação das palavras, e traços
graphicos graduando os pensamentos conforme a sua mutua
dcpendencia ou independência.
Entretanto bom é ficar advertido de que não ó nada
somenos o papel que representa a pontuação no assento
das transaeções sociaes; porquanto, quer nos tratados in-
ternacionaes, quer na redacção das leis, quer emfini nas
simples convenções de interesse particular, o desejo do
acertar na applicação de seus signaes desperta nos homens
sérios quasi a mesma circumspccção e desvelo que a própria
formulação do texto, porque sabem quão poderosamente
ella concorre a firmar um sentido determinado, ou a pre­
venir equivocações.
Porém, voltando ao aphorismo que motivou estas re­
flexões, não se póde negar que eile tem toda a applicação
cm allemão, porquanto complementarias e incidentes se en­
contrão, nessa lingua, igual e invariavelmente precedidas
da virgula. Todavia nenhuma inferência se pode deduzir
desse uso para legitimar a sua introducção nos idiomas
neo-latinos em geral, e no portuguez em particular. Basta,
com eífeito, attender á estructura artificiosamente enros­
cada da falia tudesca para chegar á convicção de que póde
ter nella todo o cabimento uma virgulaçao que nenhum
tem em linguas de construcção mais lisa, como as noo-la-
tinas. E afinal, ainda quando assim não fosse, bem pouco
importa o que fação outros, comtanto que o que fazemos,
tenha o cunho do bom senso.
689. E’ consequência natural do principio aqui adop-
tado que as complementarias encadeadas, isto é, normal-
mento infileiradas umas após as outras, não admittam a
interposição da virgula; porque, sendo successiva e indefe-
566 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

ctivelmente solidarias, não apresentão ao espirito solução


alguma de continuidade. ^
liiX, E impossivél que a in v e j a d e ix e de perse­
g u i r — a QUEM os p r ín c ip e s am ão . (P. Ant. Vieira).

Não é bom para amigo o — que me r e v e l a os segredos


DE OUTROS — COM QUEM PRIMEIRO TEVE AMIZADE. (P. Man
Bernardos). ^
Fiimeiiamentc assentemos— que a v e r d a d e ir a a m iza d e
NÃO P O ^ CONSISTIR ENTRE PESSOAS — QUE A NÃO TÉM COM
D eos . (P. Man. Bernardes).
Costumava o sahio D. Affonso, rei de Aragão, não negar
seus favores ás pessoas — que s a b ia m uito bem — que d iz iã o
MAL DELLE. (P. Man. Bemardcs).
Confesso — que tom ara v e r esta l in g u a g e m em toda
OUTRA PESSOA ANTES QUE NA BOCA DOS — QUE TANTO ME
TocÃo. (Fr. Luiz de Souza).
Quereis — que se cu ide —
que su st en t a is o po b r e p r e ­
tendente NA FALSA ESPERANÇA — PORQUE SÃO MAIS RENDOSOS
OS — QUE ESPERÃO — QUE OS DESENGANADOS? (P. Ant. Vieira).
Confesso que não me atrev o nem posso a ca ba r de
commigo d e spe n d e r nem um só r e a l fóra dos t e r m o s __
QUE d evo ã v id a m onastica — QUE PROFESSEI. tFr. Luiz
de Souza). ^
Não ha palavrasque possão en ca recer n em d ecla ­
r a r o SOBRESALTO —
QUE O HOMEM RECEBEU — QUANDO CO­
NHECEU — QUE TINHA O ARCEBISPO EM CASA. (Fr. Luiz de
Souza).
Eis-aqui o que v êm a não po d er os — que querem
MAIS — DO QUE PODEM. (P. Ant. Vieira).
Considero eu que ha m andam entos da lei da I n-
VEJA — ASSIM COMO HA MANDAMENTOS DA LEI DE D eos (P
Ant. Vieira). ' ^ ‘
Andava Saul pelos montes á caça de Eavid para lhe
tu ar a vida quando acaso entro u só em u m a g r u t a _
ONDE 0 mesmo D a v id esta v a escondido com os poucos —
QUE SEGUIÃO SUA FORTUNA. (P. Ant. Vieira).
Nós espantados de uma cousa tão nova, lhe respondémos
QUE LHE ped ía m o s — QUE NOS DISSESSE — QUE HOMEM
ERA AQUELLE. (Fcmão Mendcs Pinto).

690. Achando-se, porém, uma complementaria encra-


vada em outra proposição, convem assignalar-lhe por uma
vírgula 0 lugar onde acaba, para por este meio obstar a
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 567

que 08 termos das duas proposições venhão a ser por acaso


confundidos, c porque, além disso, uma pausa sensivel da
voz 0 requer.
Ex. A maior pensão — com q ue D eos creou o hom em ,
— é 0 comer. (P. Ant. Vieira).
A mais dura cousa — que tem a v id a , — é chegar a
pedir. (P. Ant. Vieira).
Dar só aos — que m erecem , — é premiar. (P. Ant.
Vieira).
A primeira vez — que se pr o ph et iso u n este mundo
HAVER UM HOMEM DE SERVIR A OUTROS, — fOÍ COlll 0 UOme
de maldição. (P. Ant. Vieira).
A lingua hebraica chama ao negar o — que se p e d e , —
envergonhar a face. (P. Ant. Vieira).
Xsto — QUE FAZ A NATUREZA NOS BOSQUES, — faZ a adu-
lação nos palacios. (P. Ant. Vieira).
Q — QUE DISSE A PRIMEIRA VOZ, — é 0 — quc todos uni-
formemente repetem. (P. Ant. Vieira).
Q — que SUSTENTA E CONSERVA OS REINOS, — é a UniãO.
(P. Ant. Vieira).
Para derribar um reino e muitos reinos — onde h a d es ­
u n iã o , —não são necessárias balas. (P. Ant. Vieira). —
( . . . EM QUE ha desunião...).
0 amigo — que se h a de escolher e a c eita r , — não
\ a de ser de natural suspeitoso, iracundo, mudavel, chocalheiro
e verboso. (P. Man. Bernardes).
Está posto em razão — que — quem fez muitos po b r e s ,
— lhes fizesse casa — onde os recolher. (P. Man. Bernardes).
— (Está posto em razão — que aquelle — que fez muitos
POBRES, — lhes fizesse casa — em que os Ipudesse) recolher).
Xudo — QUANTO houve, — paSSOU J — tudo — QUANTO É,
— passa. (P. Ant. Vieira). — (^Tiido o — que h o u v e ,
passou; tudo o — que é , — passa).
Q uem quer, — vai; quem não q u e r , — manda. P. Man.
Bernardes). — (Aquelle — Qu er , — vai; aquelle —
NÃO QUER, — manda).
692. Se succede que, em vez de uma só complemen­
taria, vcnbão a se achar encravadas duas ou mais enca­
deadas, a virgula se remove para depois da ultima.
Bx. Para fundamento íío— que pretend o d iz e r sobre
0 SOBERANO NASCIMENTO — DE QUE CELEBRAMOS A MEMÓRIA

í/í -a '% * •' y


NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

NESTE felicíssimo dia , — coYisideremos 'primeiro — que cousa é


nascer, — e philosophemos urn pouco. (P. Ant. Vieira).
^ QUE^ MAIS SE DEVE SENTIR NESTAS DESATTENÇÕES
DOS — QUE TÊM OFFICIO DE RESPONDER, — SãO OS d a m i O S pu-
blicos — que dellas se seguem. (P. Ant. Vieira).
A pedra que fez aquelle tiro fatal — com que de
UM golpe obrou TAMANHO ESTRAGO, — que mão c que im­
pulso foi 0 — que a atirou ? (P. Ant. Vieira).
Mas, no mesmo tempo — em que estás chorando o —
QUE CONDEMNAS, — 7ias de louvar o — que choras! (P. Ant
Vieira).
Mespondeu S. André — que todos os pães — que havia
— não passavão de cinco. (P. Ant. Vieira). ’
3.“ R E G R A

( complementarias transpostas)

693. As complemeiitarias são transpostas quando a


ligaçao que as enceta, nao se acha, por qualquer motivo,
immediatamente posposta á jDroposiçao ou ao termo ao
qual ella se prende pelo sentido. Ora, por ampliação de
um principio já aventado em relação aos termos, é natural
que, em tal caso, a mesma complementaria tenha de ser
piecedida da virgula, para ficar estabelecido por este signal
que elle nada tem de destrinçar com o que lhe vai imme­
diatamente anteposto. E esta é a razão também por que
as complementarias collectivas aceitão entre si a virgula
que as encadeadas repellem. ^
Mouve jamais algum anachoreta dos — que hahitavão
as covas, — que fizesse tal penitencia ? (P. Ant. Vieira).
— —(Dos anachoretas que hahitavão as covas, — houve jamais
algum — que fizesse tal penitencia ?).
^ ^ O mesmo Salomão confessa de si que nenhuma cousA
virão^ seus olhos, nem inventárão seus pensamentos, nem appe-
tecêrão os seus desejos, — qjj-elhes negasse. (P. Ant. Vieira).
(... NENHUMA COUSA— QUE LHES NEGASSE).
Um é affeiçoado á caça; e, — quando os cães andão
LUZIDIOS E ANAFADOS, — ver-lhc-lieis os criados pallidos e
mortos a fome. (P. Ant. Vieira). — (... e ver-lhe-heis os criados
pallidos e mortos a fome — quando os cães andão luzidios
E anafados).
Porém, DEPOIS que a terra se dividiu em diffe -
rentes SENHORES, — logo houve guerras e batalhas. (P. Ant,
Vieira). — {Porém houve guerras e batalhas logo —
QUE A TERRA SE DIVIDIU EM DIFFÉRENTES SENHORES).
E me affirmou pessoa — que o podia saber, — queo es­
crivão DESTA JUDICATURA TRAZIA PROVISÃO DE SUA MaJES-
TADE. (P. Ant. Vieira). — {E pessoa — que o podia saber,—
affirmou-me — que o escrivão desta judicatura trazia
PROVISÃO DE Sua Majestade).
Grande alegria será a dos — que agora padecem, —
QUANDO ouçÃo DIZER: céo ! céo! (P. Ant. Vieira). — {Dos —
que agora padecem, — grande será a alegria — quando oução
dizer : céo! céo!).
Muito ferro e muito bronze, muito ouro e muita prata
tinha a estatua ; mas, — porque lhe faltou a união, — não
lhe servirão de nada estes metaes bellicos e ricos. (P. Ant.
Vieira). — (... mas não lhe servirão de nada estes metaes bel-
licos e ricos — porque liie faltou a união).
Elles, — QUANDO nos vírão, — parárão um pouco. (Fernão
Mendes Pinto). — {Elles parárão um pouco — quando nos
vírão).
« Faze conta — que o teu reino é tua casa, — e que os
TEUS VASSALLos SÃO OS TEUS AMIGOS. )) (P. Man. Bemardos).
— (... e faze conta — que teus vassallos são teus amigos).
(( Estas palavras querem dizer — que V. A. é pó e cinza,
— E QUE NELLA SE HA DE TORNAR MUITO BREVEMENTE. ))
(Fr. Luiz de Souza). — (... e estas palavras querem dizer —
QUE NELLA...).
O bservação. A suppressão accidental da ligação su-
bordinativa não autorisa a intervenção da virgula.
Ex. Pediu Sansão a seus pais — que lue dessem por
mulher uma philistêa. Da mesma maneira pediu o prodigo a
seu pai — LHE desse em vida a herança que lhe havia caber
por sua morte. (P. Ant. Vieira).
4.“ R E G K A

( complementarias por comparativos)

694. Toda e qualquer comparação é a operação que


effectua o juizo quando, tendo de se pronunciar sobre dous
termos syntaxicos que lhe são parallelamento propostos,
opina pcia sua igualdade, inferioridade ou superioridade
correlativa.
O primeiro dos dous termos é gcralmente notificado
pela assistência de um advérbio de quantidade, ou por uma
570 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

palavra implicando em sentido ou por contracção um tal


advérbio; o segundo o é sempre por uma conjuncção ou
locução subordinativa, ou palavra implicando por con­
tracção uma conjuncção desta especie.
As expressões características dos tres gráos de com­
parativos são:
Para o de igualdade,
TÃO ............... COMO ou QUÃO,
tal ............... COMO ou QUAL,
TANTO ............... COMO OU QUANTO;
Para o de inferioridade,
menos ............... QUE ou DO QUE;
Para o de superioridade,
mais ............... QUE ou DO QUE.
Dá-se tão sómente, em relação aos comparativos de
igualdade, uma excepção, que é a seguinte:
Falta frequentemente, junto ao primeiro termo, o vo­
cábulo que o tem de caracterisar (tão, tal, tanto).
Ex. Sejão os príncipes — como Christo no repartir, e
sejão os vassallos — como os discipulos no contentar-se, e ces­
sarão as queixas. (P. Ant. Vieira). — {Sejão os principes
TAES — COMO Christo... e sejão os vassallos taes — como os
discipulos...).
Semelhante omissão se nota nos seguintes exemplos:
As sortes serião — quaes quiz a ventura; mas a peior e
mais certa foi a da pohre casa. (P. Ant. Vieira). — (As sortes
serião [ taes] — quaes quiz a ventura...).
O avarento, com a rapacidade, apanha, ajunta e rouba—
QUANTO póde e não póde.^ (P. Ant. Vieira). — (... ajunta
rouba tanto — quanto póde e não póde).
e
G95. ^ De tudo o que fica exposto, o que intuitivamente
occorrc, é que, sendo da essencia da comparação adduzir
ao espirito, em acto continuo, dous termos para que sobre
elles opere o juizo, não póde razoavelmente separar-se por
algum signal de pontuação o que mentalmente anda tão
abraçado.
Ex. Os jogos são tão antigos — como o tempo. (P. Ant.
Vieira).
Assim illudido pelos Magos, o triste de Herodes andaria
tão raivoso — gouo parvo. (Fr. João de Ceita).
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 571

« Lá vai 0 senhor L. João de Mascarenhas, tal — qual


os Mouros e Gentios confessão. » (D. João de Castro).
Calvisio Sabino era tão pobre de memória — como abas­
tado de fazenda. (P. Man. Bernardes).
A doutrina que ensinaes é tal — como a vossa vida. (Fr.
João de Ceita).
Nestes e outros semelhantes exemplos, taes importava
fossem os sacrificios — qual era o deos a quem se dedicavão.
(P. Man. Bernardes).
Porque se não ha de desenganar o pobre pretendente que
TANTO mais 0 empobreceis — quanto mais o dilatais ? (P. Ant.
Vieira).
Menos mal será um ladrão — que dous. (P. Ant.
Vieira).
Parece-me que vejo menos os estragos da violência de
um rio — QUE de um trovão subterrâneo. (B. Fr. Caetano
Brandão).
Mais louvável é evitar as injurias — do que vingar-se m
délias. (P, Ant. Vieira).
Mais força tem a verdade simples — que a mentira elo­
quente. (P. Balthazar Telles).
Mais dificultosos serão de achar dous homens de bem —
QUE um. (P. Ant. Vieira).
Maior gloria é emendar — que castigar. (P. Ant. Vieira).
E ' MELHOR a ruim paz — que a boa guerra. (P. Ant.
Vieira).
São PEiO R Es os homens — que os corvos. (P. Ant.
Vieira).
Parece menor temeridade tirar do fundo do mar pérolas
e aljofar — que do seio da terra o inimigo ouro. (Franc.
Kodrigues Lobo).
Então 0 lobo, enfadado tanto mais — quanto mais con­
vencido, disse : « Pois, se não fostes vós, foi carneiro vosso pai.
(P. Man. Bernardes).
Observação. O advérbio antes servo frequentemente
a formar um comparativo que póde ser equiparado ao de
superioridade, e por isso exclue do mesmo modo a vír­
gula.
Ex. Dizia Seneca que antes queria offender ^ com a
verdade — que agradar com a mentira. (P. Ant. Vieira).
A ntes queira o principe mediocridade propria — que de-
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

masia alheia. — A ntes queira hons lados — que pés liqeiros.


(P. Ant, Vieira).
Estimao-se e conservao-se livros de fabidas, comedias, no­
vellas, cavallarias, e outros de mesma raça, que fôra melhor
estarem antes na fogueira — que na estante. (Fr. Man.
Consciência).
O mesmo se dá com um ou outro adverbio avocando
também a ligação que ou do que.
Ex. Esta doutrina ha de ser dourada e pequenina como
pilula, que quasi se sente primeiro engulida — do que amar­
gosa. (P. Man. Bernardes).
696. Apresentando-se, porém, invertidos os termos
constitutivos da comparação, a virgula tem de intervir
para, como cm todos os casos do transposição, assignalar a
anomalia de estructura.
Ex. Este é 0 primeiro privilegio dos pobres, a quem a
Providencia divina, — quanto nega de abundancia e regalo,
— TANTO accrescenta de vida. (P. Ant. Vieira). — (... a quem
a Providencia divina accrescenta tanto de vida — quanto
nega de abundancia e regalo).
Como ninguém póde servir a dous senhores sem amar a
um, e ser inimigo do outro, provado fica sem replica cque, —
QUANTOS forem nos palacios os amigos dos seus interesses, —
TANTOS são os iuimigos dos reis. (P. Ant. Vieira). — (... pro­
vado fica sem replica que — tantos são os inimigos dos reis
— QUANTOS forem nos palacios os amigos dos seus interesses).
A virgula tem de intervir igualmente quando, estando
embora normalmentc constituídos os termos da compa­
ração, uma proposição vem a interpôr-se entre um e outro,
porque fica assim interrompida a simultaneidade de apre­
ciação na ojieração do juizo sobre os mesmos termos.
Ex. Gosta ANTES dos — que te argúem, — que íZos — que
te adulão. (P. Ant. Vieira).
Disto lhe resultou, diante delles, novo louvor, e nova gloria,
edificando-se muito mais do desacostumado genero de vingança
— cque tomava de suas injurias, — do que se tinhão escanda­
lizado da semrazão delias. (Fr. Luiz de Souza).
Os titulos de senhores da conquista, navegação e com-
mercio mais dizem o — que éramos, — do que o — que somos.
(P. Ant. Vieira). — (... mais dizem o — que éramos, — do
QUE [dizeni] o — que somos).
Entendeu David que maior guerra fazia a Absalão com
um homem — que lhe rompesse os seus segredos, — que com
muitos mil homens que lhe rompessem os exercitos. (P- Ant.
Vieira).
REGUA

(complementarias pelos superlativos


TÃO, TAL E TANTO)
697 . o principio que veda a interposição de um signal
de pontuação ante complementarias normalmcnte enlaçadas
com o termo ou a proposição com a qual pelo sentido se
prendem, soffre duas derogações, das quaes é esta a pri­
meira. Toda a questão, no caso vertente, pousa cm uma
distineção que parece nunca ter sido ventilada em gram-
matica alguma, e por isso merece exame mais detido.
Tem-se considerado a enunciação do adverbio _tao como
a indicação indcfectivel de um comparativo de igualdade
porque ella o é effectivamente em grande numero de casos.
Porém se o mesmo vocábulo vem a actuar sobre um teimo
ao qu’ai nenhum outro, nem expressa, nem occultamente
corresponde, claro é que não ha mais comparaçao. Ora
isto é o que se verifica cm um sem numero de^ casos, nao
só em relação a tão, senão também cm relação a tal e
TANTO, onde o mesmo adverbio apparece contrahido.
Ex. Dizer não a quem pede, é dar-lhe uma bofetada com a
lingua: TÃo dura, tão aspera, tão injuriosa palavra e um
não. (P. Ant. Vieira).
Pois, como appeteceis o que não podeis ? Porque tal é a
cegueira de um entendimento ambicioso, e a ambiçao de uma
vontade livre. (P. Ant. Vieira).
Levados de ambição, querem os homens mais do que podem
e devem... Por isso se vêm tantas (/wedas, tantos desastres
e TANTOS naufrágios no mundo. (P. Ant. Vieira).
Nestes très exemplos, como cm todos os casos analogos,
O alcance significativo de tão. Junto a palavra ejn 9uc
Ltúa, recorda de um modo tão /n san to o,
compostos, que nenhuma inconveniência se da em consi
Z v llo como concorrendo a formar este grao de significação
( MUITO DURA, MUITO ASPERA, MUITO INJURIOSA polaVl a C
um n ã o ; - . . . muito grande 6 a
mento ambicioso ; — ... por isso se vem muito i requentes
quedas, muito frequentes desastres, muito frequentes nau­
frágios no mundo).
Mas, se até aqui nenhuma opportunidade lia, quanto
á pontuação, em attribuir a tão o relendo “1?“ “ ^*5' '
cativo, o cáso torna-so muito diverso quando, com osto
574 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

mesmo valor do superlativo, chega ollo a avocar em segui.


