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COMPARAÇÃO DE CENÁRIOS DE PAISAGEM OBTIDOS COM AVALIAÇÃO

POR CRITÉRIOS MÚLTIPLOS VISANDO AO “MANEJO” DA BACIA


HIDROGRÁFICA DO RIBEIRÃO DOS NEGROS, SÃO CARLOS - SP

Rogério Nora Lima1 (Centro Federal de Educação Tecnológica do Piauí – CEFET-PI/UNED


Floriano. Rua Francisco Urquiza Machado, 462, Meladão, Floriano – PI. CEP 64800-000)

Termos para Indexação: Cerrado, biodiversidade, uso do solo, cenários, sistema de


informações geográficas.

Introdução
A progressiva destruição dos ambientes naturais pela ocupação humana é considerada
uma das maiores ameaças mundiais à biodiversidade (Saunders et al., 1991; Bierregaard et al.,
1992). Apesar de essa ocupação ocorrer de diferentes maneiras e intensidades,
invariavelmente ela é acompanhada por uma substituição dos ambientes naturais complexos
por outros antrópicos mais simplificados, culminando muitas das vezes em um processo
irreversível (Odum, 2007).
O Brasil é composto fitogeograficamente por 5 domínios fitogeográficos (Rizzini,
1997). Dentre eles, o Cerrado está presente em cerca de 20% da superfície nacional. A sua
ocupação mais intensiva ocorreu com a criação do Programa de desenvolvimento dos
Cerrados e, posteriormente, com iniciativas como o PRODECER, o PADAP e o
PROALCOOL, que estimularam a agricultura altamente mecanizada, visando atingir
produtividades elevadas (Shiki, 1997). Assim, áreas isoladas e pouco valorizadas foram
visadas para financiamento das produções, que transformaram o Cerrado no principal
responsável pela produtividade agrícola do País.
Ao mesmo tempo, o Cerrado possui uma flora considerada entre as mais ricas das
savanas tropicais, apresentando alto grau de endemismo, enquanto que a expansão das
atividades econômicas sobre esse domínio converteu 67% das suas áreas em ambientes
altamente modificados, deixando apenas 20% em seu estado original. Ademais, esse domínio
é fracamente representado em áreas protegidas, uma vez que atualmente apenas 3% de sua
extensão original estão protegidos em unidades de conservação, a maioria com dimensões
inferiores a 100.000 hectares (ha), evidenciando o grau de fragmentação desse ecossistema
(Ab’Saber, 2006).
Nesse sentido, é necessário que o conhecimento existente possa subsidiar à utilização
racional dos seus recursos naturais, estabelecendo limites na sua exploração, sem
comprometer a qualidade dos ecossistemas presentes, os quais em última análise são
responsáveis pela manutenção das condições de produtividade desse bioma.
O presente trabalho teve como objetivo propor um cenário alternativo ao da paisagem
atual, por meio de comparações simuladas com cenários conservacionista e agroprodutivo,
visando a compatibilizar harmonicamente as atividades agro-produtivas e as práticas
conservacionistas.

