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Exercício n.

º 14

Lendo este artigo

Artigo:

O arranque do ano parlamentar ficou marcado pela notícia do


regresso dos debates quinzenais, com António Costa a ter de se
deslocar a São Bento com maior frequência, num palco onde se
sente bastante confortável e onde costuma arrecadar vitórias
políticas. Seguramente, a oposição esfrega as mãos, mas veremos
se não sairá pior a emenda que o soneto, visto não encontrar na
bancada do PSD a capacidade para enfrentar o primeiro-ministro.
Mais uma vez, vai-se sair reforçado o Chega e a IL, a nível
mediático e de soundbite, o que será ouro sobre azul para a
estratégia do Partido Socialista.

Assim sendo, e chegando ao que realmente importa,


esta reentré da AR pareceu deixar em nota de rodapé a
continuação dos trabalhos da Comissão de Revisão Constitucional,
que PS e PSD já adiaram para o final deste mês. Ao dia de hoje, a
putativa alteração da Lei Fundamental parece encaminhar-se
para ser extremamente redutora, com o PS a querer restringir
qualquer ímpeto de alterações estruturais na Constituição. O que
me leva precisamente ao que me inquieta e onde creio ser
fundamental (re)abrir a discussão de forma mais audível, num
momento onde ainda estamos a três anos das próximas eleições
legislativas (veremos se sim, o que comprova a urgência deste
debate): a reforma do sistema eleitoral. Neste momento, presumo
que os leitores mais experientes tenham soltado uma gargalhada,
como quando os nossos avós nos contam a mesma história pela
enésima vez. Contudo, nunca é demais trazer de volta algo que
pode redefinir a aproximação dos eleitores aos eleitos e ao
sistema, quando atravessamos um período histórico de muita
dúvida e afastamento face ao mesmo. Empurrar com a barriga
tem sido a estratégia do regime democrático e quando estamos a
atingir os 50 anos do mesmo, pedem-se índices mais elevados de
maturidade.

Neste sentido, é com enorme pena que vejo este debate limitado à
questão da redução do número de deputados, como salvação para
todas as arestas a limar do sistema. Note-se, desde já, que é uma
demonstração clara do sinal dos tempos, de populismo e de
resposta fácil à insatisfação das pessoas com o desfasamento
entre a vida que levam em relação aos titulares de cargos
políticos. Contudo, é preciso olhar para os factos e constatar que
Portugal se encontra perfeitamente na média a nível de número
de deputados face à população do país, na União Europeia. É
crucial apresentar os dados, que são da Divisão de Informação
Legislativa da AR de 2021, que mostram que Portugal até se
encontra abaixo da média europeia (contando com o Reino
Unido), efetuando a comparação com habitante e eleitores. Por
isso, é necessário que se alargue a discussão e se proponham
verdadeiras reformas estruturais que tenham em foco dois
grandes objetivos: sejam de fácil perceção e entendimento para
todos os eleitores e reduzam as desigualdades causadas pela mera
distribuição proporcional feita pelo método d´Hondt.

Deste modo, proponho uma alteração clara com vista a assumir


um modelo misto, no sentido do alemão, onde existem
expressamente dois votos distintos, na altura de decidir quais os
nossos representantes no Parlamento. A grande mudança, para
além da já anunciada, prende-se com a possibilidade de ter um
voto direto num candidato e outro num partido, não tendo de ser
o mesmo. Passando a explicar de forma mais concreta: o eleitor
chega à mesa de voto e tem à sua disposição dois boletins
distintos: um onde vota num candidato a deputado concreto de
um partido (ou independente) que pertence ao seu círculo
eleitoral e no outro, escolhe um partido em concreto, a nível
nacional. Este voto nacional funciona como círculo de
compensação à potencial fragmentação causada pelo voto direto
nos deputados e permite balancear a proporcionalidade e a
governabilidade, introduzindo este último a melhor das
novidades: a aproximação real dos eleitores face aos deputados e
consequente melhor conhecimento dos mesmos e a
responsabilidade dos eleitos em prestar contas a quem os elegeu,
contrariamente ao controlo atual dos partidos face aos seus
deputados.

As inquietações relacionadas com esta mudança prendem-se


muitas vezes com a inclinação para os resultados eleitorais neste
tipo de sistema ser de governos de coligação e a sua potencial
fragilidade. Porém, creio que a nossa democracia iria beneficiar
de uma maior transparência e cooperação entre partidos,
permitindo aos de pequena e média dimensão se tornarem mais
adultos, sentando-se na mesa redonda e deixando certos ímpetos
de protesto. De seguida, acredito que o número de deputados
possa ser volátil, tal como acontece na Alemanha, permitindo
ajustar a proporcionalidade da composição da AR, não
permitindo que a percentagem nacional de um partido seja
afetada pelos resultados que tem no voto direto. Esta alínea pode
ser importante para que PS e PSD, os grandes bloqueadores de
uma reforma de fundo, possam aceitar a mudança.

Em tempos de descrédito na classe política, deve partir da mesma


a vontade de recuperar a confiança. Numa relação, quem erra
tem de ter a humildade de dar o primeiro passo, sendo que nesta
de que estamos a falar é peremptório que assim seja, com o risco
de, não o fazendo, estar a contribuir para um desalento cada vez
mais profundo no sistema político e no poder de decisão dos
próprios eleitores. Se conhecermos a cara daquele em quem
votamos, estaremos mais vigilantes e existirá uma maior pressão
de quem é eleito para apresentar resultados, estando mais
dependente dos eleitores do que das direções partidárias. Seria
uma pena que esta janela de revisão constitucional não
aproveitasse esta oportunidade. Aos 50 anos, há que saber
assumir os erros e querer fazer melhor pelo futuro da
democracia portuguesa.

esclareça:

1. Que sistemas eleitorais são congregados neste «sistema misto» proposto;

2. Se e em que medida no vertente artigo é feita referência ao sistema de

partidos;

3. Se o processo de revisão constitucional ali referido se traduz numa

revisão ordinária ou extraordinária da Constituição e porquê;

4. Porque é que o P.s. e o P.S.D. podem ser ali qualificados como partidos

«bloqueadores» da revisão constitucional; e

5. Se seria possível, por revisão constitucional, eliminar o sistema

eleitoral de representação proporcional para a eleição da Assembleia da

República, substituindo-o por um sistema idêntico ao do Reino Unido.

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