.Tmâ 1’°'’ ‘"'da'-sempre eneetadapor
uma igaçao subordinativa. e ser inauferivel, constituo uma
eomplementana tão formal quanto o são asque se origin™»
cle um comparativo, ^ °
Sómente, como nada se intrometteu a esmo nessa ad
e™ onw'o‘’^*‘’“ ‘"™ -P -a v da er^^ça ^m
S e um Procurao diffundir espíritos superficiaes,
1 . torna impossível a confusão das com­
plementarias por comparativo com as complementarias por
superlativo: este signal é que, constando l ligação sempíe

ompai ativo, ella sempre e necessariamente consta da con-


junoçao qüe nas de superlativo ( tão, tal, tanto, - w l )
im llc?c^ *‘‘"da insuficiente a
indicaçao, todos os escriptores denota forão levados nóde-
de a procurar, por mais um meio
de comnL™ “luivocação entre estas duas especies
de complementarias, e esse meio foi o de introduzir con- ■
tivo ^ Jirgula ante as complementarias de superla-
1 mX deste modo a applicação restricta do
u na formula geral para, em caso especial, resalvar-se a
lucidez e integridade dos pensamentos.
JVo exercido das armas era el rei D. Duarte tão
Ex.
dextro, — QUE MtnjíMm 0 excedia. (Duarte Nunes de Leão).
Em umas flores, o feitio é tão exqüisito, — que parece
stm ardes) ^ applicado. (P. -^Man.
São os dous moimentos (monumentos) tão juntos _out’
parecem um sò. (Fr. Luiz de Souza). que

no TC vidraças todas tão fortes no assento tão


cristallinas na vista, e tão vivas nas co r e s , p a l
sando ja de duzentos annos que servem, parecem na represent
taçao obra moderna. (Fr. Luiz de Souza).
E cousa TÃO NATURAL 0 responder, — que até os ve^
contrano,^ e tao grande violência não responder._oue aos
I Vieiia/^^^'^^ fez a natureza também surdos. (P. ^Ant.
A altura da igreja é tal, — que um braceiro clieaa mal
Souzaf 'lo

í i vor t a f o r f m ^ C ™ coruchéos mui altos, fabricados


S z a ). ^ ‘^‘lofucil subida ao alto. (Fr. L uíe do
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 575

E ' TAL O doce veneno da lisonja, — que, entrando pelos


ouvidos^ cega também os olhos. (P. Ant. Vieira).
T al é o mundo, — que muitas vezes parecem finezas da
amizade o que são odios refinadissimos. (P. Ant. Vieira).
T aes são os bens da fortuna, — que carecer delles é mi­
séria, e possui-los, perigo. (P. Ant. Vieira).
O avarento afferolha tudo de tal parte, — que nada lhe
sahe da mão. (P. Ant. Vieira).
Sansão, tirado em publico para ludibrio do povo, foi tra­
tado com TAES escarneos e indecências, — que, de corrido e
afrontado, com suas próprias mãos se tirou a vida. (P. Ant.
Vieira).
Achar algum amigo é o mesmo que achar um thesouro, e
tal, — QUE os de ouro e prata não têm comparação com eile. {>
(P. Man. Bernardes).
A variedade das flores é tanta, — que não sei onde havia
thesouro de tão diferentes ideas que as desenhasse. (P. Man.
Bernardes).
Cada palmo tem tanto que ver de delicadeza e artificio,
de trabalho e majestade, — que, considerado com attenção, im­
possibilita 0 engenho, e embota a penna para o deelararmos.
(Fr. Luiz de Souza).
Tudo isto fazião ellas com tanto primor e concerto, e
com uma quietação tão honesta, grave e severa, que
nós iamos como pasmados. (Fernão Mendes Pinto).
Sesostris, rei do Egypto, depois de vencer outros quatro
reis vizinhos, se desvaneceu a tanta soberba, que, em lugai
de outros tantos cavallos, mandou que ps quatros reis veneidos
tirassem pela sua carroça. (P. Ant. Vieira).
Mais facil era antigamente conquistar dous reinos na
índia que repartir duas commendas em Portugal. If to foi, e
isto ha de ser sempre. E esta, na minha opinião, é a maior
dificuldade que tem o governo do nosso reino; e tanto assim,
— QUE se pôde pôr em problema 7ia politica de Portugal se e
melhor que os reis fação mercês, ou que as não fação. (P.
Ant. Vieira).
A mór pena que os Athenienses tinhão em suas leis, era
a que se dava ao que descobria o segredo; e, em tanto se
quardava, — que tendo um tempo guerra eom Philippe de Ma­
cedonia, tomarão acaso umas cartas que mandava a swa mulher
Olympia, e Was tornárão a mandar cerradas. (Biogo do
Couto).
A prata, no tempo de Salomão, diz a Sagrada Escriptura
576 NOVA GRAMMATICA ANALYTiCA

que era tanta em Jerusalem como as pedras da rua; e neste


mesmo tempo erão tantos, tão multiplicados e tão exces­
sivos os tributos com que o glorioso e miserável povo susten­
tava a fama de ser seu um tal rei, — que, não podendo
supportar o peso tão intolerável com que em toda a vida os
opprirniu, e nem na morte os alliviou, a primeira cousa que
pedirão a seu successor Rohoão, foi a suspensão e remedio
destas oppressões. (P. Ant. Tieira).
Observação. O advérbio assim, quando convcrtivel
Q.m de TAL maneira, avoca por isso mesmo a mesma li­
gação, e conseguintemente o mesmo signal de pontuação.
Ex. A ssim se tempere o rigor da justiça, — que mi­
o s

nistros mostrem compaixão, e não vingança. (P. Ant. Vieira).


— {De TAL maneira se tempere o rigor da justiça, — que os
ministros mostrem compaixão, e não vingança).
A dvertência. JSTão se confunda com os termos tanto
e QUE das referidas complementarias a locução conjunctiva
TANTO QUE, de scutido analogo ao de logo que ou jã quej
visto como, por ser uma locução, isto é, uma expressão de
significado indivisivel, não admittc a interposição da vir-
gula.
Ex. A primeira cousa que fizerão os Nheengaihas tanto
QUE se resolverão á guerra com os Portuguezes, foi desfazer e
como desatar as povoações em que vivião. (P. Ant. Vieira).—
(... logo que se resolverão...).
Com toda a minha alma lhe digo que, tanto que cheqar
esta^ nova, V. A. ... se sáia a cavallo por Lisboa. (P. Ant.
Vieira). — (... logo que chegar esta nova...).
N ota. Com sentido e valor da locução conjunctiva
•COMTANTO QUE cncontra-sc, porém menos frequentemente a
locução COM TAL QUE. ’
Ex. Aplacado, o rei disse que perdoava com tal que
antes de sahirem de palacio, havião de dar conta de todas as
suas rendas e estados. (P. Man. Bernardes).
6.^ R E G R A

( complementarias por — SE)


698. Todas as proposições iniciadas pela ligação se
sao comj)lementarias, porque nenbuma se deixa eliminar
sem desvirtuar o pensamento ao qual se prende. Entretanto,
como a significação deste vocábulo não é uma só e sim
dupla (V. o § 275), a pontuação intcrveiu para estremar-
Ine as acce23ções.
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 577

699, O SE condicional, rcconhccivcl poi* sc prestar a


ser supprido pela locução caso que, passando então para o
subjunctivo o facto em que ella actíia, a não ser que alii
já se ache, enceta um genero de proposição de indole es-
scncialmente movmdiça ; porquanto até mais habitualmento
encontra-se ella anteposta do que posposta á proposição de
que depende, o que a faz um tanto parecida com as inci­
dentes.
Seja por este ou por outro motivo, a regra que lhe
assigna a observação dos estylos mais seguidos e mais
aceitáveis, é que a virgula a separe da proposição a que
se arrima, tanto nos casos de collocação normal ou directa
como nos do collocação anormal ou invertida, vindo a ser
assim este o segundo dos dous casos de derogação á lei
que rege as complementarias.
Bx. Que se corte a lingua á fama, — se fòr injusta .
(P. Ant. Vieira).
S e se guardar esta igualdade, — entrará em espe­
ranças 0 mosqueteiro e soldado de fortuna. (P. Ant. Vieira).
Como se animará o soldado a buscar a honra por meio '
das bombardas e dos mosquetes, — se vê em um peito o
SANGUE DAS BALAS, E NOUTRO A PURPURA DAS CRUZES? (P.
Ant. Vieira). wi
Se ALCANÇA MAIS ESTE COM O SEU ENGANO QUE O OUTRO
COM A SUA VERDADE,— qucm Iiavcrá que trabalhe? quem ha­
verá que se arrisque? quem haverá que peleje? (P. Ant.
Vieira).
Que importa que os cansemos em fechar as cidades de
muros, — SE A brecha está aberta nos corações ? (P. Ant.
Vieira).
Pois, --- SE NA UNIÃO ESTÁ O REMEDIO, E NA DESUNIÃO,
A ruína, — porque nos não aconselhamos com a nossa mesma
desunião para nos unirmos? (P. Ant. Vieira).
Não nos enganára o demonio com o mundo, — se nós
víramos e conhecêramos bem o que é a alma. (P. Ant.
Vieira).
S e o mundo TODO não pesa uma alma, — como pesão
tanto estes pedacinhos do mundo? (P. Ant. Vieira).
Este modo de accrescentar fazenda, também me atrevera
eu a dizer que é bom,— se neste mundo nÃo houvera uma
CONTA, E NOUTRO MUNDO, OUTRA. (P. Allt, Vicira),
S e no outro mundo não houvera inferno, e neste
MUNDO não houvera JUSTIÇA, — cra muito bom. (P. Ant.
Vicira).
^ 37
578 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

' ' Aguas e annos, — se se não aproveitão com bons em­


pregos, são, e pouco de estimar. (Fr. Luiz dc
OOUZ£l^,

Observação. Importa notar que todas as vezes que


um IMPERATIVO DISFARÇADO (V. § 421) se deixa converter
por meio de se, cm proposição condicional, o seu valor
logico não é já o de uma principal, e sim o de uma mera
complementaria, cm tudo adstricta á referida regra.
-Ex. P onde uma coroa na cabeça de A lexandre _
co7iquistará os reinos dé Dario. (P. Ant. Vieira). — (Se Vu-
ZERDES UMA COROA NA CABEÇA DE ALEXANDRE,— COnOUistará
os reinos de Dario).
Seja este meu trabalho de vós favorecido, — e eu o
haverei por bem empregado. (Franc. Rodrigues Lobo). — Se
for este meu trabalho de vós favorecido, — eu 0 haverei
por bem empregado).
E stimai 0 fructo dos engenhos, — e darão fructo.
^ (p ranc. Rodrigues Lobo). — (S e estimardes o fructo dos
engenhos, — darão fructo).

Castigue o príncipe culpados, premeie benemeritos


instrua-se em ^^hiQiÃo, ~ será eternizado. (P. Ant. Vieira)’.
(S e castigar o príncipe culpados, premiar benemeri­
tos, iNSTRuiR-sE EM RELIGIÃO, — serâ etemizado).
Além de não ser esta observação de pouca valia, por
contribuir a systematisar o jogo tão intrincado, e todavia
tao importante da pontuação, ella não se funda de modo
algum em um principio mais ou menos ficticio, senão muito
real, como aliás se presta a verificá-lo o seguinte exemplo
em quc^ ambas as fôrmas se encontrão por ventura em con­
frontação, e podem passar por uma conversão reciproca.
Paliando do P rincipe, o P. Ant. Vieira diz :
U se de doçura, — domará elephantes; SE DE VIOLEN-
CIA, — irritará cordeiros.
Isto é :
S e u sar de doçura , — domará elephantes : — use de
VIOLÊNCIA, — irritará cordeiros.
Comjirova-se mais pelo seguinte exemplo, em que a
proposição condicional transforma-se mui natural e suave-
mente em imperativo disfarçado:
Tei á augmento seu oficio, credito seu governo, — se a
CADA UM OBRIGAR A FAZER BEM O SEU.
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 579

Isto é :
O b r ig u e a cada um a fa z er bem o seu , — e terá au-
gmento seu officio, credito seu governo.
700. O SE dubitativo, cujo caractcristico consiste em
não se deixar supprir por outra expressão, denuncia uma
proposição muito mais reluctantc á inversão do que a con­
dicional ; o que, conchegando-a com as complementarias
normaes, veda que se lhe anteponha a virgula.
Bx. Vejão os odiados, ou pensionados do odio — se se
DEVEM PREZAR OU OFFENDER DE TER INIMIGOS ! (P. Ant.
Vieira).
I Vêde — SE FOI GRANDE FAVOR E PROVIDENCIA DO CÉO
que se não descobrissem minas! (P. Ant. Vieira).
Os jogos são tão antigos como o tempo; e porque este
passa e não torna, não sei — se com razão ou sem ella
L iiE S ciiA M A V Ã o PASSA-TEMPOS. (P. Ant. Vieira).
Póde-se pôr em problema na politica de Portugal — se É
MELHOR que os reis fação mercês, ou que as não fação. (P.
Ant. Vieira).
Se algumas vezes queria o infante ir fóra folgar e caçar,
mandava-me recado: « Vai dizer a meu mestre — se me dã
•LICENÇA PARA Hl. » (André de Eezende).
Os pharisêos Jiavião introduzido na casa um hydropico
^para ver — se Christo o sarava em dia de sabbado. (P.
J. B. de Castro).
Succedendo que a mesma ligação venha a ser repetida,
a segunda vai precedida da virgula, por encetar, não uma
encadeada, e sim uma collectiva.
Ex. Não se pôde facilmente julgar — se está aqui a
terra no mar, — SE 0 MAR NA TERRA. (P. Simão do Vas-
concellos).
Antigamente estavão os ministros ás portas das cidades;
agora estão as cidades ás portas dos ministros... As portas,
os pateos, as ruas rebentando de gente, e o ministro encan­
tado ! sem se saber — se está em casa , — ou se o h a no
MUNDO. (P. Ant. Vieira).
Com este mesmo dictame vai o famoso Lipsio dizendo aos
príncipes: Que Deos e os homens puzerão no seu regaço a re­
publica, mas para a fomentarem de modo que venhão a du­
vidar os súbditos — SE SAUDÃO A seu senhor, — se A SEU
PAI. (P. Man. Bernardos).
(
701. Se vier, porém, a mesma complementaria a se
r 580 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

ac h ar deslocada, q uer p o r inversão, q uer pela interposição


de o u tra proposição, ou de term os elim ináveis, a v irgula
tem de in te rv ir p a ra assignalar a anom alia de estru etu ra.
E x. S e a fofice da vangloria , — ou se o desempe ­
nho DA MAGNIFICÊNCIA METTEU OS REIS DO E gYPTO NESTAS
PORTENTOSAS EMPREZAS, — uão O pouho em questão. (P. E.
E ap h ael B luteau). — Não ponho em questão — se A fofice
DA VANGLORIA, — OU SE...).
Eu não sei — qual a maior tentação, — se a necessidade ,
— SE A cuBiçA. (P. A nt. V ieira). — {Eu não sei — se a ne ­
cessidade , — SE A CUBIÇA É A MAIOR TENTAÇÃo).
Por isso eu lá dizia que não sei — qual lhe fez maior
mal, ao Brasil, — se a enfermidade , — se as trevas . (P.
A nt. V ieira). — {Por isso eu lá dizia que não sei — se a
enfermidade , — SE AS TREVAS FORÃo O que lhe fez maior
mal, ao Brazil).
Saibamos agora, — e não de outrem, — senão das mesmas
arvores, — se este bom governo, — do modo que ellas o en­
tenderão, — SE PÓDE conseguir E EXERCITAR COM AS RAIZES
NA TERRA. (P. A nt. V ieira). — {Saibamos agora — se este
bom governo se PÓDE...).
Se Diogenes então perguntasse — quaes erão os — que
passavão, — se os do trium piio , — se os — que estavão vendo,
— não ha duvida que parecia a pergunta digna de riso. (P.
A nt. V ieira). — {Se Piogenes então 'perguntasse — se os do
triumpiio , — SE os — que estavão vendo, — erão os — que
passavão, — não ha duvida...').
7.^ R E G R A
( ligação — SENÃO)

