Você está na página 1de 10

LinkedIn

 Entrar
 Cadastre-se
Main content starts below.

RESISTÊNCIA E TENACIDADE
DOS AÇOS
 Publicado em 4 de junho de 2016

Annelise Zeemann
SeguirAnnelise Zeemann
Consultor em Materiais

Nos posts passados escrevi sobre propriedades (RESISTÊNCIA


e TENACIDADE) e sobre falhas (SOBRECARGA e FRATURA
FRÁGIL). Agora vamos aos materiais.

Não sei se vocês já pensaram a respeito... mas as propriedades


mecânicas dos MATERIAIS METÁLICOS estão diretamente
relacionadas com sua estrutura metalúrgica, e esta depende
da composição química e do histórico (térmico e mecânico) do
material na fabricação.

PROPRIEDADES = f (ESTRUTURA METALÚRGICA)

ESTRUTURA = f (COMPOSIÇÃO QUÍMICA, HISTÓRICO


TÉRMICO, HISTÓRICO MECÂNICO)

A ESTRUTURA METALÚRGICA pode ser caracterizada como


a estrutura atômica, a microestrutura e a macroestrutura. Não dá
para generalizar e, portanto, meus comentários serão bem
específicos para AÇOS, e a figura do post mostra
esquematicamente o que seria uma barra forjada de aço baixo
carbono, com microestrutura ferrítica, de rede cristalina CCC
(cúbica de corpo centrado). Mais uma vez vou tentar simplificar
ao máximo para facilitar as explicações e vou me preocupar
principalmente com o que importa em termos de engenharia.

Então ... começando pelo básico e acompanhando a figura do post


temos que:
1. Um aço é uma liga entre ferro e carbono (Fe-C), ou seja é
uma LIGA FERROSA.
2. Qualquer metal, ou liga, solidifica com um arranjo atômico
específico formando uma rede com células unitárias que se
repetem. É a ESTRUTURA CRISTALINA, e o encontro
entre as diferentes orientações cristalográficas (que é uma
região de maior energia) se caracteriza como o contorno do
GRÃO.
3. Existem vários defeitos na rede cristalina. Estes defeitos
criam no material uma espécie de “facilidade” para
movimentar os planos. São as discordâncias e sua
movimentação caracteriza a deformação plástica do
material.
4. Nos aços, são os átomos de ferro que formam a rede
cristalina. E os demais átomos (“foreigners”) podem se
posicionar dentro da estrutura do ferro (substituindo um
átomo de ferro ou nos espaços intersticiais), ou podem
formar estruturas próprias.
5. A estrutura cristalina do ferro se modifica com a
temperatura e, para nossa sorte, essa mudança de
estrutura cristalina (ALOTROPIA) é o que permite a
obtenção de microestruturas muito variadas para os
diferentes tipos de aços.
6. O ferro puro solidifica em temperaturas um pouco acima de
1500°C com uma estrutura cristalina cúbica de corpo
centrado (CCC), conhecida como FERRITA (delta), mas ao
resfriar, quando passa em temperaturas na ordem de 1400°C
ocorre um rearranjo para formar uma estrutura cúbica de
face centrada (CFC), conhecida como AUSTENITA (gama)
e, continuando o resfriamento LENTO, ao passar por
temperaturas na ordem de 900°C esta estrutura retorna à
forma CCC, chamada de FERRITA (alfa), e esta estrutura se
mantém até a temperatura ambiente.
7. As transformações alotrópicas são conhecidas como
TRANSFORMAÇÕES DE FASES. No resfriamento a
transformação da austenita é a mais importante (e por isso a
temperatura de transformação é conhecida como
TEMPERATURA CRÍTICA).
8. As temperaturas de transformação se modificam bastante
caso as velocidades de resfriamento se modifiquem (ou seja,
dependendo dos ciclos térmicos).
9. As temperaturas de transformação também se modificam
muito por efeito dos elementos “foreigners”, ou seja
dependendo da composição química dos aços.
10. Existe um efeito chamado de recristalização, que é a
formação de novos grãos quando o material
sofre conformação mecânica em temperatura elevada
(acima da temperatura de recristalização do aço). Como se
formam novos grãos os materiais que recristalizam sofrem
um chamado refino de grão e este efeito pode ser desejável.
Por isso o histórico mecânico (junto com o térmico) é
importante na formação da estrutura e também uma razão
porque materiais conformados a quente são mais uniformes
e de estrutura refinada.

