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com | Páscoa, 31-03-2024 | ano 48º | nº 2 3 5 6

os novos bárbaros:
a Comunidade Europeia
e os USA 1
A
VERDADEIRA GUER RA escombros de 400 mil casas
DE EXTER MÍNIO QUE arrasadas com bombas de
O ESTADO DE ISRAEL, grande potência.
sob o comando de um crimi-
Como não chamar esta carni-
noso de extrema direita, Ben-
ficina, de barbárie por parte
jamin Netanyahu, faz com os
dos USA e daqueles que, or-
mais de dois milhões de pa-
gulhosamente consignaram
lestinianos da Faixa de
no Preâmbulo da Constitui-
Gaza, apoiado pela maior
ção da União Europeia o se-
potência bélica do mundo, os
guinte:
USA e mais ainda pela inteira
Comunidade Europeia (NA- “O Continente europeu é por-
TO) nos legitima de chamá- tador de civilização, que seus
los de novos bárbaros. Cer- habitantes a habitaram desde
caram os milhões de palesti- o início da humanidade em
nianos na pequena faixa de sucessivas etapas e que no
terra, junto ao mar, para me- decorrer dos séculos desen-
lhor eliminá-los. Para agra- volveram valores, base para o
var sua perversidade, corta- humanismo igualdade dos
ram-lhe a água, os suprimen- seres humanos, a liberdade e
tos alimentares, a energia, os o valor da razão…”.
medicamentos para os hospi- Esta visão não é dialética. Ela
tais. E para chegar ao cúmu- não inclui nem reconhece as
lo, usaram contra a popula- frequentes violações destes
ção bombas de fósforo bran- valores, as catástrofes que a
co que queima as pessoas até cultura europeia produziu
os ossos. com ideologias totalitárias,
Foi uma reação totalmente guerras devastadoras, ma-
desproporcional contra um tando cerca de 200 milhões
ataque terrorista do Hamas no continente e nas colônias,
(a parte militarizada da po- colonialismo, esclavagismo,
pulação civil) feita contra imperialismo, genocídio de
Israel no dia 7. A reação não povos originários (num sécu-
conhece limites éticos, hu- lo morreram na América do
manitários e de mínima Sul, sob a ação dos europeus
compaixão. Mais de 11 mil 61 milhões de indígenas),
crianças foram assassinadas, dizimando inteiras nações
milhares de mães, cerca de em contraste frontal com os
70 mil civis e centenas e cen- valores que proclamou. O
tenas de feridos e ainda os que a Comunidade Europeia,
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como cúmplice, faz na Faixa sa, cuja ressonância alcançou
de Gaza, mostra a sua tradi- Santo Tomás de Aquino, com
cional arrogância e atitude ecos em Freud e Lacan. O
farisaica. Deixo de fora os filósofo afirmou que a mu-
USA que sempre vivem em lher é “um homem que ficou
guerra contra algum país, a caminho”, “um ser inacaba-
cometendo as maiores bar- do e inferior” (mas em latim).
baridades. Detenho-me ape-
Setores tradicionais da Igreja
nas nos europeus.
comparecem como bastiões
Toda esta dimensão trágica culturais que mantém viva e
só foi possível porque nunca ainda reproduzem esta inte-
se reconheceu, de fato, o ou- riorização da mulher. Para
tro como seu semelhante e esses setores as mulheres
nunca se respeitou de forma não gozam ainda de plena
consequente o diferente. Esta cidadania eclesial. Isso aca-
conceção não foi ainda supe- bou prevalecendo no Sínodo
rada na consciência da maio- para a Amazónia, pelo qual
ria dos países europeus. se pretendia conferir um
rosto indígena à fé crista.
Vamos tomar como exemplo
Predominou o paradigma
a inferiorizarão do outro, no
machista, romano e ociden-
caso do tratamento dado às
tal. Índio casado não pode
mulheres.
ser padre por não ser celiba-
Na cultura ocidental em geral tário. Negou-se às mulheres
(sem considerar outras cul- o presbiterado; concedeu-se
turas) tinha centralidade a a uma pequeníssima parcela,
visão patriarcal e machista participar na administração
que conjugou e organizou os institucional da Igreja. Mas
principais valores na forma não lhes foi permitido exer-
do masculino. Em razão des- cer a liberdade com referên-
ta dominação, a mulher foi cia ao direito reprodutivo,
submetida, marginalizada e entre outros, sendo que são
tornada socialmente invisí- mais de 50% da comunidade
vel. cristã.
Criou-se uma justificação Esta interiorização da mu-
ideológica para esta interio- lher cinde a humanidade de
rização. Ela foi tirada em cima abaixo. Confere dema-
Aristóteles que cunhou uma siado poder ao homem. Este,
compreensão preconceituo- ao não reconhecer a alteri-
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dade e a igualdade da mu- das falsas razões da socieda-
lher, perdeu o interlocutor de patriarcal. Elas elabora-
que a natureza e Deus lhe ram uma visão mais holística
haviam dado para juntos do homem e da mulher e de
viverem na cooperação. sua missão na história: criar
Quando o Génesis diz que são relações de parceria no res-
imagem de Deus e feitos ho- peito às diferenças em vista
mem e mulher, entende este de uma relação mais exclu-
facto não como possibilidade dente e menos conflituosa
de reprodução da espécie. entre os géneros e em bene-
Mas como companheiros fício da paz política e religio-
entre si e permanentes inter- sa entre os povos.
locutores.
O que, vergonhosamente,
Esse frente a frente entre ocorre a céu aberto em Ga-
homem e mulher, impediria za, é a prevalência da violên-
uma relação de dominação. E cia masculina, da impiedade
essa, por razões que não cabe para com os mais fracos e a
aqui referir, se implantou.
pura e simples eliminação de
Sem a mulher, o homem pro-
pessoas que para os sionistas
jeta sua força física e capaci-
dade intelectual na lógica da radicais nem deveriam mais
competição na qual só um existir. Mas reitero que com
ganha e todos os demais muito esforço cremos que o
perdem. Impede a coopera- ser humano pode ser melhor:
ção na qual todos ganhariam. pode fazer do distante um
Deixa o campo aberto ao próximo e do próximo um
surgimento de estruturas de irmão e uma irmã. Mas
poder que implicam hierar- quando?
quização e exclusão. Efeti-
vamente tributa-se ao patri- L EO N AR DO BO F F escreveu
arcalismo e ao machismo o com Rose Marie Muraro o livro
tipo de Estado centralizado Feminino e Masculino: uma nova
consciência para o encontro das
que temos, a fabricação da diferenças, Record, RJ
guerra e o estabelecimento 2002/2010; O rosto materno de
de costumes sociais machis- Deus Vozes 11 edições 2012.
tas e de leis discricionárias.
Mas graças à luta histórica LEONARDO BOFF. Teólogo.
das mulheres está se a opera Os novos bárbaros: a Comunidade
uma demolição sistemática Europeia e os USA – Leonardo Boff/
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