702. São p ro p riam en te duas as ligações senão : um a


subordinativa, o u tra p reventiva.
A subordinativa discrim ina-se pela faculdade de se
d eix ar su p p rir pela locução a não ser que, com a intro-
ducção de um facto no subjunctivo.
E x. Que querieis vós ver na roda — senão voltas, ou no
mundo— senão mundo, isto é inconstância e vaidade? (P.
Man. B e rn a rd e s).— {Que querieis vós ver na roda — A não
SER QUE quizesseis vev voltas, ou no mundo— a não ser
QUE quizesseis ver mundo...?).
A m esm a ligação, considerada sob o u tro aspecto, re ­
vela-se como sim ples contracção da conjuneção condicional
SE com o adverbio não, p o r om issão de um facto em que
QUINT. .xvTE - PONTUAÇAO 581

actue, sendo geralmente este facto o da proposição ante­


rior, ou simplesmente ser.
Que querieis vós ver na roda, — s e n ã o q u e r i e i s ver
voltas; ou no mundo, — s e n ã o q u e r i e i s ver mundo...?
Prova-se, outrosim, por contraposição, pelo seguinte
exemplo: O 'provincial pediu ao arcebispo... não fiasse de seu
'parecer, nem o seguisse, — s e n ã o f o s s e em cousas avei igua-
das... (Fr. Luiz de Souza). — ( . . . nem o se^wzsse — s e n ã o
em cousas averiguadas).
Ora, ao contrario do que succede com o s e condicional,
que avoca sempre a virgula, por conferir á proposição por
elle encetada uma volubilidade que lhe não confere em
igual gráo o s e dubitativo (S e n ã o q u e r i e i s v e r v o l t a s ,
_que querieis vós ver na roda? Ou s e n ã o q u e r i e i s v e r
MUNDO, — que querieis vós ver no mundo ?),^ a subordmatiya
s e n ã o , máo grado de sua procedência, rejeita a vírgula, ja
porque nada tem que destrinçar com o s e dubitativo, ja
porque não se presta ás inversões do s e condicional iiao
contracto : S e n ã o v o l t a s , — que querieis vós ver na roda? [!!!]
S e n ã o m u n d o , — que querieis vós v e r no mundo? \}. .\\. iorna
assim a ser este caso o das complementarias, mas com
omissão constante do facto.
Outros exemplos:
Que cousa são as honras e dignidades — s e n ã o f u m o ?
fumo que sempre cega, e muitas vezes faz chorar... Que cousa
é a prosperidade humana — s e n ã o u m v e n t o que corre todos
os rumos ? se diminue, não é bonança; se cresce, e tempestade.
(P. Ant. Vieira).
E tendo cada um daquelles quatro animaes do Apoca­
lypse quatro rostos e quatro linguas, nenhuma cousa diziao
nem sabião dizer — Amen! (P. Ant. Vieira).
Que são todos os elementos — s e n ã o u n s r o u b a d o r e s u n i -
VERSAES DE TUDO O quc grangcia e trabalha o genero humano.
(P. Ant. Vieira).
Como 0 amor da vida é tão natural, quem se atreverá a
arriscá-la intrepidamente — s e n ã o a l e n t a d o c o m a e s p e r a n ç a
DO p r ê m i o ? Quando David quiz sahir a pelejar com o gigante,
perquntou primeiro: « Que se ha de dar ao homem que matar
e s s e philistêo? » Já naquelle tempo se não arriscava a vida —
SENÃO POR SEU JUSTO PREÇO. (P. Ant. Vieira).
Porém como em todos os mais casos de complemen­
tarias, a virgula tem de se antepor ao mesmo s e n a o , s_e,
por transposição ou intercalações, não se achar em successao
iqimediata á proposição a que se prende,
582 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Ex. Até a mesma formusura que parece dote proprio do


corpo, e tanto arrebata e captiva os sentidos humanos; aquella
graça, aquella proporção, aquella suavidade de côr, aquelle
ar, aquelle brio, aquella vida, que é tudo — senão alma f E ,~
SENÃO, — o corpo sem ella. (P. Ant. Vieira).— v'sde
0 corpo sem ella —a não ser que tudo não s e ja a l m a ;.
O que, entre fumos de nobreza e fidalguia, vive á mercê
da sua herdade, a qual, quando as novidades não mentião, sò
dava para sarja no verão, e baeta no inverno, agora que já
se não sabe o nome ás lãas, de que se ha de vestir, — sendo o
gallo de sua aldéa, — senão das p e n n a s dos — que podem
menos? (P. Ant. Vieira). — (... de que se ha de vestir —
SENÃO DAS PEN N A S...).
O mercante que tomou os assentos ou contractos reaes do
publico, e se contratou de secreto com os zeladores da fazenda
do mesmo rei, de^ que modo se ha de soldar — quando se vê
quebrado, senão com o soldo e fardas dos miseráveis sol­
dados, tornando a comprar os já comprados ministros, para
que lhe subão os preços, e ajustem as quebras ? (P. Ant. Vieira).
— (... de que modo se ha de soldar — senão com o soldo e
as fardas).
% O bserv a ção . ^Succedendo de vez em quando que o
subordinatiyo senão fique supprido pela conjuncção que ou
QUE NÃO, ainda assim vigorão os mesmos preceitos.
Ex. Quem está ocioso, não tem mais que fazer — que
pôr-se a imaginar. (P. Ant. Vieira). — (... senão pôr-se a
imaginar).
El rei Antigono vendo que seu filho se ensoberbecia, lhe
disse: « Não sabes, filho, que o nosso reino e o reinar não é
outra cousa^— que um'captiveiro honrado?» (P. Ant. Vieira).
— (... SENÃO um captiveiro honrado).
Se 0 uso da nossa linguagem se perder, e, com elle, por
acaso acabarem todos os nossos escriptos — que não ( sen ã o )
os Lusiadas, e as obras de Vieira, o portuguez, quer no estylo
de prosa, quer no poético, ainda viverá na sua perfeita indole
nativa, na sua riquissima copia e louçania. (D. Fr. Alex
Lobo).
703. Como conjuncção preventiva, senão equivale á
locução E SIM, e portanto pede a anteposição da virgula
pelo mesmo motivo por que a pedem todas as ligações
que, como mas, porém, todavia..., denuncião opposição ou
contraste.
Ex.^ Não se devem julgar ascousaspelo appetite — smLo
pela razão. (João d e Barros).— (... e s im pela razão).
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 583

A razão porque não buscais o descanso na lei de Christo^


é porque a não tendes por descansada^ — senão por muito tra­
balhosa. (P. Ant. Vieira). —(... e sim por muito trabalhosa).
Ama 0 teu inimigo; porque, se o seu odio vil é filho da
inveja, mostre o teu amor generoso que por isso não é digno
de vingança, — senão de compaixão. (P. Ant. Vieira). —
(... E SIM de compaixão).
Não deve queixar-se de ser invejado o que tem feito obras
dignas de inveja, — senão o que tem feito acções que mereção
ser mordidas da inveja. (P. Ant. Vieira). — (... e sim o que
tem feito acções que mereção...).
Se em nossos costumes ha frouxidões e descuidos, não está
a culpa nos defeitos das leis, — senão no defeito da execução
délias. (Fr. Luiz de Souza). — (... e sim no defeito da exe­
cução délias).
8.“ REGRA
( proposições in c id e n t e s )

704. Enunciando meras annotações sem coexistência


ncccssaria com as proposições ou termos a que se annexcão,
as incidentes se separão, não só ;da proposição ou termo
do que dependem, senão também umas das outras, pela
virgula.
O seguinte exemplo, pelo numero crescido do inci­
dentes que ostenta reunidos em uma mesma oração, póde
ser considerado como typico no assumpto.
E não se acha gente, — por b a r b a r a que s e j a , — que
não tenha sua musica, — má ou boa, — segundo o — que cada
um delia alcança, — como vem os em toda a t e r r a de E t h io -
— CUJOS NATURAES, — COMO NÓS, — SÃO TESTEMUNHOS
DESTA VERDADE, — Icvando ordeiii e compasso em seu tanger,
— AINDA QUE SEJA BARBARO, — E OS RÚSTICOS DO CAMPO, —
A QUEM NÃO FALTÃo SUAS GÃiTAS. (João dc Barros).
o que nesta oração denuncia o processo analytieo como
essencial á formação de um sentido claro e aceitavel, cifia-
se em duas proposições tão sómente : uma prineipal, e uma
complementaria:
E não se acha gente — que não tenha sua musica.
Tudo o mais é a diversos titulos dispensável, e por­
tanto íica em summa sujeito a uma mesma lei de virgu-
lação.
Junto á musica é dispensável a apposição composta
má ou bôa.
584 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Junto a mesma apposição má ou bôa é dispensável o


comp emento indirecto segundo o com a complementaria
que ilie inteira o sentido; que cada um delia alcança.
E igualmente dispensável a apposição que se refere a
CUJOS naturacs, e consta do gerúndio levando com os seus
complementos ordem e compasso em seu tanger.
também dispensáveis, e portanto incidentes,
todas as mais proposições, quer esteja nellas o facto ex­
presso, como em cujos naturaes sÃo testemunhos desta ver­
dade, quer esteja occulto, como nas intercalações como nós
- ... e [como são testemu-
T^os desta verdade^ os rústicos do campo; íís''quaes se aiunta
m caracteristicamentc a ultima proposição a quem não
faltao as suas gaitas. i i v i nuu
Outros exemplos:
^ Vdrte que desta serra se levanta mais, ha um monte
Wrdmide, — k que os da terra
Ai IAO serra do CaNTARO, ---QUE TE3I NO CONTORNO DA
N im \s ^ rL tlo > "
_i\ãô me admira tanto ver um homem amigo da rapina
ou iracundo, ou luxuriöse, como ver a um homem inqrato —
PORQUE AQUELLES VICIOS PR0CEDE3I DE CORRUPTELA E PRAGI-
LIDADE DA NATUREZA HUMANA, — E ESTE, dc maiS a mais,
GRANDE DEFORMIDADE CONTRA A MESMA NATUREZA. (P.
M an. E e rn a rd e s). ^

JSxro, QUE FOI UM DEMONio HUMANO, — fez sahir qua­


trocentos senadores, e seiscentos da ordem equestre para os
jogos de gladiadores. (P. Man. Bernardos). ^ ^
/»A/z, d viver juntos, — porque ninguém tem
que se nr de seu proximo. (P. Man. Bernardos).
PergunMo um outro com que se parecia o avarento, res-
(±^. M M■“ ^
a n . Bernardes).
~ só APPROVEITA MORTO. )>

.4 verdade é desabrida, e sempre amarga : na prospera


jortuna, — quando se não teme damno, — gera odio ; na ad-
(T r. L S z ’deTouza).'^ ~
São os prologos um antecipado remedio aos achaques dos
QWOS,— PORQUE ANDÃO SEMPRE DE COMPANHIA OS ERROS E
AS DESCULPAS. ... Escrcvi esta historia com verdade de memo-
las fleis, SEM QUE A PENA OU O APFECTO ALTERASSE O
MENOR ACCiDENTE. (Jacintlio Freirc de Andrade).
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 585

Estas são as difficuldades que todos reconhecem e chamão


grandes neste 'preceito [de amar os inimigosl^ — Q^e verda­
deiramente É o GRANDE. (P. Ant. Vieira).
O rústico,— PORQUE É IGNORANTE, — vé que a lua é maior
que as estreitas; mas o phüosopho, — porque é sario, — e
MEDE AS QUANTIDADES PELAS DISTANCIAS,— vê que as estrellas
são maiores que a lua. (P. Ant. Vieira).
O ocioso, — COMO NÃO TEM quc fazcr, — mente, — porque
DIZ O cque imagina. (P. Ant. Vieira).
Os bens deste mundo, — como são corruptíveis,— ainda
QUE NÃO HAJA quem os furte, — elles mesmos se nos rouhão.
(P. Ant. Vieira).
S. Antonio, — que pregãva aos homens, —para enca­
recer a fealdade deste escandalo, mostrou-lh'o nos peixes; e
eu, — QUE prego aos peixes , — PARA QUE VEJAIS quão feio
e abominável é, — quero que o vejais nos homens. (P. Ant.
Vieira).
E, — PARA QUE EU TAMBÉM ACCRE8CENTE A MINHA COM­
PARAÇÃO, — São parecidos os aduladores aos quatro animaes
do Apocalypse. (P. Ant. Vieira).
Põe-se da parte do odio e da vingança o mundo todo, —
QUE ASSIM o MANDA, — QUE ASSIM O JULGA, — QUE ASSIM O
APPLAUDE, — QUE ASSIM O TEM ESTABELECIDO POR LEI. (P.
Ant. Vieira).
705. Devem ser tidas como incidentes, e conseguinte­
mente ficar sujeitas á mesma lei de virgulação, as propo­
sições que, embora despidas de ligação subordinativa, vão
atiradas dentro de uma citação para designar de quem
ella é, ou intromettem de passagem no discurso uma re­
flexão toda occasional.
Ex. A aranha, — d iz S alomão , — não tem pés, e, sus­
tentando-se sobre as mãos, mora nos palacios dos reis. ÇP. Ant.
Vieira).
Quereis ver o que é uma alma? Olhai, — d iz S. A gos­
t in h o , — pai'a um corpo sem alma. (P. Ant. Vieira).
E não só trazião as frotas ouro, senão também muita
prata, cuja quantidade era tão immensa, que, — affirma a
MESMA E scriptura, — iqualava as pedras da rua. tP. Ant.
Vieira).
Se taes minas se descobrissem, encher-se-hia,—É verdade,
a terra de ouro e prata. (P. Ant. Vieira).
El rei D. Henrique Terceiro de Castella sentou-se, e, es­
tando todos susp>ensos e temerosos, sem saber onde se encami-
586 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

nhavão 'pre'parações, tão funestas e estrondosas, foi perguntando


a cada um de per si quantos reis de Castella conhecera. Uns
disserão que tres, outros, que quatro; e os que mais disserão,
que cinco, k Como póde isso ser, — replicou o rei , — se, sendo
eu mais moço que vós todos, conheço mais de vinte? — nNão
entendemos o que Vossa Alteza quer dizer nisso, — disserão
ELLEs. » — (( Pois eu me explicarei, — tornou elle. V ós ou­
tros sois os reis, e eu não; porque as rendas da corôa são
vossas para banqueteardes cada noite, e eu ceei hontem do que
se fiou sobre este gavão. Alas eu saberei pôr-lhe remedio, e bem
eficaz, e logo logo. » (P. Man. Bcrnardes).
Que todas as nações da Europa se alistem contra Por­
tugal, ah! que gloria! Alas que na guerra de Portugal se
vejão também portuguezes contra portuguezes, oh! que desgraça!
por lhe não chamar outro nome. Que aggravo — pergunto,
— e que offensa nos fez Portugal, ou que nos tem desmerecido
a patria? (P. Ant. Vieira).
Supposto, pois, que todos havemos de morrer, — e todos
IMOS PARA A SEPULTURA, — O iiiaioi' favor que Deos póde con­
ceder a um mortal, é que morra e chegue lá mais tarde. (P.
Ant. Vieira).
Alas a verdade é, — e vós o sabeis muito bem, — que
a razão por que não buscais o descanso na lei de Christo, é
po7'que a não tendes por descansada, senão por muito traba­
lhosa. (P. Ant. Vieira). rr.:
706. Bmfim são incidentes da mesma cspecic as inter­ jCÍ
calações explicativas isto é, ha dias, a saber,por assim dizer....
c mais algumas de semelhante teor.
Bx. Que querieis vós ver na roda senão voltas, ou no
mundo senão mundo, — isto é, — inconstância e vaidade. (P.
Man. Bcrnardes).
P ouco ha, — dissemos
que o fogo natural era esteril, e
não gerava; mas depois que o artificial se ajuntou â polvora
em todo o genero de viventes, tem filhos de fogo. (P. Ant.
Vieira).
Correm, — JÃ ha dias, — com o passaporte de segredo,
os desatinos dos médicos matasanos. (Fr. João de Ceita).
Finge-se que o patriarcha Noé, ao plamtar a vinha, a
regou com o sangue de quatro animaes, que escolheu da arca
para este effeito, — a saber : — bugio, leão, cochino e cordeiro.
(P. Man. Bernardes).
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 587

DO PONTO E VIRGULA

707. 0 ponto 0 vírgula não diffère esseneialmente da


vírgula em alcance de indicação a não ser porque recorta a
oração em uns grupos dentro dos quaes a virgula tem de
intervir, senão sempre, ao menos mais geralmentc como
signal de subdivisão ; porquanto o ponto c virgula, assim
como a virgula, interpõe-sc, não só entre proposições, como
também entre membros de um mesmo termo composto.
l.-» REGRA
( entre membros de um mesmo term o )

708. _ Entre membros de um mesmo termo composto


ou repetido deve ser substituída a virgula pelo ponto e
virgula quando aos mesmos membros andão annexos quaes-
quer outros termos ou proposições avocando por natureza
a virgula.
Ex. Finalmente a doutrina de Christo é a medalha de
todos os prophetas, e uma summa de toda nossa redempção;
— SOL que, com sua claridade, ülustra escuridades e sombras
da lei antiga; — mar oceano da immensa sabedoria de I)eos;
— THEsouRo riquissimo da Igreja;— pão do Céo; — fonte
de aguas vivas; — luz, medicina, sustento, saude e vida
das almas que delia se deixão ensinar. (João Franco Bar­
reto).
Os nossos ministros, ainda quando vos despachão bem,
fazem-ves os mesmos tres damnos: o do dinheiro, porque o
gastais; — o do tempo, porque o perdeis; — o das passadas,
porque as multiplicais. (P. Ant. Vieira). — (Os nossos minis­
tros fazem-vos os tres mesmos damnos: o do dinheiro, — o
DO TEMPO, — 0 DAS PASSADAS).
Este rio, pois, de fogo arrebatado e furioso de polvora se
dividiu logo em tantos canaes, uns maiores, outros menores,
quamtos são os canos de ferro ou bronze p>or onde o mesmo
fogo furiosamente rebenta; e por isso se chamão bocas de fogo:
na cavallaria, as pistolas e as carabinas; — nos infantes,
OS MOSQUETES E OS ARCABUZES; — nos cxcrcitos, e nos muros
das cidades, os canhões e as culebrinas. (P. Ant. Vieira).
— (^Este rio de fogo arrebatado e furioso de qwlvora se divi­
diu logo em tantos canaes quantos são os canos de ferro ou
bronze por onde o mesmo fogo furiosamente rebenta; e por isso
se chamão bocas de fogo as pistolas e as carabinas, — os
MOSQUETES E OS ARCABUZES, — OS CANHÕES E AS CULEBRINAS).
Peceou David, ... e o que os palacianos discorrido, era

I
588 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

(lesta maneira: ... Que o matar a Urias, fôra um conselho


necessário^ prudente e generoso: generoso, pore^ue ofez morrer
nobremente na guerra; — prudente, pore/ue pareceu acâso o
que foi industria ; — necessário, pore/ue o modo mais seguro
de sepultar o aggravo é metier debaixo do. terra o aggravado.
(P. Ant. Vieira).
Entre os politicos, X enophonte, T ácito, Cassiodóro; —
entre os historiadores, T ito Livio, Suetonio, Quinto Curcio;
— entre os philosophos, Seneca, P lutarco, Severing B oecio ;
— entre os Santos Padres, J eronymo, C iirysostomo, Gre­
gorio, A gostinho, B ernardo (deixando os demais), todos,
só com discrepância no encarecimento, dizem e ensinão con-
cordemente que os inimigos dos reis, e os maiores inimigos são
os aduladores. (P. Ant. Vieira).
Assim entendeu Saul, posto que obrava o contrario, que
UM homem que, tendo na sua mão a vingança, não sabia vingar
aggravas ; — um homem que, podendo fazer mal ao seu maior
inimigo, lhe fazia os maiores bens; — um homem que pagava
0 odio com amor, e a morte que lhe querião dar, com a vida ;
— UM TAL HOMEM como estc, uão 0 tinha Deos dotado de um
coração tão generoso e tão real senão poreque o queria e havia
de fazer rei. (P. Ant. Vieira).
Qual é a causa de tantos reinos se terem perdido, de que
apenas se conserva a memória, e outros se verem tão arruina­
dos e enfraquecidos, senão o appetite desordenado e cégo de
(quererem os reis mais do que podem? Daqui se seguem as
GUERRAS, E A AMBIÇÃO DE NOVAS EMPREZAS, COmO aS d e

Alembroth ; — daqui as fabricas de edifícios magníficos e


INSANOS, como a Torre de Babel; — daqui a prodigalidade
de excessivas mercês, amontoando em um o que se tira a
muitos, como as de Assuéro em Aman ; — daqui as festas e
jogos públicos, com apparatos mais monstruosos que extraor­
dinários, sem outro fim que a falsa ostentação do que não ha
nem é. (P. Ant. Vieira).
Que foi um Affonso de Albuquerque no Oriente? Que foi
um Duarte Pacheco? Que foi um D. João de Castro? Que
foi um Nvno da Cunha, e tantos outros heroes famosos senão
uns astros e planetas lucidíssimos que, assim como allumiárão
com estupendo resplendor aquelle glorioso século, assim escure­
cerão todos os passados? Cada um era, na gravidade do as­
pecto, UM S aturno ; — no valor militar, um M a r te ; — na
prudência e diligencia, um M ercúrio ; — na altivez e magna­
nimidade, UM J u p it e r ; — na religião, na fé, e no zelo de a
propagar e estender entre aquellas vastíssimas gentüidades, —•
yM Sol. (P. Ant. Vieira).
QUINTA PARTE - PONTUAÇAO 589