Então ... como mencionei antes, as propriedades mecânicas de um


aço estão diretamente relacionadas com a estrutura metalúrgica,
que varia muito em função da composição química e dos
processos de fabricação (histórico de conformação mecânica e
ciclos térmicos).

Vamos a um exemplo:

Uma chapa de aço estrutural, por exemplo, pode apresentar tensão


limite de escoamento mínima de 36ksi (ASTM A36 por exemplo)
e ser fabricada em aço de baixo carbono, laminado a quente;
enquanto um tubo com costura de aço API 5L X-80 pode
apresentar tensão limite de escoamento mínima de 80Ksi e ser
fabricado em aço carbono-manganês, a partir de chapa com
laminação controlada; e uma mola de aço pode ter tensão limite
de escoamento mínima de 180Ksi, e ser fabricada a partir de barra
forjada, em aço baixa liga de médio carbono, temperado e
revenido. Pode-se constatar, no resumo abaixo, que apesar de
serem todos aços, apresentam diferentes estruturas metalúrgicas e
estão associados a diferentes composições e históricos térmico e
mecânico.

 Aplicação em CHAPA ESTRUTURAL (LE - 36Ksi)


 Estrutura metalúrgica FERRÍTICA
 Composição química - Aço ao carbono de baixo carbono
 Histórico mecânico - Chapa Laminada a quente
 Histórico Térmico - Sem tratamento térmico posterior
 Aplicação em TUBO API X-80 (LE – 80Ksi)
 Estrutura metalúrgica FERRÍTICA
 Composição química - Aço carbono-manganês
 Histórico mecânico - Tubo com costura proveniente de chapa
com laminação controlada
 Histórico Térmico - Sem tratamento térmico posterior
 Aplicação em MOLA (LE – 180Ksi)
 Estrutura metalúrgica MARTENSÍTICA
 Composição química - Aço baixa liga ao Cr e V
 Histórico mecânico - Fio laminado a frio
 Histórico térmico - Temperado e revenido

Na figura abaixo podemos ver a estrutura metalúrgica que seria


típica de cada um destes materiais. Esta figura ilustra,
comparativamente a um aço comum (esquerda), os dois tipos
usuais de mecanismos de aumento de resistência para aços ao
carbono e baixa liga, que são o REFINO DE GRÃO (centro) e a
TRANSFORMAÇÃO MARTENSÍTICA (direita), obtidos
através de processos de conformação e tratamentos térmicos.

Microestruturas de aços ao carbono e baixa liga.

Abro um parêntesis para comentar que estes são conhecidos como


mecanismos de endurecimento em português, mas são de fato
mecanismos de aumento de resistência, “strenghtening
mechanisms” em inglês. Qual a diferença? Endurecimento sugere
aumento de dureza, mas a dureza não tem relação com a
propriedade tensão limite de escoamento (LE), que é a
propriedade usada para ranquear a resistência mecânica.

E o que significa ter maior resistência mecânica? Se formos


lembrar o post de resistência mecânica veremos que a tensão
limite de escoamento (LE) se caracteriza como a tensão mínima
necessária para o material iniciar um processo de deformação
plástica. Pensando metalurgicamente o que acontece durante a
deformação plástica é o deslizamento dos planos cristalinos ou a
movimentação das discordâncias (defeitos na rede cristalina). As
estruturas metalúrgicas que criam dificuldades para a
movimentação das discordâncias, colocando barreiras na estrutura
ou criando tensões internas na rede, causam um aumento da
tensão limite de escoamento (LE), e, portanto, um aumento da
propriedade de RESISTÊNCIA MECÂNICA do aço.