Material e métodos
O presente estudo foi desenvolvido na bacia hidrográfica do Ribeirão dos Negros,
localizada na região rural do município de São Carlos, S.P., entre as coordenadas planas
7.556.000 Sul/ 218.000 Oeste. O clima é mesotérmico brando e a área pertence à província
geomorfológica das “Cuestas Basálticas”, situada entre as Províncias do Planalto Ocidental e
a Depressão Periférica Paulista, com relevo de aspectos suavizados e declives entre 9 a 12
graus (Ab´Saber, 2006). Historicamente a parte rural da BHRN vem sendo explorada para
usos agropecuários, especialmente agropecuária extensiva e cultivo de cana de açúcar e
silvicultura de Pinus e Eucaliptus. O uso do solo tem como matriz da paisagem os usos
agroprodutivos, com destaque para as propriedades rurais de pequeno e médio porte.
Para produzir os diferentes cenários de paisagem, utilizaram-se técnicas de Avaliação
por Critérios Múltiplos (MCE) em Sistema de informações geográficas (SIG) de acordo com
os passos sugeridos por Eastman (2007) adaptados para o estudo atual. A partir do uso do solo
atual da BHRN foi produzida uma imagem que representa a sensibilidade final da paisagem
aos usos antrópicos diretos dos recursos naturais. A partir dessa configuração implementou-se
Avaliação por Critérios Múltiplos (MCE) a fim de produzir os demais cenários
(predominantemente conservacionista, predominantemente agroprodutivo e conciliador), para
compará-los em termos da alocação dos espaços para as atividades agroprodutivas e para as
práticas conservacionsistas, visando conciliá-las.
Produção do cenário conservacionista - Aptidões conservacionistas ou restrições
relativas ao uso direto dos recursos naturais: situações em que há maior distância das vias; as
áreas na faixa considerada como zona-tampão das áreas naturais; as declividades maiores que
15 graus; as áreas constituídas por solos frágeis (Ross, 2000); os ecossistemas mais sensíveis
à degradação (várzeas e fragmentos de vegetação natural); sítios mais próximos aos cursos
d’água (manutenção de Mata Ciliar mínima de 30 metros e áreas ao redor de nascentes e
reservatórios, com no mínimo 50 metros de largura); a faixa que compreende o 1/3 superior
dos topos de morro com mais de 30 graus de declividade; Áreas destinadas às reservas legais
das propriedades rurais.
Os fatores citados foram obtidos das imagens respectivas (declividade, pedologia, uso
do solo) e convertidos por lógica Fuzzy (Eastman, 2007). Essas superfícies compuseram os
fatores de aptidões e as restrições e aplicou-se ao conjunto de informações uma MCE produzir
o cenário predominantemente conservacionista da BHRN, que foi subdividido em 5 classes de
aptidão de uso conservacionista para quantificar de quanto seria o incremento em área
protegida no caso da implementação desse cenário de paisagem.
Na produção do cenário predominantemente agroprodutivo a lógica de operações foi a
mesma, porém foram consideradas restrições relativas (aptidão em algum grau para usos
agroprodutivos) e restrições absolutas (legais ou recomendações técnicas que inviabilizassem
a exploração da área). Aptidões (restrições relativas): tipos de solo em termos de fertilidade e
de susceptibilidade à degradação (Ross, 2000); maior vocação nos sítios mais próximos das
vias e nos mais próximos dos cursos d’água; uso do solo: considerou-se que diferentes áreas
apresentam vocações distintas, conforme proposição de Lepsch (1983) e Ross (2000).
Restrições absolutas: impossibilidade de uso das Áreas de Preservação Permanente (Matas
Ciliares, áreas de proteção de nascentes e 1/3 superior daqueles topos morro com mais de 30
graus de declividade) e das áreas de reservas legais das propriedades.
Cenário de usos conservacionista e agroprodutivos conciliados: aplicou-se o algoritmo
MOLA (Multi Objetives Land Alocation) do Idrisi (Eastman, 2007), visando obter um cenário
de paisagem no qual os sítios de maior aptidão para uso conservacionistas estivessem
presentes juntamente com aqueles de maior aptidão para os usos agroprodutivos.

Resultados e discussão
No cenário conservacionista obteve-se 6.495 ha de áreas destinadas à conservação,
valor 93,7% maior do que a área existente no cenário atual da BHRN. As áreas antrópicas,
por sua vez, foram reduzidas em 23,3% (Figura 1). Essa proposta equilibrou esse objetivo
com os de natureza agroprodutiva, apresentando potencial para ser discutida, visando à
mitigação dos impactos econômicos sobre as áreas naturais para restaurar a qualidade
ambiental na BHRN. Dessa forma, a incorporação das técnicas automatizadas de MCE
proporcionou vislumbrar de forma ágil, um cenário para o futuro manejo, permitindo compor
um modelo dinâmico, no qual novas variáveis podem ser identificadas e inseridas, para
simular a resposta do sistema às interferências antrópicas.
No cenário agroprodutivo o incremento na área para esse objetivo foi de 30,0%
(Figura 2), sendo interessante notar que, em relação ao cenário atual da paisagem, ainda
assim, foi detectado um aumento potencial de 44,6% nas áreas protegidas, selecionadas por
restrições naturais ou legais, indicando a existência de conflitos de uso do solo (que deveriam
estar sendo conservadas, mas estão sob uso antrópico, como aquelas de Mata Ciliar). Nesse
sentido, foi notado que muitos sítios da BHRN apresentam aptidões que se sobrepõem, o que
é esperado já que, com exceção dos sítios que apresentam restrição absoluta a um uso, todos
os demais apresentam restrição ou aptidão relativa para uma finalidade (Figuras 3a e 3b).
Figura 1: Cenário conservacionista obtido Figura 2: Cenário agroprodutivo obtido por
por MCE. MCE.