Estes do us affectos cégos, amor e odio, são os dous polos


em que se revolve o mundo, por isso tão mal governado... Por
isso se vêm, com perpetuo clamor de justiça, os indignos le ­
vantados, e as dignidades abatidas; — os talentos ociosos,
e as incapacidades com mando; — a ignorancia graduada,
e a sciencia sem honra; — a fraqueza com bastão, eo valor
posto a um canto; — o vicio sc RE os ALTARES, c a virludc
sem culto; — os milagres accl vDos, e os milagrosos reos.
(P. Ant. Vieira).
2.» REGRA
( entre principaes )

709. Separão-sc pelo ponto e virgula as principaes (pie


não estão consorciadas pela communidadc de uin mesmo
termo, ou de uma mesma complementaria, quer tenhão
annexes passíveis de virg lação, quer não.
E, por annexes passíveis de virgnlação, tanto se en­
tendem as incidentes, as apposições dispensáveis, e os
complementos indirectos também dispensáveis, como as in­
versões avocando a virgula.
Em confirmação desta regra convem estudar com algum
cuidado o seguinte exemplo, porque apresenta reunidas em
uma mesma oração as duas hypothèses que, entre princi­
paes, avocão, já simplesmente a virgula, já o ponto e vir­
gula.
E, se este natural appetite de quererem os homens sempre
mais do que podem, nem na soberania dos que podem tudo, se
farta, que será dahi abaixo, desde os maiores entre os grandes,
até os minimos dentre os pequenos f O official póde viver
como official, e quer viver como escudeiro;— o escudeiro
PÓDE viver como escudeiro, e quer viver como fidalgo ; — o
fidalgo póde viver como fidalgo, e quer viver como titulo; —
o titulo póde viver como titulo, e quer viver como principe.
E, que se segue deste tão desordenado querer ? (P. Ant. Vieira).
Note-se neste excerpto que, na parte da oração onde
se verifica a dupla hypothèse lembrada, se intervem sim­
plesmente a virgula, é porque ambas as principaes, por
terem um sujeito commum (O official póde viver..., e quer
viver...), se àchão consorciadas; logo, porém, que se passa
de um tal sujeito para outro de todo diverso (o escudeiro
PÓDE viver...), as relações de communidade entre as prin­
cipaes deixão de existir, e então bem cabido é o ponto e
virgula (o fidalgo póde viver...; o titulo póde viver...).
Vê-se mais, pelo mesmo exemplo, que as complemen­
NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

t a r i a s , q u a n d o n o r m a l m e n t e c o llo c a d a s , n e n h u m e ffe ito p r o ­


d u z e m e m t a l c a s o s o b r e a i^ o n tu a ç ã o , p o r q u e c o n fu n d e m - s e .
p o r a s s im d iz e r , c o m a p r o p o s iç ã o a q u e se a p e g ã o :
O official póde viver— como [vive um] official, — e quer
viver como \yive um] escudeiro,— o escudeiro póde viver —
como Ivive um] escudeiro, — e quer viver como [vive um] fi­
dalgo...
Outros exemplos :
Em buscar pão se resolve tudo, e tudo se applica a o
buscar.^ Os pobres dão pelo pão o trabalho; — os ricos dão
pelo pão a fazenda ; os de espiritos generosos dão pelo pão
a vida; — os de nenhum espirito dão pelo pão a alm a;_e
nenhum homem ha que não dê pelo pão e ao pão todo o seu Al
cuidado...
A este fim nascem as hervas ; — a este fim nascem as
plantas; — a este fim florescem as arvores; — a este fim pro­
duzem e amadurecem os fructos ; — a este fim trabalhão os
animaes domésticos em casa ; — a este fim pastão os mansos
no campo ; — a este fim se crião os sylvestres nas brenhas ; —
a este fim os do mar, e os dos rios nadão em suas aguas ; —
emfim tudo o que nasce e vive neste mundo, a este fim vive e
nasce. (P. Ant. Vieira). ‘
E’ este o_ ensejo mais azado de fazer notar que se não
deve confundir a co m m u nid a de do um mesmo termo com
a sua r e p e t iç ã o ; porquanto, se no primeiro caso usa-se tão
somente da vírgula, no segundo usa-sc do ponto e virgula.
No piimeiro destes dous excerptos avulta a reproducção
em cada j^rincipal, do complemento indirecto pelo p ã o ; e^,
no segundo, do complemento indirecto a este p im . Mas’
por isso mesmo que elles apparecem repetidos, é que não
são communs; e, embora uma forma equivalha á outra em
sentido, o ouvido não aceita esta equação, nem a jDronun-
ciação se rege ein taes casos pelas mesmas intoações. Ave-
iigua-se, aliás, facilmente o allegado, se, de repetido que é,
se converter em coinmum o segundo dos referidos comple­
mentos indirectos : ^
A ESTE FIM nascem as hervas, — nascem as plantas,—
norescerri as arvores,— produzem e amadurecem os fructos_
trabalhão os animaes domésticos em casa... ’
O m e s m o se v e r if ic a n e s t e s e g u n d o e x e m p l o :
« Tullio orou uma vez no seriado; e, cuidando todos que
n oração fosse mui^ comprida; rematou a substancia delia
numa só palavra, dizendo: Com verdade se ha de orar; —
COM VERDADE se ha de faliar; — e coiM a mesma verdade
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 591

se ha de governar. (Luiz Torres de Lima). — (Com verdade


se ha de orar,'— se ha de fallar, — e se ha de governar).
Outros exemplos:
Tudo é vaidade excepto amar a Deos; — amar a Deos é
a maior das virtudes; — ser amado de Deos é a maior das
felicidades.iV. Ant. Vieira).
O maior mal do homem é não conhecer a si j)roprio; —
tarde procurará emendar-se rgueni se não conhece. (P. Ant.
Vieira).
Quasi todos querem ensinar com razões; — com exemplos,
poucos ensinão. (P. Ant. Vieira).
O bem é um; — o mal se divide, e não tem numero. (P.
Ant. Vieira).
O homem, por lhe que um só hem o não pôde
fazer feliz, busca muitos; — basta que se affeiçôe a um só, que
é a virtude. (P. Ant. Vieira).
O sabio tem por officio mandar, não obedecer aos igno­
rantes; — a sciencia, se não supera, iguala aos que a natureza
fez maiores.
O que governa a republica, e commette todo o governo aos
velhos, mostra ser inhabit; — o que o fia dos moços, é leviano;
— 0 que a rege por si só, é atrevido; — e o que por si só e
por outros, é prudente. (P. Ant. Vieira).
Despede-se o mundo sem d,izer-nos nada; — consome-se a
carne sem que ninguém o sinta; —passa-se a nossa gloria
como se nunca fôra; — e saltêa-nos a morte sem chamar pri­
meiro á porta. (P. Ant. Vieira).
Se 0 rei está benigno e humano, para isso tem rosto de
homem; — se está colérico e irado, para isso tem rosto de
leão; — se está sobrelevado e altivo, para isso tem rosto de
aguia; — se está melancólico e carregado, para isso tem rosto
de bezerro. (P. Ant. Vieira).
Se os olhos vêm com amor, o corvo é branco; — se com
odio, 0 cysne é negro; — se com amor, o demonio é formoso;
— se com odio, o anjo é feio; — se com amor;uO /pygmêo é
gigante; — se com odio, o gigante é pygmêo; — se com amor
0 que não è, tem ser; — se com odio, o que tem ser, e é bem
que seja, não é, nem será jamais. (P. Ant. Vieira).
E ' possivel, diz a razão revestida em cada um de nós, ou
cada um de nós nella, é possivel que haja eu de amar a quem
me aborrece?... Alma, corpo, cpue dizeis a este preceito ? Ajunte-
se a republica interior e exterior do homem; — chame a côrtes
ou a conselho todas suas potências, todos seus sentidos; — e
592 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

sejao ouvidos nesta causa todos, pois toca a todos. Que é que
dizem ? Todos repugnão ; — todos reclamão ; — todos se alte-
rão; — todos se unem e conjurão em odio e ruina do inimigo.
A memona, sem jamais se esquecer, representa o aggravo ; —
0 entendimento pondera a offensa ; — a fantasia afeia a inju­
ria; a vontade implora e pede a vingança: salta o coração;
bate 0 peito; — mudão-se as cores ; — chammejão os olhos;
— desfazem-se os dentes; — escuma a boca; — morde-se a lin­
gua; arde a cólera; — ferve o sangue; — fumeião os espí­
ritos, os pés, as mãos, os braços; — tudo é ira; — tudo, fogo;
— tudo, veneno...
Deos, que isto manda, não é o autor da natureza? E,
que faz a mesma natureza toda movida e governada pelo
mesmo Deos?^ Vingão-se por instincto natural as feras na
terra; — vingão-se as aves no a r ; — vingão-se os peixes no
mar; — vinga-se a mansidão dos animaes domésticos; — vinga-
se, e cabe ira numa formiga; — e basta que a natureza viva
naquelles átomos para que nelles offendida se dóa, nelles ag-
gravada morda, nelles tome satisfação de sua injuria. (P. Ant.
Vieira).
EXCEPÇüES

Esta regra soífre duas excepções :


1.® Substitue-se a virgula ao ponto e virgula entre
duas principaes não consorciadas por um termo ou uma
complementaria commum, quando, unidas por uma ligação
copulativa, as mesmas duas proposições constituem de
per si sós uma oração completa, ou formão na oração um
agrupamento fortuitamente legitimado pela intervenção da
ligação copulativa como elemento euphonico.
Ex. Em buscar pão se resolve tudo, — e tudo se applica
a 0 buscar. (P. Ant. Vieira).
O temor não é de homens fortes, — nem o agouro de
homens sábios. (P. Ant. Vieira).
A cousa mais facil do mundo é dar conselho a outrem,—
E a mais ardua é tomá-lo para si. (P. Ant. Vieira).
Toda a nobreza e excellencia do homem consiste no livre
alvedrio, — e o servir, se não é perder o alvedrío, é captivá-lo.
(P. Ant. Vieira).
O coração do homem é mui generoso, — y. o da mulher
mui delicado: quer por pouco bem muito prêmio, e por muito
mal nenhum castigo. (P. Ant. Vieira).
Os elementos nào são viventes, — e a este mesmo fim can­
samos, e fazemos trabalhar aos proprios elementos. (P. Ant.
Vieira).
0 reino assolado será dividido, — e umas casas cahirão
sobre outras casas. (P. Ant. Vieira).
Buscais mil traças e invenções para ajuntar o alheio ao
vosso, — E essas são as que, em lugar de vo-lo accrescentar,
vo-lo roem, e vo-lo desbaratão. (P. Ant. Vieira).
2.° Substitue-se igualmente a virgula ao ponto e vir-
gula entre duas principaes que, despidas de annexes sepa­
ráveis pela virgula, ou inteiradas por
enuncião pensamentos em contraste.
Ex. Maior materia dão os nascimentos ao temor que ã
esperança. A esperança promette bens, — o temor ameaça ma­
les... A quem começa a vida, tudo fica futuro; e, no futuro,
nenhuma distineção ha de males a bens : todos são males por­
que todos se padecem : os males padecem-se porque se temem,—
05 bens padecem-se porque se esperão. (P. Ant. Vieira).
O bem é um ; o mal se divide, e não tem numero : uma a
saude,— muitas as doenças; uma a harmonia, — muitas as
dissonâncias. (P. Ant. Vieira).
Averiguada conclusão é entre os mestres de uma e outra
milicia que, comparada a da terra com a do mar, esta é muito
mais trabalhosa e perigosa. Na terra peleja contra nós um
elemento, — no mar, todos os quatro ; na terra temos para onde
retirar, — no navio estamos presos, e não temos outra retirada
que lançarmo-nos ao mar... E por tudo isto se collige quanto
mais poderosa é a artilheria no mar que na terra, ajudando-se,
e dando-se a mão o elemento da agua com o do fogo. O fogo
queima,— a agua afoga; o fogo mata, — a agua sepulta. (P.
Ant. Vieira).
Mas olha em especial, ó minha alma, para os povoados,
porque o mundo são os homens. Tudo está fervendo em mo­
vimentos que acabão e começão: uns a sahir dos ventres das
mãis,— outros a entrar no ventre das sepulturas; aquelles
cantão, — dalli a pouco chorão ; est'outros chorão, — dalli a
pouco cantão; aqui se está enfeitando um vivo,— parede meia
estão amortalhando um defunto;^ aqui contratão, — acolá dis-
tratão ; aqui conversão, — acolá brigão ; aqui estão á mesa
rindo e fartando-se, — acolá estão no leito gemendo os que
rirão, e sangrando-se do que comêrão. Daquella porta para
dentro ouvem a palavra de Eeos, — e delia para fóra opupão
os que passão, e dão-lhe vaia. Lá vai um no seu coche com
os pés sobre tela e veludo, — atraz das rodas vai um pobre
nú e descalço. (P. Man. Bernardes).
594 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Pois tudo isto é 0 que faz e desfaz a paixão dos olhos


humanos : cégos quando se fechão, — e cegos quando se abrem;
cegos QUANDO amão, — e cégos quando aborrecem; cégos
QUANDO approvão, — e cégos quando condemnão; cégos quando
não vêm, — e, quando vêm, muito mais cégos. (l*. Ant.
Vieira).
O bserv a ção . próprias principaes consorciadas por
As
uni termo commum admittem também entre si o ponto o
virgula, se a constituição de cada uma delias as apresenta
já recortadas pela virgula.
ESPECTÁCULO OU LUDIBRIO DA MAIOR FOR­
TUNA assistião todas as ordens: senatoria, consular e equestre;
assistião os centuriões, os t?'ibunos, e toda a Jlôr das legiões
romanas; assistião principalmente todos os familiares do
palacio imperial, e, entre elles, diz com grande ponderação
Tácito .• Et mcerens Burrhus, ac laudans (E o mesmo Burrho,
triste sim, mas louvando).
S e se guardar esta ig u a ld a d e , entrará em esperanças
0 mosqueteiro e soldado de fortuna, que também para elle se
fizerão os grandes postos, se os merecer; — e, animados com
este pensamento, os de que hoje se não faz caso, serão leões, e
farão maravilhas, que muitas vezes debaixo da espada ferru-
genta está escondido o valor, como talvez debaixo dos felizes
bordados anda dourada a cobardia. (P. Ant. Vieira).
3.« E E G R A

( e n tr e c o m pl em en t a r ia s )

711. A virgula deve ser substituída pelo ponto e vir­


gula entre complementarias collectivas que arrastão annexos
passíveis da virgula.
Ex. « De maneira que vejo dous prelados da Ordem de
meu glorioso Padre S. Domingos, prelados santos e religiosos,
convertidos hoje^ em Platões e Tullius formando republicas gen­
tílicas com razões e preceitos em tudo humanos;... e isto para
nie darem methodo no governo da republica espiritual e christãa !
Confesso que tomara ver esta linguagem em toda outra pessoa
antes que na boca dos que tanto me tocão. Q u e me faça res­
peitar dos pobres, gastando com minha pessoa, e tirando aos
mesmos pobres aquillo com que os posso remediar e manter;—
QUE metta em ataviar criados, e dourar baixellas, e ornar pa­
redes mortas o cabedal com que posso amparar a órphãa, soc-
correr a viuva, e vestir paredes vivas; — que empregue cui­
dado e tempo em apparato de mesa, e mestres de cozinha para
que sobejem potagens que dçsbaratão a saude, levão a fazenda^
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 595

aos pobres não matão a fome, quem não vê que são isto 'pre­
ceitos gentilicos? » (Fr. Luiz de Souza). — (Quem não vê que
são preceitos gentilicos — que me faça respeitar dos pobres,...
— QUE metta em ataviar criados,... — q ue empregue cuidado
e tempo...?).
S e , indo de jornada um cavalheiro, viesse a parar á casa
de um lavrador rico, e este, sem ter-lhe alguma obrigação, o
hospedasse com toda a humanidade e apparato qfe lhe fosse
possivél, e lhe puzesse uma mesa esplendida, provida das me­
lhores iguarias e aves que tivesse em sua casa; — se, acabada
a comida, o cavalheiro se partisse sem despedir-se, nem dizer-
lhe uma só palavra de urbanidade ou agradecimento, em que
conceito teriamos a este homem ? (Fr. Luiz de Grauada).
E logo, pedindo D. João de Castro um missal, fez jura­
mento sobre os Evangelhos — q u e , até â hora presente, não
era devedor â fazenda real de um sò eruzado ; — nem havia
recebido cousa de christão, judêo, mouro ou gentio ; — nem,
para a autoridade do cargo ou da pessoa, tinha outras alfaias
que as que de Portugal trouxera! — e que ainda a prata que
no reino fizera, havia já gastado; — nem tivera jamais possi­
bilidade para comprar outra colcha que a que na cama vião ;
— só a seu filho D. Álvaro fizera uma espada giiarnecida de
pedras de pouca estima, para passar ao reino. (Jacintho Freire
de Andrade).
4.=^ REGRA

( e n tr e in c id e n t e s )

712. Quando, em vez de se prender a uma unica pro­


posição, a incidente prende-se a um complexo do pensa­
mentos anteriores, antepõe-se-lhe o ponto e virgula, como
para advertir ao espirito do leitor, por uma pausa^ mais
prolongada, que são mais de um os argumentos de que
depende, e a que se refero a incidente.
Ex. E como, na clareza do juizo e engenho, el rei B.
Buarte era insigne, não somente aprendeu para si, mas para
doutrinar a outros; — porque n a língua latina escreveu alguns
livros de cousas moraes, e, entre elles, um tratado do regimento
da justiça, e dos ofificiaes delia, de que uma parte se ve ainda
agora na casa da supplicação. (Duarte Nunes de Leao).
Cheia está a Escriptura de muitos exemplos por que cla­
ramente consta deleitar-se Beos com a musica, a qual, por
experiencia se vê, tem muito grande força nos coraçoes dos
homens; — por onde os que delia tiverão conhecimento, vendo
quanto'podia em todas as cousas, a levárão á guerra, orde^
596 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

nando trombetas e outros instrumentos com que os homens e


ainda os cavallos cobrassem esforço no rompimento das bata­
lhas, e, no andar e proceder dos esquadrões, guardassem a
ordem que ella tem. (João dc Barros).
Se em nossos costumes ha frouxidões e descuidos, não está
a culpa nos defeitos das leis, senão no defeito da execução
d e í í a a ; — PORQUE leis sem execução não são mais de que umas
penrmdas de tinta, umas letras ou figuras pintadas. (Pr Luiz
cie bouza).
Faltão geralmente nas historias das religiosas aquelles
casos e nomes estrondosos que por si mesmos levantão a penna
e dao grandeza e pompa á narração; — for onde notou o
mestre da faeundia romana ser mais faeil dizer as cousas su­
blimes com majestade que as humildes com decencia. (V Ant
Vleira). ^
E, para que o despacho deste forçado memorial não va-
reça genero de ingratidão da minha parte, senão contrato util
de ambas, e muito digno de aceitação, sirva-se V. Ex. de con­
siderar que, se me falta uma mão para eserever, meficãoduas
mais livres para as levantar ao céo, e encommendar a Deos
os mesmos a quem não eserevo, com muito maior correspon­
dência do meu agradecimento; — vQRcxFR uma carta em cada
jrota e memória de uma vez cada anno, e as da oração de
todas as horas são lembranças de muitas vezes cada dia. (P
Ant. Vieira). ^ ’
71.3. Se, em iguaes condições, se suecedão duas ou
mais incidentes, ainda é o ponto e virgula que as tem de
separar umas das outras.
pelofundador como pelo amplificador lhe compete
a Eisboa a precedencia de todas as metrópoles dos impérios
do mundo ; — po r q u e , emquanto Elysia, é duzentos vinte annos
rnais antiga que Ninive, cabeça do primeiro império, que foi o
dos Assynos; — e , emquanto ülyssipo, quatroeentos vinte e
cinco annos mais antiga que Roma, cabeça também do ultimo
imperio. (R. Ant. Vieira). — ( ... e [ po r q u e ], emquanto Uli/s-
sipo, [É] quatrocentos vinte e cinco annos...').
Q pararão as façanhas e victorias de
òansao. R possivel que nisto parárãó as riquezas e bizar­
rias do prodigo ? Nisto pararão, ou, para melhor dizer, não
pararao so nisto: — porque o prodigo, perecendo a fome no
meio do montado, não tinha licença para se sustentar das bo­
lotas com que apascentava o seu gado; — F. Sansão, tirado
em publico para ludibrio do povo, foi tratado com taes escar-
neos e indecências, que, de corrido e affrontado, com suas pro-
« '^ida. (P. Ant. Vieira). - (... e [ porque ]
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 597