Quando se refina o grão do aço passam a existir muitos contornos


de grão, e com isso é possível aumentar muito a resistência do
aço. Para os aços baixa liga pode-se obter uma estrutura
FERRÍTICA DE GRANULOMETRIA REFINADA que chega a
tensões de até 100ksi, embora sejam necessários elementos de
liga e processamentos especiais, mas este valor é o máximo que
se pode obter em estruturas ferríticas. A grande vantagem de
refinar o grão para aumentar a resistência do aço é que este
mecanismo melhora não somente a resistência mecânica, mas
também a tenacidade, que é a capacidade do material acomodar
tensões elevadas. A desvantagem de usar aços de estrutura muito
refinada é que o aquecimento, mesmo em temperaturas baixas (a
partir de 400°C) pode alterar a estrutura e ele pode perder a
propriedade. Por isso os limites de uso e de fabricação (soldagem
e tratamentos térmicos) são mais restritos.

O outro mecanismo de aumento de resistência é a transformação


martensítica promovida por tratamentos térmicos de TÊMPERA
E REVENIMENTO. Neste caso o que acontece é que os aços
precisam ser resfriados rapidamente a partir de uma temperatura
acima da crítica (conhecida como temperatura de austenitização),
o que não permite o rearranjo da estrutura CFC para se tornar
CCC. O “congelamento” da configuração atômica CFC acaba
causando uma grande distorção na rede cristalina e a
transformação de CFC em uma estrutura tetragonal (TCC), que é
a MARTENSITA, tanto mais tensa quanto mais carbono existir
na rede. Esta é uma estrutura tão frágil que, de uma forma geral,
não pode ser usada sem que seja feito um tratamento de alívio da
estrutura. O resfriamento rápido é a TÊMPERA e o relaxamento
(pela retirada dos átomos de carbono da rede) se chama
REVENIMENTO. Esta é sem dúvida a transformação que causa
o maior aumento de resistência. Facilmente se chega a 200 Ksi de
LE, mas para isso é necessário ter %C mais alto. Dependendo do
nível de tensões internas (tanto maior quanto maior o teor de
carbono e menor a temperatura de revenimento) pode-se quase
bloquear a movimentação das discordâncias e isto faz com que o
LE chegue muito próximo do LR, e cause uma grande
sensibilidade aos concentradores de tensão. Esta é a maior
limitação do uso destes materiais e ao contrário dos aços de
granulometria refinada, neste caso quanto maior a resistência
menor a tenacidade. Esta é, no entanto, a estrutura que tem a
melhor relação de resistência com tenacidade.

Mas nunca se pode generalizar pois mesmo que a chapa tenha


muito menor resistência do que a mola ela não necessariamente
tem tenacidade ... aliás os aços que não são refinados são aqueles
que tem a menor resistência mecânica e a pior tenacidade.

Muitos de vocês talvez especifiquem alguns tipos de aços para


serviços específicos (estruturas metálicas, tubulações, vasos de
pressão, caldeiras, válvulas); outros talvez apenas utilizem
especificações “importadas” de fabricantes e licenciadores de
equipamentos (sem muita análise crítica sobre as características
do aço); ou podem ainda existir aqueles que talvez nunca tenham
pensado nos aços que usam ... , mas se a gente parar e pensar nas
propriedades e na estrutura metalúrgica dos diferentes tipos de
aços, realmente vai ficar impressionado, pois existem aços com as
mais variadas composições químicas (elementos de liga) e com os
mais variados históricos térmicos (ciclos de aquecimento e
resfriamento), fabricados pelos mais diferentes processos
(fundido, conformado a quente, conformado a frio); e ... pensando
um pouco mais a frente ... unidos pelos mais diferentes processos
e procedimentos de soldagem. Por isso precisamos sempre
entender que tipo de material estamos utilizando.

Resumindo:

A resistência mecânica e a tenacidade são propriedades


mecânicas que podem variar para diferentes tipos de aços em
função da estrutura metalúrgica, relacionada com a
composição química e com o processamento (ciclos térmicos e
histórico mecânico). Para aços de baixa liga os dois
mecanismos básicos de aumento de resistência mecânica são o
REFINO DE GRÃO e a TRANSFORMAÇÃO
MARTENSÍTICA, e as limitações de uso de cada tipo de
material dependem da forma como cada propriedade foi
obtida.

Você também pode gostar