A análise voltada à resolução de conflitos entre as superfícies de maior aptidão para


conservação vs. usos agroprodutivos revelou que, na paisagem BHRN, 8.878,40 ha
apresentam vocação predominante para o primeiro uso, sendo o restante da área (9.303,08 ha)
mais vocacionada para a produtividade no meio rural (Figura 4).
Esse estudo demonstrou, como outras inferências testadas nesse sentido (Saunders et
al., 1991; Ross, 2000; Sotomayor, 2000), que é possível analisar as paisagens e identificar
suas potencialidades e limitações para usos diretos, determinando quais dos seus sítios
poderão ser manejados e quais deverão ser conservados. Ele aponta na direção de uma
conciliação de interesses que é fundamental, principalmente nos dias atuais, devido à
crescente pressão sobre os recursos naturais e sobre os espaços que abrigam os remanescentes
ainda conservados dos ecossistemas. Esse aspecto é extremamente relevante quando se
considera que está havendo aumento populacional e no consumo dos recursos, mas também
que a biosfera tem uma capacidade limitada para suportar essas demandas e, ainda, que a
continuidade da vida das espécies, inclusive a da humana, depende da integridade dos
ecossistemas naturais para produzir as condições (bens e serviços ambientais) necessárias a
sua manutenção (Odum, 2007).
Figura 3a: imagem com sítios Figura 3b: imagem com sítios Figura 4: Cenário conciliador
de maior aptidão de maior aptidão obtido a partir das
conservacionista a partir do agroprodutiva a partir do superfícies de aptidão
cenário conservacionista. cenário agroprodutivo. conservacionista e
agroprodutiva.

Conclusões
Deve ser ressaltado que esses resultados podem ser alterados em função do dos
critérios estabelecidos para avaliar a aptidão dos sítios de uma paisagem e que esse estudo
visou apenas provocar uma discussão sobre o potencial da simulação em questões ambientais,
a qual pode ser aplicada nas tomadas de decisão no mundo real, com aplicabilidade
especialmente em situações que envolvam conflitos de uso do solo.
A comparação dos cenários evidenciou que o processo de tomada de decisões com
base na determinação da aptidão das áreas, geralmente apresenta uma grande carga de
subjetividade, a qual pode ser reduzida pelo estabelecimento de critérios que imponham maior
peso às informações de natureza objetiva, pois conforme enfatizou Sotomayor (2000) esse
procedimento não oferece resposta para todos os conflitos de uso observados, mas possibilita
um bom “insight” a respeito das potencialidades de uma paisagem, aceitando esse produto
como um direcionamento a ser discutido com os grupos interessados em atingir uma solução
conciliadora para os diversos usos possíveis, tendo em vista alcançar um planejamento sócio-
ambiental justo.

Referências bibliográficas
AB´SABER, A. Ecossistemas do Brasil. São Paulo: Metalivros. 2006. 299p. il.

BIERREGAARD, R. O. et al. The biological dynamics of tropical rainforest fragments.


Bioscience, v.42, p. 859-866. 1992.

EASTMAN, R. User´s guide for Idrisi Kilimanjaro. Westcets: Massachucets, EUA. 2007.
290p.

LEPSCH, I. F. Manual para levantamento utilitário do meio físico e classificação de


terras no sistema de capacidade de uso. 2 ed. Rev. Campinas: SBCS, 1983. 175 p. il.

ODUM, E. P. Ecologia. Ed. Guanabara-Koogan. 2007. 623 p.

RIZZINI, C. T. Tratado de Fitogeografia do Brasil: aspectos sociológicos e florísticos. v.


2. 1a. ed. São Paulo: Hucitec/EDUSP. 374 p. 1997.

ROSS, J. L. S. Geomorfologia: Ambiente e planejamento. São Paulo: Contexto. 2a. ed.


2000. 85 p.

SAUNDERS, D. A., HOBBS, R. J.; MARGULES, C. R. Biological consequences of


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SHIKI, S. Sistema agrolinear no Cerrado brasileiro: Caminhando para o caos? 1997. In:
SHIKI, S.; SILVA, J. G.; ORTEGA, A. C. Agricultura, Meio Ambiente e Sustentabilidade
do Cerrado Brasileiro. Uberlândia: UFU, 1997. 372 p: il.

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