DOS DOUS PONTOS

714. Embora sobrepostos, na escala dos signaes do


pontuação, ao ponto o vírgula, os dous pontos não formão,
em relação a este signal, uma gradação analoga á do mesmo
ponto e vírgula para com a vírgula senão em occurrencías
tão raras, que podem ser consideradas como cxccpcionacs.
Ahi vai exposto este caso cm primeiro lugar.
1.=^ REGRA

( em substituição ao ponto e v ír g u l a )

715. Os dous pontos substituem-se ao ponto c virgula


quando a oração, por ser extensa, apresenta, como for­
mando duas ou mais ordens distinctas, jiensamentos já di­
vididos pelo ponto e virgula.
Ex. A's galas de Salomão, o mesmo Christo lhes chamou
gloria. Os thesouros de ouro e prata que ajuntou, erão im-
mensos; os gados maiores e menores, eque naquelle tempo tam­
bém erão riqueza dos reis, não tinhão numero; os cavallos
estavão repartidos em quatro mil presepios: — a sumptuosidade
da mesa, para a qual concorrido diversas províncias, e a ma­
jestade, grandeza e ordem dos officiaes e ministros com que era
servida, foi o que encheu de pasmo a rainha de Sabá; as bai-
xellas e vasos erão de ouro; as musicas, de vozes exquisitas
de ambos os sexos: e os cheiros e aromas com que tudo res-
cendia, de equanto cria e exhala o Oriente. (P. Ant. Vieira).
Nesta enumeração das galas de Salomão, a intervenção
dos dous pontos justifica-se pela consideração que a oração
se reparte cm duas ordens assaz distinctas de pensamentos,
constando, a primeira, da relação do que podia lisonjear o
orgulho do rei israelita, c a segunda, da exposição do que
interessava a sua sensualidade.
As demais indicações dos dous pontos são de alcance
muito mais especial, c portanto de determinação mais
facil.
2.'‘ REGRA

( citação te x t u a l )

716. Pospõem-se os dous pontos a toda a proposição


prenunciando uma citação textual.
Por citação textual cntcndc-se, não só a reproducção
cxacta de palavras proferidas real ou fingidamente por pes-
598 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

seas alheias, ou entes personificados, senão também a cópia


litteral de trechos escriptos.
Bx. Com 0 animo de tentar a Christo se levantou em
certa oceasião na synagoga um doutor, e lhe perguntou: —
« Mestre, que hei de fazer para me salvar ? »
Respondeu-lhe o Senhor que repetisse o texto da lei.
Disse 0 doutor: — «O que à lei manda, é : — Amarás a
Deos teu Senhor com todo o teu coração, com toda a tua alma,
com todo 0 teu entendimento, e com todas as tuas forças; e
ao teu proximo como a ti mesmo. » (P. J. B. de Castro).
Considero eu que ha mandamentos da lei da Inveja assim
como ha mandamentos da lei de Deos. Os mandamentos da
lei de Deos dizem: — Não matarás; não furtarás; não levan­
tarás falso testemunho. Os mandamentos da lei da Inveja
dizem: — Não serás honrado; não serás rico; não serás va­
lente ; não seras sabio; não seras hem disposto. E também
dizem: — Não serás bom prégador. (P. Ant. Vieira).
Ides daqui para Portugal; não embarcais nada comvosco;
que haveis de comer? Respondeis: — Levo uma letra de tantos
mil cruzados. (P. Ant. Vieira).
Um dia que o Lobo e o Cordeiro se achavão na margem
de um regato, indo beber, disse o Lobo mui encolerisado
contra o cordeiro: — « Porque me turvais a agua que vou
beber?» Respondeu elle mansamente: — Sr. Fulano Lobo,
como posso eu turvar a Vm. a fonte, se ella corre de cima, e
eu estou cá mais abaixo?» (P. Man. Bernardes).
A maior fatalidade dos reis é nascerem todos em signo de
ser louvados. Lançou Jacob a benção a Judas, seu quarto
filho; e as palavras por onde começou, forão estas : — « J u da ,
TE LAUDABUNT FRATRES rm \ — Judas, a ti louvarão teus
irmãos. » (P. Ant. Vieira).
A mesma interposição dos dous pontos não deixa de ter
lugar ainda quando o facto prenuncio da citação se acha,
por uma inversão ousada, porém elegante, transposto para
dentro do texto citado.
Ex. Estando Salomão nestas felicidades, e voltando os
olhos a tudo quanto tinha feito:—« O que vi, d iss e , e achei em
tudo, é que tudo é vaidade, e afflicção de animo. » (P. Ant.
Vieira).
3.“ R E G R A

( sen ten ça s p r o v e r b ia e s )

^717. Por frisante analogia com a regra anterior col-


locão-se também os dous pontos em seguida a uma propo-

j' I
QÜINTA PAUTE - PONTUAÇÃO

sição prenuncia da citação de uma sentença, provérbio,


maxima, adagio, annexim, aphorismo ou apophtegma.
Ex. Ninguém póde duvidar que assim se vai cumprindo
e tem cumprido em grande parte no império portuguez do
Oriente aquelle oráculo universal : — Passa o reino de uma a
outra gente : — E egnum a g en te in gen tem t r a n sfe r t u r .
(P. Ant. Vieira).
Por mais que os homens se esforcem por justificar-se com
discursos, mais alto clama a experiencia, e com factos mostra
que: — Quem quer mais do que lhe convem, perde o que quer,
e 0 que tem. (P. Ant. Vieira).
Breve e utilissimo dictame prescreveu Ovidio a este res­
peito, 0 qual vem a dizer em nossa lingua : — Se não queres
casar mal, casa com igual. (P. Man. Bernardes).
A moralidade desta fabula explica-se perfeitamente com o
provérbio portuguez : — Quem quer, vai; quem não quer, manda;
ou por est'outro : — Quem de rico quer pobre vir a ser, mette
trabalhadores, e não os vai ver; ou ainda por outro : — Se
queres ser pobre sem o sentir, mette obreiros e deita-te a dormir.
(P. Man. Bernardes).
O bservação . Os casos desta e da anterior regra são
os únicos em que os dous pontos avocão a maiscula no
inicio da proposição que se lhes segue.
4.^ K E G R A

( citação de teor n a r r a tiv o )

718. Ainda se pospõem os dous pontos a uma propo­


sição prenuncia de uma citação, embora a mesma citação,
em vez de appareeer sob a formula textual ou directa, es­
teja apresentada sob o teor narrativo.
Ex. No palacio de el rei Pario, emquanto elle dormia,
très guardas-móres da pessoa real, que lhe vigiavão o somno,
... excitárão entre si aquella famosa questão que refere Esdras:
— Q U A L F O S S E a mais poderosa cousa do mundo. (P. Ant.
Vieira).
Biantes, um dos sete sábios da Greda, perguntado qual
era o animal mais venenoso, respondeu : — q u e , dos bravos, o
tyranno ; dos mansos, o adulador. (P. Ant. Vieira).
Peccou David, e ninguém o advertio do seu peccado senão
um propheta mandado por Deos; antes, se, alguma vez, na
sua ante-camara (onde elle o não ouvisse) se tocou no seu
peccãdo, 0 que os palacianos discorrião, era desta maneiia.
Q U E 0 amor de Betsabé fôra um galanteio de principe soldado
600 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

que 0 casar-se com ella fora uma honrada restituição de sua


honra, que o matar a TJrias fora um conselho necessário, pru­
dente e generoso... (P. Ant. Vieira).
E l rei Dario, sendo ainda homem particular, recebera de
um qT^^go, por nome Cyloson, uma capa de grãa. Depois,
dcindo-lhe em recompensa quantidade de ouro, não Wo aceitou,
dizendo : — q u e p e d i a antes para a sua patria, Samos, total
exempçao de tributos. (P. Man. Bernardes).
s a iè a e se divulgue esta doutrina tão mal
aeeita do mundo : — q u e os pobres também hão de dar con­
forme podem. (P. Man. Bernardes).
Grande zelador do segredo foi Demosthenes ; ao qual per­
guntando-lhe um seu amigo porque lhe cheirava mal o bafo
respondeu : — voB,q,ví^ no estomago l h e apodrecerão grande
quantidade de segredos. (Diogo do Couto).

REGRA

( g e n e r a l id a d e s e g u id a d e p o r m e n o r e s )

Bospõem*se igualmcnte os dous pontos a uma


proposição ou complexo de proposições que, enunciando
continúa pela exposição das particula­
ridades ou pormenores que a constituem.
Ex. Todos os homens querem ter pão, e muito pão:
Dous alvitres lhe trago hoje para isso : — um para terem pão,
outro para terem muito. (P. Ant. Vieira). ■
. pcf'ixôes do coração humano, como as divide e numera
Aristóteles, são onze; mas todas ellas se reduzem a duas ca-
pitaes: — amor e odio. (P. Ant. Vieira).
Aprendão os navegantes a jogar as armas maritimas de todó
0 genero. a espada, a machadinha, o chuço, a pistola: o ba­
camarte, a alcanzia. (P. Ant. Vieira).
S. Paulo diz que Christo deu aos homens; David diz que
recebeu dos homens; e, como o commercio consiste em dar e
receber, tudo foi porque a nós deu-nos a sua divindade, e
de nos recebeu as mesmas chagas. (P. Ant. Vieira).
Dizem que o rei se ha de tratar como o fogo : — nem tão
perío, que queime; nem tão longe, que não aguente. A ’s avessas
muito perto, ou muito longe. (P.Ant.

Eis-aqui todo o juizo dos homens : — amárão mais, ou


amarao menos : se amárão, ainda que seja as trevas, as
trevas hao de ser melhores que a luz; se não amárão, ainda
QUÏNTA PARTE - PONTUAÇXO 601

que seja a luz, a luz ha de ser peior que as trevas. (P. Ant.
Vieira).
• Aquelles ministros, ainda quando despachavão mal os seus
requerentes, fazião-lhes tres mercês: — poupavão-lhes o tempo ;
poupavão-lhes o dinheiro; poupavão-lhes as passadas. Os
nossos ministros, ainda quando vos despachão bem, fazem-vos
os mesmos tres damnos: — o do dinheiro, porque o gastais; o
do tempo, porque o perdeis; o das passadas, porque as multi­
plicais. (P. Ant. Vieira).
Dizia um grande cortezão que havia tres castas de casa­
mentos no mundo: — casamento de Deos, casamento do diabo,
casamento da morte: — de Deos, o do mancebo com a moça;
do diabo, o da velha com o mancebo; da morte, o da moça
com 0 velho. Elle, certo, tinha razão. (D. Franc. Man. de
Mello).
t! '
Pouco ha, dissemos que o fogo natural era esteril, e não
gerava; mas depois que o artificial se ajuntou com a polvora,
em todo o genero de viventes tem filhos de fogo : — animaes
de fogo nos camelos, serpentes de fogo 7ios basiliscos, aves de
fogo nos falcões, e, em todos os outros instrwnentos sulfureos,
homens de fogo: — homens de fogo na artilheria, homens de
fogo nas bombas, homens de fogo nas granadas, homens de
fogo nos petardos, homens defogonos trabucos, homens de fogo
nas minas, e, assim sobre aterracomo debaixo delia, homens
de fogo que nelle e delle vivem. (P. Ant. Vieira).
6.«^ REGRA

( c o n c lu sã o . — SIMILITUDE)

720. Emfim os dons pontos se interpõem ainda entre


as premissas ou o antecedente de um raciocínio, e sua
conclusão, como também entre os dous membros de uma
similitude.
Ex. Christo diz que nasua lei está o allivio de todo o
trabalho; Christo diz que nasua lei, e só na sua lei se acha
0 descanso: — logo, se não buscais o descanso na lei de
Christo, é certo que não credes a Christo. (P. Ant. Vieira).
Aquella lei, vós tendê-la por trabalhosa, dizendo Christo
que só ella vos póde alUviar do trabalho; vós tendê-la por
cansada, dizendo Christo que só nella está o descanso: — logo
credes o que vós Í7naginaes, e não o que Christo diz: — credes
em Christo, mas não credes a Christo. (P. Ant. Vieira).
De um chamado Seronato disse com discreta contraposição
Sidonio Apollinario: « Seronato está sempre occupado em duas
602 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

cousas: em castigar os furtos e em os fazer. » Isto não era


zelo de justiça, senão inveja: — queria tirar os ladrões do
mundo 'para roubar elle só. (P. Ant. Vieira).
De umas cidades se não sabem os lugares onde estiverão;
de outras se lavrão, semeião e plantão os mesmos lugares, sem
mais vestígios de haverem sido que os que encontrão os arados
quando rompem a terra:— para que os homens, compostos de
carne e sangue, se não queixem da brevidade da vida., pois
também as pedras morrem; e para que ninguém, se atreva a
negar que tudo quanto houve, passou; e tudo quanto é, passa.
(P. Ant. Vieira).
O peccado da usura, e a enfermidade da lepra parecem-
se em muitas cousas: — não é, logo, de admirar que esta fosse
a pena daquella culpa.
A lepra chama-se cancro universal porque a todo o corpo
se vai estendendo, e todo o vai consumindo: — a usura também
é cancro universal porque consome a honra, a saude, a vida,
as virtudes.
O leproso tem o bafo corrupto, e por isso todos se afastão
delle: — o onzoneiro escandalisa com o seu procedimento, e
ninguém o busca senão por remir sua vexação.
A lepra é doença que não póde encobrir-se: — a usura é
vicio que logo se faz publico.
A lepra pega-se aos vestidos e ás casas, e os consome e
afeia: — também a usura destroe as casas e famílias, e as em­
pobrece, despeja e afronta; porque: M a l e p a r t e , m ale d il a -
BUNTUR ( O que vem por mal, por mal se vai). — (P. Man.
Bernardes).
Lá dizia Socrates que as raizes da virtude são amar-
gosas, e os fructos delia, suaves: — symbolo natural desta
verdade é a herva loto, amargosa nas raizes, e doce nos fructos.
(P. D. Kaphael Bluteau).

DO PONTO FINAL

721. Todo o pensamento ou complexo de pensamentos


versa exclusivamente sobre entes ou abstracções, ou pro-
miscuamente sobre abstracções e entes.
O que, na linguagem, representa directamente, quer
os entes, quer as abstrações são os substantivos; e o que
08 representa por delegação dos mesmos substantivos, são
08 pronomes, os infinitivos e os advérbios.
0 pensamento que versa exclusivamente sobre abstrac-
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 603

Çücs, torna-se, antes de tudo, do dominio da faculdade a


que chamamos entendimento, o fornece um argumento
sobro 0 qual se pronuncia o juizo por aceitação ou re­
jeição.
Logo, porém, que no pensamento entra um ente, dello
se apodera a imaginação para revestí-lo das fôrmas pelas
quaes se torna accessivel aos sentidos, e o juizo actúa
nolle como se o tivesse presente.
Ora, no primeiro caso, deve ser considerado como for­
mando oração, isto é, como avocando o ponto final, todo o
pensamento ou complexo de pensamentos constituindo uma
opinião sobre a qual póde a reflexão pousar para nova-
nlente ventilar as condições em que se apresenta.
Ex. Bem se póde dizer que o juizo é o mesmo que o en­
tendimento, porém é um entendimento solido: por isso póde
haver entendimento sem juizo, mas não juizo sem entendimento.
— O ter muito entendimento ás vezes prejudica; o ter muito
juizo sempre é util. — O entendimento é parte que discorre,
porém póde discorrer mal; o juizo é a mesma parte que dis­
corre quando discorre hem. — O entendimento pensa; o juizo
também ohra. — Por isso, nas acções de um homem conhe­
cemos 0 seu juizo, e, no discurso, lhe vemos o entendimento.—
O juizo duvida antes que resolva; o entendimento resolve pri­
meiro que duvide : por isso, este se engana pela facilidade com
que decide, e aquelle acerta pelo vagar com que pondera.
Ordinariamente falíamos no juizo, e não no entendimento
de Peos; e deve ser pela impressão que temos de que o juizo
é menos sujeito ao erro, que em Deos é impossivel.
Com esta vantagem que achamos no juizo, pouco nos des­
vanece 0 ter juizo, e muito nos lisonjeia o ter entendimento. —
Consideramos o juizo como cousa popular, ou sómente como
uma especie de prudência, sendo aliás cousa mui rara; e olha­
mos para o entendimento como cousa mais altiva, e em que
reside a qualidade da agudeza: e assim mais nos agrada o
discorrermos subtilmente do que o discorrermos com acerto; e
ainda fazemos vaidade de voltar de tal sorte as cousas, que
fiquem parecendo o que claramente se sabe que não são. O
engano vestido de eloquência e arte attrahe, e a verdade mal
polida nunca persuade. — Fazemos vaidade de errar com sub­
tileza, e temos pejo de acertar rusticamente. (Matbias Ayres
da Silva de Eça).
Quando, porém, o pensamento ou complexo de pensa­
mentos versa sobre entes, póde-se averiguar pola meditação
que o que delle vem a predominar na imaginação, é uma
ou outra das quatro contingências inberentes á idéa de
604 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

entidade; contingência de pessoa, de evento, do tempo ou


de lugar.
Ora reputa-se em tal caso como completa a oração, o
portanto como tendo de ser fechada pelo ponto final, todas
as vezes que, por uma evolução mental, a attenção fica so­
licitada a passar de uma das referidas contingências para
outra diversa em especie ou assumpto.
Ex. Estando em artigo da morte um padre antigo do
famoso deserto de Scitin, os outros monges^ rodeando-lhe a
p(mre cama ou esteira em que jazia, choravão amargamente.
(Contingência de pessoas: os monges). — Neste ponto abriu
os olhos, e sop'iu-se; dalli a pouco tornou a rir; e, depois de
outro breve intervallo, terceira vez deu a mesma mostra de
alegria. (Contingência de evento: o riso). — Causou isto nos
circumstantes não pequeno reparo, por ser austera a pessoa, e
formidável a, hora. (Outra contingência de evento: o pasmo).
Perguritárão a causa, e respondeu: « A primeira vez me ri
porque vós outros temeis a morte; a segunda, porque, temendo-a,
não estais apparelhados; a terceira, porque já lá vai o tra­
balho, e vou para o descanso. » (Contingência de pessoa: o
moribundo). — Tornou então a cerrar os olhos, e desatou-se
seu espirito. (Contingência de evento: a morte). — (P. Man.
Bernardos).
Eapegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar
Erythreo a conquistar a Índia; e, como fosse trazido á sua
presença um pirata que por alli andava roubando os pesca-
d^es, reprehendeu-o^ muito Alexandre de andar em tão máo
officio. (Contingência de evento: reprehensão ao pirata). —
Porem elle, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim:
KBasta Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou la-
drão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador! »
(Outia contingência de evento; réplica a Alexandre).—
Assim é: 0 roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza;
0 roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito,
05 Alexandres. (Abstraeção: considerações sobre os juizos
humanos). Mas Seneca, que sabia bem distinguir as quali­
dades, e interpretar as significações, a uns e outros definiu com
0 mesmo nome. (Contingência de pessoa: Seneca). — « Se o
lei de Macedonia, diz elle, ou qualquer outro fizer o que faz
0 ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e me­
recem 0 mesmo nome. » (Abstraeção; opinião de Seneca). —
(P. Ant. Vieira).
S. Pedro Damião e outros santos comparão os aduladores
as sereas, as quaes, com a suavidade de suas vozes, de tal
modo encantavão os navegantes, que voluntariamente se lançavão
e precipitavão ás ondas, e se afogavão no mar em que ellas
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 605

