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Reflexão crítica sobre os critérios de diagnóstico do ICD-11 e DSM-V para a


Perturbação de Luto Prolongado

O luto normal é um processo caracterizado por reações psicológicas graves


como a angústia, a raiva, o choque, que vai evoluindo para uma fase mais integrativa
um ano após a morte. Não é uma condição patológica e, como tal, não requer uma
intervenção específica. No entanto, quando esta integração não ocorre, o indivíduo pode
ter manifestações patológicas relacionadas com o luto (De Stefano et al., 2020).
A Perturbação de Luto Prolongado (PLP) é caracterizada por reações de luto
severas e incapacitantes, por um longo período, após a perda de uma pessoa
significativa (Rosner et al., 2021). A inclusão da PLP no ICD-11 e no DSM-5 veio
introduzir um consenso relativamente às definições de luto patológico (Eisma, 2023).
Da perspetiva da PLP, os sintomas de luto por si só não são atípicos nem
patológicos, caracterizando-se por sintomas normais de luto que permanecem
demasiado intensos por um período demasiado longo. Este é um diagnóstico que se
aplica a enlutados em risco de stress e disfunção significativa, e que, ao preencherem os
critérios de diagnóstico do DSM-V e do ICD-11, podem beneficiar de tratamento
especializado (Prigerson, Singer & Killikelly, 2023).
Embora os manuais de diagnóstico reconheçam a gravidade e persistência dos
sintomas relacionados com o luto, algumas questões importantes colocam-se. Uma
questão prende-se com o facto de o luto patológico poder ser confundido com outras
perturbações, em particular com o Luto Agudo, a Perturbação da Ansiedade de
Separação, a Depressão Major e a Perturbação de Stress Pós-Traumático, devido à
sobreposição de sintomas. Assim, torna-se bastante importante conhecer as patologias
específicas e as características de cada uma, de modo que o diagnóstico seja correto. Só
assim pode o tratamento ser adequado.
Um dos principais critérios para a PLP é a duração dos sintomas, normalmente
com duração de pelo menos seis meses após a morte de um ente querido (APA, 2022).
Contudo, o luto é um processo altamente individualizado e não há consenso sobre o
período de tempo apropriado para distinguir entre reações de luto normais e
prolongadas. Definir um cronograma rígido pode tornar patológicas as variações
naturais no processo e ignorar a complexidade das experiências de luto. Nas palavras de
Emília Agostinho, no vídeo visualizado em aula, “Não há tempo de luto. O luto é muito
longo”.
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Penso que outro ponto importante será que os critérios de diagnóstico para a PLP
podem não ter em conta as diferenças culturais nos rituais, crenças e expressões do luto.
O que pode ser considerado luto prolongado num contexto cultural pode ser
inteiramente normativo noutro. O não reconhecimento destas variações culturais pode
levar à má interpretação das reações de luto e dificultar o diagnóstico e o tratamento
culturalmente sensíveis.

Bibliografia
American Psychiatric Association. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (5th ed., text rev.). https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425787
De Stefano R, Muscatello MRA, Bruno A, et al. (2021). Complicated grief: A
systematic review of the last 20 years. International Journal of Social
Psychiatry.;67(5):492-499. doi:10.1177/0020764020960202
Eisma MC. (2023). Prolonged grief disorder in ICD-11 and DSM-5-TR: Challenges and
controversies. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry.
Jul;57(7):944-951. doi: 10.1177/00048674231154206.
Prigerson HG, Singer J, Killikelly C. (2023). Prolonged Grief Disorder: Addressing
misconceptions with evidence. American Journal Geriatric Psychiatry. Nov 3:
S1064-7481(23)00469-4. doi: 10.1016/j.jagp.2023.10.020.
Rosner, R., Comtesse, H., Vogel, A., & Doering, B. (2021). Prevalence of prolonged
grief disorder. Journal Of Affective Disorders, 287, 301-307.
https://doi.org/10.1016/ j.jad.2021.03.058

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