vivião. (Contingência de pessoas, por entes fabulosos: as


serêas). — Houve de passar por este mesmo lugar (que era
junto a Scylla e Charybdes) o fundador de Lisboa, Ulysses;
e,' usando da sua sciencia e sagacidade, que fez ? (Contin­
gência de lugar: Scylla e Charybdes, dous escolhos no
estreito de Messina). — Navegava em uma formosa galé da
Greda; e, para que a chusma não faltasse á voga dos remos,
nem a outra gente nautica, á mareação das velas, e todos es-
capassem do encanto das serêas, tapou-lhes a todos os ouvidos de
tal sorte, que as não ouvissem. (Contingência de evento:
tapou Ulysses os ouvidos aos marinheiros). — Elle, porém,
para que pudesse ouvir as vozes, deixou os ouvidos abertos; e,
para não padecer os effeitos do encanto, nem se precipitar ao
mar, como acontecia a todos, mandou-se atar ao mastro tão
fortemente, que, ainda que quizesse, não se pudesse bulir nem
mover. (Outra contingência de evento: Ulysses fica com os
ouvidos abertos). — Esta é a historia ou fabula engenho­
samente fingida por Homero para ensinar que os varões sábios
e constantes como Ulysses, ainda que oução os aduladores, e o
contraponto doce das suas lisonjas, nem por isso se hão de
deixar vencer de seus enganos e artifícios, mas persistir, e con­
tinuar a derrota certa, sem mudar, deter nem torcer a carreira
do bom governo. (Contingência de tempo remoto: opinião
de Homero). — Assim o poderá fazer também quem tanto con­
fiar ou presumir de sua constância, e não conhecer que isto
mesmo, ainda sómente dito, é fabula. (Outra contingência de
tempo: isto também hoje se pódc fazer). — Mas, se eu ti­
vera autoridade para emendar a Homero, e confiança para
aconselhar a Ulysses, não o havia de querer com os ouvidos
abertos, e as mãos atadas, senão com os ouvidos tapados, e as
mãos soltas ; porque com os ouvidos tapados não daria entrada
á adulação, e com as mãos soltas serião todas as acções suas,
e, como suas, verdadeiramente reaes. (Contingência de pessoa:
o P. Ant. Vieira contesta com a sua propria opinião). —
Deste modo se conquista no mundo a fama immortal, e se as­
segura também no céo a gloria etèrna, (Abstracções: a fama,
a gloria). — (P. Ant. Vieira).
722. Ora, que muito importa acertar na collocação do
ponto, como aliás dos demais signaes de pontuação, a bem
de conservar aos pensamentos toda a sua integridade, de-
monstrão-no os dous seguintes excerptos, onde o' texto,
por ter sido violentado na partição das orações, parece, já
obscuro, já confuso, quando na realidade não é, nem uma,
nem outra cousa, logo que, por uma recta disposição dos
pontos, as orações reassumem as suas proporções reaes e
yerdadeiras.
606 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

TRANSCRIPÇÃO RECTIFICAÇÃO
Sôa-me dentro n’alma, Padres Sôa-me dentro n’alma. Padres
Eeverendissimos, e faz-me retinir Reverendissimos, e faz-me retinir
«
ambos os ouvidos aquella voz, — ambos os ouvidos aquella voz —
que se conta foi ouvida do Céo que se conta foi ouvida do céo
em tempo de Constantino Magno em tempo de Constantino Magno,
— quando — com santa liberalida­ — quando, — com santa liberalida­
de — começou a enriquecer a Igre­ de, — começou a enriquecer a Igre­
ja. — « Grande veneno começa ja: — « Grande veneno começa
d’espalhar-se na Igreja de Deos ! » de espalbar-se na Igreja de Deos !
G rande nunc venenum in E c- G rande nunc venenum in E c-
CLESiA D ei effusum est . CLEsiA D e i effusum est ! »
E — considerando a conve­ E, — considerando a conve­
niência que tem com a doutrina niência que tem com a doutrina
que — tantos annos antes — nos que, — tantos annos antes, — nos
escreveo são Paulo : « Que — tendo escreveu San’ Paulo: que,— tendo
com que se alimentar, e de que com que se alimentar, e de que
se vestir, com isso se contentava. » se vestir, com isso se contentava :
— II aBENTES — AUTEM — ALI­ — H a BENTES, — AUTEM, — ALI­
MENTA, E QUIBUS TEGAMUR, HIS MENTA, E QUIBUS TEGAMUR, HIS
CONTENTI SIMUS. — CONTENTI SUMUS, — confesso que
Confesso que não me atrevo não me atrevo, — nem posso aca­
— nem posso acabar commigo des­ bar commigo despender nem um
pender nem um só real fora dos só real íóra dos termos que devo
termos que devo á vida monás­ á vida monastica que professei.
tica que professei.
(Fr. Luiz de Souza).

Atravessava — um dia de in­ Atravessava, — um dia de in­


verno — 0 Arcebispo com sua verno, — 0 arcebispo com sua
comitiva a serra do Gerez por comitiva a serra do Gerez por
caminhos ásperos e fragosos; — caminhos ásperos e fragosos. —
salteou-os uma chuva fria e im­ Salteou-os uma chuva fria e im­
portuna, — que os não largou na portuna — que os não largou na
mór parte da jornada, o corria um mór parte da jornada, e corria um
vento agudo e desabrigado que os vento agudo e desabrigado que os
congelava a todos. Tinha-se adian­ congelava a todos. Tinha-se adian­
tado o Arcebispo, — segundo o seu tado o arcebispo — segundo o seu
costume, que era caminhar quasi costume, que era caminhar quasi
sempre só para se occupar com sempre só para se occupar com
mais liberdade em suas contem­ mais liberdade em suas contem­
plações, 0 ia fazendo matéria de plações, e ia fazendo matéria do
tudo quanto via no campo e na tudo quanto via no campo e na
serra para louvar a Deos; — oflFo- serra para louvar a Deos. — üffe-
recendo-se-lhe á vista não longe recendo-se-lhe á vista não longo
do caminho, posto sobre um pe­ do caminho, posto sobre um pe­
nedo alto e descuberto ao vento e nedo alto e descoberto ao vento e
á chuva, um menino pobre — e á chuva, um menino pobre, — o
bem mal reparado de roupa, que bem mal reparado de roupa, que
vigiava umas ovelhinhas que ao vigiava umas ovelhinhas que ao
longe andavão pastando. — Notou longe andavão pastando, — notou
o Arcebispo a estancia, o tempo, a o arcebispo a estancia, o tempo, a
idade, o vestido, a paciência do idade, o vestido, a paciência do
pobrezinho ; — e viu juntamente pobrezinho, — e viu juntamento
que ao pé do penedo se abria uma que ao pé do penedo se abria uma
lapa, — que podia ser bastante lapa — que podia ser bastante
abrigo para o tempo ; — movido abrigo para o tempo. — Movido
de piedade, parou, chamou-o, e de piedade, parou, chamou-o, e
disse-lhe que se descesse abaixo disse-lhe que se descesse abaixo
para a lapa, e fugisse da chuva, para a lapa, e fugisse da chuva,
pois não tinha roupa bastante para pois não tinha roupa bastante para
a esperar. a esperar.
« Isso não, respondeu o pasto- « Isso não, respondeu o pasto-
j.jnho, — que em deixando de estar rinho; — que em deixando de estar
á lerta, e com o olho aberto, vem alerta, e com o olho aberto, vem
logo o lobo, e leva-me a ovelha, logo o lobo, e leva-me a ovelha,
ou vem a rapôza, e mata-me o ou vem a rapôza, e mata-me o
cordeiro. » — « E — que vai nisso? » cordeiro.» — « E , —que vai nisso?
disse o Arcebispo. — « A mim me disse o arcebispo. » — « A mim me
vai muito, tornou elle, que tenho vai muito, tornou elle, que tenho
pai em casa, que pelejará com- pai em casa, que pelejará com-
migo, e tão bom dia, se não forem migo, e tão bom dia, se não forem
mais que brados; — eu vigio o mais que brados! — Eu vigio o
gado, elle me vigia a mim: mais gado, elle me vigia a mim: mais
vai soffrer a chuva. » vai softrer a chuva. »
Não quiz 0 Arcebispo dar Não quiz o arcebispo dar
mais passo, — esperou que chegas­ mais passo; — esperou que chegas­
sem os de sua companhia, contou- sem os de sua companhia, contou-
lhes o que passára com o menino lhes o que passára com o menino,
e accrescentou: « E este esfarrapa e accrescentou: « E este esfarrapa.

I
608 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

dinho innocente ensina a Fr. Bar- dinho innocente ensina a Fr. Bar-
tholomeu a ser Arcebispo, — Este tholomeo a ser arcebispo ! — Este
me avisa que nSo deixe de accéder, mc avisa que não deixe de acceder,
e visitar minhas ovelhas por mais c visitar minhas ovelhas por mais
tempestades que fulmine o Céo;— tempestades que fulmine o céo.—
que se este, — com tão pouco re- Que se este, — com tão pouco re-
medio para as passar, todavia não medio para as passar, todavia não
foge d’ellas — respeitando o man­ foge délias, — respeitando o man­
dado do pai mais que o seu des­ dado do pai mais que o seu des­
canço ; — que razão poderei eu canso, — que razão poderei eu
dar, se — por mêdo de adoecer, dar, se, — por medo de adoecer,
ou padecer um pouco de frio, des­ ou padecer um pouco de frio, des­
amparar as ovelhas,—cujo cuidado amparar asovelhas — cujo cuidado
e vigia Christo fiou de mim, — e vigia Christo fiou de mim —
quando me fez pastor d’ellas? » quando me fez pastor délias?»

(Fr. Luiz de Souza).

DA COLLOCAÇÃO ANORMAL DO PONTO

723. Pelo que foi expendido ácerca das très espeeies


de proposições; a principal, a complementaria o a inci­
dente, o que se deduz theoricamente, é que só a primeira
póde de per si mesma constituir uma oração, porquanto,
sendo ambas as, outras dependentts, não ha meio de con’
eebê-las sem a preexistencia de outra preposição a que se
prendão. Dá-se tão sómente entre as ultimas esta differença
que, para a inteireza do pensamento geral, a assistência da
complementaria é indispensável, ao passo que a da inci­
dente é facultativa.
Torna-se, por isso, intuitivo que os signaes inferiores
de pontuação a virgula, o ponto e virgula, ' e os dous
pontos, por não desligarem inteiramente os pensamentos
uns dos outros, possão e devão intervir, como aliás veiu
explicado, para graduar as relações das proposições depen­
dentes, e desobstruir assim a carreira que o espirito' tom
de percorrer até chegar ao ponto, indicação da pausa ne­
cessária para o retrospecto mental que se chama reflexão.
Porém 0 que se não deixa theoricamente presuppôr, é que
possa haver casos em que seja conveniente interpor o ponto
entre proposições dependentes, e os pensamentos a que
ellas se referem ; entretanto é o que se verifica, não só
com as complementarias, senão também com as incidentes,
e isto é 0 que se entende por collocação anormal do ponto.
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 6Ô9

DO PONTO ANTE COMPLEMENTARIAS

724. Quando, em uma citação de teor narrativo, se


adduzem, sob uma mesma forma de complementarias col-
lectivas, considerações tão numerosas, que excedão as pro­
porções de uma oração, separão-se pelo ponto os topicos
que avocarião o mesmo signal, se a citação fosse directa.
Este caso póde-se considerar como competindo quasi ex-
clusivamente á relação do discursos deliberativos.
Ex. Era então governador da Bahia Antonio Telles da
Silva; e, chamando a conselho os cabos principaes da guar~
nição da cidade, propôz a sua resolução, que era desalojar aos
inimigos, atacando-os nos mesmos quartéis. Dizia:
« Qüe era injuria das nossas armas a assistência do hol-
« landez dominante aos nossos olhos. Que deixá-lo senhor da
■« campanha, sem alguma opposição, era mostrar gatente receio
« do seu poder, e desconfiança do nosso. Que a nossa omissão
« augmentava a sua ousadia. Que já ião faltando os viveres
« na cidade, e seria cada vez maior a falta, porque as cor-
« rerias do inimigo cortarião todos os comboios. Que bem re-
« conhecia a difficuldade da empreza, e a desigualdade das
V. forças; mas que esse era o costume do braço portuguez :
« emprehender e conseguir cousas grandes, sempre com poder
« inferior. »
Calárão-se, todos, porque, guiados pela razão, nenhum quiz
approvar; e, attentos ao respeito, nenhum se animou a contradizer
aquella arrojada proposta. Só o mestre de campo Francisco
Rebello, famoso igualmente no pulso e no conselho, expôz o que
lhe parecia, dizendo :
« Que era mais temeridade do que valor aquella resolução.
(( Que o inimigo se achava fortificado. Que, ainda no caso
« da victoria, seria muito maior a perda que a utilidade. Que a
« summa do negocio, nos termos presentes, era defender a Bahia,
« fim para que se devião conservar as forças inteiras. Que
« desbaratá-las naquella invasão seria abrir uma porta aos
« inimigos, para conseguirem facilmente a conquista que inten-
« tavão. Que se devia esperar pelo beneficio do tempo em que
« succederião novos accidentes que podião facilitar as nossas
« operações. Que para a conducção de mantimentos não fal-
« tava campo no dilatado circuito da cidade, estando o maior
« poder dos hollandezes a um só lado delia. Q ue elle votava
« contra o seu desejo, mas que attendia ao que era mais con~
« ducente á conservação do Estado, e ao serviço de el rei. »
(Fr. Franc, do S. Maria).
O provincial pediu ao arcebispo levasse na memória, dè
r
610 NOVA GRAiMMATICA ANALYTICA

mistura com estes santos intentos, très cousas de que o queria


advertir :
« Primeira^ que fosse amigo de tomar conselho, e não
« fiasse de seu parecer, nem o seguisse, se não fosse em cousas
« averiguadas, ou em decretos ou mandados apostolicos. Se­
te gunda, que não fosse precipitado nem rigoroso em castigar ;
« antes curasse untando e mollificcndo, e dissimulando muitas
<( cousas; que não quizesse de todos vida espiritual ; porém que
« não permitisse peceado publico ou escandaloso. Terceira, que
« não fosse facil nem leve no trato, nas palavras, no sem-
(( liante, de maneira que désse azo a o terem em pouco, e lhe
« perderem u respeito ; nem também fosse tão esquivo, que suas
(( ovelhas se estranhassem delle ; mas guardasse em tudo uma
(( medida e peso conveniente ao officio, abaixando com os pobres
« e pequeninos os pontos da severidade, e tendo como regra
« para com todos trazer, em balança igual, grandeza de animo
« com humildade religiosa, e brandura com suavidade. » (Fr.
Luiz de Souza).
DO PONTO ANTE INCIDENTES

725. Quando, a uma citação textual, ou a um amplo


conjuncto de considerações sobre um mesmo assumpto, ac-
crescenta-se, como argumento confirmativo, uma incidente
que a todas as mesmas considerações se refira, costuma-se,
por amor da lucidez, separá-la pelo ponto. Em tal caso, a
ligação subordinativa que a enceta, vem a representar o
mero papel de uma preventiva, isto é, a formar um sim­
ples artificio de transição.
Ex. Aquella summa bondade que a todos nos creou á
sua imagem e semelhança, e nos fez capazes de sua mesma
bemaventurança, com muita razão nos obrigou a que, emquanto
caminhássemos por este desterro esses quatro dias de vida que
nos dava, nos amassemos. — P orque não se soffria que gente
que tem um mesmo pai celestial, e caminha juntamente para
uma mesma cidade celestial, não se ame no cayninho. (D. Fr.
Bartholomeo dos Martyres).
S. Paulo diz: « Quem ama ao proximo, cumpre toda a
lei. » — P orque toda a lei e todos os mandamentos em que
nos é mandado que não impeçamos ao proximo em alguma
cousa, mas façamos a cada um o que queriamos que nos fi­
zessem, se comprehendem nestas palavras : « Amarás o proximo
como a ti mesmo. » — P orque quem ama, não faz mal a quem
ama. (D. Fr. Bartholomeo dos Martyres).
Pelo propheta Isaias faliava Deos com os justos, e, ani­
mando-os, dizia: « Levantai os olhos ao céo; olhai para a
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 611

terra; e entendei que primeiro os céos se desfarão como fumo,


e a terra se gastará como vestido, e os que morão nella, fe­
necerão, que deixe de permanecer a minha saude, e tenha fim
a minha justiça. » — Do que se segue manifestamente que
quem afflige os justos, faz guerra ao mesmo Deos. (D. Fr.
Amador de Arraes).
Quando aqui, na Bahia, estivemos sitiados no anno de
1638, tirava o inimigo muitas balas ao baluarte de S. An­
tonio: os pelouros que acertavão, ficavão enterrados na trin­
cheira ; os que erravão, voavão por cima, vinhão rompendo os
ares com grande ruído, e os que andavão por estas ruas, aqui
se abaixava um, acolá se abaixava outro, e muita gente lhes
fazia cortezias demasiadas. — D e sorte que o pelouro que
errou, esse fazia os estrondos, a esse se fazião as reverencias;
e 0 outro que acertou, o outro que fez sua obrigação, esse fi­
cava enterrado. (P. Ant. Vieira).
Pois, que remedio para accrescentar a fazenda, util, dis­
creta e muito seguramente? O remedio é muito fácil: dar da
que tiverdes por amor de Deos. — D e m a n eira que ambos os
nossos pontos se vêm a resumir a Deos: quereis ter pão ? serví
a Deos; quereis ter muito? dai-o por amor de Deos. (P. Ant.
Vieira). «39
Admira-nos o ver quão depressa haja a terra gerado e
produzido; mas, cquanto maior motivo temos para admiração,
se considerarmos como as sementes lançadas nella não fructi-
m
ficão, se primeiro não morrem! — D e sorte que , quanto mais
perdem o que são, tanto mais copioso fructo jmduzem. (P.
Ant. Vieira). iji
Dos quatro signaes accessorios de
pontuação
726. Dentre os signaes accessorios de pontuação, os
que mais importância têm, são incontestavelmente o ponto
interrogativo, e o ponto exclamativo, porque determinão
na leitura entoações tão especiaes, que, se não forem at-
tendidas, compromettido andará frequentemente o sentido
da oração. Quem, com eífeito, deixará de perceber a difíê-
rença de modulações na voz, e conseguintemente do sen­
tido no espirito suscita a seguinte oração cxtraliida do P.
Ant. Vieira, conforme ella fôr concluida por um ponto in­
terrogativo, ou por um ponto simples?
Ha mais para onde subir?
Ha mais para onde subir.
612 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

A cliíferença é tal, que a i:>rimeira citação só sc póde


entender de uma pergunta, e a segunda, só de uma res­
posta no caso dado, ou, fóra dahi, de uma simples affir-
mação.
Por isso é que alguns escriptores de nota, considerando
quão tardiamente apparcce o ponto interrogativo para pro­
duzir o effeito a que é destinado como indicação phonetica,
tiverão a lembrança de antepô-lo, porém virado ás avessas,
no inicio das orações que tem de concluir; porque, assim
prevenido, o leitor não tem de hesitar sobre as diversas
inflexões de voz que servem a rematar o sentido de uma
oração. Porém as tentativas que se íizerão nesse intuito,
colhêrão tão poucos imitadores, que ficárão frustradas.
Ahi vai, como amostra, um exemplo deste genero de
pontuação:
« Tiremos exemplo da família. Tudo da sociedade e tudo
do mundo se acha alli symholisado. O pai e a mãi, que são
a grande actividade inteUigente, forte, autorisada e produetiva
da casa, representão o presente; os avós e os velhos, fracos e
improduetivos, o pretérito; os filhos, o porvir. ^ Que é o que
faz a unica força que alli existe ? i que é o que faz aquelle
indivíduo, composto por Deos de duas metades, e Só assim
completo, 0 homem e a mulher? o casal? çJosé Feliciano de
Castilho).

DO PONTO INTEEEOGATiVO

727. A interrogação chama-se indirecta quando, assu­


mindo 0 teor narrativo, enxerta-se no verbo perguntar,
ou em outro de igual significação. E, em tal caso, ella
não avoca o ponto interrogativo.
Ex. P erguntou o Senhor — onde acharião pão para
que comessem todos. (P. Ant. Vieira).
A interrogação chama-se directa quando, por eliminação
do verbo perguntar, ella fica formulada em teor de ci­
tação. E então ella não prescinde já do ponto interrogativo
( O Senhor disse: — « O n d e acharemos pão para que comão
todos? »).
Respondeu Santo André que todos os pães que havia, não
passavão de cinco; e, com estes, sendo só cinco, quiz Christo
dar de comer a todos. « Pois, Senhor, — não vedes que tendes
doze discípulos que sustentar, e que os pães não são mais que
cinco? » (P. Ant. Vieira).
Esta ultima oração, sendo convertida em interrogação
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 613

indirecta pela introducção de perguntar, volta ao teor


narrativo, e perde por isso o ponto interrogativo. Pois,
Senhor, eu pergunto — se não vedes que tendes doze discí­
pulos que susteíitar, e que os pães não são mais que cinco. —
O que equivale a est’outra forma, de teor igualmente nar­
rativo : Pois, Senhor, eu peço — que vejais que tendes doze
discípulos que sustentar, e que os pães não são mais que
cinco.
728. A opportunidade destas considerações consiste
em estabelecer que toda a interrogação directa constitue
logicamente uma complementaria dependente do verbo oc-
culto perguntar, o que confirma esta allegação, é a obser­
vação seguinte ; que toda a interrogação directa está sempre
sob a influencia do uma ligação subordinativa, a qual nunca
deixa de sahir expressa quando tem de constar de que,
ou de um dos congeneres do mesmo vocábulo, e fica sempre
occulta quando tem de constar do dubitativo se.
Ex. Que homem ha que não busque o descanso (P.
Ant. Yieira). — (Pergunto pelo homem — que ha que não
busque o descanso).
Quereis ver o que é uma alma? (P. Ant. Vieira). —
(Pergunto — [se] quereis ver o que é uma alma).
Isto explica o que, de outro modo pudera parecer pa-
rodoxal na analyse lógica de um trecho já diversas vezes
trazido á tela da dissertação :
Ha mais para onde subir? Ainda ha mais. (P. Ant.
Vieira).
São duas as orações, e, ostcnsivelmcnte, très as propo­
sições: Ha mais— para onde [se j905sa] subir? — Ainda ha
mais.
Sendo a primeira e a ultima destas très proposições
de teor sensivelmente conforme, o que parece natural á
primeira vista, é que sejão tidas como sendo de uma só c
mesma especie. Entretanto não ha tal; o basta a diííerença
de pontuação para ser necessário assignar-lhes a cada uma
um caracter differente.
A primeira é complementaria, porque, a não ser assim,
deixaria
O de ser interrogativa :
Pergunto — se ha mais...
A ultima é principal, porque não carece de supposição
alguma, attendendo-se á sua collocação, para de per si
mesma dar um sentido pleno :
Ainda ha mais.
614 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

729. Dahi se deduz, em pontuação, uma regra que,


embora assaz geralmentf> desprezada na pratica, nem por
isso deixa de ter todo j cabimento, quer se considere pelo
lado thcorico, quer pelo da elocução. Ella é a seguinte:
V in d o u m a i n t e r r o g a ç ã o d i r e c t a a s e r e n c e ta d a p o r
u m a lig a ç ã o c o p u l a t i v a o u p r e v e n t i v a , a m e s m a lig a ç ã o
t e m d e s e r s e p a r a d a p e la v i r g u la , p o r q u e n ã o se r e f e r e d e
m o d o a lg u m á projD O sição i n t e r r o g a t i v a q u e lh e v a i n o e n ­
c a lç o , e s im a o v e r b o o c c u lto Eu 'pergunto.
Ex. porque ainda havia no mundo outro poder maior,
posto que este fosse o de Eeos, nem o anjo, nem o homem se
contentarão com poder o que podião. E, — que se seguiu
daqui? (P. Ant. Vieira). — (... E [pergunto pelo'\ — que se
seguiu daqui).
Dizia Seneca que antes queria offender com a verdade
que agradar com a lisonja. M a s , — quem era Seneca? (P.
Ant. Vieira). — (... Mas [eu pergunto pelo homeniX — que era
Seneca).
Poupar e morrer de fome para que outros vivão e alar­
deiem, é uma avareza mui louca. Pois, — que remedio para
accrescentar^ a fazenda, util, discreta e muito seguramente?
(P. Ant. Vieira). — (... Pois [eu pergunto'] do remedio— que
[ha] para accrescentar a fazenda...).
^ O mesmo se dá quando são duas as ligações subordi-
nativas que precedem a interrogação, porquanto a primeira
ainda pertence ao subentendido Eu pergunto.
Ex. q que adquiristes com o que tinheis, e o que não
tinheis, forão as invejas dos amigos, as murmurações dos si-
zudos, as perseguições dos credores, e a desgraça e mão con­
ceito dos principes a quem quizestes lisonjear e servir; porque,
COMO vos ha de fiar a sua fazenda quem assim vê que es-
perdiçaes a vossa? (P. Ant. Vieira). — (... porque [eu per­
gunto]— como vos ha de fiar...).
Mas, donde tirou Saul esta certeza que havia David de
ser rei ? De nenhuma outra cousa senão da generosidade de
animo com que David lhe perdoára... P orque, — que homem
ha, que, tendo seu inimigo debaixo da lança, lhe perdoe, e o
deixe ir em paz? (P. Ant. Vieira). — (... Porque [eu per­
gunto] pelo homem — que, tendo o seu inimigo debaixo da
lança...).
Emfim o mesmo ainda se verifica nas interrogações
ellipticas.
Ex. Mas eu confio, e estou certo, conclue Saul, que Deos
não ha de deixar sem prêmio esta indifferença que hoje usaste
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 615

commigo. E, — como ? Tirando-me a mim a corôa da cabeça,


e pondo-a na tua. » (P. Ant. Vieira).— (... E [pergunto'] —
como [<x não deixará sem 'preniio].
E, que turba mxãta é aquella que vai cobrindo os camjpos
de armas e carruagens? E ' um exercito que vai a uma. de
duas cousas: ou a morrer, ou a matar. E, — sobre que ?
Sobre que dous palmos de terra são de cá, e não são de lá.
(P. Man. Bernardes). — (... E [pergunto das duas cousas]
— sobre que [vai aquelle exercito].
Em todos estes casos, a collocação da virgula fica
theoricamente justificada por uma consideração do cohe-
rencia com a que fundamenta a regra do § 680, e vem a
ser a conveniência de assignalar por este meio a suppressão
accidental de um facto. Em referencia á elocução, facil é
observar, mórmento na dicção cmpbatica, que tão expres­
siva é a pausa que de si mesma ahi se impõe ao que falia,
que ella chega a converter um mero enclitico qual a con-
juneção E, em' verdadeira syllaba tônica (E ,—que turba
multa...? E, — sobre que?).
730. TJm ensejo que agora se apresenta com toda a
opportunidade, é 0 de ventilar se ao ponto interrogativo
SC deve necessariamente seguir uma maiuscula, como após
o ponto ; ou se ha casos em que tenha melhor cabimento
0 emprego de uma simples minuscula.
Os grammaticos geralmente, quando não se deixarão
cautelosamente ficar quedos e mudos sobre a hypothese,
derão-lhe uma solução de pancada: para elles,^ depois do
ponto interrogativo ou exclamativo, como depois do ponto
final, a maiuscula é de rigor, e está dito. Vai em abono
do preceito um ou outro exemplo adrede escolhido, o a
receita está prompta para todas as contingências possiveis.
Entretanto todos os escriptores de nota, como facil é
verificá-lo, têm procedido e procedem menos summaria-
mente neste particular; pois que tanto usão da minuscula
como da maiuscula, mas com visos tão manifestos de dis­
criminar um caso do outro, que o que ficou por fazer, foi
tão sómente denunciar em uma formula geral o critério
que latentemente os guiou. Esta formula coaduna-se, aliás,
sem violência aos principios mais comesinhos da pontuaçao,
todavia carece de algumas considerações prévias para ser
bem elucidada.
A constituição de uma oração interrogativa, mórmento
sendo ella extensa, é muitas vezes do tal ordem, que, se
80 esperasse até á sua conclusão para determinar-lhe o ca­
racter de interrogação por meio do ponto competente, o

P-i
616 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

ficaria frequentemente compromettido pela pos­


sibilidade de equivocaçôes. Torna-se, portanto, necessário,
para obstar a tal inconveniente, collocar em semelhantes
casos 0 ponto interrogativo após cada um dos trechos que
podería concluir a mesma oração.
0 que dahi decorre, é que, vindo um ponto interroga­
tivo a SC achar interposto entre partes de uma mesma
oraçao, a palavra que se lhe segue, não deve, por modo
algum, assumir a maiuscula; porquanto é claro que o
mesmo ponto apenas substitue em tal hypothèse algum dos
signaes de pontuação que não avocão senão a minuscula,
isto e, a vírgula, o ponto e virgula, ou os dous pontos; o
que a maiuscula so e bem cabida depois do ponto interro­
gativo quando este substitue ao ponto final.
p o d e r á d e c la r a r q u a n ta se ja a fo r m o s u r a
d o s ca m p o s ? — q u a n ta a s u a f r a g r a n c ia e s u a v id a d e ? —
e q u a n to s os d eleites d e que g o zã o os la v r a d o r e s ? ~ Q ue vo-
oTanada)^^^ n o ssa s p a la v r a s f (Fr. Luiz de
Agora o que se póde exigir da sciencia grammatical,
e que forneça um critério certo e facil para chegar ao co-
nhecimeuto das condições em que o ponto interrogativo
avoca ou repelle a maiuscula. Este meio, fornece-o outra
vez o processo da substituição.
Na,0 'ha oração interrogativa que não possa vir a ser
invertida em oração simplesmente afirmativa. Pois faça-se
a experimentação; e, onde se verificar que o ponto inter­
rogativo^ corresponde a um dos très signaes inferiores de
da m S c u la minuscula; onde corresponde ao ponto,

Ex. N ã o , n in g u ém p o d e r á d e c la r a r q u a n ta s e ja a for-
d o s ca m p o s, — q u a n ta a s u a f r a g r a n c ia , a s u a su a v i-
T .Í ' T n d o s la v r a d o r e s . — N a d a p o d erã o ,
a e s ta belleza, e x p r im ir n o ssa s p a la v r a s .

formulada a regra, apenas resta cor-


robora-la por mais alguns exemplos.

m tr e fíÚ t í’“ " '


t f Z S Æ t r r S r é . “”

•M. ^ — Ϋ« m e i o
1 hom em , em to d a a s u a
m a a , te r o p a o certo, sem n u n ca lhe h a v e r d e f a l t a r ^ — S e r á
p o r v e n tu ra a ju n ta r m a is ? - tr a b a lh a r mais? - ^ l a v r a r m a is ?
— n egociar m a is? — d e sv e la r m a i s ? — p o u p a r m a is ? — m en tir
m a is ? — a d u la r m a is ? — A lg u n s cu id ã o que estes são os m eios
de te r p ã o , m a s en gan ão-se .( P . A n t. V ie ira ).

M a s eu vos p e rg u n to que a lv itr e vo s p a re c e que se rá este;


— que m eio vo s p a r e c e que se p ó d e d a r p a r a um hom em , em
to d a a su a v id a , te r p ã o certo, sem n u n ca lhe h a ver de f a lt a r .
— R e sp o n d e is ta lv e z que se rá a ju n ta r m a i s , — tra b a lh a r m a is,
— la v r a r m a is, — n egociar m a is, — d e sv e la r m a is, — p o u p a r
m a i s , — m e n tir m a is, — a d u la r m a is.

E s t a é a u ltim a circ u m sta n cia do nosso exam e. E , q u a n d o


a c a b a r ia eu, se h ou vera de seg u ir a té ao cabo este q u a n d o ?—
Q u a n d o f a z e m os m in istro s o que f a z e m ? — e q u a n d o f a z e m o
qu e d evem ? — q u a n d o respon dem ? — q u a n d o deferem ? —
q u a n d o desp a ch ã o ? — q u a n d o ouvem ? — que a té p a r a u m a
a u d iê n c ia sã o n ecessários m u ito s q u a n d o s l ( P . A n t. V ie ira ).

POR INVERSÃO DE FÔRMAS

E s ta é a u ltim a c irc u m sta n c ia do nosso exam e. E p e rg u n to


q u a n d o eu a c a b a r ia , se h ou vera de^ seg u ir a té ao cabo este
q u a n d o . — T o d o s sabem q u a n d o f a z e m os m in istro s o que fa z e m ,
— e q u a n d o f a z e m o que d e v e m : — q u a n d o respondem , —
q u a n d o deferem , — q u a n d o d esp a ch ã o , — q u a n d o ouvem ; —
p o r q u a n to sabe-se que a té p a r a u m a a u d iê n c ia são n ecessários
m u ito s q u an dos.

P o is , se n a u n ião e s tá o rem edio, e n a desu n ião a ru in a ,


p o r q u e nos não acon selh am os com a n o ssa m esm a d esu n iã o
p a r a nos u n irm o s ? — S e r á bem que nos dem os nós a s b a ta lh a s
p a r a que nossos in im ig o s logrem a s v ic to ria s ? — N ã o sabem os
que a n ossa u n iã o é a m a io r g u e rra que lhes p o d em o s f a z e r ?
( P . A n t. V ie ir a ) .

POR INVERSÃO DE FÔRMAS

P o is , se n a u n ião e stá o rem edio, e n a d esu n iã o a ru in a ,


devem o-nos a co n selh a r com a n o ssa m esm a d esu n iã o p a r a nos
u n irm o s. — N ã o se rá bem que nós nos dem os a s b a ta lh a s p a r a
que nossos in im ig o s logrem a s v ic to ria s . — J á sabem os que a
n ossa u n iã o é a m a io r g u e rra que lhes p o d em o s f a z e r .
618 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

DO PONTO EXCLAMATIVO

731. O ponto exclamativo é o signal concomitante,


não só das interjeições violentas, senão também das ex­
pressões apaixonadas; e, como o 'ponto interrogativo, ao
qual o teor do pensamento o conchega ás vezes de modo
a ser difficil discriminar qual seja o mais proprio, tanto
pode elle recortar como concluir a oração, decorrendo dahi
que vai, no primeiro caso, seguido de minu&cula, e no se­
gundo, de maiuscula.
Ex. A h ! — id o la tr a s do m u n do ! — que ta n ta s vezes d a is
a a lm a , e d o b ra is o jo elh o ao dem onio, n ão p e lo m u n do todo,
sen ã o p o r u m a s p a r te s tã o p e q u e n a s delle, que nem m ig a lh a s
do m u n do se p o d e m c h a m a r! — q u a n to s p r in c ip e s d ã o a a lm a ,
e ta n ta s a lm a s ao dem on io p o r u m a cid a d e , p o r u m a f o r t a ­
l e z a ! — q u a n to s títu lo s p o r u m a v i l l a ! — q u a n to s nobres p o r
u m a q u in ta , p o r urna v in h a , p o r u m a c a s a ! (P. Ant. Vieira).

POR INVERSÃO

D irijo -m e a o s id o la tr a s do m u n d o , — a esses que ta n ta s


vezes d ã o a a lm a , e dobrão o jo e lh o ao dem on io, n ão p e lo
m u n do todo, senão p o r u m a s p a r te s tão p e q u e n a s delle, que
nem m ig a lh a s do m u n d o se p o d e m ch a m a r, p a r a que vejã o —
que m u ito s p r in c ip e s d ã o a a lm a , e m u ita s a lm a s ^ao dem on io
p o r u m a cid a d e, p o r u m a f o r ta le z a ; — que m u ito s títu lo s a d ã o
p o r u m a v i lla ; — que m u ito s nobres a d ã o p o r u m a q u in ta ,
p o r u m a v in h a , p o r u m a ca sa .

i r 732. O ponto exclamativo, aliás, discorda theoríca-


mente do interrogativo por não depender, como este, do
uma forma determinada de proposição, e sim ser applicavel
a todas: pois basta, para que tenha cabimento, a enuncia­
ção de um aíFecto vehemente, ou a conveniência de des­
vendar uma allusão irónica.
Ex. E , que v iv ã o e obrem com e s ta in h u m a n id a d e hom ens
que se confessão, q u a n d o p r o c e d iã o tíom ta n ta r a zã o hom ens
sem f é nem sa cra m en to s ! — O h ! re stitu iç õ e s! oh ! co n sciê n c ia s!
oh ! ex a m es ! oh ! confissões ! — S e ja a u ltim a a d m ira ç ã o , e s ta !
— p o is n ão lou vo nem condem no, e só m e a d m ir o ! (P. Ant.
Vieira).
D i z 0 re i que quer f a z e r u m a g u e r r a ; e, a in d a que a em-
p r e z a seja p o u co p r o v á v e l, e o successo, d e p e r ig o s a s con se­
qu ên cias, que respon dem os echos ? « G u e r ra ! — g u e rra ! —
g u e r r a ! n — D i z . que qu er f a z e r u m a p a z ; e, a in d a que a
Qccasião seja in te m p e stiv a , e os p a c to s e condições, p o u co deco-
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO

rosas, que respon dem os echos? a P a z ! — p a z ! — p a z ! n —


D i z que qu er en riqu ecer o erá rio , e p a r a isso m u ltip lic a r os
tr ib u to s ; e, a in d a que os fin s ou p r e te x to s tenhão m a is de
v a id a d e que de u tilid a d e , que respondem os echos? « T r ib u to s!
— tr ib u to s ! — trib u to s! » (P. Ant. Vieira).
Portanto póde-se dizer resumidaraente que é da com­
petência do ponto exclamativo a notação de todos os sen­
timentos brandos ou acres que em oppostas escalas percorre
a alma humana, desde a admiração ingênua, e o sarcasmo
mordaz, até aos enlevos do fervor religioso, o ás impre­
cações da raiva.
Ex. P o is esses celestes orbes, f u n d id o s de a g u a p e la so ­
bera n a m ão do A rtífice S u prem o , o h ! — como é v e rd a d e que
sã o p re g o e iro s de su a g lo r ia ! — Com que ig u a l d e sig u a ld a d e
v is ita 0 sol a te rra , e a s sig n a os tem pos, d o b ra n d o ju n ta m e n te
os d ia s com um m ovim en to de leva n te a poente, e o s a n n o s c o m
ou tro de su l a n o r te ! — Q uão m a g n ifica s e bem o rd e n a d a s são.
S en h or, to d a s v o ssa s o b r a s ! — B e m d ita e a d o r a d a e g lo rifica d a
seja etern am en te vo ssa bondade, sa b ed o ria e om n ipotên cia, que
sã o os tres m ystico s dedos de que co n serva is p e n d e n te a u n i­
v e r sid a d e de to d a s a s c o u s a s! (P. Man. Bernardes).
« D e m a n eira , senhor, que, sem eu d a r o u tra occasião ao
g o v e rn a d o r m a is que dizer-lh e ( como j á d e i co n ta a V. E x . )
que le v a v a u m a p e tiç ã o n a q u a l m e p a r e c ia que, n ão só p e d ia r-I
mercê, m a s f a z i a serviço a S . S ., p o r ser m ateria, d e ju s tiç a e
con sciência, sem ch egar a d e c la ra r q u a l fo s s e a p e tiç ã o , me
respon deu em vozes a lta s que tin h a m elhor consciência que os
p a d r e s d a C om pan h ia, e c r ia m elhor em D e o s que eu, repetin do
p o r v á r io s m odos e sta m esm a in ju ria , e ch am an do-m e c la r a ­
m ente j u d ê o ! — E eu f u i o que descom puz o g o v e rn a d o r de
S u a A la je sta d e , e não o g o vern a d o r de S u a M a je s ta d e a m im !
— que, só p e lo c a ra c te r d e sacerdote, m erecia de q u alqu er
hom em ch ristã o ser tr a ta d o com differen te re sp e ito ! » (P. Ant.
Vieira).
Oh ! — D e o s e S en h or m e u ! — p o r vo ssa in fin ita bon dade
vo s rogo h u m ildem en te m e co n cedais que vos am e de todo o
c o r a ç ã o ! — A m e-vos eu. Senhor, p a r a que d esp reze o m undo,
m ortifiqu e o m eu corpo, e abom ine o p e c c a d o ! — A m e-vo s eu.
S en h or, de todo o coração, p a r a que m e su jeite á vo ssa vo n ­
ta d e , abrace a vo ssa cruz, e p u rifiq u e a m in h a a lm a ! — A m e-
vo s eu. Sen h or, com to d a s a s f o r ç a s d a m in h a a lm a , p a r a que
não tem a a m orte nem o inferno, e conserve sem pre v iv a a lu z
d a f é e de vo ssa g ra ç a , e u ltim a m en te chegue a lo g ra r a d e
vossa g lo r ia ! (P. Man. Bernardes).
« Chegastes, emfim, o mesmo, e não outro, aos pés de
620 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

J u d a s, a sso m b ra d a s e trem en d o a q u e lla s p a r e d e s d e que a


a g u a d a h acia se não sum isse, e o m e ta l se n ão d e r re te s se ! —
E , como se p o r to u a d u re za d a q u e lla p e d r a , e a f e r e z a d a q u elle
bruto, e a v ila n ia ( que so a s sim se p ô d e en carecer) su a ? O
MANUS TORNATiLEs a u r EjE ! — Q u a n d o d e ssa s so b era n a s m ã o s
se h a v iã o d e f o r m a r g rilh õ es de ouro aos p é s d o cubiçôso
tr a id o r p a r a que se esquecesse d a p o u ca e f a ls a p r a ta que es­
p e r a v a d a v e n d a , tã o f ó r a esteve d e se enternecer com ta l v is ta ,
e se lhe a b r a n d a r o coração com ta e s a braços, que no m esm o
tem po e s ta v a d ize n d o d en tro d e s i : J á que a g o ra , como es­
cra vo , m e e s tá s la v a n d o os p é s , eu n esta m esm a n o ite te ve n ­
d e re i com o e sc ra v o ! — O' in so lê n c ia ! — ó d esco m ed im en to ! —
ó m a ld a d e m a is que in fe r n a l! — d ig n a d e que no m esm o
m om ento se a b risse a te rra , e n ão d ep o is reben tasse ta l coração,
m a s logo o tra g a s se m os a b y s m o s ! » (Anonymo, do íris
Clássico).
DOS PONTOS DE EETICENCIA
733. Os pontos de reticcncia servem a marcar, não
só uma parada brusca na emissão dos pensamentos, senão
também qualquer interrupção que, por imitação da lin­
guagem offegante, commette ao conceito do leitor o cuidado
de desenvolver mentalmente o que apenas se lhe apresenta
verbalmente indicado.
Ex. O sen hor re i D . M a n o e l o C o n q u ista d o r, que accres-
centou a o s seu s titu lo s o d a n a veg a çã o , e a en ten deu m elhor
que to d o s, e lhe f e z os m a is sá b io s e p r u d e n te s reg im en to s,
ta m b ém q u iz que se d iv e rtisse m d o s f a s tio s do m a r os seu s n a ­
veg a n tes, e m a n d o u que to d a s a s n á o s fo s s e m p r o v id a s p a r a
is s o ... d e q u e ? D e v io la s, a d ú fe s e p a n d e ir o s , m a s n ão d e b a ­
ra lh o s de c a r ta s . (P. Ant. Vieira).

A horrenda sepultura
Conter nâo póde a luz brilhante e pura
Que, soberana, rege o corpo inerte...
Não descobres em ti um sentimento
Sublime e glorioso, que parece
Tua vida estender além da morte ?
Attenta... escuta bem... olha... examina...!
Em ti deve existir ; eu não te engano.
Tu me dizes que existe... Ah ! meu Fileno !
Como é doce a lembrança
Dessa vida immortal em que, banhado
De ineffavel prazer, o justo goza
Po seu Deos a presença magestosa I
(Souza Caldas).
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 621

DOS PARENTHESIS
734. O parenthesis serve a encerrar, quer palavras
interpoladas como notas explicativas, quer proposições que,
rompendo repentinamente o desenvolvimento natural dos
pensamentos, nelles introduzem uma reflexão que antecipa­
damente os confirma ou infirma. Cumpre tão somente
notar que, tendo um signal de pontuação de recahir no
lugar onde se abre o parenthesis, convem transferir o mesmo
signal para depois do risco com que o parenthesis se fecha;
c que, no fim das palavras assim interpoladas, só cabo,
dentro do parenthesis, o ponto interrogativo ou exclamativo,
se por acaso o requeira o sentido.
Ex. Cicero e P lin io referem que h ou ve um hom em ch a ­
m a d o S tra b o n , de tã o excellen te m ão no escrever, e de tã o
a g u d a v is ta , que escreveu a I lía d a d e H o m ero ( que é um la rg o
liv r o ) em u m p e rg a m in h o que coube no vã o de u m a n o z ( c á ia
a f é d isto sobre seus a u to r e s ! ). D iz e m que este hom em v ia á
d is ta n c ia de cento e tr in ta e cinco m il p a s s o s ; e ( p o r a u to r i­
d a d e de M a rc o V a r r o ) que, n a g u e rra p ú n ic a , do L ilib ê o ,
p ro m o n to rio d a S ic ilia , v ia a a r m a d a que s a h ia d o : p o r to d e
C a rth a g e n a do L e v a n te , e c o n ta v a o num ero d a s n ã o s! (An­
tonio de Souza Macedo).
DA RISCA DE SEPARAÇÃO
735. Apezar de satisfazerem geralmente os signaes do
pontuação a todos os requisitos que tornárão, não só con­
veniente, senão necessária a sua introducção na linguagem
escripta, casos ha que, embora raros, solicitão mais um
signal para eximir o discurso de toda e qualquer dubie­
dade. Este signal, então, vem a ser a risc a de sep a ra çã o ,
O seu alcance significativo consiste em obviar a que
palavras consecutivas sejão tidas como formando um só e
mesmo termo composto, quando realmente constituem ter­
mos diversos. O seguinte exemplo, transcripto sem a risca
de separação, torna patente a facilidade com que póde
alguém cahir em equivoco, na leitura corrida, sobre o ver­
dadeiro sentido da oração.
« S e 0 re i d a M a c e d o n ia , d iz S en eca, ou q u a lq u er outro
fiz e r 0 que f a z o l a d r ã o , o p i r a t a e o r e i , to d o s têm o
m esm o lu g a r, e m erecem o m esm o nome. » Com a risca de se­
paração desapparece toda a incerteza que possa por ven­
tura ter suscitado o teor do trecho: « S e o re i d e M a c e d o n ia ,
d iz Seneca, ou q u a lq u er outro fiz e r o que f a z o l a d r ã o , — o
PIRATA E o REI, to d o s têm 0 m csm o lu g a r, e m erecem o m esm o
nome. » (P. Ant. Vieira).
622 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

Especimen de analyse logica


A d v e r t e n c ia . O argumento é o mesmo das duas pre­
cedentes analyses.
Para se tornar o processo analytico mais intelHgivel,
a cada oração novamente transcripta na sua integra suc­
cédé a sua decomposição em proposições, e finalmente a
especificação de cada proposição na ordem em que appa-
recem os faetos que lhes servem de deelaração symbolica,
evitando-se por este modo a operação intrincada, e muitas
vezes pouco praticável, de sua reconstituição systematica.
1. » ORAÇÃO
« Salomão, o mais sabio de todos os que nascêrão, faz
« uma comparação tão superior ao nosso juizo, que só podia
(( caber no seu. » '
S a lo m ã o , o m a is sa b io d e to d o s os — que n a sc er ã o ( 1 )
— FAZ (2 ) u m a co m p a ra çã o tã o su p e rio r a o nosso ju iz o , —
que só PODIA ( 3 ) ca b er no seu.
A primeira é complementaria; a segunda, principal; a
terceira complementaria.
2. » ORAÇÃO
« Compara o dia da morto com o do nascimento; e,
« na diíFerença destes dous extremos, quem não imaginará
« que se compara o dia com a noite, a luz com as trevas,
« a alegria com a tristeza, a felicidade com a desgraça, a
« cousa mais desejada com a mais temida, e, com a mais
« terrível, a mais amavel? »
C o m p a r a ( 1 ) o d ia d a m o rte com o d o n a sc im e n to ; — e,
n a d iffe ren ça d estes dou s ex trem o s, [ p e r g u n t o ( 2 ) p e lo ho­
mem'] — que n ão im a g in a r á ( 3 ) — que se c o m pa ra ( 4 ) o
d ia com a noite, — [(que se c o m pa ra ( 5 ) ] a lu z com a s tre v a s,
— \_que se c o m pa ra (6 )] a a le g r ia com a tr is te z a , — [q u e se
com pa ra ( 7 ) ] a f e lic id a d e com a d e sg ra ç a , — [qu e se com ­
p a r a ( 8 ) ] a co u sa m a is d e se ja d a com a [c o u sa ] m a is te m id a ,
— e [qu e se c o m pa ra (9 )], com a [c o u sa ] m a is te rr iv e l, a
[c o u sa ] m a is a m a v e l.
A primeira é principal ; a segunda, principal ; a ter­
ceira, complementaria ; a quarta, complementaria encadeada;
emfim todas as demais, complementarias collectivas.
8.‘ ORAÇÃO
> « Sendo, porém, tão prenbe de admiração a proposta,
« mais digna de espanto é a sentença. »
QUINTA PARTE - PONTUAÇÃO 623

Sendo, porém , tão prenhe de adm iração a proposta, m ais


digna de espanto É ( 1 ) a sentença.
Uma só proposição, e portanto principal.
4 .“ ORAÇÃO
« Eesolve Salomão que melhor é o dia da morte que
« o dia do nascimento. »
E e s o l v e ( 1 ) Salom ão — que melhor É ( 2 ) o dia da morte
— que [bom É ( 3 ) ] o dia do nascimento.
A primeira é principal ; a segunda, complementaria ; a
terceira, complementaria encadeada.
i - 5 .» ORAÇÃO
« E, que tem o dia da morte para sér melhor que o
« dia do nascimento? »
E [ p e r g u n t o ( 1 ) pela cousa'] — que t em ( 2 ) o dia da
>morte p a ra ser melhor — que [bom É ( 3 ) ] o dia do nasci­
mento.
A primeira é principal ; a segunda, complementaria ; a
terceira, complementaria encadeada. i
6 .“ ORAÇÃO
O dia do nascimento não é o mais alegro, e o da
« morte, o mais triste ? »
[ P erg u n to ( 1 ) ] — [se] o dia do nascim ento não É (2 ), o
m ais alegre, — e [se] o da morte [não É ( 3 ) ] o m ais triste.
A primeira é principal ; a segunda, complementaria ; a
terceira, complementaria collectiva. i.
. 7 .* ORAÇÃO
■( O do nascimento não é o que povôa o mundo ; o da
« morte, o que abre e enche as sepulturas ? o do nasci-
« mento, o que veste de gala as familias e cortes; o da
« morte, o que as cobre de luto? »
‘ [ P erg u n to ( 1 ) ] — [se] o dia do nascimento não É ( 2 ) o
— que POVÔA ( 3 ) o m undo, — [se] o da morte [não t ( 4 ) ] o
— que ABRE ( 5 ) — e [que'\ e n c h e (6 ) a s se p u ltu ra s ; — [ p e r ­
g u n t o ( 7 ) — [se] 0 do n ascim en to [n ã o É ( 8 ) o — que v e s t e (9 )
de g a la a s f a m ilia s e cortes, — [se] o d a m orte [n ã o É (1 0 )
0 — que a s c o b r e ( 1 1 ) de luto.
A primeira é principal ; a segunda, complementaria ; a
terceira, complementaria encadeada; a quarta, complemen­
taria collectiva ; a quinta e a sexta, complementarias enca-
624 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

deadas conjunctas; a setima, principal; a oitava, comple­


mentaria; a nona, complementaria encadeada; a décima,
complementaria collectiva ; a undecima, complementaria
encadeada.
8. “ ORAÇÃO
« A morte não é o maior inimigo da vida, e o nasci-
« mento não é o que, sendo ella mortal, a immortalisa ? »
[ P erg u n to ( 1 ) — [se] a morte não é ( 2 ) o maior ini­
migo da vida, — e [se] o nascimento não É (3) o — que,
sendo ella mortal, a im m o r t a l is a ( 4 ) .
A primeira é principal ; a segunda, complementaria ; a
terceira, complementaria collectiva ; a quarta, complemen­
taria encadeada.
9. “ ORAÇÃO
« Que é o nascer senão o remedio de não ser? e, que
« seria do mundo, se, em lugar dos mortos, não nascêrão
« outros que lhes succedessem? »
[ P erg u n to ( 1 ) pela cousal — que é (2) o nascer, — se
não [É ( 3 ) ] 0 remedio de não ser ; — e [ p e r g u n t o ( 4 ) pela
cousa"] — que s e r i a (5) do mundo, — se, em lugar dos mortos,
não NASCÊRÃO ( 6 ) outros — que lhes su c c e d e ss e m ( 7 ) .
A primeira é principal; a segunda, complementaria; a
terceira, complementaria encadeada ; a quarta principal ; a
quinta, complementaria ; a sexta, complementaria enca­
deada; a setima, complementaria encadeada.
10. “ ORAÇÃO
« Até em Deos necessita de nascimento a mesma Trin-
« dade, porque, sendo só a pessoa Padre innascivel, Deos,
« sem nascimento, seria um, mas não seria trino. »
I Até em Deos n e c e s s it a ( 1 ) de nascimento a mesma Trin­
dade, — porque, sendo só a pessoa Padre innascivel, Deos, sem
nascimento, s e r i a ( 2 ) um, — mas não s e r ia ( 3 ) trino.
A primeira é principal ; a segunda e a terceira são
incidentes.
11. “ ORAÇÃO
« Pois, se tantos são os bens e felicidades que traz
« comsigo o dia do nascimento, .os quaes todos funesta,
« consume e acaba o dia da morte, que motivo teve o juizo
« de Salomão para antepor o dia da morte ao do nasci-
« mento? »
Pois, — se tantos sÃo ( 1) os bens e felicidades — qu e
TRAZ (2) comsigo o dia do nascimento, — os quaes todos fu­
nesta (3) — CONSUME (4) — e ACABA (5) 0 dia do nasci­
mento^ — [ pergunto (ti) pelo motivo]— que teve (7) o juizo
de. Saloínão para antepor o dia da morte ao do nascimento.
A piimeira é comjjleineiitaria ; a segunda, complemen­
taria encadeada; a terceira, a quarta e a quinta, incidentes
conjuntas; a sexta principal; a sétima, complementaria.
12. “ OKAÇÃO
« Entendcu-o melhor que todos, o maior interprete das
« Escripturas. »
E ntendeu (1) -o melhor— que todos [o entenderão (2)],
— 0 maior interprete das Escripturas.
A primeira é principal ; a segunda complementaria.
13. “ UKAÇÃO
« E’ melhor, diz S. Jeronymo, o dia da morte que o
(í dia do nascimento, porque, no dia do nascimento, ninguém
« póde saber o para que nasce, e só no dia da morte se -'áJ
(( sabe o fim para que nasceu. »
E’ (1) melhor, — mz (2) S. Jeronymo,— o dia da morte
— que [l>om É (3)] o dia do nascimento, — porque, no dia do
nascimerío, ninguém póde (4) saber o — para que nasce (5),
— e {porque] só no dia da morte se sabe (6) o f i m— para
que NASCEU (7).
1
V piin^eira é principal; a segunda, incidente; a ter-
coii’a, complementaria ; a quarta, com])lementaria ; a quinta,
complemoniaria encadeada ; a sexta, complementaria colle-
ctiva; a .sétima, complementaria encadeada.
14. “ OllA(;ÃU
(. láo, no nascimento de Judas e Dimas, se levantasse
. (f figura certa ao que cada um havia de ser em sua vida. a
« do primeiro diria que havia de ser apostolo, e a do sc-
gundo, que havia de ser ladrão : e assim forão na vida. »
Se, no nascimento de Judas e Dimas, se levantasse (1)
figura certa ao — que cada um havia de ser (2) em sua
vida, — a do primeiro diría (3) — que havia de ser (4)
apostolo, — e a do segundo [diría (5)] — que havia de ser (6)
ladrão : — e assim forão (7) na vida.
A primeira é complementaria; a segunda complemen­
taria encadeada; a terceira, principal; a quarta, comple­
mentaria; a quinta, principal; a sexta, complementaria; a
sétima, principal.

I
vV íJ/
626 NOVA GRAMMATICA ANALYTICA

15.» UKAÇÂO

« Mas O verdadeiro juizo do fiin para que cada iim


(( délies nascêra, ainda estava incerto. »
Mas 0^ verdadeiro juízo do fim — para que cada um
delles NASCÊRA (1), — ainda esta v a (2) incerto.
A primeira é compleinentaria ; a segunda principal.
ORAÇÃO.

(( Veiu íinalinente o dia da morte, que foi o mesmo


(( eni que ambos acabarão, e esse dia declarou, com as-
(( sombro do mundo, que Judas nascêra para morrer enfor-
(f cado como ladrão, e Dimas, para confessar e prégar a
« Christo como apostolo. »
V e iu (1) finalmente o dia da morte,—-que foi (2) o
mesmo — em que ambos acabarão (3) ; — e esse dia d e ­
clarou (4), eo?n assombro do mundo, — que Judas nascêra (5)
para morrer enforcado — como [se fôra (6)] ladrão, — e [que']
Dimas [ nascêra (7)] para confessar e prégar a Christo —
como [se fôra (8 )] apostolo.
A primeira e principal; a segunda, incidente; a ter­
ceira, complementaria ; a quarta, principal ; a quinta, com­
plementaria; a sexta, complementaria encadeada ; a sétima,
complementaria collectiva; a oitava, complementaria enca­
deada.

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